Teatro na Escola - Orientações Pedagógicas

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Teatro na Escola - Orientações Pedagógicas
Teatro na Escola - Orientações Pedagógicas
Consta dos livros da coleção Teatro na Escola
Por Cristina Maria Brigagão Abalos, Dora Regina Zorzetto Garcia e Vilma Lúcia Furtado Paschoa.
A CRIANÇA DE 7 ANOS
Em seu faz-de-conta, a criança de 7 anos consegue ser o vento ao se movimentar, crescer
como a plantinha, ser o sapo que pula ou o pássaro que voa. Nesta idade, a criança ainda se
sente una com o mundo ao seu redor e, em especial, integrada na Natureza. Assim, falar
sobre plantas e animais é como que falar sobre ela mesma. Ela ainda não desenvolveu a
percepção de ser um indivíduo, de sentir e agir diferenciadamente daquilo que a cerca.
Do mesmo modo, a criança vive ainda mergulhada no mundo da fantasia, revelado em suas
brincadeiras. O brincar da criança é seu trabalho, é coisa muito séria que não está separada
de qualquer outra atividade. É no brincar que a criança percebe suas possibilidades corpóreas,
explora o mundo ao seu redor e estabelece relações com ele. Ela não está pronta para
receber explicações teóricas: tudo nela é atividade. Uma característica marcante de seu
comportamento é a capacidade de imitação: gestos, postura, maneira de falar, vocabulário,
enfim, ela tende a imitar com facilidade tudo o que percebe no adulto que convive com ela.
Quanto à fantasia, cabe aos educadores cuidarem para que se desenvolva de forma
saudável, mantendo uma relação estreita com a realidade, para que fantasia não se
transforme em fantasmagoria. A imaginação e a fantasia despertam o interesse da criança
pelo mundo que, mais tarde, ela entenderá pelo raciocínio lógico.
Onde a fantasia surge com maior intensidade? A fantasia criativa surge mais intensamente
nos momentos de pausa, nos pequenos silêncios que criamos no transcorrer de qualquer
atividade, no escutar, ainda que seja o escutar apenas do próprio interior. Os educadores
precisam estar atentos e não só deixar que estas pausas aconteçam, mas criar oportunidades
para que elas surjam, pois fazem parte indispensável de um ritmo, de uma respiração: é
nestes momentos, quando a atenção não é solicitada para o exterior, que a fantasia atua
internamente. Por outro lado, a fantasia também surge na ação ruidosa, na espontaneidade
que a criança traz em sua natureza lúdica — e, muitas vezes, cômica — e que nos surpreende
com soluções inesperadas e criativas.
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Após estas considerações, pode-se dizer que o mundo da criança de 7 anos é um teatro
constante, um contínuo faz-de-conta. O papel do educador é, em sua essência, organizar este
mundo e configurá-lo de forma a explorar saudavelmente todas as suas possibilidades. Como?
Uma das maneiras é através do teatro, tal como o entendemos neste contexto.
O TEATRO PARA CRIANÇAS DE 7 ANOS
Com crianças dessa idade, sugerimos trabalhar com contos de fadas. Durante todo o ano,
eles podem ser narrados diariamente, integralmente ou em partes, dependendo da extensão.
As imagens destes contos de fadas formam como que um pano de fundo, sobre o qual se
desenrolam todos os assuntos, de que queremos tratar nesta idade, como extensões dos
contos. Muitos deles estão aqui em forma de peça teatral.
O PROCESSO DE MONTAGEM
Após a escolha da peça, primeiro a história é contada às crianças duas ou até três vezes em
dias diferentes. As histórias não são lidas para as crianças, pois quando se lê, o livro constitui
uma barreira entre o professor e os alunos, além de possuir uma linguagem que não é usada
no dia-a-dia das aulas. Contar uma história olhando para as crianças permite observar suas
expressões faciais, que revelam de que forma a história está atingindo cada uma e, assim,
estabelecer uma comunicação direta com cada aluno, usando as expressões que são próprias
do professor. Neste momento, este contato pessoal é mais importante que a linguagem
literária, cujas qualidades estarão presentes no desenrolar dos ensaios e na memorização do
texto. Ainda não é preciso dizer à classe que a história será dramatizada, mas apenas deixar
que as crianças vivenciem as imagens.
Depois, em outro dia, os alunos fazem a retrospectiva da história (agora eles contam) e,por
exemplo,desenham partes dela.Os desenhos podem ser colocados nas paredes da sala de
aula e observados por todos (não criticados): o professor ressalta os aspectos positivos e, se
for o caso, orienta o que pode ser melhorado. Podem também pintar, reproduzindo através das
qualidades das cores os sentimentos que surgiram.
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Agora os alunos já estão mais envolvidos com as imagens, e o professor seleciona alguns
trechos e algumas músicas e os insere na parte rítmica da aula.
Que é a parte rítmica?
A cada dia, quando as crianças chegam na sala de aula, vêm de ambientes diferentes e se
apresentam num estado de ânimo especial: algumas chegam esbaforidas porque estavam
atrasadas, outras cansadas, pois pegaram muito trânsito, outras assistiram uma briga entre os
pais ou coisas ainda piores. Elas não estão prontas para a aprendizagem. A função principal
da parte rítmica é harmonizar estas crianças e dispô-las para a aprendizagem. Um poema, por
menor e mais simples que seja, dito em coro no início do dia escolar, por exemplo, ajuda a
aliviar a dispersão dos alunos e levá-los a sentir que fazem parte de um todo.De forma lúdica
e alegre, ensinam-se exercícios de ritmo, com poesias e canções – que até podem fazer parte
de uma futura peça – executados por todos, com palmas, gestos, movimento, “afinando” a
turma. Assim se trabalham o esquema corporal, espacialidade, dicção, atenção, integração
social, e muitos outros aspectos. Esse início de aula, que chamamos de parte rítmica, é
repetida, dessa forma, por três ou quatro semanas, quando então alguma coisa é mudada,
não tudo de uma vez, isto é, substitui-se uma poesia por outra nova, depois uma música e
assim por diante, acompanhando os temas trabalhados em classe, a matéria. A longo prazo,
o trabalho rítmico desenvolve qualidades e cria disposições e habilidades para o trabalho
teatral.
Nos três primeiros anos escolares é importante que a parte rítmica seja realizada em roda,
com as crianças em pé e livres para se movimentarem. O círculo é a forma perfeita que
integra a todos, e onde cada um enxerga o todo.
Pois bem: o professor então insere trechos da peça escolhida nesta parte rítmica, sempre
com gestos simples, amplos, expressivos, e os repete diariamente. Aos poucos, a criança vai
assimilando e dando seu caráter pessoal, criando novas formas de expressar o texto. Assim a
peça já está sendo montada, e as crianças já a estão memorizando, com muito entusiasmo e
animação. De maneira lúdica, trabalha-se orientando gestos, postura e expressão corporal,
além de linguagem e articulação, memória, entonação e ritmo da fala. Para tanto, é necessário
que, antes, o professor tenha decorado os versos e canções que ensina aos alunos e treinado
os gestos. Tudo deve ser bem pensado e preparado, assim haverá segurança na orientação.
A LINGUAGEM
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A linguagem também é fundamental quando se fala de teatro e de educação. Ao escolher
uma peça ou uma poesia, o professor precisa cuidar para apresentar uma linguagem rica,
bonita, correta e rítmica, além de preferencialmente rimada, em especial para o 1º ano.As
rimas facilitam a memorização e dão musicalidade à fala.
O professor não deve evitar termos mais difíceis e nem ficar preocupado em explicá-los. As
crianças ampliarão seu vocabulário e entenderão o significado através do contexto e da
vivência das imagens. Ao longo do tempo, o professor verifica se as palavras foram
compreendidas e, se necessário, dá a explicação. Muitas explicações intelectuais destroem a
vivência das imagens.
