Relatório de Pesquisa
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Relatório de Pesquisa
Relatório de Pesquisa RP0502 – junho, 2005 PESQUISA SOBRE A COMPETITIVIDADE NA CADEIA PRODUTIV A DA EMPRESA BRASILEIRA PRODUTIVA PARTE I Equipe do Processo Desenvolvimento FDC Coordenação Geral: Rosiléia Milagres Centro Alfa – Campus Aloysio Faria Av. Princesa Diana, 760 – Alphaville Lagoa dos Ingleses 34000-000 – Nova Lima, MG – Brasil Tel.: 55 31 3589-7376 Fax: 55 31 3589-7402 e-mail: [email protected] – www.fdc.org.br Agradecemos às empresas parceiras do CTE (Centro de Tecnologia Empresarial) pela parceria neste trabalho e apoio no desenvolvimento do conhecimento e formação de lideranças em empresas brasileiras FUNDAÇÃO DOM CABRAL FUNDAÇÃO DOM CABRAL DESENVOL VIMENTO DE EXECUTIVOS E EMPRESAS DESENVOLVIMENTO DESENVOL VIMENTO DE EXECUTIVOS E EMPRESAS DESENVOLVIMENTO Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira PESQUISA SOBRE A COMPETITIVIDADE NA CADEIA PRODUTIVA DA EMPRESA BRASILEIRA EQUIPE Inovação Coordenação Diretor de Desenvolvimento • Carlos Alberto Arruda de Oliveira Coordenação Geral • Rosiléia Milagres • Luis Antônio Capanema Pedrosa Pesquisadores • Linda Goulart • Jordan Nassif Leonel Marketing Áreas de Pesquisa Coordenação • Mauro Calixta Tavares Desenvolvimento Sustentável Coordenação Pesquisador • Cláudio Bruzzi Boechat • Luis Alexandre Simpson do Amaral Pesquisadores • Maria Raquel Grassi Ferreira Marques • Raimundo Soares Finanças Coordenação • Virgínia Izabel de Oliveira Pesquisadores Estratégia • Guilherme Dornas Coordenação • José Antônio de Sousa Neto • Rosiléia Milagres Tratamento Estatístico dos Dados Pesquisadores • Edna do Nascimento • Edna do Nascimento • Maria Celeste Reis Lobo de Vasconcelos Apoio Executivo • Bernardo Vieira Coelho Gestão de Pessoas Coordenação • Anderson de Souza Sant’anna • Karina Carneiro Morais • Ismael Dias Campos • Leandro Soares Amorim • Lucas Arantes • Paulo Henrique Horta Nunes Pesquisadores • Rafael Wilber Kerr • Bernardo Vieira Coelho • Fernanda Barrence Revisão Técnica e Redação • Luciana Carvalho de Mesquita Ferreira • Ângela Melo Rodrigues Martins “A equipe do Processo Desenvolvimento da FDC, coordenada pela professora Rosiléia Milagres, desenvolveu esta pesquisa com recursos provenientes do CTE (Centro de Tecnologia Empresarial). Copyright 2005, Fundação Dom Cabral. Para cópias ou permissão para reprodução, contatos pelo telefone 55 31 3589-7250 ou e-mail: [email protected]. Reproduções integrais ou parciais deste relatório somente com a autorização expressa da FDC. É permitida a citação de dados, tabelas, gráficos e conclusões, desde que indicada a fonte.” 1 Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira AGRADECIMENTOS Aos executivos e funcionários das empresas componentes do CTE, pela contribuição inestimável, sem a qual esta pesquisa não teria se realizado. Aos executivos e funcionários das empresas componentes da amostra, pela dedicação e espírito de colaboração. Aos colegas Antonio Batista da Silva Júnior e Matheus Cotta de Carvalho, pelo estímulo durante todo o percurso deste projeto. 3 Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira PARTE I – REFERENCIAL TEÓRICO 5 Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira SUMÁRIO PARTE I – REFERENCIAL TEÓRICO .............................................................................. 05 1.INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 15 1.1. O conceito de sustentabilidade e o futuro das organizações ........................................ 15 1.2. A sociedade em rede e a economia do aprendizado ....................................................... 17 1.3. Competitividade na cadeia produtiva ............................................................................ 18 1.4. A gestão da cadeia produtiva no âmbito da gestão de recursos humanos .................... 19 1.5. As mudanças da prática e conteúdo do marketing e a evolução das métricas ............. 20 1.6. Indicadores de finanças: benefícios diversos, propósitos distintos ............................... 22 1.7. A evolução dos indicadores de performance .................................................................... 23 1.8. O Balanced Scorecard ....................................................................................................... 27 1.9. A pesquisa ....................................................................................................................... 29 2. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL .......................................................................... 31 2.1. Introdução ...................................................................................................................... 31 2.2. Objetivos ........................................................................................................................ 31 2.3. Cadeias produtivas, stakeholders e sustentabilidade ...................................................... 32 2.4. Fundamentos .................................................................................................................. 33 2.4.1. A evolução do conceito de “desenvolvimento sustentável” ...................................... 33 2.4.2. O conceito de “desenvolvimento sustentável” .......................................................... 35 2.4.3. Algumas iniciativas de governos, instituições e empresas ......................................... 37 2.4.4. Sustentabilidade e negócios ........................................................................................ 40 2.5. Abordagem sistêmica ...................................................................................................... 43 2.5.1. Sistematização das relações com os stakeholders ........................................................ 43 2.5.2. Medição como suporte à gestão ................................................................................. 44 2.5.3. Critérios para a definição de indicadores de sustentabilidade .................................... 44 2.6. Traduzindo para a prática ............................................................................................... 45 2.6.1. Os indicadores recomendados pelo Global Reporting Initiative ................................... 45 2.6.2. Os estudos do Business in the Community ................................................................... 46 2.6.3. Os indicadores Ethos ................................................................................................... 47 2.6.4. Os indicadores do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas .................. 48 7 Relatório de Pesquisa – RP0502 2.6.5 Os indicadores do Conselho Empresarial Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável – CEBDS ........ 49 2.7. Conclusões sobre o referencial teórico .......................................................................... 50 2.7.1. Avaliação dos modelos de indicadores de sustentabilidade disponíveis ..................... 50 2.7.2. Tendências – vida e sustentabilidade .......................................................................... 50 3. ESTRATÉGIA ..................................................................................................................... 52 3.1. Introdução ...................................................................................................................... 52 3.2. A economia do aprendizado versus a economia do conhecimento ............................... 54 3.2.1. Dados, informação e conhecimento ........................................................................... 55 3.2.2. Conhecimento tácito versus explícito ........................................................................ 56 3.2.3. Diferentes tipos de conhecimento e aprendizagem ................................................... 56 3.3. A importância da inovação ............................................................................................. 58 3.3.1. Aprendendo com o ambiente externo ........................................................................ 60 3.4. A realidade estratégica da atualidade ............................................................................. 61 3.4.1. Discussão recente sobre estratégia ............................................................................. 61 3.5. A sociedade em rede ....................................................................................................... 63 3.6. A estratégia na sociedade em rede ................................................................................. 65 3.7. A experiência da Toyota na gestão da cadeia produtiva ................................................ 67 3.7.1. Criação de uma identidade de rede e compartilhamento de conhecimento ............. 69 3.7.2. Regras de rede para a proteção do conhecimento e apropriação de valor .................. 70 3.7.3. Criação de múltiplas rotinas de compartilhamento de conhecimento ...................... 71 3.7.4. Riscos da rede Toyota e como a empresa tem lidado com eles .................................. 72 3.8. Conclusões sobre o referencial teórico .......................................................................... 72 4. GESTÃO DE PESSOAS ...................................................................................................... 73 4.1. Introdução ...................................................................................................................... 73 4.1.1. Do modelo de administração de recursos humanos ao modelo estratégico de gestão de pessoas .................................................................................................................... 76 4.1.2. Gestão de pessoas: da dimensão técnica à estratégica ............................................... 83 4.2.Modelo estratégico de gestão de pessoas: evidências empíricas de descritores de melhores práticas. ................................................................................................................... 84 4.3. Conclusões sobre o referencial teórico .......................................................................... 89 5. INOVAÇÃO ....................................................................................................................... 90 5.1. Introdução ...................................................................................................................... 90 8 Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira 5.2. Ciência versus tecnologia, invenção versus inovação .................................................... 91 5.3. Tipologia de inovação ..................................................................................................... 92 5.4. Os elementos da inovação ............................................................................................. 93 5.5. Inovação em rede e na cadeia produtiva ........................................................................ 96 5.6. Caracterização da atividade inovadora – sistema versus processo ................................. 99 5.7. Indicadores de inovação – organização e rede ............................................................... 100 5.8. Conclusões sobre o referencial teórico .......................................................................... 102 6. MARKETING .................................................................................................................... 103 6.1. Introdução ...................................................................................................................... 103 6.2. O conceito de orientação para o mercado ..................................................................... 103 6.3. Evolução do desenvolvimento de indicadores de performance no marketing ................ 105 6.4. O processo de combinação de métricas ......................................................................... 109 6.5. Métricas orientadas à cadeia produtiva ......................................................................... 109 6.6. Considerações finais sobre o referencial teórico ............................................................ 111 7. FINANÇAS ........................................................................................................................ 111 7.1. Introdução ...................................................................................................................... 111 7.2. Evolução da área financeira ............................................................................................ 112 7.2.1. A função financeira nas décadas de 20, 30 e 40 ......................................................... 112 7.2.2. A função financeira nas décadas de 50, 60 e 70 ......................................................... 113 7.2.3. A função financeira na década de 70 .......................................................................... 113 7.2.4. A função financeira na década de 80 .......................................................................... 117 7.2.5. A função financeira na década de 90 .......................................................................... 118 7.3. A função da área financeira ............................................................................................ 120 7.3.1. A decisão de investimento .......................................................................................... 121 7.3.2. A decisão de financiamento ........................................................................................ 121 7.3.3. A política de dividendos .............................................................................................. 122 7.4. Os indicadores financeiros ............................................................................................. 122 7.5. O ciclo operacional e o ciclo financeiro ......................................................................... 124 7.6. A geração de valor........................................................................................................... 125 7.7. Opções reais .................................................................................................................... 127 7.7.1. Métodos clássicos de avaliação de projetos ................................................................ 128 9 Relatório de Pesquisa – RP0502 7.8. Valor em risco ................................................................................................................. 131 7.9. Conclusões sobre o referencial teórico .......................................................................... 132 8. PAINEL DE BORDO TEÓRICO ........................................................................................ 132 8.1. Introdução ...................................................................................................................... 132 8.2. Elaboração do Quadro Resumo Estratégico ................................................................... 134 8.2.1 A visão .......................................................................................................................... 134 8.2.2. As perspectivas estratégicas ........................................................................................ 135 8.2.3. Os objetivos estratégicos ............................................................................................. 135 8.2.4. Os objetivos predecessores .......................................................................................... 135 8.2.5. Os indicadores de resultado ........................................................................................ 135 8.3. Elaboração do Mapa Estratégico (ME) ........................................................................... 135 8.3.1. As ovais em suas perspectivas ..................................................................................... 135 8.3.2. O Modelo Ampliado desenvolvido à luz dos pilares principais do Balance Scorecard..136 8.3.3. Relações de causa e efeito do modelo ......................................................................... 136 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ................................................................................. 152 PARTE II – ANÁLISE DE RESULTADOS ......................................................................... 153 9. PROCEDIMENTO METODOLÓGICO ........................................................................... 159 9.1. Introdução ...................................................................................................................... 159 9.2. Objetivo da pesquisa ...................................................................................................... 159 9.2.1. Aspectos analisados ..................................................................................................... 159 9.3. Abordagem metodológica ............................................................................................... 161 9.3.1. Metodologia da pesquisa de campo ............................................................................ 161 10. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ........................................................................ 165 10.1. Introdução .................................................................................................................... 165 10.2. Pesquisa qualitativa ...................................................................................................... 165 10.2.1. Caracterização das empresas entrevistadas .............................................................. 165 10.2.2. Resultados da pesquisa qualitativa ........................................................................... 167 10.3. Pesquisa quantitativa ................................................................................................... 180 10.3.1. Caracterização das empresas entrevistadas .............................................................. 180 10.3.2. Sustentabilidade na empresa .................................................................................... 180 10.3.3. Sustentabilidade na cadeia produtiva ....................................................................... 185 11. ESTRATÉGIA ................................................................................................................... 194 10 Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira 11.1. Introdução .................................................................................................................... 194 11.2. Metodologia ................................................................................................................. 194 11.3. Resultados da pesquisa ................................................................................................. 195 11.3.1. Caracterização da amostra ........................................................................................ 195 11.3.2. Análise dos relacionamentos na cadeia produtiva .................................................... 200 11.3.3. Estratégia global da empresa ..................................................................................... 205 11.4. Discussão dos resultados e conclusões ........................................................................ 214 12. GESTÃO DE PESSOAS .................................................................................................... 216 12.1. Introdução .................................................................................................................... 216 12.2. Etapa qualitativa .......................................................................................................... 217 12.2.1. Caracterização das empresas pesquisadas ................................................................. 217 12.3. Etapa quantitativa ........................................................................................................ 227 12.3.1. Caracterização das empresas pesquisadas ................................................................. 227 12.3.2. Apresentação dos resultados ..................................................................................... 228 13. INOVAÇÃO ..................................................................................................................... 233 13.1. Introdução .................................................................................................................... 233 13.2. Pesquisa exploratória .................................................................................................... 233 13.2.1. Características gerais da organização quanto à gestão da inovação ......................... 234 13.2.2. Tipos de inovação gerados e freqüência de ocorrências ............................................ 234 13.2.3. Fontes de inovação .................................................................................................... 235 13.2.4. Participantes nos processos de inovação ................................................................... 236 13.2.5. Barreiras à inovação ................................................................................................... 236 13.2.6. Características da gestão empreendedora ................................................................. 237 13.2.7. Gestão de pessoas ...................................................................................................... 238 13.2.8. Origem de recursos .................................................................................................... 239 13.2.9. Utilização de indicadores .......................................................................................... 240 13.3. Pesquisa quantitativa ................................................................................................... 241 13.3.1. Caracterização da amostra ........................................................................................ 241 13.3.2. Objetivos estratégicos almejados para a atividade de inovação ............................... 241 13.3.3. A utilização de indicadores relacionados à inovação ................................................ 242 13.3.4. Importância atribuída ao acompanhamento versus utilização de indicadores ........ 243 13.3.5. Conexão entre objetivos estratégicos e indicadores utilizados para monitorar a .... evolução do desempenho na direção desses objetivos ............................................. 244 11 Relatório de Pesquisa – RP0502 13.3.6. Relação entre a utilização de indicadores de inovação na empresa e na cadeia ....... produtiva e contingências da empresa ...................................................................... 244 14. MARKETING .................................................................................................................. 245 14.1. Introdução .................................................................................................................... 245 14.1.1. Caracterização da amostra ........................................................................................ 245 14.1.2. Estratégia global das empresas .................................................................................. 250 14.1.3. Análise dos relacionamentos na cadeia produtiva .................................................... 252 14.1.4. Discussão ................................................................................................................... 258 15. FINANÇAS ...................................................................................................................... 261 15.1. Introdução .................................................................................................................... 261 15.2. Análise dos resultados da pesquisa prévia .................................................................... 261 15.3. Análise dos resultados da pesquisa quantitativa ......................................................... 266 15.3.1. Caracterização das empresas pesquisadas ................................................................. 266 15.3.2. Resultados da área de finanças ................................................................................. 268 15.4. Discussão ...................................................................................................................... 273 16. CONCLUSÕES ................................................................................................................ 274 16.1. Desenvolvimento sustentável ..................................................................................... 274 16.1.1. Resultado da pesquisa conceitual ............................................................................. 275 16.1.2. Resultado da pesquisa de campo qualitativa ............................................................ 276 16.1.3. Resultados da pesquisa de campo quantitativa ........................................................ 277 16.1.4. “Cardápio” de indicadores ......................................................................................... 279 16.1.5. Alguns comentários ................................................................................................... 279 16.2. Estratégia ...................................................................................................................... 280 16.2.1. Amostra ..................................................................................................................... 280 16.2.2. Fator de análise da estratégia de relacionamentos na cadeia produtiva ................... 280 16.2.3. Análise da estratégia de relacionamentos na cadeia produtiva ................................ 280 16.2.4. Indicadores de relacionamentos utilizados pela empresa na cadeia produtiva ........ 282 16.2.5. Indicadores de relacionamentos na cadeia produtiva pelos quais os acionistas se .. interessam .................................................................................................................. 282 16.2.6. Análise da estratégia global da empresa e uso de algum medidor de acompanhamento ...... 283 16.2.7. Indicadores que os acionistas utilizam para acompanhar o desempenho da estratégia da empresa ................................................................................................. 284 16.2.8. Possíveis interpretações para os resultados ............................................................... 284 12 Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira 16.2.9. Análise da empresa benchmarking .............................................................................. 285 16.2.10. Análise da estratégia global da empresa e uso de algum medidor de acompanhamento .... 286 16.2.11. Os medidores utilizados para o acompanhamento das orientações estratégicas .. 286 16.3. Gestão de pessoas ......................................................................................................... 287 16.4. Inovação ....................................................................................................................... 289 16.5. Marketing ..................................................................................................................... 292 16.6. Finanças ........................................................................................................................ 292 17. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 293 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 293 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ................................................................................. 302 13 Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira 1. INTRODUÇÃO O ambiente competitivo tem sido objeto de crescente preocupação por parte de estudiosos e estrategistas em diferentes níveis de abordagem: organizações, setores e nações. A interdependência que se verifica entre essas várias perspectivas torna complexo qualquer tipo de análise que se pretenda mais abrangente. Há, contudo, algumas possibilidades que, mesmo tendo como foco uma dessas unidades, podem trazer, a partir da consideração dessa interdependência, contribuições ao aprimoramento da compreensão da competitividade. A empresa é uma dessas unidades. Algumas empresas atingiram uma amplitude de atuação tão expressiva que passaram a ser dependentes de recursos naturais, tecnológicos e de conhecimento, em escala planetária, para se manter competitivas. Outras, mesmo não tendo alcançado esse patamar, dependem de acesso a recursos críticos para se manter no mercado. Os contornos das fronteiras dessa interdependência tornam-se pouco definidos, e a tentativa de sua melhor compreensão terá pouco significado se não corresponder a conquistas de vantagens competitivas sustentáveis. A cadeia produtiva é o núcleo dessa interdependência , e sua compreensão será cada dia mais fundamental para a competitividade e sustentabilidade das empresas. Pode-se inferir que essa teia de inter-relações nucleadas na cadeia produtiva está conduzindo a um novo formato de organizações sociais e econômicas e suas configurações em rede. Um dos desafios que se coloca diante dessa nova sociedade em rede refere-se à compreensão e aprendizagem da nova economia para que sua dinâmica possa ser continuamente melhorada. Outro desafio refere-se à mensuração desse esforço. A crescente complexidade de inovações traz como conseqüência, em termos de mensuração, a inadequação das medidas financeiras tradicionais, atualmente em uso. Requer a inclusão de medidas não financeiras para que, combinadas às anteriores, possam produzir resultados mais satisfatórios e abrangentes. É dessa combinação de medidas de desempenho que trata o presente estudo. Busca contribuir para uma melhor compreensão desses aspectos que, gradualmente, vão se tornando essenciais à mensuração do sentido e do significado das ações empresariais para provocar impactos em um ambiente cada vez mais complexo e repleto de incertezas. 1.1. O conceito de sustentabilidade e o futuro das organizações A abordagem do conceito de sustentabilidade apóia-se na construção de dois cenários. Um otimista, no qual o ecossistema global estará protegido e produtivo, o clima da terra será estável e saudável, a população humana estará dentro da capacidade do planeta e todas as pessoas gozarão de segurança alimentar e de boa saúde. Ou seja, que as coisas boas foram preservadas e os problemas de hoje foram superados. O outro cenário, pessimista, decorre de uma descrença em nossa capacidade, como humanidade, de reverter formas de viver que resultam em desequilíbrios perigosos do ecossistema e da sociedade. A dúvida quanto à ocorrência do primeiro cenário prende-se à manutenção da dependência das economias dos países desenvolvidos dos recursos não renováveis produzidos em outras economias, e a degradação do ambiente provocada pela geração do valor econômico. Alguns desses processos são irreversíveis no mundo físico, como a destruição da camada de ozônio, a mineração predatória, o lixo tóxico, para citar alguns. Esses desequilíbrios ecológicos associados à má geração e distribuição de riquezas colocam em risco a espécie humana e outros organismos complexos, pois promovem a ameaça da rede ecológica natural de sustentação da vida, ao mesmo tempo em que provocam o crescimento da miséria, da criminalidade e o aumento da possibilidade de ocorrência de conflitos armados localizados e mundiais. Os desequilíbrios presentes decorrem, em grande parte, da falta da percepção de uma realidade viva e interconectada como é a natureza, inclusos aí o homem e suas 15 Relatório de Pesquisa – RP0502 organizações. A falácia mais comum é imaginar que problemas dessa ordem seriam solucionados pelo progresso tecnológico. Visões decorrentes de interpretações científicas mais recentes de fenômenos sociais e naturais levaram à concepção de “desenvolvimento sustentável” e de “redes”, nas quais forças de auto-organização se manifestam e fazem emergir propriedades da rede não presentes nos elementos e sequer planejadas pelos mesmos, individualmente ou em conjunto. A expressão desenvolvimento sustentável surgiu em 1972, quando pela primeira vez se discutiu, em Estocolmo, o meio ambiente sob a mesma perspectiva global que gerou os Direitos Humanos. O processo para aumentar a compreensão das relações entre os seres vivos e o meio ambiente começou a ganhar intensidade. Nessa ocasião, iniciou-se o trabalho da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, encarregada de estabelecer uma base global de pensamento sobre o meio ambiente. Resultado desse esforço, o Relatório Brundtland estabeleceu a expressão “desenvolvimento sustentável” como uma espécie de desenvolvimento que “satisfaz as necessidades do presente, sem comprometer a capacidade de as futuras gerações satisfazerem suas próprias necessidades”, expressão que ainda hoje prevalece. O seu significado, contudo, tem sido ampliado: o termo “sustentabilidade” tem sido associado às preocupações econômicas, intrincadas com as preocupações sociais e ecológicas, considerando-se as futuras gerações. O conceito de “desenvolvimento sustentável” é dinâmico e tem exigido flexibilidade na sua aplicação, evoluindo para definições cada vez mais abrangentes. As últimas décadas têm testemunhado diversas iniciativas na busca de soluções para grandes problemas contemporâneos, como o surgimento de organizações nãogovernamentais – ONGs, movimentos sociais, voluntariado, mobilizações governamentais e de empresas públicas e privadas, discutindo e promovendo alternativas para os principais desafios da sociedade pós-industrial. A dimensão empresarial tem sido também objeto dessas inquietações. Sua importância na sociedade tem sido crescente a partir do 16 início do século 20. Em 1970, 70% dos recursos aplicados nos países em desenvolvimento eram provenientes de governos; hoje, a participação das empresas subiu para 80%. Chegamos ao final do século com um conjunto de 51 empresas entre as 100 maiores entidades econômicas do mundo, superando em muito as economias de vários países; as 200 maiores corporações concentram 25% da riqueza humana. Não há como escapar da compreensão de que, na esteira da intensificação da globalização, as empresas alcançaram novos níveis de poder e influência, carreando, em conseqüência, impactos sociais e ambientais crescentes. No entanto, nenhuma empresa é responsável pela sustentabilidade do todo, nem dominante de todos os fatores que colocam em risco sua própria sustentabilidade nos negócios. Empresas e seus fornecedores, distribuidores e consumidores compõem, dentro de redes sociais e ambientais mais amplas, cadeias produtivas regidas pelas regras de mercado e que sediam a produção de bens e serviços. Em uma cadeia produtiva, empresas relacionamse com fornecedores e clientes, desde a extração de insumos da natureza ou desde uma idéia original até o consumo de seus produtos e serviços. Em uma visão mais abrangente, estendem-se até o descarte ou a reciclagem do produto, ao final de sua vida útil. Por sua complexidade e natureza, questões relativas à sustentabilidade são diretamente relacionadas a questões de rede. Empresas são nós de redes de relações que envolvem outros atores da vida em sociedade. Stakeholder é a expressão que tem sido utilizada para designar esses atores, sendo comumente traduzida como parte interessada. A entrada dos stakeholders nos processos decisórios e de planejamento das empresas tem se dado, às vezes, por força de lei e, outras vezes, pela iniciativa espontânea das empresas. É, hoje, um desafio para as empresas estabelecer diálogo significativo com seus stakeholders. Para se estabelecerem condições de gerenciamento da sustentabilidade das empresas, é, portanto, necessário conhecer as redes em que vivem, com especial atenção ao fluxo produtivo constituído com fornecedores Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira e clientes. Os relacionamentos de empresas com fornecedores e clientes conformam os riscos inerentes aos processos, os quais, por sua vez, moldam os relacionamentos. Em cada transação comercial, as partes negociam a partilha equilibrada dos riscos. De forma mais ampla, uma cadeia produtiva sustentável e promotora de sustentabilidade equilibra riscos econômicos, sociais e ambientais. Por outro lado, se, para gerenciar, é necessário monitorar processos e resultados por meio de indicadores, então sérias dificuldades estão presentes, pois as relações com os diversos stakeholders comportam naturezas e dinâmicas diversas. Justamente por essa razão, a criação de indicadores que possibilitem o gerenciamento das questões que afetam as relações com os stakeholders tem exigido grande esforço. Em outras palavras, a sustentabilidade requer visualização, ou seja, controle da eficácia de toda a cadeia produtiva, tanto para estabelecer a capacidade global de enfrentamento de cadeias concorrentes ou novas, como para evitar riscos e danos ambientais e sociais que possam afetar a todos. 1.2. A sociedade em rede e a economia do aprendizado No contexto organizacional, o crescente número de parcerias tem levado ao fortalecimento e à ampliação da consciência da importância das redes – de valor, de conhecimento, de suprimentos –, configurando o que se convencionou chamar de sociedade em rede. As redes com maior evolução recente são as da informação, devido às tecnologias de informática e de telecomunicações. Esse movimento tem transformado o ambiente de negócios e se tornado variável de relevância estratégica, constituindo-se em fonte de diferenciação entre as empresas. Isso porque os limites das organizações, dos setores e das estruturas das indústrias, entre outros, deixaram de existir nos moldes até então conhecidos. A realidade do mundo de negócios tem mostrado que a maior parte do valor dos produtos e serviços é gerada em redes e não mais isoladamente, nos limites de uma única empresa. Com isso, os agentes econômicos precisam alterar seu comportamento na busca de compartilhamento de recursos. Entre esses se destaca o conhecimento, como aquele capaz de gerar vantagens competitivas sustentáveis. Tal afirmação é possível, tendo em vista que um outro elemento que marca a atual realidade das empresas é o fato de operarem em uma era caracterizada pelo aprendizado. A base dessa economia, portanto, não pode ser outra senão o conhecimento. Sabe-se, no entanto, que o desenvolvimento da humanidade esteve sempre marcado pelo “saber”. O que torna esta época particular é o fato de que a proporção de trabalho contida nos bens é menor do que a quantidade de produção, distribuição e processamento de conhecimento. O valor da parcela de conhecimento e informação contido nos bens tem crescido significativamente, assim como as atividades intensivas em conhecimento. São muitos os que afirmam que as empresas que sobrevivem no mercado globalizado têm o conhecimento como principal recurso estratégico. Mais ainda, adotam uma postura de aprendizagem intensiva e permanente como forma de buscar a competitividade e, em conseqüência, sua perenidade. Na economia do aprendizado, a habilidade de buscar novos conhecimentos e de aprender continuamente é condição essencial para a construção de novas competências e, mais do que isso, para o sucesso econômico das empresas. Essa necessidade não pode mais ser associada apenas aos setores intensivos em alta tecnologia, mas também aos setores tradicionais. Refere-se primordialmente à habilidade de aprender – buscar o novo –, mas também de esquecer, ou seja, abandonar o que se tornou obsoleto, inadequado. A aprendizagem organizacional é, ainda, um elemento central no alcance de vantagens competitivas. Porém, tendo em vista a velocidade das mudanças, a capacidade de aprendizagem da empresa vai além de sua capacidade como agente único. É preciso pensar no aprendizado no contexto da rede na qual a empresa está inserida, no qual todos os participantes são fontes primárias de inovações. A atividade de busca do saber fora da empresa torna-se, portanto, fundamental. 17 Relatório de Pesquisa – RP0502 A empresa, nesse ambiente, deve desenvolver a capacidade de se posicionar como elemento de aglutinação e coordenação, desenvolvendo rotinas organizacionais que privilegiem o compartilhamento de conhecimento. A rede, que tem ênfase na geração de valor compartilhado, é formada por um amplo conjunto de organizações interconectadas, que influenciam positiva ou negativamente a geração desse valor. O interesse deste estudo é focar a rede constituída pela empresa e seus fornecedores, distribuidores, clientes e consumidores finais, ou seja, sua cadeia produtiva. Buscando um conceito trabalhado ao longo desta pesquisa pela área temática de desenvolvimento sustentável, a rede contempla ainda os principais stakeholders. Isto é, aquelas pessoas e organizações que podem causar impactos nos negócios da empresa ou sofrê-los devido às ações dessa: concorrentes, consultorias, universidades, centros de pesquisas, entre outros. Seu envolvimento, grau de participação e parte do valor que geram dependem da natureza, do porte e das estratégias das empresas envolvidas. Deve-se ressaltar, ainda, que as redes não devem ser entendidas apenas como teias de relacionamentos que promovem a difusão de inovações e normas de comportamento conjunto, e como arranjos de elos que facilitam o acesso à informação, mas também como fluxos de conhecimentos que atravessam as empresas, propiciando velocidade de chegada ao mercado, aumento de produtividade e inovação. A mensuração desses fluxos, por meio de indicadores, torna-se vital para que o desempenho da empresa, apoiada em sua cadeia produtiva, possa ser devidamente compreendido e para que sua perspectiva de sustentabilidade possa ser assegurada. 1.3. Competitividade produtiva na cadeia Como anteriormente mencionado, a abordagem da cadeia produtiva no presente estudo apóia-se no pressuposto de que a sociedade atual é baseada no conhecimento. Segundo esse pressuposto, defendido por muitos autores, as empresas que sobrevivem 18 no mercado globalizado têm o conhecimento como principal recurso estratégico. Para esses autores, o conhecimento constitui fator crucial para a inovação e, portanto, para a dinâmica do sistema capitalista. Pode-se concluir, assim, que a chave para a competitividade não reside apenas nas políticas macroeconômicas do país, mas também nas ações microeconômicas das empresas que compõem cada setor da economia, sendo necessário o desenvolvimento de uma nova estrutura através da qual as vantagens competitivas do conhecimento e da aprendizagem possam ser sobrepostas às vantagens de recursos tradicionais como, por exemplo, capital e mãode-obra. Uma maneira de caracterizar esse novo ambiente de intensa competição é defini-lo como sendo a economia do aprendizado. A razão principal para o aprendizado ter se tornado mais importante é a dialética entre aprendizagem e mudança. Mudanças rápidas implicam a necessidade de aprendizagem rápida, e isso envolve mudanças no ambiente, nas pessoas e nas organizações. Nesse contexto, a geração compartilhada de conhecimento tem se destacado, sendo incluída na estratégia da organização, na busca do fortalecimento do conhecimento coletivo. Como conseqüência, a estratégia vem assumindo um papel de destaque. A estratégia é por definição o locus no qual os conhecimentos acumulados pelas empresas são avaliados, discutidos e analisados. É no contexto da reflexão estratégica que a empresa procura se apropriar e dar uso ao conhecimento, tornando-o útil e com significado. A capacidade da empresa de se posicionar em ambientes em constante mudança, de buscar os recursos adequados, de buscar se reinventar, de inovar para garantir lucros diferenciais é condição sine qua non para sua permanência no mercado. Cabe salientar, no entanto, que o entendimento da estratégia hoje passa pelo entendimento do processo de inovação na empresa. Cada vez mais, a estratégia e a inovação podem ser entendidas como dois lados de uma mesma moeda, uma vez que a estratégia é a busca do novo, é o momento da criação do inédito para Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira a empresa, é o momento da busca daquilo que surpreenderá o mercado. O processo estratégico e de inovação é interativo e realizado com a contribuição de vários agentes técnicos, econômicos e sociais, que possuem diferentes tipos de informação e conhecimento. Como conseqüência, observase um crescente número de alianças entre as organizações, o que tem propiciado a formação de verdadeiras redes, configurando o que se chama hoje de sociedade em rede. Observa-se que a capacidade de se ter acesso e de participar de redes intensivas em conhecimento e aprendizagem determinam hoje a posição socioeconômica dos indivíduos e o patamar competitivo das empresas. Algumas dessas redes são globais e se posicionam no topo da pirâmide. Outras são regionais ou locais e constituem a base. As redes se tornaram importantes variáveis estratégicas para as empresas, afetando toda a estrutura industrial e a forma de competição. Observa-se, hoje, que a maior parte do valor dos produtos das empresas é produzida nessas redes e não mais isoladamente por uma única empresa. Os recursos críticos para a competitividade da empresa, como o conhecimento, devem ser compartilhados, explorados e aplicados numa perspectiva de rede. Essas redes podem ser vistas como entidades formadas por uma diversidade de conhecimentos e competências críticas e fundamentais para as empresas participantes, o que confere às mesmas uma capacidade competitiva de adquirir, armazenar e renovar conhecimentos tácitos de uma forma mais dinâmica. Assim, para explorar o máximo da capacidade competitiva da rede, de forma que todos os participantes se beneficiem não só dos resultados comuns mas também dos resultados específicos, as empresas devem ser capazes de criar uma forte identidade de rede que possibilite o acesso rápido e fácil dos participantes ao conhecimento tácito produzido na rede. 1.4. A gestão da cadeia produtiva no âmbito da gestão de recursos humanos Na dimensão da gestão de pessoas, o presente estudo tem como objetivo identificar os principais indicadores dessa área. Esses indicadores deverão sinalizar a capacidade competitiva da empresa no que tange à gestão de pessoas, não somente considerando sua performance, mas também abordando a cadeia produtiva na qual se insere. Para tanto, a pesquisa relativa a essa área foi realizada em três diferentes etapas. A primeira delas consistiu no levantamento de bibliografia e, também, de práticas gerenciais. Esse amplo levantamento teve como objetivo observar a evolução do tema “gestão de pessoas”, tanto na literatura especializada como também no escopo empresarial. A evolução do tema é parte importante da pesquisa porque permite a construção do contexto no qual se insere o objetivo maior da pesquisa que é a identificação de indicadores de gestão de pessoas orientados à cadeia produtiva. Mais que isso, o levantamento permitiu que fossem identificados os indicadores e as práticas de mensuração que estão sendo adotados ou recomendados às organizações. Essa etapa demonstrou uma mudança significativa no que diz respeito à área de RH. O que se observa é uma demanda clara por uma atuação mais estratégica, assim como por uma postura mais proativa da função RH. Conseqüentemente, altera-se a forma de “enxergar” e gerenciar pessoas, mas, principalmente, implica rever as práticas de gestão de pessoas, inclusive no que se refere a performance e avaliação. Ainda que essa primeira etapa tenha contribuído fortemente para a argumentação e sustentação do objetivo proposto, o levantamento sinalizou a necessidade, também, de se aprofundar no conhecimento das práticas hoje utilizadas pelas empresas. Isso ocorreu, principalmente, pela dificuldade em se observar avanços na área de mensuração de indicadores na área de gestão de pessoas. Dessa forma, a segunda etapa da pesquisa consistiu na realização de uma pesquisa qualitativa junto à área de RH e profissionais de algumas empresas. Além de auxiliar no aprofundamento da temática, a coleta de dados qualitativa, possibilitada pela realização de entrevistas, serviu de base para a elaboração de um instrumento quantitativo de pesquisa, 19 Relatório de Pesquisa – RP0502 utilizado na terceira etapa do trabalho. O objetivo desse instrumento foi o de verificar, de maneira ampliada, quais os indicadores de gestão de pessoas estão sendo utilizados pelas empresas. Mais que isso, averiguar também se na área de gestão de pessoas há preocupação em se abordar a cadeia produtiva. 1.5. As mudanças da prática e conteúdo do marketing e a evolução das métricas O marketing, ao longo de seu desenvolvimento, tanto prático como teórico, vem passando por inúmeras mutações. Um dos direcionadores dessas mudanças de sua prática e conteúdo são as turbulências ambientais. Webster Jr. (1994) prevê que o foco do papel do marketing na empresa será a gestão de parcerias e posicionamento estratégico entre clientes e fabricantes na cadeia de valores. Complementando, Day (1990) afirma que as empresas se desenvolverão gradualmente para uma forma híbrida de organização, combinando o melhor das características dos processos horizontais e das formas verticais funcionais, para se tornarem mais próximas de seus clientes. Essas percepções indicam a necessidade de desenvolvimento de temas e abordagens interdisciplinares que possam orientar na compreensão do sentido e do significado das mudanças organizacionais. Sugerem, por outro lado, a necessidade de estabelecimento de um núcleo para dar um sentido comum a esses temas e abordagens. A orientação para o mercado pode ser considerada como um dos enfoques recentes do marketing que mais atende a esse propósito. O conceito de orientação para o mercado vem se popularizando a partir da década de 1980. Decorre da evolução das relações da empresa com o mercado e possui um conjunto de desdobramentos. Entre esses, estão suas conseqüências na estrutura, nos processos, nas pessoas e na governabilidade. Esse último tem sido freqüentemente abordado sob a ótica das relações de poder e governabilidade organizacionais. Ao adotar o conceito de orientação para o mercado, a empresa usa primariamente seus clientes e consumidores 20 como base para a reestruturação do desempenho organizacional, de maneira a tornar-se mais efetiva e sensível no atendimento às necessidades do seu mercado-alvo. Os estudos pioneiros sobre as possíveis orientações mercadológicas focaram a orientação para o produto. Seguiu-se a orientação para a venda, para o marketing e, mais recentemente, para o marketing societário (KOTLER, 2000). Ao longo do período em que essas modificações ocorreram, aflorou o questionamento sobre a adequação da estrutura do marketing na empresa e, posteriormente, da própria empresa, ao considerar a necessidade de reestruturação das atividades em redes interorganizacionais. Esse pode ser considerado o primeiro efeito que a orientação para o mercado desencadeou. Gradualmente, a atividade de marketing foi incorporando às suas funções a coordenação, ou, no mínimo, a sua influência nas atividades intra e interorganizacionais para a fabricação, desenvolvimento e gestão de toda a oferta empresarial, no sentido de torná-la mais íntima do cliente. Slater e Narver (1994) atribuem o declínio das fronteiras funcionais e a ascensão da equipe de trabalho na área de marketing à necessidade de se criar e disseminar o conhecimento dentro da empresa. O atendimento a essa primeira inadequação na atuação da empresa em face das necessidades ditadas pelo mercado trouxe novo desdobramento: o comportamento dos processos perante essa nova demanda. Nessa segunda questão – relativa a processos –, a perspectiva de equipes, conforme proposta, envolve o papel de coordenação interna das atividades de marketing relacionadas a outras, incluindo a inovação, a gestão do conhecimento, a sustentabilidade e os resultados financeiros. Com relação ao ambiente externo, esse tipo de relacionamento envolve a articulação de alianças com parceiros. Inclui tanto a interação vertical, por meio da cadeia produtiva e de redes, quanto a horizontal, como alianças co-marketing e co-branding. À medida que essa articulação de alianças ocorre, a intensificação nas relações dos integrantes da Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira área de marketing com parceiros externos torna-se mais acentuada e presente. Isso leva a uma mudança e ampliação de papéis da área de marketing, focando-os nos aspectos mais intangíveis desse relacionamento, correspondendo a um maior foco e alinhamento das competências essenciais da empresa com a cadeia de valor. Estrutura e processos, por sua vez, não podem estar desvinculados de pessoas. A terceira questão – pessoas –, demandada pela abordagem relacionada à orientação para o mercado, tem recebido atenção crescente, e seu foco se refere à cultura organizacional. Cultura organizacional pode ser definida como o padrão de valores e crenças compartilhados, que ajudam indivíduos a compreender o funcionamento organizacional e, assim, estabelecer normas para o seu comportamento na organização. É nesse plano que as questões anteriores são amalgamadas e podem ganhar uma organicidade necessária à sua dinâmica, que se constitui na quarta questão levantada pela orientação para o mercado. mercado-alvo, transformando-o em vantagem competitiva sustentável. Nesse contexto, um dos desafios que afloram para o marketing é a determinação de indicadores de performance que possam orientar a busca da excelência empresarial. Pretendese, ainda, que esses funcionem como ponto de partida para o estabelecimento de padrões de performance, que possibilitem a comparação da variação das ações de marketing conforme previstas e implementadas, e de seu impacto, tanto interno como externo, no sentido de contribuir para a construção de vantagens competitivas sustentáveis. A quarta questão – poder e governabilidade – tem foco na natureza e qualidade do processo decisório das ações organizacionais destinado a produzir impactos interna e externamente. Entende-se que é nessa dimensão que o papel da liderança ganha relevo, tornando-se cada vez mais complexo, tendo em vista a própria complexidade crescente das atividades organizacionais inseridas em ambientes de turbulências e incertezas. O fator propulsor para o desenvolvimento de indicadores de marketing bem como dos demais indicadores do desempenho organizacional tem sido o aumento das demandas dos stakeholders, tanto com relação a informações sobre a qualidade do processo decisório como sobre a produtividade dos esforços das diversas áreas organizacionais nos resultados da atuação da empresa. Essas demandas são, em grande parte, decorrentes do aumento da complexidade do mundo empresarial. Sua natureza tem contribuído para estimular o surgimento de uma série de medidas e indicadores de mensuração das atividades empresariais. Na dimensão de marketing, a tônica das tentativas tem sido proporcionar indicadores de desempenho que possam satisfazer a necessidade dos stakeholders de conhecer o posicionamento mercadológico da empresa. Todas essas questões correspondem aos recursos intangíveis que contribuem para ampliar a efetividade das ações de marketing da empresa, otimizando seus resultados. Equivalem ainda ao reconhecimento de que as empresas podem utilizar, e utilizam, abordagens distintas das do mercado porque seus recursos e competências são diferentes. Em outras palavras, as organizações combinam suas peculiaridades no tocante a estrutura, processos, pessoas e governabilidade para apoiar e encorajar a coordenação interna e a adaptação externa, com o objetivo de proporcionar valor superior ao seu A auditoria de marketing, sob a concepção de diagnóstico, pode ser considerada uma das primeiras tentativas de se mensurar o desempenho das atividades pertinentes a essa área. Em um patamar ligeiramente superior ao dos diagnósticos, em termos de objetividade e complexidade, encontram-se as medidas financeiras utilizadas para indicar a produtividade dos esforços de marketing e sua conseqüente contribuição ao fluxo de caixa e ao retorno sobre o investimento da empresa, e o PIMS – Profit Impact of Marketing Strategies – que analisa o impacto das estratégias mercadológicas no lucro. 21 Relatório de Pesquisa – RP0502 Em um plano ainda mais elaborado, estão as medidas não tangíveis como satisfação, lealdade e valor do cliente, valor da marca e orientação para o mercado, entre outras. Finalmente, a combinação dessas medidas tem atraído a atenção de profissionais e especialistas em marketing. A partir dos pressupostos teóricos utilizados como apoio para uma melhor compreensão das métricas, foi realizada uma pesquisa em empresas brasileiras de grande porte para a constatação empírica do uso das métricas levantadas tidas como de importância e significado para o desempenho das atividades de marketing: aumento da participação de mercado; desenvolvimento de mercados; lançamento de novos produtos e otimização dos recursos de marketing. 1.6. Indicadores de finanças: benefícios diversos, propósitos distintos Ao longo da última década, a gestão financeira das empresas brasileiras foi marcada pela busca de indicadores que pudessem orientar de forma mais consistente as decisões, em face do enorme movimento de globalização da época. Mesmo os mais ardentes defensores de qualquer indicador de performance tendem a concordar que, talvez, não exista um único indicador que possa ser utilizado em todas as situações. A maioria das empresas acredita depender de um grande número de indicadores, cada um com benefícios diversos e servindo a diferentes propósitos. Na verdade, a utilização de múltiplas medidas de desempenho em uma mesma empresa pode provocar confusão na forma de administrar da equipe gerencial. O uso de terminologias diferentes e de padrões inconsistentes na mensuração de resultados pode levar a decisões que aparentemente agregam, mas que na realidade são verdadeiras ações de destruição de valor. Isso porque muitas dessas medidas de performance, mesmo parecendo inicialmente dar bons resultados, deixam de reconhecer os custos incidentes no processo, como o custo do capital próprio. 22 A pesquisa básica da área de finanças consistiu na verificação empírica de quais são as técnicas de valoração de ativos e metodologias de gestão financeira adotadas por empresas brasileiras. Para esse propósito foi concebido um questionário abordando questões sobre a utilização e relevância dos indicadores financeiros tradicionais de avaliação de investimentos, “precificação” de ativos e gestão financeira de forma geral, além de três estudos de casos. Os resultados dessa pesquisa revelam que as “margens” foram medidas muito usadas na análise de performance corporativa por empresas brasileiras de diversos portes e dos mais diversos setores. Margem líquida, margem operacional e, sobretudo, EBITDA – Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization – tiveram ampla utilização. No entanto, as análises que utilizam as margens têm muitas limitações. Tais indicadores de performance corporativa não determinam o grau de eficiência com que a empresa usa seus ativos, ou seja, não evidenciam o esforço empreendido para gerar o lucro. A pesquisa mostra, por outro lado, que as empresas, em sua grande maioria, medem recorrentemente o retorno sobre o capital próprio, ou ROE – Return on Equity. Quando se analisa a performance da rentabilidade de todos os investimentos realizados pela empresa, representados pelo seu ativo total, dois pontos estratégicos têm de ser observados: a margem líquida e o giro do ativo. Isso significa dizer que, se a empresa buscar maximizar o retorno de todo o capital investido, deverá preocupar-se em ter uma lucratividade líquida adequada, que passa pelo controle efetivo de seus custos (fornecedores) e pela geração de faturamento (clientes e fornecedores) condizente com o volume de aplicação de recursos na sua atividade. Essas duas estratégias trarão reflexos diretos no nível de remuneração do ativo. A literatura mostra que, a partir da visão crítica da análise do retorno do capital próprio – que chamou a atenção para o fato de essa análise não avaliar os efeitos do risco financeiro Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira provocado pela elevação do endividamento –, surgiu o critério de mensuração de desempenho que considera retorno não somente o capital próprio, mas utilizando também todo o capital investido. O ROCE – Return on Capital Employed – ou equivalentes, como o RONA – Return on Net Asset –, é a medida de rentabilidade da empresa que demonstra em quanto o retorno excedeu o capital investido, ou seja, o ganho real. Embora tenha sido um passo incremental na análise de performance corporativa, observa-se que a utilização isolada desse indicador como medida de desempenho pode conduzir a erros significativos na avaliação de investimentos ou no controle de resultados. Pode haver situações em que um novo investimento ou projeto produza um ROCE superior ao atual corporativo, mas que, ao ser implementado pela companhia, determine que a organização como um todo reduza seu valor venal ou valor corporativo de mercado. Isso porque não se considera na análise o custo do capital total investido. Sem dúvida, foi uma métrica amplamente utilizada em anos recentes, mas parece ter sua prioridade de uso comprometida no futuro como medida estanque, por ser também considerada uma ferramenta incompleta, que reconhece o montante de capital empregado, mas peca por simplesmente desprezar seu custo. Com evidente tendência de serem ferramentas de ampla utilização, as medidas de lucro residual como o EVA – Economic Value Added –, entre outras, são medidas de desempenho empresarial que diferem da maioria das demais, ao incluir uma cobrança sobre o lucro pelo custo do capital que uma empresa utiliza. É a análise que faltava à “rentabilidade pura”. Por ser uma análise completa e condição fundamental para que uma empresa agregue valor, o EVA tem emergido agressivamente, a partir dos anos 90, como a mais importante ferramenta de performance para medir a eficácia da gestão financeira e do controle de resultados, bem como um poderoso instrumento na determinação de orçamentos de capital em análises de investimentos. Num espaço curto de tempo, as mensurações de lucro residual têm sido utilizadas por grandes corporações mundiais que buscam maximizar retornos a seus acionistas, e despertado também o interesse de empresas legitimamente brasileiras dos mais variados setores. 1.7. A evolução dos indicadores de performance A mensuração da performance organizacional se deu inicialmente com o uso de medidas financeiras e, posteriormente, estatísticas. Pode-se estimar que a utilização sistemática desses tipos de medidas começou a se popularizar a partir da década de 1950. Naquela época, o interesse estava focalizado no uso de medidas unidimensionais em áreas que, especificamente, poderiam ser aplicadas, notadamente produção e finanças. As medidas colocavam em relevo questões que envolviam a alocação e aplicação de recursos e ações que poderiam ser quantificadas e relacionadas principalmente à produtividade desses recursos e seus respectivos resultados. As medidas financeiras sempre foram o principal indicador para se estimar e mesmo caracterizar os resultados positivos das empresas. As tentativas de expansão dessas medidas começaram a ocorrer na década de 1980, abrangendo uma variedade de perspectivas de áreas relacionadas nos negócios. Contudo, essas tentativas têm esbarrado em alguns desafios. Talvez o maior, e principal, seja a identificação do que pode ser considerado como os melhores indicadores e as melhores práticas orientadas para a excelência no desempenho empresarial. Uma variedade de termos tem sido usada para tentar estabelecer os contornos das medidas de mensuração. Indicadores de performance, descritores e métricas estão entre os mais usuais. No presente estudo, o interesse encontra-se nos indicadores e métricas que serão, a seguir, brevemente discutidos. Indicador corresponde à presença de um fato ou ocorrência que possui significado em determinado ambiente ou contexto. Os indicadores, de maneira geral, podem ser entendidos como uma conceituação do que 23 Relatório de Pesquisa – RP0502 se pode medir, enquanto o como medir ficaria condicionado a situações específicas da empresa, por meio das métricas. Métricas podem ser entendidas como medidas de desempenho. O termo foi adotado por empréstimo da música e da poesia e implica regularidade . 1 . Precisam ser necessárias, precisas, consistentes, suficientes e passíveis de revisão para o propósito estabelecido. Tomando as contribuições de Clark (2001) como base, pode-se definir métricas, como: “Um processo sistemático de coleta de dados relacionados a fatores considerados relevantes e indicativos do curso das práticas em diversas facetas da dinâmica empresarial relacionadas aos alvos preestabelecidos pela empresa ou por ações de benchmarking.” As métricas podem ser, ainda, gerais e específicas. As gerais são abrangentes e dizem respeito aos aspectos comuns da estratégia, aplicáveis à grande maioria dos negócios, tais como retorno sobre o investimento, aumento de participação de mercado, entre outras. As específicas dizem respeito a atividades peculiares a cada negócio, como custo de perda de cliente, facilmente calculável nos setores de telecomunicações e financeiro, mas em outros nem tanto. Dizem respeito aos aspectos diferenciadores das estratégias que cada empresa utiliza para o seu posicionamento competitivo. Nesse sentido, a partir do que genericamente pode-se chamar de indicadores de performance, os termos adotados, independentes do seu domínio de significado, permitem monitorar o desempenho da empresa, identificando as variações de performance relacionadas ao que foi previsto. A empresa passa a mensurar o que considera como essencial ao alcance dos objetivos estabelecidos. Em termos gerais, o propósito principal da utilização de indicadores de performance é orientar e monitorar ações que possam aumentar o valor da empresa. Essa questão sugere, em primeiro lugar, a necessidade de se considerar a existência de stakeholders na 1 atividade organizacional, uma vez que seu valor é, principalmente, de interesse deles. Sob essa abordagem, pode-se reconhecer a importância da adoção de indicadores em um contexto que inclua os stakeholders internos e externos, numa perspectiva de rede, conforme já conceituada anteriormente. Um segundo propósito leva em conta a reconsideração da alocação do tempo dos gestores empresariais. Sabe-se que apenas 10%, aproximadamente, do tempo dos diretores é gasto com clientes. Na maioria das vezes, esse tempo é despendido com despesas e gastos, e mesmo a sobrevivência em longo prazo da empresa, e não com a geração de receitas. Esses antecedentes servem como anteparo às proposições relacionadas à necessidade de se alocar uma quantidade maior de tempo do que se gasta atualmente, para se buscar maior foco na sustentabilidade empresarial, suportada por indicadores de performance. O pressuposto é de que as empresas focadas em sua sustentabilidade são mais lucrativas no longo prazo do que aquelas primariamente preocupadas com finanças e com produção. As medidas que podem ser adotadas para essa finalidade apresentam inter-relações entre si, mas também algumas peculiaridades que precisam ser evidenciadas. Em outras palavras, o pressuposto corresponde ao reconhecimento de que pessoas, competências, inovação, clientes e sustentabilidade precisam ser considerados em sua interdependência, para permitir, de forma mais ampla, que as medidas utilizadas retratem a complexidade de atividades responsáveis pelo desempenho empresarial, com impactos nos resultados financeiros. As medidas financeiras, após sua evolução, combinadas com as medidas não financeiras, correspondem, assim, ao reconhecimento da crescente importância do patrimônio intangível juntamente com o patrimônio tangível para produzir o crescimento e a sustentabilidade empresarial. As medidas financeiras, até o surgimento desse conjunto de novas possibilidades, constituíam-se nas primeiras tentativas de se mensurar sistematicamente o desempenho empresarial. Significa, nesse sentido, a arte de medir versos e que estuda os elementos de que eles são constituídos. 