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24
INFORMAÇÃO SOBRE OS DIREITOS HUMANOS
E O TRABALHO DO MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
Direitos das pessoas
com deficiência
Venceslau MuJinga
Figura em Destaque Pág. 07
Jorge Pedro
Entrevista Pág. 12
Todos temos um contributo
a dar para a inclusão das
pessoas com deficiência
Reflectindo Pág. 18
índice
Mosaiko Inform nº 24 - SETEMBRO 2014
Tema: Direitos das pessoas com deficiência
Ficha Técnica
PÁG. 03
Propriedade
MOSAIKO | Instituto para a Cidadania
NIF: 7405000860
Nº de registo: MCS – 492/B/2008
direcção
Júlio Candeeiro, op
Luís de França, op
Mário Rui Marçal, op
PÁG. 04
PÁG. 06
Redacção
Maria de Jesus Tavares
Colaboradores
Barros Manuel
Florência Chimuando
Paulo Máquina
Raquel Pereira da Camara
Montagem Gráfica
Gabriel Kahenjengo
Contactos
Bairro da Estalagem - Km 12 | Viana
TM: (00244) 912 508 604
TM: (00244) 923 543 546
Caixa Postal 2304 - Luanda | Angola
E-mail: [email protected]
www.mosaiko.op.org
www.facebook.com/MosaikoAngola
PÁG. 07
PÁG. 08
PÁG. 12
PÁG. 16
Impressão
Damer gráficas SA – Luanda
Tiragem: 2500 exemplares
PÁG. 18
Distribuição Gratuita
Os artigos publicados expressam
as opiniões dos seus autores, que não
são necessariamente as opiniões do
Mosaiko | Instituto para a Cidadania.
Com o APOIO
PÁG. 20
“
editorial
Júlio Candeeiro, op
informando
Instrumentos de protecção dos direitos das pessoas com
deficiência | Barros Manuel
estórias da história
Dia Internacional do Portador de deficiência
Maria de Jesus Tavares
figura de destaque
Venceslau Muzinga
Florência Chimuando
construindo
Experiências de vida de Pessoas com deficiência
Maria de Jesus Tavares
entrevista
Jorge Pedro - Director Geral do Instituto Nacional da Educação
Especial | Maria de Jesus Tavares
reflectindo
Factores que favorecem a inclusão ou exclusão das pessoas
com deficiência
Paulo Máquina
Todos temos um contributo a dar para a inclusão das pessoas
com deficiência
Raquel Pereira da Camara
breves
a família é a unidade de grupo natural
e fundamental da sociedade e que tem
direito à protecção pela sociedade
e pelo Estado e [...] as pessoas com
deficiência e os membros da sua família
devem receber a protecção e assistência
necessárias para permitir às famílias
contribuírem para o pleno e igual gozo
dos direitos das pessoas com deficiência.
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
”
03
editorial
A Dignidade humana não tem nada a ver
com a saúde física e ou mental
Estimado leitor/a
O processo de exclusão de pessoas com deficiência é tão
antigo quanto o próprio processo de socialização, isto é, a
inserção do ser humano na sociedade. O processo de inserção de pessoas com deficiência foi, quase sempre e em
todos os lugares, marcado por formas de exclusão. Apesar
de uma atitude discriminatória que se poderia considerar
universal, as sociedades divergiram na atribuição de causas da deficiência e na forma de tratamento das pessoas
com deficiência. Muitas das nossas “culturas tradicionais”
não aceitam com naturalidade as deficiências e tendem a
ver nelas obra de demónios e feitiços.
Com a evolução dos tempos e, sobretudo, da ciência médica, as sociedades foram abandonando os seus pré-conceitos neste campo e, por conseguinte, foram alterando a sua
linguagem - deficientes, diminuídos físicos, limitados, para
pessoas com necessidades especiais, pessoas portadoras
de deficiência,… Hoje, adopta-se a expressão “pessoas
com deficiência”, tendo em conta que, como diz a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência ”a
deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência
resulta da interacção entre pessoas com incapacidades e
barreiras comportamentais e ambientais que impedem a
sua participação plena e efectiva na sociedade em condições de igualdade com as outras pessoas”. Para se chegar
aqui, a humanidade levou tempo e para se adoptar esta
Convenção foram necessários 5 anos de intensos trabalhos. Angola ratificou a convenção em 2012, isto é 10 anos
depois depois do fim do conflito armado que fez de Angola
um dos países com maior número de pessoas com deficiência em todo o mundo.
Todavia, a falta de políticas públicas adequadas - que se
traduz em inúmeros prédios, escolas, postos de saúde sem
rampas, ruas esburacadas sem qualquer protecção, ausência de casas de banho públicas para pessoas com deficiência, falta de escolas e professores de ensino especial…etc.
- mostram bem o quanto somos ainda um pais insensível à
situação pessoas com deficiência.
Os textos desta edição centram-se na Convenção sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, adoptada na Assembleia Geral das Nações Unidas, a 13 de Dezembro de
2006. Barros Manuel fala-nos da Historia da protecção dos
direitos das pessoas com deficiência, enquanto Florência
Chimuando nos apresenta Venceslau Muginga Francisco,
a figura que esta edição destaca pela sua capacidade de
superação e pelo seu serviço pelo bem de outros. O Mosaiko
Inform traz uma longa entrevista com Pedro Jorge, Director
Nacional do Ensino Especial que partilha a sua experiência.
Os temas abordados nesta Edição são um convite a tomarmos contacto com a Convenção sobre o Direito de Pessoas
com Deficiência. E porque conhecimento impele a acção,
esta edição é um convite a que cada um acredite com Thais
Moraes que “A verdadeira deficiência é aquela que prende
o ser humano por dentro e não por fora, pois até os que não
podem andar são livres para voar”.
Boa leitura!
Júlio Gonçalves Candeeiro, op
04
informando
Instrumentos de Protecção
dos Direitos das Pessoas com
Deficiência
Barros Manuel
A história da protecção dos direitos das pessoas com
deficiência confunde-se com a longa caminhada
histórica dos Direitos Humanos até a Declaração
Universal dos Direitos Humanos - DUDH.
O surgimento da DUDH, a 10 de Dezembro de 1948,
representa o ponto de chegada e, ao mesmo tempo,
o ponto de partida da longa caminhada histórica pelo
reconhecimento e protecção dos Direitos Humanos.
