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SERVIÇO EDUCATIVO Julho> Setembro Jornal do Serviço Educativo Numero 11 | Ano 2009 Publicação Trimestral Coordenação Fátima Alçada Edição Elisabete Paiva Produção Gráfica Paulo Covas Comunicação Marta Ferreira Design Martino&Jaña Textos de César Freitas Comédias do Minho Eglantina Monteiro Inês Barahona Maria da Conceição Gonçalves Marina Nabais Distribuição Andreia Novais Carlos Rego Catarina Pereira Hugo Dias Pedro Silva Sofia Leite Susana Pinheiro [email protected] ISSN 1646-5652 Tiragem 3000 exemplares “A IMAGINAÇÃO É MAIS IMPORTANTE QUE O CONHECIMENTO. O CONHECIMENTO É LIMITADO. A IMAGINAÇÃO ENVOLVE O MUNDO.” ALBERT EINSTEIN JORNAL DE ARTES E EDUCAÇÃO EDITORIAL Regressados de um curto interregno, aqui chegamos com o LURA debaixo do braço. Embora alheia à nossa vontade, esta pausa significou também que o Serviço Educativo cresceu, mais do que talvez esperássemos, e teve de se reajustar à sua nova dimensão. Como a vontade e os ideais continuam firmes, o LURA chega com colaborações de gente muito especial, de norte e de sul, vozes que representam trabalho sério, profundo e positivamente inspirador. E não podemos deixar de agradecer a todos os colaboradores deste número, que pronta e generosamente responderam ao nosso convite para escrever, e que aguardaram a sua publicação. Nas suas palavras, a ideia de liberdade de que falamos no texto de abertura das Pistas, ganha mais sentido. Porque se quer penetrante, porque se quer verdadeira, porque se quer arriscada, porque se projecta afirmativamente. E essas são qualidades essenciais ao desenvolvimento de um trabalho coerente e sustentado de formação de públicos. A MONTANTE PISTAS TRILHOS Pessoas grandes, Pessoas pequenas, Grandes pessoas Propostas renovadas para público juvenil O OUTRO LADO DO AVESSO Inês Barahona pág. 04 pág. 03 Marina Nabais pág. 09 2 | LURA PISTAS CAMINHOS PARA FAZER JUNTOS Programa à descoberta Liberdade, imaginação e conhecimento Liberdade : Condição do ser que pode agir livremente, isto é, consoante as leis da sua natureza, da sua fantasia, da sua vontade. O tempo livre das nossas crianças não deve servir para elas confirmarem aquilo que já sabem, mas de facto para descobrir aquilo que ainda não sabem e que nós adultos muitas vezes também ainda não sabemos. Desafiados interna e externamente para repensar as nossas propostas para as férias escolares, pela direcção do CCVF, pelos pais e pelas crianças, reflexão que em parte expusemos na edição n°9 do LURA (rubrica Trilhos), criámos este ano o Programa à Descoberta, cuja primeira edição se realizou nas férias da Páscoa e que tem no corrente mês de Julho a sua segunda edição. O Programa à Descoberta organiza-se em torno de duas ideias fundamentais: a ideia de interdependência entre várias áreas do conhecimento humano, relacionando as artes com outras áreas do pensar e do fazer, e a fruição do tempo livre sob um ponto de vista individualizado, privilegiando a curiosidade, sensibilidade e experiência de cada criança para que encontre um espaço próprio de expressão e de colaboração no grupo. Se o nosso objectivo central, de tirar partido das pausas escolares para sensibilizar de forma descontraída e livre para as artes, se mantém, outro objectivo se junta a este, o de incentivar as crianças a estabelecer uma relação próxima com instituições locais e regionais, reforçando a sua integração no tecido cultural local de modo abrangente. Nesta proposta, um tema-chave impulsiona todas as acções que decorrem ao longo da semana. Essas acções, que podem ser mais da ordem do fazer, do reflectir e debater, ou do observar, realizam-se no CCVF e fora do CCVF e são orientadas por uma equipa criteriosamente seleccionada de profissionais, na sua maioria ligados às artes, que funcionam como companheiros de exploração e descoberta. A propósito da noção de tempo livre, procuramos com esta proposta reforçar a ideia de que uma aprendizagem, qualquer que seja, é tanto mais significativa quanto for desenvolvida em terreno aberto, isto é, de modo natural e franco, procurando desconstruir preconceitos ou constrangimentos de ordem pessoal e cultural, e em contacto com referências que possam contradizer dados adquiridos ou verdades absolutas. O tempo livre é o momento ideal para nos questionarmos espontaneamente, e só exercendo esse direito poderemos crescer sãos e despertos para aquilo que o mundo tem para nos oferecer na sua complexidade e contradições. O tempo livre das nossas crianças, mais do que qualquer outro momento, não deve servir para elas confirmarem aquilo que (pensam que) já sabem, mas de facto para descobrir aquilo que ainda não sabem e que nós adultos muitas vezes também ainda não sabemos. Formação para profissionais do ensino Dramaturgia e Cenografia Em Setembro o Serviço Educativo voltará a realizar duas acções de formação para professores e profissionais do ensino. Pensando em duas grandes áreas dentro do teatro – a dramaturgia e a concepção plástica, convidámos Graeme Pulleyn e Fernando Ribeiro a preparar duas