No 1º ano, todas as crianças decoram tudo, a peça inteira. Nenhuma fala deve ser individual,
pois, como foi exposto antes, as crianças ainda vivem no todo e talvez fossem precocemente
expostas como indivíduos diante de uma platéia. O professor deve julgar o que é melhor para
seus alunos, mas aconselhamos que cada personagem seja interpretado em coro, ou seja, por
um grupo de crianças caracterizadas com as mesmas vestes e cores.
MÚSICAS
As músicas utilizadas nas peças de 1º ano devem ter melodias simples e curtas. Às vezes
apenas pequenos e puros sons produzidos por instrumentos bem simples (sininho, coquinhos,
metalofones etc.) já produzem um efeito sonoro no momento certo e ajudam a criar uma
atmosfera, um momento de pausa, ou a sinalizar algo que vai acontecer. O próprio professor
pode realizar estes sons ou aquele aluno mais tímido, que ainda não está seguro para
aparecer em cena. A sonorização de cena também pode ser feita com elementos da natureza,
como folhas secas, pedrinhas etc, ou por objetos do cotidiano, como latões, papel celofane
etc. Claro que é muito importante que as crianças cantem, e até cirandas e cantigas de roda
podem ser introduzidas numa peça. Depende da escolha do momento certo. Sugerimos que a
maior parte dos comandos dados pelo professor nas primeiras séries, sejam transmitidos
cantando melodias bem simples.A música é fundamental para harmonizar o ambiente e
desenvolver o ritmo nas atividades. *
* O som dos aparelhos eletrônicos sempre apresenta distorções, o que não é muito
adequado numa idade em que a criança está refinando sua capacidade auditiva. Além disso,
as músicas estão prontas, poupando qualquer esforço da criança para se desenvolver neste
sentido.Acrescente-se a isto o fato de que, por mais cuidados que se tenha, é difícil encontrar
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algo pronto que se encaixe perfeitamente na peça que está sendo montada, o que acaba
criando uma situação artificial.
PAPÉIS
A peça, portanto,vai sendo montada em partes,todos os dias,na parte rítmica da aula.Todos
se exercitam, interpretam e memorizam tudo.A escolha dos papéis fica para o fim, e é
importante que o professor a faça. Esta é uma atividade pedagógica, e as escolhas de papéis
não podem ser aleatórias. Pode-se escolher um aluno para fazer um determinado papel
porque se parece com aquele personagem, ou porque será um desafio para ele. Deve-se
sempre ter em mente: – De quê este aluno precisa? – Quais as suas aptidões?
CENÁRIO E FIGURINOS
Agora, pode-se também pensar nos cenários e figurinos. Isto não deve ser uma grande
preocupação, pois, principalmente no 1º ano, quanto maior a simplicidade e menor o número
de detalhes, melhor. Deve-se lembrar que as forças da fantasia numa criança de 7 anos estão
muito presentes. O ideal é aproveitar estas forças e deixar que as crianças vivenciem
interiormente as imagens trazidas pela peça. Se muitos detalhes forem utilizados – como
adereços e objetos cênicos que, certamente, não corresponderão ao que a criança havia
imaginado – poderemos estar matando sua fantasia.
Para compor um cenário, apenas alguns panos de cores escolhidas de acordo com o
ambiente que se quer criar. As crianças vestem túnicas iguais, com cores diferentes, de
acordo com seus personagens, e elas mesmas compõem e representam o cenário: árvore,
rio,pedras,animais etc.Se há um rei,ele pode usar uma capa e uma coroa de papel dourado;
se há uma vovó, um xale sobre a túnica e mais nada.Também não são necessárias pinturas
no rosto e nem máscaras: estas surgirão na hora certa, alguns anos mais tarde.Enfim, o mais
importante acontece na imaginação das crianças.
EXEMPLO PRÁTICO
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Para exemplificar a montagem de uma peça de teatro num 1º ano, foi escolhida a peça “Rosa
Branca e Rosa Vermelha”. Os passos a serem seguidos seriam os seguintes:
1º. Contar a história: como foi dito antes, o professor prepara a história e a conta sem ler, nem
interpretar, nem questionar: também as adaptações devem ser evitadas, já que os contos de
fadas refletem uma sabedoria antiga, que fala diretamente aos corações das crianças;
2º. Recontar a história, o que é feito pelas crianças, no dia seguinte;
3º. Desenhos ou pinturas de partes da história;
4º. Introduzir, na parte rítmica, a música e a primeira fala do coro; no caso desta peça, o
professor pode ressaltar na fala os sons das consoantes M/N/R/L;
5º. Ampliar o trabalho com o texto na parte rítmica, fazendo com que as crianças memorizem,
articulando bem os sons, ao mesmo tempo em que vivenciam as situações através dos
gestos;
6º. Depois de todos terem aprendido o texto, pode-se, por exemplo, separar a classe em falas
masculinas e femininas: os meninos dizem as partes do gnomo e do urso-príncipe, e as
meninas dizem as partes das Rosinhas e da mãe. No decorrer do tempo, as crianças vão-se
revelando: algumas identificam-se com o urso, outras com o gnomo, outras ainda com a mãe e
assim por diante;
7º. Como são poucos os personagens para uma classe inteira, um mesmo papel pode ser
feito por várias crianças em momentos diferentes, por exemplo, cada vez que o gnomo
aparece, pode ser representado por outro aluno, ou um grupo de alunos, embora a fala seja
sempre acompanhada pelo coro dos meninos; ou seja, sua fala é representada pelo coro dos
meninos, mas um deles (ou um pequeno grupo) se destaca na interpretação se colocando
mais à frente e interagindo com os outros personagens.
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8º. Algumas crianças podem-se ocupar dos efeitos sonoros, que são fundamentais para
marcar as cenas, entradas e saídas, e para caracterizar os personagens. Cada entrada das
Rosinhas pode ser sinalizada por um toque de triângulo; a raiva e o mau-humor do gnomo
seriam bem caracterizados pelo som áspero do reco-reco. Tudo isto vai sendo inserido
paulatinamente;
9º. Tendo em vista que o ideal é que os alunos estejam em cena o tempo todo (posicionados
em semi-círculo ou em grupos, atrás daqueles que estão atuando), o cenário e os elementos
cênicos serão bem simples e sugestivos: uma cadeira para a mãe, pano verde no chão como
relva, outro azul para o rio, duas vassourinhas; a lareira será sugerida por uma cadeira ou
banco deitado coberto por um pano, dois pequenos vasos, um com rosas vermelhas e outro
com rosas brancas (que podem ser de papel), um saco com pedacinhos de papel dourado e
prateado amassados para o gnomo. Pronto! Não é necessário mais nada!
10º. Acompanhando a simplicidade do cenário, para o figurino pode-se usar: um xale para a
mãe, vestidos rodados para as Rosinhas e coroinhas de flores na cabeça (branca e vermelha;
também de papel), uma capa marrom com capuz para o urso, que usará por baixo uma roupa
de príncipe (um colete aberto de cetim dourado e uma coroa de papel também dourado); um
gorrinho vermelho para o gnomo, com colete curto e calças compridas dentro de botas verdes
(um pedaço de feltro ou papel camurça adaptado com jeito para as botas).Também barbas
feitas com fios de lã podem ser usadas pelos gnomos, se isto não for sobrecarregá-los.
Para que as crianças vivenciem com profundidade todos estes passos, não se deve ter
pressa. Pela nossa experiência, o tempo de montagem de uma peça como esta é de pelo
menos um mês, trabalhando todos os dias e tendo em vista que não se faz somente esta
atividade em um dia de aulas. Às vezes uma montagem pode levar mais tempo, dependendo
do ritmo da turma e das possibilidades do currículo.