24 Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira Seu foco inicial era a perspectiva contábil orientada para a eficiência de custos. Posteriormente, evoluíram para arranjos mais elaborados, como o chamado método ABC – Activities-Based Costing –, além de outras contribuições tais como o ROE – Return on Equity – , o ROCE – Return on Capital Employed – ou equivalentes, como RONA – Return on Net Asset – e ROIC – Return on Investment Capitalized. Esse último é uma medida de rentabilidade da empresa que demonstra o quanto o retorno excedeu o capital investido, ou seja, quanto se conseguiu extrair do montante de capital disponibilizado no negócio. O EVA – Economic Value Added – marca registrada da Stern Stewart & Co., de Nova York –, com evidente tendência de vir a ser, cada vez mais, uma ferramenta amplamente utilizada, é a medida de desempenho empresarial que difere da maioria das demais, ao incluir uma cobrança sobre o lucro pelo custo de todo o capital que uma empresa utiliza. Já o Balanced Scorecard – BSC, modelo de gestão desenvolvido na Harvard Business School pelos professores Robert Kaplan e David Norton, tem também despertado forte interesse de estudiosos e práticos por trazer como principal contribuição a combinação de medidas financeiras e não financeiras de desempenho. O aumento da complexidade das medidas financeiras e dessa gama de siglas e termos não tem eximido de críticas os que dão ênfase a esse tipo de enfoque. Os relatórios apoiados apenas em indicadores financeiros estão perdendo sua significância porque não estimam acontecimentos futuros e não proporcionam informações baseadas no valor. Para Kaplan e Norton (1992, 1996 e 1998), muitas empresas que adotam estratégias sobre relacionamento com clientes, competências essenciais e capacidade organizacional utilizam apenas medidas financeiras, não captando essas dimensões. Alguns dos importantes elementos do desempenho empresarial não são considerados pelas medidas financeiras atuais, justificando o uso de medidas não financeiras. A suposição básica para validar o seu uso é que elas precisam ser suficientemente precisas e abrangentes para representar valor de longo prazo para os acionistas e para a sustentabilidade das empresas. O início dessa mudança de enfoque deveu-se à constatação de Bonoma e Clark (1988) de que o processo de transformação dos inputs em outputs de uma empresa é altamente dependente de outras variáveis, não apenas as financeiras. A relação entre domínio da participação e crescimento de mercado proposta pelo Boston Consulting Group (Henderson, 1973) e o impacto das estratégias de marketing no lucro (PIMS), demonstrado por Buzzell e Gale (1987), contribuíram para essa mudança de perspectivas. Os trabalhos de Buzzell e Gale (1987) buscavam indicações para a contribuição do marketing ao fluxo de caixa da empresa. No que tange a métricas, os trabalhos desenvolvidos por esses dois autores relacionados ao PIMS – Profit Impact of Marketing Strategy – (impactos da estratégia de marketing no lucro) procuraram demonstrar a relação entre participação de mercado e lucros. O PIMS é possivelmente o primeiro esforço sistematizado no sentido de combinar medidas financeiras e não financeiras para a mensuração da performance empresarial. É um programa de atividades de pesquisas contínuas em multicompanhias administrado pelo Strategic Planning Institute – SPI –, abrangendo 2.700 empresas. Os resultados de trabalhos dos pesquisadores do PIMS englobam importantes elos entre estratégias e performance em diferentes ambientes competitivos e de mercados. Sua abrangência é ampla, incluindo política e estratégia de negócios, economia, finanças e marketing. Aqueles autores descrevem a performance de negócios como uma função de três fatores: (1) características do mercado no qual a empresa compete; (2) posição competitiva no mercado; e (3) estratégia adotada. Cada um desses determinantes de estratégia é posicionado para ter um efeito direto e interativo. As variáveis da estratégia de negócio e de posição competitiva identificadas como relacionadas positivamente à lucratividade do negócio incluem participação de mercado, qualidade de produtos/serviços, inovação em plantas e equipamentos e produtividade do trabalho. 25 Relatório de Pesquisa – RP0502 Já as variáveis da estratégia de negócio e de posição competitiva identificadas como relacionadas negativamente à lucratividade do negócio incluem intensidade do capital fixo, investimentos em estoque, taxa de introdução de novos produtos e gastos correntes de pesquisa em marketing e P&D. O resultado das pesquisas conduzidas pelos referidos autores revelou que desenvolver alta lucratividade selecionando os mercados corretos para competir não é suficiente para a sustentabilidade empresarial, pois uma elevada posição de mercado também é necessária. Em média, os líderes de mercado são mais rentáveis do que seus rivais com menor participação. Os líderes de mercado não apenas comandam preços mais elevados, mas também sustentam sua posição de liderança pela oferta de produtos e serviços superiores aos de seus competidores. Os resultados apontaram também que apenas um quarto das empresas com 10% ou menos de participação tinham um retorno sobre investimento (ROI) superior a 20%. Diferentemente, três quartos das empresas, com 40% ou mais de participação de mercado tinham um retorno acima de 20%. Os negócios com pequena participação e lucro superior eram aqueles favoravelmente posicionados na maioria das principais dimensões estratégicas, tais como qualidade de produtos/serviços, intensidade de investimento, produtividade de trabalho e taxa de crescimento de mercado. Outros resultados mostraram que a relativa superioridade ao longo das dimensões de qualidade aumenta a rentabilidade da participação de mercado dos líderes de mercado e neutraliza, em grau elevado, o impacto adverso da baixa participação na lucratividade da empresa. Significa que a qualidade superior percebida proporciona diversos benefícios: (1) maior lealdade do consumidor; (2) maior repetição de compras; (3) menor vulnerabilidade à guerra de preços; (4) habilidade de comandar preços mais elevados, sem prejudicar a participação de mercado; (5) menores custos de marketing; e (6) maior crescimento de vendas. Negócios que oferecem qualidade superior tendem a ser pioneiros, oferecem uma ampla linha de produtos, servem a uma maior variedade de 26 clientes e são mais integrados verticalmente, ao contrário de seguidores iniciais ou entrantes tardios. Quanto à dimensão financeira, os trabalhos mostraram resultados bastante controvertidos. Relacionaram o impacto negativo da intensidade de capital sobre a lucratividade. Aqueles autores revelaram que tanto o capital fixo como o circulante tinham um efeito negativo sobre a lucratividade. Os negócios com taxa de investimentos/vendas de 20% ou menos obtiveram taxa de retorno significativamente maior do que aqueles com taxa de investimentos/vendas de 20% ou mais. Entre as razões apontadas para o relacionamento negativo entre a intensidade do investimento e a receita, estavam: (1) a intensidade do capital leva a uma agressiva e, freqüentemente, destrutiva competição; (2) os pesados investimentos de capital freqüentemente agem como uma barreira para a saída de negócios não lucrativos; (3) algumas vezes os administradores estabelecem um lucro para negócios, que possuem um peso maior do que para investimentos normais para taxa de vendas, e (4) negócios de capital intensivo podem ser menos eficientes em usar capital fixo ou circulante do que concorrentes. Contudo, eles reconhecem que o investimento de capital pode proporcionar retorno se o fluxo de caixa descontado mais o futuro valor descontado de mercado da estratégia exceder o valor corrente de mercado dos investimentos. Os autores abordam a diferença de perfis entre os líderes de participação de mercado e os seguidores. Para eles, há maior probabilidade de que os líderes tenham entrado no mercado primeiramente, detenham maiores benefícios de patentes e segredos comerciais, e ofereçam produtos/serviços de melhor qualidade. A rentabilidade do líder não é afetada adversamente pela elevada taxa de inovação de produtos, pelos altos gastos mercadológicos e nem pela depreciação do ROI. Finalmente, enquanto alguns influenciadores do lucro têm efeito similar na maioria dos estágios da evolução do mercado, outros fatores possuem efeitos variantes. Entre os que estão relacionados positivamente aos lucros em todos os estágios, estão a participação de Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira mercado, o crescimento de mercado, o grau de padronização do produto, a utilização da capacidade e montante típico de compras. Entre os influenciadores que estão negativamente relacionados ao lucro em todos os estágios da evolução do mercado, estão a intensidade do capital fixo, a intensidade de sindicalização dos empregados, o estoque/vendas e o montante elevado de compras por clientes típicos. Essas constatações levaram os autores a enfatizar a importância de se selecionar corretamente o mercado no qual competir. Os lucros são maiores em mercados de rápido crescimento e menores em mercados em declínio; a lucratividade tende a declinar com o crescimento do mercado; mercados nos quais as transações de compra crescem em alta escala tendem a ser menos lucrativos; a lucratividade está relacionada inversamente ao nível de sindicalização dos empregados; a exportação tem um efeito positivo na lucratividade, enquanto a competição dos importados, um efeito negativo. Os trabalhos de Buzzell e Gale (1987) representam uma significativa ampliação do número de indicadores que podem contribuir positiva ou negativamente para a rentabilidade empresarial. Não foi, contudo, isento de críticas. Algumas delas circunstanciadas, como a que reconhece que o capital fixo e os investimentos de P&D constituem compromissos financeiros de longo prazo, em que se espera que o benefício se estenda a um período de tempo superior ao ano fiscal. Da mesma maneira, o uso intensivo de capital precisa estar relacionado à economia de escala para que possa ser justificado. Entretanto, não era de se esperar que, já naquela época, outros stakeholders – tidos como importantes hoje – já fossem devidamente abordados. Pode-se inferir, a partir da crescente complexidade no uso e finalidade de medidas de performance, que essas irão se diferir segundo a natureza do interesse de cada stakeholder. A atribuição de sua importância também será relativa, seguindo-se as características das demandas e interesses desses mesmos stakeholders, além de peculiaridades do setor de atuação e características da empresa. Essas constatações levam à compreensão de que as métricas podem variar e devem ser calculadas diferentemente também, segundo a natureza do negócio e o estágio em que a empresa se encontra em determinado mercado. Cada empresa é única e deve ser considerada em face de seu conjunto de peculiaridades. Apesar dessas considerações, levando-se em conta a unicidade de cada empresa, em um nível maior de abstração, podem existir alguns pontos de similaridades entre elas que, inclusive, sirvam para orientar o desenvolvimento de medidas comuns para mensurar essas equivalências. O gradual abandono da linearidade no enfoque em favor de uma combinação de várias possibilidades coloca em destaque o que pode ser considerado como as melhores práticas. A consideração das melhores práticas permite que a empresa busque um conjunto balanceado de métricas consideradas adequadas às especificidades de sua atividade ou negócio. As empresas precisam estabelecer quais indicadores serão trabalhados, e com qual freqüência, para atender aos propósitos previamente estabelecidos. Sob essa perspectiva, os trabalhos de Kaplan e Norton (1992, 1996 e 1998) representam uma contribuição bastante inovadora. Apóiam-se no reconhecimento de que as medidas de desempenho podem focalizar o futuro e não apenas o registro do desempenho passado. O Balanced Scorecard combina medidas e objetivos financeiros com medidas e objetivos não financeiros relacionados a clientes, tanto quanto medidas e objetivos internos com capacidade tecnológica, excelência na manufatura e inovação e aprendizagem. Sua utilidade à mensuração da performance de organizações, com ou sem finalidade de lucro, pode ser considerada significativa. 1.8. O Balanced Scorecard A constatação dos referidos autores sobre a importância de medidas vai além da combinação de variáveis financeiras e não financeiras. Segundo Kaplan e Norton (1992), os sistemas de mensuração organizacional 27 Relatório de Pesquisa – RP0502 exercem forte influência sobre o comportamento de gerentes e empregados. Para eles, os indicadores contábeis e financeiros tradicionais, como retorno sobre investimento e lucro por ação, que funcionaram bem na era industrial, podem, às vezes, emitir sinais enganosos para fins de melhoria contínua e inovação. Na maioria das vezes, estão em descompasso com as habilidades e competências que as organizações precisam dominar atualmente para atuar competitivamente no mercado. Baseados nesses pressupostos e em pesquisas iniciais em 12 empresas de vanguarda em mensuração de desempenho, aqueles autores agregaram aos indicadores financeiros que mostram resultados de ações passadas os indicadores relacionados ao futuro, como a inovação, a satisfação dos clientes, os processos internos e a capacidade de aprendizagem da organização. Esses indicadores capturam o valor criado pelo patrimônio intangível e impulsionam o desempenho financeiro futuro. Correspondem, ainda, ao desdobramento da visão e da estratégia da organização nas prioridades traduzidas em objetivos e medidas, conforme ilustrado nas figuras 1 a, b, c e d. PERSPECTIVA FINANCEIRA PERSPECTIVA DO CLIENTE Metas Indicadores Novos Porcentagem de novos produtos produtos nas vendas Percentual de novos clientes Novos conquistados sobe a base de clientes clientes atuais Redução do índice de migrações de clientes para concorrentes Manutenção dos clientes atuais FIGURA 1b PERSPECTIVA INTERNA DA EMPRESA Metas Indicadores Metas Indicadores Sobreviver Fluxo de caixa Capacidade Processos de fabricação em tecnológica comparação com o dos concorrentes Crescer Crescimento trimestral das vendas Excelência Duração dos ciclos Lucro operacional por divisão na Custos unitários fabricação Rendimento Aumento da participação de Lançamento Percentual de mercado de novos lançamento de novos Retorno sobre o patrimônio produtos produtos sobre os Prosperar líquido FIGURA 1a 28 produtos atuais FIGURA 1c Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira P ERSPECTIVA DE INOVAÇÃO E APRENDIZADO Metas Indicadores Liderança Aquisição de tecnológica maquinário de últ ima geração Capital Conquista e retenção intelectual de talentos Inovação Inovação em produtos e em processos FIGURA 1d Figuras 1 a, b, c e d: Exemplos de atividades constantes em um BSC Fonte: Adaptado de Kaplan e Norton (2004). Aqueles autores buscaram, por meio dessa abordagem, tornar mais clara a percepção organizacional quanto a diversas questões. Como os clientes a vêem? Como ela se parece para os acionistas? Em que deve ser excelente? Qual a sua capacidade de continuar melhorando e criando valor? A busca da percepção desses outros fatores que, juntamente com os resultados financeiros, influenciam fortemente a perpetuidade ou não da organização, situa-se entre as principais contribuições do BSC. A tônica da proposição daqueles autores focaliza os processos-chave gerenciais – planejamento da alocação de recursos, orçamento, relatórios periódicos e reuniões gerenciais sobre estratégia. Visão, estratégia e alocação de recursos fluem de cima para baixo. Implementação, inovação, feedback e aprendizagem fluem de baixo para cima. O BSC é um instrumento que procura acompanhar a mudança nas oportunidades de criação de valor pela gestão do patrimônio intangível: relacionamento com clientes, produtos e serviços inovadores, processos operacionais sensíveis e de alta qualidade, “databases” e informações tecnológicas, capacidade, habilidade e motivação das pessoas. Baseia-se na constatação de que a vantagem competitiva, hoje, é devida mais ao conhecimento, capacidades e relacionamentos criados por pessoas do que aos investimentos em patrimônio físico e acesso a capitais. Esta perspectiva envolvendo outros aspectos, abordados por Kaplan e Norton e outros autores, deixa espaço para uma reflexão sobre o impacto que as mudanças ambientais possam estar provocando na perpetuidade das organizações. A sustentabilidade e as organizações em rede inserem-se nessas possibilidades. O modelo proposto e adotado no presente estudo foi desenvolvido, contemplando essas novas possibilidades. Isto é, as perspectivas de sustentabilidade das empresas e sua organização em rede, considerando-se para este estudo, a cadeia produtiva: os fornecedores, distribuidores e clientes finais. Inova, no sentido de testar a possibilidade de ocorrência das dimensões consideradas mais comuns à maioria das empresas, por meio de uma amostragem de empresas tidas como de bom desempenho. Em segundo lugar, por abranger uma perspectiva mais ampla da organização em sua cadeia produtiva e em seu ambiente, focando-a em sua sustentabilidade. 1.9 A pesquisa Em síntese, na busca de vantagens competitivas sustentáveis, os executivos vêm enfrentando grandes desafios, com destaque para o acompanhamento e monitoramento dos negócios por meio de indicadores. A utilização sistemática de indicadores e o uso de estatísticas para mensurar o desempenho das empresas popularizaram-se no século passado, com forte ênfase em medidas financeiras. Nessa direção, o objetivo preponderante dos gestores é a identificação de indicadores de desempenho que possam orientar a busca da excelência empresarial. Pretende-se ainda que esses funcionem como ponto de partida para o estabelecimento de padrões de performance 29 Relatório de Pesquisa – RP0502 que possam ser usados como referência para comparar variações das ações estratégicas, de desenvolvimento sustentável, inovação, gestão de pessoas, marketing e finanças, conforme previstas e efetivamente implementadas, e de seu impacto – tanto interno como externo – no sentido de contribuir para a construção de vantagens competitivas sustentáveis. Hoje, a importância crescente do conhecimento, como elemento diferenciador das empresas, as novas configurações em rede e a preocupação com a sustentabilidade mostram que os indicadores existentes são insuficientes. As empresas têm se preocupado em incluir em sua análise de resultados informações relacionadas ao conjunto de stakeholders. O interesse pelo ambiente no qual estão inseridas não é mais uma opção – para alguns setores já se tornou uma obrigação. Diversas empresas têm tido dificuldades com clientes e financiadores por não possuir, de forma sistematizada, elementos que comprovem sua efetiva preocupação com a sustentabilidade. O relacionamento com os diversos elementos da rede, por exemplo, tem exigido, por parte das empresas, grande esforço na criação de indicadores que possibilitem o gerenciamento dos aspectos que afetam essas relações. As empresas têm buscado indicadores que não só avaliem a performance atual, mas também sejam capazes de apontar tendências. As organizações, principalmente as globais, têm demonstrado forte preocupação com a competitividade das redes nas quais estão inseridas e com indicadores que acompanhem sua evolução. É preciso lidar com informações mais complexas, que possam sinalizar a sobrevivência, em longo prazo, da empresa, de sua rede de relacionamentos e mesmo do planeta. Com vistas a uma melhor compreensão desse tema, a Fundação Dom Cabral – FDC, em conjunto com o CTE – Centro de Tecnologia Empresarial, parceria que a FDC mantém com grandes empresas de capital nacional e multinacional interessadas no desenvolvimento de tecnologias de gestão empresarial, desenvolveu, ao longo de 2003 e 2004, a pesquisa Competitividade na 2 Valor 1000 – 1000 Maiores empresas. Valor Econômico. 30 Cadeia Produtiva de Empresas no Brasil. O objetivo dessa pesquisa, que contou com o financiamento do grupo de empresas que compõem o CTE, foi o de melhor esclarecer o contexto e as estratégias adotadas pelas empresas brasileiras no que se refere à atuação integrada com outras organizações. Teve ainda o propósito de investigar os principais indicadores que evidenciam as interações na cadeia produtiva que visam à competitividade e sustentabilidade. A pesquisa partiu de um conceito mais amplo de redes e, posteriormente, concentrou-se em uma parcela mais restrita, os relacionamentos ao longo das cadeias produtivas, tendo por pressuposto a questão do desenvolvimento sustentável. A análise realizada baseou-se na busca de evidências que revelassem comportamentos mais cooperativos. Existem diversas dimensões a serem abordadas ao se analisar o tema. Buscando um aprofundamento do entendimento da questão central, optou-se pela divisão desse estudo sob a ótica das seguintes áreas: desenvolvimento sustentável, estratégia, gestão de pessoas, inovação, marketing e finanças. Para tal, pesquisadores especializados em cada uma desses ramos foram envolvidos. O universo investigado foi o conjunto das mil maiores empresas em receita líquida do Brasil, segundo o ranking da revista Valor Econômico, 20032. Essas organizações foram selecionadas por estarem mais bem posicionadas, em termos de recursos e competências, bem como por terem, a princípio, maior interesse em atuar em rede. Os questionários foram enviados aos principais executivos das empresas, responsáveis pela respectiva área objeto da pesquisa. O período da coleta de dados foi de 2003 a 2004. A amostra global da pesquisa foi composta por 133 empresas, totalizando 363 questionários. A receita anual dessas empresas varia entre R$ 132 milhões e R$ 19 bilhões. Os resultados obtidos configuram um quadro abrangente quanto às estratégias, dificuldades e percepção das maiores empresas brasileiras perante o desafio de se trabalhar em redes de relacionamentos e de utilizar indicadores para aferir o desempenho dessas relações. Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira Esse trabalho está estruturado em duas partes. A parte I apresenta a fundamentação teórica relativa a cada área da pesquisa e o painel de bordo teórico. Na parte II estão descritas a metodologia adotada, a análise dos resultados e as principais conclusões. 2. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL 2.1. Introdução públicas e privadas, que discutem e promovem alternativas para os principais desafios da sociedade pós-industrial. H. C. de Bettignies, professor do The European Institute of Business Administration – INSEAD, sugere (informações verbais)3 como projeção de um mundo sustentável num ambiente em que: • as atividades correntes não comprometam as futuras gerações; O momento atual é muito especial na história da humanidade. Em geral, as pessoas experimentam um sentimento de falta de referenciais, “falta de chão”, sentem como se estivessem caminhando em um terreno pantanoso não conhecido em que “têm que transformar as pedras no meio do caminho em caminho das pedras”. Por isso mesmo, também é um período que oferece uma série de oportunidades. • o ecossistema global esteja protegido e O mundo vem assistindo, ao longo de vários anos, ao aumento da desconfiança com relação aos sistemas – políticos, sociais, econômicos e tecnológicos –, em função de desvios de conduta de representantes de todos esses setores, ou pela falta de conhecimento sistêmico dos mesmos ao buscar alguma espécie de vantagem em curto prazo, criando grandes desequilíbrios, sejam ecológicos, ou no plano do desenvolvimento humano e cultural das nações, ou ainda pela falta de capacidade deles de geração e distribuição de riquezas. Esses desequilíbrios colocam em risco a espécie humana e outros organismos complexos, pois promovem a ameaça da rede ecológica natural de sustentação da vida, o crescimento do número de miseráveis e da criminalidade, e o aumento da ocorrência de conflitos armados localizados e mundiais. • todos tenham segurança em termos de Em contrapartida, o mundo viu emergir nas últimas décadas diversas iniciativas com vistas à busca de soluções para os grandes problemas contemporâneos, como o surgimento de organizações não-governamentais – ONGs, movimentos sociais e de voluntariado, mobilizações governamentais e de empresas 3 produtivo, e o clima da terra, estável e saudável; •a população humana esteja em conformidade com a capacidade do planeta; • em todas as regiões haja segurança alimentar; salubridade. Apresentam-se, a seguir, alguns marcos da história, conceitos e sistemas gerenciais relacionados ao que se compreende como desenvolvimento sustentável. 2.2. Objetivos O principal objetivo dessa pesquisa é compreender os fatores que concorrem para a longevidade de uma organização, em um contexto marcado pelo incremento da relevância dos fatores relacionados ao desenvolvimento sustentável, considerando-se a cadeia produtiva na qual a empresa está inserida. Para tal, as seguintes questões orientaram a pesquisa: • Como promover a longevidade da organização em consonância com as questões econômicas, sociais e ambientais? • Como se articulam as mais recentes tecnologias de gestão para esse fim? Informe repassado em palestra no lançamento da European Academy of Business in Society, FONTAINEBLEAU, 5 jul. 2002. 31 Relatório de Pesquisa – RP0502 • Como se estende a orientação para o desenvolvimento sustentável na cadeia produtiva? • Quais descritores devem promover a assertividade para as respostas às questões anteriores? Neste capítulo, encontra-se o resultado da pesquisa bibliográfica sobre o tema Desenvolvimento Sustentável, base referencial para a condução do projeto de investigação como um todo. 2.3. Cadeias produtivas, stakeholders e sustentabilidade Nenhuma empresa é responsável pela questão da sustentabilidade como um todo, ou seja, com relação a todos os aspectos envolvidos, nem tem completo domínio dos diversos fatores que colocam em risco sua própria sustentabilidade nos negócios. Ao implantar sistemas de gestão ambiental, as empresas não têm a pretensão de eliminar todos os riscos e impactos, mas de reduzi-los ao mínimo econômica e socialmente suportável, considerando-se os riscos impostos pela legislação e pelos mercados – concorrentes, financiadores e investidores, clientes, opinião pública. Ou seja, busca-se a redução de riscos e impactos de forma a torná-los gerenciáveis. É uma questão de relação custo–benefício, que é permanentemente afetada por mudanças incontroláveis em sociedades interativas e democráticas. Organizações são nós de redes de relações que envolvem outros atores da vida em sociedade. De acordo com Johnson (2003): “Algumas das maiores mentes dos últimos séculos – Adam Smith, Friederich Engels, Charles Darwin, Alan Turing – deram sua contribuição para a desconhecida ciência da auto-organização, mas, como se tratava de um campo ainda não reconhecido, suas obras acabaram sendo catalogadas sob rótulos mais familiares.” Interpretações científicas mais recentes de fenômenos sociais (por exemplo, a urbanização de cidades, a internet) e naturais 32 (o cérebro humano, as formigas) levaram ao desenvolvimento da teoria das redes autoorganizadas. Nesse tipo de rede forças de autoorganização se manifestam e, a partir de um número crítico de elementos e ligações, emergem propriedades da rede não presentes nos elementos e sequer planejadas pelos mesmos, individualmente ou em conjunto (CAPRA, 2002). Cadeias produtivas são formadas por organizações que, sucessivamente, relacionam-se como fornecedores e clientes, desde a extração de insumos da natureza ou desde uma idéia original, até a venda de produtos e serviços de consumo. Em uma visão mais abrangente, estendem-se até o descarte ou reciclagem do produto, ao final de sua vida útil. Dessa forma, as cadeias produtivas são a parte da rede social que sedia a produção de bens e serviços (CAPRA, 2002). À luz da teoria das redes, cadeias produtivas são redes autoorganizadas com propriedades emergentes que as levam a adaptar-se, relativamente de maneira autônoma, às mudanças do ambiente mercadológico e social que as envolve. A figura 2 representa, de forma simplificada, os elementos de uma cadeia produtiva. SH SH SH SH SH SH SH SH SH INSUMOS PRODUTOS A B C D IDÉIAS SERVIÇOS SH SH SH SH SH SH SH SH SH FIGURA 2: Representação de uma cadeia produtiva e sua rede Fonte: Elaborada pelos autores. Os riscos inerentes aos processos relativos a fornecedores e clientes de uma determinada empresa moldam o relacionamento entre esses atores. Em cada transação comercial, as partes negociam a partilha equilibrada dos riscos. Desequilíbrios nesses acordos significarão prejuízos para toda a cadeia nos momentos de crise. Do ponto de vista da sustentabilidade, além dos riscos econômicos, devem ser equilibrados e corretamente imputados os riscos sociais e ambientais da cadeia produtiva. Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira Sob a perspectiva do gerenciamento do relacionamento com os stakeholders , fornecedores e clientes constituem, juntamente com a empresa considerada, um fluxo produtivo, sendo que todas as partes devem negociar a defesa de seus interesses. Em outras palavras, devem ser criadas condições para a visualização ou controle da eficácia de toda a cadeia produtiva, seja para estabelecer a capacidade global de enfrentamento de cadeias concorrentes ou novas, seja para evitar riscos ambientais ou sociais que possam afetar a todos. Cada elo de uma cadeia produtiva é constituído por uma empresa, que tem seus próprios stakeholders. Alguns deles são comuns a mais de uma empresa de uma cadeia. Isso delineia mais que uma cadeia, uma rede de interesses. Por sua complexidade e natureza, questões relativas a sustentabilidade são diretamente relacionadas a questões de redes. Assim, negociações isoladas entre empresas de uma cadeia com stakeholders comuns não permitem a concretização das soluções mais adequadas, do ponto de vista de todos os interessados. Além dos critérios utilizados para uma única empresa, devem-se considerar os seguintes cuidados para o estabelecimento de descritores de sustentabilidade para uma cadeia produtiva: • considerar as dimensões – econômica, social e ambiental –, desde a extração de insumos da natureza até a reciclagem do produto consumido; • refletir as questões críticas impostas pelas limitações naturais, pela sociedade e pelas comunidades nos locais em que as operações se dão; • possibilitar a identificação de redes de interesse comum entre os diversos participantes de uma cadeia produtiva e seus respectivos stakeholders. 4 5 6 2.4. Fundamentos Esta seção apresenta os argumentos dos preconizadores e teóricos especializados nesse tema sobre a emergência do conceito de “desenvolvimento sustentável”, suas definições e formas de aplicação, com vistas à obtenção de um panorama sobre importantes iniciativas, em termos globais, de distintos setores. 2.4.1. A evolução do conceito de “desenvolvimento sustentável” Fernando Almeida, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável – CEBDS4 , faz uma recapitulação histórica das iniciativas ambientais no Brasil e no mundo, e do surgimento do conceito de “desenvolvimento sustentável”, em sua obra5. Alguns eventos relevantes, marcos na preocupação ambiental – no país e no exterior –, estão relacionados a seguir. 1933: Primeira Conferência Brasileira de Proteção à Natureza Grupo de cientistas e políticos organiza, no Rio de Janeiro, uma reunião para se discutirem políticas de proteção do patrimônio natural, convocada pela Sociedade dos Amigos das Árvores, fundada dois anos antes. A agenda dessa conferência aborda os seguintes temas: defesa da flora, da fauna, dos sítios de monumentos naturais, em suma a proteção e o melhoramento das fontes de vida no Brasil. 1958: Criação da Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza Como conseqüência da mistura de bandeiras conservacionistas e nacionalistas, é criada no Rio de Janeiro a Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza – FBCN6 , primeira organização ambiental a conseguir criar e manter uma presença nacional. Criado em 1997, o CEBDS integra a rede de conselhos vinculada ao World Business Council for Sustainable Development – WBCSD. Entidade sem fins lucrativos, o CEBDS reúne 56 dos mais expressivos grupos empresariais do Brasil. ALMEIDA, Fernando. O bom negócio da sustentabilidade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002. Fundada em 28 de agosto de 1958, é a mais antiga entidade conservacionista de âmbito nacional em atividade no Brasil. Sua finalidade é promover uma ação nacional para a conservação dos recursos naturais e para a implantação de áreas reservadas de proteção à natureza. 33 Relatório de Pesquisa – RP0502 1962: Publicação de Primavera Silenciosa A bióloga Rachel Carson publica essa obra7 nos Estados Unidos, denunciando pela primeira vez no mundo leigo a contaminação do meio ambiente por resíduos tóxicos devido ao uso de pesticidas químicos. Assim surgiu o termo agrotóxico. 1972: Conferência de Estocolmo A Organização das Nações Unidas – ONU realiza a Conferência Internacional sobre o Meio Ambiente Humano, como conseqüência das convicções de diversos pensadores que questionam a compatibilidade de desenvolvimento com meio ambiente. Os mais radicais prevêem catástrofes, caso os países em desenvolvimento adotem o mesmo modelo de produção dos países desenvolvidos. A conferência conta com a participação de 1.200 delegados de 112 nações. O posicionamento do Brasil, acolhido pelo evento, é: • Para os países em desenvolvimento, o melhor instrumento para melhorar o ambiente e combater a poluição é o desenvolvimento econômico e social. • Desenvolvimento e meio ambiente, longe de serem conceitos antagônicos, se completam. • Defesa intransigente da soberania nacional, no que se relaciona com o aproveitamento dos recursos naturais, encarando-se, por conseguinte, os problemas ambientais, na sua maioria, como de âmbito nacional. • Como a poluição industrial é provocada principalmente pelos países desenvolvidos, compete a esses o maior ônus na luta contra ela. 1973: Criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente Criada a Secretaria Especial do Meio Ambiente – SEMA, pelo governo federal brasileiro, introduzindo o conceito da natureza como um universo integrado. 7 8 1976: Relatório Impacto sobre o Meio Ambiente É trazido da Europa para o Brasil o Relatório sobre o Meio Ambiente – RIMA8, que só vem a ser regulamentado no âmbito federal em 1986, sob a forma de Estudo de Impacto ambiental – EIA. 1981: Política Nacional do Meio Ambiente A política nacional do meio ambiente – através da Lei 6.938/81 – introduz uma nova figura jurídica, os “recursos ambientais” (atmosfera, as águas inferiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo e os elementos da biosfera). Essa política gera seus principais resultados nas décadas de 1980 e 1990. Logo iria surgir o conceito de “desenvolvimento sustentável”. 1983: Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento A ONU cria essa comissão, mais conhecida como Comissão Brundtland, para estudar e propor uma agenda global com o objetivo de capacitar a humanidade para enfrentar os principais problemas ambientais do planeta e assegurar o progresso humano sem comprometer os recursos para as futuras gerações. É composta por 21 membros – políticos, diplomatas e cientistas de vários países –, que, após seus estudos para capacitar a humanidade a lidar com os desafios da sustentabilidade, propõem e disseminam a expressão “desenvolvimento sustentável”. Assim se dá a evolução do conceito de gestão ambiental para gestão da sustentabilidade. 1987: Proposta da Agenda 21 A Comissão Bundtland para a Assembléia Geral da ONU recomenda a convocação da II Conferência Internacional de Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio–92, propondo a Agenda 21, que realizaria o desenvolvimento sustentável no século 21. CARSON, Rachel L. Primavera Silenciosa. São Paulo: Melhoramentos, 1962. RIMA: Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente. Documento gerado pelo Estudo de Impacto Ambiental – EIA. 34 Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira 1991: Criação do Business Council for Sustainable Development Com o intuito de estimular o envolvimento do empresariado, o secretário geral da Conferência da ONU, em conjunto com 48 empresários de 28 países, cria o Business Council for Sustainable Development – BCSD. Publicam, no início de 1992, o livrorelatório Mudando o Rumo: uma Perspectiva Global sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente, que recomenda, sob um enfoque orientado à realidade de então: justiça econômica para as relações entre as empresas e os que estão ao seu redor (stakeholders); combinação entre comando e controle governamental, iniciativa das próprias empresas e instrumentos econômicos para que o governo possa intervir no mercado, valendose de impostos e negociações sobre as questões ambientais, e ecoeficiência e controle ambiental como estratégias competitivas. Embora Almeida (2002) não atribua a alguém especificamente a origem da expressão “desenvolvimento sustentável”, Capra (2002) faz referência à origem do termo e seu significado atual a Lester Brown, fundador do Instituto Worldwatch, no início da década de 1980. 2.4.2. O conceito de “desenvolvimento sustentável” A preocupação de se garantir a sustentabilidade de alguma iniciativa não é nova, e vem sendo mencionada por governos quando se referem a seu sistema econômico. Na história da humanidade, essa sensibilidade é encontrada em antigas tribos indígenas que tomavam suas decisões pensando nas próximas sete gerações. Em um processo de mecanização do humano ocorrido nos últimos séculos, nos “esquecemos” de perceber a vida. Recentemente, o termo sustentabilidade tem sido associado às preocupações econômicas, intrincadas com as preocupações sociais e ecológicas, considerando-se as futuras gerações. Em síntese, o conceito de “desenvolvimento sustentável” é dinâmico e exige flexibilidade na sua aplicação, conforme apontado pelo United Nations Environment Programme – UNEP, como conclusão do seminário Sustainable Enterprise, em outubro de 1988, e vem evoluindo para definições cada vez mais abrangentes. Está sendo definido pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, como uma espécie de desenvolvimento que “satisfaz as necessidades do presente, sem comprometer a capacidade de as futuras gerações satisfazerem suas próprias necessidades”. A integração das expectativas das organizações produtivas com as expectativas socioambientais ensejou Grayson e Hodges (2002) a discriminar como “temas emergentes”: • ecologia e meio ambiente; • saúde e bem-estar; • diversidade e direitos humanos; • comunidades. A título de exemplo da nebulosa de conceitos e significados subjacentes ao tema “desenvolvimento sustentável” nas empresas – filantropia, stakeholders, ética empresarial, accountability, cidadania corporativa, triple bottom line, empresa socialmente responsável, investimento social responsável, ética organizacional, responsabilidade social corporativa, sustentabilidade, etc. –, são apresentados, a seguir, dois dos mais “estruturantes”: • Stakeholders são todos aqueles que podem causar impactos nos negócios de uma determinada empresa, todos aqueles que sofrem impactos dos negócios dessa, e a empresa como stakeholder de outros processos. Segundo Carroll e Buchholtz (2000), o conceito de stakeholder surge da essência do relacionamento entre empresas e sociedade. A palavra stake – que, traduzida literalmente para o português, significa “estaca” – transmite uma idéia de compromisso ou interesse em algum empreendimento. Um stakeholder seria um indivíduo ou grupo que possui um ou mais stakes em alguma organização. Dessa forma, assim como podem ser afetados por políticas, ações, decisões, práticas ou objetivos das organizações, os stakeholders também podem afetá-las. Aqueles autores definem, 35 Relatório de Pesquisa – RP0502 então, o conceito de stakeholder como qualquer indivíduo ou grupo que pode afetar ou ser afetado pelas ações, decisões, políticas, práticas ou objetivos de uma organização. • Triple Bottom Line encerra três orientações básicas de objetivos empresariais: econômicos (crescimento, eficiência, inovação e valor para os acionistas); sociais (poder e eqüidade, mobilidade social, gestão social e identidade cultural) e ambientais (integridade dos ecossistemas, integridade do clima e biodiversidade). No plano das empresas, PORTER (1989) se refere à sustentabilidade da vantagem competitiva quando aborda as estratégias genéricas (liderança no custo, na diferenciação e no enfoque). Quanto ao processo evolutivo do nível de desenvolvimento sustentável das organizações, uma série de conceitos e iniciativas têm sido elaborados, alguns propondo uma cadeia que compreenderia a gestão do impacto, a gestão de riscos e a gestão estratégica. B. Googins, do Center for Corporate Citizenship at Boston College, propõe três estágios da Cidadania Corporativa: • Estágio 1: Filantropia, caracterizado por dar retorno às comunidades por meio de contribuições financeiras; Atualmente, discutem-se intensamente os principais problemas do mundo (buraco na camada de ozônio, aumento da temperatura do planeta, má distribuição de renda, aumento do desemprego e da criminalidade, guerras e assim por diante), que têm como causa fundamental a falta da percepção de uma realidade viva e interconectada, como a natureza, inclusos aí o homem e suas organizações. Pesquisando-se as bases conceituais do movimento da sustentabilidade, suas idéias, vocábulos e sistemas, torna-se evidente a congruência com os fundamentos da vida. Características empresariais mais recentes, como a constante adequação às mudanças externas, a evolução estrutural rumo à flexibilização e a busca de equilíbrio e estabilidade com outros elos de suas redes de relacionamentos, são semelhantes aos fenômenos ligados à vida orgânica. Almeida (2002), valendo-se de sínteses já realizadas por diversos autores, confronta diretamente paradigmas que têm sido definidos como cartesianos com os paradigmas ditos orgânicos, relacionando esses diretamente com o termo sustentabilidade. O quadro 1 apresenta as diferenças conceituais entre esses paradigmas. • Estágio 2: Filantropia Estratégica, focada em ganhos mútuos e relações sustentáveis; QUADRO 1 Paradigmas da sustentabilidade: cartesiano versus orgânico • Estágio 3: Integração, relacionamento integrado com cross-functions voltadas para cidadania. Ao longo das últimas décadas, diversas tecnologias de gestão foram sendo desenvolvidas nas organizações. A causa fundamental para essa realidade é o fato de a organização ser um organismo vivo buscando longevidade. Também é consenso, na atualidade, o reconhecimento do conhecimento como fator preponderante para a sustentabilidade. “Viver e conhecer são a mesma coisa”, como já fora postulado pelo biólogo chileno Maturana (1970). 36 C ARTESIANO Reducionista, mecanicista, tecnocêntrico ORGÂNICO Orgânico, holístico, participativo Preceitos éticos desconectados da prática Ética integrada ao cotidiano cotidiana Seres humanos e ecossistemas separados, Seres humanos inseparáveis dos ecossistemas, em uma em uma relação de dominação relação de sinergia Relação linear de causa e efeito Relação não linear de causa e efeito Bem- estar avaliado por relação de poder (dinheiro, influência, recursos) Bem-estar avaliado pela qualidade das inter-relações entre os sistemas ambientais e sociais Análise Síntese Especialização Transdisciplinaridade Pouco ou nenhum limite tecnológico Limite tecnológico definido pela sustentabilidade Fatos e valores não relacionados Fatos e valores fortemente relacionados Separação entre o objetivo e o subjetivo Interação entre o subjetivo e o objetivo Conhecimento compartimentado e empírico Conhecimento indivisível, empírico e intuitivo Natureza entendida como um conjunto de sistemas Natureza entendida como descontínua, o inter-relacionados, o todo maior que a soma das todo formado pela soma das partes partes Ênfase na quantidade (renda per capita) Ênfase na qualidade (qualidade de vida) Centralização de poder Descentralização de poder Ênfase na competição Ênfase na cooperação Fonte: ALMEIDA, 2002, p. 66. Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira Pode-se observar essa relação da sustentabilidade com os preceitos da vida influenciando outros autores e iniciativas de sistemas, como Zadek (2001) e as normas AA 1000 do Institute of Social and Ethical9 , que orientam o relacionamento das empresas com seus stakeholders. Com relação à percepção das organizações como seres vivos, podem-se ainda mencionar alguns autores, que tecem os seguintes comentários: • Morgan (1986) defende a idéia de que uma das visões de uma organização é a abordagem biológica, mas não a única. Logo, não percebe que a organização é literalmente um ser vivo. • De Geus (1997), que influencia Senge (1999), e outros, por sua vez influenciados pela cibernética, confrontam “empresas vivas” com “empresas econômicas”, e acreditam que essas últimas não são vivas. Porém, na realidade inexistem organizações não vivas, e sim organizações com personalidades distintas. • Capra (2002), mediante o pensamento de cientistas e autores especializados em diversas áreas como Ciências da Vida, Neurociências, Ecologia, Antropologia, Administração e Sociologia, propõe uma síntese da vida, também presente nas organizações e sociedades. Isso se traduziria, para efeito de melhor compreensão, em uma pirâmide constituída por significado como vértice e forma, processos e matéria como base. Também descreve empresas vivas e não vivas, sendo que essas últimas, conforme já comentado, não existem; somente as falidas se enquadrariam nesse tipo. • Influenciados pelas teorias do caos e da complexidade, temos Bauer (1999), Lewin e Regine (2000), Pascale, Millemann e Gioja (2000), que enfocam as organizações como seres vivos, por se submeterem às leis presentes em tais teorias. • Soares (1994, 2000), ao longo da última década, com um enfoque transdisciplinar que envolve ciências exatas – naturais e 9 humanas –, além das artes, filosofia e tradições da humanidade, aplica uma síntese da percepção da vida em organizações, às quais denomina “Organizações Conscientes”. Propõe sete forças para a sustentabilidade: identidade; integridade; potestade (poder), inventividade; potencialidade; viabilidade e produtividade. Finalmente, quanto às aplicações em geral, está na essência das proposições desses autores citados o desenvolvimento de ciclos fechados como a vida, que se iniciam com a percepção de riscos e oportunidades na interação da organização com as expectativas de seus stakeholders , passando pela assimilação e aprendizado, e mudanças comportamentais adequadas aos resultados da negociação daquelas expectativas. 2.4.3. Algumas iniciativas de governos, instituições e empresas Torna-se cada vez mais evidente que há uma grande transformação na configuração do poder no mundo atual. Esse rearranjo não ocorre por acaso. O surgimento e fortalecimento de ONGs, que representam diversos interesses, é uma terceira força que se impõe entre governos e empresas, agregando novas posturas e articulações, geralmente orientadas para as grandes preocupações da sociedade como um todo. Na década de 60 havia algumas centenas dessas ONGs e, em 2000, elas já eram mais de 20 mil, conforme Capra (2002). Boa parte delas trabalha em redes grandes e muito articuladas para o desenvolvimento e a realização de objetivos comuns. De um modo geral, as áreas de atuação das ONGs são: defesa de direitos dos trabalhadores, defesa de minorias, como os povos indígenas, defesa dos direitos humanos, das mulheres, das religiões, do meio ambiente, dos consumidores, etc. A fim de se ter sensibilidade quanto aos esforços globais voltados para o desenvolvimento sustentável, relacionam-se a seguir algumas INSTITUTE OF SOCIAL AND ETHICAL ACCOUNTABILITY. AA1000 Assurance Standard. Disponível em: http://www.accountability.org.uk/aa1000/default.asp. Acesso em 24 mar. 2003. 37 Relatório de Pesquisa – RP0502 iniciativas e posicionamentos de governos, academias, instituições e empresas: • Em seu relatório anual sobre o desenvolvimento humano de 2002, a ONU constata uma permanente melhoria das condições de vida no mundo como um todo, na última década. Porém, indica uma grande disparidade entre essas condições de vida nos diversos países. O indicador usado para aferir o índice de desenvolvimento humano – IDH – apura o nível de atendimento das necessidades humanas básicas, em uma dada sociedade. Apesar de a complexidade envolvida na identificação dos aspectos de maior relevância para o bem-estar de um indivíduo, o IDH incorpora três deles: vida longa e saudável, acesso ao conhecimento e padrão de vida digno. Cada um desses aspectos é representado por uma variável específica e mensurável: expectativa de vida ao nascer, nível de instrução e nível de renda. Um dos grandes méritos do modelo de aferição por meio do IDH é a utilização de dados básicos de existência, praticamente universais, o que possibilita sua desagregação para regiões e unidades subnacionais. Desde 1990, a ONU calcula e publica anualmente o IDH de um grande número de países. No Brasil, associando os dados da ONU a dados censitários, o Instituto de Pesquisas Econômicas e Administrativas – IPEA e a Fundação João Pinheiro – FJP calculam e publicam desde 1996 o IDH com base nos municípios – IDH–M. A necessidade de se usarem dados censitários restringe a sua atualidade ao período de aproximadamente dez anos entre dois censos. O estudo realizado para os municípios mineiros foi pioneiro no mundo. • A Comissão de Responsabilidade Social Corporativa da Comunidade Européia10, em 2 de julho de 2002, declarou: – Existe hoje uma percepção crescente entre as empresas de que o sucesso sustentável e o valor para os acionistas não podem ser alcançados apenas maximizando os lucros de curto prazo, mas por um comportamento responsável e orientado ao mercado. – As empresas estão conscientes de que podem contribuir para o desenvolvimento sustentável, administrando suas operações de modo a assegurar o crescimento econômico e a aumentar a competitividade, ao mesmo tempo em que assegurem proteção ambiental e promovam a responsabilidade social. • Em pesquisa junto a instituições de ensino de MBA na Europa e nos Estados Unidos, em 2001, o World Resources Institute – WRI e The Aspen Institute Initiative for Social Innovation through Business – ISIB11 concluíram que: – há uma desconexão entre a demanda e o que é ensinado; – há necessidade de novas pesquisas, novas cadeiras, novos centros; – ocorrem iniciativas isoladas; – falta integração dos temas sociais e ambientais no currículo dos MBAs. • H. C. de Bettignies, professor do INSEAD, afirmou12 (informações verbais) que os prérequisitos para o desenvolvimento de conhecimento relativo a Responsabilidade Social Empresarial são: discernir as principais questões a serem pesquisadas, obter maior clareza conceitual, conduzir pesquisas empíricas mais rigorosas e adotar uma abordagem mais holística, que tenha uma perspectiva sistêmica e plural. As crescentes pressões da sociedade civil, dos formadores de políticas e dos líderes de negócios mais esclarecidos tornam explícitas algumas necessidades: COMUNIDADE EUROPÉIA. Commission for Corporate Social Responsibility. A business contribution to Sustainable Development. Bruxelas: CEE, 2002. 11 WORLD RESOURCES INSTITUTE. The Aspen Institute Initiative for Social Innovation through business. Beyond Grey Pinstripes. New York, 2001. Disponível em: <http://www.beyondgreypinstripes.org/conclusions.html>. Acesso em 25 de março de 2003. 12 DE BETTIGNIES, H. C. Anotações de palestra no lançamento da European Academy of Business in Society. Fontainebleau: 05 de julho de 2002. 10 38 Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira – precisamos saber mais; – precisamos entender melhor; – precisamos enxergar mais longe; – precisamos agir mais rápido. • Como contribuição para a Conferência de Johannesburgo 2002, a Price Waterhouse desenvolveu uma pesquisa global junto a 212 líderes em 50 países, quando foi esclarecido: – Precisamos agir mais rápido. Das empresas consideradas, sete em dez preparam Relatórios Sociais regularmente e duas pensam em fazê-lo nos próximos anos. – Dos líderes entrevistados, nove em dez concordam que os benefícios de se reportar sua performance social e ambiental compensam os custos. • Lançado em 1999, pela Sustainable Asset Manegement – SAM, em conjunto com a Dow Jones&Company, o Índice de Sustentabilidade da Dow Jones – DJSI vem aferindo o valor de negociação das ações das empresas que praticam a sustentabilidade. Segundo Almeida (2002), o presidente da SAM declarou: – Embora com pouca história, o DJSI vem apresentando resultados consistentemente superiores aos do Índice Global da Dow Jones – DJGI. – Atualmente apenas 1% do portfólio de ações está vinculado ao DJSI, porém há uma tendência de crescimento devido ao interesse das empresas de melhorar sua imagem perante seus stakeholders. – O DJSI é composto pelos 10% de empresas superiores entre as 2500 que entram no DJGI. São 307 empresas de 62 setores, em 26 países, capitalizando US$ 5,5 trilhões em janeiro de 2002. 13 A despeito do pequeno histórico do DJSI, S. Zadek, co-fundador do Institute of Social and Ethical AccountAbility, estima um crescimento superior e significativo do desempenho do DJSI em relação ao DJGI, desde dezembro de 1993 até dezembro de 1999, atingindo neste ano uma diferença maior que 50%. • Como iniciativa do Secretário Geral da ONU, foi criado em 2000 o Global Compact envolvendo empresas e lideranças de diversas nações, com o intuito de se desenvolver uma economia global sustentável e não excludente. Para tal, é sugerida a inserção dos Princípios do Global Compact 13 à operação central dos negócios, com orientações voltadas aos direitos humanos, trabalho e meio ambiente. Os princípios são: 1) As empresas devem apoiar e respeitar a proteção dos direitos humanos reconhecidos internacionalmente dentro de sua esfera de influência. 2) Devem assegurar-se de não atuarem como cúmplices de violações dos direitos humanos. 3) Pede-se às empresas que apóiem a liberdade de associação e o reconhecimento efetivo do direito da negociação coletiva. 4) Promover a eliminação de todas as formas de trabalho forçado e obrigatório. 5) Promover a abolição efetiva do trabalho infantil. 6) Promover a eliminação da discriminação em relação ao emprego e à ocupação. 7) As empresas devem apoiar um critério de precaução e respeito com relação aos problemas ambientais. Princípios do Global Compact à operação central dos negócios, com orientações voltadas aos direitos humanos, trabalho e meio ambiente (http://www.unglobalcompact.org). 39 Relatório de Pesquisa – RP0502 8) Adotar iniciativas para promover uma maior responsabilidade ambiental. • Em 2002 foi desenvolvido o Environmental Sustainability Index – ESI – pelas instituições The World Economic Forum, The Yale Center for Environmental Law and Policy e o Center for International Earth Science Information Network, com o apoio da Samuel Family Foundation. O ESI mede o progresso da sustentabilidade ambiental englobando 142 países, e sua avaliação abrange 68 variáveis. • Em setembro de 2003, foi realizado, pela Secretaria Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – Sedes, do governo brasileiro, o Fórum de Lideranças Nacionais pela Concertação (“O Brasil Rumo ao Futuro: Construindo o Desenvolvimento Sustentável”) 14 . O primeiro parágrafo do documento final15 que propõe a “Visão Brasil 2020” relata: população em todo o planeta. A reflexão final do Documento Resumo16 traz as questões para reflexão levantadas por Susan Andrews, do Instituto Visão do Futuro, durante o encerramento do ICONS 2003: “Que tipo de consciência é manifestado entre nós? Que tipo de consciência é preciso para um mundo com desenvolvimento sustentado?” Susan também resumiu as relações entre as pessoas nas palavras empatia ou compaixão. Por meio delas, os seres humanos têm a sensação de conexão, sem estar encapsulados. Ela acredita que a empatia é a raiz da ética. Para ela, é importante pensar em educar para a empatia, em indicadores para manter/criar empatia: “Precisamos de uma educação para a compaixão e lutar muito para um mundo melhor. ” 2.4.4. Sustentabilidade e negócios – O Fórum trabalhou sobre o escopo de dar um primeiro passo no desenho de um projeto de nação para o Brasil pautado na construção de um cenário de desenvolvimento sustentável, estabelecendo, assim, um norte – a ser, na seqüência, sucessiva e amplamente concertado pela sociedade – que torne possível traçar um caminho explícito para o futuro, do país. Quando se observam os desequilíbrios ecológicos ou sociais, e as suas relações com as organizações e o processo de globalização, constata-se a importância das empresas, tanto com relação às causas quanto na busca de soluções para os principais problemas mundiais. A prospecção de possibilidades para as empresas excede as atividades filantrópicas, que são muito louváveis, englobando também possibilidades mercadológicas. – A Conferência Internacional de Indicadores de Desenvolvimento Sustentável e Qualidade de Vida foi realizada em outubro de 2003, na cidade de Curitiba (Paraná, Brasil). Integraramse ao evento especialistas, líderes e pesquisadores de várias partes do mundo, com o intuito de discutir e buscar alternativas de indicadores para medir a prosperidade e a qualidade de vida da Em trabalho conjunto, o WRI, o UNEP e o World Business Council for Sustainable Development – WBCSD correlacionam temas relevantes das mudanças socionaturais mundiais com possibilidades de negócios futuros. Os fatores utilizados para organizar o documento17 e as considerações quanto a cada um dos temas encontram-se resumidos no quadro 2. O Brasil rumo ao futuro: construindo o desenvolvimento sustentável. O primeiro parágrafo do documento final (http:/ /www.cives.org.br/link_2909_noti.htm). 15 http://www.cives.org.br/link_2909_noti.htm. 16 ICONS 2003 – Conferência Internacional de Indicadores de Desenvolvimento Sustentável e Qualidade de Vida. Documento resumo. Disponível em http://www.sustentabilidade.org.br. Acesso em dez. de 2003. 17 WORLD RESOURCES INSTITUTE (WRI); UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME (UNEP); WORLD BUSINESS COUNCIL FOR SUSTAINABLE DEVELOPMENT. Tomorrow’s markets: global trends and their implications for business. WRI, 2002. 14 40 Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira Para todos os aspectos mencionados no quadro 2, aquele relatório apresenta implicações e alternativas para negócios futuros, com comentários e recomendações de posturas e novas possibilidades de empreendimentos. Entre essas podem-se citar: maior atenção às expectativas dos stakeholders; aumento de demanda por produtos ecológicos e recicláveis; desenvolvimento de equipamentos que minimizem o nível de poluentes; processos limpos e mais eficientes com relação ao uso de recursos naturais; investimentos em países em desenvolvimento e em negócios voltados para elevar o nível de vida de sua população, entre outros. QUADRO 2 Temas relevantes para negócios no futuro (Continua) T EMA FATOR Pessoas e o mercado de amanhã – servindo à sociedade População A expansão da população nas regiões em desenvolvimento criará um grande mercado dominado por jovens (atualmente 2,4 bilhões, do total de 6,2 bilhões de pessoas no mundo, são crianças e adolescentes). Riqueza A riqueza global está crescendo, mas a diferença na distribuição de renda cresce ainda mais (1% da população mais rica tem mais renda que os 57% mais pobres). Nutrição Milhões estão desnutridos em meio à abundância de alimentos (em 1998, 791 milhões de 826 milhões de pessoas subnutridas viviam nos países em desenvolvimento). Saúde A expectativa de vida cresce, porém a ocorrência de doenças que podem ser prevenidas continua limitando o crescimento (a expectativa de vida cresceu de 47 anos em 1950, para uma estimativa de 66 anos em 2000). Educação A educação primária está crescendo, mas as oportunidades de aprendizado escapam a muitos (um em cada cinco adultos – 880 milhões – é funcionalmente analfabeto. Isto é uma melhoria significativa sobre 1970, quando um em cada três era analfabeto). Consumo O crescimento no consumo cria riscos ambientais e oportunidades de negócios para inovação (o dinheiro gasto com consumo doméstico no mundo cresceu 68% entre 1980 e 1998). Energia A escalada da demanda por energia propulsiona o desenvolvimento econômico, mas ameaça o clima do planeta (a produção mundial de energia cresceu 42% entre 1980 e 2000, e crescerá entre 150% e 230% até 2050). Emissões A poluição se mantém como um desafio global (50 a 90% das emissões dos países industrializados vão para a atmosfera). Eficiência O uso de recursos materiais em processos produtivos ainda cresce, apesar da melhoria da eficiência na utilização de materiais e energia (a reciclagem de papel para produtos de papel e fibra cresceu, nas três últimas décadas, para cerca de 40% do total da produção mundial de papel). Inovação – mais valor com menos impacto CONTEXTO 41 Relatório de Pesquisa – RP0502 QUADRO 2 Temas relevantes para negócios no futuro (Continuação) T EMA Capital natural – preservando a base de recursos F ATOR Ecossistemas Agricultura Conexões – fazendo negócios em um mundo conectado Regras e responsabilidades – ganhando licença para operar CONTEXTO A capacidade de produção do planeta está declinando (aproximadamente 26.000 espécies de plantas, mais de 1.100 mamíferos e 1.200 pássaros, 700 peixes de água doce e centenas de répteis e anfíbios estão ameaçados de extinção). A produção de alimentos é a base de muitas economias, mas ameaça os ecossistemas dos quais dependem (cerca de 30% das áreas temperadas, subtropicais e florestas tropicais e cerca de 40% dos campos estão convertidos em áreas agricultadas). Água A água potável está se tornando escassa, em meio às necessidades de competição humana (ao longo do século passado, a retirada de água no mundo cresceu quase duas vezes mais rápido que a população). Urbanização O crescimento urbano concentra oportunidades de negócios e desafios sociais (são adicionados novos 60 milhões de cidadãos urbanos por ano – o que equivale a uma Paris por mês). Mobilidade Os seres humanos estão mais móveis, acelerando o fluxo de bens e conhecimento e fazendo crescer a demanda por energia e infra -estrutura (o transporte de pessoas e produtos é responsável por cerca de um quinto do consumo da energia mundial). Comunicação Acesso a tecnologias de comunicação e informação permite oportunidades econômicas (mais da metade dos cidadãos do mundo nunca usaram um telefone, 7% têm acesso a um computador pessoal, e somente 4% têm acesso à internet). Trabalho À medida que a economia se baseia em serviços, as mulheres passam a ser uma crescente parte da força de trabalho formal (nos países desenvolvidos, a população com idade de trabalho encolherá de aproximadamente 740 para 690 milhões de pessoas entre 2000 e 2025, mas crescerá em países em desenvolvimento, de cerca de 3 bilhões para 4 bilhões de pessoas). Democracia A disseminação da democracia cria melhores condições para economias baseadas em mercado (o número de estados democráticos no mundo cresceu de 22 de um total de 154 países em 1950 para 119 de um total de 192 países em 2000). Accountability (atendimento às expectativas dos stakeholders) A sociedade civil está demandando maior accountability e transparência dos governos e negócios (atualmente 2092 ONG's ocupam status consultivo na ONU, comparado a 928 em 1991 e somente 41 em 1948). Privatização Investimentos do setor privado estão crescentemente financiando o desenvolvimento econômico (investimentos diretos estrangeiros em países em desenvolvimento cresceram de cerca de US$ 24 bilhões em 1990 para US$ 178 bilhões em 2000, enquanto a ajuda oficial para o desenvolvimento declinou de cerca de US$ 55 bilhões para US$ 39 bilhões). Fonte: Adaptado de Tomorrow’s Markets: global trends and their implications for business. WRI, 2002. Na realidade, já existe um grande número de experiências que conjugam iniciativas empresariais com preocupações relativas à sustentabilidade. Pode-se ressaltar o nascimento de diversas empresas ecológicas, orientadas para reciclagem de produtos, o desenvolvimento e utilização de fontes alternativas de energia, agronegócios voltados para a manutenção de ecossistemas naturais, 18 entre outros. Em recente trabalho 18 , a SustainAbility, o International Finance Corporation – IFC e o Instituto Ethos apresentaram um mapeamento do ambiente de negócios ligados à sustentabilidade nos mercados emergentes. Foram feitas abordagens considerando-se o porte das empresas e a região do mundo, a partir dos seguintes fatores de sustentabilidade: governança e gestão, SUSTAINABILITY; INTERNATIONAL FINANCE CORPORATION (IFC); INSTITUTO ETHOS. Criando valor: o business case para sustentabilidade em mercados emergentes. Disponível em: <http://www.ethos.org.br/docs/conceitos_praticas/ publicacoes/outras_publicacoes/criando_valor/index.shtml>. Acesso em 04 de abril de 2003. 