Um ponto de chegada porque pela primeira vez
declarou-se, universalmente, num único documento
todos os direitos referentes à pessoa humana. Um
ponto de partida porque a DUDH obriga juridicamente
os Estados e os cidadãos a respeitar e proteger os
direitos de toda a pessoa humana. Aliás, no seu
artigo 7º declara que «todos são iguais perante a lei
e, sem distinção, têm direito a igual protecção da lei.
Todos têm direito a igual protecção contra qualquer
discriminação que viole a presente Declaração e
contra qualquer incitamento a tal discriminação».
Por isso, a discriminação contra qualquer pessoa, por
motivo de deficiência, configura violação da dignidade
e do valor inerentes ao ser humano.
Mas, 66 anos volvidos desde a proclamação solene da
DUDH, as pessoas que nascem com deficiência, ou
as adquirem ao longo da vida, ainda são, em vários
contextos, continuamente privadas de oportunidades
de convivência com a família, seus vizinhos e amigos,
privadas da vida escolar, do acesso ao trabalho, ao
lazer e cultura, entre outros. Quer dizer que, não
podemos dar-nos totalmente por satisfeitos enquanto
a aplicação concreta e sempre coerente dos direitos
das pessoas com deficiência não se transformar
numa realidade em todo o tempo e lugar. Para tal,
é necessário adoptar instrumentos efectivos de
protecção desses mesmos direitos.
Um primeiro instrumento que pode ser adoptado
na “era democrática” é a lei. Os Estados, através
do poder legislativo, devem produzir leis referentes
às pessoas com deficiência, mas isso, por si só, não
basta. Montesquieu, filósofo francês, lembra que
«uma coisa não é justa porque é lei, mas deve ser
lei porque é justa». Quer dizer que uma lei só é lei se
for justa. Logo, as leis criadas no âmbito deste tema
em abordagem serão justas desde que promovam a
igualdade de oportunidades e da não discriminação
das pessoas com deficiência. Este é o fundamento que
terá convencido o legislador angolano a aprovar a Lei
da Pessoa com Deficiência - Lei nº 21/12, de 30 de Julho.
Por outro lado, é importante a ratificação de diplomas
internacionais relativos aos direitos das pessoas com
deficiência. Por exemplo, a adopção da Convenção
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência 1 (e
do seu respectivo Protocolo) é crucial porque sugere
alguns instrumentos que visam garantir às pessoas
com deficiência, igual e efectiva protecção legal contra
a discriminação, para além de ser o primeiro tratado
internacional que contém requisitos específicos de
05
implementação e monitoria, a nível nacional, dos
instrumentos de protecção dos direitos das pessoas
com deficiência.
Um segundo instrumento a adoptar é a educação
para a cidadania. As Organizações da Sociedade
Civil, em parceria com as Instituições do Estado,
podem liderar a educação para os direitos e deveres
fundamentais das pessoas com deficiência. É preciso
lembrar que, como bem assinala Nelson Mandela
«a educação é a arma mais poderosa que pode
ser usada para mudar o mundo». A formação e a
divulgação, os dois mecanismos, juntos, devem, por
sua vez, contribuir para a mudança de paradigma
nas concepções, atitudes e abordagens em relação
às pessoas com deficiência.
Um terceiro instrumento a ser adoptado é a
política de protecção social. Os Estados, através
do poder executivo, ao conceber e implementar
as políticas públicas devem articular programas
sociais concretos em prol da melhoria e qualidade
de vida das pessoas com deficiência. Parafraseando
Abraham Lincoln, estadista norte-americano, as
políticas elaboradas devem ser necessariamente
“das pessoas, pelas pessoas e para as pessoas com
deficiência”. Significa que, as políticas concebidas
devem responder as necessidades reais e sentidas
pelas pessoas com deficiência. Os actores chave
devem identificar-se e apropriar-se dessas
políticas, o que só é possível quando participam,
democraticamente, desde o início de todo o
processo.
As instituições democráticas podem ser um
quarto instrumento a adoptar. O Estado, através
do poder judicial, deve garantir o cumprimento
rigoroso de diplomas legais referentes as pessoas
com deficiência bem como responsabilizar
exemplarmente os violadores dos aludidos direitos.
Mas, o Estado deve ser auxiliado nessa tarefa
pelas Organizações da Sociedade Civil capazes de
exercer a monitoria da implementação efectiva dos
instrumentos de protecção dos direitos das pessoas
com deficiência.
Oxalá estejamos todos engajados hic et nunc a
contribuir para se encurtar, cada vez mais, a distância
entre os direitos formalmente consagrados relativos
às pessoas com deficiência e a sua aplicação
concreta e coerente na sociedade.
06
estórias da história
Dia Internacional da Pessoa
com Deficiência
Maria de Jesus Tavares
A tudo isso há que juntar, os históricos documentos proclamados pela ONU e subscritos por quase todos os países membros, são eles a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, a Declaração dos
Direitos da Pessoa com Deficiencia e a Declaração dos Direitos da Pessoa com Deficiência Mental.
A década de 1983-1992, foi declarada pela ONU como
a “Década das Nações Unidas para as Pessoas com
Deficiências”com um Programa Mundial de Acção relativo a elas, com o propósito de promover medidas
eficazes para a prevenção da deficiência e para a reabilitação e realização dos objectivos de igualdade e
de participação plena das pessoas com deficiência na
vida social e no desenvolvimento.
Ao longo da história da humanidade, foram diversas
as atitudes assumidas pela sociedade ou certos grupos sociais para com as pessoas com deficiência, as
quais se foram alterando por influência de diversos
factores: económicos, políticos, culturais, filosóficos
e científicos.
Foi na segunda metade do século XX, quando se começou a falar de uma forma sistemática dos Direitos
das Pessoas com Deficiência. O crescimento do movimento associativo para o apoio à cidadãos com deficiência ou para a defesa dos seus direitos foi um dos
muitos factores que marcou essa evolução. Teve também uma importância significativa a actividade de
prestigiados organismos internacionais como a ONU,
UNESCO, OIT e a UNICEF que coordenaram, apoiaram
e produziram importantes instrumentos jurídicos de
reconhecimento, consagração ou divulgação desses
direitos e valores que ficam como marcos do avanço
civilizacional da humanidade para os problemas específicos das pessoas com deficiência.