A CRIANÇA DE 8 ANOS
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A perda das características da primeira infância não é brusca. Ao se observar uma criança de
8 anos podem-se notar algumas mudanças: torna-se mais esguia e movimenta-se com maior
flexibilidade. As transformações ocorrem paulatinamente durante os três primeiros anos
escolares do Ensino Fundamental. Estes formam um período que, do ponto de vista
psicológico, pode ser considerado uma unidade.
Cabe ao educador desenvolver o que foi adquirido até esta fase, introduzindo na matéria de
ensino, de modo artístico e criativo, grandes e pequenas verdades da vida, por meio de
narrativas. Através do programa de ensino, ele deverá satisfazer e orientar as necessidades
intelectuais dos alunos e, ao mesmo tempo, despertar e desenvolver as forças da fantasia
criativa,relacionadas com o sentimento e com a vontade.
A criança amadurece para se conscientizar do transcurso do tempo: hora, dia, semana, mês
e ano. Este assunto constitui um tema a ser trabalhado na escrita e na leitura, e as crianças
podem elaborar relógios e calendários. O estudo do tempo, dos ciclos da natureza, é algo que
traz para a criança certa segurança, pois ela percebe que os fenômenos sempre se repetem,
numa organização harmoniosa. Com muita cor e poesia, o olhar da criança é guiado pelas
transformações da natureza, inclusive a atividade humana a cada hora do dia.Tem-se aqui
uma ajuda preciosa para esta entrada no mundo, que a criança está realizando.
Outros grandes temas do 2º ano escolar, e que vêm ao encontro daquelas polaridades
mencionadas anteriormente, são as fábulas e as lendas.
As fábulas caracterizam, de maneira divertida, certas unilateralidades e fraquezas do homem.
Por exemplo:“A Lebre e a Tartaruga”,de Esopo.
As lendas já mostram o homem em busca da perfeição. São exemplos de pessoas que
triunfaram sobre o lado animal da natureza humana e que recebem, então, a premiação das
bênçãos divinas. Podem ser histórias ou episódios de vidas de santos, que devem ser
contados sem qualquer cunho religioso ou moralizante. Os grandes ideais são facilmente
compartilhados pelas crianças desta idade, e a responsabilidade social começa a ser
cultivada.
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O TEATRO PARA CRIANÇAS DE 8 ANOS
A escolha da peça pode recair sobre fábulas e lendas, que constituem uma polaridade que
atende a um momento especial no desenvolvimento da criança e às suas necessidades
específicas. É neste contexto que a prática do teatro entra como importante auxiliar no
aprofundamento destes conteúdos e vivências.Também outros temas do ano, como o estudo
do tempo ou do ciclo da água, podem ser dramatizados.
EXEMPLO PRÁTICO
Vamos exemplificar o trabalho através de uma passagem da vida de São Francisco de Assis,
uma história bastante conhecida, transformada em texto para teatro com o nome “São
Francisco e o Lobo de Gubbio”.
Antes de contá-la às crianças, situa-se a figura deste santo e caracteriza-se o lobo que, com
certeza, apareceu em outras fábulas contadas anteriormente. O importante, no âmbito do
teatro, não é a descrição física, muito menos detalhes científicos, mas as características do
animal: seu comportamento, seus hábitos, gestos, o ambiente em que vive e se esconde, seu
convívio com outros animais etc. Uma descrição colorida e bastante adjetivada, que pode
introduzir uma pequena poesia sobre o animal, a qual se fará acompanhar por gestos
característicos, que integrarão a parte rítmica da aula.
Com as crianças já familiarizadas com o lobo, conta-se a história.
No dia seguinte, pede-se que os alunos recontem com suas próprias palavras. Depois,
podem desenhar livremente, ou inspirados por um belo desenho que o professor fez na lousa.
Não importa tanto aqui a estética das formas, mas, muito mais, a atmosfera emocional
caracterizada através das cores; ela ajudará a despertar no aluno o ambiente da história. Por
exemplo, a suave silhueta de São Francisco pode estar inserida num harmonioso fundo azul e
amarelo, ao passo que a silhueta arrepiada do lobo estaria num ambiente vermelho, com
alguns toques de roxo.
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Só depois de toda esta vivência é que se inicia a dramatização propriamente dita, utilizando
um texto, de preferência rimado, ritmado e simples, como o encontrado neste livro.
O processo de montagem ainda é o mesmo daquele do 1º ano: na parte rítmica da aula,
todas as crianças vão decorando o texto inteiro, sempre acompanhado por gestos conduzidos
pelo professor ou, mais tarde, pelas crianças; todas passam pela experiência de ser ora São
Francisco, ora o lobo, em grupos, até a montagem final, quando se pode ter um coro como
narrador, vários São Francisco, vários lobos, a muralha que cerca a cidade também formada
por crianças, os aldeões, carneiros etc.
No figurino, pode-se caracterizar o que é essencial na lenda, ou seja, o focinho do lobo, as
vestes simples de São Francisco (talvez estopa ou saco de farinha), as crianças da muralha
podem segurar um grande pano cinza, as orelhinhas dos carneiros presas a tiaras, e assim por
diante.
Nos gestos, são caracterizados os contrastes entre os movimentos agressivos do lobo e a
postura serena de São Francisco.
No cenário, ainda predominantemente com panos, explora-se o ambiente através da
qualidade das cores; as músicas já podem ter uma maior amplitude de sons e, seja nesta
como em outras dramatizações, algumas crianças mais amadurecidas já podem ter pequenas
falas individuais, formadas por frases curtas.
Durante todo este processo, deve-se cuidar para que a linguagem seja bem articulada, rica e
expressiva, promovendo sempre a transição da linguagem popular e coloquial para a culta.
Trava-línguas, brincadeiras de dicção e aliterações são bons recursos para melhorar a
articulação de sons,ajudando no desenvolvimento da linguagem oral e escrita.
Esta peça,“São Francisco e o lobo de Gubbio”, é escolhida por muitos professores como
conclusão do 2º ano escolar, pois apresenta justamente o encontro das duas polaridades
citadas no início da abordagem deste 2º ano, uma harmonização, um equilíbrio que se deseja
que tenha acontecido no interior de cada criança.
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A CRIANÇA DE 9 ANOS
Aos 9 anos, a criança, anteriormente identificada com o mundo ao redor, agora passa por um
momento muito especial, afastando-se cada vez mais da fantasia e do sentimento de unidade
e integração com a natureza e com seu ambiente. A criança sente-se só pela primeira vez,
sente-se como indivíduo, separada, criando um espaço interno.
A tarefa pedagógica é construir uma ponte entre o espaço interno da criança de 9 anos e o
mundo do qual ela se está afastando.
É de fundamental importância que se cultive nesta idade a vontade de crescer, de querer
conhecer o mundo e nele atuar, trazendo imagens que traduzam em profundidade o momento
pelo qual passa a criança de 9 anos! A de que o homem não pode ser passivo na Terra, que
ele deve trabalhar. Com seu trabalho, ele transforma o meio ambiente e garante sua
sobrevivência. As profissões são abordadas, assim como a ação do homem no mundo. Esta
pode se direcionar das mais variadas maneiras, e assim o homem se dignifica.