42 Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira engajamento dos interessados, melhoria do processo ambiental, produtos e serviços ambientais, crescimento da economia local, desenvolvimento da comunidade e gestão de recursos humanos. O estudo apontou fortes vínculos entre os fatores de sustentabilidade e o fator de sucesso nos negócios, com ênfase para a América Latina e o Caribe na área de gestão de recursos humanos. 2.5. Abordagem sistêmica Esta seção apresenta uma correlação entre as idéias exploradas nos itens antecedentes e os conceitos e atores de operacionalização da sustentabilidade no mundo empresarial. Atualmente, o mundo empresarial assiste ao advento dos modelos decorrentes de descobertas recentes nos campos das ciências físicas e biológicas. A evolução da abordagem sistêmica em resposta à percepção de empresas como organismos vivos tem se dado, principalmente, na consideração das partes interessadas nas decisões empresariais, no fortalecimento da governança, no gerenciamento de cadeias produtivas e na sobreposição de processos cooperativos aos princípios competitivos do mundo dos negócios. 2.5.1. Sistematização das relações com os stakeholders A abordagem sistêmica implica a observação e adequação das práticas empresariais que levam à sistematização de procedimentos aderentes a determinadas finalidades dos negócios. “Sistemas de Gestão” tem sido a designação de conjuntos de princípios e processos que, considerando-se a empresa inserida em um ambiente social permanentemente mutante, possibilitam a mudança da empresa como conseqüência não só de sua interatividade com esse am biente – entradas e saídas –, mas também dos registros de memória de experiências passadas e dos anseios revelados em sua visão de futuro. A abordagem sistêmica envolve também a identidade da empresa, expressa em sua missão e valores – fortes determinantes da natureza de suas ações e resultados. Assim como as operações produtivas de uma empresa encontram na ISO 9000 um modelo para sua sistematização e o cuidado com os impactos ambientais é sistematizado pela ISO 14000, outros campos de interesse das empresas também têm sido objeto de modelos de sistematização. É o caso das relações com os stakeholders. Esse estário significa um grande avanço em relação a modelos passados, que percebiam a empresa à luz de conceitos mecanicistas, como forma de simplificar sua análise para o estabelecimento de metodologias de intervenção gerencial. O malogro de muitas dessas metodologias e a complexidade crescente das relações sociais dentro e fora das empresas, demonstram a necessidade de novos modelos de empresa. A abordagem sistêmica foi uma das respostas a essa demanda. O Institute for Social and Ethical Accountability (ou simplesmente 19 AccountAbility) é uma instituição internacional criada na Inglaterra, com a finalidade de identificar, organizar e disponibilizar o conhecimento adquirido com as práticas das empresas mais avançadas em termos de relacionamento com seus stakeholders. Em novembro de 1999, ele lançou o documento “AccountAbility 1000” (AA1000) 19 A norma AA1000 desponta como o resultado do esforço internacional para sistematizar o conhecimento adquirido no gerenciamento do diálogo e da prestação de contas para as partes interessadas. A AA1000 é mais generalizante e, portanto, menos específica do que os sistemas de gestão da ISO e similares, no que diz respeito a procedimentos de gestão. INSTITUTE OF SOCIAL AND ETHICAL ACCOUNTABILITY. AA1000 Assurance Standard. Disponível em: http:// www.accountability.org.uk/aa1000/default.asp. Acesso em 24 mar. 2003. 43 Relatório de Pesquisa – RP0502 Framework – “Standard, Guidelines and Professional Qualification”, desenvolvido para atender à necessidade de prestação sistemática de contas das empresas quanto a seu impacto na sociedade. Baseia-se na integração dos processos de engajamento dos stakeholders nas atividades diárias da empresa e contém orientações sobre como estabelecer um processo de comprometimento com eles. Visa gerar os indicadores, as metas e os sistemas de informação necessários para assegurar a efetividade da empresa em influenciar decisões, nas atividades e no desempenho organizacional como um todo. Alguns dos princípios da AA1000 que norteiam a relação com os stakeholders são os seguintes: • A gestão deve se dar em toda a empresa, em todas as funções. Isso implica rever práticas de gestão por setor, considerando seu impacto sobre os próprios stakeholders. • Compartilhamento de compromissos entre a empresa e seus stakeholders. • A sistematização do processo deve integrar desde o estabelecimento de compromissos até o relato de resultados, passando pela operacionalização dos pontos acordados. Seguindo os passos recomendados pela AA1000, as empresas estarão desenvolvendo processos cooperativos com seus stakeholders, o que as levará paulatinamente ao aprendizado das questões comuns e da eficácia das soluções encontradas. 2.5.2. Medição como suporte à gestão A aceleração das mudanças nas estruturas e valores sociais propulsionadas pelos avanços tecnológicos, o escasseamento e o virtual esgotamento de recursos naturais, a degeneração da qualidade do ar e da água, o aquecimento global, as desigualdades e anomalias sociais, tudo isto tem impacto nas empresas, na medida em que afeta sua eficácia, mercado e resultados, ou simplesmente pelas novas percepções e inquietudes das pessoas que lá trabalham. Os sistemas de informação que dão suporte às decisões empresariais baseados em indicadores 44 são, portanto, permanentemente afetados pelo renovado anseio de se enxergar realidades anteriormente “desprezadas”. Metodologias gerenciais baseadas em indicadores são utilizadas para obedecer ao princípio de que “não se gerencia o que não se conhece”. Evidências sobre a realidade podem ser materializadas na forma de indicadores, os quais pretendem criar uma fotografia dos fatos e dados que ocorrem dentro e fora das empresas. É um princípio simples, porém sua utilização tem se demonstrado cada vez mais desafiadora. Recentes estudos a esse respeito ensejaram a criação do modelo Balanced Scorecard descrito em Estratégia em Ação de Kaplan e Norton (1997), o qual estabelece “Painéis de Bordo”, que são integradores de indicadores de diversos aspectos do desempenho empresarial e possibilitam uma visão mais orgânica da empresa. 2.5.3. Critérios para a definição de indicadores de sustentabilidade A AA1000, em seu “Processo P6”, recomenda que a organização identifique indicadores éticos e sociais por meio do engajamento com seus stakeholders . Para ela, os indicadores refletem a performance da organização em relação a seus valores e objetivos; aos valores e objetivos de seus stakeholders, via um processo de consulta com cada grupo deles; e a normas e expectativas sociais mais amplas. Para tanto, recomenda que a identificação de indicadores siga os princípios de “inclusividade”, completude, materialidade e qualidade da informação. Além disto, os indicadores devem ser de natureza qualitativa e quantitativa, e dar uma visão de processos e de resultados. De uma forma geral, os princípios recomendados para seleção de indicadores da sustentabilidade são: relevância, simplicidade, validade, série temporal, disponibilidade de informação, capacidade de agregar informação, sensibilidade, confiabilidade. Para se medir a sustentabilidade, é necessário considerar grandezas econômicas, ambientais e sociais. Derivam daí duas dificuldades imediatas: a grande quantidade de grandezas a medir e suas diferentes naturezas. Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira Indicadores em grande número pouco ajudam. Reduzi-los pode ser conseguido, seguindo-se alguns passos: • Agregar aqueles de mesma natureza. • Selecionar aqueles que representam pontos críticos da realidade da empresa. • Utilizar médias. • Criar índices compostos por indicadores de diferentes naturezas, reduzidos a valores adimensionais. Os modelos de indicadores do Instituto Ethos, do Global Report Initiative – GRI20 , do CEBDS e do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – IBASE 21 podem ser razoavelmente resumidos, de acordo com as dimensões da sustentabilidade, como a seguir. Dimensão econômica • Indicadores de impacto direto, que buscam constituir uma medida de como a organização impacta economicamente seus principais stakeholders , por meio do dimensionamento da magnitude dos fluxos financeiros existentes entre esses elementos (principalmente consumidores, fornecedores e setor público). • Indicadores de impacto indireto, que têm o objetivo de obter acesso àqueles efeitos não diretamente mensuráveis, a partir do valor monetário das transações, como, por exemplo, o impacto de uma expansão da empresa sobre o nível de emprego e atividade em sua cadeia de fornecedores. Dimensão ambiental • Indicadores que buscam mensurar os impactos de uma organização sobre os diversos ecossistemas, o ar, a terra e a água. De todos os grupos de indicadores relacionados à sustentabilidade, os indicadores ambientais são os mais consensuais, no que diz respeito a “o que medir” e “como medir”. Concentram-se em medir consumo de matéria-prima, energia, água; biodiversidade; emissões, efluentes e resíduos; descarga de efluentes em água; atendimento a legislação, políticas e procedimentos. Dimensão social • Indicadores que têm sentido mais qualitativo e visam dar transparência às políticas, procedimentos e sistemas gerenciais da empresa. Consideram os impactos sociais sobre os diversos stakeholders nos planos local, nacional e global. Quanto a sua natureza, voltam-se a questões ligadas a direito do trabalho, direitos humanos, sociedade e responsabilidade pelo produto. 2.6. Traduzindo para a prática Nesta seção, descrevem-se algumas importantes e abrangentes fontes de descritores e indicadores disponíveis. 2.6.1. Os indicadores recomendados pelo Global Reporting Initiative O Global Reporting Initiative – GRI – foi concebido em 1997 pela Coalition of Environmentally Responsible Economies – CERES –, em conseqüência das reações a um grande acidente, com derramamento de petróleo da EXXON, no Alasca. A missão central do GRI é elevar o relato da sustentabilidade a um plano equivalente ao relato financeiro, e para isso criou e atualiza permanentemente o documento Sustainability Reporting Guidelines. Esse documento recomenda 103 diferentes indicadores da sustentabilidade, resumidos no quadro 3. GLOBAL REPORTING INITIATIVE (GRI). S u s t a i n a b i l i t y r e p o r t i n g g u i d e l i n e s . Disponível em: <http:// www.globalreporting.org/>. Acesso em 25 de março de 2003. 21 INSTITUTO BRASILEIRO DE ANÁLISES SOCIAIS E ECONÔMICAS (IBASE): indicadores. Rio de Janeiro. Disponível em:<www.ibase.br>. Acesso em 25 de março de 2003. 20 45 Relatório de Pesquisa – RP0502 QUADRO 3 Resumo dos indicadores recomendados pelo GRI F ATORES Econômicos INDICADORES Salários e benefícios Produtividade Criação de empregos Investimentos em treinamento e outras formas de desenvolvimento de pessoal Ambientais Impacto de processos, produtos e serviços no ar, na água, na terra e na saúde humana Sociais Rotatividade de pessoal Direitos e condições de trabalho e salários Fonte: Elaborado pelos autores. 2.6.2. Os estudos do Business in the Community O Business in the Community – BITC tem como objetivo inspirar o desafio, engajar e suportar negócios em melhorar continuamente o impacto positivo na sociedade da atuação de suas 700 empresas associadas, todas do Reino Unido. Um grupo de trabalho formado por líderes empresariais de vários setores apresentou seu relatório em novembro de 2000, recomendando uma série de indicadores, com níveis de complexidade variável, conforme o tamanho e a situação da empresa. O objetivo é demonstrar a essência do que deve ser relatado – identificar as principais áreas que, quando avaliadas, trarão benefícios à empresa e ao seu desempenho. O quadro 4 resume os indicadores sugeridos. QUADRO 4 Indicadores recomendados pelo Business in the Community NÍVEL DA I NDICADORES MEDIDA TRABALHISTAS Nível 1 Indicadores para empresas pequenas ou aquelas que acabaram de implementar o processo Perfil da força de trabalho N. de faltas dos funcionários Descumprimento de normas de saúde, segurança e igualdade de oportunidades, entre outras Número de queixas Casos de corrupção ou má conduta profissional Nível 2 Indicadores que podem ser adicionados quando o processo for mais maduro Rotatividade de funcionários Valor do treinamento e capacitação proporcionados aos funcionários Comparação das condições de trabalho e dos salários com a média local equivalente MERCADO I NDICADORES AMBIENTAIS COMUNIDADE D IREITOS HUMANOS Reclamações de Consumo total de consumidores sobre energia produtos e serviços Uso de água Reclamações Quantidade de lixo publicitárias sólido produzido Reclamações sobre (peso/volume) atraso no Casos de processos pagamento das por agressões contas ambientais Casos de atividades contrárias à (livre) concorrência Valor em dinheiro da contribuição com a comunidade em porcentagem do lucro obtido Valor total estimado do tempo cedido por funcionários da empresa, doações em espécie e custos administrativos Cumprimento dos padrões internacionais de direitos humanos em relação a funcionários e outros interessados e inexistência de processos contra a empresa Trâmite confidencial de queixas Acordos trabalhistas e salariais Grau de satisfação dos clientes Grau de retenção de clientes Adaptação a clientes com necessidades especiais Tempo médio para o pagamento de contas a fornecedores Valor individual do tempo cedido por funcionários, doações em espécie e custos administrativos Comentários positivos e negativos na mídia sobre atividades na comunidade Medidas progressivas de adesão a princípios empresariais de DH, conforme previsto pela legislação nacional e pelos padrões internacionais de DH Proporção de fornecedores e parceiros que respeitam os DH Emissão de gases de efeito estufa Outras emissões, como radiação e ozônio Uso de materiais reciclados Comentários positivos e negativos na mídia sobre atividades ambientais Progressos e conquistas dos projetos Arrecadação de outros recursos Nível 3 Indicadores adicionais para empresas muito grandes e multinacionais Avaliação dos efeitos de downsizing, recapacitação e outras medidas Vendas extras atribuídas a políticas sociais/ marketing de causa Conceito da empresa sobre temas como igualdade de oportunidades e equilíbrio tra balho– lazer Grau de fidelidade do consumidor Reconhecimento da diversidade e preocupação com ela na publicidade e no rótulo dos produtos Imagem da empresa como parceira comercial desejável Impacto social, custo dos benefícios dos prod/serv Fonte: Adaptado de Grayson e Hodges (2002). 46 Quantidade de lixo reciclável Medidas de dióxido de carbono e gases de efeito estufa e dos efeitos de compensação Impacto ambiental sobre a cadeia de suprimento Impacto ambiental, benefícios ou custo dos produtos/serviços em comparação com os melhores do ramo Impacto das avaliações dos programas comunitários, incluindo melhorias educacionais, número de novos empregos criados, apoio profissional a organizações comunitárias, melhorias ambientais e preservação d o meio ambiente Medidas de imagem da empresa como um bom vizinho Proporção de fornecedores e parceiros de acordo com os padrões de direitos humanos da empresa Proporção de gerentes que seguem os padrões de direitos humanos da empresa em suas áreas funcionais Conceito dos funcionários, da comunidade e de outros interessados sobre o desenvolvimento da empresa na questão dos direitos humanos Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira 2.6.3. Os indicadores Ethos O Instituto Ethos produz anualmente conjuntos de indicadores para uso pelas empresas brasileiras na avaliação de seu desempenho em responsabilidade social empresarial. A versão de 2002 inclui 63 indicadores endereçados a questões do ambiente social e de negócios brasileiro. O quadro 5 resume os indicadores sugeridos. QUADRO 5 Resumo dos Indicadores Ethos de 2002 PARTE INTERESSADA Valores e Transparência INDICADOR ASPECTO OBSERVADO Auto-regulação da conduta Compromissos éticos Enraizamento na cultura organizacional Diálogo com partes interessadas (stakeholders) Relações transparentes com a Relações com a concorrência socie dade Balanço social Público Interno Diálogo e participação Relações com sindicatos Gestão participativa Participação nos resultados e bonificação Compromisso com o futuro das crianças Respeito ao indivíduo Valorização da diversidade Respeito ao trabalhador Comportamento diante de demissões Compromisso com o desenvolvimento profissional e a empregabilidade Cuidados com saúde, segurança e condições de trabalho preparação para aposentadoria Meio Ambiente Gerenciamento do impacto Gerenciamento do impacto no meio ambiente e do ciclo de ambiental vida de produtos e serviços Minimização de entradas e saídas de materiais Responsabilidade futuras gerações Fornecedores perante Comprometimento da empresa com a causa ambiental Seleção, avaliação e parceria com fornecedores educação ambiental Critérios de seleção e avaliação de fornecedores Trabalho infantil na cadeia produtiva Relações com trabalhadores terceirizados Apoio ao desenvolvimento de fornecedores Consumidores/ Clientes Dimensão social do consumo Política de marketing e de comunicação Excelência do atendimento Conhecimento dos danos potenciais dos produtos e serviços Comunidade Relações com a comunidade Gerenciamento do impacto da empresa na comunidade de local entorno Relações com organizações locais Ação social Gestão da ação social Foco e alcance da ação social Integração entre empresa e ação social Governo e Sociedade Trabalho voluntário Estímulo ao voluntariado Transparência política Contribuições para campanhas políticas Práticas anticorrupção e propina Liderança social Liderança e influência social Participação em projetos sociais governamentais Fonte: http://www.ethos.org.br/docs/conceitos_praticas/indicadores/default.htm. 47 Relatório de Pesquisa – RP0502 2.6.4. Os indicadores do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas O Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – IBASE – tem como objetivo fundamental incrementar a prática pelas empresas brasileiras da produção e divulgação de informações anuais sobre sua performance com relação a questões importantes da sociedade brasileira. O quadro 6 resume os indicadores recomendados pelo IBASE. QUADRO 6 Modelo IBASE de balanço social T IPOS DE INDICADORES I NDICADORES Indicadores sociais internos Alimentação Transportes Encargos sociais compulsórios Previdência privada Saúde Segurança e medicina do trabalho Capacitação e desenvolvimento profissional Participação nos lucros ou resultados Outros Indicadores sociais externos Educação Cultura Saúde e saneamento Habitação, esporte, lazer e diversão, creches, alimentação Tributos (excluídos Encargos Sociais) Outros Indicadores ambientais Relacionados com a operação da empresa Em programas e/ou projetos externos Indicadores do corpo funcional N de empregados ao final do período o N de admissões durante o período o N de empregados terceirizados o N de empregados acima de 45 anos o N de mulheres que trabalham na empresa % de cargos de chefia ocupados por mulheres o N de negros que atuam na empresa % de cargos de chefia ocupados por negros o N de empregados portadores de deficiências Informações relevantes quanto ao exercício da cidadania empresarial Relação entre a maior e a menor remuneração na empresa o N total de acidentes de trabalho Os projetos sociais e ambientais desenvolvidos pela empresa foram definidos por (direção), (direção e gerências), (todos os empregados)? Os padrões de segurança e salubridade no ambiente de trabalho foram definidos por (direção), (direção e gerências), (todos os empregados)? A previdência privada contempla (direção), (direção e gerências), (todos os empregados)? A participação nos lucros ou resultados da empresa contempla (direção), (direção e gerências), (todos os empregados)? Na seleção dos fornecedores, os mesmos padrões éticos e de responsabilidade social e ambiental adotados pela empresa são (considerados), (sugeridos), (exigidos)? o Quanto à participação dos empregados em programas de trabalho voluntário, a empresa (não se move), (apóia), (organiza e incentiva)? Fonte: Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE): indicadores. Rio de Janeiro. Disponível em:<www.ibase.br>. Acesso em 25 de março de 2003. 48 Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira 2.6.5. Os indicadores do Conselho Empresarial Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável – CEBDS O CEBDS também produziu um documento contendo indicadores para serem utilizados pelas empresas a ele associadas. Esses indicadores baseiam-se na literatura disponível, sobretudo no GRI, no balanço social do IBASE e em outros documentos do próprio Conselho. O quadro 7 apresenta um resumo desses indicadores. QUADRO 7 Indicadores de Sustentabilidade do CEBDS ORIENTAÇÃO INDICADORES ESPECÍFICOS DOS INDICADORES Indicadores econômicos Produção (massa, quantidade) Volume total de vendas Exportação – volume exportado em relação à produção (%) Participação no PIB (%) Faturamento bruto Receita líquida – faturamento bruto menos impostos e contribuições, devoluções, abatimentos e descontos comerciais Lucro operacional Valor agregado – vendas líquidas menos custo dos insumos Folha de pagamento bruta – total de remunerações e pagamentos a prestadores de serviço Tributos – excluídos encargos sociais Indicadores ambientais Consumo de energia: combustíveis fósseis (carvão, gás natural, óleo combustível, óleo diesel, etc.); renováveis, não renováveis; energia gerada; iniciativas em eficiência energética e substituição de combustíveis não renováveis; emissões (SOx , NOx,VOC, gases de efeito estufa); benefício econômico versus investimento realizado Consumo de materiais (excluindo combustíveis e água): matérias-primas, materiais secundários/auxiliares, renováveis, não renováveis, reciclados, de embalagens, materiais/produtos químicos perigosos, substituições de materiais, benefício econômico versus investimento realizado Consumo de recursos naturais: água, madeira, minerais; renováveis, não renováveis; uso do solo; iniciativas para reduzir consumo de água Geração de emissões, efluentes e resíduos: atmosféricas e líquidas Acidentes ambientais Produtos e serviços: reaproveitamento, reciclagem, biodegradabilidade, durabilidade, segurança/risco, resíduo de embalagem, consumo de energia no uso Indicadores Indicadores funcionais: empregos diretos, dependentes dos empregados, admissões, mulheres empregadas e em cargos de chefia, índice de desligamento, nível de formação educacional, salário base anual médio, produtividade geral, absenteísmo, horas extras Indicadores laborais: encargos sociais, previdência privada, programas de saúde, segurança no trabalho, educação, alimentação, participação nos lucros, seguros, empréstimos, atividades recreativas, transportes, creches, moradia e outros o Indicadores sociais na comunidade: gastos para cada projeto, n de pessoas beneficiadas, em educação e cultura, saúde e saneamento, habitação, esporte e lazer, alimentação e outros sociais Fonte: http://www.cebds.br. 49 Relatório de Pesquisa – RP0502 2.7. Conclusões sobre o referencial teórico Apresenta-se primeiramente nesta seção uma síntese dos resultados da pesquisa bibliográfica realizada neste projeto, apontando lacunas a serem observadas, sugestões para outras pesquisas e, a seguir, uma reflexão sobre as tendências futuras da concepção de organizações. 2.7.1. Avaliação dos modelos de indicadores de sustentabilidade disponíveis De uma forma geral, os modelos apresentados até aqui são bastante abrangentes para as finalidades a que se propõem, e já conhecidos pela comunidade empresarial brasileira. A adequação desses modelos aos objetivos deste projeto deve ser criteriosa, principalmente por causa dos seguintes fatores: • Com raras exceções, eles não consideram o gerenciamento da cadeia produtiva, ou seja, os efeitos sobre a empresa da performance de seus fornecedores e clientes, no que tange à sustentabilidade. • Não se percebe um equilíbrio das questões econômicas, sociais e ambientais. Cada modelo enfatiza uma dimensão. • Há pouco ou nenhum relacionamento entre os indicadores de cada dimensão. Por exemplo, esses indicadores não dimensionam os riscos econômicofinanceiros da gestão ambiental e social. • Há um excesso de propostas de sistemas e indicadores, o que pode promover dispersão, desestímulo e saturação do tema para as organizações. Há pouca clareza sobre os impactos das questões motivadoras da utilização dos indicadores nas funções gerenciais dentro da empresa. A título de exemplo, pode-se citar a divisão do tempo de treinamento dos empregados em cursos orientados às três dimensões da sustentabilidade não é, sequer, 22 mencionada na literatura. Diversos outros aspectos como este não são abordados nos indicadores disponíveis, não possibilitando assim a interpretação mais aprofundada da sustentabilidade. 2.7.2. Tendências – vida e sustentabilidade Ao investigar o movimento das organizações vivas e o da sustentabilidade, pode-se constatar como é nítida a base referencial orgânica comum. Busca-se desenvolver uma forma de interação que identifique os anseios e promova o real engajamento das expectativas de todos os stakeholders em um processo de coevolução. Conforme preconizado por Soares (2002)22 no livro “Convivencialidade, a expressão da vida nas empresas”, de forma figurativa, poderia se considerar o conceito de sustentabilidade como círculos concêntricos na seguinte ordem: indivíduo – grupo – organização – comunidade – sociedade – humanidade – planeta. De forma análoga, na organização da vida, encontramos organismos maiores contendo organismos menores. Percebe-se o estímulo ao desenvolvimento de organizações que poderiam ser denominadas “conscientes”, que, segundo Soares (2000), teriam como características: • Busca de uma profunda compreensão da natureza humana e de seu papel no planeta. • A percepção de que, para sobreviver e/ou crescer, não basta satisfazer clientes, empregados e acionistas, pois há muitos anos verificam-se empresas enfrentando dificuldades e, até morrendo, com essas condições atendidas. Então, torna-se fundamental priorizar ações para o atendimento das relações mais críticas, considerando-se todos os demais organismos envolvidos com a vitalidade da organização em questão (comunidades, planeta, governos, não clientes, centros de produção de conhecimento, futuros e exempregados...). SOARES, R. In: AGOSTINHO, Márcia Esteves; BAUER, Ruben; PREDEBON, José (organizadores), et al, Convivencialidade, a expressão da vida nas empresas. Cap. 4: Vida e Organizações. São Paulo: Atlas, 2002. 50 Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira • Posicionamento crítico com relação às diversas correntes de pensamento criadas pela sociedade e pelo meio científico, que influenciam tanto comportamentos quanto a utilização de tecnologias de produção e gerenciais. Desta maneira, procura-se instituir um processo decisório lúcido, orientado para a realidade da organização. • A importância da elaboração de um planejamento articulado e coerente das diversas iniciativas que promovem o ciclo fechado e autocriador, que une as dimensões fundamentais que caracterizam a vida: sensibilização (gestão da identidade organizacional), educação (gestão do conhecimento) e realização (gestão da evolução). Estas dimensões são conhecidas como “Conceito SER”, abrangendo cada uma delas os “olhares” de todos os demais organismos ambientais, que “coevoluem” com a empresa. • Domínio consciente ao lidar com as regras da vida, como, por exemplo: um organismo não dá um passo adiante sem consultar a sua história; esforços e resultados não estão intrincados dentro de uma matemática linear, ou seja, um pequeno esforço pode gerar grandes resultados ou vice e versa; na vida a certeza não é garantida, podemos garantir apenas o que plantamos, a colheita é uma outra história a ser contada; qualquer organismo está sempre inserido em outro maior, dentro de um processo de coevolução, e sua inteligência monitora a sua adequação entre caos e ordem, e o surgimento das “propriedades emergentes” que garantem a sua longevidade. Quando se observa o contexto dos movimentos, em âmbito global, é possível constatar que o Brasil está ocupando uma posição histórica muito especial, ao sediar o Fórum Social Mundial, com mais de 100 mil pessoas, ao mesmo tempo em que no hemisfério Norte se dá o Fórum Econômico Mundial, com menos de 3 mil participantes. Está sendo articulada uma iniciativa entre o governo federal e cientistas de várias nações, para cultivar-se no país, um exemplo mundial de desenvolvimento sustentável. Em uma das duas conferências realizadas em São Paulo em 2002, Ervin Laszlo, presidente do Clube de Budapeste, mencionou que pesquisas recentes nos EUA, apontam que 25% da população já percebe a natureza como uma rede interconectada. Aparentemente, esses movimentos em consonância com diversas iniciativas em todas as partes do planeta vão provocar cada vez mais, a integração das empresas nas grandes preocupações globais e comunitárias. Tem-se um grande desafio no projeto objeto deste estudo, que é a racionalização para as empresas participantes, da melhor forma possível, a comunhão dos conceitos com a seleção das diversas alternativas operacionais de aferição do nível de desenvolvimento sustentável das empresas, incluindo-se aí, as proposições para aferição do nível de desenvolvimento sustentável das nações. Finalmente, dentro do esforço mundial de se trazer o empenho articulado das organizações privadas, na busca de soluções para os principais problemas ambientais, sociais e econômicos da atualidade, torna-se importante resgatar nesta oportunidade, a sugestão da Visão Brasil 2020, estabelecida no Fórum de Lideranças Nacionais pela Concertação, em setembro de 2003, como proposta nucleadora para as iniciativas do governo, das empresas, das academias e da sociedade civil: “Somos uma nação de 210 milhões de habitantes, em que imperam a paz e pleno acesso ao trabalho. Nos últimos 16 anos, apresentamos melhorias significativas na distribuição de renda, na redução de desigualdades, na ocupação geográfica equilibrada, no acesso à educação, cultura e saúde. Somos uma nação sem miséria em que a educação é prioridade. Um país em que há uma alta expectativa de vida, orientado para o desenvolvimento sustentável. Somos um país com capacidade para desenvolver tecnologia, tornando-a acessível a todos. 51 Relatório de Pesquisa – RP0502 Somos uma nação com mais segurança, mais justiça e crescente sentimento de responsabilidade social. Hoje, nossas relações humanas se pautam pelo respeito aos idosos e às crianças; dispomos de maiores momentos com a família, somos norteados pela confiança e pela ética nos nossos compromissos. Garantimos a igualdade de oportunidades, e nos destacamos mundialmente pela cultura de paz. Somos valorizados no cenário global, conquistamos a liderança no continente latino-americano, graças a uma integração internacional solidária, plena e soberana. Somos a melhor e maior referência na produção de alimentos do mundo, com base em uma agricultura sustentável que concilia as diferentes formas de organização da produção. Não há conflitos nos campo: 20 a 30 milhões de pessoas vivem em “cidades rurais”, produzindo com maior valor agregado. Utilizamos nosso patrimônio ambiental com ações ‘preservacionistas’. Energias alternativas são utilizadas. Nossas cidades são limpas, não poluídas, com ampliação dos espaços verdes amplamente acessíveis a toda a população. O esforço de pesquisa em Ciência e tecnologia é praticado de forma articulada entre os setores público e privado. É garantido o acesso das pequenas empresas à tecnologia de última geração. Nossa cultura de processos participativos e colaborativos favoreceu a inovação e a competitividade de nossos produtos bem como o desenvolvimento de um estilo brasileiro de gestão, apreciado internacionalmente. 52 Todo brasileiro é um cidadão. O interesse público prevalece sobre o privado. O Estado é colocado sob controle da sociedade. A representação, política tem legitimidade e a administração pública se pauta pela moralidade e efetividade.” 3. ESTRATÉGIA 3.1. Introdução Vários autores têm anunciado a chegada de uma nova economia ou sociedade baseada no conhecimento. Drucker (1991, 1994) argumenta que na nova economia o conhecimento não é mais um recurso ao lado dos tradicionais fatores de produção – trabalho, capital e terra –, mas sim o único recurso significativo. O poder econômico de uma empresa moderna está, portanto, mais centrado em suas capacidades intelectuais e de serviço do que em seus ativos fixos. O valor da maioria dos produtos e serviços depende principalmente de como os fatores intangíveis baseados no conhecimento podem ser desenvolvidos. Estes fatores são o know-how, a tecnologia, o projeto do produto, a estratégia de posicionamento, o marketing, a compreensão das necessidades do cliente, a criatividade pessoal e a inovação (QUINN, 1992; NONAKA; TAKEUCHI, 1997). Um dos motivos pelos quais se acredita que o conhecimento seja valioso está no fato de o conhecimento estar próximo da ação. O conhecimento pode e deve ser avaliado pelas decisões ou ações às quais ele leva, tomadas por profissionais e empresas. Um conhecimento melhor pode levar, por exemplo, a uma eficiência maior no desenvolvimento de produtos e processos. Assim, o conhecimento tem sido apontado como fonte de vantagens competitivas. É usado, portanto, para tomar decisões mais acertadas com relação a estratégia, concorrentes, clientes, canais de distribuição e ciclos de vida de produtos e serviços (DAVENPORT; PRUSAK, 1998). Deste modo, confirma-se o entendimento de que a competitividade não reside apenas nas Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira políticas macroeconômicas do país, mas também nas ações microeconômicas das empresas que compõem cada setor da economia. É preciso desenvolver uma nova estrutura em que as vantagens competitivas do conhecimento se sobreponham às vantagens competitivas tradicionais, decorrentes do capital. Nesse contexto, é preciso tentar algumas experiências inovadoras, podendo-se destacar entre elas a parceria entre os vários atores componentes do processo de desenvolvimento. Esses atores terão de aprender novas teorias sobre estratégia e tomar decisões em nível empresarial, que envolvam a compreensão da maneira como as cadeias de geração de riqueza são de fato formadas e de como as empresas precisam participar delas. Seguindo esse mesmo padrão, as indústrias dos países em desenvolvimento precisam ser competitivas em termos globais. Para isso elas devem criar um novo tipo de ambiente, onde é preciso assumir responsabilidades de aprender e de cooperar para melhorar o desempenho coletivo. É difícil saber onde se posicionar no campo de batalha estratégico, sem informações como, por exemplo, as que se referem às necessidades dos clientes, à estrutura de custos relativos, ao posicionamento dos concorrentes, ao conhecimento crítico para produção de valor para o mercado e a sociedade como um todo, assim como os meios de construí-lo. Empresas que dominem o conhecimento nessas áreas tomarão decisões mais acertadas. Fairbanks e Lindsay (2000) citam alguns padrões dominantes nas empresas de países em desenvolvimento, que contribuem para a pouca competitividade das mesmas no mercado global: cooperação deficiente entre as empresas, pouca compreensão a respeito da clientela, falta de integração vertical com a distribuição e pouco conhecimento sobre a concorrência. Argumentam que para haver aumento de competitividade é preciso haver progresso em dois aspectos: melhor estratégia e maior produtividade. 23 A busca por melhores estratégias no atual panorama, marcado por grande competição, é de fundamental importância. A capacidade da empresa de se posicionar em ambientes em constante mudança, de buscar os recursos adequados, de se reinventar, de inovar para garantir lucros diferenciais é condição sine qua non para sua permanência no mercado. O desenho estratégico, a capacidade da empresa de trabalhar com esse conceito e de se estruturar para aprender ao longo do processo podem ser entendidos como elementos centrais para o alcance da competitividade. Cabe salientar, no entanto, que o entendimento da estratégia hoje passa pela compreensão do processo de inovação na empresa. Estes podem ser vistos como dois lados de uma mesma moeda, uma vez que a estratégia é a busca do novo, é o momento da criação do inédito para a empresa, é o projeto do que surpreenderá o mercado. A inovação, por sua vez, tem representado um dos principais agentes de mudanças econômicas e sociais em diversos países e o sucesso das empresas depende, cada vez mais, da eficácia com que incorporam novos conhecimentos em seus produtos e serviços. Esse fato foi ressaltado, na primeira metade do século 20, por Joseph Schumpeter, cuja obra23 enfatiza a importância das inovações e dos avanços tecnológicos no desenvolvimento das empresas e da economia. Portanto, o interesse pela inovação é de toda a sociedade, em particular do setor empresarial (VASCONCELOS; FERREIRA, 2000). Mas como se dá o procedimento de busca pelo novo? O processo estratégico e de inovação é interativo e realizado com a contribuição de vários agentes técnicos, econômicos e sociais, que possuem diferentes tipos de informação e conhecimento. O arranjo de várias fontes de idéias deve ser considerado como uma importante maneira de as empresas se capacitarem para gerar inovações e enfrentar mudanças, tendo em vista que a solução da maioria dos problemas tecnológicos implica o uso de conhecimento de vários tipos. Mesmo sendo a empresa o locus do processo de inovação, a mesma não inova sozinha, pois as SCHUMPETER, Joseph. Teorias econômicas de Marx a Keynes. Rio de Janeiro: Zahar, 1970. 53 Relatório de Pesquisa – RP0502 fontes de informação, conhecimento e recursos podem se localizar tanto fora como dentro dela, necessitando, portanto, de articulação com os demais agentes. Essa interação acontece entre diversos departamentos da mesma empresa, entre empresas diferentes – concorrentes ou não –, dentro da cadeia produtiva, dentro de redes ou entre organizações distintas como centros de pesquisa e universidades (LEMOS, 1999; VASCONCELOS, 2000). A experiência tem mostrado que as empresas mais inovadoras são aquelas que demonstram maior competência para gerar e administrar conhecimento e onde a gestão do conhecimento faz parte do trabalho de todos os seus membros (DAVENPORT; PRUSAK, 1998). Alguns autores afirmam que as empresas que sobrevivem no mercado globalizado têm o conhecimento como principal recurso estratégico (CHOO, 1995), e adotam uma postura de aprendizagem intensiva e permanente como forma de buscar a competitividade (FLEURY; FLEURY, 2000). A estratégia é, por definição, o locus em que os conhecimentos acumulados pelas empresas são avaliados, discutidos, analisados. É no contexto da reflexão estratégica que a empresa procura se apropriar e dar uso ao conhecimento. Consolida-se, assim, o conhecimento como o recurso principal que deve fundamentar as novas políticas de promoção do desenvolvimento industrial e tecnológico, e o aprendizado como o processo central desse desenvolvimento (CASSIOLATO, 1999). A necessidade de se investir constantemente na busca do novo ou em inovações está, portanto, diretamente relacionada com a promoção de processos que estimulem o aprendizado, a capacitação e a acumulação contínua de conhecimentos. Devido ao relevante papel desempenhado pelo aprendizado na atualidade, alguns autores têm preferido chamar essa nova fase de economia do aprendizado (LASTRES; FERRAZ, 1999). Mas onde está concentrado o conhecimento nas empresas? Vários autores entendem que o conhecimento é, em grande parte, tácito, isto é, algo altamente pessoal, está 54 profundamente enraizado nas experiências do indivíduo bem como em suas emoções, valores e ideais. É difícil de ser visto e pouco exprimível (NONAKA; TAKEUCHI, 1997). O fato de o conhecimento ser basicamente tácito exige um ambiente propício à sua criação e ao seu compartilhamento. As organizações precisam desenvolver mecanismos para a conversão de conhecimento pessoal – tácito – em conhecimento explícito para promover a inovação e o desenvolvimento de novos produtos. Portanto, a tarefa de gerir o conhecimento está longe de ser uma tarefa fácil. As empresas necessitam criar instrumentos que propiciem o compartilhamento do conhecimento daqueles que o têm e colocar esse conhecimento numa forma estruturada, além de mantê-lo ou aprimorá-lo. A gestão da inovação e do conhecimento assume, pois, um elevado grau de importância e relevância para as empresas de todos os setores da economia, que devem focar suas atenções na aquisição, geração, registro e compartilhamento do conhecimento (VASCONCELOS, 2000). Este capítulo tem por objetivo discutir a estratégia em um contexto marcado pela aprendizagem e pela inovação, tendo como conseqüência a necessidade de compartilhamento de recursos e, portanto, a formação de redes. Para tanto, apresenta, primeiramente, os conceitos centrais que sustentam a discussão e, a seguir, é feita uma reflexão sobre os impactos destes no pensamento e na formulação estratégica. 3.2. A economia do aprendizado versus a economia do conhecimento Uma maneira de caracterizar o novo cenário de intensa competição e mudanças rápidas é defini-lo como a economia do aprendizado. A razão principal para o aprendizado ter se tornado mais importante é a dialética entre aprendizagem e mudança. Mudanças rápidas implicam a necessidade de aprendizagem rápida, e isto envolve mudanças no ambiente, nas pessoas e nas organizações. Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira De uma maneira simples, a economia do aprendizado é uma fase da sociedade na qual a habilidade para aprender é crucial para o sucesso econômico de indivíduos, firmas, regiões e nações. A aprendizagem se refere ao desenvolvimento de novas competências e ao estabelecimento de novas habilidades, e não apenas ao acesso a novas informações. Pode-se observar que a economia do aprendizado não tem impacto apenas nas indústrias de alta tecnologia. A aprendizagem é uma atividade que acontece em todos os setores da economia, incluindo os setores chamados tradicionais ou de baixa tecnologia. Os países e as regiões de baixa renda também são fortemente afetados pela economia do aprendizado e precisam desenvolver competências para se inserir neste contexto. Um conceito alternativo para a economia do aprendizado é a economia baseada no conhecimento. A razão fundamental de alguns autores preferirem o primeiro termo como conceito-chave está na ênfase que se dá às grandes mudanças econômicas, sociais e tecnológicas que sustentam a formação e a destruição do conhecimento especializado. O que realmente importa para a performance econômica é a habilidade de aprender (e esquecer) e não apenas um determinado estoque de conhecimento (JOHNSON; LUNDVALL, 2000). Embora a importância do conhecimento e da informação no desenvolvimento da humanidade tenha sido sempre destacada, uma das principais características da sociedade atual é o uso estratégico que é feito do conhecimento, bem como a percepção de que um dos principais processos a ser considerado é o que se refere ao aprendizado. Nas últimas décadas, a criação e a destruição de conhecimento vêm crescendo a taxas cada vez maiores. Pessoas e empresas precisam, portanto, rever suas habilidades e capacidades constantemente, uma vez que os problemas com os quais se defrontam mudam rapidamente. A noção de sociedade baseada no conhecimento está relacionada à observação de que, desde o período pós-guerra, a economia tem dependido crescentemente de atividades que fazem uso intensivo de conhecimento. Por exemplo, a proporção de trabalho contida nos bens tem ficado menor do que a quantidade de produção, distribuição e processamento de conhecimento. Além disto, o valor da parcela de conhecimento e informação contido nos bens tem crescido significativamente, assim como as atividades intensivas em conhecimento (LASTRES, 2003). Este entendimento traz muitas implicações tanto em termos teóricos quanto práticos. No plano da teoria, as ciências que lidam com as relações entre agentes – pessoas, empresas, governos – terão de rever muitos de seus conceitos, a fim de responder às novas especificidades que surgem neste contexto. No tocante à prática, faz-se necessário rever os papéis, as interações, o monitoramento e o gerenciamento dos agentes. Antes de se aprofundar nos aspectos específicos da sociedade do conhecimento e/ou da aprendizagem, é necessário definir os termos: dados, informação, conhecimento e aprendizagem. 3.2.1. Dados, informação e conhecimento Conhecimento e informação são palavras presentes hoje na pauta de muitas discussões, tanto nas comunidades tecnocientíficas como no universo empresarial. Os dois termos têm se cruzado com tanta freqüência, que alguns chegam a tomá-los como sinônimos. Em razão dessa relação intrínseca é importante que se faça uma análise sobre a definição de “informação” e de “conhecimento” com base na literatura. Assim como outros autores, Nonaka e Takeuchi (1997) têm a preocupação de ressaltar que existe uma nítida distinção entre os dois conceitos: o conhecimento diz respeito a crenças e compromissos; é função de uma atitude, perspectiva ou intenção específica e está relacionado à ação, pois sua utilização tem algum fim específico. Já a informação proporciona um novo ponto de vista para a interpretação de eventos ou objetos, o que torna visíveis significados antes invisíveis ou lança luz sobre conexões inesperadas. A informação é um meio ou um material necessário para extrair e construir o conhecimento. Pode ser definida como um 55 Relatório de Pesquisa – RP0502 conjunto de dados, contextualizados, que descrevem o estado do mundo e os fatos e fenômenos que ocorrem em função de alterações naturais ou socialmente causadas. 3.2.2. Conhecimento tácito versus explícito Nonaka e Takeuchi (1997) explicam que o conhecimento tácito é aquele que pode ser apropriado por meio da contratação de pessoas competentes ou da fusão com outras organizações. O conhecimento tácito não pode ser transferido ou vendido, como bens no mercado, a menos que seja convertido em conhecimento explícito. Entretanto, nem todo conhecimento tácito pode ser convertido em explícito: “O conhecimento explícito pode ser facilmente processado por um computador, transmitido eletronicamente e armazenado em bancos de dados. Entretanto, a natureza subjetiva e intuitiva do conhecimento tácito dificulta o seu processamento ou a sua transmissão por qualquer método sistemático ou lógico. Para que possa ser comunicado e compartilhado dentro da organização, o conhecimento tácito terá de ser convertido em palavras ou números que qualquer um possa compreender. É exatamente durante o tempo em que essa conversão ocorre – de tácito em explícito e, novamente, em tácito – que o conhecimento organizacional 24 é criado (NONAKA; TAKEUCHI, 1997, p. 8). [...] começa-se a considerar a inovação de uma forma inteiramente diferente [...]. O compromisso pessoal dos funcionários e sua identificação com a empresa e sua missão tornam-se indispensáveis [...]. Criar novos conhecimentos significa, quase que literalmente, recriar a empresa e todos dentro dela em um processo contínuo de auto-renovação organizacional e pessoal (NONAKA; TAKEUCHI, 1997, p. 10).” 3.2.3. Diferentes tipos de conhecimento e aprendizagem Conforme dito, o conhecimento tácito vem adquirindo uma importância central como elemento capaz de diferenciar e prover as organizações de vantagens competitivas. Além disso, a geração compartilhada de conhecimento também vem se tornando muito relevante, sendo incluída na estratégia das organizações na busca do fortalecimento do conhecimento coletivo. Cada vez mais, o conhecimento e as competências gerados de forma compartilhada são mais valorizados, pois são específicos de determinados contextos sociais, institucionais e organizacionais. Segundo Lundvall (1998, p.34): “[...] estamos nos movendo em direção a uma sociedade em rede onde a oportunidade e capacidade de ter acesso e participar de redes intensivas em conhecimento – e aprendizagem – determinam a posição socioeconômica dos indivíduos e das firmas. A economia está se transformando numa hierarquia de redes com algumas redes globais no topo e uma crescente proporção de excluídos sociais na base da pirâmide. A aceleração na velocidade das mudanças e do aprendizado está na raiz, tanto da criação de novas formas de organização como as redes industriais, como na polarização dos mercados de trabalho da OECD25.” Para aquele autor, existem quatro tipos diferentes de conhecimento: • Know-what – refere-se ao conhecimento sobre fatos, dados, estatísticas, estando muito próximo à definição de informação. Pode ser, portanto, transferido. • Know-why – refere-se aos conhecimentos científicos de princípios e leis de movimento na natureza. Esse tipo de conhecimento foi extremamente importante para o Aqueles autores definem conhecimento organizacional como sendo a capacidade que uma empresa tem de criar conhecimento, disseminá-lo na organização e incorporá-lo a produtos, serviços e sistemas (p. XII). 25 Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE (ligada à ONU). 24 56 Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira desenvolvimento tecnológico em certas áreas, como, por exemplo, indústrias químicas e indústrias de eletroeletrônicos. Assim como acontece no know-what, a produção e a reprodução destes tipos de conhecimento são encontradas tanto em organizações especializadas como em universidades. independentes. Uma razão importante por que empresas grandes se engajam na pesquisa básica é que esta dá acesso a redes de especialistas acadêmicos, crucial para a sua capacidade de inovação. Know-who é conhecimento socialmente embutido, que não pode ser transferido facilmente por meio de canais formais de informação. • Know-how – refere-se a habilidades, isto é, uma capacidade de fazer alguma coisa. Trata-se de um tipo de conhecimento que é desenvolvido e mantido dentro de uma empresa. Mas como a complexidade do conhecimento-base está aumentando, uma mistura de divisão de trabalho e cooperação entre organizações tende a se desenvolver neste campo. Uma das razões mais importantes para a formação de relações interorganizacionais em longo prazo e de redes industriais é a necessidade de as empresas serem capazes de compartilhar e combinar elementos de know-how. Aquele autor ainda argumenta que o know-what e know-why podem ser obtidos pelos meios comuns de transmissão de conhecimento: cursos, seminários, livros, pesquisas, etc. Os demais, no entanto, só podem ser adquiridos por troca de experiências e requerem habilidades específicas, assim como especificidades em termos organizacionais. Ou seja, determinadas estruturas organizacionais, assim como determinados modelos de formulação estratégica estão mais propícios à geração deste determinado tipo de conhecimento e à capacidade de absorção e transmissão. São de difícil transferência, pois estão envolvidos em aspectos tácitos do conhecimento. • Know-who – refere-se a uma mistura de tipos diferentes de habilidades que incluem o que poderia ser caracterizado como habilidades sociais. Know-who envolve informação sobre quem sabe o que e quem sabe fazer o quê. Isso requer a formação de relações sociais especiais para as especializações necessárias, o que torna possível ter acesso e usar o conhecimento eficazmente. Este tipo de conhecimento é importante na economia moderna, onde há necessidade de se ter acesso a muitos tipos diferentes de conhecimentos e habilidades, os quais estão muito dispersos por causa de uma divisão de trabalho altamente desenvolvida entre organizações e especialistas. Para o gerente e a organização moderna, é especialmente importante utilizar este tipo de conhecimento como resposta à aceleração na taxa de mudanças. O tipo de conhecimento know-who é interno à organização num grau mais alto que quaisquer dos três outros tipos de conhecimento. É aprendido na prática social e em ambientes de educação especializada. Também se desenvolve em procedimentos cotidianos com os clientes, subcontratantes, e institutos Outros autores têm analisado as características dos vários tipos de conhecimento. Lastres (2003, p. 5) expõe: “Como uma parte significante de conhecimento no qual o processo de inovação é baseado é tácita, são requeridas capacidades cumulativas e endógenas para a absorção eficiente de conhecimento a fim de adaptar, modificar, usar e, então, gerar conhecimento novo.” Rosemberg (1994) destaca os vários tipos de aprendizagem: • Learning by doing – aprender fazendo é o processo pelo qual se obtêm ganhos de produtividade devido à experiência que o produtor acumula ao fazer um dado bem de consumo. Ex: custos unitários de produção tendem a cair conforme aumenta a quantidade de itens produzidos. • Learning by using – aprendizado pelo uso é o processo pelo qual se obtêm ganhos de produtividade devido à experiência que o usuário de um dado bem de consumo acumula ao usar um produto e realimentar o processo de produção ou de uso. Ex: a 57 Relatório de Pesquisa – RP0502 manutenção de novos aviões pode cair a 30% do valor inicial devido ao aumento da prática. Lemos (1999, p. 134) enfatiza a aprendizagem proveniente do ambiente externo: • Learning by interacting – é o aprendizado oriundo da interação com fontes externas, como fornecedores em geral, clientes, consultores, universidades, centros de pesquisas, entre outros. Nesse sentido, aquela autora ainda ressalta: • a importância do fortalecimento da interação entre universidades, centros de pesquisas e empresas; • a necessidade de desenvolvimento de novas políticas industriais, tecnológicas e de inovação. O principal aspecto que deve ser considerado é o reconhecimento da importância crescente de políticas buscando adaptar e reorientar os sistemas produtivos e de inovação em face do novo cenário socioeconômico. Nos próximos itens será discutido como o conhecimento tem mudado o ambiente das empresas e será analisada a relação entre conhecimento, estratégia, inovação e competitividade. 3.3. A importância da inovação Os processos de transformação que têm agitado a economia nos últimos anos têm como aspecto mais significativo as inovações. A tecnologia ocupou papel central, tendo por foco o aumento da eficiência do sistema produtivo. Foram priorizados os sistemas flexíveis de fabricação, que podem atender à necessidade de personalização e diversificação da produção. Em termos de organização do trabalho, foi priorizada também a flexibilização da mão-de-obra, o que permite ajustes rápidos às mudanças realizadas nos mercados. A competição tornou-se global. A emergência de um novo paradigma tecnológico e a globalização financeira são os traços mais marcantes da economia mundial nos últimos 15 anos. Estreitouse ainda mais a integração da economia 58 mundial, enquanto a revolução tecnológica se difundia rapidamente, porém de forma desigual, mesmo entre as principais economias avançadas. Em tal quadro, a competitividade de firmas e nações parece estar cada vez mais correlacionada à sua capacidade inovativa, cenário onde a mudança tecnológica tem-se acelerado significativamente e as direções que tomam tais mudanças são muito mais complexas (LASTRES et al., 1999, p. 1). Ao longo dos anos 90 foram observadas grandes mudanças nos processos produtivos relacionadas principalmente à crescente intensidade de investimentos em conhecimento. De acordo com Lastres et al. (1999, p. 1): De fato, observa-se uma transformação fundamental no significado relativo dos investimentos em conhecimento e investimentos em capital fixo. Como uma conseqüência, em vários setores os gastos anuais em P&D das empresas líderes já são maiores que seus investimentos em capital fixo, o que requer uma mudança de perspectiva também fundamental para quem está acostumado a ver o investimento em capital fixo como o motor do crescimento econômico. Essa busca por inovação, no entanto, já no início do século passado era percebida como elemento-chave para o desenvolvimento. Segundo Schumpeter (1984, p. 112-113): “[...] o impulso fundamental que inicia e mantém a máquina capitalista em movimento decorre dos novos bens de consumo, dos novos métodos de produção ou transporte, dos novos mercados, das novas formas de organização industrial que a empresa capitalista cria. A abertura de novos mercados – estrangeiros ou domésticos – e o desenvolvimento organizacional, da oficina artesanal aos conglomerados ilustram o mesmo processo de mutação industrial – que incessantemente revoluciona a estrutura econômica a partir de dentro , incessantemente destruindo a velha, incessantemente Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira criando uma nova. Esse processo de Destruição Criativa é o fato essencial acerca do capitalismo. É nisso que consiste o capitalismo e é aí que têm que viver todas as empresas capitalistas.” escolhidas, treinamentos de RH, aquisições de ativos específicos, etc. As inovações ocupam, no cenário atual, um papel de destaque e são motivadas pela possibilidade de gerar vantagens competitivas ou lucros de monopólio – temporários ou não. Podem estar na origem de baixos custos, aumentos na produtividade, melhoria na qualidade dos produtos e/ou diferenciação, agregação de serviços, adequação às necessidades dos clientes, etc. Podem rejuvenescer setores, abrir novos negócios, assim como tornar negócios anteriormente rentáveis em negócios obsoletos. Isto é, possuem a capacidade de transformar o ambiente econômico, alterar os parâmetros da concorrência, mudar as escolhas estratégicas das organizações (BURLAMAQUI; PROENÇA, 2003). Ao decidir, as empresas levam em conta o ambiente em que estão inseridas e as ações e reações dos demais agentes. Suas decisões possuem um caráter de extrema importância, pois podem destruir o contexto em que foram tomadas, levando a mudanças consideráveis no segmento de mercado do qual fazem parte e ao surgimento de futuros alternativos. Essas decisões têm a ver com a criação de vantagens competitivas de ordem superior que, em geral, estão ligadas a decisões de investimentos e opções estratégicas lastreadas em competências básicas (MILAGRES; DRUMMOND; BRASIL, 1999, p. 272). Por possuírem essas capacidades, as inovações são fruto do desejo dos capitalistas. No entanto, a introdução de inovações não pode ser entendida como um processo simples. Ao contrário, ela exige perspicácia empresarial, um desenho organizacional que permita à organização perceber oportunidades de mercado e usar seus recursos de maneira adequada e um processo contínuo que envolve aprender e “desaprender”, entre outros elementos que podem ser considerados no âmbito da firma. Mas exige também um outro conjunto de elementos que está disposto no ambiente externo à organização, como, por exemplo, condições de financiamento. Entretanto, como sabem que podem escolher, as empresas também reconhecem que podem errar. O futuro não pode ser previsto com exatidão, pois é fruto da ação de agentes criativos que não conhecem as opções realizadas pelos demais. Burlamaqui e Fagundes (1996, p. 121) destacam a imprevisibilidade do futuro: “o futuro só pode ser conhecido quando ele se tornou passado [...]”. Apesar de todas as dificuldades expostas acima, dois pontos ainda merecem destaque, tendo em vista sua relevância em contextos marcados pela inovação. Os dois elementos referem-se ao tempo, isto é: passado e futuro. O elemento do passado é aquele que se refere às escolhas que a empresa já realizou, aos comprometimentos efetuados em termos de investimentos, trajetórias tecnológicas 26 Em relação ao futuro, o ponto a ser discutido refere-se ao aspecto de incerteza que está embutido nas inovações: Ao incluir suas expectativas no processo de decisão, as empresas estão tentando gerar hipóteses que diminuam os riscos inerentes ao sistema capitalista. Porém, como não possuem todas as informações necessárias, as hipóteses consideradas são passíveis de grandes alterações. Ao contrário do que propuseram os autores neoclássicos, as empresas se protegem das incertezas do ambiente estabelecendo normas de procedimento, as rotinas26. Essas, por sua vez, são baseadas em contextos internos e externos, que consideram a incerteza e as expectativas, como também as opções tecnológicas e comportamentais das empresas. Este termo é utilizado por muitos autores da “Escola Neoschumpeteriana”. Ver, por exemplo, Nelson e Winter (1982). As rotinas são habilidades de difícil imitação incorporadas pelas empresas. São padrões de interação que representam soluções para determinados problemas vislumbrados pela organização. 59 Relatório de Pesquisa – RP0502 Apesar desse aspecto funcional, as rotinas limitam a formulação estratégica das empresas, pois representam um solo firme perante as incertezas, dificultando seu abandono. As rotinas se transformam em elementos de rigidez. Contrapondo-se as rotinas, a inovação é a busca, a descoberta, a experimentação, o desenvolvimento, a imitação e a adoção de novos produtos, novos processos e novas técnicas organizacionais. A inovação não precisa ser algo absolutamente novo. As fontes de inovação são a ciência, a experiência cotidiana de produção, o design, a gestão, a comercialização e o marketing dos produtos (DOSI27, citado por LEMOS, 1999, p. 126). pesquisas, entre outros. Entre as principais atividades geradoras de conhecimento, citadas por aquela autora, cabem ressaltar a “importação do saber de fora da empresa” e “as outras organizações” que representam importantes fontes de conhecimento (Figura 3). Destaca-se o papel das instituições de pesquisa e universidades, que fornecem a base do desenvolvimento científico e tecnológico para a geração de conhecimentos e capacitação de pessoas. 3.3.1.Aprendendo com o ambiente externo O fato de a competitividade das empresas no mundo globalizado depender da inovação de produtos e processos e de um esforço de P&D tem representado um grande desafio para os dirigentes das empresas. Segundo LeonardBarton (1998), esses gerentes precisam expor suas empresas a um bombardeio de novas idéias vindas de fora, a fim de combater as limitações estratégicas e incentivar os empregados a coletarem e disseminarem informações internamente. Além disso, a empresa precisa desenvolver uma rede de conhecimento, formando um ambiente tecnológico propício à inovação. Ela ainda destaca que “é preciso criar fronteiras permeáveis ao conhecimento!” (LEONARD-BARTON, 1998, p. 184, grifo dos autores). O processo de geração de conhecimento e inovação implica o desenvolvimento de capacitações científicas, tecnológicas e organizacionais e esforços substanciais de aprendizagem, que incluam a interação com fontes externas, como fornecedores, clientes, consultores, universidades, centros de FIGURA 3 : Fontes externas de conhecimento Fonte: Adaptado de LEONARD-BARTON, 1998 Gibbons e Johnston28, citados por Faulkner, Senker e Velho (1995), desenvolveram uma pesquisa detalhada sobre as principais fontes de informações científicas e tecnológicas, usadas pelas indústrias na solução de problemas e no processo de inovação. Apresentam-se a seguir, algumas conclusões encontradas por aqueles pesquisadores. Cerca de um terço destes inputs é obtido de fontes externas às empresas. Outra fração de um terço deriva de P&D interna e o terço restante é proveniente dos conhecimentos dos próprios funcionários, como resultado de sua educação e experiência acumulada anteriormente. Uma conclusão relevante daquele estudo foi constatar que a conversão de novos conhecimentos em novos produtos é um processo extremamente complexo, que a interação entre a pesquisa acadêmica e a pesquisa industrial não é óbvia nem direta e que o processo de inovação exige DOSI, G. The nature of the innovative process. In DOSI et al. (orgs.), Technical change and economic theory. Londres: Pinter Publishers, 1988 apud LEMOS, Cristina; Inovação na era do conhecimento In: LASTRES, H., ALBAGLI, S. (Org.) Informação e globalização na era do conhecimento. Rio de Janeiro: Campus, 1999. 28 GIBBONS M.; JOHNSTON, R. The roles of science in technological innovation. Research Policy, n.3, p. 220–242, 1974. Londres: Pinter Publishers, 1988. 27 60 Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira conhecimentos de várias fontes, tanto internas como externas às empresas. Aqueles autores também chamam atenção para a importância do fluxo de conhecimentos entre empresas pertencentes à cadeia de fornecedores e entre competidores, para o processo de inovação. Outra conclusão importante foi que o sucesso da inovação industrial depende de uma organização efetiva, que inclui “o casamento” de oportunidades técnicas e mercadológicas com perspicácia. Logo, é requerida capacidade de gestão envolvendo várias áreas, não simplesmente capacidade em pesquisa. O desafio colocado pela inovação tende a ser visto como sendo de natureza organizacional mais do que intelectual, e esta tem sido a maior preocupação encontrada na literatura (VASCONCELOS; FERREIRA, 2002). Os estudos citados anteriormente mostraram que toda inovação significativa é feita através de um longo caminho de contribuições técnicas e científicas provenientes de fornecedores, usuários, empresas, universidades e instituições de pesquisa, sendo quase impossível considerar que a inovação possa depender de apenas um indivíduo ou organização (VASCONCELOS; FERREIRA, 2002, p. 15). Reflexões sobre o cenário atual levam à percepção da importância das inovações, mas também que elas estão envolvidas em um contexto marcado fortemente por incertezas. Cabe, portanto, a seguinte questão: quais foram as mudanças que este novo contexto trouxe para a formulação estratégica das organizações? O item a seguir trabalha os conceitos e a realidade da estratégia na atualidade. O ponto central da argumentação é que, em contextos inovadores, o processo provavelmente mais adequado de formulação da estratégia seja o emergente. 