Em 1998, dia 3 de Dezembro foi adoptado como o Dia
Internacional das Pessoas com Deficiência. Todos os
anos o tema deste dia tem como base o exercício pleno dos Direitos Humanos e provocar a reflexão sobre
as questões relacionadas com a deficiência e buscar a
inclusão das pessoas com deficiência na sociedade.
Em Dezembro de 2006, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi adoptada na Assembleia Geral das Nações Unidas em Nova Iorque, e
aprovada por 127 países.
Trata-se de um marco histórico, representando um
importante instrumento legal no reconhecimento
e promoção dos direitos humanos das pessoas com
deficiência e na proibição da discriminação contra as
estas pessoas em todas as áreas da vida, incluindo
ainda previsões específicas no que respeita à reabilitação e habilitação, educação, saúde, acesso à informação, serviços públicos, etc.
Ainda assim, as pessoas com deficiência estão representadas desproporcionalmente entre as mais pobres
do mundo e carecem de acesso igual aos recursos básicos tais como educação, emprego, cuidados de saúde e sistemas de protecção social e legal, assim como
apresentam o índice mais alto de mortalidade.
07
Exemplo de persistência e
superação na construção de uma
Angola mais inclusiva onde as
pessoas com deficiência visual
tenham mais oportunidades...
figura em destaque
Venceslau Muginga
Florência Chimuando
Venceslau Muginga Francisco carinhosamente chamado
de Djedoné (Deus me deu) nasceu em Luanda a 27 de
Dezembro de 1982. Ainda em tenra idade, foi assolado
por problemas graves de visão que o obrigaram a abandonar os estudos. Ao lado da mãe e outros familiares,
Venceslau Muginga buscou auxílio médico tanto em Angola como no estrangeiro, mas na opinião dos médicos,
as chances de recuperação da visão eram cada vez menores. Em 1999, conheceu a Escola do Ensino Especial
Óscar Ribas, onde aos 17 anos de idade começou as aulas de iniciação ao Braïlle. Nesta altura conheceu igualmente a Associação Nacional de Cegos e Ambliópes de
Angola criada por um grupo de pessoas com problemas
visuais que buscavam melhorar a sua situação através
de apoios.
Aos 18 anos, Venceslau cegou na totalidade, mas deu
continuidade aos estudos, tendo saído várias vezes no
“Quadro de Honra”. Em 2004, ingressou no Instituto Médio Normal de Educação Garcia Neto, no curso de Geografia e História, tendo-o concluído em 2008. Ainda no
ensino médio Venceslau disponibilizou-se para ensinar
Braille aos alunos do primeiro ciclo do ensino especial e
alguns ex-militares das Forças Armadas Angolanas que
perderam a visão durante o conflito armado. No IMNE
Garcia Neto criou a Associação dos Estudantes Cegos e
Amblíopes de Angola (AECAA) que tinha como objectivo
melhorar as condições de estudo das pessoas com deficiência visual e ajudar a inserir no sistema de ensino
aqueles que ainda estavam de fora.
Em 2005, tornou-se membro activo da ANCAA - Associação Nacional de Cegos e Amblíopes de Angola.
Com o presidente e mais outros colegas trabalhavam
arduamente em busca de apoios para desenvolver os
projectos da associação tendo conseguido apenas
apoio da Associação Norueguesa de Cegos com a qual
trabalha até hoje. Em 2013, foi eleito por unanimidade presidente da ANCAA. Enquanto dirigente, o seu
foco tem sido tornar realidade a missão da Associação, que é “lutar por uma Angola mais inclusiva”,
onde as pessoas com deficiência visual tenham mais
oportunidades de formação e visibilidade no mercado laboral. Para isso, tem levado a cabo projectos de
alfabetização (que já beneficiaram cerca de 370 pessoas), autonomia de renda para as mulheres com deficiência visual por serem duplamente discriminadas
(são mulheres e deficientes) e o projecto ocular na
província do Uíge, no município do Bungo, através do
qual várias pessoas têm conseguido resolver de forma gratuita os seus problema de visão. Neste último
caso, a Associação conta com a parceria da Associação Norueguesa de Cegos e do Governo local.
Venceslau Muginga é licenciado em Relações Internacionais pela Universidade Lusíada de Angola, , tendose destacado como um excelente estudante. O sonho
de se tornar mestre levou Venceslau a concorrer ao
curso de História do Instituto Superior de Ciências de
Educação tendo sido aprovado. Mas por falta de
apoios, o sonho ficou, para já, adiado.
08
construindo
Experiências de vida de
pessoas com deficiência
Maria de Jesus Tavares
A Habitec é uma empresa social de produção de
mobiliário escolar que se encontra na província do
Huambo. Uma empresa social, além de procurar ser
lucrativa, também visa alcançar objectivos sociais.
A Habitec faz parte do programa nacional de distribuição de mobiliário escolar do Ministério da Indústria em parceria com o Ministério da Educação. Tem
parceria com o Governo local e as Administrações
para recrutamento de antigos combatentes com deficiências físicas para a sua reintegração na sociedade
e para fornecimento de urnas, a um preço acessível,
às pessoas mais carenciadas. A parceria com o Estado
surgiu da necessidade de legalização da actividade.
Para além das pessoas com deficiências físicas e
mentais, a Habitec também tem entre os seus funcionários pessoas doentes com tuberculose e sida, provenientes das associações Elavoco e Yove. Tem também a colaboração de outras instituições como a DW,
ADRA, HABITERRA e irmãs da Igreja Católica.
Em conversa com o director administrativo da empresa, o Mosaiko Inform apurou que são poucas as
instituições em Angola que assumem a sua responsabilidade social. Isto não se reflecte só em trabalhar
com pessoas com deficiência, mas também na preocupação com o ambiente em si.
O processo de recrutamento das pessoas com deficiência é especial porque começa com o conhecimento
do historial da pessoa a recrutar, o que segundo o administrador da empresa “é essencial porque ajudanos a saber lidar com essa pessoa”. Muitas vezes são
pessoas com necessidade de atenção especial específica, pessoas que se sentem excluídas, não se sentem capacitadas para realizar determinadas tarefas
devido à deficiência que têm e a Habitec ao dar-lhes
outra oportunidade consegue ajudá-las a rejuvenescer e dar outro ânimo as suas vidas.