Como sugestão, o estudo das profissões pode ser abordado basicamente sobre dois grandes
temas: o pão, alimento primordial, e a casa, vista como a construção da própria corporalidade,
como o abrigo para o “estar no mundo”. Sob o tema do pão, os alunos podem aprender a
cultivar na escola ou em casa, cuidar da plantação, esperar que germine e amadureça,
aprendem sobre a colheita, a debulha, a moagem do trigo, a construção do forno de barro e,
finalmente, a confecção do pão. Outros produtos também podem ser cultivados em uma horta,
e os alunos aprendem todas as profissões ligadas ao cultivo da terra, até o alimento estar em
nossa mesa. Sob o tema da casa, podem ser abordados os vários tipos de moradias
existentes no mundo e como são construídas, de acordo com os recursos naturais disponíveis
e os costumes de cada cultura.Também aqui diferentes profissões surgem, vinculadas a esta
preciosa oportunidade de se apresentar aos alunos muito do que o homem pode fazer com
suas mãos, e a capacidade que elas têm de transformar.
O TEATRO PARA CRIANÇAS DE 9 ANOS
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A cada dia é natural que as crianças cheguem na escola com diferentes estados de ânimo.
Para harmonizar o grupo é aconselhável que se façam exercícios rítmicos*, recitações e canto.
Nesta idade, os exercícios musicais podem ser mais complexos e ser exercitados, por
exemplo, em cânones: um grupo inicia um tema musical já aprendido em uníssono e é
seguido à distância de um ou mais compassos, por outro(s) grupo(s) até o fim.
Todos os conteúdos citados acima trazem inúmeras, variadas e ricas possibilidades de
dramatização. Em que se difere o teatro para crianças de 9 anos do teatro para as crianças
menores? – As crianças ainda decoram todo o texto escolhido, mas algumas, que se sintam
mais seguras, podem ter falas individuais mais longas. Nunca se deve forçar uma criança a se
expor, isto virá com o tempo, pois todas acabam envolvidas pelo contexto e pela adequação
dos temas ao momento de seu desenvolvimento.Pode-se explorar bastante a dramaticidade
das fortes imagens das histórias do Antigo Testamento, como a de José do Egito, a de Davi e
Golias, por exemplo.
Os figurinos já podem ser um pouco mais elaborados, com alguns elementos que lembrem,
por exemplo, épocas ou profissões, assim como podem ser empregados objetos de cena em
maior número e mais variados, muitos dos quais as próprias crianças podem fabricar.
Podem ser feitos trabalhos com desenho e pintura como vivências dos conteúdos da peça,
experimentando novas intensidades e combinações de cores, aprofundando os temas
escolhidos e o processo de montagem da peça de teatro.
Os cenários podem ser compostos apenas com panos coloridos, já que o foco mais
importante são as crianças e sua atuação.
Para uma criança de 9 anos, a escolha de uma peça deve ser inspirada em temas que
despertem o entusiasmo pela ação do ser humano e resgatem o convívio e a participação dela
no mundo. É o homem transformando seu ambiente. Para tanto, as peças deveriam ter
personagens empreendedores, ativos, que juntos, somando forças, concluem tarefas e podem
saborear o fruto do dever cumprido.
Como exemplo escolhemos a peça “O Grão de Trigo”, que engloba vários temas próprios para
esta idade: o pão, as profissões, o trabalho coletivo e compartilhado, a harmonia existente
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entre o homem e os animais domésticos que lhe prestam serviço e, por outro lado, a natureza
que os complementa e lhes dá suporte.O“menino”da peça é a razão de todo o trabalho que
resultará no pão.
Caso o texto resuma o conteúdo dado nas aulas, não é necessário contar a história
previamente. À medida que se apresenta cada elemento, introduzem-se as falas
correspondentes na parte rítmica do início da aula.Permanece a indicação de que todos
decoram tudo.
A princípio, explora-se a linguagem e seus recursos, por exemplo as aliterações na fala do
vento; os gestos, que naturalmente dela decorrem, na fala forte e cadenciada dos lavradores,
acompanhada por passos firmes da personagem; ou ainda os ritmos expressos na fala lenta e
arrastada das vacas e dos bois. Da fala do coro todos participam, enquanto “o sol”, “a lua” e “o
menino” podem ser representados cada um por um aluno.
Além das músicas que integram a peça, sugere-se acrescentar pequenas melodias,como o
som de instrumentos caracterizando certos personagens (pau-de-chuva, reco-reco, apitos com
sons de pássaros, etc).
Depois de intensa vivência em que todos os alunos têm a chance de experimentar diferentes
personagens, o professor distribui os papéis segundo critérios pedagógicos. Vale lembrar que
a montagem de uma peça não é mera atividade lúdica, mas um recurso pedagógico de
extrema valia para o desenvolvimento da criança e harmonização do grupo.
A uma criança tímida faria muito bem ser o pequeno grãozinho de trigo que rompe a terra,
cresce e desabrocha em espigas douradas; ou, mesmo, para uma criança com traços
egocêntricos, seria bastante terapêutica a vivência do grão de trigo transformado em pão para
servir de alimento. Embora estrelismos devam ser evitados, outro critério de escolha de papéis
é a valorização de aptidões e características da criança, seus talentos. Crianças alegres e
comunicativas com certeza fariam muito bem o papel das cotovias.
Nessa peça, é possível usar túnicas coloridas (verde para o campo, cru para os grãos de
trigo, amarelo para o sol etc.), explorar os adereços na cabeça caracterizando diferentes
personagens (coroa adornada com espigas de trigo, gorrinhos com orelhinhas, chifrinhos,
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identificando os animais, uma coroa de papel dourado para o sol e outra de papel prateado
para a lua). Já para a representação do arado, do rolo e da grade sugere-se a movimentação
do próprio corpo. Os “ventos”, as “chuvas” e as “cotovias” podem vestir tecidos leves e
transparentes sobre as túnicas.
Aos 9 anos, as crianças se movimentam mais livremente no palco, podendo realizar um
trabalho mais elaborado e imprimindo maior expressão pessoal em sua atuação, sempre
dentro das orientações gerais do professor.
* Exercícios de ritmo – A cada dia, quando as crianças chegam na sala de aula, vêm de
ambientes diferentes e se apresentam num estado de ânimo especial: algumas chegam
esbaforidas porque estavam atrasadas, outras cansadas, pois pegaram muito trânsito, outras
assistiram uma briga entre os pais ou coisas ainda piores. Elas não estão prontas para a
aprendizagem. A função principal da parte rítmica é harmonizar estas crianças e dispô-las para
a aprendizagem. Um poema, por menor e mais simples que seja, dito em coro no início do dia
escolar, por exemplo, ajuda a aliviar a dispersão dos alunos e levá-los a sentir que fazem parte
de um todo. De forma lúdica e alegre, ensinam-se exercícios de ritmo, com poesias e canções
– que até podem fazer parte de uma futura peça – executados por todos, com palmas, gestos,
movimento, “afinando” a turma. Assim se trabalham o esquema corporal, espacialidade,
dicção, atenção, integração social e muitos outros aspectos. Esse início de aula, que
chamamos de parte rítmica, é repetida, dessa forma, por três ou quatro semanas, quando
então alguma coisa é mudada, não tudo de uma vez, isto é, substitui-se uma poesia por outra
nova, depois uma música e assim por diante, acompanhando os temas trabalhados em classe,
a matéria. A longo prazo, o trabalho rítmico desenvolve qualidades e cria disposições e
habilidades para o trabalho teatral. Até os 9 anos é importante que a parte rítmica seja
realizada em roda, com as crianças em pé e livres para se movimentarem. O círculo é a forma
perfeita, que integra a todos e onde cada um enxerga o todo.
A CRIANÇA DE 10 ANOS
Aos 10 anos, quase todas as crianças já passaram pela fase de estranhamento frente ao
mundo, decorrente do desaparecimento do sentimento de unidade e integração com a
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natureza e o ambiente, o que prevalecia até por volta dos 9 anos; vislumbram agora a própria
individualidade e começam a desenvolver uma fase mais harmoniosa, que deverá durar até
aproximadamente os 12 anos. Estas crianças querem estar aqui e agora; muito saudáveis e
ativas, sentem grande entusiasmo e curiosidade por tudo que lhes é apresentado.