oficinas que visam potenciar a utilização de instrumentos específicos da prática teatral de forma adequada e eficaz em contexto educativo, diversificando as abordagens e promovendo a realização criativa dos participantes face à diversidade e complexidade que os contextos de trabalho com crianças e jovens apresentam hoje e às suas características ora mais evidentes ora mais subtis. Graeme Pulleyn, actor e encenador inglês fixado em Portugal há mais de 15 anos, um dos fundadores do Teatro Regional da Serra de Montemuro, cuja experiência se estendeu a outros artistas e locais, tem trabalhado amplamente com públicos infantis e juvenis e com comunidades especificas. Esta oficina de dramaturgia incidirá sobre a selecção de textos, a análise e adaptação dramatúrgica, na perspectiva de um teatro que envolva a comunidade escolar e educativa e seja um meio de cimentar processos de identificação, coesão e valorização através da descoberta e da construção de referenciais comuns. Estas oficinas visam potenciar a utilização de instrumentos específicos da prática teatral de forma adequada e eficaz em contexto educativo, diversificando as abordagens e promovendo a realização criativa dos participantes. Fernando Ribeiro é um cenógrafo versátil, que colabora regularmente com o Teatro Oficina, e que tem acompanhado criadores como Nuno Cardoso ou Marina Nabais. A sua proposta na oficina de cenografia passará por promover releituras do papel da componente plástica do espectáculo, accionar mecanismos críticos capazes de rasgar sentidos na percepção estética do espectáculo e na criação de cenografias e impulsionar a utilização criativa dos meios disponíveis na escola: o seu espaço arquitectónico e os seus recursos materiais específicos. LURA | 3 PISTAS CAMINHOS PARA FAZER JUNTOS Propostas renovadas para Público Juvenil Procurando a consolidação progressiva de relações, o Serviço Educativo tem procurado focalizar e aprofundar o seu trabalho com públicos específicos a cada momento. A temporada 2009/10 inicia-se com algumas propostas especialmente interessantes para público adolescente e jovem. Durante o mês de Outubro, Nuno Coelho, artista multifacetado que desenvolve trabalho nas áreas das artes plásticas, do design e do DJ’ing, traz até nós a exposição “Uma Terra sem Gente para Gente sem Terra”, resultado de uma viagem de um mês à Palestina, realizada em 2006. Com o conflito israelo-palestino como fundo e recorrendo a mapas, diagramas e informação de carácter factual, esta exposição questiona-se e questiona-nos sobre o traçado da história e sobre a nossa percepção desse traçado, forjado entre factores políticos, culturais e sociais. A exposição não fica concluída sem a acção do público: somos convidados a completar, a interpretar e a comentar, através do desenho e da escrita, aquela que é uma história de outros mas que é, afinal, também uma história nossa. Em Novembro será apresentado o espectáculo transdisciplinar “A Partir do Adolescente Míope”, com base no diário de adolescência do antropólogo Mircea Eliade. Esta peça, criada por três excelentes profissionais nas suas áreas – Graeme Pulleyn, no teatro, Romulus Neagu, na dança, e Luís Pedro Madeira, na música, abre caminho para uma reflexão sobre a forma de expressão de cada um, a busca de identidade e de um sentido para a existência, questões intensamente vividas na adolescência, mas que são comuns no percurso das nossas vidas. Em Dezembro, tempo ainda para uma performance do Teatro Praga, concebida para crianças dos 9 aos 12 anos, a partir da peça de Shakespeare “Hamlet”. Em “Hamlet, sou eu”, os actores do Teatro Praga desafiam o público a criar o seu próprio espectáculo, apropriando-se progressivamente da narrativa sobre a tragédia do príncipe da Dinamarca, com recurso aos adereços, figurinos e cenário disponíveis em palco. A cada dia, cada grupo terá oportunidade de criar a sua encenação da tragédia de Shakespeare. Com estas propostas, esperamos proporcionar aos professores do ensino básico e secundário pontos de partida sólidos para um trabalho a continuar à medida de cada um dentro da sala de aula, em áreas disciplinares que podem ir das Expressões Artísticas, à História, à Filosofia, às Línguas ou à Geografia. Fotografia Pedro Pires Uma terra sem gente para gente sem terra A partir do adolescente míope Hamlet, sou eu 4 | LURA A MONTANTE AS NOSSAS REFERÊNCIAS Pessoas grandes, pessoas pequenas, grandes pessoas “… Mas também César, Napoleão e Goethe eram pequenos. E Adolf Menzel, o grande pintor e desenhador, era ainda mais pequeno! Quando se sentava, as pessoas pensavam que estava de pé. E quando se levantava, as pessoas pensavam que estava sentado. Entre as grandes pessoas há muita gente pequena – é uma coisa a ter em conta.” Erich Kästner, Als ich ein kleiner Junge war Fotografia Márcia Lessa * in A.L.Lenzi, “Silvio D’Arzo - Una vita letteraria”, Tipolitografia Emiliana, Reggio Emilia, 1977, pp. 93-114. ** Ezio Comparoni é o nome verdadeiro do escritor, cujo pseudónimo mais utilizado foi Sílvio d’Arzo. Existe hoje um conjunto de equívocos