Dentre as muitas histórias de pessoas com deficiência escolhemos falar de um jovem que, apesar da
deficiência mental, é um exemplo de superação. Trata-se de um jovem de 25 anos que não fixa números,
tem dificuldades de concentração e por causa disso
não estudou. Foi inserido a título experimental no
grupo de operários a realizar trabalhos de fácil execução tendo em contas as dificuldades que tem. Dois
anos depois, segundo o testemunho do administrador, este jovem é um dos mais destacados em termos
de prestação de serviço, com uma produtividade alta
e foi promovido em termos salariais, deixando para
traz alguns dos seus colegas que não são portadores
de deficiência. Desta forma, ele pode ajudar a sua família.
Este jovem nasceu no meio de uma família instável,
com um pai militar que, quando bebia, fazia muita
confusão. A mãe pensa que a criança nasceu com de-
09
construindo
Experiências de vida
de pessoas com deficiência
ficiência, porque depois de nascer não chorou mais,
era uma criança que só falava quando lhe solicitavam
e, quando queria alguma coisa, em vez de pedir, chorava. Grávida de cinco meses do filho, desesperada,
saltou do 1º andar do edifício onde vivia, para escapar a uma situação de violência doméstica e, segundo
ela, isto foi a causa da deficiência do filho.
“aconselho os jovens que têm o mesmo
problema que eu, que não fiquem
parados. O mundo é rotativo, devemos
entrar na sociedade e ela tem de nos
aceitar como somos.”
A criança não teve acompanhamento, na época de
guerra, a mãe não tinha como levar o filho a um especialista na zona onde viviam. Todavia, reconhece
que também não se motivou muito em procurar um
e, à medida que o filho crescia, sentia que estava a
melhorar, começou a trabalhar e a mãe não sentiu a
necessidade de procurar ajuda médica.
Desde que começou a trabalhar na Habitec, o filho
mudou apesar de não ter sido fácil o enquadramento.
No início, alguns colegas, tendo conhecimento da sua
deficiência mental, aproveitavam-se dele e apropriavam-se do salário. Depois da intervenção da mãe, as
coisas melhoraram e os colegas passaram a respeitá-lo. É nervoso, é preciso aprender a lidar com ele,
enerva-se com facilidade, principalmente, quando se
apercebe que estão a gozar com ele. A mãe acredita
que depois dessa mudança se for p’ra escola o filho é
capaz de assimilar.
“A relação com os colegas, não digo que é das melhores, mas também algumas pessoas eu digo que
me dou bem com elas e outras que eu excluo mesmo, tenho algumas pessoas mais próximas, poucas,
mas que eu digo que são meus amigos e aquelas que
digo que não são meus amigos, prefiro não dar confiança”. Começou assim o seu discurso, o jovem com
deficiência mental, que ao fim de quatro anos a trabalhar na Habitec já se sente mais valorizado, apesar
de ainda se sentir rejeitado pela sociedade.
Começou a trabalhar nas máquinas, mas devido ao
acidente de trabalho que lhe deixou com mais dificuldades (a mão não fecha), o jovem foi transferido
para a área de montagem de carteiras, onde segundo
o próprio tem trabalhado muito bem, diz que não tem
problemas. Por vezes falha, faz coisas erradas, o que
é normal porque é humano. Sabe que deve trabalhar
e reclama o reconhecimento de melhor trabalhador
do ano. Este jovem que fala pouco mas tem certeza
do que quer na vida, “aconselho os jovens que têm o
mesmo problema que eu, que não fiquem parados.
O mundo é rotativo, devemos entrar na sociedade e
ela tem de nos aceitar como somos”. Sente-se triste
porque como qualquer jovem da sua idade, sonha em
ter a sua própria família, e encontrar alguém que o
entenda e com quem possa construir uma vida familiar.
Uma outra pessoa com deficiência que
partilhou a sua história com o Mosaiko
10
construindo
Experiências de vida
de pessoas com deficiência
Inform é um membro de Direcção da LARDEF, ONG que
tem como objectivo advogar a favor das pessoas com
deficiência, trabalhando com todo o tipo de deficiência
independentemente da raça, cor, sexo ou idade assim
como também com pessoas sem deficiência. A LARDEF
é uma associação de âmbito nacional, tem parceria com
o Estado a quem, segundo este membro, a instituição,
deve despertar constantemente para que perceba até
aonde começam e terminam as liberdades das pessoas.
O Adérito diz que nasceu sem deficiência. Presume que
tenha sido vítima de poliomielite, mas devido a falta
de recursos, conhecimento da vacina e inexistência de
campanhas de vacinação, os pais que naquela altura tinham os filhos nessa situação não tinham aonde recorrer. As instituições de apoio a pessoas com deficiência
não existiam, havia também o problema da mentalidade
das pessoas, uma vez que segundo este senhor, às pessoas com deficiência não lhes era permitido sequer frequentar a escola. No seu caso particular seria muito mais
difícil, não andava sem o auxílio de canadianas e seria
preciso alguém que o levasse e fosse buscar à escola. “A
deficiência só deixa de ser um problema quando o meio
A deficiência só deixa de ser um
problema quando o meio que nos
envolve deixa de ser problema. Temos
que compreender que o fenómeno da
deficiência é novo.
que nos envolve deixa de ser problema. Temos
que compreender que o fenómeno da deficiência
é novo, é um fenómeno novo em qualquer parte
do mundo.”