A roda rítmica, tão utilizada com crianças menores no início de cada dia, para harmonizá-las
e prepará-las para a aprendizagem, passa por transformações. Os exercícios rítmicos*
passam a ser feitos na posição frontal: ou com a classe toda de frente para o professor, ou
uma metade frente à outra metade etc.
Sugerimos que os conteúdos das matérias sejam dados com muitas descrições, bem ricas e
coloridas; os alunos geralmente fazem muitas perguntas e acrescentam informações que eles
mesmos possuem ou descobrem. Nessa faixa etária, é necessário caracterizar cada conteúdo
trazido antes de conceituá-lo. Não se deve fazer nenhuma dissecação científica, o que
ressecaria qualquer vivência.
Uma das vias de acesso aos sentimentos das crianças desta idade é a Mitologia Nórdica, uma
coleção de histórias com origens variadas e transmitidas oralmente até o século XI na
Escandinávia, quando foram escritas pela primeira vez em versos. Essa coleção chama-se
Antiga “Edda” (a palavra “Edda” significa mulher antepassada ou bisavó). Por volta de 1200
d.C., o islandês Snorre Sturlason escreve a Nova “Edda”, mas em prosa.
Através destas histórias, as crianças de 10 anos podem penetrar de forma imaginativa em
alguns segredos da existência humana: são imagens vigorosas, que “sacodem”
saudavelmente as crianças e que lhes falam de honra, coragem, luta e outros valores
fundamentais. As histórias, tocando seu coração, traduzem a mudança de consciência pela
qual elas estão passando.A imagem das Nornas,por exemplo, chama a atenção para a
passagem do tempo, para a existência do passado, do presente e do futuro, que só agora a
criança tem condições de compreender em profundidade. No contexto destas imagens, o
professor pode trabalhar os tempos verbais. Na história de Siegfried, o herói deve forjar a
própria espada,vencer o dragão e libertar a jovem aprisionada pelo fogo:são belas imagens
que já apareceram, de forma simplificada, em contos de fada, mas que agora, com nova
roupagem, falam da luta interior que cada criança trava nesta idade, afastando-se da infância
em direção ao seu caminho individual, tentando superar os impulsos e conquistar uma postura
amorosa e equilibrada diante do mundo.
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Teatro na Escola - Orientações Pedagógicas
Os alunos nesta idade sentem uma atração muito forte pelos animais, querem conhecê-los,
saber como vivem e quais as suas especialidades. Esta abordagem é bem diferente daquela
feita com as fábulas em anos anteriores. Agora, descrevem-se os animais observando suas
formas e cores, movimentos e habitat,como se alimentam e como se protegem e,
principalmente, suas especialidades. As crianças constatarão que o homem não tem uma
especialidade única, mas que pode conter todas de maneira menos desenvolvida. É como se
um pouco de cada animal estivesse reunido no ser humano. Mostrando às crianças os
animais em sua relação com o homem, a ponte entre elas e o mundo é reconstruída e o
entendimento cultivado. Quando a criança percebe o entrelaçamento e a interdependência que
existe entre todas as coisas do mundo, ganha confiança e desenvolve um sentimento social.
Para crianças de 10 anos, sugere-se que o estudo da Geografia e da História seja ainda
bastante integrado. Pode-se iniciar com o lugar onde as crianças vivem: elas podem ser
solicitadas a observar e desenhar sua casa, as redondezas, o caminho para a escola e suas
cercanias; fala-se da cidade onde se vive e que ela não foi sempre assim. O que existia antes
de a cidade aparecer? Quem vivia aqui? Como vieram os primeiros navegantes que aqui
chegaram? O que precisaram enfrentar? Todo este assunto é muito extenso, mas tudo pode
ser contado como uma história, sem julgamentos. Para isto haverá ocasião nos próximos
anos!
Também neste ano pode-se aprofundar a sistematização da gramática e amplia-se o estudo
das classes gramaticais, vivenciadas nos anos anteriores. Na matemática entram as frações:
só depois de se perceber separada do mundo é que a criança entende melhor a
fragmentação.
O TEATRO PARA CRIANÇAS DE 10 ANOS
Todos estes assuntos podem ser objeto de dramatizações, inclusive Português e Matemática;
podemos fazer dramatizações sobre animais ou acidentes geográficos, uma peça sobre uma
lenda indígena ou um episódio do povoamento de nossa região, uma dramatização sobre
verbos ou sobre frações, sempre com poesias, música, muito movimento e a fala bem
cuidada.
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Teatro na Escola - Orientações Pedagógicas
Com crianças de 10 anos, pode haver papéis mais individualizados e menos atuação em coro.
Crianças mais conscientes, seguras e desembaraçadas são capazes de estabelecer, sustentar
e desenvolver diálogos entre personagens.
Entretanto, no processo de montagem, todos devem vivenciar os vários papéis da peça. A
definição destes papéis fica a cargo do professor que, por seu envolvimento e sensibilidade,
tanto saberá perceber a real identificação do aluno com a personagem, quanto as
necessidades pedagógicas. Muitas vezes, as vivências através de uma personagem podem
ser o contraponto para a harmonização do aluno. Uma criança frágil, por exemplo, pode ser o
“cacique” de uma peça como a sugerida a seguir e que, apesar da fala restrita, é uma figura
imponente, um líder.
Nos cenários, além de panos coloridos para compor ambientes, pode haver objetos cênicos
confeccionados pelos alunos nas aulas de Artes, promovendo uma integração curricular mais
abrangente.
Os figurinos também podem receber maiores detalhes, caracterizando as personagens de
forma mais detalhada, ainda que utilizando materiais simples e de baixo custo, ou
confeccionando peças que possam ser utilizadas em outras dramatizações, compondo aos
poucos um pequeno camarim escolar.
Como exemplo prático, foi escolhida a peça “O Começo de São Paulo”, que faz parte da
proposta de ensino integrado de História e Geografia. O texto, baseado em documentos e
cartas de época, apresenta peculiaridades que enriquecem e ampliam a linguagem dos
alunos. Também caracteriza o universo dos indígenas, dos portugueses conquistadores e dos
jesuítas, mostrando sua interação.
A composição cênica pode ter mais de um plano. O coro, mais atrás e dividido em planos
diferentes (o que pode ser feito com tablados de madeira). Na frente, a princípio, não há nada.
Nóbrega vem de longe com Leonardo Nunes (pode ser até do meio da platéia). Índios chegam
de lados diferentes, trazendo, por exemplo, panos azuis, representando os Rios Tamanduateí
e Anhangabaú. Deixando os panos no chão, eles saem, e Nóbrega, apoiado em um bordão e
guiado pelo rapaz André Ramalho, inicia a “subida da serra”, indicando em gestos o esforço
físico que isto exige. De quando em quando pára, recupera o fôlego, mede a distância com os
olhos e admira a paisagem. O coro fala por Nóbrega. Entra João Ramalho e vão chegando
alguns índios com seus caciques e estabelece-se um diálogo entre eles, a partir do qual todos
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Teatro na Escola - Orientações Pedagógicas
iniciam a construção da barraquinha, que será escola, cozinha, enfermaria, refeitório e
dormitório. Depois disso, seguindo as falas, outros personagens vão entrando, trazendo
objetos do seu trabalho, por exemplo: Anchieta carrega um livro e fibras para tecer alpargatas;
Paiva traz tecidos e vasilhas para o tingimento; Jácome enfia contas de madeira para fazer
um rosário etc. Aos poucos vai-se compondo o cenário, deixando o centro livre para que todos
juntos possam erguer o altar.