em torno do trabalho artístico para as crianças: que é menor, mais fácil, mais simples, que é um trabalho que deve ter um contexto escolar ou extra-curricular, que não tem senão o sentido de um divertimento, que é animação – e outras afirmações similares que remetem as crianças para um plano segundo, como destinatários simples de actividades mais ou menos simplistas, e que ao mesmo tempo encaram as artes como uma actividade secundária face a outras mais relevantes. Existem também grandes equívocos acerca do que é a criatividade, ou do que é a infância, e um desconhecimento generalizado da vivência interior de uma criança. Na prática que conheço, que foi a do Centro de Pedagogia e Animação do Centro Cultural de Belém, sob a direcção de Madalena Victorino, e que se traduziu sempre num cuidado extremo na escolha de objectos artísticos para um público exigente e inquieto, atento e verdadeiro, a única constante na programação era a certeza absoluta de que, em contacto directo com um objecto artístico de qualidade, uma criança, como um adulto, se transforma. Ela transforma-se por dentro, porque pensa, questiona, interroga, sente, intui, e por fora, porque sorri, chora, dá gargalhadas, fecha os olhos de medo, se encolhe, se ilumina. Esse contacto, que é quase tão fugaz como um relâmpago, inscreve-se muito profundamente na memória e torna-se um terreno ideal sobre o qual se pode trabalhar. Existe hoje um conjunto de equívocos em torno do trabalho artístico para as crianças, que as remetem para um plano segundo, como destinatários simples de actividades mais ou menos simplistas. O resultado desses equívocos traduzse numa atitude generalizada de paternalismo e complacência, e resulta numa oferta nem sempre suficientemente exigente e estimulante nas propostas destinadas às crianças. Nesse sentido, a ideia de que a criatividade vem do zero não pode estar mais errada. A criatividade, que não é mais do que essa vontade secreta de experimentar alguma coisa pela primeira vez, precisa de facto de um estímulo forte. A nossa responsabilidade, enquanto promotores de actividades artísticas para as crianças, é a de saber escolher um objecto que estimule e que inscreva na história de cada um dos nossos grandes ou pequenos espectadores uma memória forte que alimenta a prática durante muito tempo. Quem sabe, a vida inteira. Mas as artes, que alimentam a prática, a experimentação, alimentam também o pensamento. É porque existir, viver, ser é estar aberto ao imponderável que nos rodeia, ao mundo que surpreende, aos outros que nos solicitam, que nos acompanham, que nos abandonam, é por isso que há que pensar. É porque somos apanhados no passo à frente de um tempo que não se anuncia, porque constantemente somos desafiados a responder à ordem do que não conhecemos, é por isso que há matéria para pensar. Esta matéria do pensar é, na maior parte das vezes, a matéria do viver. As artes trazem para o presente a surpresa desse futuro que ainda não existe. Elas colocam perante nós a iminência de uma realidade concreta que existe e não existe e que, nessa fronteira que é um desafio, nos lança numa dimensão especulativa imediata. Encontramos o sentido que atravessa o espectáculo procuran- LURA | 5 A MONTANTE AS NOSSAS REFERÊNCIAS As artes trazem para o presente a surpresa desse futuro que ainda não existe. Elas colocam perante nós a iminência de uma realidade concreta que existe e não existe e que, nessa fronteira que é um desafio, nos lança numa dimensão especulativa imediata. do entender o que estava antes e o que estará depois. Atravessamos as paredes do tempo em que o espectáculo começa e acaba e trazemos connosco as perguntas ou o sorriso da compreensão de alguma coisa que acontece perante os nossos olhos não acontecendo. Mergulhamos nessa dimensão da possibilidade que desafia a lógica e nos confronta com o que, por ser impossível, não atravessa o espírito no quotidiano dos nossos pensamentos. Atinge-nos como uma surpresa que perpassa zonas adormecidas em nós. Não nos deixa incólumes. Nunca. Na nossa vida de adultos, de pessoas grandes, o espaço para entrar numa zona que não nos parece imediatamente útil é muito pequeno. Por isso, quando queremos pensar dizemos que nos “abstraímos”, e dizemo-lo com a sensação da culpa de ficarmos separados das tarefas que há a fazer. É isso que faz de nós as “pessoas grandes” que têm mais o que fazer do que viajar para dentro de lugares que não existem e onde não é preciso entrar se não lhes abrirmos a porta. É isso que nos faz olhar para o bilhete do teatro e para o relógio ao mesmo tempo, secretamente pensando no tempo que estamos a perder, esquecendo-nos de que um bilhete é a chave para nos perdermos no tempo. Esse tempo transporta qualidades que, na nossa pressa, nos tornamos incapazes de reconhecer. Aprendese, com as artes. Não no exercício inútil de as tentar explicar. Mas no tempo de as conhecer. O sinal do pensamento maduro, a abstracção, também se aprende com as artes. Um espectáculo coloca-nos perante uma realidade irreal. Um conceito é sempre isso: uma