É uma pessoa que viveu sempre na dificuldade,
mas e graças aos pais que não desistiram, que o
puseram a estudar e apostaram nele hoje conseguiu chegar onde chegou. Cresceu na periferia da
cidade de Luanda, os amigos e as brincadeiras fizeram parte da sua infância. Para o Adérito, a consciência deve partir da comunidade, se as pessoas
da e na comunidade perceberem que a pessoa
com deficiência é um cidadão normal como outro
qualquer, vai ser possível a interacção, vão achar
11
construindo
Experiências de vida
de pessoas com deficiência
normal, que foi o que se passou com ele. Quando
criança gostava de jogar à bola e os amigos permitiam que jogasse com eles, quando tivesse dificuldades os amigos ajudavam-no. Depois de concluir
o ensino pré universitário no PUNIV, começou a
trabalhar na Rádio Nacional de Angola, o sonho de
infância era ser locutor de rádio, conta o Adérito
ao mesmo que explica como começou”quando os
meus amigos jogavam, chegou uma altura que eu
compreendi que não podia jogar com eles, então
comecei a fazer os relatos do jogo.” Concorreu
para um curso de operador de som com mais de
300 candidatos, ficou entre os 80 pré -seleccionados e por fim acabou entre os 20 jovens que foram
escolhidos para integrar o curso na Rádio Escola e,
posteriormente, fazer o estágio já na Rádio Nacional. Como gostava e percebia de música, já tinha
sido animador de festas, não foi difícil integrar-se
no trabalho de animação, nas cabinas. Competente, empenhado e dinâmico no que fazia foi nomeado 1º Chefe de Secção e depois Chefe de Sector,
função que exerce actualmente. Em 2013, foi comentarista do campeonato de basquetebol em cadeiras de rodas que se realizou no país. Já jogou
basquetebol em cadeira de rodas e é membro do
comité para-olímpico. “Estou na rádio há 30 anos.
Muito do que sou hoje é graças ao meu empenho,
não é fácil uma pessoa com deficiência chegar e
se impor, foi muito difícil por causa dos tabus. As
pessoas não compreendiam.”
No passado, as pessoas com deficiência tinham
imensas dificuldades, não tinham acesso ao ensino, eram escondidas em casa porque as famílias
tinham vergonha que se soubessem que tinham
As pessoas com deficiência devem
acreditar em si mesmas, mudar
as atitudes e conhecer quais são os
seus direitos porque isso é muito
importante para os poderem reclamar
e exigir.
um membro da família com deficiência. Esta parte da
história ficou para trás. As pessoas com deficiência
foram-se mostrando em todo o mundo como pessoas
capazes. Em Angola, há pessoas com deficiência formadas e muito capazes para estar nos diversos sectores da vida nacional e para auxiliar o Executivo que
tem responsabilidade acrescida neste campo, quando assina e ratifica a Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência. Temos um país a crescer
e onde está a pessoa com deficiência, a criança, a
mulher rural? Em momento algum se pode falar da
erradicação da pobreza sem incluir na agenda a temática da deficiência. O Estado deverá abrir-se mais
e, principalmente, dar oportunidades aos projectos
para pessoas com deficiência. É melhor que sejam as
associações a colocar os projectos em prática, o Estado deve monitorar estes processos e procurar mecanismos para o efeito junto das associações, fazer com
que elas sejam instituições de utilidade pública com o
fim de serem parceiras reais do Estado na resolução
dos problemas ligados à deficiência.
As pessoas com deficiência devem acreditar em si
mesmas, mudar as atitudes e conhecer quais são os
seus direitos porque isso é muito importante para os
poderem reclamar e exigir.
12
entrevista
jorge pedro
Director Nacional da educação Especial
Maria de Jesus Tavares
Neste espaço, entrevistamos o
professor Jorge Pedro, licenciado
em Ciências da Educação é,
actualmente, Director Geral do
Instituto Nacional da Educação
Especial
Enquanto Director Geral da Educação Especial qual é
a sua experiência de trabalho na área?
A minha experiencia como Director Geral do Instituto
Nacional de Educação Especial é o processo de longos
anos de trabalho (trinta e seis, para ser exacto) como
docente e como quadro de direcção em várias instituições de ensino.
Mas devo destacar aqui a minha passagem pelo Centro de Diagnostico e Orientação Psicopedagógico
como técnico, pela Direcção Provincial da Educação
de Luanda, como responsável da área de Educação
Especial e mais tarde como Director Geral Adjunto do
Instituto do qual hoje sou Director Geral.
A experiência acumulada ao longo desse tempo me
permite hoje conhecer a fundo a área que dirijo, os
seus problemas, bem como desenhar e conceber instrumentos que contribuam para a solução dos mesmos.
13
entrevista
jorge pedro
Director geral do
Instituto nacional da educação especial
Qual é o papel da instituição que dirige na inclusão
das pessoas com deficiência?
O Instituto Nacional de Educação Especial tem como
objectivo social atender, orientar, acompanhar, formar e apoiar a inclusão sócio-educativa e familiar das
crianças, jovens e adultos, com necessidades educativas especiais.
O Instituto Nacional de Educação
Especial tem como objectivo social
atender, orientar, acompanhar, formar
e apoiar a inclusão sócio-educativa e
familiar das crianças, jovens e adultos,
com necessidades educativas especiais.
Quantas Escolas ou Centros de formação existem no
País e em que zonas?
O País conta com dezassete Escolas Especiais e seiscentas escolas regulares que incluem crianças com
necessidades educativas especiais.
É importante aclarar aqui que, para além das escolas
inclusivas, as províncias sem escolas especiais têm
salas especiais, uma vez que o atendimento é feito
em três modalidades, a saber: escolas especiais, salas especiais em escolas regulares ou do ensino geral
e alunos com necessidades educativas especiais em
salas regulares.
Os números acima, embora ainda insuficientes, traduzem o esforço do Executivo em aumentar cada vez
mais a rede de escolas que atende crianças com NEE
- Necessidades Educativas Especiais.
Outro esforço gigantesco tem sido feito na aquisição
de material e equipamento especial na formação de
professores, sem os quais o atendimento especializado seria um fracasso. O Ministério da Educação tem
investido somas avultadas nessas duas componentes
pois que a educação especial e inclusiva não é barata.
A que tipos de deficiências respondem estas escolas
de formação?
Em Luanda, existem escolas específicas para determinadas deficiências ou categorias diagnósticas
como é o caso da Óscar Ribas, no distrito da Maianga, vocacionada para crianças cegas e amblíopes e o
complexo do Ensino Especial, no distrito do Rangel,
para surdos e hipoacústicos (baixa audição) e pessoas com deficiência mental. Nas demais províncias, as
escolas incluem todo tipo de deficiência.
14
entrevista
jorge pedro
Director geral do
Instituto nacional da educação especial
As orientações no âmbito da inclusão escolar são de
que todas as crianças sem excepção devem ser matriculadas de forma normal em qualquer escola do seu
nível de escolaridade.