Além das músicas que integram a peça, e que também podem ser trabalhadas na aula de
Artes, toda a movimentação deve ser acompanhada por sons de chocalhos, paus-de-chuva,
reco-recos, apitos com sons de pássaros. O canto é sempre feito por todos.Também ficaria
bonito introduzir uma dança indígena e confeccionar um trompete de concha (caramujo), que
se faz quebrando seu bico e lixando o orifício.Toca-se por meio da vibração dos lábios. Este
era o instrumento que os indígenas usavam para dar algum aviso, como um toque de reunir.
Os figurinos podem ser divididos em três grupos: a roupa dos índios com base na juta ou
palha e aplicações de penas, sementes e conchas, adereços nos braços, tornozelos e colares;
os caciques usam também um cocar; os padres jesuítas vestem batinas pretas e longas, com
crucifixos pendurados sobre o peito; Nóbrega pode usar um chapéu de abas largas; os
portugueses vestirão calças largas e rústicas dentro de botas de cano alto (isto pode ser
simulado com pedaços de couro, feltro ou papel camurça), cinturões, camisas de manga longa
com coletes, chapéus de couro ou feltro de abas largas, algo semelhante à roupa dos
bandeirantes. Sugerimos que o coro se apresente vestindo túnicas de uma ou duas cores.
* Exercícios de ritmo – A cada dia, quando as crianças chegam na sala de aula, vêm de
ambientes diferentes e se apresentam num estado de ânimo especial: algumas chegam
esbaforidas porque estavam atrasadas, outras cansadas, pois pegaram muito trânsito, outras
assistiram uma briga entre os pais ou coisas ainda piores. Elas não estão prontas para a
aprendizagem. A função principal da parte rítmica é harmonizar estas crianças e dispô-las para
a aprendizagem. Um poema, por menor e mais simples que seja, dito em coro no início do dia
escolar, por exemplo, ajuda a aliviar a dispersão dos alunos e levá-los a sentir que fazem parte
de um todo. De forma lúdica e alegre, ensinam-se exercícios de ritmo, com poesias e canções
– que até podem fazer parte de uma futura peça – executados por todos, com palmas, gestos,
movimento, “afinando” a turma. Assim se trabalham o esquema corporal, espacialidade,
dicção, atenção, integração social e muitos outros aspectos. Esse início de aula, que
chamamos de parte rítmica, é repetida, dessa forma, por três ou quatro semanas, quando
então alguma coisa é mudada, não tudo de uma vez, isto é, substitui-se uma poesia por outra
nova, depois uma música e assim por diante, acompanhando os temas trabalhados em
classe,a matéria. A longo prazo,o trabalho rítmico desenvolve qualidades e cria disposições e
habilidades para o trabalho teatral.
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Teatro na Escola - Orientações Pedagógicas
A CRIANÇA DE 11 ANOS
A relação da criança de 11 anos com a Natureza é intensificada pela apresentação do mundo
das plantas. A partir da observação, o educador pode levá-la a refletir sobre esse universo
silencioso que vai além do visível, além da matéria, com suas leis de desenvolvimento, formas
geométricas e metamorfoses.Partindo da relação da paisagem vegetal com seu meio
ambiente, surge, por exemplo, a percepção da diversidade regional do Brasil. Através desta
abordagem, tem-se o caminho para investigar as diferenças naturais e sócio-culturais.
Os alunos podem ser conduzidos ao ambiente e à atmosfera das culturas antigas – Índia,
Pérsia, Mesopotâmia, Egito e Grécia – por meio de relatos sobre essas civilizações e suas
respectivas mitologias, e então percebem que os homens daquele tempo não pensavam,
sentiam e agiam como nós. Eles vêem como os homens foram deixando de ser nômades e se
fixaram na terra, criando rebanhos, cultivando plantações e formando pequenas povoações. O
educador pode ainda abordar a polaridade entre Esparta e Atenas, tanto na geografia, quanto
em legislação, educação, costumes etc. e contar sobre a organização dos afamados jogos
Olímpicos, que chegaram até nossos dias. É de sua responsabilidade orientar o anseio pela
veneração de heróis, tão forte nessa fase, a fim de que os alunos não se fixem em ídolos
artificiais. A poesia, quando associada às narrações históricas, enriquece-as e as preenche de
significado. O vigor da linguagem cresce na fala em coro, onde ritmos variados, tais como
dáctilos, anapestos* e outros, têm efeitos harmonizadores.
* Ver sobre esses ritmos no livro Aprendendo com Poesia, páginas 55 a 67.
Nesta faixa etária do desenvolvimento, a meta da linguagem é sedimentar cada vez mais a
relação da criança com o tempo e o espaço. Procura-se despertar a sensibilidade para o estilo.
Estimula-se a expressão individual, seja oralmente ou por escrito.
O TEATRO PARA CRIANÇAS DE 11 ANOS
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Teatro na Escola - Orientações Pedagógicas
A escolha da peça para uma criança de 11 anos abrange novos e variados elementos, tais
como: texto mais longo, diálogos maiores, maior número de cenas em que as personagens
contracenam e se movimentam mais.
Como exemplo prático, foi escolhida a peça “Deméter e Perséfone”. A experiência se inicia
quando o professor conta a história da peça baseada no antigo mito grego. Os versos do coro
podem ser ditos todos os dias, no início dos ensaios. Paralelamente, os alunos podem fazer
desenhos, pinturas e redações, projetando suas vivências. Em seguida, de posse do texto, os
alunos, em pequenos grupos, vão montando partes de cenas a serem apresentadas no grupo
maior, como sugestões. O professor interfere fazendo as devidas correções e adequações.
Observa-se que o aluno aos 11 anos é capaz de ser um colaborador mais efetivo e engajado
no processo de montagem de uma peça. Mesmo assim, em ultima instância, é o professor
quem define os papéis, uma vez que, por sua experiência, pode perceber qual o papel mais
adequado a um aluno.
No texto “Deméter e Perséfone”, a linguagem é teatral, ritmada e poética, a ponto de parecer
uma melodia. Existe uma cadência que flui da fala para o gesto, para o andar, para a
movimentação no palco, que pode ser intensamente aproveitada. No trecho falado em coro
“Salve Deméter, Mãe-Terra que cuida de todas as plantas”, as crianças podem movimentar-se
no ritmo do hexâmetro, formado pelos pés métricos chamados dáctilos (longo-curto-curto), em
que se dá um passo longo seguido de dois curtos. O passo longo recai sobre as sílabas
tônicas e reforça as consoantes.Tal ritmo aumenta a concentração e a compreensão do texto.
Assim, a criança pode vivenciá-lo com todo o coro, o que atua mais profundamente.
Além das músicas sugeridas na peça, podem-se utilizar melodias e efeitos sonoros que
acompanhem o clima, através de instrumentos como flautas, címbalos, pequenas harpas,
cítaras etc., desde que seu som não interfira com as vozes das crianças.
No processo de montagem de uma peça como esta, é fundamental que se deixe transparecer
para o aluno a relação e a interação do homem dessa época com a natureza e sua vivência de
polaridades: luz e sombra, expressas por Zeus e Hades, fartura e escassez, fertilidade e
esterilidade, interiorização e exteriorização, inverno e verão.
Há inúmeras possibilidades de vivenciar tais polaridades. Sugerem-se aqui algumas práticas
que poderão ser o ponto de partida para a criação de novas experiências.
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Teatro na Escola - Orientações Pedagógicas
Através da música, por exemplo, usando tons maiores e menores, agudos e graves,
diferentes ritmos e instrumentos, os alunos podem perceber esses contrastes.