realidade irreal, genérica, metafórica, passível depois de ser reconduzida a uma situação concreta. Através das artes, é da situação concreta e irreal que chegamos ao conceito genérico. Representamos para nós uma ideia que tem as suas raízes num dado con- creto que experimentámos, através de uma percepção complexa, que atravessa os sentidos e convoca o pensamento numa espécie de coro, muito afinado, de onde surge uma melodia exacta. Sempre que essa melodia é escutada, a representação desse conceito surge. Este mecanismo que assenta na vitalidade da memória de longa duração é aquele que sustenta a profundidade e a relevância de uma experiência artística forte na existência de uma criança. Parece claro que o pensamento das crianças, que atravessa naturalmente fases diversas, tem em comum o facto de se expressar de uma forma metafórica, alegórica, por vezes enredada nas entranhas das histórias, das imagens, das formas, com uma plasticidade que mais não é do que uma extraordinária capacidade de articulação. A riqueza dessa forma de expressão, desse recurso, está no ser inesgotável. Esta infância do pensamento, como muitas vezes é designada, não é marFotografia Marcia Lessa “O Bobo”_Jan 07 Aprender a pensar não é senão isso: conquistar o poder de decidir, de dizer, de escolher, de confrontar o outro com um argumento inesperado, de integrar um argumento inesperado no interior de uma ideia. As crianças crescem – e crescer é não conhecer o fim às coisas, a si próprio, ou aos seus limites. mais perto de se tornarem grandes pessoas. E as crianças sabem-no. Aprender a pensar não é senão isso: conquistar o poder de decidir, de dizer, de escolher, de confrontar o outro com um argumento inesperado, de integrar um argumento inesperado no interior de uma ideia. As crianças crescem – e crescer é não conhecer o fim às coisas, a si próprio, ou aos seus limites. Essa é outra das características do pensamento das crianças: ele enquadra-se numa espécie de extensão infinita de actividades e sensações que não se recortam isoladamente do seu horizonte. Uma criança não conhece o significado da palavra “fim”, senão no que isso tem de traumatismo e de arrancamento da existência em que se encontrava instalada. O fim é contrário à experiência mais radical da vida, que é existir a toda a hora num fluxo que não se detém. Como na experiência de brincar, de estar feliz – o fim é contrário à vontade de eternizar a brincadeira. Mas o fim é também contrário ao exercício de pensar. Porque jamais foi registada a capacidade de parar de pensar… E isto, que é tão simples, é filosofia. Não é mais do que isto: crescer a partir da vida para dentro de uma ideia, de uma história. Se a filosofia não for isto, então não sei o que seja. Não pretendo psicologizar, nem reduzir a filosofia à pedagogia ou à psicopedagogia da criança. Não se trata disso. Trata-se de, ao fazer entrar o discurso das crianças na filosofia e ao trazer-lhes o discurso filosófico, levar estas crianças a ser adultos que continuam capazes de pensar, que gostam de pensar e que pela consciência da sua capacidade crítica serão capazes de viver melhor. Ecoa nesta convicção o desejo de dar a cada ser humano a capacidade de se “emancipar”. Só que, ao contrário do Iluminismo que defendia essa ideia, assumo que cada criança tem em si mesma essa capacidade e essa possibilidade enquanto criança e não apenas num futuro que traçará depois de muito bem educada pela escola dos adultos. Se pedisse que procurassem lembrar-se do vosso primeiro pensamento, haveria um coro de sorrisos. Não há tal coisa como “o primeiro pensamento”. Nós somos a pensar. Mas só há matéria para pensar porque a vida nos escapa. Quanto mais nos escapar, ao entendimento, das mãos, ou mesmo debaixo dos pés, mais buscamos um sentido. E as crianças, na sua vida, todos os dias se confrontam com qualquer coisa de novo, com uma descoberta. São pequeníssimas conquistas, pequenas percepções, instantes, não dão lugar a uma sensação de descoberta, mas acrescentam palmos e palmos de horizonte ao olhar destas pessoas pequenas, para quem existir é experimentar a novidade dos dias. E as artes trazem essa novidade no bico – no bico dos lápis, no bico das palavras, nos bicos dos pés… Inês Barahona Fevereiro 2009, Lisboa ca da sua menoridade. Pensar com imagens (e de que outra forma se pensa?), com vivências e com experiências concretas é sempre pensar. Não é um sinal de menoridade, é simplesmente o exercício do pensar. A menoridade está nos olhos de quem não vê que o exercício da metafísica não só é transversal à vida, como é transversal às diferentes fases da vida. Se se reveste de formas diferentes, isso prende-se com a aquisição do domínio de um determinado tipo de linguagem que convencionámos ser a linguagem científica, adulta, madura. O que podemos verificar é que nas crianças existe já um manancial de ideias e não apenas o potencial para isso. E o que é interessante é verificar como o modo como se relacionam com as artes revela uma espécie de meio natural onde o seu pensar se forma. As crianças pensam