3.4. A realidade estratégica da atualidade O impacto da competição acirrada tem forçado as organizações a buscar maior capacidade de resposta às demandas – individualizadas e em contínua mudança – dos clientes. Estas novas necessidades criaram uma grande complexidade nos ambientes interno e externo à organização e uma pressão que é sentida principalmente na área de formulação de estratégia das organizações. Como conseqüência, as ações estratégicas devem ser decididas de novas maneiras, principalmente com agilidade para aproveitar as oportunidades. 3.4.1. Discussão recente sobre estratégia Em seu artigo sobre teorias da concorrência e inovação, os autores Burlamaqui e Proença (2003) apontam para uma teoria estratégica moderna das empresas centradas nas relações entre concorrência, inovação, competitividade, comprometimento, decisões sobre incerteza e busca de liquidez. Eles enfatizam que a decisão de inovar é necessariamente especulativa e se constitui numa aposta que depende das expectativas dos empresários sobre o futuro, as quais se formam a partir de suas avaliações, baseadas na objetividade e na subjetividade. Sua sistematização depende de um ambiente macroeconômico e institucional que permita um mínimo de previsibilidade econômica e confiança em relação ao futuro. Ainda assim depende de um arrojo por parte dos empresários para vencer o comportamento convencional. A dimensão de incerteza associada à decisão de inovar realçam o papel crucial dos modelos de gestão das empresas e evidenciam que a forma como estas conduzem o próprio processo de formação de estratégia é, em si, um ativo intangível específico central. Aqueles autores comentam: “[...] trata-se de oferecer como horizonte de desempenho, que a empresa seja capaz de promover a criação de habilidades e conhecimentos coletivos como elemento central de sua estratégia competitiva, articulando o gerenciamento de inovações à criação de diferencial organizacional e amortecendo os inevitáveis elementos de rigidez (commitments), associados a decisões cruciais. Este é o objetivo da idéia de buscar liquidez estratégica”. (BURLAMAQUI; PROENÇA, 2003, p. 107). Em síntese, é necessário desenvolver estratégias e formas de gestão que permitam modificar, adaptar, reestruturar e, no limite, reverter e reinventar a empresa. 61 Relatório de Pesquisa – RP0502 Ansoff (1993) chama atenção para o fato de que uma característica marcante da sociedade atual é a aceleração, tanto da incidência quanto da difusão da mudança, que se tornou menos previsível, causando um grande impacto nas empresas. O crescimento exponencial com que novos produtos e processos invadem o mercado tem criado dificuldades no planejamento das empresas, exigindo rapidez nas respostas e muita flexibilidade para atuar neste ambiente complexo. Tudo isso tem exigido mudanças significativas da orientação estratégica das empresas e levado ao aparecimento de resistências a essas mudanças. Essas resistências exercem um grande impacto na produtividade das organizações e merecem atenção comparável àquela tradicionalmente dada à formulação da estratégia. Hendry e Seidl (2003, tradução dos autores) corroboram esta afirmação e sugerem que, a partir de uma perspectiva sociológica, a estratégia apresente duas faces distintas. De um lado, estratégias servem para estruturar, organizar e dar significado para as complexas operações das organizações. Elas determinam o que será produzido, onde será vendido, como será comercializado e como os recursos serão pagos e como serão alocados. Elas provêm estabilidade e direção e ajudam as firmas a agir em ambientes de negócios marcados pela incerteza. Elas formatam as rotinas e as estruturas organizacionais e são, em troca, formatadas por elas: estratégias são recursivamente reproduzidas pelas várias práticas que produzem. De outro lado, a discussão sobre estratégia e suas definições está muito relacionada às mudanças. Estratégia, para quem a pratica e para os acadêmicos, está explicitamente ligada ao futuro e em como ele pode diferir do presente: em como ele poderá ser, muito mais do que em como ele é. Como argumentado anteriormente, o novo ambiente competitivo apresenta sinais que ressaltam a importância do conhecimento e da formação de redes. Nesse novo contexto de negócios, marcado por intensa concorrência, mudanças rápidas e uso contínuo da inovação como elemento central de competitividade, os executivos precisam repensar sua forma de trabalhar a estratégia. 62 Muitos autores, por exemplo, questionam o planejamento formal e ressaltam a importância das estratégias emergentes (MARIOTTO, 2003; MINTZBERG, 1990; MINTZBERG; QUINN, 2001). Entre os vários aspectos do debate recente sobre o tema, chamaram atenção as questões ligadas a modelos de acompanhamento da estratégia. Estima-se que a utilização sistemática de medidas financeiras e o uso da estatística iniciaram-se na década de 50 e sua expansão para indicadores provenientes de outras áreas, na década de 80. De uma maneira geral, ao se utilizar indicadores busca-se orientar e monitorar ações que possam aumentar o valor da empresa. Nesse sentido, autores como Kaplan e Norton e (1997) destacam-se. O Balanced Scorecard – BSC, modelo desenvolvido por eles, foi desenhado com o intuito de facilitar/acompanhar a efetiva implementação da estratégia. Esse modelo foi proposto com o objetivo de uma ampliação no leque de indicadores, que eram, principalmente, centrados em acompanhamentos financeiros. Foi baseado na premissa de que os indicadores podem focalizar o futuro e não somente o desempenho passado. Assim, aqueles pesquisadores desenvolveram um mecanismo sistemático de medir a eficácia das estratégias na condução da empresa rumo à visão almejada. Pode-se destacar também que, ao contrário dos modelos até então desenvolvidos, o BSC permite traduzir e sustentar a estratégia da empresa por meio de ações do dia-a-dia. Propõe a combinação de indicadores financeiros e não financeiros, estabelecendo uma média ponderada entre variáveis quantitativas e qualitativas. Trata-se, portanto, de um instrumento que considera também fatores subjetivos como elementos que impactam a perpetuidade da firma. Essas tentativas vêm representando grandes desafios, podendo-se destacar a identificação e a escolha de indicadores. É primordial que haja consistência entre o que se pretende alcançar e os indicadores que reflitam a performance . Somente atendida essa precondição é que os indicadores permitem monitorar o desempenho da empresa, Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira apontando as variações de performance relacionadas ao que foi previsto. Neste sentido, é mister reconhecer que os indicadores podem variar de acordo com a natureza do negócio e o estágio de desenvolvimento em que a empresa se encontra. Essa afirmação reflete a unicidade da estratégia e as especificidades da firma. No entanto, pode-se considerar que, em um nível maior de abstração, existam pontos de convergência entre empresas e contextos que nos permitam observar grandes conjuntos de indicadores. Esses estariam afeitos a determinadas realidades, como a atual – marcada pela relevância do conhecimento e das operações em rede. Desse modo, pode-se questionar sobre a consistência da estratégia das empresas que se mostram preocupadas com a formação de redes. Essa consistência estaria refletida no uso adequado de índices de acompanhamento que, segundo Kaplan e Norton (2000), ajudariam a empresa a implementar e comunicar suas escolhas estratégicas. Nesse sentido, a pesquisa em questão incorporou questões relativas ao uso de indicadores e à adequação dos mesmos às principais orientações estratégicas apontadas pelas empresas. Pretendiase avaliar a efetiva preocupação com as questões ligadas à formação de redes e de relacionamentos mais cooperativos. 3.5. A sociedade em rede O crescente número de alianças entre as organizações tem propiciado a formação de verdadeiras redes (redes de valor, redes de conhecimento, redes de suprimento), configurando o que se denomina atualmente sociedade em rede. Essas redes se tornaram uma importante variável estratégica para as empresas, afetaram toda a estrutura industrial e a forma de competição. Observa-se, hoje, que a maior parte do valor dos produtos das empresas é produzida em redes e não mais isoladamente por uma única empresa. A partir disso, recursos críticos para a competitividade da empresa, como o conhecimento, devem ser compartilhados, explorados e aplicados numa perspectiva de rede. As redes podem ser vistas como entidades formadas por uma diversidade de conhecimentos e competências críticas e fundamentais para as empresas participantes, o que confere às mesmas uma capacidade competitiva de adquirir, armazenar e renovar conhecimentos tácitos de uma forma muito mais dinâmica. Assim, para explorar o máximo da capacidade competitiva da rede, de forma que todos os participantes se beneficiem não só dos resultados comuns mas também dos resultados específicos, as empresas devem ser capazes de instituir rotinas (processos) que levem à criação de uma forte identidade de rede, e que possibilitem o acesso rápido e fácil dos participantes ao conhecimento tácito produzido na rede. Esse tema representa, hoje, uma questão central para inúmeras pesquisas que procuram captar a sofisticação das relações entre as empresas e caracterizar a dinâmica competitiva da atualidade. A partir do início da década de 90, diversas tendências relacionadas ao padrão evolutivo das principais economias capitalistas reforçam a relevância dessa temática, tais como: • a consolidação de um paradigma organizacional, baseado na experiência de empresas japonesas, incorporando novos princípios gerenciais que enfatizem a cooperação interindustrial nas articulações entre produtores e fornecedores; • a estruturação de sistemas produtivos que incorporem o conceito de especialização flexível como princípio organizador das atividades; • a intensificação da concorrência e a globalização dos mercados, que resultem em estímulos à montagem de alianças estratégicas com múltiplos formatos entre empresas; • a consolidação de um paradigma tecnológico baseado em novas tecnologias de informação e telecomunicação que facilitem a interação entre agentes; • a evolução no sentido de uma nova sistemática de realização de atividades inovadoras, crescentemente baseadas na aglutinação de múltiplas competências e em projetos cooperativos de caráter interdisciplinar; 63 Relatório de Pesquisa – RP0502 • a mudança de enfoque da política industrial implementada em diversos países, no sentido de privilegiar-se do apoio a redes envolvendo diversas empresas, em contraposição ao apoio a empresas isoladas (BRITTO, 2002, p. 346). Com o aumento da competição, as redes assumiram maior importância. Analisar a competitividade da firma pesquisando as características da indústria, como fazem os autores especialistas em Organização Industrial, mais especificamente M. Porter, ou analisar a competitividade avaliando os recursos internos – autores que defendem a Teoria dos Recursos, como J. Barney – representa uma análise parcial. Isso porque essa maneira de análise está centrada na empresa como elemento isolado. Esse isolamento não pode mais ser visto como um comportamento usual em diversas indústrias. Von Hippel29, citado por Dyer e Nobeoka (2000), demonstrou, por meio de suas pesquisas, que a principal fonte de inovações para as firmas são seus clientes e fornecedores. Esse é um ponto importante, uma vez que a inovação é um elemento-chave para o alcance da competitividade na sociedade do conhecimento. Na indústria de biotecnologia, a inovação se dá na rede, não na empresa individual. Patentes foram requeridas, tipicamente, por um número grande de indivíduos que trabalham para organizações diferentes, inclusive empresas de biotecnologia, companhias farmacêuticas e universidades. Argumentaram ainda que as empresas de biotecnologia que não podem criar “redes de aprendizado” estão em desvantagem competitiva (DYER; NOBEOKA, 2000, p. 346). Como conseqüência desse novo arranjo organizacional, Gulati, Nohria e Zaheer (2000, p. 203) ressaltam que as empresas que competem por lucro umas contra as outras, em um mercado impessoal, mostram comportamento crescentemente inadequado em um mundo no qual as empresas em rede fortalecem o relacionamento – social, profissional e de trocas – com outros atores 29 organizacionais. Tais redes englobam o conjunto, tanto horizontal como vertical, de relacionamentos de uma empresa com outras organizações – sejam elas fornecedores, clientes, competidores, ou outras entidades – incluindo relações entre indústrias e países. Essas redes são compostas de laços duradouros, de significado estratégico para as empresas participantes e incluem alianças estratégicas, empreendimentos conjuntos e parcerias “comprador-fornecedor” de longo prazo. Segundo aqueles autores, as redes fornecem às firmas informações, recursos, acesso a outros mercados e a outras tecnologias; favorecem o aprendizado; podem gerar economia de escala e de escopo, entre outros. São capazes de facilitar o alcance a objetivos estratégicos e minimizar riscos, mas podem também “prender” a empresa em relações pouco produtivas, criar dependências e entraves ao alcance da competitividade. No entanto, apesar dos riscos, o ambiente econômico atual vem tornando as redes um recurso importante no desenho estratégico das organizações. Um exemplo, citado por Gulati, Nohria e Zaheer (2000), é a indústria automobilística, na qual as mudanças atuais incluem redes com poucos fornecedores, relacionamentos de longo prazo e um maior envolvimento do fornecedor no processo de design. Todos os participantes dessas redes têm contribuído significativamente para melhorar a competitividade dos produtores automotivos americanos. Eles ilustram a importância das redes considerando-se seus efeitos em cinco pontos entendidos como tradicionais na área de estratégia: plan, ploy, pattern, position, perspective. Com vistas a uma melhor compreensão do conceito de redes, faz-se necessário um aprofundamento do estudo de alianças e parcerias, uma vez que as redes englobam esses tipos de relacionamentos interorganizacionais. Kale, Singh e Perlmutter (2000) dividem os estudos da literatura sobre alianças em três grupos: • O primeiro procura explicar as motivações para a formação de alianças, que seriam VON HIPPEL, E. The Sources of Innovation. New York: Oxford University Press, 1988. 64 Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira estratégicas, relacionadas aos custos de transação e ao aprendizado. • O segundo avalia os aspectos relacionados à estrutura de governança. • O terceiro estuda os resultados obtidos com as alianças, buscando entender os elementos que facilitam e dificultam. Conforme aqueles autores, os estudos sobre alianças estão tendendo para a questão do aprendizado. A possibilidade de ter acesso ou adquirir informações críticas, know-how ou capacitações do parceiro é freqüentemente citada como uma das maiores motivações para a formação de alianças. Alianças são vistas não somente como um meio de negociar acesso às capacitações complementares do outro, mas também como um mecanismo para adquirir ou internalizar as técnicas e habilidades do parceiro. Yoshino e Rangan (1996) afirmam que tal aprendizado é sempre um objetivo estratégico implícito para cada firma que participa de alianças. Um aspecto interessante a ser ressaltado é a percepção de que as alianças podem ser uma opção muito importante na sociedade atual, em que o elemento central na busca de vantagens competitivas é o conhecimento. Isso porque as empresas ligadas a seus parceiros por meio de alianças e que buscam aprender, além de ter acesso a informações e/ou know-how de seu parceiros, conseguem absorver outras capacidades e habilidades. As alianças facilitam e criam condições para o aprendizado, uma vez que a proximidade entre os parceiros permite a compreensão dos aspectos organizacionais. O aprendizado, em situações de aliança, pode ser de vários tipos: • Primeiro: algumas formas de aprendizagem envolvem essencialmente ter acesso e/ou internalizar alguma informação crítica, capacidade, ou habilidade do parceiro. • Segundo: os pesquisadores Yoshino e Rangan (1996) também se referem ao aprendizado em situações em que os sócios, no contexto da aliança existente, “aprendem” a como administrar o processo de colaboração e a trabalhar melhor entre si, à medida que seus relacionamentos evoluem. Envolve aprendizagem sobre as metas planejadas e emergentes dos sócios, sobre como redefinir tarefas em comum ao longo do tempo, como administrar a interface da aliança, etc. Tal aprendizagem é igualmente crítica para sustentar uma cooperação próspera em alianças. • Terceiro: existe ainda um tipo de aprendizagem que focaliza a forma como uma firma individual aprende a administrar melhor as suas alianças e construir o que tem sido chamado de capacidade de aliança (SINGH; MITCHELL, 1996). Capacidade de aliança como referida anteriormente pode ser construída com o passar do tempo pela acumulação de mais experiências em aliança, isto é, formando-se cada vez mais alianças. 3.6. A estratégia na sociedade em rede Dyer e Nobeoka (2000) alegam que a aprendizagem organizacional seja talvez o fator-chave para a vantagem competitiva e, assim, a empresa deve desenvolver a capacidade de aprender, adaptar e atualizar continuamente as capacidades organizacionais. No entanto, eles afirmam que a capacidade de aprendizagem de uma empresa vai além da sua capacidade como entidade única, isolada, necessitando para tanto da análise da rede na qual a empresa está inserida. Argumentam que as redes podem ser efetivos meios de aprendizagem interorganizacional, em que os clientes e fornecedores podem vir a ser fontes primárias de inovação. Além disso, a empresa deve ser capaz de criar e se posicionar nessas redes de aprendizagem como elemento aglutinador e coordenador, por meio da criação de rotinas (processos) institucionalizadas para o compartilhamento de conhecimentos interorganizacionais e para a superação dos dilemas de compartilhamento de conhecimento entre os membros participantes. Como fator competitivo sustentável, uma rede pode ser difundida e entendida, mas é de difícil reprodução. Aqueles autores definem as rotinas de aprendizagem como um padrão regular de 65 Relatório de Pesquisa – RP0502 interações entre os indivíduos que permite a transferência, recombinação, ou criação de conhecimento especializado. Coletivamente, essas rotinas podem ser vistas como a capacidade da rede de gerenciar os fluxos de conhecimento tácito, que são conhecimentos complexos e de difícil transferência e codificação entre os elementos da rede. Assim, se a rede for capaz de criar uma forte identidade, com regras de entrada e participação, em que a produção de conhecimento seja vista como propriedade conjunta e, portanto, compartilhada por todos os membros, então todos os participantes terão acesso a uma diversidade muito maior de conhecimento, a um custo muito mais baixo. Segundo aqueles autores, a Toyota criou uma rede de fornecedores efetiva no compartilhamento de conhecimento, em parte por causa da forte identidade construída e em parte por causa das normas desenvolvidas que dão suporte à coordenação, comunicação e aprendizagem. • Quanto menor era a distância do fornecedor ao fabricante, menor era o custo total de estoque (maior o número de entregas diárias), maior o número de contatos pessoais e número de empregados “hospedados” e maior a troca de informação. Na análise dos relacionamentos entre fabricantes de automóveis e seus fornecedores, Dyer (1996) comparou o desempenho entre as redes de duas empresas da indústria automobilística japonesa, Nissan e Toyota, e três da indústria automobilística americana, Ford, General Motors – G M e Chrysler, e verificou que tanto o desempenho da empresa como também o da rede estavam positivamente relacionados com o grau de compartilhamento de informações e especialização conjunta dos ativos, isto é, com o grau de integração dos participantes. Apesar de os riscos relacionados a uma rede com acesso aos conhecimentos tácitos, aquele autor destaca que a confiança entre os componentes é um ativo intangível e, ao mesmo tempo, um fator competitivo difícil de ser imitado, pois a confiança cria uma interdependência única entre os elementos participantes à medida que investimentos são feitos na construção dos relacionamentos, no desenvolvimento dos ativos especializados e na própria construção da configuração física da rede. Para o desempenho, aquele autor analisou as variáveis: qualidade, tempo de lançamento de novos produtos, custos de estoque e rentabilidade, enquanto localização, ativos físicos e recursos humanos foram os fatores de especialização conjunta analisados. Os resultados mostraram que o grau de confiança, o compartilhamento de informações e os fatores de especialização conjunta nas redes japonesas eram maiores do que nas redes americanas e produziram redes de valor mais integradas e com melhor desempenho. Outros pontos observados por Dyer (1996) foram: 66 • Quanto maior era a especialização conjunta dos recursos humanos, menor era o tempo de lançamento de novos produtos, o que conferiu aos membros da rede melhor performance, maior capacidade de inovação, menor estrutura de custos e maior lucratividade. Das empresas analisadas, a Toyota era a que tinha a rede mais integrada, com o maior grau de confiança entre os parceiros e com a maior troca de informação na rede. É importante ressaltar que, nesse tipo de rede, não só a Toyota saiu ganhando. Os seus parceiros também tiveram melhores resultados, em comparação com os parceiros das outras empresas. Dyer (1996) explica que empresas que participam de redes podem levar vantagem em relação às empresas independentes, porque seus parceiros podem fornecer-lhes recursos e informações que possibilitam respostas efetivas a choques exógenos. Assim, ele enfatiza que o valor adicionado da empresa vem da conversão dos seus ativos genéricos (dinheiro, matéria-prima, competências gerais, etc.) em ativos especializados (tecnologia, competências centrais, processos especializados, etc.), e que esses ativos especializados podem ser produto da relação da empresa com os seus parceiros de negócios. Dyer ressalta que a estrutura institucional da sociedade pode aumentar ou diminuir os custos de construção de fatores Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira co-especializados, por causa da necessidade de se construir ou não mecanismos de salvaguarda. Afirma que esse é um dos fatores que explicam os custos mais baixos das redes formadas pelos japoneses em relação aos custos das redes dos americanos e que a eficácia e a eficiência de investimentos na especialização conjunta dos fatores dependem diretamente: • do ambiente institucional e do contrato (confiança); • da incerteza ou volatilidade da indústria; • do nível de interdependência do produto e atividades. Singh e Mitchell (1996) ponderam alegando que os recursos críticos de uma empresa podem levá-la à expansão das suas fronteiras, e podem surgir de rotinas específicas de colaboração entre empresas que incluem inovação de produto e processo, expansão geográfica, extensão da linha de produção e entrada do produto no mercado. As parcerias têm tanto aspectos positivos quanto aspectos negativos e o desempenho do negócio depende de como as estratégias dos parceiros evoluem ao longo do tempo. Eles concordam que o relacionamento cooperativo, além de dar acesso ao conhecimento dominado pelo parceiro, permite que a empresa ainda mantenha e melhore suas habilidades centrais. No entanto, alertam que a parceria também oferece o risco de a empresa perder informação patenteada (losing proprietary information) para o parceiro e sobre a dificuldade de adaptação pelos altos custos de ajuste e absorção das rotinas interorganizacionais. A interdependência gerada pelo compartilhamento de rotinas torna quase impossível a ação independente dos parceiros e pode se dar pelo compartilhamento de recursos humanos-chave, sistemas de marketing, desenvolvimento de habilidades, etc., fazendo com que cada um confie nas competências centrais do outro. De uma maneira geral, quanto maior a interdependência, mais efetivo é o relacionamento. No entanto, quando uma parceria acaba, a empresa perde o acesso às habilidades centrais que eram o motivo da parceria e deve ter condições de manter o desempenho do negócio por meio da formação de uma nova parceria. As redes precisam ser entendidas como fluxos de conhecimento que “atravessam” as empresas. O estudo de redes como fluxos de conhecimento envolve capacidades alcançadas por ação coordenada em níveis múltiplos de análise e o domínio de regras geradoras de cooperação e competição. 3.7. A experiência da Toyota na gestão da cadeia produtiva Para Dyer e Nobeoka (2000), a indústria automobilística proporciona casos interessantes para a análise de aprendizagem interorganizacional, uma vez que ela trabalha em rede. Segundo eles, aproximadamente 70% do valor de um veículo são produzidos pelos fornecedores de peças e sistemas automobilísticos. A conseqüência é que o custo e a qualidade dos veículos vêm da rede de fornecedores. Em estudo anterior, Dyer (1996) mostrou que a indústria automobilística japonesa é mais efetiva em trabalhar com redes do que a indústria automobilística americana, tendo como destaque o produtor japonês de automóveis, a Toyota. Dyer e Nobeoka (2000) decidiram estudar o caso Toyota pelos seguintes motivos: • A Toyota é amplamente reconhecida como líder em aprendizado e melhoria contínua. • Ela é a maior empresa japonesa, sendo regularmente votada por executivos japoneses como a mais bem-gerenciada, e a empresa japonesa mais respeitada. • A difusão mais rápida de técnicas de produção alinhadas tem ocorrido dentro da rede Toyota (lean production techniques). • A rede Toyota é altamente efetiva em facilitar a transferência de conhecimento entre as empresas da rede. Aqueles autores também citam que existe uma associação significativa e positiva entre ser membro da Associação de Fornecedores da Toyota e a produtividade do fornecedor, isto é, os fornecedores da Toyota tendem a ser mais produtivos do que os não fornecedores da Toyota. 67 Relatório de Pesquisa – RP0502 Para esse estudo de caso, Dyer e Nobeoka (2000) definiram como rede o arranjo formado pela Toyota e seus primeiros fornecedores (firsttiers), sendo que a Toyota é a empresa central (core or nodal) da rede. A Toyota é considerada a empresa central pelo fato de ela ser a única empresa com laços diretos com todas as outras empresas da rede e porque ela é a empresa responsável pelo agrupamento em rede (convener of network). Com o objetivo de verificar quais são as rotinas de compartilhamento de conhecimento tácito institucionalizadas na rede e como a Toyota resolve os dilemas de compartilhamento de conhecimento, aqueles autores entrevistaram os gerentes de compras do Japão e dos EUA. Essa entrevista teve também o propósito de identificar as unidades ou divisões dentro da empresa que interagem com os fornecedores e que estão envolvidas com as atividades de desenvolvimento dos fornecedores. Esses gerentes apontaram as seguintes divisões: • Divisão de Compras. • Divisão de Consultoria de Gestão de Operações. • Divisão de Garantia de Qualidade. • Divisão de Administração da Logística. • Divisão de Operações de Manufatura. • Divisão de Projetos de Engenharia. A partir dessa lista, foi feita uma pesquisa qualitativa com mais de 30 executivos dessas divisões, num total acima de 100 horas de entrevistas. Também foram entrevistados dez executivos seniores dos fornecedores no Japão e 11 executivos seniores dos fornecedores nos EUA. Os objetivos dessas entrevistas foram a identificação e o entendimento das rotinas de transferência de conhecimento institucionalizadas, “bi e multilaterais”, entre a Toyota e seus fornecedores, bem como as mudanças associadas com a criação e a manutenção dessas rotinas. Com o propósito de verificar a consistência das respostas, foi pesquisado o arquivo de dados da Toyota que mantém o registro das 68 mudanças nas práticas e no desempenho do fornecedor, como, por exemplo, “depois que o fornecedor recebeu visita dos consultores da Toyota”. Além disso, foi feito um levantamento survey com todos os 97 fornecedores da Associação Americana de Fornecedores da Toyota (48 responderam, 49,5% de taxa de resposta) e com os 50 maiores fornecedores diretos no Japão, com o suporte da Associação Japonesa de Fabricantes de Automóveis (38 respostas, 76% de taxa de resposta). As principais conclusões encontradas pelos autores foram: • Os fornecedores são motivados a participar do compartilhamento aberto (para toda a rede) do conhecimento, porque eles rapidamente tomam consciência de que participar do processo de aprendizagem coletiva é amplamente superior a uma tentativa isolada. • Há um número de processos (rotinas) de compartilhamento de conhecimento, no âmbito da rede, que ajuda a criar uma forte identidade para ela. • A Toyota tem criado um pacote de condições que ajuda os fornecedores a criar uma forte identificação com a rede. • Há o estabelecimento de regras para a rede que impedem os fornecedores de ter acesso aos conhecimentos da Toyota sem que eles primeiro, explicitamente, concordem em “abrir” o conhecimento para todos da rede. O descumprimento dessas regras leva a sanções comerciais por parte da Toyota. • As conexões da rede são apropriadas para a difusão eficiente (rápida e fácil) do conhecimento tácito entre todos os elementos da rede. No Japão, a rede Toyota – conhecida como grupo Toyota – promove abertamente uma filosofia dentro do grupo Toyota, denominada coexistência e co-prosperidade (kyoson kyoei). Essa filosofia representa o valor central do manual da Toyota – “Vendendo para a Toyota” –, criado para auxiliar os fornecedores americanos a trabalhar melhor com a empresa. Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira 3.7.1. Criação de uma identidade de rede e compartilhamento de conhecimento Segundo Dyer e Nobeoka (2000), por meio de processos (rotinas) que facilitam a aquisição, armazenagem e difusão de conhecimento na rede, a Toyota promove a filosofia de coexistência e co-prosperidade e a identidade de rede compartilhada por todos os membros. Entre esses processos, os autores identificaram como mais importantes os relacionados a seguir. A Associação de Fornecedores da Toyota Criada em 1943 para promover uma “amizade mútua” e a “troca de informação técnica” entre a Toyota e os seus fornecedores, essa associação se desenvolveu e, em 1996, tinha três propósitos específicos: 1) troca de informação entre os fornecedores e a Toyota, 2) desenvolvimento e treinamento mútuo entre os membros das empresas e 3) eventos sociais. O primeiro objetivo da associação de fornecedores é desenvolver laços entre os membros e transferir conhecimento explícito (informação) por meio de arranjos multilaterais. Os comitês temáticos (custo, qualidade, segurança, etc.) designados pela associação visam a facilitar a transferência tanto de conhecimento explícito como de conhecimento tácito. Também há o comitê de esportes, cujo objetivo é facilitar a interação social entre os membros. Divisão de Consultoria de Gestão de Operações da Toyota Estabelecida em meados dos anos 60 para ajudar a resolver os problemas operacionais tanto na Toyota como nos seus fornecedores, essa divisão é a unidade organizacional dentro da Toyota que é responsável pela aquisição, armazenagem e difusão de conhecimentos valiosos de produção internos à rede de produção da Toyota. Por intermédio do Centro de Suporte ao Fornecedor da Toyota (Toyota Supplier Support Centre – TSSC), essa divisão fornece assistência aos fornecedores, diretamente nos seus sites, para a implementação do sistema de produção da Toyota. Isso exige um tempo longo e muito comprometimento, uma vez que a maior parte do conhecimento a ser transferido é conhecimento tácito. Nenhum dos projetos tem levado menos de oito meses e, em muitos casos, a implementação bem-sucedida do sistema de produção da Toyota exige total mudança organizacional e cultural da empresa fornecedora, podendo então o projeto levar até três anos para ser finalizado. Os 31 projetos engajados pelo TSSC, em 1996, apresentaram uma redução média de estoque de 75% e um aumento médio de 124% na produtividade em comparação a uma redução média de estoque de 8% e um acréscimo de produtividade de 6% registrados nos dois anos anteriores ao início do projeto de implementação do sistema de produção da Toyota. Nessa divisão existe também um processo de formação de times para a solução de problemas. Esses times são encarregados de apresentar conhecimento para a solução de problemas emergentes dentro da rede, procurando a origem dos mesmos e fazendo conexões com as áreas que contribuíram para o surgimento deles. Por exemplo: um problema de qualidade pode ter origem no design. Nesse caso, a solução se inicia com a equipe de qualidade, que visa a descoberta da origem do problema, passando então para a equipe de design. Nas situações em que o conhecimento relevante para a situação do problema é de domínio do concorrente do fornecedor, a Toyota entra como intermediária, “orquestrando” a transferência de conhecimento. Grupos voluntários de aprendizagem Esses grupos consistem em sub-redes para o compartilhamento de conhecimento. São formados por fornecedores que criam fortes laços de relacionamento entre eles, por meio de uma comunidade compartilhada por pequenos grupos. São geralmente compostos por cerca de cinco a oito membros no Japão, e aproximadamente 12 nos EUA. Esses grupos são formados por fornecedores-chave (que fornecem em torno de 80% do valor do veículo), cujo objetivo é a troca de conhecimento sobre a melhoria de produtividade e qualidade em áreas de interesse comum. A formação dos grupos é feita a partir da proximidade física, competição (concorrentes diretos não são colocados no mesmo grupo), experiência com a Toyota e, em algumas 69 Relatório de Pesquisa – RP0502 situações, como aconteceu nos EUA, pelo nível de capacitação ou habilidade do fornecedor. Os grupos são reorganizados a cada três anos, de forma a manter a diversidade de idéias, e a cada ano os grupos definem, conjuntamente com o gerente da Divisão de Consultoria de Gestão de Operações da Toyota, o tema do ano a ser pesquisado (o projeto do ano). Depois que o tema é decidido, cada grupo estabelece uma agenda de visitas a cada uma das plantas dos participantes do grupo para, de forma conjunta, desenvolverem sugestões de melhoria. Um membro da Divisão de Consultoria de Gestão de Operações da Toyota também faz estas visitas a cada uma ou duas semanas, aconselhando e monitorando o progresso do trabalho, o que permite à Toyota não só levar como receber conhecimento do que está sendo produzido, tanto para ela como para os outros fornecedores da rede. No final do ano, a Toyota organiza uma conferência com esses grupos para a apresentação e compartilhamento do conhecimento adquirido nesse período. Observa-se que a grande riqueza dos trabalhos desses grupos é a troca de conhecimento tácito. Como na Associação dos Fornecedores da Toyota, esses grupos de aprendizagem também contribuem para a criação de uma identidade coletiva. Transferência de empregados entre as empresas Consiste na rotação de trabalho que ocorre no âmbito da rede e se dá pela transferência de funcionários da Toyota para os seus fornecedores. Essa prática é também um importante mecanismo para a criação de uma identidade de rede e transferência de conhecimento. Dos entrevistados no Japão, 11% dos diretores dos 38 fornecedores eram ex-funcionários da Toyota. Por ano, a empresa transfere de 120 a 130 funcionários, aproximadamente, para outras empresas, sendo a maioria para fornecedores. Algumas transferências são definitivas, outras não. Essas transferências ajudam a empresa a entender melhor a perspectiva e os problemas dos fornecedores e, ao mesmo tempo, resolver problemas do fornecedor que exigem 70 habilidades específicas que a Toyota tem. Quando isso não é possível, o ex-funcionário da Toyota saberá com quem na rede ele pode contatar rapidamente. O estudo do case Toyota mostrou para Dyer e Nobeoka (2000) que a criação de uma forte identidade de rede reduz os custos de participação por membro, uma vez que eles não estarão engajados em cálculos de custo– benefício e se tornarão mais propensos a contribuir com conhecimentos tácitos. 3.7.2. Regras de rede para a proteção do conhecimento e apropriação de valor De acordo com Dyer e Nobeoka (2000), a Toyota criou, abertamente, normas de compartilhamento recíproco de conhecimento dentro da rede de produção. Nessa rede, a Toyota compartilha todo o seu conhecimento tácito de produção (custo, qualidade, gestão de estoque, etc.) como também fornece assistência sem custos para os fornecedores participantes da rede. A Toyota também criou as regras: • O preço de entrar na rede é a possibilidade limitada de proteger conhecimento proprietário de produção; • Direitos de propriedade intelectual pertencem à rede, em vez de pertencer à empresa. Dessa forma, muito pouco do conhecimento que uma empresa possui é de sua propriedade, e não da rede (com exceção de certos designs e tecnologias de produto). Assim, qualquer conhecimento relativo à produção é virtualmente acessível a qualquer membro da rede (talvez com a exceção de um competidor direto do fabricante). A Toyota admite que alguns conhecimentos tácitos podem beneficiar competidores. Para receberem assistência do TSSC e das equipes de aprendizagem de pequenos grupos, assim como para participar desses grupos de estudo, o fornecedor tem de abrir as suas operações para inspeção por outros membros da rede. Essas regras não só contribuem para o compartilhamento efetivo de conhecimento entre os membros da rede, como também evitam que eles tenham acesso ao Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira conhecimento produzido pela rede sem, no entanto, contribuir para tal. 3.7.3. Criação de múltiplas rotinas de compartilhamento de conhecimento Intencionalmente, a Toyota separa o trabalho da Divisão de Consultoria de Gestão de Operações, do TSSC e da Divisão de Compras, pois não existe uma perspectiva imediata de decréscimo nos preços. No tocante aos fornecedores que abriram suas operações e compartilharam o seu conhecimento tácito com a empresa, os entrevistados afirmam que eles podem apropriarse de 100% do valor das transferências de conhecimento e que esse procedimento leva de um a dois anos. Além disso, predomina entre eles a opinião de que o acesso ao sistema de produção da Toyota é um ganho enorme para a empresa e que compensa a abertura do seu conhecimento tácito, como declara um executivo de um fornecedor nos EUA: Para otimizar a eficiência da transferência tanto de conhecimento explícito quanto de conhecimento tácito na rede como um todo (um grande número de participantes), a Toyota estabeleceu uma variedade de processos “bi e multilaterais” que melhor se ajustam a cada tipo de conhecimento a ser transferido. Por exemplo, a Associação de Fornecedores da Toyota é eficiente na transferência de conhecimento explícito para toda a rede, ao passo que os grupos de aprendizagem são eficientes na transferência de conhecimento tácito entre as empresas participantes. Essas sub-redes levam os membros individuais a desenvolverem fortes laços na rede, criando uma multiplicidade de interconexões entre eles. Se, em vez dessa trama de sub-redes inseridas na rede Toyota, a empresa oferecesse apenas consultores e, portanto, apenas relações bilaterais, a rede não teria a mesma eficiência na transferência de conhecimento. “Eu não podia acreditar, mas a Toyota enviava aproximadamente de dois a quatro consultores todos os dias por um período de três a quatro meses quando tentávamos implementar os conceitos do sistema de produção da Toyota. Eles deram-nos um presente valoroso – o sistema de produção da Toyota. Naturalmente nos sentimos gratos com a Toyota e os vimos como um cliente especial. Eles sinceramente querem nos ajudar a melhorar... Como poderíamos tentar não passar o que temos aprendido para outro fornecedor da Toyota?” (DYER; NOBEOKA, 2000). No entanto, os fornecedores estão conscientes de que devem dar um retorno à Toyota quando for estabelecida uma redução de preços em sua revisão anual, diferentemente da General Motors, que, segundo alguns executivos de fornecedores, visita suas plantas, acrescenta pouco na solução dos seus problemas e, imediatamente após sua saída, envia uma cartinha solicitando uma redução de preços. Esses executivos confiam muito mais na boa vontade da Toyota de trabalhar em rede e compartilhar os ganhos que na General Motors. Assim, na rede Toyota existe uma forte identificação de como deve agir a empresa central de uma rede. Um estudo longitudinal da Toyota, desde o começo da sua produção em Georgetown, Kentucky, em 1988, levou Dyer e Nobeoka (2000) a concluírem que as inovações institucionais feitas pela Toyota, por meio da Associação dos Fornecedores da Toyota (1989), da Divisão de Consultoria de Gestão de Operações da Toyota, do TSSC (entre 1992 e 1993) e dos grupos de aprendizagem (1994), levaram a rede da Toyota nos EUA a evoluir de fracos laços bilaterais entre a empresa e os seus fornecedores, passando por fortes laços bilaterais, até fortes laços multilaterais entre os fornecedores e, paralelamente, evoluindo da eficiência na transferência de conhecimento explícito para a eficiência na transferência de conhecimento tácito. O investimento da Toyota para o desenvolvimento da rede se dá em duas formas de subsídio: • Financeiro: recursos para a infra-estrutura das reuniões, atividades sociais, organização e planejamento de encontros. 71 Relatório de Pesquisa – RP0502 • Conhecimento tácito: o investimento no TSSC e o envio de consultores às instalações dos participantes sem custos financeiros. Durante a fase inicial, a rede Toyota começou a desenvolver uma identidade, pois havia somente uma fraca comunidade social. Na fase seguinte, os conhecimentos valiosos, recebidos por meio da consultoria de operações da empresa a um custo mínimo, incentivaram os fornecedores a aumentar sua participação na rede, não somente para demonstrar o seu comprometimento com a Toyota, como também para receber mais conhecimento, o que fortaleceu a identidade de rede. Na fase final das relações multilaterais entre os membros e da criação e desenvolvimento das sub-redes que compartilhavam conhecimento tácito, as motivações para participar da rede eram: • o reconhecimento da necessidade de rápida aquisição de conhecimento, inclusive antes dos concorrentes, assim aumentando a chance de ganhar mais negócios relativos aos novos modelos. • a reciprocidade (dar conhecimentos valiosos). e receber Dessa forma, os membros da rede Toyota nos EUA concluíram, de forma consensual, que eles se beneficiam mais em participar da rede, porque o conhecimento tácito produzido especificamente dentro da rede Toyota é mais valioso do que o conhecimento explícito disponível para todos. 3.7.4. Riscos da rede Toyota e como a empresa tem lidado com eles Dyer e Nobeoka (2000) apontam que, a despeito de todas as vantagens advindas de uma rede altamente interconectada como a da Toyota, existem alguns riscos não só para a empresa como para a rede como um todo: • À medida que o conhecimento entre os membros da rede vai-se tornando cada vez mais homogêneo, a rede pode ir perdendo a riqueza da diversidade de conhecimentos e tornar-se menos efetiva na geração de novos conhecimentos. 72 • A rede pode ficar tão focada, que pode tornar-se incapaz de reagir e adaptar-se a grandes inovações tecnológicas produzidas fora dela. Aqueles autores ressaltam que esse tipo de configuração de rede parece ser mais propício para indústrias maduras do que para indústrias tecnologicamente dinâmicas, que geram novos conhecimentos a passos largos. No entanto, eles ressaltam que a Toyota tem adotado alguns mecanismos para manter a diversidade de conhecimentos, como a rotação entre os membros dos grupos de aprendizagem e a busca de melhores práticas fora da indústria automobilística, por meio das atividades do Comitê da Associação dos Fornecedores. Além disso, os muitos processos de interação entre os membros da rede produzem, no mínimo, novas formas de aplicação para os conhecimentos existentes. 3.8. Conclusões sobre o referencial teórico Este capítulo iniciou-se com uma pesquisa bibliográfica que apontou diferentes conceitos, adotados por diversos autores, acerca dos termos informação e conhecimento. Foi estabelecido que, neste trabalho, seriam adotados os conceitos formulados por Nonaka e Takeuchi (1997). O capítulo mostrou que as pesquisas de Nonaka e Takeuchi (1997) foram fundamentais para a compreensão da localização do conhecimento nas empresas e, por conseqüência, sobre a dinâmica de criação do conhecimento. Foi apontado que as empresas mais inovadoras são as que demonstram maior competência para gerar e administrar conhecimento, que o conhecimento é hoje o mais importante recurso competitivo das empresas e que a tarefa de gerir o conhecimento está longe de ser uma tarefa fácil. O objetivo de se fazer uma revisão da literatura relacionada com a questão da inovação tecnológica foi aprofundar o entendimento sobre o tipo e a proveniência do conhecimento usado nesse processo e, em particular, sobre a Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira contribuição das universidades e centros de pesquisa para a inovação na indústria. conhecimento e a informação circulem rapidamente e a baixos custos; A gestão da inovação e do conhecimento tecnológico busca a compreensão do progresso tecnológico e seus impactos, a fim de capacitar as instituições a lidar com as mudanças e, sobretudo, integrar a inovação à estratégia organizacional. Como visto na literatura, a inovação tecnológica é considerada hoje a componente de maior impacto nas mudanças que estão ocorrendo no âmbito das empresas. Entretanto, apesar de a tecnologia ser amplamente reconhecida como sendo essencial à competitividade, a gestão da inovação tecnológica tem representado uma das atividades mais complexas nas atribuições dos gerentes. • a necessidade de investir esforços substanciais em aprendizagem, que incluam a interação com fontes externas, como fornecedores em geral, clientes, consultores, universidades, centros de pesquisas, entre outros. Esse processo é conhecido como learning by interacting. Nesse contexto, destaca-se a importância do fortalecimento da interação entre universidades, centros de pesquisas e empresas; Com base em discussões com gerentes de grandes empresas de alta tecnologia, estudiosos concluíram que a inovação é um processo interativo que acontece com a participação de vários agentes, como o setor privado, o setor de pesquisa e o governo, entre outros (BETZ, 1993). Essa constatação aponta para uma grande necessidade: o desenvolvimento de redes ou círculos de geração de conhecimentos. Essas redes começam a ser formadas no momento em que as empresas ficam cientes da necessidade de se reestruturar em, de desenvolverem suas competências, de testarem diferentes idéias, de aprenderem com o ambiente interno e externo e de estarem sempre buscando oportunidades no ambiente tecnológico. Um dos elos dessas redes de geração de conhecimento a ser criado é representado pelas cooperações com as universidades. Os estudos sobre inovação nos países desenvolvidos confirmam que a academia e os centros de pesquisa contribuem de forma significativa para a inovação industrial, mas que é importante a gestão adequada dessas interações, de modo a otimizar recursos e eliminar frustrações das partes, ressaltando-se: • a necessidade da promoção de redes de todos os tipos: dado o entendimento da natureza sistêmica e interativa dos processos de inovação e aprendizado, é fundamental a criação de redes nas quais os recursos, o • a necessidade de desenvolvimento de novas políticas industriais, tecnológicas e de inovação. O principal aspecto que deve ser considerado é o reconhecimento da importância crescente de políticas que busquem adaptar e reorientar os sistemas produtivos e de inovação em face do novo cenário socioeconômico. Outro foco do capítulo foi a análise das características da denominada sociedade em rede. Por meio da revisão da literatura, pôdese concluir que redes são muito mais que relacionamentos que governam a difusão de inovações e normas, ou que explicam a variabilidade de acesso à informação por empresas concorrentes. As redes precisam ser entendidas como sendo fluxos de conhecimento que “atravessam” as empresas, propiciando velocidade de “chegada ao mercado”, aumento de produtividade e inovação, além de questão central no desenvolvimento sustentável. O caso Toyota, descrito no item 3.7, exemplifica bem os vários ganhos que as empresas têm ao participar das chamadas cadeias produtivas. 4. GESTÃO DE PESSOAS 4.1. Introdução Diferentemente de concepções mais tradicionais, observam-se demandas por uma atuação mais estratégica, assim como por uma postura mais proativa da função RH, o que, segundo Ulrich (2001), tornaria as empresas mais aptas a enfrentar os desafios da competitividade. 73 Relatório de Pesquisa – RP0502 Os anos da década de 90, marcados pelo fenômeno da globalização, ampliação da competitividade internacional, desregulamentação de mercados, avanço tecnológico acelerado e flexibilização das relações de trabalho, trouxeram novas questões para a esfera empresarial. As modificações ocorridas naquela década reforçaram a necessidade de as organizações serem dotadas de agilidade, principalmente no processo de tomada de decisão. Adaptar-se ao novo cenário implica adotar inovações, tanto tecnológicas como organizacionais, com vistas à flexibilização da estrutura organizacional (FERREIRA, 1997). No âmbito da área operacional das organizações, com as exigências de flexibilização surge a necessidade de a função recursos humanos atuar de maneira mais coordenada com as estratégias organizacionais. O resultado disso é uma mudança significativa na forma de “enxergar” e, principalmente, gerenciar pessoas, uma vez que as instituições têm tido seu valor “determinado pelo estoque de capital intelectual acumulado e pela capacidade de gerenciar esse conhecimento” (MARINI, 1999, p. 27). Isso implica afirmar também que a efetividade gerencial está fortemente relacionada ao êxito da gestão do conhecimento nas organizações. O ponto-chave nessa nova forma de se avaliar o sucesso organizacional é o fato de o capital humano ser considerado vantagem competitiva. Vantagem que deve ser incorporada pelas organizações, tornando-as capazes não só de gerar conhecimento, mas também de difundi-lo e agregá-lo a produtos, serviços e sistemas. A combinação desses fatores apontou para a necessidade de mudanças organizacionais, assim como para uma definição de novos perfis de profissionais. Coube à gestão de recursos humanos um desafio: repensar sua posição e adotar novas práticas de gestão de pessoas. A saída para se enfrentar esse desafio passa, sem dúvida, pelo “reconhecimento do elemento humano como vital para o sucesso das organizações, resgatando o saber do 74 trabalhador, o potencial e a capacidade humana de trabalho”. (SARSUR, 1999, p. 57) Mais que isso, “(...) o redirecionamento do foco das práticas de RH, mais sobre a cadeia de valor (fornecedores e consumidores) e menos sobre as atividades no interior da empresa. (...) O treinamento com uma perspectiva de cadeia de valor une fornecedores, funcionários e consumidores em equipe. Programas de remuneração nessa perspectiva consideram a utilização de fornecedores e consumidores como avaliadores e distribuidores de valor econômico dentro da empresa. Desviando o foco da empresa para essa cadeia de valor, todas as atividades de RH são rigorosamente redefinidas segundo critérios do consumidor” (ULRICH, 2001, p. 20). A competitividade em preço e/ou qualidade não é suficiente para garantir a sustentabilidade da vantagem competitiva. Para tanto, é essencial uma maior atenção das empresas, tanto em relação aos clientes como em relação aos fornecedores (ALMQUIST; PIERCE; PAIVA, 2002; SHARMA; LUCIER; MOLLOY, 2002). Entretanto, não é possível abordar competitividade sem uma avaliação que envolva a cadeia produtiva. Cabe então retomar uma questão levantada por Ulrich (2001): como o RH pode criar valor e produzir resultados? Com vistas a um aprofundamento desse tema, torna-se fundamental a análise da cadeia produtiva. Apesar da compreensão dessa necessidade, observa-se que as práticas de recursos humanos continuam, razoavelmente, restritas à avaliação sob uma perspectiva da empresa como uma entidade isolada, ou seja, exclusiva do ambiente interno da organização. Mas algumas pistas já vêm sendo dadas. A origem está na identificação do funcionário como ponto de ligação efetiva da interação da cadeia produtiva (ALMQUIST; PIERCE; PAIVA, 2002). Somente depois que a empresa for capaz – e, desde já, o RH tem papel relevante nisso – de fazer essa identificação, ela estará apta a adotar práticas que englobem a cadeia produtiva. Um outro pressuposto fundamental nessa abordagem é que os relacionamentos internos Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira da organização sejam bons e produtivos. Assim, é possível expandir as práticas para além das fronteiras da empresa – ou seja, para os relacionamentos externos a ela. Cada vez mais, as empresas têm a percepção de que o RH tem papel essencial na criação de uma cultura que extrapole a relação com o empregado e que se aproxime também de clientes, fornecedores e, até mesmo, investidores (ULRICH; ZENGER; SMALLWOOD, 2000). Institucionalizada a ampliação da visão de RH para além da empresa, mudam-se também suas práticas. A seleção torna-se ainda mais criteriosa e com ênfase na qualidade dos serviços. Também o treinamento passa a ser uma prática indispensável na criação de uma cultura orientada à cadeia produtiva. O departamento de RH tem função decisiva no suporte à criação de um ambiente capaz de fomentar bons serviços e relacionamentos estreitos com clientes, fornecedores e demais parceiros. relação aos clientes e fornecedores, como também sua conexão com a performance do negócio (BECKER; HUSELID; ULRICH, 2001). A mensuração de indicadores objetivos e subjetivos para os empregados pode ser feita. A associação dessa medição aos indicadores dos clientes, também. Como os profissionais de RH tornam-se mais sofisticados e refinados em relação às suas próprias avaliações, o alinhamento delas com as dos clientes lhes confere credibilidade e melhor monitoração de sua performance (ULRICH et al, 1997, p. 102, tradução dos autores)30. É essa integração, tanto do ponto de vista de práticas como de avaliação (medidas), que permitirá à gestão de pessoas um papel mais estratégico nas organizações, contribuindo efetivamente para a sustentação da vantagem competitiva. Mais especificamente, para a proposição de medidas, o RH deve se questionar, tal como propõe Ulrich (2001, p. 299): As práticas devem permitir e incentivar uma atmosfera de compartilhamento de valores, dentro e fora da empresa, os empregados precisam ser selecionados, contratados e promovidos tendo como critério o compartilhamento de valores e hábitos de trabalho. Devem também ser treinados, avaliados e premiados de acordo com a integração da cadeia, tanto do ponto de vista individual como organizacional (ULRICH et al., 1997). • Funcionários: Como o RH afeta sua moral, dedicação, competência e permanência na empresa? O RH precisa criar uma proposição de valor, ajustando as práticas à realidade corporativa através de pessoas, mas preocupando-se em atender clientes, cumprir prazos, produzir lucro, impulsionar tecnologia e satisfazer investidores. Esse é o norte para a gestão de pessoas e sua formulação de práticas (ULRICH, 2001). Resta ainda aos pesquisadores e às organizações a formulação de perguntas norteadoras da definição de medidas que contemplem os demais componentes da cadeia produtiva e os stakeholders, bem como o desenvolvimento de mecanismos que permitam a mensuração do comportamento de tais medidas. Uma das condições para viabilizar as práticas de RH está no trabalho conjunto com as demais funções organizacionais. Outra é o alinhamento dessas práticas com as expectativas também dos clientes. Ainda, uma condição essencial (e é neste ponto que esta pesquisa irá se desenvolver) é a capacidade do RH de medir tanto o seu desempenho em 30 • Clientes: Como o RH afeta sua conservação, satisfação e dedicação? • Investidores: Como o RH afeta sua lucratividade, custos, crescimento, fluxo de caixa e retorno mínimo? Calcada nessa problemática, esta pesquisa tem como objetivos centrais: • Analisar a lógica dos descritores e/ou indicadores de gestão de pessoas, a partir da análise da cadeia produtiva, compreendida de dentro para fora da empresa. Original em Inglês. 75 Relatório de Pesquisa – RP0502 • Fornecer subsídios aos gestores quanto ao seu padrão de gestão relativo a pessoas na cadeia produtiva. Para tal, buscou-se estruturar este capítulo, apresentando, inicialmente, uma revisão da evolução da função RH, desde os modelos fundamentados na adoção de departamento de pessoal até os modelos calcados em uma visão estratégica da gestão de pessoas. Apresenta-se também uma análise dos movimentos em torno das metodologias, processos e indicadores em gestão de pessoas. O estudo revela-se significativo na medida em que reflete a crescente demanda por formas mais tangíveis de se mensurar a qualidade da gestão das empresas brasileiras nas diversas dimensões, em especial em relação às pessoas. Além disso, não se podem ignorar suas contribuições ao incorporar como perspectiva de análise a cadeia produtiva. Tendo em vista o delineamento da idéia central do estudo, o próximo item apresenta um panorama da gestão de pessoas no atual contexto dos negócios, salientando fatores preconizados na literatura como facilitadores da competitividade na dimensão RH, tendências e perspectivas dessa área. 4.1.1. Do modelo de administração de recursos humanos ao modelo estratégico de gestão de pessoas Se há um ponto em relação ao qual poucos se opõem é que, com o intuito de fazer frente às atuais transformações do mundo dos negócios, as organizações têm, crescentemente, necessitado de indivíduos talentosos e competentes. Na medida em que fontes tradicionais de vantagem competitiva, tais como tecnologia e mão-de-obra barata, não mais se revelam suficientes para garantir uma posição competitiva sustentável, os indivíduos e suas competências passam a ser enfatizados como elemento central de diferenciação estratégica (BARTLETT; GHOSHAL, 1987; PRAHALAD; HAMEL, 1990 e PUCIK; THICHY; BARNETT, 1992). Bartlett e Ghoshal (1987) chegam mesmo a afirmar que as organizações que atualmente 76 concorrem entre si por clientes e mercados, em escala jamais vista, têm sido levadas a competir também pelo recurso elevado à categoria de o mais importante de todos: o talento humano. Para Gonçalves (1997), as armas convencionais e toda a experiência reunida em gestão de pessoas não se têm mostrado, todavia, suficientes às demandas do novo contexto. É preciso romper com o passado, deixar de lado experiências tradicionais e criar novidades e soluções criativas capazes de dotar as organizações das competências necessárias às demandas desse novo ambiente. Nessa direção, ante as particularidades do atual panorama, as organizações devem ser éticas, agir de forma socialmente responsável, considerar as implicações de suas ações sobre o conjunto de seus stakeholders, focar sua sustentabilidade no longo prazo. Internamente, devem ser orientadas a processos, ágeis e enxutas. Suas atividades devem pressupor, por parte de quem as executa, amplo conhecimento do negócio, autonomia, responsabilidade e habilidades para a tomada de decisões em ambientes cada vez mais complexos, requerendo, por conseguinte, uma revisão completa dos modelos tradicionais de empresa, tanto do ponto de vista estrutural, quanto da gestão do negócio e do trabalho. Diversos fatores concorrem para a assimetria entre as demandas que ora se apresentam às empresas em relação às exigências convencionais: “As organizações tradicionais foram projetadas com base em pressupostos antigos, como a constância e a regularidade do ambiente externo – que lhes permitia isolar-se dentro de suas fronteiras –; a versatilidade da empresa – que lhes possibilitava produzir tudo o que pudessem a custos inferiores aos de um fornecedor externo –; a eficiência decorrente da especialização e a conseqüente estruturação em unidades especializadas estanques, além da prescrição detalhada dos procedimentos e metas pessoais, de modo a superar a limitação de conhecimentos e Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira a competência dos empregados” (GONÇALVES, 1997, p. 11). Diante disso, um novo conjunto de princípios de organização, calcado na alocação dinâmica dos recursos, na comunicação ponta a ponta, na organização do trabalho em times e projetos, na avaliação de desempenho por resultados e na definição de fronteiras organizacionais orgânicas, passa a ser indicado. Para Gonçalves (1997), o grande desafio para essa transformação consiste, no entanto, em desenvolver pessoas com o perfil requerido por esse novo tipo de organização. Esforço que exige transformar os “empregados de tarefas” em “profissionais de processos”; repensar o papel dos gestores e dos empregados nessa nova organização; reinventar os sistemas de gestão; fazer com que o aprendizado seja parte do dia-a-dia dos negócios da empresa, bem como moldar uma nova cultura que dê suporte à nova maneira de trabalhar. Já para Markert (2000), a principal conseqüência das transformações em curso tem sido indicar que uma empresa define-se como uma organização aprendiz (learning organization), em que o potencial humano deve ser redescoberto e incentivado como potencial de produtividade. Desse modo, na medida em que a organização do trabalho descentralizada e as tarefas de trabalho integradas horizontalmente são atributos essenciais dos atuais conceitos de produção, exige-se um perfil de trabalhador que disponha de novas características, como comportamento independente na solução de problemas, capacidade de trabalho em grupo e de pensar e agir em sistemas interligados. Em decorrência disso, destaca Markert, percebe-se uma tendência quanto à ampliação do espaço de ação dos trabalhadores, ganhando importância as qualificações intelectuais e sociais. Concomitantemente, ele salienta uma tendência de se implementarem processos de modernização organizacional, favorecedores do desenvolvimento de estruturas de trabalho integradas e de elevado potencial de ação subjetiva, o que tende a se traduzir em “(...) uma orientação social em melhor formação e projetos de vida individualizados, indicando uma nova subjetivação normativa do trabalho que se expressa, essencialmente, na procura de um trabalho com mais significado, mais comunicativo, responsável e ‘qualificante’” (MARKERT, 2000; p. 54). Fleury e Fleury (1995), não obstante esse conjunto de tendências, afirmam ser difícil admitir que exista ou venha a existir, todavia, uma best practice em gestão de pessoas para o novo contexto competitivo. Para aqueles autores, existem, no entanto, alguns pressupostos que vêm orientando a busca por novas formas organizacionais como, por exemplo, pensar sistematicamente, agir estrategicamente, integrar os processos de decisão, usar inteligentemente a informação e cooperar na competição. Além disso, eles observam uma orientação na direção de políticas de recursos humanos que visam sustentar e impulsionar a aprendizagem e a inovação. Alguns exemplos dessas políticas são: a avaliação do desempenho e da competência individual para o desenho da carreira e dos sistemas de remuneração; os investimentos maciços em programas de treinamento objetivando, principalmente, melhorias nos sistemas de qualidade e produtividade; a ênfase nos programas comportamentais, assim como o estabelecimento de estratégias participativas, como os Círculos de Controle da Qualidade – CCQs –, caixas de sugestões, participação nos resultados da organização, entre outros. Para Fischer (2001), todavia, é consenso entre aqueles que participam ou se dedicam ao estudo organizacional tanto no exterior quanto no Brasil que a gestão de Recursos Humanos tem passado, nos últimos vinte anos, por alterações profundas. Enfatizando essas mudanças, ele destaca a legitimidade que vem ganhando o conceito de modelo de gestão de pessoas – ou modelo competitivo de gestão de pessoas – normalmente compreendido como um conjunto organizado de políticas, práticas e processos de gestão característicos da empresa que funciona na era da competitividade. 77 Relatório de Pesquisa – RP0502 Para esse autor, entretanto, a emergência de tal conceito tem trazido à tona contradições que as organizações atuais precisam superar ao definir e colocar em prática seu modelo de gestão de pessoas. Afinal, se, por um lado, as organizações nunca precisaram tanto daquilo que há de mais humano no indivíduo – criatividade, emoção, sensibilidade –, por outro, não raro, continuam estimulando a criação de ambientes de trabalho em que esse caráter humano encontra pouco espaço para prosperar, na medida em que acirra a competição entre as pessoas, intensifica o ritmo de trabalho e estreita o vínculo entre desempenho e resultados. Dutra (2001) também indica, ao longo das últimas duas décadas, mudanças significativas no campo da gestão de pessoas, destacando transformações como: • a alteração no perfil das pessoas exigida pelas empresas: do perfil obediente e disciplinado a um perfil autônomo e empreendedor, exigindo-se, por conseguinte, uma cultura organizacional que estimule e apóie a iniciativa individual, a criatividade e a busca autônoma de resultados; • o deslocamento do foco da gestão de pessoas por meio do controle para o foco via envolvimento; • maior participação das pessoas no sucesso do negócio ou da empresa, na medida em que as pessoas passam cada vez mais a ser depositárias do patrimônio intelectual das empresas, bem como da capacidade e agilidade de resposta da organização aos estímulos do ambiente e, ainda, da capacidade de visualização e exploração de oportunidades de negócios. De forma similar, aquele autor aponta contradições que as organizações atuais precisarão enfrentar ao redirecionar seu sistema de Gestão de Pessoas. Na sua opinião, o aspecto central dessas contradições é que as transformações mencionadas não foram acompanhadas pelos conceitos e ferramentas que fundamentam e apóiam a gestão de pessoas. O resultado é que a maneira de gerir pessoas adotada pela maioria das empresas não “dá conta” da realidade. 