Carlos Castaneda Assim como o antropólogo e escritor Carlos

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Carlos Castaneda Assim como o antropólogo e escritor Carlos
Carlos Castaneda
Assim como o antropólogo e escritor Carlos Castaneda mandou que
esperassem quase dois meses para anunciar sua morte – finalmente tornada púbica no dia
18 de abril – resolvi deixar passar algum tempo antes de dedicar esta coluna a ele. Foi um
escritor que marcou minha geração, porque fez-nos ver a importância de experimentar ao
invés de apenas intelectualizar. Seus três primeiros livros (“Os ensinamentos de Don Juan”
– publicado no Brasil sob o ridículo título de “A Erva do Diabo” - “Uma estranha
realidade”, e “Viagem a Ixlan”, todos da Ed. Record) são excelentes. Seus livros seguintes
continuam bons, mas de leitura desnecessariamente difícil.
Castaneda foi acusado de fraude, de não existir (corria a lenda que seus
livros eram escritos por computador), de copiar temas alheios. Mas sobreviverá a seu
tempo, e um dia terá o reconhecimento que merece.
Como se homenageia um escritor? Com seus textos, que refletem sua alma.
Traduzi e editei nesta coluna alguns tópicos do pensamento de Carlos Castaneda em “Uma
Estranha realidade” (A separate reality). O bruxo iaqui Don Juan conversa com o
antropólogo:
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- Nada tem importância – disse o bruxo iaqui.
- Mas D. Juan, se nada tem importância, por que devo aprender a ver as
coisas?
- Só depois de aprender a ver é que você poderá decidir se as coisas são
importantes ou não. Você já é adulto o bastante para saber que um homem de conhecimento
vive por seus atos, não por pensar nos atos, nem por pensar no que vai pensar depois de
agir. Um homem de conhecimento escolhe o caminho do coração e o segue. Depois, olha o
mundo a sua volta, fica contente, e ri. Porque ele sabe que sua vida terminará muito
depressa. Sabe, porque vê, que nada é mais importante do que qualquer outra coisa. Um
homem de conhecimento não é fiel a nada, apenas à maneira que decidiu viver sua vida.
“Assim, o homem de conhecimento sabe que tudo é uma loucura, mas
entende que, para continuar neste mundo, precisa manter esta loucura sob controle. Então,
ele se esforça, transpira e bufa; quando se olha para ele, parece um homem comum, mas, na
verdade, ele tem sua loucura controlada. Ele segue em direção ao conhecimento com medo,
com respeito, sabendo que está indo a uma guerra”.
- Como posso ser um guerreiro deste tipo?
- Agindo, e não falando. Usando o poder de sua vontade. A vontade é uma
coisa que o homem usa, por exemplo, para vencer uma batalha que ele, por todos os
cálculos, devia perder. É o que o faz vencer quando você já estava derrotado.
- Eu chamo isto de coragem.
- Não. Os homens de coragem vivem rodeados de pessoas que o admiram,
mas muito poucos homens de coragem têm vontade. Porque a vontade é algo que desafia o
nosso bom-senso. Um homem de vontade é um homem de poder.
- Posso dizer que sou um homem de vontade, quando me nego a fazer
certas coisas?
- Não. Negar é uma indulgência. Faz-nos acreditar que estamos fazendo
grandes coisas, quando na verdade estamos apenas fixados em nós mesmos. A vontade é
um poder; como todo poder precisa ser controlada e afinada – e isso leva tempo.
- A vontade é o mesmo que ver?
- Não. A vontade é uma força, um poder. Ver não é uma força, mas uma
maneira de se penetrar nas coisas. Um feiticeiro pode ter uma vontade muito forte, e jamais
ter conseguido ver o mundo de maneira diferente.
- Como desenvolvo minha vontade?
- Já lhe disse que, quando você fala, só faz é confundir-se mais – disse ele,
rindo. – Mas pelo menos, agora está consciente de que está esperando que a sua vontade se
manifeste. Ainda não sabe como ela é, nem como vai chegar até você. Mas entenda uma
coisa: aquilo que poderá ajudar a receber e desenvolver sua vontade está no meio das
pequeninas coisas. Preste atenção a elas!