fazendo, vivendo, construindo. Ter uma ideia muito clara dentro de si, perante si, torna-as mais poderosas, pessoas pequenas 6 | LURA A MONTANTE AS NOSSAS REFERÊNCIAS Comédias do Minho Que sentidos para um projecto cultural comunitário em meio rural? Fotografia Susana Neves O TERRITÓRIO Vale do Minho OS PROJECTOS COMUNITÁRIOS 5 Concelhos 5 Autarquias [Melgaço, Monção, Paredes de Coura, Valença e Vila Nova de Cerveira] Que sentidos para um projecto cultural comunitário em meio rural? Muitos. Quer dizer… pelo menos cinco. O sentido em direcção a Melgaço, o sentido em direcção a Monção, o sentido em direcção a Paredes de Coura, o sentido em direcção a Valença e o sentido em direcção a Vila Nova de Cerveira. Também há o sentido de humor… E nós somos as Comédias do Minho. Mas também temos drama (s), tragédias gregas, cabarets, pânicos, contra-bandos, lendas, sonhos e histórias à beira rio. Entre outros. A ASSOCIAÇÃO CULTURAL COMÉDIAS DO MINHO 3 Eixos de intervenção Companhia de Teatro Projecto Pedagógico Projectos Comunitários 4 Fontes de financiamento Câmaras Municipais (Associados) Caixa de Crédito Agrícola (Associados) DgARTES / MC Mecenato - Ventominho 362 373 62 373 Habitantes 103 Freguesias 800 Km2 Desliguem os telemóveis, o espectáculo vai começar. 25 vezes de cada vez… Tantas? Há assim tantas salas de espectáculo? Depende. Depende da junta de freguesia, depende da associação cultural, depende do salão paroquial, depende do salão de jogos, depende do tempo de seca ou de chuva, e, às vezes, depende do jantar... Mas aguenta-se com tudo, pela senhora que oferece o seu xaile como sinal de apreço pelo espectáculo que viu; pelas senhoras de Castro Laboreiro, vestidas de negro e apoiadas em cajados, que aplaudem e choram até ao final de uma tragédia grega; pelo senhor surdo-mudo que vê um espectáculo de clown e parece perceber mais do que todos os outros; pela senhora que agradece ter perdido a novela naquele dia; pela senhora de Verdoejo que confessou andar deprimida, sem apetite e, após rir-se desalmadamente, já sentir alguma fomeca; e por todas as fartas ceias gentilmente oferecidas, muitas delas confeccionadas pelos próprios. A COMPANHIA DE TEATRO 5 Actores residentes 3 Encenadores por ano 3 Espectáculos por ano 75 Apresentações por ano 25 Locais de apresentação por espectáculo 4100 Espectadores por ano 3 Projectos [Queima de Judas, Inês Negra, Deu la Deu] Aproxima. Aproximar. Arte. Aproximarte. E nós aproximámo-nos… De crianças, jovens, professores, seniores, famílias e outros agentes educativos, em dois intensos anos de (re)acção criativa. E há criatividade que chegue para todos? Quando não há, multiplica-se. Por cinco, claro está. Depois, somase o trabalho em rede com 22 colaboradores locais (animadores, técnicos, educadores), que duplicam a intervenção pedagógica. Também há a criação conjunta com os actores residentes. E discute-se. E discutese… Para tirar a prova dos nove. Falta acrescentar as companhias e os artistas convidados, que se dividem entre espectáculos, acções de formação e outras actividades artísticas para os mais variados públicos. E, mesmo quando temos que subtrair lágrimas aos sorrisos, a conta é sempre certa. Tão certa como a memória do público, depois de cada experiência. Mas não ficamos por aqui. O PROJECTO PEDAGÓGICO APROXIMARTE 3 Apresentações por ano Grupos associativos Comunidade em geral 3550 Espectadores por ano Ó do rancho! Ó do bombo! Ó da banda! Venham todos! Queimar o Judas. Gritar pela Inês Negra no cimo do castelo. Lançar o pão da Deu la Deu. E nós lançámos a semente. Mas não era o pão? Lançámos a semente da participação, do envolvimento, da partilha, da comunhão em projectos que nascem e crescem daquilo que as pessoas têm para dar. E nós damos de volta. Damos muitas horas de ensaio e ansiedade, damos gargalhadas com a senhora do rancho que tem medo de se esquecer da deixa, damos força à tuna de seniores e ao coro para se aproximarem do microfone, damos lume aos escuteiros para iluminarem a vila, damos sinal aos bombos para iniciarem o percurso, damos as boas vindas aos visitantes. 10 Artistas convidados 22 Colaboradores locais 17 Actividades 9243 Espectadores No final de tudo, damos aplausos. Recebemos alguns também… E agradecemos. Por construirmos juntos, todos os dias, este projecto. Associação Cultural Comédias do Minho Fevereiro de 2009, Paredes de Coura LURA | 7 A MONTANTE AS NOSSAS REFERÊNCIAS A experiência de um lugar Os ateliers de Verão 08 em S. Bartolomeu Castro Marim por Eglantina Monteiro A província não é o centro, mas já não é a negação deste. É certo, que há muitos aspectos da vida da província e das cidades que configuram uma bipolaridade. Mas, instalados no século XXI, damo-nos conta de que o jogo de oposições é mais complexo, menos linear e menos hierarquizado do que o evolucionismo social de novecentos vaticinava no tempo da explosão urbana, primeiro no Ocidente e depois um pouco por todo o mundo. de um conhecimento do sistema da arte, incluindo as reflexões e os reflexos da arte no mundo globalizado da internet e