Outro recurso é fazer os alunos, envoltos em tecidos leves e claros, vivenciarem o texto que
fala das ninfas e das plantas. Já com tecidos pesados e escuros, podemos sensibilizá-los para
a atmosfera da terra sem Deméter: “Duro é o destino da terra...” Em ambas as situações,
deixar que os alunos expressem livremente, através dos gestos, do caminhar e da mímica,
seus sentimentos, ora de alegria e leveza, ora de desconsolo e profundo pesar. Também com
tecidos escuros, caminhar arrastado, gestos pesados, cabeças inclinadas, semblantes tristes,
pode-se vivenciar a dor de Deméter ao perder sua filha.
A partir daí, têm-se os elementos básicos para compor o figurino à moda grega, com poucos
adereços, talvez coroas de flores ou folhas para caracterizar as “plantas”, tiaras prateadas
para as ninfas, uma braçada de espigas de cereais para Deméter e duas capas diferentes
para Perséfone, mostrando o tempo que passa com Hades (inverno) e o que passa com sua
mãe Deméter (verão).
Não há necessidade de um cenário propriamente dito. O ambiente pode ser criado com a
utilização de tablados de madeira: num nível mais alto, erguem-se de modo irregular panos
claros formando pregas, volumes e transparências, caracterizando assim o Olimpo; num canto
do palco, usam-se os mesmos recursos para compor o mundo de Hades, mas utilizando cores
mais escuras. O plano intermediário, a Terra, pode ficar abaixo e na frente do Olimpo. Alguns
efeitos de luzes podem realçar os contrastes de um cenário simples.
Com outras peças desta faixa etária, procure realizar a montagem usando uma idéia apenas
semelhante a este exemplo dado. Mas, não se prenda à da peça escolhida aqui como
exemplo.
O JOVEM ENTRE OS 12 E 13 ANOS
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Teatro na Escola - Orientações Pedagógicas
Por volta dos 12 anos de idade, o jovem entra num período de profundas transformações,
tanto no nível físico, quanto emocional e intelectual. No nível físico, a pré-puberdade tem
início, caracterizando-se pela gradativa perda da harmonia corporal; os movimentos começam
a se tornar angulosos e estabanados, os membros alongam-se e, ao mesmo tempo, uma
grande energia e vitalidade manifestam-se, especialmente nos meninos, que precisam se
livrar do excesso de forças, seja em esportes mais dinâmicos, seja em confrontos corporais
entre eles ou com meninos mais velhos. A diferença entre meninos e meninas cresce cada vez
mais.O comportamento das meninas oscila principalmente devido a vivências sentimentais e
emocionais.
Ao mesmo tempo, começa a surgir no jovem uma vontade de conquistar o mundo, uma certa
vivência do próprio poder,o que dá origem a projetos mirabolantes e irrealizáveis.
Há uma grande curiosidade em saber como tudo funciona, de onde tudo surge, quais os
princípios gerais que regem a Terra e o que nela existe, e é nessa idade que se busca
compreender a partir da razão, da lógica.
Como lidar com todas estas transformações simultâneas?
A tarefa do educador é conduzir o jovem para a autonomia de julgamento, torná-lo capaz de
julgar a realidade, para não ficar indefeso e sujeito a toda espécie de influências exteriores.
É preciso cuidar para que os julgamentos não sejam precipitados, enrijecendo os conceitos
em desenvolvimento e levando muitas vezes a distorções e preconceitos. Por isso, sugere-se
que as descrições e apresentações dos assuntos sejam sempre muito ricas, amplas, vivas,
incluindo as experiências pessoais dos alunos e ativando reflexões através de perguntas
abertas. Só depois de uma retrospectiva feita no dia seguinte, com acréscimo de novos
aspectos derivados da abordagem do dia anterior, é que se dá espaço para que surjam
ponderações baseadas nas leis de causa e efeito. Isto proporcionará o desenvolvimento do
raciocínio lógico antes das conclusões e a conquista de uma maneira de pensar viva e flexível.
É só a partir dos 12 anos que os jovens estão maduros para a compreensão, por um lado, da
atuação do homem no mundo físico com sua dinâmica e mecânica, e, por outro, das relações
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Teatro na Escola - Orientações Pedagógicas
históricas e dos impulsos que as desenvolvem, do vir a ser social.Tais impulsos são aquecidos
pelos sentimentos e condensados por histórias de vida, biografias de homens que viveram os
acontecimentos caracterizados. Sugere-se que o estudo de um período histórico seja feito
através da vivência de personagens da época, com o que o aluno facilmente se identifica e
que desperta nele a possibilidade de admiração, o que já não é tão fácil de satisfazer nesta
idade.
O estudo através de uma biografia não se restringe à simples narração da vida de alguém,
mas à construção de uma imagem ampla desse ser, de forma que ele viva no interior dos
jovens e o mundo seja visto a partir de sua visão. Podem-se contrapor figuras tão diferentes
como Pompeu e César no estudo de Roma. Sem fazer uso de julgamentos, sugere-se
caracterizar as culturas com descrições detalhadas. No ensino de História, podem ser
integradas as outras matérias.
Sugere-se também que os fenômenos físicos sejam descritos e que sejam feitas
experiências.
No âmbito emocional, os sentimentos tornam-se mais exacerbados, turbulentos, muitas
vezes fora de controle. Tudo o que foi exercitado e desenvolvido anteriormente em termos de
ordem e organização parece cair por terra. Muitos fogem de responsabilidades, relutam em
crescer ou se contrapõem aos adultos, querendo enfrentá-los, desafiá-los. O lazer e os
contatos sociais tornam-se mais importantes que qualquer outra coisa, e sentir que pertencem
a um grupo é fundamental para eles.
Os estados emocionais descontrolados exigem uma profunda compreensão por parte do
educador. É necessário ter calma, isenção de julgamento e leveza para lidar com as situações
que se apresentam no dia-a-dia.Também é necessária uma boa dose de humor para que tudo
se resolva com uma disposição positiva. A cooperação e a interação entre os professores que
lidam com a mesma classe são fundamentais.
O jovem procura, no adulto, coerência, orientação e ajuda baseadas no conhecimento do
mundo real. No entanto, o adulto deve saber dosar as explicações. Os próprios alunos vão
Demonstrando até onde conseguem chegar. Isto significa que o diálogo deve ser uma
constante nas aulas, e o principal material de trabalho do professor é o que o aluno apresenta
como fruto de suas percepções, observações e reflexões. O professor ordena tudo isto e
possibilita um avanço no conteúdo de estudo.
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Teatro na Escola - Orientações Pedagógicas
O jovem agora também é bastante receptivo a acordos e negociações, o que é um precioso
recurso no relacionamento com o adulto.Isto o ajudará a se ir libertando da autoridade dos
mais velhos e a desenvolver o respeito pela autoridade das leis. É importante manter, no
início de cada dia de aula, uma atividade rítmica, a fim de que os alunos, como classe, sejam
harmonizados e preparados para o conteúdo que se seguirá. Para compor esta atividade,
sugerem-se recitações referentes às antigas civilizações que estão sendo estudadas. Tais
recitações, exercitadas com regularidade em anos anteriores, não devem deixar de acontecer,
ainda que o jovem agora sinta um pouco mais de vergonha. A vivência de estilos e métricas, a
ampliação do vocabulário, o cultivo da fala e de uma linguagem culta, são algumas das
vantagens desta prática. Podem ser realizadas muitas atividades artísticas que expressem o
conteúdo abordado: modelagem, desenhos, pinturas e dramatizações são bastante
aconselháveis, não como meras ilustrações do ensino, mas como forma de aprofundar as
vivências e de ligar o aluno ao tema de estudo. As dramatizações são especialmente
adequadas, para que o jovem, através de um personagem, tenha a oportunidade de expressar
sentimentos que se tornam cada vez mais fortes, contraditórios e absorventes a partir de
então.As diferentes vivências exercitam uma certa flexibilidade, que pode estar ameaçada
neste momento de vida.