Logo após a matrícula, deve começar então o processo de identificação ou diagnóstico e posterior acompanhamento pelos professores e outros técnicos formados para o efeito.
Em relação ao número de pessoas com deficiência
em Angola que percentagem tem acesso ao ensino
especial?
O MED - Ministério da Educação não controla as estatísticas da população angolana com deficiência,
por existirem outras instituições vocacionadas para
o efeito.
Quantas pessoas com deficiência frequentam as escolas e até que nível de ensino?
Até ao momento estão controlados vinte oito mil e
quatrocentos e trinta e nove alunos com deficiência,
distribuídos desde os níveis pré-escolares ao ensino
superior. Por isso dizemos que a Educação Especial é
uma modalidade transversal a todos os sub-sistemas
de ensino.
Quantas escolas deveriam existir em Angola para
responder as necessidades das pessoas com deficiências?
Quantas forem necessárias, porque o número de
crianças com deficiência sempre aumenta todos os
dias. Mas ao mesmo tempo devemos continuar a potenciar todas as escolas regulares para que pouco a
pouco se vão transformando num ambiente escolar
inclusivo; e quando falo de potenciar me refiro ao
combate às barreiras atitudinais e arquitectónicas, à
formação dos professores e outro pessoal e à atribuição de equipamento e material especifico.
Quais são os critérios de acesso às escolas do ensino
especial?
Qual é a relação do Instituto Nacional de Educação
Especial com as associações de pessoas com deficiência e outras organizações da sociedade civil?
As relações do Instituto Nacional de Educação Especial com a associações de e para pessoas com deficiência é boa. Nós atribuímos importância vital às associações, federadas na FAPED ou não, pois que eles
tem um lema: “Nada para nós sem nós”. Esse lema expressa numa grande verdade já que a ferida dói mais
a quem a tem. É por isso que procuramos e devemos
todos andar de mãos dadas com as associações.
Qual é o nº de pessoas com deficiência que frequentam o ensino especial em Angola e quais são as deficiências mais recorrentes?
O Instituto Nacional de Educação Especial tem controlado até 2014 um total de 28.438 alunos sendo a
deficiência com maior número a auditiva, seguida da
intelectual e visual, respectivamente.
Angola ratificou a Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência, assim como o Protocolo facultativo, em Dezembro de 2012, para além de aprovar legislação nacional específica sobre as pessoas
com deficiência. Em que medida estes instrumentos
se observam na vida dos angolanos com deficiência?
15
entrevista
jorge pedro
Director geral do
Instituto nacional da educação especial
Eu não sou a pessoa mais indicada para abordagem
dessa temática na medida em que existem altas entidades do nosso país envolvidas nesse processo.
Tenho sim conhecimento da existência do Conselho
Nacional da Pessoa com Deficiência integrando vários Departamentos Ministeriais e Associações de e
para pessoas com deficiência. Esse Conselho traça
políticas, planos e programas e, supervisiona o seu
cumprimento.
Os maiores desafios para uma
inclusão efectiva é, de facto, a
continuação das campanhas de
informação e sensibilização para
reduzir as barreiras atitudinais
e arquitectónicas, continuar a
preparar as escolas regulares para a
expansão dos serviços de educação
escolar; continuar com estudos
de investigação para a adopção de
métodos cada vez mais adequados e
eficientes no tratamento diferenciado
de cada deficiente a formação
inicial e contínua dos professores e a
aquisição de material e equipamento
específico.
Qual tem sido o envolvimento das famílias no acompanhamento às pessoas com deficiência?
Já houve tempos em que de forma quase generalizada
a discriminação começava mesmo no seio da família,
passando para as escolas e a sociedade. Mas isso era,
em parte, consequência da falta de informação.
Qual tem sido o envolvimento das famílias no acompanhamento às pessoas com deficiência?
Hoje com as campanhas de informação com a ajuda
da imprensa, esses tempos estão ficando cada vez
mais atrás. As pessoas, hoje, mesmo aquelas que não
têm algum familiar com deficiência, estão ganhando
um maior nível de consciencialização sobre a deficiência.
Como é que o Estado angolano apoia estas famílias?
Aqui me refiro apenas a população escolar com necessidades educativas especiais porque os demais
estão sob a tutela de outras instituições, como já referi anteriormente.
E com relação à população com necessidades educativas especiais, o Executivo através do MED traçou
uma série de políticas cuja execução tem reduzido
o número de crianças com NEE fora do sistema de
ensino, bem como o acompanhamento dos mesmos
através da formação e capacitação de professores em
matéria de Atendimento Educativo Especializado e
nos métodos de elaboração de programas educativos
individuais e adaptação curricular, tendo em conta a
especificidade de cada deficiência.
Quais considera serem hoje os principais desafios
para uma maior inclusão das pessoas com deficiência
na sociedade angolana?
Os maiores desafios para uma inclusão efectiva é de
facto a continuação das campanhas de informação e
sensibilização para reduzir as barreiras atitudinais e
arquitectónicas, continuar a preparar as escolas regulares para a expansão dos serviços de educação
escolar; continuar com estudos de investigação para
a adopção de métodos cada vez mais adequados e
eficientes no tratamento diferenciado de cada deficiente a formação inicial e contínua dos professores
e a aquisição de material e equipamento específico.
Que recomendações faz aos diferentes actores sociais para melhorar a situação das pessoas com deficiência?
Necessitamos todos de uma consciencialização e
sensibilidade cada vez mais crescentes no tratamento dessa matéria. Devemos todos juntos de mãos
dadas nos entregarmos a essa nobre causa certos
de que qualquer um de nós é candidato
potencial à deficiência. Juntos seremos
vencedores.
16
reflectindo
FACTORES QUE FAVORECEM
A INCLUSAO ou EXCLUSÃO DAS
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Paulo Máquina
Angola ratificou a Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência, assim como o Protocolo Facultativo, em Dezembro de 2012. A Constituição da
República reflecte, no seu artigo 83º, a preocupação
em relação às pessoas com deficiência, assumindo o
apoio devido a elas e suas famílias. De modo específico, criou a Lei da Pessoa com Deficiência (Lei n.º
21/12, de 30 de Julho) e o Conselho Nacional da Pessoa com Deficiência, um órgão de consulta e concertação para a execução das tarefas estabelecidas na
Política Nacional das Pessoas com Deficiência.
