LAD - Congresso do Desporto
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LAD - Congresso do Desporto
Congresso do Desporto Desporto, Saúde e Segurança A luta contra a utilização de substâncias dopantes – uma perspectiva para o futuro Luís Horta A luta contra a dopagem no desporto representa um desafio fundamental para a preservação de uma actividade desportiva onde os princípios éticos sejam integralmente respeitados. A criação da Agência Mundial Antidopagem (AMA) em 1999 conduziu à implementação de um Programa Mundial Antidopagem onde impera a harmonização de regras e de procedimentos a nível mundial. A eficácia e a eficiência da luta contra a dopagem no desporto de competição foram dessa forma intensificadas levando a que os prevaricadores tenham cada vez menos espaço de manobra. O alargamento do referido Programa a um número progressivo de países e de federações internacionais permite-nos prever que o futuro será risonho. A nível nacional a situação não parece ser de alguma forma preocupante, levando em consideração o longo historial do nosso país na luta contra a dopagem no desporto de competição e os mecanismos legais e logísticos que estão a ser implementados, fruto da transposição dos princípios definidos no Código Mundial Antidopagem da AMA e na Convenção Internacional contra a Dopagem no Desporto da UNESCO. A realidade actual da luta contra a dopagem fora do desporto de competição é preocupante, tanto a nível internacional como a nível nacional, chegando mesmo em alguns países a ser considerado como um problema de saúde pública pois, ao contrário do que acontece no desporto de competição, atinge uma faixa muito alargada da população. A utilização de substâncias dopantes nos ginásios e nas escolas dos países mais desenvolvidos atinge dimensões na realidade muito preocupantes. Os países em vias de desenvolvimento estão a ser progressivamente envolvidos por esta problemática, pois fruto da introdução das novas tecnologias nesses países e da imitação das práticas e hábitos sociais dos países mais desenvolvidos, tornou-se muito simples adquirir esteróides anabolizantes ou obter informação tendenciosa através da Internet. Os ventos da globalização, que tantos benefícios têm trazido noutros sectores, representam aqui um mecanismo de propagação rápida e de difícil controlo da problemática em apreço. No nosso país, embora estejamos longe de termos uma situação tão preocupante como a de alguns países mais desenvolvidos (Estados Unidos da América, Austrália, Canadá, entre outros), não podemos negar a existência do problema e o progressivo agravamento do mesmo nos últimos anos, não só a nível dos utentes dos ginásios mas também a nível dos jovens em idade escolar. Costumamos dizer que a melhor imagem que podemos utilizar para exemplificar a situação actual da utilização de substâncias dopantes fora do desporto de competição é a de um iceberg que está de momento praticamente submerso. O número de pessoas afectadas e em risco é substancial mas como as consequências mais nefastas da utilização destas substâncias, em termos de saúde, só aparecem 10 a 20 anos após a sua toma, as pessoas são levadas a subestimar a importância do problema, tal como acontece com o iceberg submerso do qual só visionamos uma pequena parte. O problema está no facto de que quando as consequências mais nefastas aparecerem, daqui a uns anos, será tarde de mais, pois o iceberg mostrará a sua total dimensão, sem que nada se possa nessa altura fazer para evitar as consequências da sua vinda à superfície. Aqui surge o primeiro dilema do especialista na luta contra a dopagem. O especialista possui o conhecimento rigoroso da situação, alicerçado na informação científica disponível, o que lhe permite saber as eventuais causas do problema, a sua dimensão, o exacto momento do seu aparecimento e ritmo de progressão, mas não consegue convencer os decisores políticos sobre as medidas a desencadear para prevenir os efeitos da sua propagação. Para que este primeiro dilema possa ser ultrapassado é fundamental que o especialista encontre um decisor politico com visão estratégica para que sejam tomadas as medidas adequadas para que o problema possa ser prevenido ou pelo menos minorado. A nossa condição de país desenvolvido de segunda linha, onde habitualmente tudo de bom e de mau acontece um pouco mais tarde, dá-nos a imensa vantagem de podermos aprender com os erros e as soluções acertadas doutros países, na resolução de determinados problemas. Infelizmente essa vantagem não é muitas vezes aproveitada no nosso país, fruto de uma visão minimalista dos problemas, onde a solução do curto prazo hipoteca a visão estratégica do longo prazo. A utilização das substâncias dopantes fora do desporto de competição é um óptimo exemplo da importância daquela visão estratégica, pois se não forem desencadeadas medidas no imediato iremos daqui a alguns anos conhecer a verdadeira dimensão do problema, ao constatarmos as consequências