78 Fischer (1998), perante os resultados de pesquisa envolvendo profissionais de Recursos Humanos em empresas nacionais, novamente ressalta o fato de as organizações brasileiras estarem passando por mudanças significativas em suas práticas de gestão de pessoas, destacando-se tendências nos processos de captação, desenvolvimento e remuneração: • captação: na busca das competências necessárias às estratégias de negócio, as empresas procuram captar pessoas com nível educacional elevado; além disso, programas de trainees são considerados fundamentais para atrair novos talentos, não só porque acenam com a possibilidade de renovação dos quadros, mas também porque os participantes apresentam uma forte inclinação a questionar os procedimentos adotados por gestores mais antigos; • desenvolvimento: enfatiza-se o desenvolvimento das competências essenciais por meio de práticas diversas, observa-se, também, a demanda por pessoas preocupadas com o autodesenvolvimento; • remuneração: observa-se a adoção de novas formas de remuneração tais como a participação nos resultados, a remuneração variável e a remuneração por competências, assim como a associação da remuneração com os instrumentos de avaliação de desempenho e a conseqüente revitalização desses instrumentos. Fleury (2001), a partir de diagnósticos e trabalhos de consultoria, observa mudanças significativas nas práticas de gestão de pessoas, sobretudo, por causa da disseminação de novos conceitos, como o de competência. Nos processos de recrutamento e seleção, aquela autora destaca a adoção de novas técnicas visando identificar pessoas com elevado potencial de desenvolvimento e flexibilidade para enfrentar os incidentes críticos e às novas demandas das empresas. Já nos processos de treinamento e desenvolvimento, diferentes contornos vêm sendo assumidos, emergindo novos conceitos como o de universidade corporativa, cujo foco é um esforço de desenvolvimento das pessoas Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira fortemente alinhado às estratégias de negócio e às competências essenciais da organização. Também em termos do sistema de remuneração, novos modelos começam a ser desenvolvidos, como a remuneração por competências, estabelecendo-se níveis de competência e compensação condizentes com cada um deles. Além desses aspectos, Fleury (2001) indica outras tendências: • estruturas organizacionais mais enxutas, que propiciam maior integração e comunicação, com a adoção de formas diversas – matricial, célula ou processo – com múltiplas linhas de comando e maior ênfase na comunicação; • valorização da função comercial e de manufatura, com o desenvolvimento de competências específicas para atender às novas demandas do mercado, assumindo a função P&D um papel estratégico em termos da inovação de produtos e processos; • papel mais relevante da função RH na definição das estratégias do negócio e no estabelecimento de políticas e práticas mais modernas, adequadas ao processo de atrair, reter e desenvolver os melhores talentos; • deslocamento da unidade de gestão do cargo para o indivíduo; • elevação do nível educacional dos empregados e reconhecimento com relação às pessoas mais comprometidas, cujas competências agregam maior valor ao negócio. Muito embora relatem tendências de mudanças radicais na estrutura e no sistema de gestão de empresas, notadamente nas mais avançadas, Fleury (2001), assim como Fischer (1998, 2001) e Dutra (2001) revelam-se cautelosos quanto à possibilidade de generalização dessas transformações para o conjunto das organizações brasileiras, as quais, em sua grande maioria, ainda se defrontam com modelos bem tradicionais de gestão. Nesse sentido, torna-se importante mencionar os resultados de uma pesquisa realizada por Kilimnik (2000), por meio dos quais constatouse que em 79% das organizações mineiras – alvo de seu estudo –, prevaleciam modelos de gestão de recursos humanos tradicionais, em aproximadamente 12%, modelos que poderiam ser descritos como intermediários e, em apenas 9%, modelos mais modernos. Uma análise mais detalhada dos dados, levou-a a observar, no entanto, que parte significativa das empresas que adotam modelos mais tradicionais já começa a se aproximar de uma configuração intermediária, que incorpora alguns traços de modernidade. A questão, no entanto, salienta aquela pesquisadora, é se esses resultados espelham uma fase de transição que culminaria com uma configuração, de fato, mais moderna, ou se esse deslocamento representa apenas uma solução intermediária que visa preservar vantagens dos modelos tradicionais minimizando, porém, ameaças quanto a mudanças mais radicais. Em estudo mais recente, Sant’anna (2002), ao investigar as relações entre competências individuais requeridas, modernidade das políticas e práticas de gestão de pessoas e satisfação no trabalho, em uma amostra de 654 profissionais mineiros da área de administração, corrobora os achados de Kilimnik (2000) quanto à prevalência de modelos de gestão de pessoas autoritários, centralizadores e conservadores, não favorecedores da efetiva aplicação e desenvolvimento das competências requeridas. Eboli (1996) acredita que, um verdadeiro salto na direção de uma nova forma de gestão de recursos humanos, exigirá mudanças significativas no comportamento das organizações. Estruturas verticais e centralizadas deverão ceder espaço a estruturas horizontais e amplamente descentralizadas. A rígida divisão entre trabalho mental e manual deverá ser eliminada, tarefas fragmentadas e padronizadas deverão tornar-se integrais e complexas, exigindo, em todos os níveis da organização, pessoas com capacidade de pensar e executar múltiplas tarefas. Além disso, destaca ser essencial um alinhamento entre competências empresariais e humanas, o que pressupõe mudanças profundas não só na estrutura, nos sistemas (em especial, nos sistemas de comunicação e de tomada de 79 Relatório de Pesquisa – RP0502 decisões), nas políticas e práticas de gestão de RH, mas, principalmente, na mentalidade, nos valores e na cultura organizacionais. Nessa direção, salienta Albuquerque (1999), as demandas de um ambiente em constante mutação, as necessidades renovadas dos clientes, a rápida evolução tecnológica e as profundas transformações sociais em curso têm pressionado as organizações quanto ao imperativo de uma nova concepção de gestão, que favoreça a flexibilidade, a inovação, a criatividade, a produtividade e a qualidade dos produtos e serviços, vis-à-vis à maior humanização da empresa e ao aumento da qualidade de vida no trabalho. Segundo aquele autor, algumas tendências quanto a essa nova concepção podem ser encontradas em experiências como a sueca, com grupos semi-autônomos de trabalho na indústria automobilística, a experiência da chamada Terceira Itália ou Emilia-Romagna, de parcerias entre pequenas e médias empresas, em distritos industriais, e, no caso do Japão, de produção em massa, com especialização flexível e novas formas de organização do trabalho e gestão dos recursos humanos. Para aquele 80 pesquisador, em todos esses casos, é possível salientar como características comuns: a ênfase no trabalho em grupos, a busca de flexibilidade, o enriquecimento do trabalho, a polivalência, o aumento das qualificações profissionais e da participação dos trabalhadores no processo de inovação tecnológica e em outras decisões associadas à produção e ao trabalho em equipes. Apesar de diferenças estruturais, socioeconômicas e culturais existentes, aquele autor indica também, como pontos comuns às três experiências, a valorização do talento na empresa; a prevalência de carreiras flexíveis, pouco especializadas e não atreladas a uma estrutura rígida de cargos; o recrutamento intensivo e contínuo, incluindo as rotações de funções internamente; o recrutamento de pessoal com ênfase no potencial para desenvolvimento; o trabalho em equipes e a política de remuneração com pequenas diferenciações salariais e não atrelada à estrutura de cargos. O quadro 8 apresenta uma síntese comparativa entre as características do que Albuquerque (1999) define como a antiga e a nova concepção organizacional. Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira QUADRO 8 Concepções organizacionais comparadas MODELO CARACTERÍSTICAS DISTINTIVAS Estrutura organizacional Arcabouço estrutural Produção Organização do trabalho Realização do trabalho ANTIGA NOVA CONCEPÇÃO CONCEPÇÃO Altamente hierarquizado, Menor número de níveis separação entre quem pensa e hierárquicos, junção do fazer e do quem faz pensar Em massa, linha de montagem Produção flexível, diferentes formas Trabalho muito especializado, gerando monotonia e frustrações Trabalho enriquecido, gerando desafios Individual Em grupo Ênfase em controles explícitos do trabalho Ênfase no controle implícito, pelo grupo Baixo, trabalho automatizado e especializado Alto, trabalho enriquecido e intensivo em tecnologia Sistema de controle Relações de trabalho Nível de educação e formação requerido Relações empregador– empregado Relações com sindicatos Políticas de Recursos Humanos Participação dos empregados nas decisões Política de emprego Política de contratação Independência Interdependência, confiança mútua Confronto, baseado na divergência de interesses Baixa, decisões tomadas de cima para baixo Foco no cargo, emprego a curto prazo Contrata para um cargo ou um conjunto especializado de cargos Política de treinamento Visa ao aumento do desempenho na função atual Política de carreiras Carreiras rígidas e especializadas, de pequeno horizonte e amarradas na estrutura de cargos Política salarial Diálogo, busca de convergências de interesses Alta, decisões tomadas em grupo, de baixo para cima Foco no “encarreiramento” flexível Contrata para a empresa e não mais para um cargo específico. Visa preparar o empregado para as funções futuras. Carreiras flexíveis, de longo alcance, com permeabilidade entre diferentes carreiras Focada na posição, na carreira e no desempenho, com baixa diferenciação entre n íveis. Focada na estrutura de cargos, com alto grau de diferenciação Foco nos incentivos grupais, salarial entre eles vinculados a resultados empresariais. Uso de incentivos individuais Uso de incentivos grupais Política de incentivos Fonte: Adaptado de ALBUQUERQUE, 1999, p. 225. 81 Relatório de Pesquisa – RP0502 De maneira análoga aos autores anteriormente mencionados, Albuquerque (1999) evidencia que a passagem do tradicional – antiga concepção – para o moderno – nova concepção – exigirá que se forme uma nova cultura empresarial calcada na competência e no resultado, o que pressupõe mudanças profundas não só na estrutura, nos sistemas, nas políticas e nas práticas, mas também, e principalmente, na mentalidade organizacional e individual, com destaque para aspectos como: • valorização dos talentos humanos na empresa: trata-se de gerir o trabalho e as pessoas e não simplesmente recursos ou números; • atração e manutenção de pessoas com alto potencial e qualificação para o trabalho; • criação de condições favoráveis à motivação individual e à mobilização dos grupos em torno das metas organizacionais; • possibilidade de crescimento funcional e desenvolvimento profissional na própria empresa; • oferecimento de incentivos vinculados a resultados da atividade empresarial, de preferência com base grupal e coletiva; atual, mas orientadas a qualificá-lo para o desempenho de funções futuras, deverão apoiar o acesso funcional na carreira e o desenvolvimento profissional contínuo. Em termos de conteúdo, deverão levar em conta as profissões emergentes, as necessidades decorrentes das inovações e mudanças nos diversos grupos ocupacionais. Já em termos metodológicos, deverão enfatizar o treinamento no trabalho, com métodos de rodízio de funções, complementado por treinamento externo; • políticas de carreira: na organização moderna, serão flexíveis, de longo alcance, com permeabilidade entre diferentes carreiras, não serão amarradas à estrutura de cargos. Já as promoções deverão ser baseadas em background individual e no desempenho; • políticas de remuneração: deverão ser competitivas no mercado de trabalho, porém evitando diferenciações salariais excessivas para preservar a flexibilidade. A base da eqüidade deverá ser a posição na carreira e não a estrutura de cargos. Deverão prover flexibilidade para remuneração do trabalho inteligente e o desempenho excepcional; • adaptação de políticas integradas de recursos humanos à realidade da empresa e ao contexto externo econômico-social e político em que atua. • políticas de incentivos: serão direcionadas preferencialmente à base grupal, e não à individual. Incentivos serão vinculados à consecução de resultados no trabalho e aos resultados empresariais; Aquele autor ainda alega que novos contornos gerais revelam-se necessários para a eficácia das políticas de recursos humanos nessa nova concepção, destacando-se: • políticas de relações sindicais: serão pautadas no respeito e confiança mútuos, interdependência e busca da convergência de interesses. • políticas de contratação: deverão enfatizar o potencial para desenvolvimento de candidatos em nível inicial de carreira, tanto no recrutamento, quanto na seleção, a aproximação com escolas técnicas e universidades para recrutamento de pessoal com alto potencial e o recrutamento interno para cargos mais avançados, com vistas a estimular o desenvolvimento em longo prazo; Em síntese, foram apresentadas acima algumas tendências da nova gestão de pessoas, tais como: captar pessoas com as competências necessárias às estratégias de negócio (FISCHER, 1998); criar processo para o desenvolvimento de pessoas fortemente alinhado às estratégias de negócio e às competências essenciais da organização, por exemplo, por meio do conceito de universidade corporativa (FLEURY, 1999); criar condições favoráveis à motivação individual e à mobilização dos grupos em torno das metas organizacionais (ALBUQUERQUE, 1999), ou, • políticas de treinamento: não serão limitadas a preparar o empregado visando ao aumento de desempenho na sua função 82 Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira de forma mais abrangente, tornar o papel da função RH mais relevante na definição das estratégias do negócio e no estabelecimento de políticas e práticas mais modernas, adequadas ao processo de atrair, reter e desenvolver os melhores talentos (FLEURY, 1999). Essas tendências evidenciam, mesmo que de forma indireta, a emergente demanda de um maior foco estratégico na gestão de pessoas. 4.1.2. Gestão de pessoas: da dimensão técnica à estratégica Becker, Huselid e Ulrich (2001) dividem a função da gestão de recursos humanos em duas dimensões: a técnica e a estratégica. A dimensão técnica é composta pelas funções básicas de RH, como recrutamento, seleção, remuneração, etc. A dimensão estratégica envolve o respaldo à implementação da estratégia da empresa por meio da prestação desses serviços. Low, J. e Siesfield, T. realizaram uma pesquisa31 na qual foram levantadas as principais variáveis não-financeiras consideradas por analistas financeiros na análise de uma empresa. Os resultados dessa pesquisa indicaram que dos dez principais fatores, sete estavam, direta ou indiretamente, ligados à gestão de recursos humanos. Além disso, a variável considerada mais importante foi a capacidade da empresa de executar a sua estratégia. Uma análise simples dos resultados daquela pesquisa, juntamente com as definições da gestão de RH de Becker, Huselid e Ulrich (2001), principalmente a de dimensão estratégica, apontam para a importância da gestão de recursos humanos para os resultados das empresas, pois esta terá papel fundamental na implementação da estratégia organizacional. A PriceWaterhouseCoopers (2003), baseada nos resultados de sua pesquisa sobre as estratégias de pessoas de organizações líderes mundiais, afirma que o gerenciamento efetivo dos recursos humanos agrega valor às organizações. Esses resultados ainda demonstram que a estratégia de RH, quando 31 documentada, proporciona um gerenciamento de RH diferente e que possibilita resultados superiores para a empresa. Aquela pesquisa ainda mostra que, em relação à pesquisa de 2000, houve uma redução do tempo gasto pelos profissionais de RH em atividades administrativas, como conseqüência do maior uso de terceirizações, serviços compartilhados e tecnologias selfservice. Simultaneamente ao decréscimo do tempo gasto em atividades administrativas, percebe-se um aumento do tempo gasto em atividades que agregam valor à organização, incluindo atividades estratégicas de recursos humanos. Esses resultados podem ser evidências de uma crescente preocupação da área de RH com sua colaboração para o resultado das empresas. Com uma maior preocupação com a gestão estratégica, os profissionais de RH, segundo Ulrich (2000), começam a mudar o seu foco clássico, baseado em processos e tarefas, para o foco em resultados. Porém, a mensuração dos verdadeiros resultados de RH, aqueles que agregam valor à empresa, não é simples. Aquele autor afirma que a abordagem clássica (orientada a processos e tarefas) implica resultados de RH referentes às “atividades” de RH, ou seja, àquilo que a organização e as pessoas fazem. A título de exemplo de resultados dessa perspectiva, cita as horas de treinamento por pessoa, a quantidade de empregados contratados, etc. Segundo ele: “Essa abordagem é sedutora, uma vez que é fácil observar e contar as atividades. Entretanto, como avaliação da eficácia de RH, ela é incompleta: saber o que as pessoas de RH fazem não é suficiente” (Ulrich, 2000, p. 9). Para demonstrar que a gestão de RH pode gerar resultados tangíveis para as organizações, aquele autor apresenta resultados de pesquisas que vinculam o impacto da gestão de RH ao desempenho financeiro das empresas. Os fatores apresentados pela pesquisa, em ordem decrescente de classificação, são: execução da estratégia corporativa, credibilidade da gerência, qualidade da estratégia corporativa, inovação, capacidade de atrair e reter pessoal talentoso, participação no mercado, habilidade gerencial, alinhamento da remuneração com os interesses dos acionistas, liderança em pesquisa e qualidade dos processos internos. Low, J. e Siesfield, T. (apud Becker, Huselid e Ulrich, 2001). 83 Relatório de Pesquisa – RP0502 Por exemplo, um estudo realizado pela Society of Human Resource Management e pela CCH Incorporated relacionou a qualidade de RH a quatro medidas financeiras: valor de mercado/valor contábil, produtividade, valor de mercado e vendas. O resultado daquela pesquisa demonstrou que melhorias nas práticas de RH, quando bem alinhadas à estratégia empresarial, melhoraram drasticamente todas as quatro medidas financeiras, aumentando as chances de sucesso. Com relação ao processo de alinhamento da gestão de RH com a gestão estratégica da empresa, Becker, Huselid e Ulrich (2001, p. 35) afirmam: “Em nossa opinião, tal processo de alinhamento deve começar com a compreensão clara da cadeia de valor da empresa – o conhecimento fundamentado, em toda a empresa, sobre o tipo de valor gerado pela empresa e exatamente como se cria esse valor. Por exemplo, toda empresa deve ser capaz de descrever como suas metas financeiras se relacionam com os fatores críticos de sucesso no nível de clientes, operações, pessoas e sistemas de TI.” Como fruto do modelo do Balanced Scorecard, desenvolvido pelos autores Robert S. Kaplan e David P. Norton, aqueles mesmos autores desenvolveram o conceito de mapa estratégico (KAPLAN; NORTON, 2000). Esse mapa é uma diagramação da hipótese estratégica da empresa e provê uma descrição coesa e de fácil compreensão de uma cadeia composta por relações de causa e efeito que descreve o processo de transformação de ativos intangíveis em resultados tangíveis para os clientes e, por conseguinte, em resultados financeiros. Evidencia, assim, o processo de criação de valor da empresa, entendido por Porter (1985) como o conjunto de fatores que, em um processo complexo e cumulativo, agregam valor ao produto. Becker, Huselid e Ulrich (2001) esclarecem que, uma vez mapeada a cadeia de valor da empresa, é possível determinar quais são as conexões entre o RH e os fatores críticos para o seu sucesso. Assim, ao medir os efeitos de RH sobre esses vetores, torna-se possível 32 quantificar o impacto estratégico de sua gestão no desempenho empresa. Aqueles autores classificam os indicadores de RH em quatro níveis, conforme o grau de sofisticação do scorecard de RH. No primeiro nível, estão os indicadores operacionais orientados para RH. Essa é a fase clássica descrita por Ulrich (2000). Por ser a mais simples, é também a mais usada. No segundo nível, existe um rastreamento dos intangíveis sem gerenciamento dos tangíveis. Dessa forma, compreende indicadores que buscam o cunho estratégico, mas pouco contribuem para validar o papel de RH como ativo estratégico. Nessa fase, existem indicadores financeiros e não financeiros, mas não existe lógica estratégica interligando-os. No terceiro nível, os indicadores já dão suporte para uma gestão induzida por mensuração e contribuem para o monitoramento da contribuição de RH para o desempenho da empresa. Na terceira fase, os indicadores, financeiros e não financeiros (incluindo os de RH), fazem parte do sistema de mensuração de desempenho da empresa e estão inseridos em um mapa estratégico. Na quarta fase, a última e mais completa, o sistema de mensuração de RH permite a mensuração das relações de lucro. Assim, pode-se estimar o impacto das políticas de RH sobre o desempenho da empresa. Delineado tal panorama, dois pontos emergem. Em primeiro lugar, torna-se fundamental o estabelecimento de estratégias que permitam uma maior adequação das áreas de gestão de pessoas às demandas desse novo e complexo ambiente de negócios. Em segundo, evidenciase a necessidade de novos sistemas de controle de RH, que incorporem novas sistemáticas de mensuração, assim como medidas e indicadores mais aderentes às demandas do novo contexto, constituindo essa questão a problemática central desta pesquisa. 4.2. Modelo estratégico de gestão de pessoas: evidências empíricas de descritores de melhores práticas Com o objetivo de propiciar às organizações e aos profissionais de gestão de pessoas um conjunto de informações que possibilitassem PRICEWATERHOUSECOOPERS. Global Human Capital Survey Report 2002/2003. What are the people strategies of the world’s leading organizations? PriceWaterhouseCoopers, 2003. 84 Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira melhor análise e compreensão das demandas que se fazem presentes nessa área, a PriceWaterhouseCoopers (2003) elaborou o “1o Estudo de Melhores Práticas e Tendências na Gestão de Pessoas”32. A amostra dessa pesquisa foi composta de 32 empresas da Argentina, 78 do Brasil, 35 do Chile e 28 da Colômbia, com receita bruta média de US$ 554 milhões por empresa. A metodologia do estudo foi estruturada por meio de questionários dirigidos aos CEOs, questionário dirigido aos diretores de Recursos Humanos, indicadores de RH e informações cadastrais. A amostra de organizações e a metodologia de análise proporcionaram a elaboração de um retrato das práticas e principais tendências da gestão de pessoas. Por meio dos resultados obtidos, com relação a práticas e a tendências, pode-se dizer que os líderes das organizações se deparam com desafios de gestão de pessoas que podem ser agrupados em quatro principais macrodirecionadores: Alinhamento Estratégico, Construção de Competência Organizacional, Efetividade Operacional e Gestão do Conhecimento. O Alinhamento Estratégico é definido no estudo como a percepção e a capacidade organizacional de RH em posicionar-se como parceiro estratégico, por meio da participação ativa na construção da estratégia corporativa e da atuação em consonância com o negócio, o mercado, os clientes internos e externos. Segundo o estudo, os principais indicadores de que a área de Gestão de Pessoas está atuando como parceiro estratégico são os de que o RH está tendo um papel de consultor interno, que os líderes estão assumindo seu papel de gestor de pessoas; que está havendo aprimoramento da qualificação dos profissionais de RH, que está ocorrendo terceirização das atividades transacionais e que está se investindo intensivamente em tecnologia de informação. Já a Competência Organizacional deve ser construída, de acordo com aquele estudo, com 33 base na sintonia com o mercado, no mapeamento de antigos, novos e potenciais competidores, no reconhecimento dos anseios e perspectivas dos profissionais. As competências mais importantes apontadas pelas organizações pesquisadas foram liderança, adaptabilidade às mudanças, gestão de pessoas e trabalho em equipe. Pode-se citar como os indicadores de que a Competência Organizacional está sendo construída: a imagem da organização, as ações de desenvolvimento promovidas pela empresa, a remuneração e as práticas ligadas a desenvolvimento e treinamento (coaching e/ ou uso de mentores, sistema de compartilhamento do conhecimento, sistema de auto-instrução e universidade corporativa). O macrodirecionador Efetividade Operacional é considerado reflexo da flexibilidade, precisão e agilidade na realização das ações de Gestão de Pessoas. Alguns indicadores, citados pelo estudo, de que o gerenciamento de pessoas da organização é flexível, preciso e ágil são: a presença de políticas de remuneração variável, as modalidades de trabalho ancoradas em parcerias, horário flexível, trabalho remoto, jornada parcial do trabalho, parceria com tecnologia de informação e e-HR (electronic – Human Resources). O último macrodirecionador apontado pelo “1o Estudo de Melhores Práticas e Tendências na Gestão de Pessoas”, Gestão do Conhecimento, é um tema considerado muito importante pelas empresas para formação de sua base competitiva. Os indicadores apontados na pesquisa de que a Gestão do Conhecimento é praticada na empresa são os investimentos em educação e treinamento e a construção de sistemas de criação, coleta, compartilhamento, alavancagem e aplicação do conhecimento. O Saratoga Institute 3 3 é também uma importante fonte de descritores e indicadores de desempenho de RH. O instituto é um centro de estudos e pesquisas de performance e desenvolvimento na gestão integrada do SARATOGA INSTITUTE. Disponível em www.saratogainstitute.com em 12/11/03. 85 Relatório de Pesquisa – RP0502 capital humano, que direciona suas pesquisas e metodologias na transformação do RH em centros de criação de valor alinhados estrategicamente à visão organizacional. Anualmente, o Saratoga Institute Brasil3 4 realiza, em âmbito nacional, a “Pesquisa Brasileira – Benchmarking em Gestão do Capital Humano”. Essa pesquisa tem como objetivo mapear os resultados e tendências da área de Recursos Humanos nas empresas brasileiras. Os indicadores utilizados na “Pesquisa Brasileira – Benchmarking em Gestão do Capital Humano” pelo Saratoga Institute Brasil são agrupados em grandes áreas de RH. São elas: estrutura de RH, remuneração, benefícios, absenteísmo e rotatividade, recrutamento e seleção, educação e aprendizagem (treinamento e desenvolvimento), saúde ocupacional, relações trabalhistas e perfil dos recursos humanos. Além dessas áreas, o instituto ainda avalia a eficácia organizacional, buscando vincular o desempenho da gestão de RH ao desempenho da empresa. A seguir, apresenta-se uma síntese, baseada em Pomi (2002), dos principais objetivos e indicadores utilizados pelo Saratoga Institute Brasil para avaliar cada uma destas áreas de RH. • Estrutura de RH: Essa área possui indicadores diretamente relacionados à área de RH tais como suas despesas, estrutura, serviços, remuneração, níveis e categorias de seus profissionais, quantidade de usuários atendidos, etc. Busca também diagnosticar se a área de RH está estruturada apenas para funções operacionais ou se está estruturada para contribuir à estratégia da empresa. Para isso, analisa se a equipe de RH é formada por pessoas de alta competência, se recebe os investimentos necessários, se está atualizada e se atua como líder e orientadora de processos de mudança, impulsionadores dos valores humanos e dos negócios. • Remuneração: Nessa área, busca-se avaliar as estratégias e os sistemas de recompensa. 34 Os indicadores utilizados são: custo total de pessoal (salário, benefício e encargos sociais), remuneração em relação às receitas e às despesas operacionais, remuneração variável comparada à remuneração total, participação nos resultados em relação ao custo total de pessoal ou à lucratividade e benefícios em relação à remuneração. • Benefícios: Nesse campo visa-se analisar os benefícios, de forma a complementar o sistema de recompensas e possibilitar sua análise global. São usados os seguintes indicadores: custo de benefício em relação às receitas e às despesas, custo de saúde em relação ao custo de benefícios, custo de benefícios per capita, custo de saúde per capita de todas as categorias de profissionais, custo de previdência privada, etc. • Absenteísmo e rotatividade: Apesar de muito tradicionais, dá-se uma grande ênfase a esses indicadores, pois eles podem evidenciar outros problemas referentes a RH. Os indicadores usados nessa fase são: rotatividade de pessoal (relação entre admissões e desligamentos voluntários e involuntários), absenteísmo, desligamentos voluntários, desligamentos involuntários e custo de desligamentos. • Recrutamento e Seleção: Como forma de avaliar os sistemas de recrutamento e seleção, o Saratoga Institute Brasil utiliza os seguintes indicadores: admissão, aproveitamento interno, tempo para preenchimento de vagas, custo das admissões, número, aproveitamento e custo dos estagiários; e número de trainees. • Educação e aprendizagem (treinamento e desenvolvimento): Para avaliar as dimensões educação e aprendizado, o Saratoga Institute utiliza dois métodos: um quantitativo e um qualitativo. Entre os indicadores quantitativos estão: investimento em T&D em relação ao faturamento e às despesas, investimento em treinamento técnico e operacional per capita, investimento em T&D comparado à remuneração, valor do investimento em SARATOGA INSTITUTE BRASIL. Disponível em www.saratogainstitute.com.br em 12/11/03. 86 Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira T&D, tempo de T&D e tempo de treinamento técnico e operacional. Já o sistema de análise qualitativo é chamado de Learning Value System e busca analisar o ciclo de valor agregado por educação e aprendizado por meio da análise da situação da intervenção, do impacto, do valor monetário e do retorno financeiro do investimento aplicado. • Saúde ocupacional: Essa área relaciona os indicadores de saúde ocupacional e segurança do trabalho, com ênfase aos relacionados a acidentes do trabalho e doenças ocupacionais. São indicadores dessa área: custo total de acidentes do trabalho, doenças ocupacionais em relação às despesas; custo com prevenção, ocorrência e reabilitação de acidentes do trabalho; custo com acidentes do trabalho e doenças ocupacionais per capita; e taxa de gravidade de acidentes e doenças ocupacionais. • Relações trabalhistas: São avaliadas as relações trabalhistas e sindicais da força de trabalho própria e dos profissionais terceirizados. Os indicadores dessa área são: processos trabalhistas, processos de solidariedade, custo de processos trabalhistas em relação às despesas e paralisações por greve. • Perfil dos recursos humanos: Essa área traça o perfil do capital humano das empresas, proporcionando a análise por categorias, tais como: gerência, técnicoespecializada, administrativa e operacional. Os indicadores dessa área são: idade da força de trabalho, permanência média na empresa, concentração de pessoal por categorias profissionais, concentração feminina, força de trabalho feminina, “impatriados”, “expatriados” e diversidade e formação escolar da força de trabalho. O “Guia Exame – As 100 Melhores Empresas para Trabalhar”35 pode ser considerado uma outra fonte da qual podem ser retirados indicadores que apontam as melhores práticas e tendências em gestão de pessoas nas empresas brasileiras. A pesquisa desta publicação analisa 35 oito principais aspectos dentro da organização para elaborar seu ranking : remuneração, benefícios, orgulho do trabalho e da empresa, comunicação interna, camaradagem no ambiente de trabalho, treinamento e oportunidade de carreira, responsabilidade social e segurança e confiança na gestão. A avaliação desses oito pontos mais importantes, que aqui se pode chamar de “direcionadores”, é feita por meio da análise de alguns indicadores. Para o tópico Remuneração, os principais indicadores utilizados são a existência de programas de stock options, de prêmios em dinheiro, participação nos resultados, bônus por metas alcançadas, etc. Já para se avaliarem benefícios, por exemplo, os indicadores usados são o oferecimento de plano de saúde, de previdência privada, plano odontológico, seguro de vida, reembolso de medicamentos, bolsas de estudo, etc. No que diz respeito ao orgulho do trabalho e da empresa, o “Guia Exame” analisa, principalmente, os indicadores participação, trabalho voluntário e envolvimento em trabalhos sociais. Por sua vez, os indicadores que sinalizam como está a comunicação interna das organizações são: transparência na comunicação, visão compartilhada, participação nos processos de tomada de decisões e utilização efetiva dos meios de comunicação disponíveis. O “Guia Exame” estabeleceu também como aspectos que indicam a situação da camaradagem no ambiente de trabalho, o senso de equipe e o estímulo ao crescimento fora do ambiente de trabalho (Happy Hours , churrascos, festas em datas especiais, etc). A questão do treinamento e oportunidade de carreira é retratada por meio de indicadores como existência de política de concessão de bolsas de estudo, desenvolvimento de talentos e existência de políticas de recrutamento interno. O principal indicador utilizado para a avaliação da segurança e confiança na gestão é a opinião dos empregados no que diz respeito à justiça Guia EXAME. As 100 Melhores empresas para trabalhar. São Paulo: EXAME, 2002. 87 Relatório de Pesquisa – RP0502 e honestidade organizacionais. Já as práticas de Responsabilidade Social são sinalizadas por indicadores, tais como: participação em ações sociais e incentivo ao envolvimento da equipe em projetos sociais. Para que o tema Responsabilidade Social seja trabalhado numa perspectiva sistêmica e abrangente nas organizações, é preciso que seja incorporado nos processos de gestão e, portanto, tratado como parte das estratégias de negócio e do sistema de planejamento. Além disso, a utilização de instrumentos adequados de acompanhamento e monitoramento das práticas de Responsabilidade Social é de grande importância. Nesse sentido, o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social 3 6 lançou os “Indicadores Ethos de Responsabilidade Social Empresarial”, uma ferramenta para auxiliar a gestão das atividades de responsabilidade social nas empresas. Alguns tópicos abordados pelo Instituto Ethos para elaborar os “Indicadores Ethos de Responsabilidade Social Empresarial” relacionam-se intimamente com a área de Gestão de Pessoas. Entre eles, pode-se citar: valores e transparência, relacionamento com fornecedores, comunidade, público interno e consumidores/clientes. Para o Instituto Ethos, alguns dos indicadores que sinalizam os valores e transparência da organização são: crenças e valores incorporados nos processos de trabalho, crenças e valores enraizados na cultura organizacional e o balanço social. O relacionamento com fornecedores pode ser sinalizado pela relação com trabalhadores terceirizados, assim como pelo apoio ao desenvolvimento de fornecedores. Para o Instituto Ethos, os indicadores que apontam uma boa relação com a comunidade podem ser a existência de estratégias de atuação na área social, a mobilização dos recursos para o investimento social e o reconhecimento e apoio ao trabalho voluntário dos empregados. Para que o relacionamento com o público interno seja retratado, o Instituto Ethos aponta a utilização de indicadores como relacionamento com sindicatos, prática da gestão participativa, participação nos resultados e bonificação, valorização da diversidade, política de recrutamento ético, comportamento perante a demissão, compromisso com o desenvolvimento profissional e a empregabilidade, cuidado com saúde, segurança e condições de trabalho e plano de previdência privada (preparação para aposentadoria). Já para retratar o relacionamento com consumidores e clientes, o Instituto Ethos cita, como principal indicador, a excelência no atendimento. Para avaliar o critério Gestão de Pessoas dentro das organizações, um dos oito critérios do “Modelo de Excelência do PNQO ” 3 7 d a Fundação para o Prêmio Nacional de Qualidade – FPNQ examina como são proporcionadas condições para o desenvolvimento e utilização plena do potencial das pessoas que compõem a força de trabalho, em consonância com as estratégias organizacionais. São analisados os esforços para criar e manter um ambiente de trabalho e um clima organizacional que conduzam à excelência do desempenho, à plena participação e ao crescimento pessoal e da organização. Dessa forma, a FPNQ estabelece três macrodirecionadores: Sistemas de Trabalho, Capacitação e Desenvolvimento e Qualidade de Vida. No caso de Sistemas de Trabalho, o que se deseja saber é como a força de trabalho é estimulada a contribuir para o alcance de metas de desempenho estipuladas e consolidar a cultura da excelência na organização. Para isso, são utilizados indicadores como organização do trabalho e estrutura de cargos, dentro dos quais são analisados a flexibilidade, a agilidade nas respostas, as oportunidades de aprendizado, de iniciativa, de criatividade, de inovação e o grau de autonomia das pessoas. Outros indicadores são os métodos de seleção e contratação de pessoas, levando-se em conta INSTITUTO ETHOS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL. Indicadores Ethos de Responsabilidade Social Empresarial: versão 2001. São Paulo: Ethos, 2001. 37 FUNDAÇÃO PARA O PRÊMIO. Critérios de Excelência 2003. Brasília: FPNQ, 2003. 36 88 Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira Para avaliar a capacitação e desenvolvimento, os principais indicadores utilizados são participação da liderança e das próprias pessoas a serem capacitadas, formas de projeção da capacitação e desenvolvimento, formas de integração de novos funcionários, métodos de aplicação e avaliação de habilidades e conhecimentos recém-adquiridos, métodos de orientação ou aconselhamento, empregabilidade e desenvolvimento de carreira adotados na organização. A qualidade de vida é analisada pela FPNQ com base no bem-estar, satisfação e motivação das pessoas que compõem a força de trabalho. Para que a avaliação da qualidade de vida nas organizações seja feita, são utilizados indicadores como métodos de eliminação ou minimização de riscos e perigos relacionados à saúde, segurança e ergonomia, além de serviços, benefícios, programas e políticas colocados à disposição dos funcionários, levantamento das necessidades das pessoas e a consideração com os familiares dos funcionários nas ações de melhoria da qualidade de vida. A fim de compreender quais são os indicadores mais utilizados na gestão de recursos humanos, a PriceWaterhouseCoopers (2003) apresenta resultados sobre as principais informações contidas em relatórios de gerenciamento de RH das empresas de todo o mundo. Analisando tais resultados, pode-se perceber que a maioria dos respondentes possui foco em medidas tradicionais como headcount , rotatividade de empregados e treinamento. O resultado pode ser visualizado no gráfico 1. A pesquisa ainda demonstra que o baixo índice de absenteísmo tem uma forte relação com a Headcount 97 Turnover 85 Training 78 Absenteeism 61 Costs of human Capital 55 Employee Satisfaction 43 Costs of the HR Function 39 Retention 38 Fair Pay 33 Other 28 Diversity 26 Productivity % desempenho, igualdade e justiça perante os funcionários, além das práticas de avaliação de desempenho, práticas de remuneração, reconhecimento e incentivos e controle e aprendizado das práticas de gestão. 24 0 20 40 60 80 100 GRÁFICO 1 – Categorias abrangidas por relatórios de gerentes de RH Fonte: PriceWaterhouseCoopers, 2003, p.45. margem de lucro da empresa. Essa parece ser uma das mais diretas relações entre os resultados de RH e os resultados da empresa. Apesar das evidências do relacionamento entre os resultados da empresa e taxa de absenteísmo, percebe-se, analisando-se os resultados contidos no gráfico 1, que o absenteísmo encontra-se em sexto lugar entre os indicadores mais utilizados pelos gestores de RH pesquisados, sendo utilizado por 61% das empresas pesquisadas. 4.3. Conclusões sobre o referencial teórico Há evidências de que as mudanças globais ocorridas nas últimas décadas trouxeram novas necessidades para as organizações e, conseqüentemente, afetaram, e ainda afetam, a gestão de recursos humanos, que passa a ser percebida por um novo foco, transformando-se em gestão estratégica (ou competitiva) de pessoas. As diversas tendências apresentadas no levantamento bibliográfico deste capítulo buscam evidenciar mudanças nas políticas, práticas e processos de gestão de pessoas que possibilitariam uma empresa funcionar de forma mais efetiva, na era da competitividade. 89 Relatório de Pesquisa – RP0502 Entre as principais mudanças, está a valorização dessa área como parceiro estratégico da empresa e a necessidade de sua maior integração com as demais áreas da organização, utilizando para isso um pensamento sistêmico. Destacou-se, na introdução deste capítulo, a importância da ampliação da visão dos gestores de pessoas para além das fronteiras organizacionais, alcançando assim a cadeia produtiva da empresa. Porém, percebeu-se, por meio do levantamento das tendências da gestão estratégica de pessoas e dos descritores de suas melhores práticas, que existem poucas ações sendo tomadas nesse sentido. A gestão de pessoas ainda possui um foco estritamente ligado ao ambiente interno da empresa. Esse foco interno, que exclui a cadeia produtiva, afeta também os descritores e indicadores disponíveis para a mensuração da gestão de pessoas. No levantamento das evidências empíricas de descritores de melhores práticas, notou-se a existência de uma grande gama de descritores e indicadores disponíveis para esse fim, porém não foi possível perceber nenhum esforço para a sua mensuração no âmbito da cadeia produtiva. No Capítulo 12, são apresentados os principais fatores “facilitadores” da competitividade, bem como descritores e indicadores da gestão de pessoas utilizados ou almejados pelas empresas líderes brasileiras, abrangendo também a cadeia produtiva. Este, poderá ser um primeiro passo para a criação de ferramentas eficazes que integrem a gestão de pessoas das empresas no âmbito da cadeia produtiva. 5. INOVAÇÃO 5.1. Introdução O economista Joseph Schumpeter é considerado precursor na definição de inovação e de seu papel na geração de riquezas em uma economia. Para Schumpeter (1911)38, 38 inovação é a aplicação comercial ou industrial de algo novo: • novo produto; • novo processo ou método de produção; • novo mercado; • nova fonte de suprimentos; • nova forma de organização de negócios, comercial ou financeira. Aquele autor acredita que a economia esteja normalmente em estado de equilíbrio em relação aos fluxos de capitais, mas a atividade empreendedora e a inovação alteram esse equilíbrio criando monopólios temporários e gerando riquezas. Nesses pontos de desequilíbrio, a introdução de inovações radicais planta sementes de destruição da ordem econômica vigente, promovendo o que ele qualificou de “destruição criativa”. Mais de meio século depois de Schumpeter ter formulado esse conceito – as primeiras edições contendo tal raciocínio apareceram ainda na metade do século 20 –, uma corrente expressiva de autores argumenta que a competitividade de uma empresa ou negócio, no século 21 está diretamente relacionada com sua capacidade de desenvolver continuamente novas soluções que atendam às necessidades presentes e futuras dos clientes. De maneira análoga à “destruição criativa” de Schumpeter, Kuhn (1970) descreve a natureza da evolução científica como uma intercalação entre momentos de “ciência normal” e de “crise”. Nos períodos de “ciência normal” o trabalho científico dá suporte aos paradigmas vigentes, ocorrendo contribuições incrementais ao conhecimento. Nesses períodos, as abordagens contrárias aos paradigmas vigentes são normalmente rejeitadas até que uma revolução ou crise provoca uma substituição desses paradigmas – uma “destruição criativa” no âmbito da ciência. Como será apresentado posteriormente, existe uma grande semelhança entre a evolução da SCHUMPETER, J. A. (1911) A Teoria do Desenvolvimento Econômico. São Paulo, Abril Cultural, Coleção Os Economistas, tradução de Maria Sílvia Possas, 1982. [Publicado originalmente em alemão em 1911.] 90 Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira ciência e a evolução da tecnologia por meio de inovações. As inovações também podem ser vistas como radicais ou incrementais, assim, uma inovação radical é aquela que “destrói” a ordem vigente, tornando obsoletos o conhecimento e a tecnologia preexistentes. Segundo Drucker (1987), a inovação é um meio pelo qual os empreendedores exploram as mudanças como uma oportunidade para oferecer um novo produto ou serviço. Para aquele autor, um dos pioneiros nas análises e reflexões sobre inovação e empreendedorismo, a inovação é como uma disciplina que pode ser ensinada e aprendida. Os empreendedores – aqueles que inovam – devem não apenas buscar novas fontes, mas também aprender e aplicar princípios e práticas de inovações bem-sucedidas. Ao examinar exemplos de diversas empresas européias e norte-americanas, Kim e Mauborgne (1999) observam que a inovação propiciou uma nova forma de romper barreiras impostas por vantagens competitivas, criando soluções diferenciadas a baixo custo. Esta conclusão contradiz o conceito de que diferenciação e baixo custo são posições estratégicas excludentes e dá suporte à proposição, defendida por aqueles autores, de que as empresas ao entender as necessidades comuns dos clientes, e não suas diferenças, podem propor soluções únicas que agreguem valor para eles. Corroborando esta proposição, Baumol (2002) afirma que o componente central do processo de funcionamento dos mercados é a capacidade de ofertar novas soluções aos clientes, e não à competição via preços. Ou seja, é a pressão para a criação de novos produtos o que torna o capitalismo bemsucedido. Mcarthur e Saches (2001), em sua análise sobre a competitividade mundial, sugerem que os países competitivos diferenciam-se dos menos competitivos pela capacidade de alcançar inovações tecnológicas em níveis compatíveis com as necessidades de mercado e que esse fator é muito mais decisivo do que diferenças históricas, geográficas e sociais. No atual ambiente de negócios, os novos paradigmas da competição popularizam o papel crucial da inovação. De forma análoga, as alianças têm sido a estratégia escolhida por um número crescente de organizações para se manter no jogo competitivo. Por meio de relacionamentos cooperativos, os parceiros podem ganhar competências e acesso a recursos como capital, conhecimento, tecnologias, ou processos, que lhes permitam obter maior poder de mercado para neutralizar ou bloquear o movimento dos concorrentes. 5.2. Ciência versus tecnologia, invenção versus inovação Para auxiliar a compreensão do tema, é importante identificar as sutis diferenças entre ciência e tecnologia, invenção e inovação. Segundo Allen (1974), desenvolver a ciência é um processo que utiliza conhecimento e informação para construir mais conhecimento e informação, que não necessariamente têm aplicação comercial. Não se quer dizer com isso que a atividade científica pura não tenha valor, absolutamente, mas apenas destacar que ela não tem o objetivo imediato de criar algo – produto, processo, etc. – para uso comercial. Já o desenvolvimento de tecnologia faz o mesmo, no entanto, com o objetivo claro e imediato de utilização comercial e cujo resultado final é um novo processo ou artefato. Pode-se observar uma desigualdade similar entre os conceitos de invenção e inovação. Enquanto uma invenção não necessariamente resulta em aplicação comercial, a inovação é caracterizada exatamente pelo aproveitamento de uma invenção para fins de um negócio. Es ses conceitos exprimem um aspecto fundamental da busca de inovação pelas empresas: o foco na aplicação comercial. A figura 4 apresenta uma síntese destas idéias. Input Output Input Output By -product FIGURA 4: Comparação: invenção x inovação, ciência x tecnologia 91 Relatório de Pesquisa – RP0502 É interessante, ainda, observar que uma inovação não leva necessariamente a um novo paradigma científico, apesar de eventualmente fomentar o aparecimento um de novo campo de conhecimento e dos paradigmas subjacentes. A título de exemplo, pode-se citar o advento da máquina a vapor que deu origem ao campo da termodinâmica. FIGURA 5 : Tipos de inovação versus habilidades empresariais 5.3. Tipologia de inovação Visando facilitar o entendimento da natureza, da extensão e das implicações gerenciais de cada tipo de inovação, diversos autores analisaram as inovações sob diferentes perspectivas, criando tipologias distintas. Entre as várias tipologias de inovação disponíveis na literatura, três se apresentam mais apropriadas ao contexto desta pesquisa. Abernathy e Clark (1985) classificam as inovações em duas dimensões: grau de impacto sobre o relacionamento do produto com o mercado, e grau de impacto sobre a tecnologia e sistema de produção. Cada dimensão é representada em seus dois extremos: de melhoria incremental (inovação conservadora), e melhoria destruidora, que torna obsoleto o que existe (inovação radical). Esta classificação leva a quatro tipos de inovação: • criação de nicho: inovação que utiliza a tecnologia existente para criar novos mercados, novos conceitos, ex:. walkman; Henderson e Clark (1990) propõem uma tipologia baseada na arquitetura de produtos. Segundo eles, dois tipos de conhecimento são empregados no desenvolvimento de um produto: o conhecimento sobre os componentes que integram o produto e seu conceito tecnológico, e o conhecimento arquitetural, relativo à forma como os componentes interagem entre si. Aqueles autores também classificam as inovações em duas dimensões: impacto da inovação sobre os conceitos embutidos nos componentes, e impacto sobre a arquitetura do produto. Como no caso anterior, cada dimensão é representada por extremos: inovação radical e incremental. A inovação radical estabelece um novo padrão dominante, enquanto a inovação incremental melhora e refina um padrão existente. Esta classificação também leva a quatro tipos de inovação, como mostra a figura 6. • arquitetural: inovação que estabelece a arquitetura básica de um novo produto ou processo, ex: XEROX, Ford T; • revolucionária: inovação que torna obsoleta a tecnologia vigente, sem alterar a utilização do produto, ex: turbina, lâmpada elétrica; • regular: inovação que implica mudanças incrementais na tecnologia e sistema de produção com efeitos significantes ao longo do tempo, sem alterar a utilização do produto, ex: melhorias na qualidade do aço. Aqueles autores enfatizam que as habilidades da organização influenciam os tipos de inovação que podem ser gerados. A figura 5 relaciona os tipos de inovação com as habilidades empresariais requeridas. 92 FIGURA 6 : Tipos de inovação versus impacto Por exemplo, a invenção da turbina foi, inicialmente, considerada modular pela pioneira De Haviland, que não se preocupou em analisar as interações entre os componentes. Na realidade, a turbina exigiu modificações também na arquitetura dos aviões, pois alterava a maneira com que os componentes interagiam, mais especificamente a estrutura Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira da cabine com as asas e turbinas. Com isso, a De Haviland demorou a incorporar as mudanças necessárias, possibilitando o surgimento da concorrente Boeing, o que acabou por levar à sua extinção. Por outro lado, o carro a álcool pode ser considerado uma inovação modular, pois alterou o conceito tecnológico do motor sem, no entanto, modificar a arquitetura do produto. A terceira tipologia foi estabelecida por Gundling (2000), que analisou a empresa considerada referência mundial em inovação – a 3M –, classificando seus vários processos de inovação em três tipos, que podem ser identificados nos produtos criados ao longo da história da organização, envolvendo, cada um deles, um grau diferente de interação com o cliente. O primeiro tipo de inovação, denominado por ele de Tipo A, é o mais radical e gera um novo negócio ou indústria, transcendendo os desejos presentes dos consumidores e criando necessidades que ainda não haviam sido articuladas. A empresa utilizou esse tipo de inovação quando lançou produtos como abrasivos recobertos (revestidos), a fita Scotch, a fita magnética de gravação e a sinalização refletiva. O segundo, o Tipo B, é caracterizado por inovações que mudam as bases da competição, criando uma nova posição competitiva ou nicho dentro de um campo estabelecido. A inovação pode ser originada em pesquisas de laboratório, sem ter havido uma identificação prévia de uma demanda para atender às necessidades dos consumidores. No terceiro tipo, identificado como Tipo C, a inovação produz um avanço incremental, como os blocos de Post-it em vários formatos e cores, prolongando a vida do produto. Nesse caso, ela está geralmente associada ao atendimento explícito de necessidades dos consumidores. 5.4. Os elementos da inovação De acordo com Schroeder et al. (2000), a maior parte dos processos de desenvolvimento de uma inovação tende a seguir os modelos de tomada de decisão e de mudanças organizacionais amplamente estudados entre as décadas de 50 e 90 por autores como Mintzberg et al. (1976) e Hage e Aiken (1970). Van de Ven (1986) complementa essa percepção argumentando que a evolução de uma idéia dentro da organização é um processo sociopolítico como outro qualquer e precisa de um líder com influência interna, capaz de tomar a iniciativa e “levar a bandeira” até sua implementação. Aquele autor identifica quatro tipos de problemas relacionados à inovação no ambiente interno das empresas: • Problema de atrair a atenção das pessoas para a nova idéia: as estruturas organizacionais muitas vezes levam as pessoas a focar a rotina ao invés de novas idéias e processos, gerando insensibilidade às mudanças no ambiente. • Problema processual de transformar a nova idéia em realidade: muitas idéias são propostas, mas somente algumas são conduzidas até a implementação por limitações do processo políticoorganizacional e limitações humanas para lidar com complexidade e novas idéias. • Problema estrutural de coordenar a integração entre as partes: enquanto a geração da idéia pode ser individual, o processo de inovação é geralmente coletivo, o que traz para a cena múltiplos atores com diferentes idéias, visões e percepções. Isso gera uma proliferação de relacionamentos e transações entre as partes envolvidas. A coordenação visa evitar que a soma das partes seja menor do que o todo. • Problema estratégico de condução institucional: desenvolvimento, na organização, de uma cultura que permita a coexistência de processos institucionais (mecânicos) e técnicos (orgânicos) de forma a criar um ambiente propício para a condução da idéia até a implementação. Van de Ven, Angle e Poole (2000), entre diversos pesquisadores, conceituam a atividade inovadora como uma “jornada”, ou seja, uma seqüência temporal de eventos que ocorrem à medida que diferentes indivíduos interagem para transformar suas idéias em uma realidade comercial. Dessa forma, a maior parte da 93 Relatório de Pesquisa – RP0502 literatura apresenta a inovação como um processo de transformação ou evolução de idéias dentro da organização, por meio de uma seqüência temporal de atividades até sua oferta ao mercado. Esta jornada evolutiva das idéias no ambiente interno das empresas é geralmente ilustrada por um funil, no qual de um lado entra uma grande quantidade de idéias e, do outro, saem poucas inovações. A realização comercial seria então o formato final das idéias que evoluíram através do funil, competindo por atenção organizacional, recursos, e buscando viabilidade tecnológica e mercadológica (Figura 7). IDÉIAS INOVAÇÕES FIGURA 7: O funil da inovação: idéias versus inovações Na prática, é preciso identificar os fatores que inibem a evolução de idéias na organização e experimentar possibilidades que facilitem este processo. Nayak e Deschamps (1986) apresentam um fluxo perfeito de desenvolvimento de produtos – do produtor ao consumidor –, cujo foco é criar valor para o cliente, para o empregado e para o acionista. Essa tríade é o esteio daquilo que eles traduzem como obsessão pelo cliente, ou seja, entender as suas necessidades e satisfazê-las com produtos eficazes. Aqueles autores destacam que, no processo de desenvolvimento da inovação, dados, informações e conhecimento são a base que fundamenta e dá sustentação a todos os esforços subseqüentes. Se, como eles frisam, a inteligência enriquece “o solo no qual crescerão as idéias”, estas não podem ser geradas ao acaso e desordenadamente, carecendo de um processo estruturado para a sua gestão criativa. Os processos devem estar fundamentados em recursos extraordinários, sendo imprescindível o desenvolvimento de tecnologia e de recursos, nem todos presentes na organização, podendo, no entanto, ser viabilizados por meio de alianças estratégicas e de um relacionamento íntimo com fornecedores e clientes. 94 Segundo Van de Ven et al. (1999), mais do que a capacidade criativa de gerar novas idéias, a inovação requer habilidade e talentos gerenciais para transformar boas idéias em práticas e produtos. Ao mapear 14 processos de inovação em estudos realizados entre 1983 e 1998, eles esperavam observar os processos, as seqüências de eventos e as pessoas que se relacionam dentro de um contexto ambiental e fazem os ajustes necessários para atingir os resultados esperados. Inicialmente, acreditavam que as pessoas envolvidas no processo fariam parte de uma força-tarefa e pertenceriam, em sua maioria, à organização promotora e com interesses similares ou comuns. O que foi observado, porém, surpreendeu-os. O processo podia ser dividido em três fases: período de iniciação, período de desenvolvimento e período de implementação, que se diferenciavam claramente. No primeiro período, caracterizado pelo surgimento da idéia e de seu lançamento como uma inovação em potencial, o processo é marcado pela descontinuidade e incerteza. Esse momento envolve interesses tanto internos quanto externos à organização, resultando na captação de apoio e de recursos para sustentar a fase seguinte. Se no primeiro período, as incertezas caracterizam-se como de fins (quanto aos resultados finais), ou seja, o que fazer, no segundo elas são principalmente de meio (incertezas quanto ao processo de desenvolvimento até o resultado). Ocorrem “retrabalhos” e descontinuidades no processo, envolvendo principalmente pessoas da própria organização, que mudam ao longo do tempo e defendem os diferentes interesses das unidades que representam. Raramente os clientes são envolvidos nessa fase e os executivos seniores e investidores participam apenas acompanhando o processo, só intervindo quando necessário, em especial nas soluções de problemas de relacionamento entre os envolvidos ou de perda de foco na idéia original. Freqüentemente, os clientes e partes interessadas externas são envolvidos na última fase – implementação –, quando as idéias transformadas em soluções – produtos, serviços, processos – são testadas para verificar se atendem aos interesses e às necessidades que as originaram, garantindo assim sua efetividade e sucesso. Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira Está bem consolidado na literatura o conceito da inovação como um processo que compreende várias etapas, envolvendo diferentes atores e com resultados distintos (KANTER; KAO; WIERSEMA, 1997). A participação desses atores tem variado ao longo do tempo em função das novas relações e interfaces no ambiente de negócios. Inicialmente, o desenvolvimento da inovação estava restrito à área de pesquisa e desenvolvimento – P&D das organizações, composta por cientistas e técnicos com alto grau de especialização. Cabia à área de produção a missão de transformar o projeto em produto, utilizando primordialmente recursos internos e aos responsáveis pela comercialização a missão de traduzir seus benefícios para o mercado e comercializar a inovação. À medida que a estrutura da indústria evoluiu e tornou mais complexas as relações de concorrência e cooperação no ambiente de negócios, novos atores – clientes e fornecedores – foram incorporados ao processo, com variações no grau de intensidade e na forma de participação. Ouvir o cliente na fase inicial de concepção do projeto passou a ser imperativo para as empresas, que buscam identificar suas demandas e necessidades. Igualmente importante passou a ser a opinião do cliente na etapa final, quando o produto é testado antes de ser lançado no mercado. O envolvimento de clientes como fonte de inovação e no processo de desenvolvimento de novos produtos tem sido objeto de vários estudos por diferentes autores. Von Hippel (1988), Leonard (1998), Christensen (2000) e Cooper (2001) ressaltam que clientes são uma excelente fonte de idéias para inovações, especialmente em empresas que tenham tecnologia madura e produtos alinhados com os interesses dos clientes, ou seja, em situações de inovação incremental. Quando se trata de uma nova tecnologia e, principalmente, no caso de uma inovação que torna obsoletas outras tecnologias existentes, ou nos casos de pouca familiaridade com a nova tecnologia, a contribuição dos clientes seria limitada por seu desconhecimento, como argumenta Christensen (2000). Além disso, os clientes podem direcionar as escolhas tecnológicas de uma empresa para opções de menor risco, restringindo a evolução da tecnologia e o aprendizado associado a mesma. Von Hippel (1988) enriquece a discussão afirmando que a empresa se beneficia ao indentificar os clientes mais sofisticados tecnologicamente (lead users ), pois pode aprender com eles questões como as necessidades futuras do mercado. De maneira análoga, dentro de uma cadeia produtiva, as empresas podem se beneficiar ao identificar os fornecedores mais sofisticados tecnologicamente, pois podem aprender com eles as tendências tecnológicas e o futuro do mercado em que o fornecedor atua. Em síntese, como elo de uma cadeia produtiva, a empresa pode usufruir benefícios de diversas naturezas, na medida em que é fornecedora para organizações a jusante da cadeia produtiva, e concomitantemente, cliente de empresas a montante da cadeia produtiva. A figura 8 ilustra uma cadeia produtiva com seus elos a montante (fornecedores) e a jusante (clientes): Fornecedores Clientes Empresa Montante Jusante FIGURA 8: Representação da cadeia produtiva Por outro lado, Kim e Mauborgone (1999) sugerem que a contribuição do cliente à origem da idéia deve se dar não só com base em seu conhecimento de produtos/ tecnologia, mas também com o entendimento do que representa valor nas características do produto ou serviço. Cabe à empresa fazer corretamente as perguntas aos clientes, focando as expectativas e necessidades percebidas por eles e não nas soluções já oferecidas pela concorrência. A empresa deve, então, transformar tais “características 95 Relatório de Pesquisa – RP0502 valorizadas” em produtos ou serviços, utilizando o seu conhecimento sobre a tecnologia envolvida e sua utilização. Nambisan (2002), revisando a literatura relativa ao desenvolvimento de novos produtos, identifica três papéis críticos dos clientes com relação à sua participação nesse processo: o cliente como fonte de novas idéias, o cliente como co-criador e o cliente como usuário. Esses papéis indicam uma importante evolução no envolvimento do cliente, admitindo-se a formação de parcerias e outros vínculos entre produtor/cliente, que vão muito além de escutas mais ou menos estruturadas. A tradução dos conceitos acima mencionados para a realidade dos negócios, realizada neste estudo, implica uma lista de fatores que precisam ser alinhados para a atividade inovadora fluir e gerar resultados: • Orientação ao Mercado: a atividade inovadora busca a aplicação comercial e como tal precisa estar em sintonia com o mercado, não apenas em termos de concorrência e opções tecnológicas, mas principalmente com relação aos clientes. A intimidade com o cliente deve ser tal que as pessoas envolvidas nos processos de inovação devem ter o “foco do cliente” (o ponto de vista do cliente). • Geração de idéias e competência criativa: a criatividade deve ser vista como uma competência gerencial que tem de ser desenvolvida sistematicamente, conjugando conhecimentos, habilidades e atitudes. A busca proativa por conhecimento é o fundamento de uma série de iniciativas ligadas à inovação em rede e na cadeia produtiva, como será apresentado posteriormente neste trabalho. • Processo para o tratamento das idéias: as idéias precisam ser capturadas, avaliadas, selecionadas e acompanhadas ao longo do tempo. Transformadas em projetos de inovação, é preciso registrar para cada projeto os recursos alocados ao longo do tempo, a equipe e a evolução do projeto e os resultados obtidos, etc. Além disso, a existência de processos formais de desenvolvimento de 96 novos produtos/serviços e processos auxilia a avaliação de resultados, o aprendizado e a melhoria contínua da atividade inovadora na empresa. • Modelo de gestão da inovação: a atividade inovadora deve ser vista como uma função fundamental do negócio e gerenciada como tal. A gestão da inovação deve contemplar um ciclo de longo prazo, estratégico, de planejamento, execução, melhoria contínua e aprendizado e um ciclo de curto prazo, de planejamento, execução, acompanhamento e controle. • Recursos: a transformação de idéias em realidade comercial demanda recursos (capital, pessoas, equipamentos, etc.) que precisam ser planejados, disponibilizados e gerenciados ao longo da jornada. • Pessoas: são o vetor da transformação de idéias em realidade. Assim, torna-se fundamental o entendimento da influência de aspectos como, por exemplo, recrutamento e seleção, motivação, reconhecimento, remuneração e o papel do gestor na geração e acompanhamento de idéias dentro da organização. Gundling (2000) alerta para o fato de que o alinhamento de funções em torno da inovação leva à criação de uma cultura de empreendedorismo e inovação na empresa, tornando a atividade inovadora parte do quotidiano da mesma. 