A OMS define “deficiência” como sendo o substantivo atribuído a toda a perda ou anormalidade de uma
estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatómica. Por seu turno, a lei supra citada define a Pessoa
com deficiência como sendo aquela que, por motivo
de perda ou anomalia, congénita ou adquirida, de funções psicológicas, intelectuais, fisiológicas, anatómicas ou de estrutura de corpo, apresente dificuldades
susceptíveis de, em conjugação com outros factores
do meio, lhe limitar ou dificultar as actividades e a
participação em condições de igualdade com as demais pessoas… causando dificuldades a nível da locomoção, percepção, pensamento ou relação social.
A trajectória histórica revela que as pessoas com deficiência sempre foram marginalizadas, vivendo num
verdadeiro “apartheid social”, sendo vítimas da própria deficiência e da exclusão social. Infelizmente,
a “evolução” das sociedades não foi suficiente para
afastar a exclusão e as dificuldades por elas vividas.
Em Angola estima-se que o número de pessoas com
deficiência atinge cerca de 10% da população e que o
MINARS “controla” cerca de 90 mil, maioritariamente
pessoas com deficiência física. Cinquenta por cento
destas estão em idade activa de trabalho.
Apesar de alguns avanços verificados na sua inclusão,
sobretudo, a nível da formação técnico-profissional,
emprego e habitação, elas continuam a serem excluídas em vários aspectos. Os princípios definidos pela
Lei da Pessoa com Deficiência, sobretudo o da não
discriminação é fortemente atropelado, pondo em
causa os demais princípios. Entre os factores de exclusão mais comuns, identificamos os seguintes:
w A exclusão escolar, como um dos maiores, senão o maior factor de exclusão das pessoas
com deficiência no nosso país, pois, entendendo a educação como direito que potencializa a
realização dos demais direitos, ela é negada a
milhares de cidadãos com deficiência.
w As atitudes de rejeição ou preconceituosas da
sociedade, que criam barreiras sociais e físicas que dificultam o processo de integração.
Provavelmente deve-se ao facto da sociedade
possuir um modelo de sociedade dos iguais,
dos “perfeitos”, dos fictícios onde as diferenças
não têm lugar. Nela, as pessoas com deficiência são vistas como diferentes.
w A inacessibilidade aos serviços básicos de qualidade, como a saúde, educação e formação
técnico-profissional, protecção social e habita-
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reflectindo
FACTORES QUE FAVORECEM A
INCLUSAO E EXCLUSÃO DAS PESSOAS
COM DEFICIÊNCIA NA SOCIEDADE
ção. A própria acessibilidade física é um dos
factores de exclusão.
É importante haver políticas e estratégias que
compensem, de certo modo, as limitações e/ou
impossibilidade a que as pessoas com deficiência
estão sujeitas. Neste sentido consideremos os seguintes factores de inclusão social:
w Educação inclusiva, através da construção
de escolas para todos e para cada um. Neste
sentido, dividir a escola em termos de alunos “normais” e alunos com “deficiência”
não é certamente um princípio inclusivo.
Penso ser este o espírito do conteúdo consagrado no artigo 14.º da lei supracitada (o
direito de acesso a ajudas técnicas), onde o
Estado é instado a adoptar políticas específicas para pessoas com deficiência. Estas
não podem ser medidas segregacionistas.
As chamadas salas de inclusão no sistema
normal de ensino deve ser uma realidade.
w Acessibilidade física ou a remoção de obstáculos e barreiras em equipamentos e serviços.
w A criação e disponibilização de dispositi-
vos que facilitam a mobilidade e orientação e
a acessibilidade tecnológica na promoção do
acesso à comunicação. Aqui, as Universidades
jogam um papel fundamental através do seu
papel de pesquisa e investigação.
w A garantia do trabalho às pessoas com deficiência com habilitação e reabilitação, como,
por exemplo, acontece com a lei das cotas que
reserva determinada percentagem de acesso a
empregos ou ao sistema de ensino às pessoas
com deficiência.
Portanto, numa sociedade de “perfeitos” ou de aparências, a pessoa com deficiência é ignorada e excluída, estando confinada no seu próprio mundo. É urgente construir uma sociedade onde as pessoas com
deficiência frequentem a escola, saiam à rua, brinquem, vivam suas vidas de modo “normal”. Por isso,
devemos preocupar-nos com a sua situação actual
no sentido de não permitir que o desenvolvimento da
sociedade continue a excluí-las da participação activa na vida familiar e social. E isso é garantidamente
possível através do aprofundamento de uma
educação inclusiva.
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Todos temos um
contributo a dar para
a inclusão das pessoas
com deficiência
Raquel Pereira da Camara
A maioria das pessoas e das sociedades têm dificuldade em lidar com o que é “diferente”. Como a diferença incomoda, tende-se a não falar sobre ela e a
fingir que ela não está lá. As pessoas com deficiência
são uma realidade e o primeiro passo para sua inclusão é aceitar que a deficiência existe.
Incluir as pessoas com deficiência é criar para elas as
mesmas oportunidades que os outros cidadãos têm na
sociedade, é conferir-lhes a mesma dignidade como
pessoa. Para que isso possa acontecer é necessário
uma atitude pró-activa, é necessário tomar decisões
concretas pois caso nada se faça, as pessoas com deficiência são deixadas à margem da sociedade.
A inclusão social de pessoas com deficiência é também, por isso, uma questão de políticas públicas. É
necessário que o Estado dê o exemplo através da criação de leis e a tomada de medidas administrativas
que modifiquem as estruturas e serviços oferecidos,
conforme as necessidades de adaptação específicas
Incluir as pessoas com deficiência
é criar para elas as mesmas
oportunidades que os outros cidadãos
têm na sociedade, é conferir-lhes a
mesma dignidade como pessoa. Para
que isso possa acontecer é necessário
uma atitude pró-activa, é necessário
tomar decisões concretas pois caso nada
se faça, as pessoas com deficiência são
deixadas à margem da sociedade.
de cada pessoa com deficiência para que estas possam interagir naturalmente na sociedade como as
restantes pessoas.