da utilização destas substâncias em termos de saúde pública. Um bom exemplo da falta de visão estratégica dos nossos decisores políticos é o que se está a passar neste momento no nosso país em termos de prevalência de obesidade infanto-juvenil. Esta problemática começou a afectar há mais de uma década os países mais desenvolvidos do Mundo, como por exemplo os Estados Unidos da América. Os especialistas nacionais avisaram que se não fossem tomadas medidas o problema iria atingir o nosso país, pois os factores que causaram o aparecimento do problema naqueles países (nutrição inadequada e sedentarismo a nível camadas populacionais mais jovens), estavam a atingir a nossa população juvenil. Os decisores políticos não tomaram as medidas adequadas no momento certo, o problema surge com toda a sua dimensão e eis que agora, tarde e a más horas, se tentam desencadear estratégias visando a resolução de um problema que podia ter sido prevenido se estivesse presente a visão estratégica de que falámos. O primeiro estudo científico que chamou a atenção para a existência do problema, a nível escolar, foi publicado em 1993, no Canadá pelo Canadian Centre for Drug-Free Sport (CCDS). Nesse estudo realizado em 16169 jovens canadianos, praticantes de desporto escolar, de ambos os sexos e com idades compreendidas entre 11 e os 18 anos, verificou-se através dos resultados de respostas a um inquérito, que 2,8% dos jovens inquiridos já tinham utilizado esteróides anabolizantes (4,1% no sexo masculino e 1,5% no sexo feminino). Quando questionados sobre as razões que os levavam a utilizar os esteróides anabolizantes, cerca de 50% dos utilizadores referiram a melhoria do rendimento desportivo, mas curiosamente cerca de 50% referiram também desejar a melhoria da sua imagem corporal. Alguns dos inquiridos referiam utilizar esteróides anabolizantes por via injectável e alguns destes confessaram partilhar as agulhas utilizadas na administração, resultando daí um elevado risco de transmissão de doenças como a SIDA ou as Hepatites B e C. No nosso país embora este problema não tenha atingido a dimensão verificada em países mais desenvolvidos como Canadá, vários estudos realizados em amostras de jovens portugueses demonstraram a sua existência. O Grupo Pompidou do Conselho da Europa realiza regularmente um inquérito em diversos países da Europa (ESPAD - European School Survey – Project on Alcohol and other Drugs) através do qual tenta estudar a prevalência da utilização de bebidas alcoólicas, de tabaco e de drogas sociais ao nível da população escolar. Em 1997 o então Gabinete de Planeamento e de Coordenação do Combate à Droga publicou os resultados do ESPAD que incluía os de uma amostra de 10 000 jovens portugueses com idades compreendidas entre os 16 e os 18 anos e com uma distribuição paritária entre sexo masculino e feminino. Na questão relacionada com a prevalência de utilização de drogas sociais, cerca de 6,5% dos inquiridos referiram já ter fumado cannabis, quase 2% utilizado anfetaminas e 0,71% utilizado esteróides anabolisantes. O Instituto Português da Droga e Toxicodependência publicou em 1999 os resultados do ESPAD, realizado dois anos mais tarde em relação ao estudo acima referido, tendo verificado que a prevalência de utilização de cannabis, anfetaminas e esteróides anabolisantes tinha aumentado junto dos jovens portugueses. Quando questionados sobre a acessibilidade à obtenção das drogas sociais 30% dos rapazes e 22% das raparigas referiram que era muito fácil ou relativamente fácil a acessibilidade ao cannabis. As percentagens de jovens do sexo masculino e feminino que consideravam que a acessibilidade era muito fácil ou relativamente fácil em relação a outras drogas sociais eram igualmente muito elevadas: Anfetaminas -21%/17% Cocaína – 15%/13% Esteróides anabolisantes – 14%/10% Os resultados destes estudos demonstram não só que o problema existe e está a progredir na nossa população escolar portuguesa, mas também que a acessibilidade às substâncias está muito facilitada não só através dos circuitos habituais de venda de droga (cannabis, anfetaminas, cocaína) mas igualmente via Internet (esteróides anabolisantes). O primeiro estudo a chamar a atenção para o problema a nível dos ginásios foi publicado no final de 1997, por Korkia e Stimson, através dos resultados de um estudo realizado em 1667 utentes de 21 ginásios da Grã-bretanha. Nesse estudo 9,1% dos homens e 2,3% das mulheres referiram já ter utilizado esteróides anabolisantes e 6,1% dos homens e 1,4% das mulheres declararam utilizá-los regularmente. De salientar a grande variabilidade de consumo de ginásio para ginásio, pois em alguns não se verificou a existência de nenhum utilizador, enquanto noutros quase 50% dos utentes declararam consumir esteróides anabolisantes. A grande maioria dos utilizadores referiram utilizar simultaneamente diversos esteróides anabolisantes, por via oral e por via injectável, e em doses muito acima das