5.5. Inovação em rede e na cadeia produtiva Diferentemente de bens tangíveis, que trocam de propriedade ao serem distribuídos, e recursos físicos, que apresentam retornos decrescentes à medida que são divididos ou utilizados, o conhecimento gera ganhos crescentes, pois se multiplica sempre que é compartilhado. Esse é um dos fundamentos que justificam o aparecimento e a formação de alianças e redes de organizações: o objetivo de acumular e compartilhar conhecimento com a finalidade de inovar. Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira Na medida em que o acesso ao conhecimento e a capacidade de aplicá-lo efetivamente passaram a ser fonte de vantagem competitiva, aumentou-se a necessidade de buscar soluções compartilhadas entre diferentes agentes para as diversas etapas do processo de inovação. Um número crescente de organizações buscou incorporar as competências de seus clientes, bem como uma ampla soma de competências externas de variadas fontes, por meio de uma multiplicidade de acordos e alianças. à internalização e amplificação do conhecimento que está disponível no contexto de uma aliança (INKPEN, 1998; NONAKA, 1994). Ciborra (1991) alega que cooperação faz-se via arranjos institucionais que possibilitam às organizações trazer novas capacitações, conhecimento tácito e explícito. Como resultado, as empresas acumulam, combinam e disseminam conhecimento e competências complementares DAVENPORT; PRUSAK, 1998;TEECE et al., 1990. Powell e Brantley (1992) complementam esta percepção alertando para o fato de que, quando o conhecimento está amplamente disperso, o locus da inovação não está mais nas fronteiras de uma única empresa, mas em uma rede de relacionamentos interorganizacionais. Alianças e parcerias entre firmas e redes de aprendizagem, conforme Powell, Koput e Smith-Doer (1996), permitem ganhos importantes nos processos de inovação em um relacionamento de soma positiva, no qual novos mecanismos para fornecer recursos se desenvolvem em compasso com os avanços no conhecimento. Powell et al. (1996) explicam que, quando o conhecimento é amplamente disseminado e traz uma vantagem competitiva, o locus de inovação é encontrado em uma rede de relacionamentos interorganizacionais, em que os parceiros são participantes ativos no “estado da arte” do conhecimento existente no mundo. Segundo Powell e Brantley (1992), participantes passivos subestimam o valor dos relacionamentos institucionais ou são incapazes de responder rapidamente porque a aprendizagem é um processo social de construção, que exige dos envolvidos uma postura de praticantes e não apenas de aprendizes de uma prática. As organizações não detêm sozinhas os conhecimentos e as competências de que necessitam, buscando, então, recursos complementares, por intermédio de múltiplas formas de cooperação. Instalado o processo de cooperação, os parceiros entram em um ciclo virtuoso de aumento contínuo da capacidade de absorver novos conhecimentos, de dar saltos qualitativos e de tornarem-se aptas a ofertar novas competências aos parceiros da rede, confirmando que aprendizado é um processo social e que a criação do conhecimento ocorre, principalmente, no contexto de uma comunidade. Abordagens teóricas sobre inovação e cooperação tratam de seu efeito em termos de aprendizagem, concluindo que firmas com diferentes habilidades e competências beneficiam-se de oportunidades de aprendizagem no contexto de alianças estratégicas (INKPEN, 1998), investindo na criação de um ambiente propício 39 Em seu estudo sobre “redes de aprendizado em biotecnologia”, Powell et al. (1996) distinguem duas abordagens utilizadas pelas empresas com relação à colaboração interorganizacional. De um lado há aquelas que, seguindo a linha expressa por Teece (1996), consideram que a decisão de cooperar está intimamente ligada à teoria de custos transacionais, ou seja, depende de uma análise de risco versus retorno. Admitindo que alianças com parceiros externos envolvem imprevistos, Powell (1990) e Sabel (1993) assumem que, de fato, existem barreiras que dificultam o processo de cooperação, como: falta de experiência com alianças, recursos limitados, falta de confiança entre parceiros, posição e poder de cada um na cadeia produtiva, complexidade do projeto, grau de capacidade para aprender novas habilidades, entre outros. Por outro lado, aqueles autores se referem a Brown e Duguid39 para defender o ponto de BROWN, John S., and DUGUID, Paul. Organizational learning and communities–of–practice: toward a unified view of working, learning, and innovation. In: Organization Science, 2: 40–57. 1991. 97 Relatório de Pesquisa – RP0502 vista de que aprendizagem é um processo social de construção e, assim, a criação do conhecimento ocorre em um contexto de uma comunidade fluida que evolui, não devendo ser vista como algo estático. O grau de aprendizagem das organizações sobre novas oportunidades depende de sua participação em atividades que ligam pessoas de diferentes firmas, entidades e organizações. Por essa razão, os parceiros devem desenvolver pesquisas e outras formas de geração do conhecimento, tanto interna quanto nas comunidades de parcerias, permitindo-lhes contribuir de forma mais ampla no processo de cooperação. Uma rede funciona como locus de inovação porque pode favorecer mais rapidamente o acesso adequado a recursos novos e complementares e, ao mesmo tempo, testar a expertise interna e a capacidade de aprendizagem. Powell et al. (1996) ressaltam duas questõeschave sobre redes de aprendizagem. Primeiro, eles observam que a cooperação interorganizacional não é simplesmente um meio para compensar a falta de competências internas e, segundo, que ela não deve ser vista como uma série de transações discretas. A capacidade de colaborar de um parceiro está diretamente relacionada à qualidade de suas competências internas, as quais, por seu turno, são fortalecidas por tal cooperação. Outro aspecto enfatizado é que o conhecimento facilita o uso de mais conhecimento. Em outras palavras, a aquisição e utilização de conhecimento requerem outros conhecimentos – além de capacidades e experiência – para que a empresa se beneficie dos relacionamentos por meio dos diversos laços de cooperação. O conhecimento acumulado possibilita acesso, assimilação e exploração de novas idéias e informações e, por isso, a cooperação é um bilhete de admissão em uma rede de informação e um veículo para a rápida comunicação de notícias sobre oportunidades e obstáculos. Projetos de cooperação permitem à organização entender a necessidade de ter acesso a idéias e contribuições de várias fontes para transformar novos conhecimentos em empreendimentos comerciais. 98 Mais recentemente Doz, Santos e Williamson (2001) cunharam o termo “metanacional” para definir empresas que desenvolvem um novo padrão de vantagem competitiva, baseado na identificação, acesso, mobilização e utilização de conhecimentos dispersos pelo mundo. Para as “metanacionais”, globalização não significa transferir know-how da matriz para novos mercados ou projetar uma fórmula desenvolvida em um único centro de excelência para o resto do mundo. Significa, de fato, a capacidade de “pescar” eficientemente o conhecimento em uma “piscina global”, dominá-lo para inovar e, então, devolvê-lo sob a forma de inovações para o resto do mundo. Elas fazem isso se conectando a fontes dispersas de conhecimento, prospectando e identificando descontinuidades, surgimentos de inovações “disruptivas”, convergência de conhecimentos específicos e ambientes competitivos mais sofisticados, onde estão os clientes mais exigentes. São, enfim, organizações que convivem com o aprendizado gerado no mundo e têm a capacidade de integrar redes e de promover múltiplas alianças. Nesse sentido, Doz e Williamson (2002) discutem o papel fundamental das alianças como aceleradores do empreendedorismo e da inovação. Partindo dessa premissa, desenvolveram um esquema conceitual, o qual denominaram de “ciclo de vida do empreendedorismo” e que é formado por uma seqüência de etapas abarcando desde a origem da idéia, seu desenvolvimento e testes até a transformação em um novo negócio, produto ou serviço. Cada etapa do ciclo apresenta características distintas, que definem o papel, o limite e a natureza das alianças. Os diferentes papéis em cada fase exigem, por outro lado, diferentes tipos e processos de gerenciamento de parcerias e alianças. O modelo foi testado por Williamson e Meegan (2002) na análise da NTT–DoCoMo, “braço móvel” da Nippon Telegraph and Telephone Corporation – NTT, uma das empresas de vanguarda em experimentação do uso de alianças para acelerar sua capacidade de inovação, levandoos à conclusão de que o modelo possibilita o acesso a uma combinação mais diversificada de competências, conhecimento e recursos, Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira propiciando um vetor elevado de inputs no processo de inovação. 5.6. Caracterização da atividade inovadora – sistema versus processo No caso de processos de inovação, e mais especificamente de inovação em rede, é preciso haver disponibilidade de informações, não só sobre as atividades pertinentes a cada empresa como também informações sobre as interações proporcionadas pela rede. A seleção das variáveis que serão monitoradas, se fundamenta – implícita ou explicitamente – num modelo descritivo da natureza do processo, conforme apresentado a seguir. Segundo Viotti (2001), o modelo linear de inovação é, talvez, o mais popular na literatura e o que exerceu maior influência no entendimento da lógica dos processos de inovação. Esse modelo descreve a inovação por meio de um processo com etapas definidas e estanques, uma seqüência de passos, em que o resultado de cada etapa é insumo para a etapa posterior. A figura 9 mostra o modelo linear de forma esquemática: Pesquisa Básica Pesquisa Aplicada Desenv. Experimental Instituições de Pesquisa (Oferta) FIGURA 9 : Modelo linear de inovação Produção Comercializ . Empresas Clientes (Demanda) Aquele autor descreve ainda dois outros modelos de inovação, “Elo de Cadeia” e “Sistêmico”, que reconhecem explicitamente a natureza múltipla dos insumos empregados na atividade inovadora, os vários tipos de organizações participantes de um sistema de inovação, entre elas, instituições governamentais de fomento e de pesquisa, instituições educacionais, etc. e o papel das relações interorganizacionais na atividade inovadora. O modelo linear considera que existe uma relação mais ou menos direta entre as quantidades e qualidades dos insumos de entrada e as saídas do sistema, como em um processo que transforma entradas (idéias, recursos, etc.) em saídas (inovações, conhecimento, etc.). A partir de sua entrada no sistema, a idéia passa pelos processos organizacionais até se tornar realidade. Esses processos determinam a taxa de sucesso que uma nova idéia tem ao ser proposta na organização e são influenciados por características organizacionais: é razoável admitir que diversos fatores como o tipo da organização, sua cultura, estrutura organizacional, favorecem alguns tipos de idéias em detrimento de outros. Finalmente, como saída dos processos surgem os resultados da transformação das idéias em aplicações comerciais, como por exemplo, receitas geradas por inovações, patentes, novos produtos e processos. A figura 10 ilustra um sistema de inovação, destacando-se os três componentes observados: entradas, processos, e saídas. Entradas Idéias, Recursos (Humanos, Financeiros, Físicos) Processos Organizacionais Gestão de Pessoas Metodologias Cultura Organizacional Gestão do Conhecimento Saaííddaass Novos Produtos (Processos, Serviços, etc.) Receitas Propriedade Intelectual (patentes, direitos, etc.) FIGURA 10: Representação da atividade inovadora como processo A caracterização da atividade inovadora como um processo tem a vantagem de ser simples e relativamente direta para a compreensão da eficiência para inovar de uma empresa, pois permite computar de forma simplificada as receitas e despesas geradas pelo processo de inovação. No entanto, falha em capturar o valor dos conhecimentos e relacionamentos com instituições públicas e privadas com as quais a empresa opera e o impacto de parcerias com clientes e fornecedores nos resultados do esforço inovador. O funil da inovação nesse contexto já não é mais único, ou seja, específico de uma organização e nem define hermeticamente suas fronteiras. Para contornar esta limitação, pode-se medir por meio de indicadores de entrada, de processo, e de saída, relativos a cada participante da rede, e agregar seu valor de modo a calcular um indicador equivalente para toda a rede. Além disso, é possível complementar com indicadores de intensidade, processo e resultados e com indicadores de interatividade 99 Relatório de Pesquisa – RP0502 entre os participantes da rede, que fornecem a medida da utilidade da rede como facilitadora de troca de experiências e conhecimentos entre seus integrantes. 5.7. Indicadores de inovação – organização e rede Nesse sentido, a representação da atividade inovadora por meio de um processo sugere a mensuração das entradas, das saídas e do processo como uma forma natural de avaliação da atividade. A premissa de que existe uma relação linear entre a intensidade e a qualidade das entradas e a intensidade e a qualidade dos resultados, leva à caracterização das entradas por meio de métricas de intensidade da atividade inovadora, que são denominadas de “Indicadores de Intensidade”. Como as saídas do processo inovador são os resultados obtidos, os indicadores de saída são denominados “Indicadores de Resultado” e as métricas relativas ao processo são intituladas de “Indicadores de Processo”. Cada participante da rede apresenta um conjunto de indicadores de intensidade, de processo e de resultados, que de certa forma descrevem a atividade naquela empresa e sinalizam para as outras organizações da rede, o quão bem (ou mal) aquele participante está desempenhando a função inovação individualmente, assim como seu potencial de contribuição para a rede. A mensuração de resultados em uma única organização, no entanto, falha em capturar o valor e a importância da contribuição de outros participantes da rede na atividade inovadora da organização. Como mencionado anteriormente, os participantes mais sofisticados tecnologicamente, os quais normalmente executam a atividade inovadora com maior destreza, têm um grande acervo de conhecimentos para compartilhar, mas sua sofisticação por si só não significa que eles tenham a disposição de fazê-lo. A intensidade da contribuição do participante para a rede não tem necessariamente uma relação direta com os indicadores daquela organização, e sim com sua predisposição em contribuir e compartilhar conhecimento. Dessa forma, para avaliar a atividade inovadora na rede é preciso, além dos indicadores de cada organização, de indicadores das atividades de interação entre 100 os participantes da rede. Esses indicadores medem a efetividade da rede em promover ações conjuntas e a troca de conhecimento entre seus participantes e são denominados de “Indicadores de Interatividade em Rede”. Além dos indicadores de interatividade, as medidas de desempenho da inovação em rede devem levar em conta a unidade de análise, isto é, se essa unidade for toda a rede, os indicadores de todos os participantes devem ser consolidados para compor os indicadores da rede. Se a unidade de análise for um subconjunto de integrantes da rede, por exemplo, as empresas participantes de uma determinada cadeia produtiva, apenas os indicadores dessas organizações devem ser considerados. Cabe salientar que a mensuração/aferição por meio destes indicadores deve ser padronizada de modo a permitir comparações entre organizações. Segundo os manuais “Oslo”, “Frascati”, “Camberra”, entre outros, citados por Viotti (2001), este é um dos objetivos fundamentais dos manuais da OECD, ou seja, orientar as organizações no cálculo de métricas relacionadas à atividade inovadora, de forma a padronizar sua mensuração. Apresenta-se a seguir uma síntese do objetivo de cada indicador. Indicadores de intensidade Descrevem o fluxo de recursos que alimentam a atividade inovadora. Alguns destes indicadores são: • Despesas operacionais: gastos operacionais incorridos ao longo do processo de desenvolvimento que não resultem na posse de bem durável ou intangível, como por exemplo: fretes, materiais, serviços tecnológicos, aluguéis, uso de tecnologia, serviços de consultoria, viagens. • Despesas com pessoal: despesas com folha e benefícios trabalhistas de todos os profissionais alocados à atividade inovadora. No caso de funcionários com dedicação parcial, considera-se a fração do custo do funcionário. Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira • Despesas com implantação: despesas incorridas com a implantação de idéias para seu uso comercial. • Investimentos: gastos realizados com aquisição de ativos tangíveis (equipamento, laboratórios, etc) e ativos intangíveis (knowhow, licenças, treinamento e capacitação etc.). Indicadores de processo Referem-se ao “funil da inovação”, anteriormente mencionado, por exemplo: o grau de dificuldade para atravessá-lo (mortalidade de idéias), a duração da jornada (tempo total até o mercado), assim como eficiência (custos). Alguns deles: • Número de idéias propostas: número de idéias formalmente propostas ao longo de determinado período. • Número de idéias em desenvolvimento: número de idéias em desenvolvimento, que não estejam paralisadas. • Número de idéias abandonadas: número de idéias que foram abandonadas ou estão correntemente paralisadas. • Número de idéias implantadas: número de idéias que se tornaram inovações ou estão em processo de implantação. • Tempo total até o mercado (TTM): é a medida de tempo entre a proposição de uma idéia e sua implantação para uso comercial. Os indicadores descritos acima, permitem calcular a taxa de sucesso e abandono de idéias ao longo de um período de tempo, ou seja, a severidade (eficácia/confiabilidade) do “funil da organização”. Além disso, o TTM médio das idéias implantadas durante certo período fornece uma estimativa da duração do ciclo padrão de desenvolvimento da empresa, ou seja, o “comprimento do funil”. Indicadores de resultado Estabelecem a eficácia do processo inovador em atingir seus objetivos, ou seja, tanto a receita apurada quanto a redução de custos fixos e variáveis, advindas da implantação de idéias. Relacionam-se a seguir alguns indicadores de resultado referentes aos benefícios quantificáveis da inovação: • Receitas geradas: receitas auferidas a partir da venda ou licenciamento de tecnologia, patentes, novos produtos e serviços, royalties sobre processos, etc., ao longo do período de medição, como resultado das idéias implantadas ao longo de um período a ser definido pela empresa. • Reduções de custos: reduções de custos fixos ou variáveis provenientes das idéias implantadas, como melhoria de processos, ao longo de um período de medição definido pela empresa. • Fração do faturamento gerado por inovações: mede o grau de renovação das fontes de receita a partir das inovações geradas pela organização. Assim como em qualquer outra atividade, os indicadores de entrada e saída da atividade inovadora conduzem naturalmente à medida de eficiência da atividade, isto é, quantas unidades de valor serão geradas a partir de uma unidade de valor consumida no processo. A medida de eficiência inovadora normalmente encontrada na prática de empresas tão desiguais quanto telecomunicações e mineradoras gira em torno de dez, ou seja, para cada uma unidade monetária investida na atividade, a empresa obtém dez unidades equivalentes. Outra medida interessante é o custo marginal de desenvolvimento, que é o custo médio incorrido por unidade de tempo do desenvolvimento de uma inovação. Esta medida permite entender a relação entre o aumento de gastos de desenvolvimento para acelerar a implantação de uma inovação e o valor adicional obtido com a antecipação dos resultados gerados pela inovação. Indicadores de interatividade Visam capturar o grau de interatividade entre os participantes de uma rede, ou a efetividade da rede em fomentar o compartilhamento de recursos e conhecimento e a alavancagem mútua entre seus participantes. Alguns destes descritores são: 101 Relatório de Pesquisa – RP0502 • Montante de recursos compartilhados: somatória dos recursos alocados à atividade inovadora em cada organização que foram disponibilizados por outros participantes da rede. • Número de idéias compartilhadas: somatória do número de projetos de inovação realizados em cada organização, que foram propostos por outros participantes da rede. • Montante de investimentos compartilhados: somatória de recursos investidos em conjunto por participantes da rede, em atividades e ativos que tragam benefícios para a rede. Quando medidos para todos os participantes de uma rede, os indicadores acima podem apontar para a capacidade de contribuição de cada participante. Finalmente, para o entendimento da realidade de uma rede, assim como para a comparação entre redes, é mais interessante utilizar indicadores com frações dos montantes totais da rede. 5.8. Conclusões sobre o referencial teórico A grande dificuldade de lidar com indicadores no âmbito das empresas é a inexistência de dados ou processos padronizados de coleta de dados, que permita a utilização das informações para fins de comparação. Quando se trata de indicadores que envolvem inovação em rede, com a participação de atores externos à empresa, essa dificuldade se amplifica, porque o cálculo dos indicadores para a rede depende da existência e apuração de indicadores em cada participante e que sejam compatíveis com os que a rede utiliza, para fins de comparação e medição. De forma cada vez mais intensa, as empresas inovadoras estabelecem ligações com outras empresas e instituições com vistas a ter acesso ao conhecimento disperso e se beneficiar dos efeitos dinâmicos dos processos interativos. Essa capacidade de interação e compartilhamento de conhecimento, por meio de diferentes práticas, tem relação direta com a habilidade da firma de criar e explorar laços com outras entidades, combinando 102 experiências, recursos e novas idéias, em um processo de aprendizagem conjunta e geração de inovações. O presente estudo partiu dos princípios de que o conhecimento cria bases para a geração de mais conhecimento e de que fontes de inovação não residem exclusivamente dentro de uma organização, podendo ser encontradas nos interstícios entre empresas, universidades, laboratórios de pesquisa, fornecedores e clientes. Quanto maior for o envolvimento de uma firma nesses relacionamentos, mais ela aprende e descobre novas oportunidades. Desta forma, adotou-se o “funil aberto” como o modelo que melhor representaria, no contexto deste estudo, o conceito de processo de inovação em rede, ilustrado pela figura 11. Limites organizacionais Novos mercados Projetos Mercado atual Pesquisa Desenvolvimento FIGURA 11 : Funil aberto da inovação Enfim, seja atingindo o patamar mais sofisticado de “metanacional” – ainda restrito a poucas empresas no mundo –, seja partindo para soluções menos complexas em escopo, a hipótese levantada é que relacionamentos cooperativos – formais ou informais – entre organizações são fator crucial para a geração de novas idéias e sua transformação em soluções mais adequadas para atender à demanda explícita ou potencial do mercado. Esses relacionamentos envolvem não apenas o cliente, mas o conjunto da cadeia produtiva e um espectro mais amplo de parcerias incluindo até concorrentes. Assim, é razoável supor que as empresas brasileiras devam evoluir nessa direção. É preciso, portanto, que especialistas, organizações e instituições públicas e privadas desenvolvam programas e ferramentas que Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira possam apoiar as empresas nacionais, despertando-as para as vantagens advindas da inovação, principalmente, por meio da adoção do “modelo do funil aberto”. A utilização de indicadores para se medir o grau de inovação em rede pode ser um desses instrumentos, porque possibilitaria a comparação entre os ganhos com o “modelo do funil fechado” e o novo “modelo do funil aberto” ora proposto. O acompanhamento dos indicadores propostos em empresas pertencentes a uma rede de aprendizado, assim como em fornecedores, clientes e instituições de ensino e pesquisa, possibilitará o entendimento da inovação no contexto de redes. 6. MARKETING 6.1. Introdução O marketing vem, ao longo de seu desenvolvimento, tanto prático como teórico, passando por inúmeras mutações. Um dos fatores que direcionam as modificações em sua prática e conteúdo são as turbulências ambientais. Quanto mais intensas essas forem, maiores as necessidades de flexibilidade e alterações nas abordagens mercadológicas, assim como nas mudanças organizacionais. Webster, Jr. (1994) prevê que o foco do papel do marketing na empresa será a gestão de parcerias e o posicionamento estratégico entre clientes e fabricantes na cadeia de valores. Complementando, Day (1990) afirma que as empresas se desenvolverão gradualmente para uma forma híbrida de organização, combinando o melhor das características dos processos horizontais e o das formas verticais funcionais, a fim de se tornarem mais próximas de seus clientes. Essas percepções indicam a necessidade do desenvolvimento de temas e abordagens interdisciplinares com vistas ao aprofundamento da compreensão do sentido e do significado das mudanças organizacionais e dos respectivos esforços de marketing. Sugerem, por outro lado, a necessidade do estabelecimento de um enfoque para dar um sentido comum a esses temas e abordagens. Além dos pressupostos iniciais, é fundamental buscar o desenvolvimento de uma maneira de se mensurar o conjunto destes esforços. O conceito de orientação para o mercado pode ser considerado esse enfoque, servindo como suporte para o desenvolvimento de indicadores que possibilitem essa mensuração. Com relação à área de marketing, o presente estudo visa conhecer os principais objetivos de marketing de algumas das maiores empresas brasileiras e os indicadores estabelecidos para a aferição do cumprimento desses objetivos. Busca ainda, a partir desse conhecimento, identificar os indicadores – orientados à cadeia produtiva – mais utilizados e seu alinhamento aos objetivos de marketing. Num primeiro momento, apresenta-se a fundamentação teórica do estudo, relacionando fontes bibliográficas que abordam estas questões com relação aos aspectos: diversidade e possibilidades de uso. No Capítulo 14, referente à análise de resultados, descrevemse os resultados de uma pesquisa empírica que teve o intuito de testar a validade prática. Esse capítulo está estruturado em cinco seções: a primeira seção apresenta o tema e os objetivos deste estudo, a segunda, refere-se ao conceito de orientação para o mercado, na terceira, apresenta-se uma síntese da evolução do desenvolvimento de métricas ou indicadores, a quarta seção aborda a combinação de métricas e a quinta, trata das métricas orientadas à cadeia produtiva. 6.2. O conceito de orientação para o mercado A orientação para o mercado pode ser considerada como um dos enfoques do marketing que vem se popularizando a partir da década de 80. Decorre da evolução das relações da empresa com o mercado e possui um conjunto de desdobramentos. Entre esses estão suas conseqüências na estrutura, nos processos, nas pessoas e na governabilidade. Este último tem sido freqüentemente abordado sob a ótica das relações de poder e governabilidade organizacionais. Ao adotar o conceito de orientação para o mercado, a empresa focaliza primeiramente seus clientes e consumidores como base para a reestruturação do desempenho organizacional, 103 Relatório de Pesquisa – RP0502 de maneira a torná-la mais efetiva e sensível no atendimento às necessidades do seu mercado-alvo. Os estudos pioneiros sobre as possíveis orientações mercadológicas focaram a orientação para o produto. Seguiu-se a orientação para a venda, para o marketing e, mais recentemente, para o marketing societário (KOTLER, 2000). Ao longo da ocorrência dessas modificações, aflorou o questionamento sobre a adequação da estrutura do marketing na empresa e, posteriormente, da própria atuação da empresa ao se considerar a necessidade de reestruturação das atividades em redes interorganizacionais. Esse pode ser considerado o primeiro efeito que a orientação para o mercado desencadeou. Gradualmente, a atividade de marketing foi incorporando às suas atividades a coordenação ou, no mínimo, a sua influência nas atividades intra e interorganizacionais para a fabricação, desenvolvimento e gestão de toda a oferta empresarial no sentido de torná-la mais íntima do cliente. Slater e Narver (1994) atribuem o declínio das fronteiras funcionais e a ascensão da equipe de trabalho na área de marketing à necessidade de se criar e disseminar o conhecimento dentro da empresa. O atendimento a essa primeira inadequação na atuação da empresa em face das necessidades ditadas pelo mercado trouxe novo desdobramento: o comportamento dos processos perante a essa nova demanda. Nessa segunda questão – relativa a processos –, a perspectiva de equipes, conforme proposta, envolve o papel de coordenação interna das atividades de marketing relacionadas a outras, incluindo a inovação, a gestão do conhecimento, a sustentabilidade e os resultados financeiros. Com relação ao ambiente externo, esse tipo de relacionamento envolve a articulação de alianças com parceiros. Inclui tanto a interação vertical, por meio da cadeia produtiva e de redes, quanto a horizontal, como alianças comarketing e co-branding. À medida que essa articulação de alianças ocorre, a intensificação nas relações dos integrantes da área de marketing com parceiros externos torna-se mais acentuada e presente. Isso leva a uma 104 mudança e ampliação dos papéis da área de marketing, focalizando-os nos aspectos mais intangíveis desse relacionamento. Corresponde a um maior foco e alinhamento das competências essenciais da empresa com a cadeia produtiva. Estrutura e processos, por sua vez, não podem estar desvinculados de pessoas. A terceira questão – pessoas –, demandada pela abordagem relacionada à orientação para o mercado, tem recebido atenção crescente e seu foco se refere à cultura organizacional. Cultura organizacional pode ser definida como o padrão de valores e crenças compartilhados que ajudam indivíduos a compreender o funcionamento organizacional e assim estabelecer normas para o seu comportamento na organização. É nesse plano que as questões anteriores são amalgamadas e podem ganhar uma organicidade necessária à sua dinâmica, que se constitui na quarta questão levantada pela orientação para o mercado. A quarta questão – poder e governabilidade – foca na natureza e qualidade do processo decisório das ações organizacionais destinadas a produzir impactos interna e externamente. Entende-se que é nessa dimensão que o papel da liderança ganha relevo, tornando-se cada vez mais complexo, tendo em vista a própria complexidade crescente das atividades organizacionais inseridas em ambientes de turbulências e incertezas. Todas estas questões correspondem aos recursos intangíveis que contribuem para ampliar a efetividade das ações de marketing da empresa, otimizando seus resultados. Equivalem ainda ao reconhecimento de que as empresas podem utilizar e utilizam abordagens distintas ao mercado porque seus recursos e competências são diferentes. Em outras palavras, as organizações combinam suas peculiaridades no tocante à estrutura, aos processos, às pessoas e à governabilidade, para apoiar e encorajar a coordenação interna e a adaptação externa com o objetivo de proporcionar valor superior ao seu mercadoalvo, transformando-o em vantagem competitiva sustentável. Nesse contexto, um dos desafios que afloram para o marketing é a determinação de Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira indicadores de performance que possam orientar a busca da excelência empresarial. Pretendese ainda que esses funcionem como ponto de partida para o estabelecimento de padrões de performance que possibilitem a comparação da variação das ações de marketing conforme previstas e implementadas e de seu impacto, tanto interno como externo, no sentido de contribuir para a construção de vantagens competitivas sustentáveis. A seguir, descreve-se a evolução do desenvolvimento destes indicadores, sob a perspectiva mercadológica. No Capítulo 14, deste trabalho são apresentados os resultados da pesquisa, contendo as medidas de desempenho utilizadas pelas empresas brasileiras para aferir seus objetivos e suas relações com fornecedores, distribuidores e clientes. 6.3. Evolução do desenvolvimento de indicadores de performance no marketing O fator propulsor para o desenvolvimento de indicadores de marketing, bem como dos demais indicadores do desempenho organizacional tem sido o aumento das demandas dos seus stakeholders, tanto com relação a informações sobre a qualidade do processo decisório como sobre a produtividade dos esforços das diversas áreas organizacionais nos resultados da atuação da empresa. Essas demandas são, em grande parte, decorrentes do aumento da complexidade do mundo empresarial. Sua natureza tem contribuído para estimular o surgimento de uma série de medidas e indicadores de mensuração das atividades empresariais. Na dimensão de marketing, a tônica das tentativas tem sido proporcionar indicadores de desempenho que possam satisfazer a necessidade dos stakeholders de conhecer o posicionamento mercadológico da empresa. A auditoria de marketing, sob a concepção de diagnóstico, pode ser considerada uma das primeiras tentativas de se mensurar o desempenho das atividades pertinentes a essa área. Em um patamar ligeiramente superior ao dos diagnósticos, em termos de objetividade e complexidade, encontram-se as medidas financeiras utilizadas para indicar a 40 produtividade dos esforços de marketing e sua conseqüente contribuição ao fluxo de caixa e ao retorno sobre o investimento da empresa, e o PIMS (Profit impact of marketing strategies) que analisa o impacto das estratégias mercadológicas no lucro. Em um plano ainda mais elaborado, estão as medidas não tangíveis como satisfação, lealdade e valor do cliente, valor da marca e orientação para o mercado, entre outras. Finalmente, a combinação dessas medidas tem atraído a atenção de profissionais e especialistas em marketing. Cada uma dessas tendências é discutida, a seguir. O propósito da auditoria de marketing é avaliar sistematicamente se as atividades e os ativos de marketing de uma empresa estão sendo utilizados apropriadamente em seu propósito mercadológico (CLARK, 2001). Popularizada, a partir da década de 70 por Philip Kotler e outros, inclui como principais características a abrangência, a sistemática interdependência e a periodicidade. A auditoria tem como ponto de partida a avaliação do ambiente externo, abrangendo as forças macroambientais e o “ambiente tarefa”, composto pelos participantes da cadeia produtiva, como recursos para se tentar compreender melhor a situação da inserção da empresa no mercado, nesse nível de análise. Busca, ainda, analisar a responsabilidade ética e social da empresa. A partir daí, avaliam-se a estratégia, a organização, os sistemas e a produtividade para, finalmente, abranger a função mercadológica (KOTLER, 2000). A principal fragilidade da auditoria de marketing está na ausência de indicadores ou de medidas exatas ou mais precisas do que poderia ser considerado desempenho de marketing. Medidas financeiras indicadas para mensurar a produtividade do esforço de marketing Esse tipo de mensuração orienta-se pelo exame da produtividade do esforço de marketing em obter resultados financeiros para a empresa. Destina-se a direcionar a alocação dos recursos financeiros para uma área ou atividades onde possa produzir melhores resultados. Feder40, citado por Clark (2001), buscou conceitos FEDER, Robert A. (1965), How to measure marketing performance, Harvard Business Review, 43, May–June, 132–143. 105 Relatório de Pesquisa – RP0502 microeconômicos de custos das receitas marginais para sugerir como alocar os recursos financeiros mais eficientemente. Day e Fahey41 , também citados por Clark (2001), expandiram esses conceitos, adotando a lucratividade como um resultado para subsidiar o uso de medidas mais sofisticadas da literatura de finanças, examinando o fluxo de caixa e o valor presente líquido de diferentes estratégias mercadológicas. Clark (2001) inclui ainda nesse conjunto de tentativas de se avaliar a produtividade mercadológica, os estudos de Bonoma e Clark42 que identificaram as medidas mais freqüentemente utilizadas para mensurar resultados. Essas eram, pela ordem, lucro, vendas (unidades e valor), participação de mercado e fluxo de caixa. PIMS Em nível ligeiramente acima dos diagnósticos e da auditoria e produtividade dos esforços de marketing, em termos de objetividade, encontra-se o PIMS cujas métricas se reportam às medidas financeiras, utilizadas para indicar a contribuição do marketing ao lucro. A relação entre domínio da participação e crescimento de mercado proposta pelo Boston Consulting Group, popularizada por meio da denominada matriz do BC e os estudos de Buzzell e Gale43 relacionados ao PIMS (Profit Impact of Marketing Strategy) , podem ser considerados como os trabalhos mais significativos sobre o tema. Ambos os trabalhos partem do reconhecimento de que um dos principais determinantes da lucratividade dos negócios é a participação de mercado44. Sob as mais variadas circunstâncias, eles constataram que as empresas que conquistaram uma alta participação de mercado são consideravelmente mais lucrativas do que suas rivais com menor participação de mercado. O projeto PIMS teve início em 1971 e seus objetivos eram identificar e mensurar os principais determinantes de retorno sobre o investimento (ROI) de empresas. Em 1973, o projeto revelou 37 influências-chave, das quais a mais importante é a participação de mercado. A primeira explicação buscada na época para justificar a relação entre maior lucratividade e maior participação de mercado, estaria associada à economia de escala, incluindo relações com fornecedores, manufatura, marketing e outros componentes de custos. Buzzell e Gale constataram ainda que uma participação de 40% em um dado mercado proporcionava ao líder um retorno duas vezes maior do que o do segundo colocado. A segunda explicação para tentar justificar essa lucratividade estaria no poder de mercado. Eles ressaltam que segundo alguns economistas, a economia de escala possui pouca importância na maioria dos setores. Acreditam também que os maiores resultados obtidos pelos líderes de mercado referem-se mais ao poder de barganha de que tais indústrias desfrutam. A terceira explicação relaciona-se à qualidade da gerência. Uma boa gerência é bem-sucedida ao desenvolver alta participação em seus respectivos mercados e possui habilidade em controlar custos, conseguir o máximo de produtividade de seus empregados e daí por diante. As proposições daqueles autores decorreram das análises realizadas em 2.700 empresas norte-americanas. Contudo, em razão de interpretações diferenciadas dessas constatações, algumas empresas passaram a buscar, a qualquer custo, maior participação de mercado, resultando em perdas e capacidade ociosa. Trabalhos posteriores demonstraram que pequenas participações de mercado poderiam também ser vantajosas. Uso de medidas não financeiras para mensurar a produtividade do esforço de marketing As medidas não financeiras foram gradualmente surgindo até atingirem aspectos como: a satisfação, a lealdade e o valor do cliente. DAY, George S. & Fahey, Liam (1988), Valuing market strategies, Journal of marketing, 52, 3, 45–57. BONOMA, Thomas & Clark, Bruce H. (1988), Marketing performance assessment, Harvard School Press, Boston. 43 BUZZELL, Robert D. & GALE, Bradley T. (1987), The PIMS principles: linking strategy to performance, Free Press, NewYork. 44 Conforme visto na Introdução Geral deste trabalho, o PIMS é um programa de atividades de pesquisas contínuas em multicompanhias, administrado pelo Strategic Planning Institute (SPI). 41 42 106 Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira Satisfação do cliente: As medidas de satisfação do cliente têm se tornado um importante indicador da qualidade de performance de muitas empresas. O tradicional paradigma da desconfirmação da satisfação do cliente pressupõe “que os clientes têm expectativas pré-compras sobre os produtos que eles compram e ficam mais satisfeitos, dependendo de como positivamente a experiência de consumo desconfirma aquela expectativa” (CLARK, 2001, p. 715). O patrimônio de marketing é construído a partir dessa satisfação, tendo-se em vista a crescente lealdade e conseqüentes implicações em recompra e redução de custos. A simplicidade teórica dessa constatação é mais complexa quando testada na prática. Conforme Clark (2001) ponderou, os clientes, na maioria, estão satisfeitos. E se esses clientes estão igualmente satisfeitos, o índice de sua satisfação não representa vantagem competitiva. Pode-se acrescentar que para determinados produtos ou serviços a satisfação ou insatisfação do cliente tem pouco efeito sobre seu consumo, como é o caso de energia elétrica. Finalmente, as empresas estão se conscientizando, cada vez mais, de que o enfoque de satisfação do cliente deve ser resultante de seu valor para a empresa. Em outras palavras, o importante para a empresa é conquistar e manter clientes satisfeitos, desde que os mesmos sejam rentáveis, podendo essa rentabilidade ser retratada em ganhos financeiros ou não financeiros. A satisfação do cliente poderia ser avaliada relativamente aos produtos concorrentes, ao contrário do que satisfação geral, incluindo diferentes atributos e benefícios que os clientes valorizam. Pode-se concluir a partir dessas ponderações que as métricas relacionadas à satisfação do cliente são relativas. A questão que aflora é não apenas saber o quanto o cliente da empresa está satisfeito, mas como os clientes dos competidores estão, a partir da estimativa ou do conhecimento do valor do próprio cliente. Lealdade do Cliente: A lealdade do cliente tem atraído crescente interesse como medida mercadológica, em parte, devido às limitações das medidas de satisfação do cliente. Também na literatura de marketing, o comportamento de compra e recompra é abordado há anos. O interesse recente nesse tema é decorrente da constatação de que manter clientes é menos dispendioso do que conquistar, independentemente de sua satisfação. Empiricamente, pode-se constatar que o cliente leal compra maior volume das ofertas da empresa, uma gama mais ampla de produtos e paga um preço premium pelos mesmos. Contudo, para esclarecer o que é lealdade, há necessidade de se considerar uma série de possibilidades entre atitude e repetição de compra. Uma atitude fraca ou negativa acompanhada por baixo padrão de compra ou de repetição pode significar ausência de lealdade. Uma atitude negativa acompanhada por um padrão de repetição de compra elevado pode significar uma lealdade espúria. Uma atitude positiva acompanhada por um padrão de repetição de compra fraco pode significar uma lealdade latente ou potencial. Já uma alta correspondência entre atitude favorável e um elevado padrão de repetição pode indicar uma lealdade. Esse tipo de medida, como as demais, apresenta algum tipo de restrição ou de limitação. O mais visível para essa medida relaciona-se ao padrão de recompra. Alguns produtos ou serviços possuem um padrão de recompra de longo prazo, podendo inexistir ou ocorrer com pouca freqüência, como é o caso da compra de um imóvel. Uma medida que integra a questão da lealdade com o valor de um cliente leal é considerá-lo sob a perspectiva financeira. Isto é, calcular o “valor de vida” do cliente leal, como tratado a seguir. Valor do cliente: Esta métrica parte do reconhecimento de que o valor de uma empresa é, em grande parte, determinado pelo valor que o cliente representa no seu relacionamento com ela (RUST; ZEITHAML; LEMON, 2001). O paradigma tradicional, segundo esses autores, afere os lucros de uma empresa baseados no desempenho dos seus produtos ou serviços, eliminando aqueles que não são lucrativos. Baseia-se na premissa de que essa eliminação corresponderá a uma melhoria na lucratividade da empresa. 107 Relatório de Pesquisa – RP0502 A idéia de se considerar o cliente como uma unidade financeira foi enfatizada por Blattberg e Deighton (1996), que destacaram a necessidade de buscar um equilíbrio entre a aquisição de novos clientes e a retenção dos clientes atuais. A proposta de valor do cliente parte do reconhecimento que se os relacionamentos são o bem essencial de uma empresa, seus esforços devem se orientar no sentido de construí-los e mantê-los. O valor do cliente, segundo Rust, Zeithaml e Lemon (2001), é equivalente ao total de valores de consumo do cliente, ao longo de sua “vida de consumo”, naquela empresa. A essas proposições podem-se acrescentar os indicadores financeiros utilizados para mensurar o valor do cliente segundo os seguintes momentos do processo de construção de sua relação com a empresa: cliente potencial, primeira compra, segunda compra, cliente regular ou habitual (heavy users versus light users) e ex-cliente. Uma das críticas a essa proposta é que, em algumas situações, como atendimento à saúde, o valor do cliente é maior conforme seu menor consumo ou mesmo a ausência do consumo do serviço. Valor da marca: Muitos profissionais de marketing advogam que o maior patrimônio de marketing que uma empresa pode ter é sua marca (AAKER, 1990). Uma marca forte, à semelhança da lealdade do cliente, permite que a empresa cobre um preço premium sobre produtos em relação aos produtos sem marca ou com marcas pobremente estabelecidas. A marca forte pode ser utilizada como uma franquia para o lançamento de novos produtos, para extensão de linha e de marca, reduzindo o risco percebido pelos consumidores. Keller (1993) define valor de marca como o efeito da diferença do conhecimento da marca sobre a resposta do cliente ao esforço de marketing da empresa. Webster Jr. (1994) considera que o termo valor de marca refere-se à marca como um ativo da empresa, visto sob a perspectiva de seus proprietários. Contudo, o que vai dar significado à expressão está na posição da marca na mente dos consumidores. Existem três principais abordagens para mensurar o valor da marca: a abordagem 108 comportamental, a abordagem financeira e a abordagem mista, que corresponde a uma combinação das anteriores. A primeira, comportamental, verifica a resposta do cliente à marca, em termos de percepção ou compra. A segunda abordagem, financeira, tenta estabelecer o valor financeiro da marca para seus investidores. Refere-se, por exemplo, à diferença que os produtos com marca acrescentam ao fluxo de caixa da empresa em relação aos produtos sem marca. Considera, em outra perspectiva, a totalidade dos investimentos em marketing como o ativo da marca. Entre as abordagens mistas, cabe destacar a utilizada pela Young & Rubincan e a da firma inglesa Interbrand. A primeira considera a diferenciação, a relevância, a estima e o conhecimento da marca. A segunda leva em conta a liderança, a estabilidade, o mercado, a internacionalidade, a tendência do mercado, o apoio e a proteção legal, também da marca. A cada uma dessas características é atribuído um peso, e a mensuração do valor de uma marca decorre de como esta se comporta perante esses indicadores e seus respectivos pesos. Não há ainda uma metodologia que possa ser considerada universal ou mesmo consistente para a sua mensuração. O valor de marca varia segundo os contextos de negócios. Isto é, se a empresa quer se desfazer dela ou se há algum investidor potencialmente interessado em adquiri-la; o setor a que pertence e ainda o grau de intimidade que a marca desenvolveu entre o cliente e o produto. Orientação para o mercado: Uma das avaliações mais sistemáticas da qualidade das ações de marketing tem se valido do conceito de orientação para o mercado. Este tipo de medida das atividades mercadológicas utiliza a inteligência de marketing. Assim, a orientação para o mercado inclui a análise sistemática da coleta, disseminação e uso da informação de marketing dentro da organização (KOHLI; JAWORSKI, 1990). Considera a importância de se manter o equilíbrio de perspectivas entre clientes e concorrentes, baseado em três componentes: orientação para o cliente, orientação para a concorrência e coordenação interfuncional. Evidências empíricas sobre a adoção desse Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira conceito sugerem que a geração, disseminação e uso da informação de mercado, dentro da organização, quando feitos com critério e significado, podem se constituir em vantagem competitiva. Wrenn 45, citado por Clark (2001), constatou que a orientação para o mercado também afeta positivamente a percepção de clientes e empregados a respeito da empresa. Os estudiosos e pesquisadores acadêmicos, apesar de considerarem indiscutíveis as vantagens dessa abordagem, não têm sido unânimes sobre sua influência para a criação de novos produtos e serviços e mesmo para a inovação em marketing. Lukas e Ferrell (2000) concluíram, a partir de um estudo realizado em 194 unidades estratégicas de negócios de fabricantes norte-americanos, que a orientação para o cliente aumenta a probabilidade de sucesso de produtos radicalmente novos; a orientação para a concorrência facilita a introdução de produtos “eu também”; e a coordenação interfuncional facilita a introdução de extensão de linhas de produtos. O quadro 9 apresenta uma síntese das principais contribuições ao tema mensuração em marketing. 6.4. O processo de combinação de métricas A adoção de medidas não financeiras para a mensuração do esforço de marketing relacionase ao fato de que alguns dos importantes elementos do desempenho de marketing não são captados pelas medidas financeiras mais usuais. Entretanto, as medidas não financeiras, na maioria, não são igualmente aplicáveis em todos os setores ou mesmo empresas. A premissa básica para justificar o uso de tais medidas é que elas representam ou devem representar valor, em longo prazo, para os acionistas e para a sustentabilidade das empresas. Uma marca poderosa, por exemplo, pode gerar recursos no presente e também no futuro. Uma outra constatação refere-se à necessidade de combinação de medidas. A crescente exigência de respostas do marketing às alterações do macroambiente e do ambiente 45 competitivo tem demandado a combinação de uma multiplicidade de indicadores, já que esses ampliam a possibilidade de captação de uma gama mais ampla da expressão de desempenho das atividades organizacionais. As métricas, conforme vistas até então, fornecem suporte a diferentes propósitos, diferem segundo características específicas de setores e empresas, possuem significados e ênfases distintos em tempos diferentes e necessitam se ajustar às peculiaridades dos clientes e aos interesses dos stakeholders. Além disso, precisam adequar-se ao estilo de gestão, à cultura organizacional e manter baixos os custos de sua geração e disseminação. A combinação do conjunto das medidas de avaliação propostas, precisa ser compreendida a partir de suas inter-relações. 6.5. Métricas orientadas à cadeia produtiva O processo de mensuração para abordar as perspectivas mercadológicas, descritas anteriormente, necessita ampliar-se para abranger também a cadeia produtiva e mesmo outros stakeholders da empresa, sob pena de se comprometer toda a estratégia empresarial. No presente estudo, o foco está nos componentes da cadeia produtiva: fornecedores, empresa, distribuidores e clientes. A proposição adotada para este trabalho difere da proposta de cadeia de valor de Porter (1986), já que sua abordagem é predominantemente interna à empresa. O enfoque de cadeia produtiva é mais amplo, porque inclui outros elementos não envolvidos na cadeia de valor, conforme abordada por Porter, que podem agregar valor à marca. Podese, por meio da gestão dessa cadeia, chegar a resultados diferenciados referentes à satisfação do cliente e redução dos custos. A proposição adotada neste estudo está relacionada com a construção de redes de relacionamentos e de alianças. É um conceito próximo ao de “arranjos produtivos” ou de WRENN, Bruce (1997), The marketing orientation construct: measurement and scaling issues, Journal of marketing theory and practices, 5, Summer, 31–54. 109 Relatório de Pesquisa – RP0502 QUADRO 9 Medidas de resultados financeiros e não financeiros M EDIDAS DE RESULTADOS FINANCEIROS Produtividade do marketing Bonoma; Clark (1988); Buzzell, Chussil (1985), Day ; Fahey (1988), Feder Estratégia de marketing e lucro Buzzell; Galé; Sultan (1974), Buzzell; Gale (1987). (1965). M EDIDAS DE RESULTADOS NÃO FINANCEIROS Auditoria de marketing Brownlie (1993, 1996); Kotler; Gregor; Rodgers (1977), Rothe Harvey; Jackson Participação de mercado Buzzell; Galé; Sultan (1974), Buzzell; Gale (1987), Jacobson (1988), Satisfação do cliente Anderson; Sullivan (1993), Anderson; Fornell; Rust (1997), Donaher; Matson (1998), Kotler ( 2000) Szymanski; Bharadwaj; Varadarajan (1993) (1994), Fornell (1992), Fornell; Johnson; Anderson; Cha; Bryant (1996), Halstead; Hartman; Schmidt (1994), Hauser; Simester; Wernerfelt (1994), Oliva; Oliver; MacMillan (1992), Peterson; Wilson (1992), Piercy; Morgan (1995), Selnes (1993), Spreng; MacKenzie; Olshavsky (1996), Teas (1993), Teas; Palan (1997), Voss; Parasuraman; Grewal (1998), Yi (1990). Lealdade do cliente Anderson; Sullivan (1993), Dick; Basu (1994), Fornell; Johnson; Anderson; Cha; Bryant (1996), Jones; Sasser (1995), Oliva; Oliver; MacMillan (1992), Reichheld (1994), Selnes (1993) Valor do cliente Blattberg; Getz; Thomas (2001), Rust, Zeithaml; Lemon (2001) Valor da marca Aaker; Jacobson (1994), Ambler; Barwise (1998), Brownlie (1993, 1996), Keller (1993, 1998), Height (1998), Lassar; Mittal; Sharma (1995), Selnes (1993), Simon; Sullivan (1993) Orientação para o mercado Day; Nedungadi (1994), Deshpande; Farley (1998a, 998b), Han; Kim; Srivastava (1998), Kohli; Jaworski (1998), Kohli; Jaworski; Kumar (1993), Jaworski; Kohli (1996), Narver; Slater (1990, 1998), Slater; Naver (1994), Wrenn (1997) Fonte: Adaptado de Clark (2001, p. 712-713). “clusters”, além dos conceitos de “competências essenciais” e “organização que aprende”. Essa abordagem coloca também em questão a estratégia de diversificação. Em vez de adotá-la, as empresas podem buscar a formação de alianças ou redes, que são utilizadas para aquisição de recursos ou 110 redução de escopo. Permite que a empresa concentre em suas competências essenciais, conforme proposto por Prahalad e Hamel (1998), em suas competências distintivas. As alianças auxiliam no posicionamento competitivo da empresa pelo estabelecimento de relacionamentos contínuos em contraposição às transações isoladas. Entretanto, não contribuem Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira diretamente para gerar competências essenciais, exceto naquelas habilidades relacionadas ao estabelecimento de parcerias. indicadores que têm contribuído para melhorar, a partir de estimativas mais precisas, os resultados do processo decisório. Para Prahalad e Hamel (1998, p. 298), “As competências essenciais são o aprendizado coletivo na organização, especialmente como coordenar as diversas habilidades de produção e integrar as múltiplas correntes tecnológicas”. Implica, assim, a necessidade de comunicação, envolvimento e profundo comprometimento em trabalhar além das fronteiras da organização. Como são baseadas em conhecimento, as competências essenciais não diminuem com o uso. Ao contrário, aumentam à medida que são aplicadas e compartilhadas. Estava assim preparado o campo para o conceito de “organização que aprende”. 7. FINANÇAS 6.6. Considerações finais sobre o referencial teórico O uso de medidas para acompanhar e mensurar o desempenho empresarial é bem recente. Inicialmente as medidas financeiras e posteriormente as estatísticas foram utilizadas. O seu sentido era mais indicar a conseqüência de determinados cursos de ação do que estimular uma reflexão sobre as conseqüências ou impactos ocasionados pelo processo decisório. A evolução dessas métricas inicialmente pela adoção de medidas não financeiras e posteriormente pela sua combinação com medidas financeiras tem proporcionado uma perspectiva mais ampla no desempenho empresarial voltado para uma estimativa futura das conseqüências das decisões presentes. Um novo patamar dessa evolução corresponde à ampliação dessas medidas para abranger a cadeia produtiva acima correspondendo aos fornecedores da empresa e abaixo correspondendo aos distribuidores. O seu significado para o desempenho empresarial fica com essa adoção estendido aos elementos da cadeia produtiva. É inegável que esse conjunto de desenvolvimentos tem contribuído para tornar mais objetiva a avaliação do desempenho empresarial, proporcionando 7.1. Introdução Este capítulo tem como objetivo descrever e analisar os principais indicadores financeiros utilizados pelas empresas nacionais e internacionais na gestão do seu negócio. Neste estudo os indicadores estão descritos de acordo com o seu grau de importância em cada época. As empresas estão cada vez mais preocupadas em administrar de forma eficiente os riscos envolvidos no negócio, procurando sempre melhorar os resultados econômicos e financeiros. Não obstante esta busca crescente por resultados mais alvissareiros, o objetivo das organizações deve ser, primeiramente, lograr sobreviver a curto prazo para então, gerar um cenário possível no qual a maximização da riqueza dos acionistas possa ser possível a longo prazo. Nesse sentido, as análises de estratégias operacionais de curto e de longo prazo – especialmente com foco na liquidez e na rentabilidade – são peças indispensáveis ao gestor que necessita avaliar, com necessidade ascendente de precisão, as diversas alternativas que se apresentam para a administração dos negócios. A seguir é apresentada uma síntese da evolução da administração financeira, destacando-se os principais indicadores de apoio à gestão. Esses indicadores visam identificar os melhores caminhos para uma performance superior, considerando não apenas a empresa, mas toda a cadeia produtiva. O conceito de cadeia produtiva está relacionado ao conjunto de etapas consecutivas, pelas quais vão passando e sendo transformados os insumos. Os principais elementos de uma cadeia produtiva são: a empresa, os fornecedores, os distribuidores, os clientes e os consumidores finais. Com vistas a um aprofundamento deste tema, nas próximas seções serão abordados alguns itens relevantes que fundamentam o papel da área financeira das empresas. Este capítulo está estruturado em seções, da seguinte forma: 111 Relatório de Pesquisa – RP0502 Evolução e Função da Área Financeira, Os Indicadores de Desempenho Financeiro, Os Ciclos Operacional e Financeiro, Geração de Valor, Opções Reais; Teoria do Valor em Risco – “V@R”. 7.2. Evolução da área financeira O estudo sistemático dos princípios de gerência financeira remonta ao início do século passado. A conclusão das redes ferroviárias americanas no final da década de 80 do século XIX fez surgir um movimento de consolidação empresarial, tendo como objetivo criar grupos industriais de abrangência nacional. No começo do século XX, cerca de 305 complexos industriais haviam se formado nos EUA, sendo que 78 deles eram responsáveis por mais de 50% da produção em seu setor. Nesse contexto, a administração dos grupos econômicos deparou-se com grandes problemas referentes à estrutura de capital. A análise da seleção correta da estrutura de capital foi tema central da literatura financeira nesse período, sendo muitos insucessos creditados ao alto custo de financiamento quando comparado aos retornos, propiciados pelos investimentos. Por esta razão, a utilização de ações como forma de captar recursos, em detrimento de debêntures e de outras obrigações fixas, foi fortemente recomendada. Na conceituação de Archer e D’ Ambrosio (1969), os livros-texto de finanças publicados no início do século XX seguiam uma “abordagem tradicional” que enfatizava os principais acontecimentos da vida financeira da empresa, em vez de concentrar-se nos problemas administrativos rotineiros. Enfocavam questões como capitalização, modalidades de títulos, preços de mercado, especulação e regulamentação governamental para a emissão de títulos. Para aqueles autores a abordagem tradicional dedicou sua atenção aos aspectos das operações financeiras das empresas que somente surgem de tempos em tempos e à influência exercida por elementos institucionais sobre estas decisões de caráter essencialmente descontínuo. 112 7.2.1. A função financeira nas décadas de 20, 30 e 40 A década de 20 foi marcada pelo aparecimento de uma série de novas indústrias, como a automobilística, a química e a indústria do aço. Nessa época, as margens de lucro eram altas, mas problemas com estoques e uma queda acelerada de preços entre 1920 e 1921 fizeram ressaltar a importância do estudo da estrutura financeira. Os fluxos de caixa apertados e as flutuações nos preços dos estoques levaram ao aumento da atenção sobre os aspectos de liquidez. Planejamento e controle passaram a ser discutidos, ainda que de forma embrionária. A década de 30 foi fortemente determinada pela crise de 1929. A recessão sem precedentes gerou uma grande onda de reorganizações e de falências. A liquidez tornou-se o centro das preocupações. Da mesma forma que no início do século, empresas com alto índice de endividamento viram-se em situação embaraçosa. Muitas delas tiveram de buscar, durante esse período, sua reabilitação financeira e lutar pela manutenção de sua solvência. A década também foi marcada por forte regulamentação governamental, representada pela legislação do New Deal – plano do governo Roosevelt para a recuperação da economia americana. As características da década de 40 foram determinadas pela 2a Guerra Mundial. Toda a atividade foi subordinada e dirigida ao esforço de guerra. A preocupação central durante o período pós-guerra foi o levantamento de fundos para financiar esse esforço. Temendo uma possível recessão após a guerra, muitas empresas fornecedoras do governo americano tomaram-se extremamente líquidas. Imediatamente após a guerra, o grande desafio para a área financeira foi a obtenção de financiamentos para incrementar o capital necessário, de forma a atender à demanda por bens de consumo da população. Após a 2a Guerra Mundial, na visão de Archer e D’ Ambrosio (1969), popularizou-se a Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira “abordagem administrativa” no estudo de finanças, segundo a qual as operações e rotinas diárias constituem-se no centro de atenção, enquanto os acontecimentos periódicos ou episódicos são relegados a uma posição de menor importância. 7.2.2. A função financeira nas décadas de 50, 60 e 70 A década de 50 foi caracterizada por uma grande expansão econômica, embora marcada pelo temor a uma possível recessão de grandes proporções, a exemplo do que ocorrera após a 1a Guerra Mundial. A dificuldade de obtenção de recursos externos, seja por meio de endividamento ou de venda de ações, trouxe grande ênfase à necessidade de conservação do caixa das empresas, o que fez com que os índices financeiros, que determinavam o julgamento da empresa por fontes externas, perdessem sua importância. O papel do orçamento de caixa foi enfatizado e os controles internos, como o controle do prazo de recebíveis, a análise de compras e as técnicas de controle de estoques, ganharam destaque. Segundo Archer e D’Ambrosio (1969), ganha importância nessa época “uma terceira abordagem”, cuja tônica é a Teoria Econômica das Finanças das Empresas. Um importante impulso a esta abordagem foi dado pela General Theory de Keynes46, porém, os seus conceitos ganharam importância operacional apenas no início dos anos 50, com a obra de Dean Joel, Capital Budgeting 47. No final dos anos 50, a lucratividade nas indústrias consolidadas americanas começou a decrescer. Ao mesmo tempo, o aumento do investimento em pesquisa e desenvolvimento resultou na criação de novas indústrias e novos segmentos industriais, com rápido crescimento do valor de suas ações. A diminuição do volume de recursos e das oportunidades de investimento nas indústrias tradicionais fez com que a avaliação das possibilidades de alocação de recursos ganhasse importância. A redução da margem entre os lucros esperados e o custo dos fundos estimulou a análise do custo de capital para determinar os limites apropriados para investimentos. Também teve grande incentivo a utilização de técnicas de planejamento e controle, com a finalidade de se aumentar o lucro, independentemente do crescimento de vendas. Por outro lado, o desenvolvimento de computadores de grande porte permitiu uma utilização expressiva de processamento de dados e de técnicas de simulação. A busca de ganhos de escala, ainda maiores do que aqueles proporcionados pelo mercado americano, levou à expansão da internacionalização das empresas e, conseqüentemente, ao desenvolvimento de políticas para lidar com movimentações diferenciadas em preços e custos. A aplicação da teoria econômica às finanças das empresas foi intensificada no decorrer dessa década. 7.2.3. A função financeira na década de 70 As profundas mudanças, relativas à função financeira, ocorridas a partir de meados da década de 40, foram produto de transformações radicais na economia americana e na economia mundial. O sistema financeiro projetado de acordo com Bretton Woods48 ao final da 2a Guerra Mundial baseava-se, em grande parte, na estabilidade do dólar. Os déficits comerciais americanos na década de 60 e a inflação crescente levaram a uma deterioração do dólar, tornado-o claramente supervalorizado em relação às moedas fortes européias. Esta situação culminou com o anúncio pelo presidente Nixon, em agosto de 1971, de um plano de estabilização que, entre outras medidas, suspendia a conversibilidade do dólar em ouro. Outro fato que teve grande influência na evolução da teoria financeira foi a queda do mercado de ações, em outubro de 1974, a maior ocorrida desde a quebra de 1929. KEYNES, John Maynard. Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. Editora: Atlas, 1992, 328p. JOEL, Dean. Capital Budgeting, Nova York: Columbia University Press, 1951. 