Os jovens podem desenvolver com entusiasmo tanto uma peça histórica, realística, quanto
um conto de fadas para ser apresentado para crianças menores. Estão mais amadurecidos, e
o representar começa a adquirir aspecto muito mais artístico, apesar de não perder a
importância pedagógica e formativa do ser humano. Por isto mesmo, desenvolver um tema
para ser apresentado para crianças menores faz com que o jovem saia de si mesmo e se doe,
exercitando a generosidade.
Outra experiência que o jovem pode obter através do teatro, e que será importante para a
vida,é a vivência de um processo de montagem que pode durar semanas e exigir dedicação e
esforço. O jovem atualmente tende a ser imediatista, a querer tudo pronto e chegar ao fim de
alguma coisa o mais depressa possível, seja do jeito que for. A montagem de uma peça teatral
com todos os seus elementos, além de ser um trabalho coletivo que desenvolve a noção de
grupo, cooperação e respeito pelo outro, proporciona um mergulho no tema escolhido, que
passa a ser desenvolvido em vários âmbitos e aspectos. Isto requer um trabalho de construção
gradativo e persistente, que treina a força de vontade de cada um.
Existem alguns recursos dos quais se pode lançar mão, a fim de que o jovem se sinta menos
exposto e consiga realizar seu trabalho com maior espontaneidade, como o teatro de sombras
e a utilização de máscaras.
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Teatro na Escola - Orientações Pedagógicas
O teatro, por ser um trabalho em conjunto, proporciona ao jovem o sentimento, tão importante
para ele neste momento, de pertencer a um grupo mas com responsabilidade, pois cada um
tem sua parte a executar para que o todo se forme.
O TEATRO ENTRE OS 12 EOS 13 ANOS
A força de realização, inerente a todo ser humano, se intensifica na puberdade. É
responsabilidade do adulto direcioná-la para que ela leve ao desenvolvimento de valores e à
consciência de um papel a desempenhar no mundo.Acreditamos serem estes os princípios
que devam nortear a escolha de uma peça para esta idade.
A prática cuidadosa da recitação, assim como o teatro, pode harmonizar e clarear a vida
emocional instável do jovem, portanto a escolha da peça também deverá ser sensível a estas
demandas.
A peça “A Chama Sagrada”, baseada numa lenda cristã medieval, traz uma forte simbologia
que dispensa qualquer fala moralizante. A transformação de Raniero, isto é, a superação do
orgulho e da vaidade – “Com toda a cautela, Raniero protege a chama da vela. Mas cresce em
seu peito o fogo do orgulho por seus grandes feitos” – não se dá pela razão, pelo intelecto, e
sim pela ação no mundo, pelo desempenho de uma tarefa. – “Minha chama não pode se
apagar jamais.” – A redenção de Raniero se deu através da ação movida pela força do
coração. Raniero, como qualquer jovem, sentia-se insuperável, mas forças maiores, as
contingências da vida abrandaram seus ímpetos – “Com mil raios! Com isto eu não contava!
Contra o vento minha força não vale nada. Terei de cavalgar bem mais lentamente.” – A
chama sagrada que a todo momento se mostrava como um estorvo, é ela mesma que o
salvará – “Se eu tivesse chegado como cavaleiro, não seria hospedado pela estalajadeira. Se
alguém me chamasse de pobre antigamente, eu o liquidaria imediatamente. Bendita ajuda... É
estranho como tudo muda...”.
A mesma força que impulsiona o jovem a feitos heróicos e altruístas, também pode levá-lo à
destruição. Ele se vê sozinho, atormentado pela eterna dialética entre o Bem e o Mal,
expressos na peça por anjo e demônios – “Não tinhas, porém, uma vela na mão (anjo); Joga
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fora a vela! (1º demônio); Mata-os à pancada! (2º demônio)”. É Raniero quem tem de decidir,
mais ninguém – “Com mil raios! Só agora percebo a situação. É na chama que tenho que
pensar primeiro.”
Apesar dos alunos serem maiores, costuma-se contar a história da peça escolhida antes da
introdução do texto.Assim os conteúdos e as imagens chegam aos alunos pelo sentimento,
realizando a intenção primordial que é de harmonizá-los e sensibilizá-los. Só depois é dado o
texto para as diversas leituras. Em cada uma delas pode-se salientar um aspecto a ser
observado: a história em si, o desenvolvimento de cada personagem, o ambiente da peça, as
diferentes cenas etc.
Trabalha-se também o resgate da linguagem formal, onde o vocabulário é mais elaborado, os
diálogos são mais longos, as entrelinhas ganham relevância.
Após uma primeira familiarização com o texto, é possível dar início ao trabalho de laboratório:
escolhe-se uma determinada cena e pede-se aos alunos que a representem, em grupos, ora
com um tom melancólico, ora com um tom heróico ou irônico.Tais experiências ajudam a
despertar para a intenção e para o significado mais profundo, pois o significado vai além do
sentido das palavras. As diferentes propostas são apresentadas e comentadas, buscando o
consenso sobre a mais adequada. Segue-se trabalhando no aperfeiçoamento da interpretação
escolhida. Desta forma, a expressão das personagens resulta de um reconhecimento, de uma
vivência interna, e não é imposta pelo professor.
A composição do figurino pode seguir a mesma linha de experimentação, isto é, os alunos,
individualmente ou em grupos, fazem pesquisas sobre as roupas da época e complementam
com sugestões que advenham das experiências de laboratório. Eles então apresentam
desenhos como propostas de figurino.
Na peça “A Chama Sagrada”, pode-se trabalhar nestas duas direções: as personagens
humanas usariam trajes medievais, caracterizando a condição de cada uma delas,
especialmente através dos tecidos utilizados: cetins e veludos para nobres e cavaleiros,
tecidos mais rústicos para as personagens do povo. As outras personagens, Anjo da Luz,
demônios e vento personificado, podem fugir da caracterização convencional, ganhando uma
configuração mais sugestiva com panos, cores, máscaras etc.
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Teatro na Escola - Orientações Pedagógicas
O coro pode estar vestido com túnicas marrons, trazendo a idéia de um corpo só.
Todo o trabalho com o figurino ganha destaque na composição do cenário e na
movimentação cênica.
Esta peça favorece a montagem de planos: Francesca, colocada num canto do palco, num
plano um pouco acima daquele em que ocorrem as cenas, num ambiente mais recolhido; o
Anjo da Luz ocupa o plano mais elevado, enquanto os demônios estariam num plano inferior,
embora algumas vezes se aproximem de Raniero e até mesmo se dirijam ao Anjo. No plano
intermediário acontece a trama.
O coro caminha pelo palco em bloco como uma procissão durante suas falas, expressando
sua onisciência sobre os acontecimentos passados e sobre a história que agora se desenrola.
Grandes tecidos pendurados e amarrados em diferentes direções formando pregas e volumes
constituem um bom recurso para criar e separar ambientes.
Nesta idade os alunos já são capazes de contribuir para a composição cênica, pintando em
tecido, papelão ou compensado partes do cenário como casas, árvores, portas, janelas etc.
Um jogo de luzes pode complementar e valorizar o cenário.
Além do canto e da música instrumental próprias da época, os alunos também podem se
encarregar da sonoplastia.
Como se pode ver, este é um trabalho que exige bastante, e a parceria com os professores
de áreas afins, como Artes, Música e Dança, é fundamental.
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Na distribuição dos papéis, o professor pode escolher mais de um aluno para ser Raniero, ou
para ser Francesca, ou mesmo o Bobo. Eles se intercalam durante a peça ou atuam no palco
ao mesmo tempo.
Agora a peça está montada. O mais importante já aconteceu: o processo. É principalmente
nele que os alunos aprendem e amadurecem. A apresentação é a expressão concreta de um
longo e árduo trabalho de grupo, vencendo desafios e cumprindo metas.
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