A ação do Estado poderá assumir diferentes formas e
abranger diferentes áreas. Designadamente, dar incentivos ao emprego, quer através do estabelecimento de quotas para pessoas com deficiência no acesso
à função pública, quer através da atribuição de benefícios fiscais a empresas que contratem pessoas
com deficiência; atribuir subsídios às famílias que
aceitem acolher pessoas com deficiência; promover
e apoiar escolas que integrem pessoas com deficiência; lançar programas de formação de técnicos para
apoiarem pessoas com deficiência; criar regulamentos que permitam a circulação de pessoas nas ruas;
criar regulamentos que obriguem os edifícios que
estão a ser construídos a terem acessibilidades para
pessoas com deficiência; subsidiar cadeiras de rodas,
canadianas, camas articuladas, aparelhos auditivos,
treino de cães-guia, etc.
19
reflectindo
Todos temos um contributo
a dar para a inclusão das
pessoas com deficiência
volvimento de todas estas entidades maior será a sua
legitimidade para exigir a intervenção do Estado.
O reconhecimento da dignidade da pessoa com deficiência é feito ainda a nível internacional com a
Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiências, que entrou em vigor em 2007, que foi ratificada por Angola em 2012, e com a instituição do Dia
Mundial da Pessoa com deficiência, celebrado no dia
3 de Dezembro. Tanto a União Africana como a SADC
têm manifestado preocupações com as pessoas com
deficiências, promovendo reuniões e estabelecendo
protocolos que levem os países envolvidos a adoptar
medidas que conduzam à inclusão de pessoas com
deficiência na sociedade.
A Convenção vem estabelecer a igualdade e a não discriminação das pessoas com deficiência, ou seja, elas
têm direito ao mesmo respeito e dignidade do resto
da humanidade e também têm direito a um ajustamento de sua diferença para permitir a sua inclusão e
participação na sociedade. As pessoas com deficiência devem, por isso, ser consideradas iguais perante
a lei e assim podem e devem exercer os seus direitos
como as outras pessoas. Reconhece-se a sua autonomia mas com apoio, sempre que tal seja necessário.
Mas essa necessidade de apoio mais direta deve ser
vista como interdependência humana e não como expressão da sua incapacidade.
Embora a ação do Estado seja determinante, a inclusão de pessoas com deficiência, deverá ser promovida por toda a sociedade, por cada um de nós,
pelas empresas, pelas organizações da sociedade
civil, pelas igrejas. Quanto maior for empenho e en-
O reconhecimento internacional e nacional que tem
vindo a ser feito das pessoas com deficiência vem revelar que a deficiência é um conceito que tem evoluído ao longo dos tempos. No entanto, é necessário
sublinhar que muito está por fazer e que depende de
todos a conscientização sobre o valor, as capacidades
e o contributo que as pessoas com deficiência podem
dar à sociedade.
Cabe a cada um de nós promover o
respeito pelos direitos e pela dignidade
das pessoas com deficiência, assim
como combater estereótipos e
preconceitos em relação a pessoas com
deficiência, em todas as áreas da vida.
Cabe a cada um de nós promover o respeito pelos direitos e pela dignidade das pessoas com deficiência,
assim como combater estereótipos e preconceitos em
relação a pessoas com deficiência, em todas as áreas
da vida. Só assim, as pessoas com deficiências podem
sentir, tal como as outras pessoas, que têm
verdadeiramente um lugar na sociedade.
20
breves
MOSAIKO ORGANIZA
FORMAÇÃO JURIDICA BÁSICA
sobre direito de família
MOSAIKO FACILITA SEMINÁRIO
DE FORMAÇÃO sobre direitos
humanos NO NAMIBE
Decorreu em Viana, entre os dias 25 e 29 de Agosto
o II Módulo do ciclo de Formação Jurídica Básica para
membros de Grupos Locais de Direitos Humanos
(GLDH). Este módulo visa capacitar os participantes
de conhecimentos básicos relacionado as questões
de família que mais preocupam as comunidades,
bem como partilhar as diversas experiências de
mediação de conflitos de natureza familiar.
O Mosaiko | Instituto para a Cidadania em
colaboração com o ICRA - Instituto de Ciências
Religiosas de Angola, da província do Namibe,
facilitou entre os dias 28 de Julho a 1 de Agosto do
corrente ano, uma formação sobre Direitos Humanos
e Cidadania, na sala de conferências do referido
instituto, em que participaram 78 estudantes
finalistas.
A actividade facilitada pelo Mosaiko | Instituto para
a Cidadania, congregou líderes dos diversos Grupos
Locais de Direitos Humanos (Núcleo Dinamizador
dos Direitos Humanos do Cubal; Associação Y.O.V.E;
Sub Núcleo da Ganda - Benguela; Associação
Verdade, Justiça e Paz do Uíge, Comissão Mista dos
Direitos Humanos, Ndalatando, Samba Cajú, Ambaca
e Kikulungo - Kwanza Norte; Comissão de Justiça
e Paz da Gabela - Kwanza Sul; Comissão de Justiça
e Paz do Dundo - Lunda Norte; Núcleo dos Direitos
Humanos da Matala, Jamba e Kapelongo – Huíla).
A formação teve como objectivo capacitar os jovens
finalistas com conhecimentos sobre a promoção
e defesa dos Direitos Humanos. Na abordagem
dos temas tiveram em atenção questões como
a caminhada histórica dos Direitos Humanos, os
Direitos Civis e Políticos, Direitos Económicos Sociais
e Culturais, Garantia e Instituições Defensoras dos
Direitos Humanos.
A equipa do Mosaiko esteve constituída pelos
assessores em direitos humanos António Ebo,
Francisca Maria Imaculada, Hermenegildo Teotónio e
pelo Osvaldo Tomás no apoio logístico.
Construindo
Cidadania
A equipa do Mosaiko que facilitou esta formação
foi composta por Djamila Ferreira (Assessora de
Direitos Humanos), Francisca Imaculada (Assessora
de Direitos Humanos) e frei Mário Rui (Director
Administrativo). O seminário foi encerrado com
missa celebrada por D. Dionísio Hissilenapo, bispo
da Diocese do Namibe, na sala de conferências onde
decorreu a actividade.
Rádio Ecclesia | 97.5 FM
Sábado às 08H30 e Domingos às 22H00
Agora também pode ouvir nos canais rádio da Zap e DSTV

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