48 Bretton Woods. Conferência realizada em 1944 nos EUA para a criação, pela primeira vez na história, de uma organização supranacional para a regulamentação do sistema financeiro nacional. O resultado dessa reunião foi a criação do Fundo Monetário Internacional – FMI – e do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD. 46 47 113 Relatório de Pesquisa – RP0502 As ações valiam, após a queda, 40% menos do que dois anos antes. Com a crise do petróleo e o superaquecimento da economia americana, o custo de vida subiu cerca de 20%. Após o ajuste inflacionário, todo o ganho do mercado de ações desde 1954 tinha sido perdido. Mesmo o mercado de renda fixa, tradicional reduto dos investidores com aversão ao risco perdeu cerca de 35% de seu poder de compra nesse período. A crise trouxe à luz uma série de teorias acadêmicas para análise de riscos e de portfólios, desenvolvidas nos 20 anos anteriores. Nesse contexto, os trabalhos de pesquisadores como Markowitz (1952), Tobin (1958) e Sharpe (1964) começam a chamar a atenção dos participantes do mercado. A grande contribuição de Markowitz ocorreu em 1952, com a publicação no Journal of Finance do artigo Portfolio Selection, que deu tratamento inovador à questão da relação entre risco e retomo. Markowitz não estava particularmente interessado no mercado acionário quando escreveu seu artigo. Sua preocupação voltava-se para um problema mais amplo e abstrato: como as pessoas podem tomar as melhores decisões quando lidam com os inevitáveis trade-off. O mercado acionário era particularmente interessante, pois os investidores deparam-se com um trade-off especialmente cruel. Como se sabe, ninguém enriquece investindo em contas de poupança. Dessa forma, os investidores não podem esperar obter altos retornos a menos que aceitem correr altos riscos. Mas quanto risco é necessário correr? Há um método que permita ao investidor minimizar riscos para um certo nível de ganho esperado? As respostas que aquele autor deu a estas questões transformaram completamente a teoria da área de investimentos e fundamentaram teorias posteriores sobre o funcionamento de mercados financeiros. Markowitz (1952) questionou as concepções ingênuas de diversificação, colocou disciplina matemática em regras muito conhecidas no mercado de capitais como: “para obter grandes ganhos é necessário correr grandes riscos” e “não se devem colocar todos os ovos no mesmo cesto”. Aquele autor mostra que se os recursos forem aplicados em vários ativos com alto grau 114 de correlação, na verdade os vários cestos imaginários não passam de um único cesto. O grande insight de Markowitz pode ser ilustrado pela figura 12. Tomando-se um ativo A, com ganho médio esperado x1 e um risco y1, e um ativo B, com ganho médio esperado x2 e um risco y2 é intuitivo pensar que os portfólios que combinam os dois ativos numa proporção w e 1-w são representados pelo segmento de reta que une A a B. Markowitz mostra que a intuição, neste caso, é incorreta. Ele calcula o retomo esperado definindo um grupo de retornos possíveis para os ativos e atribuindo probabilidades a cada um destes retornos. A seguir calcula, o desvio-padrão dos retornos, que se constitui na medida do risco. Constituindo-se um portfólio com dois ativos, pode-se observar que o retorno médio esperado é igual à média dos retornos esperados para os ativos, ponderada pela participação de cada um deles na carteira. O desvio-padrão desse portfólio, entretanto, não é dado pela média dos desvios-padrão dos ativos, pois os ativos não variam da mesma forma, ou seja, seu coeficiente de correlação não é igual a 1. A intuição, no caso, somente seria válida se o coeficiente de correlação fosse igual a 1. Por outro lado, se o coeficiente de correlação entre os dois ativos fosse igual a –1, poderia ser gerada uma carteira livre de risco. No caso geral, ou seja, –1 < r < 1, onde r é o coeficiente de correlação, a curva de risco-retomo para o portfólio terá o formato de uma hipérbole. Todas estas possibilidades são mostradas na figura abaixo: FIGURA 12: Composição da Carteira Fonte: Markowitz, 1952. Markowitz mostra que, por meio da escolha correta do portfólio, o risco, para um nível de ganho esperado, pode ser minimizado. O risco Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira pode até mesmo ser eliminado caso o investidor tenha a sorte de encontrar dois ativos com correlação perfeitamente negativa. Esta possibilidade, entretanto, mostra-se muito remota em termos práticos, já que os ativos tendem a se valorizar quando o mercado está em crescimento e tendem a desvalorizar-se quando o mercado está em baixa. Em adição, à medida que o mercado descobrisse ativos com características tão especiais, haveria uma procura muito grande pelos mesmos, influenciando sua rentabilidade esperada e seu grau de correlação. Bernstein (1992) relata um caso exemplar de diversificação ingênua. Uma fundação americana recebeu, no final dos anos 60, uma grande dotação de ações de uma empresa inserida no grupo das “cinqüenta favoritas”. Este grupo incluía as companhias mais respeitáveis, estáveis e glamourosas dos Estados Unidos, como Procter & Gamble, IBM, Merck e Avon. Convencidos de que o risco de manter ações de uma única companhia era muito grande, os administradores da fundação venderam 75% de suas ações. Os fundos obtidos passaram a ser administrados por dois bancos e por uma companhia especializada em aconselhamento a investidores. Entretanto, os administradores dessas três instituições seguiram o roteiro tradicional de investimentos da época, comprando ações de outras empresas do grupo das “cinqüenta favoritas”. Quando o mercado despencou em 1974, as “cinqüenta favoritas” tiveram uma queda abrupta, evidenciando o equívoco da estratégia de diversificação empregada. Ao mesmo tempo, ações que tinham um apelo muito menor, como US Steel e Union Carbide valorizaram-se no mesmo período. James Tobin, por sua vez, deu uma grande contribuição à área de finanças num artigo de 1958, intitulado Liquidity Preference as Behavior Toward Risk49. Tobin, que receberia o Prêmio Nobel de Economia em 1981, estava basicamente preocupado com questões macroeconômicas. Seu trabalho tinha como ponto de partida a teoria keynesiana, segundo a qual as decisões de poupança e de 49 gerenciamento de liquidez são duas decisões distintas e que, freqüentemente, não são relacionadas. A expressão de Keynes, “preferência por liquidez”, indica que as pessoas não aplicarão seu caixa a menos que haja uma recompensa adequada. Juros não são apenas uma recompensa pelo adiamento do consumo, mas também uma recompensa por manter ativos cujo valor flutua e que apresentam custos não desprezíveis de compra e venda. Keynes baseia sua teoria em dois pressupostos pouco realistas. O primeiro pressuposto é que as expectativas com relação à variação nas taxas de juros mudam muito lentamente. O segundo define que o investidor faz uma escolha entre manter todo o seu dinheiro em caixa ou investi-lo totalmente em ativos de risco. A contribuição de Tobin (1958) consistiu em mostrar que o sistema de Keynes funciona mesmo desconsiderando esses pressupostos. Segundo Tobin, os investidores tomam sua decisão com base num continuum que vai da total liquidez ao total investimento em ativos de risco. No desenvolvimento de seu trabalho, Tobin tomou conhecimento das idéias de Markowitz. Porém, como ele mesmo observou, o principal interesse do trabalho de Markowitz era a prescrição de regras para o investidor racional, enquanto seu interesse era estudar o efeito que deriva para a teoria econômica, caso os investidores sigam efetivamente estas regras. Tobin observou uma limitação no trabalho de Markowitz, já que este considerava na sua teoria de portfólio apenas ativos de risco. Tobin constatou que esse pressuposto não era adequado, pois a maioria das pessoas moderava o risco de suas carteiras mantendo caixa ou ativos equivalentes à caixa, como títulos do tesouro americano. Esta percepção gerou o seu famoso Teorema da Separação, segundo o qual o processo markowitziano de selecionar o portfólio com ativos de risco mais eficiente é completamente separado da decisão de quanto aplicar em ativos de risco e ativos livres de risco. Em suma, o portfólio de ativos de risco mais adequado para qualquer investidor é independente de sua atitude com relação ao risco. O que vai diferenciar um investidor com maior tolerância ao risco de um investidor com TOBIN, J. Liquidity preference as a behavior toward risk. Review of Economic, 1958. 115 Relatório de Pesquisa – RP0502 menor tolerância, é o porcentual de ativos livres de risco que cada um mantém em sua carteira. O Teorema da Separação constitui-se numa dura critica aos administradores de portfólio que trabalham da mesma forma que os decoradores de interiores. Segundo tal enfoque, cada cliente deve ter um portfólio adequado ao seu perfil, da mesma forma que sua sala de estar deve ser adequada a seus gostos e a sua personalidade. Uma viúva deve manter um portfólio com ações de pouco risco, que paguem dividendos regularmente, enquanto um jovem executivo pode arriscar-se, construindo um portfólio muito mais agressivo. Em realidade, a estratégia adequada para a viúva seria manter o portfólio representado pelo ponto B, mesclando-o com títulos livres de risco que a levassem para a posição A. Da mesma forma, o jovem executivo deveria adquirir o portfólio representado pelo ponto B, tomando dinheiro emprestado a uma taxa livre de risco, estratégia que o levaria para a posição de risco-retorno C. A figura 13, a seguir, representa este esquema. próprio mercado. O CAPM também estabelece que a diferença entre o retorno esperado para um dado ativo e o retomo de um ativo livre de risco é diretamente proporcional ao coeficiente Beta, que é dado pela covariância do ativo em relação ao mercado. Desta forma, o papel principal do CAPM é estimar o retorno esperado de um ativo ou avaliar seu risco. Trata-se de uma teoria relativamente simples aliada a um alto grau de lógica interna. Porém, a despeito de seu grande poder explicativo, o CAPM não pode ser considerado completamente realista, já que seus pressupostos estão baseados em um mercado eficiente e livre de custos de transação. Entre os modelos alternativos ao CAPM destaca-se o Arbittrage Pricing Theory – APT, desenvolvido por Stephen Ross50. Segundo o APT, a rentabilidade de uma carteira depende de vários fatores ou influências independentes, que obedecem à seguinte relação: Rentabilidade da ação = a1+ b1 ( fator 1) + b2 ( fator 2) + ...+ bn ( fator n ) FIGURA 13: Apresentação gráfica do Teorema da Separação Fonte:TOBIN, 1958. Da mesma forma que Tobin, Sharpe (1964) demonstrou que, quando os investidores têm a chance de emprestar ou de tomar emprestado à taxa livre de risco, há um portfólio na fronteira eficiente cujo trade-off entre risco e retomo esperado dominará todos os demais portfólios. Por ser ótimo, este portfólio deve ser mantido por todos investidores, independentemente de sua propensão ao risco. Sharpe, porém, vai adiante, concluindo por meio do modelo Capital Asset Pricing Model – CAPM que o portfólio supereficiente é igual ao 50 Os fatores não são definidos a priori pela teoria. Entre eles poderiam estar a inflação, as taxas de juros, as mudanças nas percepções de risco, o crescimento econômico esperado e o preço das matérias-primas. Em adição, algumas ações são mais sensíveis a um dado fator do que outras. O APT estabelece que, caso estejam disponíveis ações suficientes, pode ser construída uma carteira diversificada com sensibilidade zero em relação a cada fator, ou seja, uma carteira livre de risco. O modelo também define que cada prêmio de risco deve depender dos prêmios de risco associados a cada fator e da sensibilidade da ação a cada um dos fatores, ou seja: Prêmio de Risco da Ação = r − rf = b1 × (rfator1 − rf ) + b2 × ( rfator 2 − rf ) + ...+ b n × (rfatorn − rf A Teoria dos Mercados Eficientes ganhou, também, notável importância, a partir do início dos anos 70. Uma série de trabalhos anteriores, desenvolvidos principalmente por estatísticos, demonstrou que os preços dos ativos financeiros flutuavam de forma randômica. Samuelson (1965) provou que se ROSS, S. A., “The Arbitrage Theory of Capital Asset Pricing”, Journal of Economic Theory, 13, 1976. 116 ) Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira os investidores buscassem seu próprio interesse de forma ávida e inteligente, o resultado seria um comportamento randômico dos preços dos ativos financeiros. A Teoria dos Mercados Eficientes estabelece que os preços refletem de forma imediata todas as informações relevantes disponíveis sobre o conjunto de ativos financeiros negociados. Fama (1970) desenvolveu um esforço de operacionalização da noção de eficiência do mercado de capitais, tentando classificar os tipos de informações relevantes para a definição dos preços. Definiu, deste modo, três níveis de eficiência: • Eficiência fraca: Não permite que um investidor obtenha ganhos em excesso desenvolvendo regras de negociação baseadas em histórico de preços ou em informações sobre retornos. • Eficiência semiforte: Não permite que um investidor obtenha ganhos em excesso com base em informações publicamente disponíveis. Exemplos deste tipo de informação são relatórios anuais das empresas, notícias de jornal, avisos de emissão de dividendos ou bonificações, etc. • Eficiência forte: Não permite que um investidor obtenha ganhos em excesso usando qualquer informação, pública ou não. 7.2.4. A função financeira na década de 80 O final dos anos 70 e toda a década de 80 foram marcados pela alta volatilidade das taxas de juros. Em 1976 a prime rate, taxa de juros básica utilizada por bancos comerciais norteamericanos em empréstimos a clientes preferenciais, era 6%. No começo de 1978 subiu para 8%, e no final desse mesmo ano chegou a 15%. Um ano mais tarde, em dezembro de 1979, saltou para 15,25%. Em dezembro de 1980 a prime atingiu 21%, quando começou a cair até chegar em 15,75%, em dezembro de 1981. Em maio de 1984 a prime caiu para 12,5% e em agosto de 1986 estava em 7,5%. Em fevereiro de 1989 subiu para 11%. Os países exportadores de petróleo, por não disporem de projetos atrativos para investir 51 seus excedentes comerciais, fizeram maciças aplicações em bancos europeus e americanos nos anos 70, o que gerou um excesso de liquidez na economia mundial. Os bancos, famintos por tomadores, fizeram empréstimos a países em desenvolvimento de valores acima dos níveis que as técnicas de concessão de crédito aconselhavam. Quando os países em desenvolvimento, no início dos anos 80, declararam unilateralmente moratória e os países exportadores de petróleo buscaram reaver seus depósitos diante de uma crescente necessidade de investimentos em infra-estrutura, os bancos comerciais tradicionais ficaram em situação delicada. A título de ilustração, pode-se recordar que mais de uma dezena de bancos americanos tinham classificação “triple A” nos anos 70 e apenas um banco conservou essa classificação no final dos anos 80. A variação abrupta das taxas de juros também trouxe sérios danos às empresas de poupança americanas, acostumadas a captar a 3% ao ano e a conceder empréstimos de 30 anos à taxa fixa de 6% ao ano. Como conseqüência, as grandes corretoras e os bancos de investimento tomaram a dianteira nos negócios, ajudando a criar e comercializar um grande número de instrumentos financeiros para financiar diretamente as empresas. O mercado passou por um forte processo de “desintermediação financeira”, contando com a contribuição adicional da desregulamentação nos Estados Unidos e em alguns países da Europa. A securitização, neste contexto, foi uma ferramenta usada para transformar débitos de difícil negociação em ativos financeiros mais atrativos para os mercados de capitais. Devido ao panorama de turbulências dos anos 80, o estudo do risco ocupou papel preponderante nessa década. Ganhou grande importância o estudo dos mercados futuros e de opções. O artigo “The Pricing of Options and Corporate Liabilities” , escrito por Black e Scholes 51 , tornou-se referência fundamental na década de 80. Nesse artigo, eles apresentaram uma fórmula para valorização de opções de compra, demonstrando que o valor da opção depende do preço de exercício da opção, do tempo até a BLACK, F.; SCHOLES, M. The Pricing of Options and Corporate Liabilities. Journal of Political Economy, no 81, 1973, pp. 637–659. 117 Relatório de Pesquisa – RP0502 data de exercício, do preço da ação no presente momento, da taxa de juros livre de risco e da variância (volatilidade) do preço da ação. A variedade de ativos financeiros colocados à disposição dos investidores permitiu a criação de uma série de estratégias de investimento com vistas a limitar seu risco. Spread, box e butterflies são os nomes dados a algumas destas estratégias. Spread, por exemplo, consiste na compra de uma opção de compra com preço de exercício menor e na venda de uma opção de compra com preço de exercício maior. Tome-se como exemplo a compra, por US$ 185.00, de uma opção de compra da ação A por US$ 1000.00 e a venda, por US$ 100.00, de uma opção de compra da ação A por US$ 1100.00. Caso as opções sejam exercidas, o investidor terá um retomo de 17,6%, conforme demonstrado pelo fluxo de caixa esquematizado abaixo. Se as opções não forem exercidas, o prejuízo do investidor ficaria limitado a US$ 85.00, conforme apresentado pela figura 14. 1100 –1000 = 100 185 – 100 =85 Figura 14: Fluxo de Caixa 7.2.5. A função financeira na década de 90 O conceito-chave da década de 90 é a globalização da economia, que traz como conseqüência um aumento substancial da gama de riscos com a qual o administrador financeiro precisa preocupar-se. O custo de produzir globalmente é fortemente influenciado, entre outros fatores, pelas variações cambiais relativas, pela variação dos preços das matérias-primas e pela oscilação das taxas de juros, tornando o processo de gerir negócios muito mais complexo. Não basta à empresa globalizada preocupar-se em produzir da forma mais produtiva em uma determinada localidade. Uma empresa que tenha passivos 52 em uma determinada moeda e ativos em outra moeda pode ver toda lucratividade perder-se em razão do comportamento de variáveis exógenas. Nesses termos, os mercados futuros e de opções oferecem uma série de defesas contra estes riscos. Não utilizar esses instrumentos significa, em última análise, assumir um comportamento especulativo. Como conseqüência, as estratégias de hedging utilizando os mercados futuros e de opções tornam-se ainda mais importantes do que nos anos 80. Em decorrência, livros-texto como o de Hull (1998) cada vez mais se popularizam. Os anos 90 também se caracterizaram pela reformulação profunda da forma de operação das empresas, com grande preocupação na diminuição de custos, na redução de níveis hierárquicos e de outros overheads. A área financeira tem contribuído neste esforço com novas técnicas de custeio como a Activity Based Cost – ABC. Na mesma direção, o processo de mensuração do nível de criação de riqueza que os administradores proporcionam aos acionistas tem se tornado um importante tema em finanças corporativas. O conceito “Economic Value Added” – EVA52 propõe que, para saber se uma operação está ou não criando valor, é necessário conhecer o verdadeiro custo de todo o capital empregado. O EVA inicia-se calculando o custo médio ponderado de capital, que é a média ponderada das taxas de retomo dos capitais próprios e de terceiros mantidos pela empresa. A seguir é calculado o capital total da empresa, que inclui não apenas o ativo fixo e o ativo circulante, mas também valores normalmente contabilizados em contas de despesas, como os valores despendidos em treinamento de funcionários e em pesquisa e desenvolvimento. Se a multiplicação do custo médio de capital pelo capital total for menor do que os lucros operacionais menos os impostos significa que a empresa está criando valor. O quadro 10, a seguir, esquematiza a evolução da área financeira. Fazendo-se um breve retrospecto da evolução da teoria de finanças, constata-se a ocorrência de significativas mudanças no foco de EVA®, marca registrada da Stern Stewart & Co., de Nova York. 118 Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira preocupação dos principais executivos no âmbito das empresas. Algumas dessas mudanças são mais perceptíveis. Por exemplo, o papel de certo modo disciplinador e mecanicista até há pouco tempo atribuído à área financeira. Nos últimos anos, essa importante área da empresa vem ocupando posições mais estratégicas e de orientação às diversas unidades de negócio. Também, é possível lembrar a pouca relevância que se atribuía ao processo de apuração e controle de custo dos produtos e dos departamentos. Atualmente, é bem visível a preocupação em se desenhar os custos em função do mercado e da competitividade. Entre muitas outras mudanças essenciais ocorridas no foco de preocupação dos executivos – especialmente dos executivos de finanças –, merece especial destaque a ênfase no valor da empresa como importante evolução com relação à simplista busca por lucro como fim em si mesmo. Não é que o lucro tenha perdido sua importância ou tenha se tornado prescindível. Nenhuma empresa poderá subsistir, por muito tempo, sem lucro e se não obtiver, sobre seus investimentos, retorno compatível com o custo explícito e de oportunidade dos recursos financeiros utilizados. O que já mudou substancialmente, e ainda precisa mudar em grande número das organizações brasileiras é o conceito e a abrangência do que seja lucro e retorno. A concepção contemporânea de gestão empresarial amplia esses conceitos e os torna mais consistentes com a realidade do mundo dos negócios ao considerá-los decisivos para a criação de valor. A ênfase na criação de valor, além de atender diretamente aos interesses dos investidores, é mais do que uma simples operação aritmética de “receitas menos despesas” ou de “lucro/investimento”. Contempla, pelo menos, quatro importantes aspectos: perspectiva de longo prazo; expectativa de realização de ganhos pelos investidores; dimensões de risco e retorno e responsabilidade social. Perspectiva de longo prazo Um dos mais importantes princípios que orientam as decisões gerenciais é o da continuidade, orientando no sentido de que as inevitáveis decisões de curto prazo e do cotidiano levem em conta que as instituições QUADRO 10 A evolução da área financeira ÉPOCA F ATOS ECONÔMICOS E INDUSTRIAIS INFLUÊNCIA SOBRE O CONTEÚDO DE FINANÇAS Início do século Movimento de consolidação empresarial Estrutura de capital Principais episódios financeiros Década de 1920 Década de 1930 Expansão das ind ústrias Estrutura financeira Fusões entre empresas Grandes margens de lucro Algum planejamento e controle Considerações sobre a liquidez Profunda recessão econômica Falhas na estrutura financeira Onda de reorganização e de falência Solvência e liquidez Legislação do New Deal da década de 30 Recuperação Financeira Controles sociais Início da década Rápida expansão de 1950 Restabelecimento da política monetária Temos de recessão pós-guerra Fim da década de 1950 e início da década de 1960 Melhores oportunidades de lucro Aumento no ritmo do progresso tecnológico Novas indústrias Prêmio de mercado de títulos Informática Importância crescente do comércio internacional e dos problemas de balanço de pagamento. Problema de FC x Rentabilidade Redução na ênfase na análise de balanço Uso de processos administrativos financeiros internos: valores a receber, previsões de orçamento. Análise de oportunidade com o uso do orçamento de capital Análise do custo de capital visando o investimento Aumento do lucro sem aumentar vendas Uso de técnicas de simulação Internacionalização das finanças e da atividade empresarial Fonte: Adaptado de WESTON (1969) 119 Relatório de Pesquisa – RP0502 integram um tecido social mais amplo. E assim, não têm duração condicionada à esperança de vida dos seus mantenedores. Isto remete à permanente preocupação de que os atos e os fatos administrativos contemplem a maior quantidade possível de fatores que possam circunstanciar a sobrevivência da entidade. Pode compreender desde o perfil de projetos empreendidos e sua cultura organizacional, até o relacionamento com os diversos seguimentos da sociedade: governo, sindicatos, fornecedores, clientes, concorrentes, bancos e investidores. Expectativa de realização de ganhos pelos investidores Quando os principais investidores de uma empresa, seus acionistas ou cotistas, colocam dinheiro em um negócio, estão tomando uma decisão intermediária com relação à satisfação que pretendem obter com tais recursos. É natural que esses investidores queiram dispor de condições para planejar a futura utilização desses recursos na produção de satisfações pessoais. Satisfações que irão além do que apenas ver um belo e intocável patrimônio préqualificado a integrar seu testamento. Certamente esses investidores têm expectativa de realizar, ainda em vida, pelo menos parte dos ganhos que obtiverem e de adquirir a satisfação que em algum momento justificou o sacrifício de não consumir e de efetuar a poupança que deu origem a tal investimento. Significa dizer que, mesmo gerando lucros, é razoável supor que a empresa tenha uma política de destinação desses resultados, que satisfaça tanto suas necessidades de reinvestimento e de capitalização quanto às expectativas que possam ter os investidores com relação a esses resultados. Essa política de destinação dos resultados – política de dividendos, no caso de uma S.A. – é um tema muito relevante de finanças empresariais que poderá ser alvo de outro estudo. O que não se pode desconsiderar é o fato de este aspecto ser importante para o investidor tomar sua decisão quanto à taxa mínima de retorno que exigirá, bem como de prosseguir ou não com o investimento. Dimensões de risco e retorno 120 Considerando-se que as decisões mais importantes têm reflexo mais duradouro, numa perspectiva de longo prazo, é interessante lembrar que um dos fatores de risco é o fator tempo. E como o essencial de um empreendimento é seu crescimento sustentável, quem toma decisão deve focar o futuro com maior intensidade do que o passado, e é aí que as dimensões risco e retorno ganham importância. Um investidor, minimamente informado, somente colocará recursos em empreendimentos cuja expectativa de retorno seja suficiente para cobrir os ganhos livres de risco e compense a magnitude do risco inerente a tal investimento. Como a aferição de retorno somente ocorrerá no futuro, o verdadeiro lucro do investidor consistirá no quanto sua riqueza possa ser maximizada, ou seja, quanto valor possa ser agregado, no futuro, ao investimento que venha a fazer no presente. 7.3. A função da área financeira Toda decisão tomada por uma empresa tem implicações financeiras. O objetivo da empresa é maximizar o seu valor de forma sustentável. Para isso, as decisões de financiamento, investimento e dividendos são fundamentais, e tornam-se cada vez mais complexas. A gestão das empresas reflete com muita intensidade o ambiente e as preocupações sociais. Hoje preocupações com sustentabilidade, trabalho em rede e cooperação ocupam lugar de destaque no dia-a-dia das organizações. Essas grandes funções da área financeira desdobram-se em ações operacionais e estratégicas que estão, de certa forma, vinculadas à cadeia produtiva. A empresa pode investir no desenvolvimento de seus fornecedores e nos processos e produtos deles, agregando valor aos seus clientes e consumidores. Os bancos e outras fontes de recursos também são terceiros que participam da empresa. O grande desafio hoje na área financeira é quantificar e qualificar essas relações, ou seja, avaliar o relacionamento da empresa com seus fornecedores e clientes. Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira Enquanto o investidor deseja obter um retorno sobre o seu capital empregado no negócio, o gestor precisa tomar decisões que façam com que o negócio seja capaz de remunerar os investimentos de acordo com a taxa mínima exigida pelos investidores (fornecedores, sociedade, acionistas). Essa taxa depende do risco do negócio. Quanto mais arriscado for o negócio, maior será a taxa mínima exigida pelos acionistas. 7.3.1. A decisão de investimento Talvez a decisão de investimento seja o tópico que apresenta maior nível de discrepância entre os livros-texto atuais e os escritos por volta da década de 60. Weston (1966), Solomon (1969) e Van Horne (1971) não fazem qualquer menção à Teoria das Carteiras, à combinação de um ativo livre de risco com uma carteira eficiente ou ao CAPM. Archer e D’Ambrosio (1969), por sua vez, desenvolvem o conceito de risco como o desvio-padrão dos retornos possíveis de um dado investimento, mas não discutem carteiras ou CAPM. Essa constatação torna-se ainda mais surpreendente, à primeira vista, quando se observa que o artigo de Hany Markowitz53, o qual dá início à Teoria das Carteiras, foi escrito em 1952, o artigo de James Tobin54, analisando a combinação de um ativo livre de risco e de uma carteira eficiente, em 1958 e que Sharpe 55 desenvolveu o CAPM no início dos anos 60. A explicação para estas omissões, no entanto, é dada pelo processo de evolução da função financeira, como apresentada no tópico anterior. Esses artigos, até a crise nos mercados de capitais americanos da década de 70, eram considerados trabalhos acadêmicos, sem grande importância prática para a condução das finanças empresariais. Até então, os administradores compravam as ações das companhias que lhes pareciam mais promissoras e as deixavam em carteira. Segundo Bernstein (1992), não fosse pela crise de 1974, poucos administradores financeiros teriam prestado atenção às idéias que vinham sendo geradas nas torres de marfim acadêmicas, nos vinte anos anteriores. Porém, quando ficou claro que estratégias improvisadas para bater o mercado serviam somente para ameaçar o interesse de seus clientes, os administradores perceberam que deveriam mudar sua forma de atuação. Relutantemente, começaram a mostrar interesse na conversão das idéias abstratas de acadêmicos em métodos para controlar o risco e para estancar as perdas que seus clientes vinham sofrendo. Essa foi a força motivadora para a revolução que moldou a nova Wall Street. O crescimento do mercado de capitais mundial, de US$ 2 trilhões em 1969 para US$ 22 trilhões em 1990, dá uma idéia clara da magnitude da mudança nesta área. O número de novos instrumentos financeiros, desenhados para atender às diferentes necessidades dos investidores, cresceu também de forma assustadora. A Chicago Board Options Exchange – CBOE, criada em 1973, passou a negociar diariamente, num prazo de cinco anos, opções para compra ou venda de mais de 10 milhões de ações, tomando-se o segundo maior mercado de valores mobiliários do mundo, em termos de valores transacionados. Dessa forma, os trabalhos acadêmicos que anteriormente transitavam na periferia do conhecimento financeiro, tomaram-se clássicos, sendo discutidos em profundidade pelos livros-texto atuais na área de finanças. 7.3.2. A decisão de financiamento Por outro lado, a abordagem da decisão de financiamento nos livros-texto, em geral, está mais próxima do enfoque atualmente adotado, pois compara a proposição de Modigliani e Miller (1958) com a visão tradicional da função de custo de capital. Da mesma forma que os livros-texto atuais, Weston (1966), Solomon (1969), Archer e D’Ambrosio (1969) e Van Horne (1971) corroboram a proposição 1 de Modigliani e Miller (1958), segundo a qual as decisões de MARKOWITZ, H. Portfolio selection. Journal of Finance, june, p. 77-91, 1952. TOBIN, J. Liquidity preference as a behavior toward risk. Review of Economic, 1958. 55 SHARPE, W. F. Capital asset prices: A theory of market equilibrium under conditions of risk. Journal of Finance, september, p.425-443, 1964. 53 54 121 Relatório de Pesquisa – RP0502 financiamento são irrelevantes em um mercado perfeito e a visão tradicional, que advoga um formato em “U” para a curva de custo de capital e, conseqüentemente, supõe a existência de uma estrutura de capital “ótima”. Pode-se dizer que, nessas questões, os textos analisados neste estudo pelos professores e que, portanto, já estão sendo citados ao longo do texto guardam muita semelhança com os atuais livros de Finanças, mostrando que a evolução na discussão da estrutura de capital nos últimos 30 anos tem sido muito limitada. 7.3.3. A política de dividendos Da mesma forma que na decisão de financiamento, os livros-texto analisados guardam muita semelhança com os livrostexto atuais trazendo a visão tradicional a respeito da política de dividendos e a posição de Modigliani e Miller (1958), que defendem a tese da irrelevância da política de dividendos na determinação do valor da empresa. Em síntese, a área financeira cuida da captação de recursos (financiamento) e os aplica (investe) no empreendimento. O negócio se torna viável quando o retorno das aplicações for maior do que o custo médio ponderado das dívidas. Hoje, um dos maiores desafios da área financeira é incorporar na análise de viabilidade aspectos não diretamente “quantificáveis”. Por exemplo, como inserir a relação com o meio ambiente em um projeto de investimento? Poucos trabalhos foram produzidos nessa direção sem muitos resultados práticos. 7.4. Os indicadores financeiros A busca por indicadores de desempenho ideais foi marcante na década de 90. Mesmo os mais ardentes defensores de qualquer indicador de performance tendem a concordar que, talvez, não exista um único indicador que possa ser utilizado em todas as situações. A maioria das empresas acredita depender de um grande número de indicadores, cada um com benefícios diversos e servindo a diferentes propósitos. A utilização de múltiplas medidas de desempenho em uma mesma empresa pode 122 provocar confusão na forma de administrar da equipe gerencial. O uso de terminologias diferentes e de padrões inconsistentes na mensuração de resultados pode levar a decisões que aparentemente agregam, mas que na realidade são verdadeiras ações de destruição de valor. Isso porque muitas dessas medidas de performance, mesmo parecendo dar bons resultados inicialmente, deixam de reconhecer os custos incidentes no processo, como o custo do capital próprio. Distintos estudos mostram que, na década passada, as “margens” foram medidas muito usadas na análise de performance corporativa por empresas brasileiras dos mais diversos portes. Margem líquida, margem operacional e EBITDA (Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization ) tiveram ampla utilização. Também se constatou que a margem operacional, que mede porcentualmente o montante do lucro resultante da atividade básica sobre as vendas líquidas – afora as despesas financeiras –, foi utilizada em quase todas as empresas analisadas na pesquisa, apresentando tendência de utilização ascendente nos próximos anos. As análises por margens são realmente “míopes” e, aos poucos, as empresas vêm percebendo isso. Tais indicadores de performance corporativa não determinam o grau de eficiência com que a empresa utiliza seus ativos, ou seja, não evidenciam o esforço empreendido para gerar o lucro. Estudos focalizados nessa mesma questão, conduzidos por Rossetti (2000), entre as 500 maiores e melhores da revista Exame de 1999, mostram que 65% das empresas analisadas medem recorrentemente o seu retorno sobre o capital próprio ou ROE (Return on Equity), indicando crescente tendência de uso desse indicador nos próximos exercícios fiscais. A partir da visão crítica da análise do retorno do capital próprio – que chamou a atenção para o fato de essa análise não avaliar os efeitos do risco financeiro provocado pela elevação do endividamento –, surgiu o critério de mensuração de desempenho que considera o retorno do capital investido, ou seja, a relação entre o lucro operacional e o capital investido. Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira O ROCE – Return on Capital Employed – ou equivalentes, como o RONA – Return on Net Asset –, é a medida de rentabilidade da empresa que demonstra em quanto o retorno excedeu o capital investido; vale dizer, quanto a gerência conseguiu extrair do montante de capital do negócio. Embora tenha sido um passo incremental na análise de performance corporativa, observa-se que a utilização isolada desse indicador como medida de desempenho pode conduzir a erros significativos na avaliação de investimentos ou no controle de resultados. Pode haver situações em que um novo investimento ou projeto produza um ROCE superior ao atual corporativo, mas que, ao ser implementado pela companhia, determine que a organização como um todo reduza seu valor venal ou valor corporativo de mercado. Isso porque não se considera na análise o custo do capital total investido. Sem dúvida, foi uma métrica amplamente utilizada em anos recentes, mas parece ter sua prioridade de uso comprometida no futuro como medida estanque por ser também considerada uma ferramenta incompleta, que reconhece o montante de capital empregado, mas peca por simplesmente desprezar seu custo. Com evidente tendência de serem ferramentas amplamente utilizadas, as medidas de lucro residual como o EVA – Economic Value Added – entre outras, são medidas de desempenho empresarial que diferem da maioria das demais, ao incluir uma cobrança sobre o lucro pelo custo do capital que uma empresa utiliza. É a análise que faltava à “rentabilidade pura”. Por ser uma análise completa e condição fundamental para que uma empresa agregue valor, o EVA tem emergido agressivamente, a partir dos anos 90, como a mais importante ferramenta de performance para medir a eficácia da gestão financeira e do controle de resultados, bem como um poderoso instrumento na determinação de orçamentos de capital em análises de investimentos. Num período curto de tempo, as mensurações de lucro residual têm sido utilizadas por grandes corporações mundiais que buscam maximizar retornos a seus acionistas, e despertado também o interesse de empresas legitimamente brasileiras dos mais variados setores. Inúmeros indicadores de desempenho podem ser utilizados para os mais diversos objetivos. Todos esses indicadores estão apoiados nos demonstrativos contábeis (balanço e demonstrativo de resultados). Apesar dessa limitação, tais indicadores são relevantes principalmente quando a empresa faz o seu planejamento. Para a avaliação econômicofinanceira de empresas os indicadores mais significativos estão apresentados a seguir. Os indicadores de desempenho financeiro foram criados para medir a eficiência da gestão e para se fazer comparação entre empresas. Eles podem ser agrupados em indicadores de liquidez, endividamento, lucratividade, rentabilidade e atividade. Esses indicadores baseiam-se nos demonstrativos contábeis, isto é, o balanço patrimonial e o demonstrativo de resultados, que geralmente são ajustados para apoiar as decisões gerenciais. Eles não avaliam a cadeia produtiva, mas indiretamente geram informações sobre ela. O grande foco da área financeira sempre foi a própria empresa. Em entrevistas com os diretores financeiros de grandes empresas como Samarco, Sadia e Telefônica, realizadas durante esta pesquisa, ficou claro que a cadeia produtiva ainda não é foco de preocupação para as empresas, mas já o é para a academia. Algumas poucas empresas, como a Sadia, estão começando a pensar de forma mais estruturada sobre o assunto. As ações, todavia, ainda são individuais e não fazem parte das estratégias das empresas. Os indicadores de liquidez têm a função de medir a capacidade de pagamento da empresa a curto prazo. Apesar de não serem indicadores específicos, ou seja, orientados somente à cadeia produtiva, poderiam gerar informações sobre ela. Os indicadores de endividamento são utilizados na avaliação da estrutura de capital da empresa e as conseqüências políticas da utilização de recursos de terceiros ou próprios. Esses indicadores se destacaram em diversas épocas, como mencionado anteriormente. Quando se analisa a performance de rentabilidade de todos os investimentos realizados pela empresa, representados por seu ativo total, dois pontos estratégicos têm de ser observados: margem líquida x giro do ativo. 123 Relatório de Pesquisa – RP0502 Isso significa dizer que se a empresa busca maximizar o retorno de todo o capital investido deverá preocupar-se em ter uma lucratividade líquida adequada, exercendo um controle efetivo de seus custos (fornecedores) e gerando faturamento (clientes e fornecedores), condizente com o volume de aplicação de recursos na sua atividade. Essas duas estratégias trarão reflexos diretos na remuneração do ativo. Os indicadores de lucratividade são utilizados para avaliar a eficiência global da empresa em função de diferentes níveis de lucro, sempre relacionada à receita operacional líquida. Esses indicadores são extraídos do Demonstrativo de Resultados – DRE. Já os indicadores de rentabilidade procuram relacionar o lucro obtido em função dos capitais investidos, principalmente do capital próprio. A cadeia produtiva causa impactos diretamente neste resultado, pois são os clientes e consumidores a fonte da receita e os fornecedores representam o custo. A visão integrada da cadeia possibilita a otimização do negócio. Os indicadores de atividades avaliam o grau de eficiência da utilização dos recursos na empresa. Fazem a ligação entre os elos da cadeia produtiva. A análise desses indicadores não é feita para agregar valor à cadeia e sim, para a empresa adotar estratégias que melhorem o desempenho, mesmo que isto signifique piorar as condições dos elos a jusante (fornecedores) e a montante (clientes). Os prazos médios são os principais componentes das atividades da empresa. Por meio deles a empresa determina o seu ciclo operacional e financeiro que são altamente relevantes para ela. O Prazo Médio de Recebimento – PMR mostra a política de crédito da empresas, ou seja, as condições de pagamento dos clientes. Quanto maior for o prazo concedido maior é a possibilidade da empresa vender. Por outro lado, maior vai ser a Necessidade de Capital de Giro – NCG para suportar a postergação do pagamento destes clientes Esse é um indicador bastante utilizado pelas empresas, sendo um dos indicadores de avaliação da cadeia produtiva, na visão financeira, por relacionar diretamente a política de crédito com os clientes. 124 O Prazo Médio de Estoques – PME mede o período médio de investimento em recursos aplicados em vários tipos de estoque. Para otimizar este indicador foi desenvolvida a teoria do just-in-time, a qual estabelece que a empresa deve repassar para os fornecedores o custo da manutenção do estoque. Para isso, empresa e fornecedores precisam trabalhar de maneira integrada para que não haja comprometimento da produção. O Prazo Médio de Pagamento – PMP mede o período médio de pagamento dos compromissos com fornecedores. Este é o indicador mais utilizado pelas empresas para avaliar os fornecedores. Como seria de se esperar, há um grande conflito de interesses nessa questão, já que o fornecedor quer receber o mais rápido possível enquanto a empresa quer pagar com o maior prazo. Se a visão não for integrada, o jogo vai ser de ganha-perde e não de ganha-ganha como é o desejado. 7.5. O ciclo operacional e o ciclo financeiro Os conceitos básicos dos ciclos operacional e financeiro são bastante simples de compreender e de suma importância na administração financeira. O ciclo operacional compreende o período de tempo entre o início da operação (produção de um bem/serviço) da empresa e a data em que a empresa recebe do cliente a venda realizada (supondo uma indústria, compreenderia desde a aquisição dos insumos, até o recebimento das vendas). O ciclo financeiro é o período de tempo compreendido entre o desembolso efetivo de recursos da empresa e o retorno destes, mediante o recebimento das vendas efetivadas. Quanto menor for o ciclo financeiro, menor é o investimento feito pela empresa para gerar suas operações. Sendo assim, o objetivo preponderante é maximizar o prazo de pagamento aos fornecedores e minimizar o prazo de produção e de recebimento de vendas. O esquema abaixo representa o ciclo financeiro e operacional das empresas (Figura 15). Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira tempo Compra da MP Pagamento de fornecedores Recebimento Das vendas Vendas PMR PMP PME Ciclo Financeira Ciclo Operacional FIGURA 15: Ciclos operacional e ciclo financeiro Fonte: Elaborada pelos autores. É importante salientar que as políticas adotadas com os fornecedores e com os clientes afetam decisivamente o ciclo financeiro da empresa já que o Prazo Médio de Pagamento – PMP, o Prazo Médio de Recebimento – PMR e o Prazo Médio de Estoque – PME são os indicadores da área financeira mais utilizados pelas empresas para avaliar a cadeia produtiva. A NCG, descrita anteriormente, representa o ciclo financeiro em valor monetário. Como pode ser percebido, este indicador também é reflexo da cadeia produtiva. A equação é dada como: NCG = CF × Vendas , 360 onde: CF = PMR + PME − PMP A seguir são apresentados os objetivos das teorias de Geração de Valor – EVA, Opções Reais e Valor em Risco – V@R. 7.6. A geração de valor O conceito de valor e a idéia de que o mesmo só é produzido para os acionistas quando os retornos gerados sobre o capital investido são maiores do que o custo desse mesmo capital empregado no negócio, definitivamente não é novo.56 Entretanto, foi somente nos últimos anos da década de 90 que o EVA emergiu como a mais importante ferramenta de performance , já 56 adotada por muitas das grandes corporações mundiais. No Brasil, despertou um forte interesse por parte das empresas nacionais de médio porte – no que tange à geração de valor – para medir a eficácia de sua gestão financeira e de seu controle de resultados, além de ser considerada um poderoso instrumento na determinação de seu orçamento de capital nas análises de investimentos. Em sua definição básica, essa nova teoria de performance corporativa pode ser entendida como uma medida da quantidade de riqueza que a empresa gera, depois de considerado o custo de oportunidade do capital que financia suas operações. Em outras palavras, o EVA mede a diferença entre o retorno do capital empregado e o seu próprio custo, e determina, após esse cálculo, uma cifra que representa o valor gerado por uma certa companhia, durante um período específico na linha do tempo. Em termos matemáticos, pode ser definido como: EVA NOPAT = AE − WACC × AE onde NOPAT – Net Operating Profit after Taxes – é o lucro operacional líquido pós-impostos, mas antes dos juros; AE – Ativo Econômico – é o montante de capital investido no negócio. NOPAT sobre CAPITAL, conseqüentemente, equivale ao ROCE – Return on Capital Employed –, que é o retorno sobre o capital empregado e WACC – Weighted Average Cost of Capital –, o custo ponderado de capital da companhia. O EVA diferencia-se da maioria dos outros métodos de mensuração de performance corporativa por “cobrar do lucro” o custo de todo o capital que a empresa emprega, o que inclui a cobrança não usual do custo do capital dos próprios acionistas. Dessa forma, pode ser considerado como um passo incremental em relação à mensuração ortodoxa de performance, uma vez que não somente os lucros são considerados nas análises, mas também o SMITH, Adam. 1981 [1776]. An inquiry into the nature and causes of the wealth of nations. Eds. R. H. Campebell, A. S. Skinner e W. B. Todd. Indianapolis: Liberty Fund [reimpressão em fac–símile do volume II de “The Glasgow Edition of the Works and Correspondence of Adam Smith”, Oxford: Oxford Univ. Press, 1979]. 125 Relatório de Pesquisa – RP0502 esforço despendido para gerar esses mesmos lucros, esforço este decorrente justamente do montante de capital empregado no negócio e de seu respectivo custo. Revisando a fórmula ilustrada, é visível que só se gera valor quando um spread positivo – dentro dos parênteses – é gerado. Spread positivo significa um retorno aceitável sobre o capital empregado, sempre maior do que o custo ponderado de capital da firma. A fórmula divide o EVA em dois importantes componentes. Primeiro, o ROCE, considerado como o “dever de casa da companhia”, ou seja, a obrigação de qualquer empresa de usar seus ativos da melhor maneira possível, extraindo deles o maior retorno possível. Segundo, o custo ponderado de capital na busca da criação de valor, que é o foco de análise nesta discussão. Nunca como antes, o WACC foi considerado tão importante e tão estreitamente vinculado à geração de valor dentro das corporações, fazendo com que seu cálculo preciso se torne crucial para vários profissionais de diversas partes do mundo, haja vista que o EVA tem se firmado paulatinamente como padrão global de mensuração de performance real paras as comunidades acadêmicas, corporativas e de investimento, bem como para a mídia especializada (EHBAR, 1999). Segundo Copeland et al. (2002), o cálculo do NOPAT começa com a obtenção do EBIT (Earnings Before Interest and Taxes), que nada mais é do que lucro operacional antes de impostos, que uma companhia poderia obter se não tivesse nenhuma dívida. Ele envolve todas as receitas e despesas operacionais, apenas excluindo para o cálculo as despesas/ receitas financeiras, as perdas ou ganhos com vendas de imobilizado, lucros ou perdas extraordinárias e lucros ou prejuízos com investimentos não operacionais. Depreciação de imobilizado deve ser subtraída do cálculo do EBIT, mas amortizações de ágio ou deságio na compra de ativos não devem ser consideradas no cálculo do EBIT. Os impostos sobre o EBIT representam o imposto que a empresa deveria pagar se não tivesse nenhuma dívida, nenhuma receita ou despesa financeira, ou lucro ou prejuízo não 126 operacionais. A soma dos impostos deduzidos do EBIT é igual à provisão total do imposto de renda (corrente e diferido) ajustado para o imposto de renda atribuído a despesas e receitas financeiras, e itens não operacionais. Já o capital empregado, ou ativo econômico, é a medida econômica do dinheiro aportado pelos investidores e sob o controle dos gerentes, que é dado pela soma do capital de giro, imobilizado, outros ativos, e os ativos diferidos e não usuais capitalizados. Sob uma segunda ótica, de maneira análoga, o ativo econômico é a soma do ativo permanente mais a NCG que se encontram no ativo da companhia. O Retorno sobre o Capital – ROCE mede o retorno operacional sobre o capital empregado: LOP x (1 – t) ROCE = Ativo Econômico onde LOP x (1 – t) = lucro operacional antes do ajuste do imposto de renda. Ehrbar (1999) afirma que algumas das mais importantes instituições financeiras de Wall Street, como a Goldman Sachs e o Crédit Suisse First Boston, adotaram formalmente o EVA como principal ferramenta de análise e avaliação de empresas para o posterior aconselhamento de seus clientes investidores. De acordo com a pesquisa de tendência realizada (2000) com as empresas do CTE, o EVA é um dos indicadores mais desejados, por evidenciar o real retorno do negócio. A expectativa é que as empresas passem a ser gerenciadas com o suporte dessa metodologia. Mais uma vez, o EVA é um indicador orientado à avaliação da empresa, mas, além disso, ele contém informações sobre a cadeia produtiva. Embora, segundo resultados dessa pesquisa, ainda não seja preocupação da empresa avaliar de forma integrada a cadeia produtiva. A gestão baseada na geração de valor também não tem como objetivo avaliar a cadeia produtiva e a relação com o ambiente. Isso faz com que essa pesquisa seja altamente relevante, já que encerra em sua questão central a proposta do desenvolvimento de métricas que possam refletir Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira a cadeia de valor. O pressuposto inicial da pesquisa é que, quanto mais fortes estiverem os elos da cadeia, maior será a possibilidade de sobrevivência e riqueza de cada um dos elos. O esquema evolutivo dos indicadores está representado abaixo (Figura 16). que sustentam a teoria das opções reais, os gerentes de corporações e estrategistas já percebiam que alguns elementos-chave como flexibilidade gerencial na operação e interações estratégicas não eram considerados nas técnicas tradicionais de avaliação de investimentos. 7.7. Opções Reais A origem quantitativa das opções reais deriva do trabalho original de Black e Scholes (1973) e Merton (1973) sobre a precificação de opções financeiras. A abordagem binomial possibilitou o desenvolvimento de uma metodologia de avaliação por opções baseada em opções mais simplificadas e em tempo discreto (ao contrário de avaliações em tempo contínuo). Myers (1977) criou o termo real options, salientando o fato de que a oportunidade de expansão de uma firma (novo investimento) poderia ser vista como análoga a uma opção de compra (call option). Constantinides (1978), entre outros, sugeriu que qualquer passivo ou ativo contingencial – negociado ou não – poderia ser De um modo geral, a avaliação de projetos de investimentos no Brasil, por parte de grandes empresas, tem sido aparentemente fundamentada em modelos e princípios clássicos de fluxo de caixa descontado. Sofisticações, na maior parte das vezes, estão limitadas a simulações, árvores de decisão e instrumentos similares. A “revolução” das opções reais foi motivada, em parte, pela insatisfação de acadêmicos e estrategistas com as técnicas tradicionais de orçamento de capital. Mesmo anteriormente ao desenvolvimento da estrutura de conceitos FIGURA 16: Evolução dos indicadores Fonte: Elaborado pelos autores. 127 Relatório de Pesquisa – RP0502 precificado em um mundo de risco sistemático, por meio da substituição da taxa real de crescimento por uma “taxa de certeza equivalente”: certainty equivalent rate. Isso se daria pela subtração de um prêmio de risco que seria apropriado em um equilíbrio de mercado. Tourinho (1979) foi pioneiro na aplicação de opções reais em projetos de avaliação de recursos naturais como opções. Kulatilaka e Trigeorgis (1994), ao consolidar diversos artigos prévios de outros autores e próprios, analisaram a flexibilidade geral de trocar posições, também descrevendo uma formulação para opções por meio de programação dinâmica. Trigeorgis (1996, p. 99-103) defende que opções reais podem ser valoradas de modo semelhante a opções financeiras, mesmo quando não são negociadas em mercado, uma vez que, em orçamento de capital, “(...) nós estamos interessados em determinar quanto valeria o fluxo de caixa do projeto se esse fluxo de caixa fosse negociado no mercado, isto é, sua contribuição para o valor de mercado de uma empresa que é negociada em bolsa. A existência de um ativo correlato (twin security) que tenha as mesmas características de risco do ativo, mas que não é negociado em bolsa, em um mercado eficiente, é suficiente para uma avaliação usando o conceito de opções reais.” Finalmente, em passado recente, inúmeros artigos sobre o assunto opções reais foram divulgados, tendo como foco, entre outras coisas – de modo separado ou em combinação –, novos métodos de solução matemática, diferentes tratamentos “estocásticos” para os ativos subjacentes (DIAS, 1997), incerteza sobre a taxa livre de risco e sobre a data de expiração (BERRADA, 1999). Além dos desenvolvimentos teóricos, a aplicação da teoria em problemas práticos tem recebido no momento uma atenção cada vez maior. Avaliações por/com opções reais têm sido “levadas a cabo” em uma variedade de contextos, tais como investimentos em recursos naturais, desenvolvimentos imobiliários, leasing, processos flexíveis de manufatura, subsídios governamentais 128 e regulação de setores, pesquisa e desenvolvimento, novos empreendimentos e aquisições, investimentos no exterior e estratégia, etc. 7.7.1. Métodos clássicos de avaliação de projetos Aparentemente, o critério genérico básico adotado por investidores e mesmo “emprestadores”, em sua análise de projetos no Brasil, se baseia usualmente em uma combinação de identificação sistemática de riscos e de técnicas tradicionais de orçamento de capital como Valor Presente Líquido – VPL, Taxa Interna de Retorno – TIR e Pay-Back. Esses indicadores representam o ponto de referência financeiro principal utilizado por investidores no processo de decisão que leva à participação em projetos. Nas operações de crédito, esses indicadores, sujeitos a um processo de investigação due diligence por parte de “emprestadores” que fazem sua própria avaliação econômico-financeira do projeto, juntamente com índices de cobertura de dívida, representariam também o ponto de referência principal em operações de empréstimos. A principal crítica direcionada às metodologias de fluxo de caixa descontado e o cálculo de VPL e TIR é que elas não capturam adequadamente a natureza dinâmica dos eventos e a sinergia desses eventos com a incerteza futura. Em outras palavras, técnicas de VPL implicam uma abordagem estática em relação a decisões de investimento, e não levam em consideração a existência de flexibilidades gerenciais e sua dinâmica durante o curso dos eventos. Essas metodologias também provêm pouca ajuda no que concerne ao timing da decisão de investimento, timing esse que é, naturalmente, uma variável crítica do processo decisório sobre o investimento. A prática gerencial de tomada de decisões freqüentemente contradiz a teoria da metodologia tradicional do Fluxo de Caixa Descontado – FCD. O FCD não leva em consideração os “graus de liberdade” existentes nas decisões gerenciais, nem a interação dessas decisões com a incerteza. A função gerencial não está incorporada à regra de tomada de Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira decisão. Decisões “intuitivas” tomadas por gerentes bem-sucedidos e que muitas vezes contradizem regras de FCD são levadas adiante porque esses gerentes “sentem” que o FCD não leva em consideração diferentes elementos (opções) do próprio investimento e do ambiente de negócios. Em seu clássico livro Princípios de Finanças Empresariais, Brealey e Myers (1992, p. 513514) argumentam que: A metodologia do FCD implicitamente assume que a empresa mantém seus ativos reais de forma passiva, devido aos seguintes fatores: a) A metodologia do FCD foi desenvolvida inicialmente para ativos como títulos do governo e ações. Investidores nesses ativos são em princípio passivos, no sentido de que eles não podem tomar decisões que impliquem uma melhora no valor desses ativos (naturalmente eles podem se desfazer destes ativos e comprar outros). c) O impacto da decisão de investimento nas futuras decisões de investimento/projetos. d) A TIR implica que o caixa que se torna disponível está sendo reinvestido à mesma taxa do fluxo e não ajuda na análise de valor agregado quando existe mais de uma decisão de investimento. Embora a teoria das opções reais seja um breakthrough em finanças, ela tem as suas limitações e complicações: a) Na maior parte das vezes não é simples definir o valor do ativo subjacente que normalmente não é negociado no mercado de forma sistemática. Muito freqüentemente é necessário lançar mão de técnicas de fluxo de caixa descontado (com toda subjetividade implícita na taxa de desconto utilizada). b) Para muitos ativos reais, a volatilidade não pode ser medida diretamente, e uma proxy (ativo correlato) pode ser necessária. b) O FCD ignora as opções implícitas em ativos reais. Gerentes sofisticados podem agir no sentido de aproveitar essas opções. Ignorar essas opções pode significar uma estimativa incorreta do valor do investimento e distorcer o seu timing. c) Em muitas situações que envolvem opções reais, existe a necessidade de se levar em consideração interações cujo cálculo pode ser bastante complexo. Isso representa um desafio significativo, sobretudo quando em combinação com questões relacionadas a gestão estratégica. c) O FCD não reflete o valor de ações gerenciais, no sentido de maximizar ganhos em situações favoráveis e minimizar perdas nas desfavoráveis. d) Contrariamente a opções financeiras, muito freqüentemente o preço de exercício de uma opção real é incerto e descrito através de um processo estocástico. d) A metodologia do FCD, implicitamente, assume que os gastos de capital são reversíveis, quando de fato eles são usualmente irreversíveis. e) Uma opção real pode ter que levar em consideração variáveis e, em muitos casos, não é fácil estabelecer correlações entre essas variáveis. Além disso, a metodologia do Fluxo de Caixa Descontado tem algumas dificuldades de estimação: a) Não é uma teoria “livre de preferência” e existe subjetividade na estimativa da taxa de desconto. b) O período de projeção e o valor do fluxo de caixa ao final do período de projeção. f) Ao contrário de opções financeiras, opções reais nem sempre são de propriedade exclusiva. Como indicado por Dixit e Pindyck (1994, p. 17), “uma primeira reação natural é pensar que a competição entre firmas irá destruir qualquer opção de espera que a firma possua, eliminando os efeitos de irreversibilidade e incerteza”. No ambiente competitivo de nossos dias, poder-se-ia pensar que opções 129 Relatório de Pesquisa – RP0502 estratégicas em geral, na maior parte das vezes, não são opções de propriedade exclusiva. A questão natural é até que ponto o cálculo de uma opção que não é de propriedade exclusiva tem de fato um significado prático? Um interessante argumento é apresentado por aqueles pesquisadores, destacando o fato de que o advento de competição no mercado não deveria nos remeter para a abordagem do Valor Presente e resultados apregoados pela teoria ortodoxa. O argumento tem a sua fundamentação na existência de “uma firma contemplando a realização de um investimento, sabendo que seu próprio custo e o desenvolvimento da demanda futura da indústria são incertos, e sabendo que existem muitas outras empresas enfrentando decisões com incerteza similar”. Sobre o risco a ser enfrentado por empresas, Dixit e Pindyck (1994, p.17) complementam seu argumento: “Suponha que o investimento seja totalmente irreversível, e considere um aumento de demanda agregada na indústria. Qualquer firma espera que isso leve a preços mais altos e, assim, a uma melhora de suas próprias perspectivas de lucro tornando o investimento mais atraente. Entretanto, a firma também sabe que várias outras firmas estão pensando do mesmo modo. Essa resposta na oferta irá diminuir o efeito da mudança na demanda nos preços da indústria como um todo. Desse modo uma mudança para cima do potencial de lucro da firma em questão não será tão alta como se a firma tivesse o monopólio da oportunidade de investimento. Entretanto, sendo o investimento irreversível, uma mudança para baixo na demanda agregada da indústria tem um efeito tão desfavorável no caso da situação competitiva como no caso do monopólio. Mesmo que outras firmas desse ambiente de competição sejam igualmente afetadas de modo negativo, elas não podem sair facilmente para compensar a queda nos preços. Assim a resposta competitiva a incerteza tem uma assimetria inerente (sic): o lado ruim exerce uma força mais potente do que o lado bom. Isso faz com que cada 130 firma seja cautelosa ao fazer um investimento irreversível. O efeito ao final é muito similar, e em alguns casos idêntico, àquele do valor de uma opção para uma firma que possui o monopólio de uma oportunidade de investimento e que esteja aguardando para exercê-la. Se abrirmos espaço para alguma possibilidade de reversão, a decisão de saída de outras empresas de fato mitiga o efeito dos choques de uma diminuição de demanda no preço. Mas então a decisão de saída de cada uma das firmas reconhecerá esse efeito de assimetria dos choques na demanda. O lado bom nesse caso é mais potente que o lado ruim. Desse modo firmas de um ambiente competitivo não saem tão facilmente quando começam a apresentar perdas; elas esperam para ver se as coisas vão melhorar ou se os outros concorrentes vão sair primeiro. O efeito final é o mesmo que o da decisão de abandono para uma firma que detém o poder de monopólio.” Finalmente, em relação ao risco específico, é importante salientar que a assimetria mencionada acima não existe. Se apenas uma firma experimenta uma alteração favorável no nível de demanda e que não é sistematicamente compartilhada por outras firmas, então o valor de espera reaparece na forma tradicional de cálculo. Ativos não negociados no mercado podem obter um retorno inferior à taxa de retorno de equilíbrio esperada no mercado financeiro para um ativo financeiro comparável, de risco equivalente e negociado no mercado, e a diferença entre os retornos necessita de um ajuste semelhante ao pagamento de dividendos. Trigeorgis (1996, p. 95-103) demonstra que é possível se aplicar o critério de avaliação de risco neutro (risk neutral valuation). Uma abordagem alternativa de avaliação, que também leva a equações ordinárias diferenciais (EOD) e equações parciais diferenciais (EPD), é a programação dinâmica. Ela normalmente implica a definição de uma taxa de desconto exógena (poder-se-ia argumentar que, quando o mercado não é completo, não é possível formar um portfólio neutro ao risco e, portanto, seria necessário lançar mão da Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira Programação Dinâmica, em vez de CCA (Método dos Ativos Contingenciais). O problema aqui é que, se o mercado não é completo, também não é possível encontrar uma taxa de desconto exógena – por meio do CAPM, por exemplo. de taxas e preços, principalmente em países emergentes como o Brasil. Além disso, a diversidade de mercados e indexadores não permite mais que as instituições financeiras assumam riscos cujo controle fuja do domínio de seus administradores. Mais recentemente, em um descolamento da Teoria de Opções Reais tradicional, Copeland e Antikarov (2001) têm argumentado, por meio do que eles denominam Marketed Asset Disclaimer, que a melhor proxy para um projeto é o tradicional VPL não flexível. Em um argumento bastante interessante e promissor no que concerne à utilização das técnicas de opções reais, eles propõem um procedimento de quatro passos para o cálculo do valor de opções, com um escopo bem amplo de aplicações. A metodologia é atraente, pois talvez permita, como nenhuma outra no passado, “fazer a ponte” entre a teoria e aplicações na vida prática. São cinco tipos de risco que uma instituição financeira pode correr: risco de negócio, risco de estratégia, risco legal, risco operacional e risco financeiro. Os riscos de negócio e de estratégia são inerentes às instituições e suas políticas. Os riscos legal e operacional são mais complexos de serem mensurados, sendo que cada instituição os avalia de forma diferente. O risco financeiro, por sua vez, pode ser dividido em: risco de mercado, risco de crédito e risco de liquidez. O risco de mercado é abordado com mais detalhes neste trabalho. Finalmente, vale enfatizar três pontos relativos à teoria: 1. A técnica das opções deve ser usada como um complemento aos modelos de Fluxo de Caixa Descontado e não em detrimento deles. 