das superstruturas museológicas, e um intensivo trabalho de campo e domínio da literatura do lugar em que operam. O sentido do trabalho no terreno em arte não se reduz a identificar e tapar carências, ou a dar voz aos que a não têm, mas sobretudo a colher experiências que são a matéria-prima das expressões artísticas. Mal se distinguem os habitantes da grande cidade e da pequena aldeia, tão pouco os instrumentos que manipulam, as infra-estruturas que os servem ou mesmo a arquitectura. Bibliotecas, Teatros, Museus e Centros de Arte outrora exclusivos dos grandes espaços urbanos, tornam-se irresistivelmente atraentes nas pequenas cidades e vilas da província. Por vezes, prodigiosamente, criam-se programas e modos de funcionamento pensados com e a partir de uma intimidade com o lugar, equacionando as práticas artísticas com as actividades locais vinculadas a um ecossistema, em vez da sua perpétua ocultação e denegação. São programações que se desenvolvem a partir Esta valorização do lugar equivale também a afirmar que a província não é homogénea, e que defini-la por oposição à cidade é tão equívoco quanto significante. Uma das mais expressivas manifestações deste mal entendido é a forma como se instalam os mesmos bairros sociais, as mesmas aldeias turísticas e os mesmos resorts nas hortas e nos pomares antiquíssimos, ou nos serros de cabras e altares pagãos, sem lastro nem marca. Pergunto: quando se assumirá que a paisagem, a agricultura, a pesca, a pastorícia e a alimentação são experiências culturais que encerram uma complexa trama de valores e conhecimentos sem os quais não se pode Direitos Reservados falar de criação humana?! Peter Zumthor na arquitectura e Ferran Adriá na cozinha são os mais brilhantes criadores da contemporaneidade onde melhor se lê o contínuo entre as formas ancestrais da gruta e da degustação – experiências fundadoras da aventura humana, e o O sentido do trabalho no terreno em arte não se reduz a identificar e tapar carências, ou a dar voz aos que a não têm, mas sobretudo a colher experiências que são a matéria-prima das expressões artísticas. experimentalismo tecnológico. Ambos vivem e trabalham em duas pequenas localidades, Halderstein na Suíça e Cala Montjoi, Rosas na Catalunha, e o “resto do mundo”. A demanda de artistas e intelectuais em que a província surge como lugar privilegiado de criação, associada a deambulações mundo afora, é uma prática tão antiga quanto recorrente. Um movimento que associamos ao facto da criatividade ser uma gestação iminentemente interior que exige concentração. Mas, para além de se afastarem das inquietações próprias dos espaços urbanos, há uma coisa absolutamente única na província: os lugares confundem-se com os ciclos da natureza variada, e um incontornável sentimento de transcendência rescende da matéria das coisas. A energia criativa dos artistas associada à disponibilidade das comunidades e do poder local em os acolher gera experiências únicas, desviandose dos destinos mais ou menos desenfadados que o provincianismo, tanto do poder central como de muitos agentes locais, consegue imaginar, entre “deslocalizações” e digressões mais ou menos festivas. A força criativa e a dimensão pedagógica de projectos como os de Maria João Pires e de Rui Horta, das mais mediáticas experiências geradas na e com a província, dão a ler criações e produções ancoradas no conhecimento e vivências dos indivíduos, libertas das leituras atávicas sobre as comunidades locais, que emanam da cultura institucionalizada. A experiência que o ano passado se viveu na Escola Primária da pequena aldeia de S. Bartolomeu em Castro Marim, extremo sudeste do país, foi duplamente um gesto de resistência: ao centralismo do Ministério da Educação que, indiscriminadamente, aplicou a regra de mínimo de 10 alunos por escola, decretando o encerramento do estabelecimento, apesar de estar em curso um projecto de requalificação pedagógica impulsionado pela Associação de Pais [Almoinha - Escola da Gente] e à inércia de uma comunidade que tarda a entender a sua responsabilidade na qualidade da Escola, na gestão dos lixos, da água, da paisagem ou da poluição sonora e visual. Foi no rescaldo do falhado processo que a Almoinha decidiu recuperar os projectos delineados para a experiência pedagógica da Escola que o legislador abortara, e convidou quatro artistas – Hugo Canoilas, Paulo Brighenti, Sara Barriga e Manuel Santos Maia para, durante o mês de Julho de 2008, desenvolverem os seus projectos artísticos com as crianças da aldeia, às quais se juntaram outras da Vila e outras ainda que chegam sempre de mais longe pelo Verão. Tínhamos uma única proposição: os trabalhos teriam que estar ligados àquele lugar, de uma maneira ou de outra manifestariam a relação das crianças com o mundo em volta – a paisagem, a arquitectura, os materiais ou os movimentos das pessoas. Havia ainda uma condicionante, as crianças não estavam organizadas por grupos de idades, eram 12 entre os 4 e os 14 anos. Quando se assumirá que a paisagem, a agricultura, a pesca, a pastorícia e a alimentação