terapêuticas. Quando questionados sobre a incidência e prevalência de malefícios orgânicos, uma elevada percentagem de utilizadores, de ambos os sexos, referiram terem verificado ou terem-lhe sido diagnosticadas situações clínicas do foro cardiovascular, hepático, psiquiátrico e da esfera sexual, entre outros, atribuíveis à utilização de esteróides anabolisantes. Os resultados deste estudo, realizado na Grã-Bretanha, têm sido reproduzidos noutros estudos realizados em diversos países, não só em termos da elevada prevalência de utilização de esteróides anabolisantes, como também em termos dos malefícios orgânicos provocados pela utilização daquelas substâncias. Em Portugal o Conselho Nacional Antidopagem (CNAD) tentou estudar a realidade no nosso país, através da distribuição em 1998 do inquérito concebido por Korkia e Stimpson em ginásios portugueses com a cooperação da Federação Nacional de Cultura Física, introduzindo algumas adaptações. Os resultados desse estudo não foram publicados, pois só se obtiveram 91 inquéritos válidos, 64 referentes a utentes do sexo masculino e 27 a utentes do sexo feminino, devido a uma taxa de resposta muito baixa, embora tenham sido distribuídos mais de 700 inquéritos em ginásios de todo o país. Os resultados obtidos dão-nos pelo menos a garantia que o problema existe no nosso país, pois embora nenhuma das inquiridas tenha referido utilizar esteróides anabolisantes, 12,5% dos inquiridos referiram já ter utilizado esse tipo de substâncias e 10,9% declararam utilizá-las com regularidade. Os efeitos secundários dos esteróides anabolisantes encontram-se amplamente descritos na literatura científica. Os efeitos a curto e a médio prazo, como por exemplo, sinais masculinizantes na mulher e feminizantes no homem, distúrbios da capacidade reprodutiva e da libido sexual, agressividade, queda do cabelo, acne, entre outros, permitem que se estabeleça com alguma facilidade uma relação causa/efeito. Nos efeitos a longo prazo torna-se mais difícil estabelecer aquela relação, pois dificilmente alguém se lembrará que o aparecimento de um tumor maligno da próstata ou do fígado ou de uma doença cardiovascular (AVC, enfarte do miocárdio, amputação por causa vascular, etc.) possa ter resultado da ingestão daquelas substâncias há 10 ou 20 anos atrás. Como especialista vi-me confrontado com um segundo dilema, que encerrava em si mesmo a seguinte questão – Será que os investimentos que fazemos na nossa sociedade visando a luta contra a dopagem são na realidade necessários e compensadores? Este dilema perseguiu-me durante alguns anos, pois quando diariamente no caminho para o meu emprego passava por um bairro de lata interrogava-me se o dinheiro que anualmente se investia no nosso país na luta contra a dopagem, não deveria ser aplicado na construção de bairros sociais evitando que alguns portugueses vivessem em condições tão degradantes. Teria realizado a opção certa ao dedicar toda a minha actividade profissional à luta contra a dopagem levando em consideração que a razão que me fez escolher a profissão de médico foi a de ajudar o próximo? Felizmente que certo dia algo iluminou a minha mente para que todas as duvidas e interrogações relacionadas com este dilema fossem definitivamente dissipadas. O dinheiro que se investe na luta contra a dopagem no desporto não serve unicamente para a preservação da verdade desportiva e para a preservação da saúde dos praticantes desportivos. A luta contra a dopagem no desporto é fundamental na preservação do papel do desporto como bastião da defesa dos valores, dos princípios e das regras. Numa sociedade cada vez mais deficitária em termos de valores éticos, torna-se muito importante que o desporto continue a ser visto como um exemplo de uma Escola de virtudes. Como poderemos explicar aos nossos filhos que a nossa sociedade deverá reger-se pela defesa de valores, de princípios ou de regras se vier a provar que um dos seus ídolos desportivos obteve os seus melhores resultados através da utilização de substâncias ou métodos dopantes. A luta contra a dopagem no desporto é assim fundamental na preservação da imagem do desporto como uma Escola de virtudes, o que indirectamente tem um retorno muito positivo a nível de múltiplos extractos da nossa Sociedade em relação ao respeito dos mais elementares princípios de ética. Que deveremos então fazer para resolver esta problemática da utilização de substâncias dopantes fora do desporto de competição? A resolução do problema não está nas mãos de um único decisor politico mas sim numa estratégia de cooperação interministerial com uma liderança forte e influente, que deverá assentar num compromisso do Governo no seu todo que seja indemne às vicissitudes inerentes à mudança de um dos protagonistas. No final dos anos noventa a Austrália, ao confrontar-se com uma realidade preocupante em relação à problemática em apreço, decidiu criar uma Comissão Interministerial composta por representantes dos ministérios