2. Em função da complexidade inerente aos modelos, a técnica é mais útil na avaliação de projetos específicos do que de empresas como um todo. 3. Em situações de pouca flexibilidade e/ou de baixo risco, a utilização de técnicas de FCD, apesar de suas limitações, pode ser mais adequada. Apesar de a metodologia das opções reais ser a tendência em avaliação de projetos, poucas empresas a utilizam. Pelos resultados dessa pesquisa, embora os entrevistados achem interessante a ferramenta (muitos deles não a conhecem), não há interesse imediato para o seu uso. 7.8. Valor em risco É evidente que a necessidade de uma política de risco aumenta na medida em que a globalização da economia e dos mercados exerce um grande impacto sobre a volatilidade O risco de mercado está associado às flutuações (ou volatilidades) nos preços e taxas praticados no mercado. Nesse contexto, as instituições estão se voltando para o conceito de Value at Risk – V@R, introduzido em 1994 pelo banco J. P. Morgan & Co. O V@R é uma medida utilizada para controlar e avaliar o risco de mercado, sendo definido da seguinte forma: ele mede, sob condições normais de mercado, a máxima perda esperada de um portfólio, com certo grau de confiança, para um dado horizonte de tempo. Essa modelagem foi desenvolvida tendo como base o mercado norte-americano. Uma vez que, a priori, assume-se a normalidade dos retornos, sua adequação a mercados voláteis, como os mercados emergentes, é discutível. Nesses mercados, efeitos como “caudas gordas” e assimetria da distribuição não são desprezíveis e geram uma grande distorção entre os resultados do modelo e os eventos ocorridos. Entretanto, com a introdução de novas técnicas matemáticas e aprimoramentos da metodologia original, já é possível estender os resultados para englobar mercados mais voláteis, que é o caso brasileiro. A grande vantagem da metodologia V@R é a redução da multidimensionalidade do risco a um único número, expresso em unidade monetária. Ou seja, o V@R resume em um único número a máxima perda esperada de um 131 Relatório de Pesquisa – RP0502 dado portfólio. Esse número ainda agrega todos os descasamentos de prazos, moedas e indexadores. Além disso, o risco é medido em termos de potencial de perda, isto é, o risco está associado a uma probabilidade (intervalo de confiança), tornando-o de fácil compreensão. Contudo, a medida do V@R é incompleta para uma administração quantitativa, pois, ao agregar todas as informações em um único número, não é possível identificar as principais fontes de risco de uma carteira. Para contornar esse problema pode-se decompor o risco em seus componentes básicos de análise de investimentos, de forma a obter uma visão mais clara dos fatores que estão contribuindo para o risco total e em que proporção. Dessa forma, adicionando algumas outras medidas, tais como percentual marginal e incremento por unidade de valor aplicado aos seus elementos mais básicos (operações), os resultados obtidos podem ser utilizados como suporte à decisão, criando uma consonância entre a política de investimento e a política de risco. O V@R é muito pouco utilizado pelas empresas como medida de risco. A metodologia foi desenvolvida inicialmente para avaliar o risco de uma carteira de ativos, ou seja, para instituições do setor financeiro, como bancos e financeiras. Para avaliar a cadeia produtiva, o V@R pode se tornar uma ferramenta eficiente para medir o risco integrado do negócio. 7.9. Conclusões sobre o referencial teórico Este capítulo teve como objetivo apresentar os diversos temas inerentes à área financeira e as suas conseqüências no desempenho das empresas. Como pode ser pecebido, a área financeira deve refletir os resultados das decisões estratégicas e auxiliar a empresa na condução das suas ações e resultados. Por ser uma área mais quantitativa, o que não elimina subjetividades, os indicadores financeiros de desempenho são bem utilizados e conhecidos pelas empresas. Todavia, as metodologias mais avançadas e sofisticadas de finanças como Opções Reais e V@R ainda são pouco utilizadas. 132 Em relação à cadeia produtiva, foco deste trabalho, ainda não há evidências empíricas sobre procedimentos que possam aferir resultados da cadeia como um todo. Algumas poucas empresas que já se preocupam com a gestão de forma expandida, ou seja, envolvendo pelo menos alguns elos da cadeia, utilizam os indicadores tradicionais para verificar os resultados. Esse resultado confirma a importância deste trabalho, já que, na percepção dos dirigentes, a gestão integrada da cadeia de forma sustentável é o grande desafio das empresas. 8. PAINEL DE BORDO TEÓRICO 8.1. Introdução Como amplamente argumentado, a nova economia é fortemente baseada no conhecimento, em detrimento da valorização exclusiva de outros recursos como os investimentos em ativos fixos das empresas. Assim, os tópicos precedentes fundamentam a proposição de um modelo teórico-conceitual de análise de performance corporativa que contemple os novos pressupostos competitivos do ambiente de negócios, objeto deste capítulo. O valor da maioria dos produtos e serviços e, conseqüentemente, da própria companhia (em função de seu fluxo de caixa descontado) depende hoje, em grande parte, de como fatores intangíveis baseados no conhecimento podem ser desenvolvidos. Nesse sentido, tendo a economia do conhecimento e suas nuances explicitadas ao longo dos capítulos anteriores como ambiente atual de competição, a adoção de sistemas de gestão de performance estratégica que permitam às organizações o monitoramento contínuo de suas estratégias redesenhadas segundo os novos pressupostos, constitui uma necessidade imperativa. Torna-se, portanto, imprescindível construir e adotar modelos que possibilitem às organizações: • elaborar seu planejamento estratégico, de maneira sólida e recorrente; Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira • traduzir suas visões, ou “estados futuros vislumbrados”, que são justamente decorrentes da elaboração de um planejamento estratégico bem-fundamentado, em objetivos estratégicos – e seus respectivos indicadores de resultado – metas e ações estratégicas passíveis de efetiva mensuração e avaliação; • comunicar e desdobrar os objetivos estratégicos e metas globais para todas as suas unidades, áreas funcionais e equipes; • subsidiar a elaboração de planos de ação que viabilizem a consecução das metas estipuladas para cada um dos objetivos estratégicos propostos; • construir painéis de indicadores para gestão do desempenho, considerando os objetivos estratégicos, metas e ações estratégicas definidos; • dispor de feedbacks quanto à efetividade das estratégias adotadas e suas relações de causa e efeito. Em síntese, o modelo de cunho teóricoconceitual desenvolvido durante esta pesquisa e apresentado abaixo tem por base a fundamentação teórica descrita nos capítulos anteriores, e se traduz num modelo genérico a ser adotado por organizações que compartilhem uma visão global definida segundo os pressupostos da nova economia. Ou seja, parte-se do princípio de que as organizações devam ter como “estado futuro desejado mais amplo”, ou o que se define como “visão global”, a busca por: “ter um diferencial competitivo sustentável que gere valor à organização, por meio de ações cooperativas entre os elementos da cadeia produtiva.” A grande dificuldade residiria, como em qualquer outro modelo de gestão de performance , em alinhar esta visão global às ações do dia-adia da empresa e de seus colaboradores. Para tanto, optou-se por partir da abordagem do Balanced Scorecard (BSC) de Kaplan e Norton (1992, 1996), em seus pilares fundamentais. O BSC foi concebido de forma a facilitar esse alinhamento, transpondo as fronteiras definidas pelos modelos baseados apenas em indicadores financeiros e que tendem a mostrar resultados já ocorridos. Buscou-se, em sua concepção, adotar modelos de avaliação que também contemplem os aspectos não financeiros, permitindo que se rastreie o processo na busca de problemas atuais ou potenciais. O que o BSC propõe, portanto, é uma forma sistemática de se medir a eficácia das estratégias que, implementadas, deverão conduzir a empresa rumo à sua visão. Mantidos os pilares fundamentais propostos por aqueles autores, ficou evidente que o novo modelo a ser desenhado durante o desenvolvimento deste estudo, denominado “modelo ampliado”, deveria ir além, haja vista que os novos pressupostos da sociedade do conhecimento não haviam sido contemplados na concepção básica do modelo BSC. Mais do que isto, o modelo ampliado deveria, inequivocamente, enfatizar os aspectos relativos à inovação (que estão dentro da perspectiva “aprendizado e crescimento” do BSC), em função da nova acepção do conhecimento como recurso mais relevante na atual economia. Deveria também dar destaque aos aspectos relacionados a crescimento sustentável, indo além da perspectiva econômico-financeira ao englobar outras variáveis importantes para a viabilização de um crescimento sustentável (como sociedade e ecologia), e ainda destacar a importância da busca do conhecimento na rede, especificamente, por meio de indicadores de resultado que evidenciassem ações cooperativas, a montante e a jusante, na cadeia produtiva. Nesse sentido, o modelo desenvolvido envolve perspectivas adicionais ao modelo clássico do BSC de Kaplan e Norton (1992, 1996), seguindo justamente os pressupostos da nova economia, calcada no conhecimento. Tais pressupostos, corroborados na fundamentação teórica, foram determinantes para que o modelo ampliado desdobrasse a perspectiva “processos internos” em duas, contemplando, assim, inovação, cuja importância é fundamental no ambiente competitivo. De maneira análoga, a perspectiva “finanças”, também ampliada, foi desdobrada em duas, abrangendo importantes objetivos estratégicos numa perspectiva adicional, denominada “sustentabilidade”. Dessa forma, 133 Relatório de Pesquisa – RP0502 o objetivo estratégico último da perspectiva financeira – “gerar valor para o acionista” – foi deslocado para a perspectiva adicional superior (“sustentabilidade”), conforme figura 17. No entanto, ficou evidenciado que ele continua sendo o objetivo último do modelo e que o seu cumprimento é condicionado a objetivos predecessores da nova perspectiva (“sustentabilidade”), outrora negligenciados pelos modelos de gestão de performance da estratégia corporativa. Vale ressaltar, ainda, que a perspectiva clássica “processos internos” encontra-se com a oval pontilhada no modelo ampliado, e com um único objetivo estratégico associado: “aumentar a eficiência”. Buscou-se, com isso, mostrar que os objetivos estratégicos propostos nas outras perspectivas constituem a espinha dorsal de um modelo genérico de gestão de performance da estratégia corporativa, podendo este ser adotado por qualquer organização que busque atingir a mesma “visão global”. Neste caso, o pontilhado da perspectiva “processos internos” deverá ser trocado por objetivos estratégicos específicos de cada empresa que adotar tal modelo. Ou seja, o modelo genérico, em sua espinha dorsal, busca contemplar os mais importantes objetivos estratégicos, que são fruto dos pressupostos da economia do aprendizado, sem entrar propositadamente em nuances específicas setoriais ou organizacionais, destacando-se questões estratégicas inerentes aos processos internos de cada empresa. organização é definir a sua visão. A formalização da declaração de visão facilita o trabalho de tradução e comunicação bem como os esforços de avaliação da eficácia das estratégias concebidas para conduzir a organização a esta visão. Collins e Porras (1994) dividem o conceito de visão em dois níveis, e cada nível em dois subníveis: a) ideologia central: valores centrais e propósito central; b) futuro vislumbrado: meta audaciosa e declaração eloqüente. Dessa forma, visão = ideologia central (valores centrais + propósito central) + futuro vislumbrado (meta audaciosa + declaração eloqüente). 8.2.1. A visão A ideologia central consiste naquelas características duradouras da organização, uma consistente identidade que vai muito além de produtos, ciclos, grandes saltos tecnológicos, etc. A ideologia central de uma grande organização deve permanecer como direcionamento e fonte de inspiração. Os valores centrais – primeiro componente da visão – são os dogmas essenciais da organização. São valores intrínsecos à organização e têm importância em seu âmbito interno. O propósito central – segundo componente da visão – é a razão de ser da organização. Não deve ser confundido com metas ou estratégias de negócios. Deve ser o ideal motivador para todo esforço empreendido pela organização. Deve ser um propósito que será sempre perseguido, mas jamais será atingido, pois se trata do negócio, da missão, enfim, da postura da organização para buscar a visão na sua totalidade. A meta audaciosa – terceiro componente da visão – é um poderoso elemento estimulador da busca do progresso. Não tem nenhuma semelhança com as metas convencionais da organização. Deve ser uma meta que constitua o ponto de convergência dos esforços, represente um grande desafio, seja um catalisador do espírito de equipe na organização, seja tangível e tenha foco claramente definido. O último componente da visão é a declaração eloqüente. Trata-se de uma declaração vibrante, carregada de convicção e emoção, que possa comunicar a visão dentro e fora da organização. O primeiro passo para a elaboração de um modelo de gestão de performance que vise traduzir a estratégia de uma determinada A “visão global” do modelo genérico deste estudo, entendida como uma visão simples e sucinta, mas, ao mesmo tempo audaciosa e embasada Finalmente, é importante ressaltar que, embora seja um modelo calcado em extensa pesquisa bibliográfica, trata-se de um modelo conceitual, que deverá ser testado exaustivamente, na busca da confirmação de sua aderência à realidade, ou seja, na sua eficácia em mensurar o “rumo fluente” de organizações que o adotem em direção à “visão global” definida. 8.2. Elaboração do Quadro Resumo Estratégico 134 Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira nos novos paradigmas competitivos, foi definida como: “Ter um diferencial competitivo sustentável que gere valor à organização, por meio de ações cooperativas entre os elementos da cadeia produtiva”. 8.2.2. As perspectivas estratégicas Após a definição da “visão global”, o segundo passo na elaboração de um modelo de gestão de performance baseado nos pilares do BSC é definir as perspectivas, grandes vetores de desempenho nos quais a empresa deve buscar excelência para alcançar a sua visão, a partir da análise da visão e dos principais pressupostos estratégicos definidos e vinculados ao modelo de gestão de performance. Como explicitado anteriormente, esses novos pressupostos determinaram a criação de um modelo fundamentado no BSC clássico, no entanto com dois desdobramentos adicionais: a perspectiva “sustentabilidade” e a perspectiva “inovação”. 8.2.3. Os objetivos estratégicos Definidas as perspectivas do modelo, faz-se necessário estabelecer o conjunto de objetivos estratégicos para cada uma delas. Um objetivo estratégico deve representar uma ação cuja efetividade deverá ser constatada em um futuro previamente definido e mensurada de forma quantitativa, por meio de um indicador de resultado, que, por seu turno, terá uma meta estipulada a ser cumprida. Para que um modelo desdobrado seja eficaz na condução da organização rumo à sua visão, os objetivos globais da organização (objetivos estratégicos) devem se originar do posicionamento estratégico definido e apresentar características específicas, como serem quantitativos, realistas, claros, específicos e de fácil entendimento, hierárquicos, consensuais, desafiadores, consistentes e flexíveis. Como explicitado anteriormente, a perspectiva “processos internos” apresenta um objetivo estratégico único, que representa, com sua oval pontilhada, todos os outros objetivos estratégicos dessa perspectiva a serem contemplados durante a implementação do modelo ampliado, guardadas as especificidades de cada organização. 8.2.4. Os objetivos predecessores Um objetivo predecessor é também um objetivo estratégico do modelo. Entende-se por predecessão – característica de um objetivo predecessor – a necessidade de que um objetivo estratégico aconteça antes, para “habilitar” ou para “facilitar” a ocorrência de outro. 8.2.5. Os indicadores de resultado Para se medir o desempenho dos objetivos estratégicos desenhados, é necessário definir as métricas-chave de performance, também denominadas indicadores de resultado (do inglês, lag indicators). Sempre que possível, é interessante que cada objetivo estratégico esteja vinculado a apenas um indicador de resultado, para que a performance possa ser evidenciada de forma instantânea, sem a necessidade de se recorrer a outros indicadores, dados e formas de alimentação do modelo. Entretanto, sempre que não for possível restringir-se à utilização de apenas um indicador, deve-se proceder à adoção de uma cesta de indicadores. Os indicadores desta cesta podem assumir pesos específicos, dependendo do seu grau de importância para o alcance dos objetivos estratégicos. O resultado alcançado, portanto, seria uma média ponderada entre os resultados que cada um dos indicadores componentes da cesta alcançou. 8.3. Elaboração do Mapa Estratégico (ME) 8.3.1. As ovais em suas perspectivas Após as fases descritas acima, cujos resultados se somam num quadro-resumo denominado Matriz Estratégica, existem elementos suficientes para a concepção do Mapa Estratégico, que se constitui justamente na tradução gráfica dessa matriz. O primeiro instrumento é uma planilha-resumo em Excel, enquanto o segundo é um diagrama em que são apresentados os objetivos estratégicos, dispostos graficamente dentro de ovais nas diferentes perspectivas do modelo ampliado concebido, e correlacionados entre si. Ou seja, a disposição dos objetivos denota um princípio de causa e efeito, em que um 135 Relatório de Pesquisa – RP0502 8.3.2. O Modelo Ampliado desenvolvido à luz dos pilares principais do Balanced Scorecard Figura 17: Mapa estratégico proposto para o modelo teórico Fonte: Elaborado pelos autores. objetivo predecessor emite uma seta que chega a um objetivo estratégico do modelo, “habilitando” o seu acontecimento, como mencionado acima. É importante ressaltar que as ovais, em suas relações de causa e efeito, buscam evidenciar “os vínculos mais fortes” do modelo, segundo a visão perseguida e a orientação estratégica adotada. Isso porque, numa visão sistêmica da organização, todos os objetivos estratégicos exercem influências sobre os outros (inclusive mutuamente!). O Modelo Ampliado desenvolvido à luz dos pilares principais do Balance Scorecard 136 8.3.3. Relações de causa e efeito do modelo Os quadros abaixo estão apresentados de acordo com a seqüência lógica das dimensões desta pesquisa no “Mapa Estratégico” acima: sustentabilidade, finanças, marketing, inovação e gestão de pessoas. A função destes quadros é relacionar os objetivos estratégicos que foram graficamente representados no “Mapa Estratégico” pelas ovais e seus respectivos indicadores de resultados, ou seja, as métricas que o estudo bibliográfico identificou como as mais representativas para o acompanhamento da performance destes objetivos estratégicos. Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira Sustentabilidade Objetivos estratégicos • GERAR VALOR PARA O ACIONISTA Entende-se por gerar valor em uma organização o fato de se aumentar sucessivamente o valor corporativo, pelo incremento do pagamento de dividendos ou aumento do valor nominal das ações, e pela maximização do fluxo de caixa livre, trazido a valor presente pelo custo de capital ao qual a empresa está sujeita. QUADRO 11 Objetivos estratégicos de sustentabilidade versus indicadores de resultado OBJETIVOS ESTRATÉGICO S DO MODELO ( OVAIS DO ME ) Gerar valor para o acionista Obter diferencial competitivo sustentável Minimizar ris cos à sustentabilidade I NDICADORES DE RESULTADO * EVA * CVA * Referência no mercado quanto aos procedimentos pró-desenvolvimento sustentável (prêmios recebidos) * Aumento e/ou manutenção do marketshare em função dos procedimentos pró-desenvolvimento sustentável * Políticas orientadoras da competitividade vinculada ao desenvolvimento sustentável * Gerenciamento de riscos econômicos na cadeia produtiva * Gerenciamento de impactos sociais na cadeia produtiva * Gerenciamento de impactos ambientais na cadeia produtiva * Gerenciamento de iniciativas pró “social” na cadeia produtiva * Absorção dos conceitos de desenvolvimento sustentável pela identidade da organização (objetivos, visão, valores) Criar cultura de * Porcentual de integrantes da organização comprometidos com o desenvolvimento sustentável desenvolvimento sustentável Antecipar-se às expectativas das partes interessadas Gerar oportunidades baseadas na sustentabilidade * Introdução de procedimentos pró-desenvolvimento principais funções organizacionais * Consideração dos stakeholders no planejamento da empresa * Utilização de políticas, sistemas gerenciais monitoramento das relações com os stakeholders * Utilização, pelas outras organizações da cadeia produtiva, de políticas, sistemas gerenciais e relatórios para o monitoramento das relações com os stakeholders * Consideração da responsabilidade corporativa para a sustentabilidade, em acordos com parceiros * Adesão a acordos sustentável * Desenvolvimento de novas oportunidades de negócios, oriundas dos riscos / impactos existentes ao desenvolvimento sustentável nas operações da organização. * Taxa interna de retorno dos negócios criados * Taxa interna de retorno das oportunidades de negócios * Comercialização de produtos / serviços com argumentos da sustentabilidade nacionais e e internacionais sustentável relatórios para nas o pró-desenvolvimento Fonte: Elaborado pelos autores. 137 Relatório de Pesquisa – RP0502 ortodoxamente circunscrito à perspectiva financeira, essa oval foi deslocada para a perspectiva de sustentabilidade no modelo teórico proposto, por refletir, juntamente com as dimensões ambiental e social, os pilares fundamentais da sustentabilidade. Partiu-se do pressuposto de que o fato de gerar valor para os acionistas deve ocorrer tanto no curto quanto no longo prazo. Para tanto, ficou estabelecido que seria fundamental considerar questões ligadas à sustentabilidade como predecessoras à geração de valor. • Obter diferencial competitivo por meio do desenvolvimento sustentável O termo “sustentabilidade” tem sido associado a preocupações econômicas intrincadas com preocupações sociais e ecológicas, considerando-se as futuras gerações. Desenvolvimento sustentável é definido pela ONU como aquele desenvolvimento que atende às necessidades da atual geração sem comprometer a capacidade das futuras gerações de atenderem às suas próprias necessidades. A crescente consciência quanto ao atual nível de riscos ambientais, sociais e econômicos tem trazido as questões relativas a sustentabilidade para o centro de atenções dos organismos internacionais e governos nacionais. As empresas detêm hoje um elevado poder de influência e causa nas questões que ameaçam a sustentabilidade. Por isso, governos, legisladores e formadores de opinião estão trazendo as empresas para a participação no enfrentamento dessas ameaças. Por viverem em ambiente competitivo, as empresas se vêem desafiadas a realizar esse alinhamento de forma a aumentar sua própria sustentabilidade. Esta orientação estratégica significa que as empresas que se aliarem às mudanças necessárias à melhoria das condições de sustentabilidade tendem a ter um melhor posicionamento no mercado que a sua concorrência. Dessa maneira, fortalece-se o ambiente de negócios em que a competição promove a sustentabilidade da sociedade e do planeta. 138 • Minimizar os riscos desenvolvimento sustentável ao Riscos estão associados à possibilidade de acontecimentos negativos e estão sempre presentes nas atividades humanas. Para lidar com riscos, é preciso conhecer suas causas, seu processo de evolução e o potencial de danos. Quando não devidamente cuidados, eles podem evoluir para impactos reais, de forma descontrolada e imprevisível. Impactos negativos geram passivos. A legislação e o poder judiciário cuidam de qualificar os passivos sociais, econômicos e ambientais, e permanentemente aprimoram o estabelecimento de responsabilidade pelas conseqüências advindas de acidentes e procedimentos inadequados dos membros da sociedade. Do ponto de vista empresarial, os passivos são geralmente convertidos em penalidades financeiras, o que não significa que alguns eventos não possam ser considerados criminosos. Passivos trabalhistas são um exemplo clássico de risco social que se converte, via legislação, em passivo financeiro. Da mesma forma, outros passivos de caráter ambiental e econômico penalizam financeiramente as empresas. Riscos ambientais são altamente regulados pela sociedade brasileira, por meio de sua legislação, agentes de governo e opinião pública. Crimes ambientais podem ser imputados aos gerentes responsáveis por acidentes ou procedimentos inadequados. Riscos também se transferem dentro de uma cadeia de responsabilidade, o que aumenta a necessidade de as empresas conhecerem e gerenciarem os riscos de seus parceiros comerciais. Prevenção e seguros são ferramentas de gerenciamento de riscos. A prevenção permite antecipar ações geralmente menos caras do que bancar passivos. Seguros ficam cada vez mais caros, quanto menos uma empresa demonstra sua capacidade de lidar com seus riscos (inclusive os transferidos). Esse objetivo estratégico orienta as empresas a desenvolver sistemas de monitoramento e Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira gerenciamento de riscos econômicos, sociais e ambientais, presentes tanto em suas atividades de negócio quanto nas atividades dos outros elementos das cadeias produtivas em que estão inseridas. • Criar cultura de desenvolvimento sustentável Quando uma empresa se declara comprometida com qualquer valor ou objetivo, imediatamente ela se torna objeto da atenção pública. Isto é muito mais contundente quando ela se declara comprometida com o desenvolvimento sustentável. Há grande desconfiança sobre a real capacidade de alguns setores econômicos reverterem processos históricos de dilapidação social, econômica e ambiental que tiveram origem em práticas de empresas individuais ou do setor de negócios como um todo. Tal comprometimento deve se dar, portanto, de forma sólida e consistente, o que significa que os princípios da sustentabilidade devem estar presentes não somente nas políticas declaradas pela alta direção, mas também nas atitudes de todos os que agem em nome da empresa. Por outro lado, a cultura vigente externamente à empresa deve também ser adequada ao desenvolvimento sustentável, e a empresa tem a possibilidade de influenciar a cultura de suas partes interessadas. Esse objetivo estratégico implica que a empresa deve gerenciar o quanto sua cultura interna incorpora os princípios da sustentabilidade. Visão, valores, símbolos, missão, políticas, comportamentos e processos de gestão devem estar firmemente impregnados da intenção de promover o desenvolvimento sustentável. E, também, o quanto ela age para influenciar a cultura de suas partes interessadas no mesmo sentido. • Antecipar-se às expectativas das partes interessadas (stakeholders) Empresas atuam sob as vistas não apenas de seus clientes, fornecedores e proprietários. O conjunto das partes interessadas de uma empresa engloba todas aquelas pessoas e organizações que afetam ou são afetados pela sua existência, inclusos aí suas operações diretas e seus impactos indiretos, tais como comunidades, governos, concorrência, mercado de trabalho, meio ambiente, etc. São todos, voluntária ou involuntariamente, agentes co-responsáveis pela longevidade do empreendimento. Uma classificação típica dos interesses das partes consiste em separá-los conforme originados: de relações de mercado (idealmente competitivas), da sociedade (idealmente cooperativas) ou do meio ambiente (sempre imperativas). A compreensão das demandas das partes interessadas é fundamental para que a empresa saiba a elas responder equilibradamente. Por outro lado, a antecipação das demandas confere à empresa a capacidade de agir preventivamente aos riscos e impactos econômicos, sociais e ambientais. Esta orientação estratégica propõe que a empresa deve identificar, compreender e responder adequada e antecipadamente às expectativas das partes interessadas. • Gerar novas oportunidades de negócios em função das demandas da sustentabilidade As atuais condições econômicas, sociais e ambientais devem ser enfrentadas com ações concretas e viáveis. Um conjunto delas requer o envolvimento de governos no comprometimento das sociedades com a destinação de recursos públicos. Outro conjunto encontra, na competição de mercado, condições adequadas para viabilização. Transformar resíduos do processo em matéria-prima para outros produtos é um exemplo deste segundo conjunto. Este objetivo estratégico sinaliza para que as empresas visualizem as demandas surgidas dos passivos ambientais, sociais e econômicos como oportunidades de negócios, gerando produtos, serviços e empreendimentos que se sustentem dentro das regras de mercado. Princípios de causa e efeito (horizontais) na perspectiva “sustentabilidade” 1) Minimizar os riscos à sustentabilidade à antecipar-se às expectativas das partes interessadas 139 Relatório de Pesquisa – RP0502 Toda atividade envolve riscos em alguma proporção. Depois de identificados os riscos, é possível evitá-los, preveni-los ou assegurar que, caso aconteçam, a empresa tenha condições de arcar com seus efeitos. Riscos à sustentabilidade são aqueles que ameaçam as condições de continuar atendendo às necessidades futuras. Obedecendo aos preceitos conceituais da sustentabilidade, são aqueles riscos que ameaçam as condições econômicas, sociais e ambientais, não só da empresa como também de suas partes interessadas. Seja nas relações de mercado, seja nas sociais ou na natureza, transferem-se riscos entre seus componentes. Nas relações mercadológicas das empresas (com seus proprietários, concorrentes, fornecedores e clientes), os riscos sociais se refletem na chamada licença social para operar, ou seja, o conjunto de expectativas que os elementos sociais têm da forma como a empresa se relaciona comercialmente com os elementos de mercado. Quando esse conjunto é desfavorável, os atores sociais tendem a influenciar a forma desse relacionamento. Exemplo disto é o combate ao trabalho infantil que, por interesse da sociedade como um todo, tem levado empresas a se negar a comercializar com fornecedores que não demonstrem engajamento ativo. Ou o trabalho escravo ou forçado, que encontra no poder público iniciativas de combate na forma de ações dos Ministérios Público e do Trabalho. Os riscos e danos ambientais são submetidos hoje a intensa vigilância da sociedade. Passivos ambientais tomam a forma de multas e intervenções do poder público, que podem inviabilizar a permanência de uma empresa. Ao buscar, portanto, minimizar os riscos à sustentabilidade, a empresa se antecipa aos possíveis danos que, de uma forma ou de outra, atingiriam às partes interessadas. 2) Obter diferencial competitivo sustentável à criar cultura de desenvolvimento sustentável à antecipar-se às expectativas das partes interessadas 140 Associar os conceitos de sustentabilidade e competitividade encerra, aparentemente, o desafio de conciliar interesses antagônicos ou, no mínimo, divergentes. Afinal, para cuidar do meio ambiente ou cooperar com o desenvolvimento social de comunidades ou do país, as empresas devem realizar gastos (e reduzir lucros) que, sob certo ponto de vista, não lhe cabem, já que existe o Estado para cuidar dessas questões. E o Estado é financiado pelos impostos pagos pelas pessoas físicas e jurídicas. A questão, no entanto, comporta outras leituras. A competitividade da empresa não depende unicamente de sua própria competência em produzir com maior qualidade, menor preço, e prazo mais adequado do que as demais empresas que atuam em seu mercado. É certo que depende, também, da competência de seus fornecedores nos mesmos itens. Não é tão claro, à primeira vista pelo menos, que a competitividade de uma empresa depende da competitividade da comunidade social em que está inserida, que se dá, por exemplo, na qualidade de vida proporcionada aos familiares de seus empregados. Também não é tão clara, por ser mais sistêmica, a contribuição de um Estado ou país à competitividade das suas empresas. A legislação, a infra-estrutura de estradas e comunicação, ou mesmo a capacidade de fomento e financiamento de atividades empreendedoras e inovadoras são fatores de competitividade nacionais. Diferencial competitivo é a condição alcançada por uma empresa que a destaca positivamente em relação aos demais elementos que atuam no mercado. Para ser sustentável, um diferencial deve se prolongar com o tempo. Em uma sociedade baseada no conhecimento, em permanente e rápida mutação, manter diferenciais competitivos significa atender permanente e antecipadamente às expectativas das partes interessadas. A abordagem que enfatiza a sustentabilidade como fator de diferenciação competitiva contribui para a formação de uma cultura no mesmo sentido, uma vez que os valores e comportamentos incentivados e promovidos são aderentes ao desenvolvimento sustentável. Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira 3) Gerar oportunidades baseadas na sustentabilidade à antecipar-se às expectativas das partes interessadas Outra leitura é a que aborda o futuro como “local” de oportunidades que concorrem em pelo menos duas correntes de favorecimento à atividade empresarial: fortalecimento de imagem e novas áreas de negócios. Na primeira corrente, é evidente que a associação da marca da empresa com fatores atraentes para os compradores favorece seu posicionamento competitivo. como pode ser comprovado pela valorização superior das ações das empresas componentes do Índice Dow Jones de Sustentabilidade, da Bolsa de Valores de Nova Iorque. Ao se antecipar às expectativas de suas partes interessadas, a empresa contribuirá, portanto, para duas expectativas de acionistas: ver crescerem seu patrimônio e rendimentos e investir em empresas que dêem um significado social e ambiental à sua própria riqueza. Na segunda, a necessidade de dirimir desequilíbrios ambientais e sociais gera novas oportunidades de negócios que, à medida que se tornam mais visíveis, tornam-se também mais demandados. Como exemplo, a crise global de abastecimento de água que se avizinha prenuncia oportunidades de negócios nas áreas de reciclagem e dessalinização. Nas duas correntes, podem as empresas identificar as expectativas das partes interessadas, buscando aí as oportunidades surgidas com a preservação das condições de atendimento às necessidades futuras do mercado, da sociedade e do meio ambiente. 4) Antecipar-se às expectativas das partes interessadas à gerar valor para os acionistas Empresas que se antecipam às expectativas das partes interessadas, portanto, minimizam riscos, aproveitam oportunidades e se diferenciam das demais em sua capacidade competitiva. Acionistas são pessoas interessadas na aplicação de seus recursos financeiros, de forma que eles cresçam e se mantenham crescentes no curto e no longo prazo. Ou seja, acionistas estão interessados na somatória de valores financeiros reais (dividendos e patrimônio em ações) e de possibilidades (aumento e longevidade desses valores). Empresas que se antecipam às expectativas das partes interessadas contribuem para a sustentabilidade da sociedade e do meio ambiente. Sendo mais aceitas e desejadas, essas empresas têm adquirido maior valor de mercado, 141 Relatório de Pesquisa – RP0502 Finanças QUADRO 12 Objetivos estratégicos de finanças versus indicadores de resultados O BJETIVOS ESTRATÉGICOS DO MODELO I NDICADORES DE RESULTADO OBS – DEFINIÇÕES VPL TIR ROE ROCE * Valor Presente Líquido * Taxa Interna de Retorno * Retorno sobre o Capital Próprio * Retorno sobre o Capital Empregado Gerir a estrutura de capital Debt/Equity WACC Alavancagem * Proporção entre capital de terceiros e capital próprio * Custo médio ponderado de capital * Ativo total pelo patrimônio líq uido Gerenciar o risco financeiro Ke Gerenciar retorno sobre investimentos * Custo do capital próprio fundamentado no binômio risco/retorno Gerenciar a liquidez NCG CCL LC * Necessidade de Capital de Giro * Capital Circulante Líquido * Liquidez Corrente Aumentar as margens EBITDA * Lucro operacional antes de juros, impostos, depreciação e amortização * Lucro Operacional/Receita Líquida Margem Operacional Desenvolver governança corporativa Margem Líquida * Lucro Líquido/Receita líquida Criação de Valor * Maximizar a Riqueza dos Acionistas Custo de Agenciamento Custo de Capital Redução de Risco *Alinhamento Acionista/Conselho/Direção/Colaboradores * Reduzir o Custo das fontes de recursos * Coerência e Transparência Fonte: Elaborado pelos autores. Objetivos estratégicos • Gerir a estrutura de capital O comportamento das empresas quanto à estrutura de capital aponta para a crença da existência de uma estrutura de capital ótima, mesmo com as limitações temporais e circunstanciais de tal hipótese. Ou seja, mesmo não existindo uma estrutura de capital ótima, as empresas vão tentar sempre atingir um ponto que esteja bastante próximo da situação considerada ótima o ideal. O que este objetivo estratégico almeja é que as empresas selecionem sua estrutura de capital (ou grau 142 de endividamento) e a gerenciem de acordo com atributos próprios, que determinam os vários custos/benefícios associados à decisão de financiamento. • Aumentar as margens O Demonstrativo de Resultado de Exercício é um instrumento bastante utilizado quando a empresa é avaliada. No entanto, quanto mais dados são inseridos no Demonstrativo, maior é sua subjetividade, ou seja, as chances de as informações fornecidas não condizerem com a realidade da empresa, principalmente a realidade operacional. O Aumento da Margem Operacional indica justamente o esforço da empresa em melhorar seus resultados por meio de ações diretamente relacionadas ao seu processo produtivo, em que o grau de Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira confiabilidade das informações prestadas ao mercado tende a ser maior e a refletir a realidade produtiva da empresa. O EBITDA, que é uma proxy para a capacidade de geração de caixa da empresa, e a margem de EBITDA são uma importante referência para o mercado do desempenho da empresa. A margem líquida é uma referência complementar. • Gerenciar a liquidez Apesar de a atitude racional esperada ser a elevação do valor da empresa no longo prazo, o curto prazo não pode ser desprezado, até mesmo porque ele é uma etapa obrigatória para o alcance da perenidade. Assim, a gestão da liquidez relaciona-se a administração do curto prazo, de forma a garantir os sustentáculos que levarão a empresa ao alcance de sua visão. A gestão do curto prazo deve buscar a otimização do ciclo financeiro à realidade da empresa, assim como o gerenciamento do capital de giro e da necessidade de capital de giro, garantindo índices de liquidez que satisfaçam tanto os acionistas quanto os credores. • Desenvolver governança corporativa Considerando a inserção da empresa em um ambiente que é influenciado por ela e que também a influencia, a governança corporativa pode ser vista como a maneira de admitir que haja multiplicidade de grupos (indivíduos, grupos de indivíduos e instituições) que definem o sucesso das organizações. Ou que simplesmente afetam a capacidade que a organização tem para atingir seus objetivos, determinando, pois, que cada um des ses entes seja devidamente considerado nas operações da empresa. • Gerenciar o risco financeiro Objetiva a minimização do risco financeiro da empresa, por meio da administração do custo do capital próprio e de terceiros (estrutura de capital) e de adoção de proteções a oscilações macroeconômicas que possam ter impacto negativo na companhia. • Maximizar retorno sobre investimentos Cabe aos acionistas da empresa a definição da relação risco x retorno que lhes é desejável. A partir dessa definição o conselho traduz ao corpo executivo da empresa os objetivos de negócios. O corpo executivo, por sua vez, desenvolve os negócios tendo como meta final maximizar a riqueza dos acionistas (a terminologia usada no mapa estratégico acima foi gerenciar a riqueza dos acionistas – sob a ótica de finanças considera-se que as duas terminologias têm o mesmo significado). Gerenciando riscos e buscando uma estrutura de capital adequada (este último ponto sob a égide do conselho e dos próprios acionistas), o meio crucial para geração da riqueza futura da empresa é o desenvolvimento de negócios e da decisão de investimentos. Esta decisão passa, portanto, pela avaliação de projetos buscando maximizar o retorno sobre o capital empregado; retorno este que deve levar em conta o custo de oportunidade do capital. Princípios de causa e efeito (horizontais e verticais) na perspectiva “finanças” 1) Gerenciar risco financeiro à gerenciar a liquidez A definição de risco é bastante ampla sob o ponto de vista conceitual, devendo, necessariamente, englobar a gestão coordenada da liquidez da empresa, ou seja, ensejar esforços no que tange à capacidade da companhia para saldar compromissos. Embora o objetivo final de uma empresa esteja vinculado ao seu desempenho econômico, as organizações, não raro, vão à falência por um problema de liquidez. A definição por parte dos acionistas da relação risco–retorno compatível com suas curvas de utilidade é a diretriz básica para os conselhos de administração. A partir deste ponto, buscam-se índices de liquidez e de gestão de capital de giro compatíveis com a estrutura e os riscos do negócio. 2) Gerenciar risco financeiro à gerir estrutura de capital Não existe uma teoria capaz de definir a estrutura de capital ótima. Ela depende dos riscos, do custo de capital, das características de cada negócio, e do momento que a empresa vive. Assim, como na questão da liquidez, uma estrutura desequilibrada (embora a otimização 143 Relatório de Pesquisa – RP0502 seja subjetiva) pode significar falta de eficiência e destruição de valor, dificultando, portanto, a maximização da riqueza dos acionistas. Dessa forma, gerir risco financeiro é fundamental para que se ache uma estrutura de capital mais adequada para a empresa, em cada fase de seu desenvolvimento. 3) Gerenciar a liquidez à maximizar a riqueza dos acionistas Não se chega ao futuro sem gerenciar o presente. Este é um dos pontos que antecedem a maximização da riqueza dos acionistas, uma vez que a falta ou o excesso de liquidez pode significar falta de eficiência e destruição de valor. Falta de eficácia neste item significa insolvência e, conseqüentemente, falência da empresa. Além disto, existe uma importante variável na empresa, parte da análise de liquidez, que deve ser mantida sobre controle, por se tratar de importante porção do ativo econômico, cuja rentabilidade é determinante para a geração de riqueza. 4) Aumentar a margem operacional à maximizar a riqueza dos acionistas O aumento da margem operacional significa um maior potencial de geração de caixa e “cash is king” na busca de retorno e rentabilidade para os acionistas. Ademais, só se gera valor na empresa quando a rentabilidade do ativo econômico é maior do que o seu custo de capital. E a margem operacional, ou lucro operacional, é justamente a medida do numerador da fórmula de cálculo dessa rentabilidade. 5) Desenvolver governança corporativa à maximizar a riqueza dos acionistas A transparência, coerência técnica e de processos, eqüidade, prestação de contas, cumprimento de leis e ética geram credibilidade, fortalecimento da marca e acesso aos mercados. Estes elementos são pilares na busca pela maximização da riqueza dos acionistas. 6) Gerenciar risco financeiro à maximização do retorno sobre investimentos à maximizar a riqueza dos acionistas 144 7) Gerenciar a estrutura de capital à maximização do retorno sobre investimentos à maximizar a riqueza dos acionistas Os itens 6 e 7 acima estão relacionados de forma inexorável, como já mencionado nas descrições dos objetivos estratégicos. A maximização da riqueza dos acionistas é um fim; a maximização do retorno sobre investimentos é um dos meios principais (se não o principal) para alcançar esse fim e a gestão de risco e a estrutura de capital, fundamentos críticos que dão sustentação ao meio, o qual busca eficiência e eficácia no alcance do objetivo final. Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira Marketing Quadro 13 Objetivos estratégicos de marketing versus indicadores de resultados O BJETIVOS ESTRATÉGICOS DO MODELO Otimizar os recursos de marketing INDICADORES DE RESULTADO * Desempenho de vendas * Rentabilidade por marca, produto e serviço * Valor do cliente * Resultado de promoção de vendas * Produtividade do esforço de vendas Aumentar a participação de mercado * Tamanho de mercado * Participação de mercado Desenvolver novos mercados * Comportamento de preços * Imagem/valor de marca * Contribuição no faturamento por canais de distribuição Lançar novos produtos e serviços * Descontinuidade de produtos * Lançamento de novos produtos * Contribuição no faturamento referente a novos produtos Fonte: Elaborado pelos autores. Objetivos estratégicos • Aumentar a participação de mercado O aumento da participação de mercado tem sido defendido por profissionais e acadêmicos de marketing desde os trabalhos pioneiros de Buzzell, Gale e Sultan (1974) e Buzzell e Gale (1987), conforme já relatado. Essa proposta está associada a resultados financeiros, já que os autores conseguiram estabelecer uma correspondência entre alta participação de mercado e rentabilidade. Esse objetivo, conforme visto, foi suportado por estudos que defendem que, em média, os líderes de mercado são mais rentáveis do que seus rivais com menor participação. Entre as justificativas adotadas pelos autores para essa ocorrência, está o conceito de curva de experiência, segundo o qual o maior número de peças produzidas leva a uma redução dos custos, correspondendo, no caso, à otimização dos recursos de marketing. Por sua vez, o conjunto de ocorrências irá implicar o aumento da margem operacional (HENDERSON, 1973). Os líderes de mercado não apenas comandam preços mais elevados, mas também sustentam sua posição de liderança pela oferta de produtos e serviços superiores aos de seus competidores. Os autores abordam a diferença de perfis entre os líderes de participação de mercado e os seguidores. Para eles, há maior probabilidade de que os líderes tenham entrado no mercado primeiramente, detenham maiores benefícios de patentes e segredos comerciais, e ofereçam produtos/serviços de melhor qualidade. Implícita em tais proposições, está a disponibilidade de lançamento de novos produtos A rentabilidade do líder não é afetada adversamente pela elevada taxa de inovação de produtos, pelos altos gastos mercadológicos nem pela depreciação do ROI. 145 Relatório de Pesquisa – RP0502 • Desenvolver novos mercados • Lançar novos produtos e serviços O desenvolvimento de mercados corresponde a um de seus vetores de crescimento empresarial, conforme proposta pioneira de Ansoff (1977). Pode ser considerado como a primeira e principal estratégia de uma nova empresa ou como estratégia de consolidação, redução de riscos ou de lucros por parte de empresas já estabelecidas. Ansoff (1977) descreve ainda outro elemento para a necessidade de se buscar novos mercados: a sinergia. No caso, corresponde à capacidade da empresa em tirar proveito de sua entrada em uma nova área de mercado, utilizando sua carteira de produtos atuais. Essa abordagem permite variações que vão desde a entrada em áreas geográficas ainda não atendidas com a mesma linha de produtos, até a oferta de novos produtos para mercados atuais e novos. Essas duas possibilidades estão vinculadas à maneira como a empresa gerencia o seu risco. Caso o produto seja atual, o risco estará limitado à sua aceitação pelo mercado, já que a empresa fará uso de seu conhecimento sobre o produto e, possivelmente, uso de sua capacidade produtiva, caso essa esteja experimentando alguma ociosidade. Nesse caso, sua preocupação estará focada na otimização dos recursos de marketing, já que esse tipo de preocupação poderá contribuir para uma gerência bem-sucedida de riscos financeiros. Caso seja novo produto/mercado atual, sua necessidade maior será o desenvolvimento e posicionamento corretos do produto, uma vez que o mercado corresponde ao domínio de atuação da empresa. Caso ambos sejam novos, produto e mercado, o risco estará significativamente aumentado, uma vez que existem dois elementos envolvendo o risco relacionado aos recursos e resultados financeiros: o produto e o próprio mercado. Essa atividade de marketing está vinculada também à inovação, uma vez que é ela que poderá contribuir para a materialização dessa atividade de marketing. É uma das tarefas do marketing desenvolver uma leitura de mercado, identificando oportunidades de crescimento para a empresa, seja com sua carteira atual, seja com uma nova linha de produtos, levando em conta as competências essenciais da empresa em atuar nesses mercados. O lançamento de novos produtos e serviços é um ponto de fundamental importância no cenário competitivo atual, marcado por uma oferta cada vez mais padronizada de produtos para um público cada vez mais informado e exigente. Há inúmeros modelos de análise do portfólio de produtos que destacam a importância da empresa gerenciar seus produtos, visando ao crescimento da participação de mercado. Entre os mais conhecidos, estão a matriz de crescimento e participação – ou matriz BCG – desenvolvida pelo Boston Consulting Group (HENDERSON, 1973), a matriz de perfil de negócio da A. D. Little e o modelo de avaliação das possibilidades de negócio da McKinsey/ GE, além do próprio conceito de ciclo de vida do produto (KOTLER, 2000). Cada modelo, com suas respectivas vantagens e limitações, procura indicar para a empresa alternativas de análise para sua linha de produtos. Em geral, tomam, como base, tanto o crescimento e atratividade do mercado como a capacidade competitiva da empresa. 146 Por meio do desenvolvimento de produtos, assim como de mercados, a empresa busca dois objetivos: a diminuição do risco financeiro e o aumento da participação de mercado. A gestão do risco financeiro ocorre em função da diminuição da dependência da empresa de certos mercados ou produtos, conforme ela busca ampliação do seu leque de atuação. Há, portanto, a necessidade constante de leitura das taxas de crescimento de mercado e do grau de acirramento da concorrência bem como de leitura interna da dependência da receita operacional da empresa sobre determinados produtos e/ou mercados. • Otimizar os recursos de marketing A mensuração das atividades de marketing precisa estar assentada no exame da produtividade do seu esforço em produzir resultados financeiros. Destina-se a orientar a alocação desses recursos, conforme trabalhos de Feder (1965), Day e Fahey (1988) e de Bonoma e Clark (1988). O desenvolvimento anterior de todas as atividades de marketing pode estar comprometido caso essa dimensão Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira seja negligenciada. Ela pode abranger todo o espectro da ação de marketing, estabelecendo uma correspondência entre os gastos envolvidos e os resultados obtidos. É a partir de sua consideração que orçamentos podem ser deslocados para atividades consideradas mais produtivas, e reduções ou acréscimos orçamentários podem ser recomendados, em função de sua perspectiva de resultados. Princípios de causa e efeito (horizontais e verticais) na perspectiva “marketing” 1) Lançar novos produtos à aumentar a participação de mercado à aumentar a margem operacional Conforme visto, existem diversas maneiras de se aumentar a participação de mercado. Uma dessas alternativas refere-se ao lançamento de novos produtos. O lançamento de novos produtos, contudo, precisa estar vinculado à gestão do risco financeiro, uma vez que se prende ao novo e, como tal, envolve um grau de incerteza e a empresa não pode comprometer-se indefinidamente, sem estabelecer um limite para esse comprometimento. Por sua vez, espera-se que o aumento da participação de mercado tenha implicações operacionais. 2) Otimizar os recursos de marketing à aumentar a participação de mercado O aumento de participação de mercado para levar a um aumento da margem operacional deve estar assentado na otimização dos recursos de marketing. Essa deve levar em conta a maior produtividade dos recursos de marketing para que os ganhos marginais correspondam ao seu esforço. 3) Lançar novos produtos à desenvolver novos mercados à gerenciar risco financeiro O desenvolvimento de novos mercados pode depender dos produtos atuais e de novos produtos. Se depender de novos produtos, o risco envolvido pelas incertezas é duplo, já que corresponde tanto aos novos produtos como aos novos mercados. Seu vínculo à gestão do risco prende-se a essas duas questões: o limite do comprometimento financeiro para o desenvolvimento de novos produtos e para o desenvolvimento de novos mercados. Essa atividade de marketing está vinculada e dependente também da inovação, uma vez que é ela que poderá contribuir para a materialização dessa atividade de marketing. 4) Lançar novos produtos e serviços à otimizar os recursos de marketing O desenvolvimento de novos produtos deve resultar do equilíbrio da otimização dos recursos de marketing e da gerência do risco financeiro. Não se pode pensar em seu desenvolvimento sem antes considerar a curva de aprendizagem proporcionada pelas atuais atividades de marketing, no sentido de otimizá-la e, ainda, levar em conta os níveis de risco financeiro que envolve. Inovação QUADRO 14 Objetivos estratégicos de inovação versus indicadores de resultados O BJETIVOS ESTRATÉGICOS DO MODELO I NDICADORES DE RESULTADO Adquirir c onhecimentos de interesse da empresa Aperfeiçoar o existente Desenvolver o novo Desenvolver ações cooperativas com agentes da Número de programas e projetos que incluem os fornecedores, distribuidores, clientes e consumidores cadeia produtiva finais nas iniciativas estratégicas da empresa * Aferição da geração e distribuição do valor agregado entre a empresa e os fornecedores, distribuidores e clientes * Número de sugestões de consumidores finais incorporados à estratégia da empresa * Número e naturez a de iniciativas cooperativas com fornecedores, distribuidores e clientes * Número de parcerias e alianças com fornecedores, distribuidores e clientes Fonte: Elaborado pelos autores. 147 Relatório de Pesquisa – RP0502 Objetivos estratégicos • Adquirir conhecimento de interesse da empresa Significa identificar (sensing) onde novos conhecimentos relacionados ao negócio estão sendo desenvolvidos, estabelecer uma conexão com indivíduos e organizações que estão lidando com estes conhecimentos (mobilizing), e internalizar estes conhecimentos na empresa por meio de projetos relacionados à inovação (operationalizing). • Aperfeiçoar o existente Aperfeiçoar o existente por meio de melhorias incrementais ou redesenho de: organizações passam a adotar ações cooperativas, formando redes de relacionamento, que vêm sendo identificadas como elementos centrais para a competitividade. • Aumentar a eficiência Desenvolver projetos na organização que promovam: • aumento de produtividade; • redução de custos. Obs: Conforme explicado anteriormente, esse é um desdobramento da perspectiva “processos internos” na dimensão “inovação” e “processos internos” em si, com seu objetivo estratégico genérico pontilhado. • tecnologia, produtos, serviços e processos; • logística, materiais e fontes de suprimentos; • modelos de negócios e mercados. • Desenvolver o novo Promover o desenvolvimento de novas soluções e novidades, no que se refere a: • tecnologia, produtos, serviços e processos; • logística, materiais e fontes de suprimentos; • modelos de negócios e mercados. Princípios de causa e efeito (horizontais e verticais) na perspectiva “inovação” 1) Desenvolver ações cooperativas com agentes da cadeia produtiva à adquirir conhecimento de interesse da empresa Nenhuma empresa tem dentro de seus domínios os conhecimentos necessários para inovar em todos os campos do conhecimento relacionados a seu negócio. Dessa forma, a empresa precisa selecionar e adquirir conhecimentos de seu interesse, que muitas vezes estão na cadeia produtiva na qual a empresa se insere. Realizar ações cooperativas com agentes da cadeia produtiva pode ser um mecanismo de aprendizado desde que a empresa tenha, ao formatar o projeto de cooperação, a intencionalidade estratégica de adquirir conhecimentos junto a seus parceiros. • Desenvolver ações cooperativas com agentes da cadeia produtiva 2) Adquirir conhecimento de interesse da empresa à aperfeiçoar o existente Por este objetivo, entende-se a busca contínua de inovação junto aos agentes da cadeia produtiva. Reflete o contexto atual marcado por constantes mudanças tecnológicas, sejam elas produtivas ou organizacionais. Desse modo, as empresas são levadas a competir com base em suas competências, externando atividades/funções/recursos, que passam ao domínio de seus parceiros. Com isso, tais Identificação e mobilização de novos conhecimentos e sua utilização nos processos de aperfeiçoamento do existente. 148 3) Adquirir conhecimento de interesse da empresa à desenvolver o novo Identificação e mobilização de novos conhecimentos e sua utilização nos processos de desenvolvimento do novo. Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira 4) Aperfeiçoar o existente à aumentar a eficiência (“Processos Internos”) vis-à-vis ao aumento da produtividade organizacional. Aperfeiçoamento de processos, tecnologias, materiais e fontes de suprimento, que permitam à empresa reduzir seus custos ou aumentar sua produtividade. • Atrair reter talentos 5) Desenvolver o novo à aumentar a eficiência (“Processos Internos”) Desenvolver políticas, práticas e processos de gestão que permitam à organização captar, identificar e reter profissionais dotados das competências necessárias ao sucesso de seus negócios. • Desenvolver lideranças Desenvolvimento de novos processos, utilização de novas tecnologias, materiais e fontes de suprimentos, que permitam à empresa reduzir seus custos ou aumentar sua produtividade. Desenvolver ações que permitam a formação de líderes capazes de dar respostas efetivas às atuais e futuras demandas do contexto dos negócios, propiciando à organização vantagens competitivas sustentáveis. 6) Desenvolver o novo à desenvolver novos mercados (“marketing”) • Disseminar valores éticos e de responsabilidade social Desenvolvimento de novos produtos, serviços e modelos de negócio, que permitam à empresa ter acesso a novos mercados geográficos ou socioeconômicos. Criar um ambiente organizacional, por meio de políticas e práticas de gestão, que favoreça a disseminação e internalização de valores éticos e de responsabilidade social. 7) Aumentar a eficiência à otimizar recursos de marketing O princípio se dá em função da avaliação repetida da performance de marketing vis-à-vis aos recursos disponibilizados e da maior facilidade de comercialização advinda de novos produtos e serviços que melhor atendam às necessidades do mercado. 8) Aumentar a eficiência à aumentar a participação de mercado O princípio se dá em função da redução de custos repassada ao mercado, ou aumento de desempenho de produtos e serviços, que colocam a empresa em uma posição de vantagem em relação aos concorrentes. Objetivos estratégicos • Promover a qualidade de vida no trabalho Aplicação concreta de uma filosofia humanista, visando alterar aspectos do e no trabalho, a fim de se criar uma situação mais favorável à satisfação dos empregados • Gerir competências Processo contínuo que toma como referência a estratégia corporativa para orientar esforços em torno da captação e/ou do desenvolvimento das competências necessárias à consecução dos objetivos organizacionais. • Gerir o conhecimento Desenvolver e aplicar mecanismos direcionados à geração, aquisição, desenvolvimento, disseminação e manutenção de conhecimentos, com vistas a se agregar valor à organização e seus membros. Princípios de causa e efeito (horizontais) na perspectiva “pessoas” 1) Prover ações direcionadas à qualidade de vida no trabalho à atrair e reter talentos Não há um consenso entre os diferentes autores no que diz respeito ao conceito de qualidade de vida no trabalho. No entanto, em essência, a qualidade de vida no trabalho tem sido entendida como a aplicação concreta de uma filosofia humanista, visando alterar aspectos do (e no) trabalho, com o intuito de 149 Relatório de Pesquisa – RP0502 Gestão de pessoas QUADRO 15 Objetivos estratégicos de gestão de pessoas versus indicadores de resultados O BJETIVOS ESTRATÉGICO S DO INDICADORES DE RESULTADO MODELO Promover a qualidade de vida no trabalho * Grau de satisfação com as condições de trabalho * Grau de satisfação com o clima interno de trabalho * Grau de satisfação com a qualidade das lideranças e gerências * Grau de satisfação com os mecanismos de recompensa reconhecimento * Grau de satisfação com a comunicação interna * Grau de satisfação dos empregados com os programas de participação Atrair e reter talentos * Taxa de rotatividade de pessoal * Grau de satisfação com os mecanismos de recompensa reconhecimento * Grau de efetividade dos métodos de recrutamento e seleção * Grau de satisfação com a qualidade das lideranças e gerências Desenvolver lideranças * Grau de satisfação com a qualidade das lideranças e gerências * Percentual de participação de empregados em Disseminar valores éticos e valores trabalhos sociais e de voluntariado de responsabilidade social * Grau de satisfação dos terceirizados e prestadores de serviços Gerir Competências * Percentual de empregados contemplados em programas de gestão de competências * Percentual de retorno dos investimentos em treinamento e desenvolvimento * Índice de produtividade * Grau de alinhamento do quadro de pessoal à missão, valores, objetivos e estratégias da empresa Gerir conhecimento * Grau de compartilhamento de conhecimentos entre os empregados * Grau de satisfação dos empregados com os processos de mudança organizacional e cultural * Índice de produtividade Fonte: Elaborado pelos autores se criar uma situação mais favorável à satisfação dos empregados, vis-à-vis o aumento da produtividade organizacional. Diversos estudos indicam uma íntima relação entre a gestão da QVT e outros importantes processos organizacionais, entre os quais o processo de atração e retenção de talentos (SARSUR et al. 2003). 150 2) Atrair e reter talentos à gerir competências Igualmente, não se observa na literatura consenso acerca do conceito de competência. Não obstante, a mesma tem sido comumente compreendida como a resultante da articulação de múltiplos saberes – saber fazer, saber agir, saber ser – capazes de propiciar respostas, com bom êxito, aos desafios Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira advindos dos processos de reestruturação e modernização produtiva em voga (SANT’ANNA, 2002). Uma estreita relação com a temática da Gestão de Talentos é percebida, na medida em que não há como se falar em competências e sua gestão sem ações direcionadas à atração e retenção de profissionais delas dotados. 3) Gerir o conhecimento à gerir competências A gestão do conhecimento tem como objetivo agregar valor às organizações e seus membros, por meio da geração, aquisição, desenvolvimento, disseminação e manutenção de conhecimentos, individual e coletivamente. Quando articulada a processos de aprendizagem, constitui-se em fonte imprescindível para a criação de saberes, os quais são importantes componentes da competência. Nesse sentido, há que se salientar um estrito vínculo entre ambos os construtos: Gestão do Conhecimento e Gestão de Competências. 4) Gerir competências à desenvolver lideranças No atual contexto dos negócios, caracterizado pela instabilidade e constantes mudanças, o desenvolvimento de novas competências, notadamente em liderança, revela-se crucial para a sobrevivência e o sucesso organizacional. Assim sendo, torna-se fundamental às organizações mapeá-las, desenvolvê-las e monitorá-las. Revelam-se, assim, estreitas as relações entre Desenvolvimento de Lideranças e Gestão de Competências. 5) Desenvolver lideranças à disseminar valores éticos e de responsabilidade social Como principais papéis do líder, destacam-se a definição e disseminação de valores, crenças, visão de negócios e objetivos organizacionais. Desse modo, a manutenção de antigos valores e/ou a internalização de novos se vê influenciada, de forma significativa, por sua visão de mundo, atitudes e comportamentos. Nesse sentido, para a construção de uma cultura calcada em valores éticos e de responsabilidade social, constitui-se indispensável o desenvolvimento de lideranças aderentes a tais princípios. 151 Relatório de Pesquisa – RP0502 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS BCSD – Business Council for Sustainable Development BITC – Business in the Community CEBDS – Conselho Empresarial Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável CERES – Coalition of Environmentally Responsible Economies CTE – Centro de Tecnologia Empresarial EIA – Estudo de Impacto Ambiental FBCN – Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza FDC – Fundação Dom Cabral FINEP – Financiadora de Estudos e Projetos IFC – International Finance Corporation INSEAD – The European Institute of Business Administration IPEA – Instituto de Pesquisas Econômicas e Administrativas ISIB – The Aspen Institute Initiative for Social Innovation through Business OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico ONG – Organização Não-Governamental ONU – Organização das Nações Unidas SAM – Sustainable Asset Management SEDES – Secretaria Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social SEMA – Secretaria Especial de Meio Ambiente FJP – Fundação João Pinheiro UNEP – United Nations Environment Programme FPNQ – Fundação para o Prêmio Nacional de Qualidade WBCSD – World Business Council for Sustainable Development GRI – Global Report Initiative WRI – World Resources Institute Este relatório continua na Parte II – Análise dos Resultados 152 Pesquisa sobre a competitividade na cadeia produtiva da empresa brasileira REFERÊNCIAS AAKER, David A. 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