são experiências culturais que encerram uma complexa trama de valores e conhecimentos sem os quais não se pode falar de criação humana?! A MONTANTE AS NOSSAS REFERÊNCIAS Hugo Canoilas 7-12 de Julho “Da minha experiência sublinho a relação individual com cada um dos alunos. A minha maior vontade era interagir com as crianças de várias idades sempre com a querença de dar e de receber. O workshop “fez-se fazendo”. Baseei-me na auscultação das capacidades e tendências individuais, com o objectivo de impulsionar, e derrubar preconceitos, devolvendo-lhes materiais e técnicas que despertassem as capacidades inatas de cada um. O primeiro exercício começou com a desarrumação e reorientação da sala, para perceber como é que cada um ocupava o espaço e ao mesmo tempo como é que cada um interagia com o outro. Apresentei-lhes um conceito mais ou menos abstracto com maior ou menor possibilidade de representação ou abstracção, e, com tintas aquosas e Direitos Reservados “Acredito que o ensino artístico ajuda a constituir grão humano, de modo a que o indivíduo consiga criar alguma resistência à construção social que o desliga cada vez mais do mundo, forjando uma mediação.” Paulo Brighenti e Sara Barriga 14 -19 de Julho “Em cada dia de atelier usamos diferentes referentes temáticos, relacionados com obras de artistas, com elementos etnográficos, com a natureza e a vivência do lugar. Usamos materiais, técnicas e suportes diferenciados de acordo com as propostas, adaptadas aos interesses, motivações e aptidões das crianças, com idades entre os 4 e os 12 anos. Os nossos dias começavam e terminavam com uma conversa que ora despertava a imaginação, ora reflectia sobre as novas experiências, ora prolongava os modos do quotidiano. A partir de elementos díspares como um texto de Ana Hatherly, o Castelo de Castro Marim e a Casa de Matisse fizemos o piquenique na relva; a ilha transparente debaixo da figueira, integrando as vivências das crianças nas nossas propostas, que iam tomando o seu rumo ao sabor das histórias. Para nós ficaram memórias muito felizes, fruto da imensa generosidade, criatividade e disponibilidade destas crianças.” papéis de grandes dimensões, desenvolveram um trabalho de grupo. Experimentámos materiais variados que implicam maior ou menor intensidade (barro) ou mediação (recortes de revistas); fizeram-se uns fatos que vestiram os corpos e com os quais interagiram, diante e com uma câmara de vídeo. Do meu ponto de vista, este workshop visou cimentar um projecto que preenche uma lacuna séria no ensino, acima de tudo nos mais novos, e que tem a ver com a autonomia, a imaginação e o exercício da liberdade. Acredito que o ensino artístico ajuda a constituir grão humano, de modo a que o indivíduo consiga criar alguma resistência à construção social que o desliga cada vez mais do mundo, forjando uma mediação. Como artista plástico, este workshop permite-me ter um papel activo na comunidade, no sentido de tentar construir uma melhor comunidade, e que se reflecte no trabalho que tenho vindo a desenvolver. Enriquece-o.” Manuel Santos Maia 21-26 de Julho “Uma aldeia imaginária. Com pigmentos de terra, areia, paus, folhas, cola, gema e cascas de ovo, arames e outros mais díspares materiais, desenhámos, pintámos, esculpimos e arquitectámos novos espaços. Fizemos uma instalação onde tudo o que gostamos de ter e fazer estava em destaque. No final, apresentaram a exposição.” Houve uma inauguração com a gente da aldeia, a primeira de sempre. Eglantina Monteiro Maio de 2009, Fazenda/S. Bartolomeu Fotografia “Avesso” de Marina Nabais 8 | LURA LURA | 9 TRILHOS MARCAS QUE FICARAM E QUEREMOS PARTILHAR O outro lado do avesso Quando programamos corremos riscos, mesmo quando as nossas apostas nos parecem acertadas e evidentes. Em última análise, o que desejamos é ser capazes de produzir um momento significativo, mas só quando se dá o encontro entre o público e o objecto artístico podemos tirar conclusões sobre a pertinência da nossa escolha. “Quando apresento algo fico sempre intrigada com o que move o público a vir ver um espectáculo. Depois fico intrigada com o que ficou, que rasto deixou.” O facto de termos decidido programar o espectáculo “Avesso” ainda antes da sua estreia, trouxe um sabor ainda mais especial à qualidade do encontro destes artistas com o público. Por isso pedimos à Marina Nabais, a coreógrafa de “Avesso”, que partilhasse com os nossos leitores um bocadinho da experiência que foi O jardim de letras As dificuldades do uso dos materiais e a assumpção da possibilidade do erro e do seu valor tornaram-se limitações estimulantes, à altura da capacidade de indagação e da vontade de prazer das crianças. No ensino da nossa língua, como de outras, a poesia é habitualmente o parente pobre da criação literária estudada e os currículos acabam por limitar as suas opções a um leque bastante restrito de autores e de formas. Numa curta oficina (90 minutos), fizemos, no âmbito da exposição de Gabriela Albergaria que esteve patente no CCVF no final de 2008, a constatação de que a poesia pode