da justiça, da administração interna, da educação, da saúde, da agricultura, do desporto, entre outros, com uma liderança forte que respondia junto do Primeiro-Ministro. Só assim foi possível definir estratégias interventoras que passavam pela cooperação entre instituições daqueles ministérios visando a implementação de iniciativas no âmbito da prevenção e da acção no terreno. Defendemos da mesma forma a criação no nosso país de uma Comissão Interministerial visando a adopção de medidas adequadas à luta contra a utilização de substâncias dopantes fora do desporto de competição, nomeadamente: c Medidas do foro legislativo, como por exemplo, uma eventual alteração do Código Penal de forma a criminalizar a produção e a comercialização ilícitas de substâncias dopantes e o incentivo ou a participação em actos de dopagem em menores, tal como recomenda a Convenção contra a Dopagem do Conselho da Europa da qual o nosso país é signatário. A lista de substâncias sujeitas a medidas especiais de circulação definida regularmente pela Organização das Nações Unidas não inclui os esteróides anabolizantes, a hormona do crescimento e outras substâncias dopantes amplamente utilizadas actualmente na nossa sociedade. Este facto conduz a grandes limitações na intervenção das entidades policiais em relação ao controlo do tráfico ilícito daquelas substâncias. Esta nova realidade deverá ser debatida junto da Organização das Nações Unidas e/ou da União Europeia, para que possam ser equacionadas medidas visando a resolução desta lacuna na legislação. d Iniciativas informativas e educativas visando a dissuasão da utilização destas substâncias e a sensibilização para a existência desta problemática, através da criação de parcerias entre diversas instituições públicas e organizações não governamentais. e Iniciativas do foro inspectivo visando a dissuasão e a punição dos infractores, nomeadamente daqueles que produzem e comercializam de uma forma ilícita estas substâncias. As autoridades responsáveis por actividades inspectivas nos mais diversos sectores a nível nacional queixam-se da falta de meios e recursos para o cumprimento das funções que lhes estão atribuídas pela Lei. Na realidade o que muitas vezes falta é coordenação entre as diversas autoridades responsáveis por actividades inspectivas, pois para a implementação de acções eficazes torna-se necessária a intervenção coordenada de diversas autoridades. Recentemente a operação Mamout, desencadeada em Espanha, apreendeu um elevado volume de esteróides anabolisantes e de outras substâncias em laboratórios clandestinos e deteve inúmeras pessoas relacionadas com a produção, com o tráfico e com a venda ilícita de substâncias dopantes em ginásios. A dissuasão gerada por esta operação perdurará por longo tempo e decerto a certeza da impunidade jamais pairará na mente dos prevaricadores no futuro, dando lugar ao desejado medo da prática da infracção. f A promoção das boas práticas através da criação de um sistema de certificação dos ginásios de forma a que só os que preencham uma série de requisitos ligados à qualidade das instalações, à segurança da prática desportiva, à qualidade de supervisão técnica das actividades desenvolvidas, à não utilização de substâncias dopantes, entre outros, tenham direito à obtenção de um chancela de qualidade. A Noruega e a Dinamarca criaram recentemente sistemas de acreditação para os ginásios, onde na área da utilização de substâncias dopantes os proprietários se comprometem a respeitar uma politica de não utilização dessas substâncias e todos os utentes declaram estar de acordo em se submeter a controlos de dopagem e a respeitarem as consequências dos mesmos. Esses controlos são realizados anualmente pela respectiva organização nacional antidopagem, sem aviso prévio, num número total relativo ao número de utentes de cada ginásio, sendo custeados pelo próprio ginásio de acordo com as normas para a acreditação. Poderão igualmente ser criados incentivos fiscais para os utilizadores desses ginásios acreditados, para que as verbas gastas nos mesmos possam ser consideradas como despesas de saúde dedutíveis no IRS, incentivando desse modo a prática da actividade física e o recurso a ginásios acreditados. g O financiamento de estudos no âmbito das ciências sociais torna-se fundamental para conseguirmos descobrir quais as razões que levam à utilização deste tipo de substâncias fora do desporto de competição. Se desconhecermos as razões pelas quais um jovem adolescente ou um adulto procuram os esteróides anabolizantes para melhoria da imagem corporal, nunca poderemos delinear uma estratégia preventiva alicerçada em dados científicos de modo a termos garantia da sua eficácia. Não restam dúvidas que o problema existe e que pode ter enormes repercussões em termos de Saúde Pública. Cabe aos decisores políticos tomarem as iniciativas adequadas visando a prevenção e a minimização dos seus efeitos através de uma visão de longo prazo.