ser uma área chave para o desenvolvimento de uma relação de prazer com a escrita e com a literatura, através de uma proposta no âmbito da poesia visual. Foi dado às crianças, entre os 6 e os 12 anos, como ponto de partida, um poema de Ernesto Melo e Castro que, sendo um poema didáctico (escrito para uma conferência universitária), se encontrava longe de qualquer horizonte de estudo no ensino básico. O poema apresentava uma definição possível de poesia visual e a oficina consistia na criação de um auto-retrato, utilizando marcadores de tinta permanente e recortes de jornais, com algumas regras bem definidas (máximo duas cores, uma das quais preto, e não utilização de fotografias do jornal, apenas parcelas de palavras ou de imagens). realizar o atelier em que o público explorou consigo a teoria das cinco peles de Hundertwasser. “Quando apresento algo fico sempre intrigada com o que move o público a vir ver um espectáculo. Depois fico intrigada com o que ficou, que rasto deixou.” Em “Avesso”, tive a necessidade de me propor a estar com o público para além do espaço performativo. Continuar a proposta do universo das 5 peles, num contacto directo com as suas 1as peles. Daqui surgiu a proposta de um atelier após o espectáculo e da realização de conversas para ter pistas sobre o que é este universo criado, o que é o universo de cada um que nele habita, em que resulta esta partilha de universos... No CCVF tive a oportunidade de orientar o atelier após o espectáculo de dia 7 de Março, que consistiu numa pequena viagem pelo processo de trabalho. Os participantes transformaram-se nos bailarinos e viajaram um pouco pela sua pele, vestuário, casa, ambiente e planeta. As palavras que ficaram: descoberta, criatividade, música, dança, espaço, pele, encontro, fragilidade... As questões que se levantaram: • Como se estimula a criatividade? • Que sentido terá este espectáculo para crianças? E para jovens? E para adultos? • Como se pode ver um espectáculo, sem tentar perceber racionalmente, mas antes deixá-lo entrar pelos poros da nossa pele? • Como se traz esta experiência para o quotidiano? Esta experiência foi muito rica, no sentido em que sinto que o processo continua a ser perpetuado noutras pessoas, levantando questões e abrindo espaço a um debate em que os próprios participantes se questionam e encontram respostas.” Marina Nabais Bailarina e Coreógrafa que os professores não suspeitavam existir em grande parte dos alunos participantes. O silêncio próprio do tempo da escrita deu lugar a trabalhos marcadamente diferentes no espaço branco da folha de papel, em que cada um expôs o seu jardim secreto, ou o seu Jardim de Letras, como lhe chamámos. As dificuldades do uso de materiais que não permitiam apagar mas apenas adicionar camadas, que revelavam o processo de decisão, e a assumpção da possibilidade do erro e do seu valor, tornaram-se limitações estimulantes, à altura da capacidade de indagação e da vontade de prazer das crianças. Oficina de Escrita_Poema da oficina o Jardim de letras Por isso, e reiterando a nossa crença de que é importante manter alta a fasquia da nossa oferta para este público, confiando na sua capacidade de perscrutar o desconhecido, que é afinal a condição mais evidente das suas vidas ainda curtas, apresentamos neste número do LURA vários desses auto-retratos ilustrando o jornal. A nossa pequena homenagem aos jardins que connosco partilharam num momento único e marcante. Sobretudo para os adolescentes, mas também para os mais pequenos, a tarefa revelou-se um enorme prazer. Revelação sobretudo de uma capacidade criativa e de decisão Oficina de Escrita_Poema da oficina o Jardim de letras 10 | LURA NA LURA ESPAÇO DE TODOS PARA TODOS Oficina de Escrita_Poema da oficina o Jardim de letras A revolta dos artistas Era uma névoa de angústia em dias de rebelião Como uma mancha de lágrimas numa tela vazia… Era Uma delicada jornada perto da insurreição Calaram um violino em teias de ódio e carácter sumptuoso Escanhoaram a cauda ao piano escondido numa alcova vazia… Ceifaram as correntes da harpa emudeceram o toque portentoso Por um homem não ser de ferro e a arte lhe cair bem Era cruel ser apontado como um bichano de ladeira… Era hórrido o pensamento de não pertencer a ninguém Viam-se tinteiros espalhados, uns secos outros derramados Só o vento virava as páginas do livro que ninguém escrevia… Zoava este pelo rasgão arrastando o medo de senhores desarmados Silêncio… era tudo o que se ouvia de uma enorme revolução Uma guitarra encostada como que extenuada de uma batalha… Opressão… era a ordem que reinava e se continha numa explosão Caiu o pano de rompante no palanque da ambição Permaneceram na vão gelado as máscaras de ousadia… Sussurravam as reclusas cadeiras o porquê de tanta solidão De mãos atadas surpreendia o manifesto quase que selvagem Corpos semi-despidos, trajes estéreis, rodeavam a fonte maga … Enquanto o tempo caminhava a esperança era uma miragem César Freitas Diz que é uma espécie de teatro No dia 26 de Março de 2009, os alunos do 9°C da Escola do Ensino Básico 2° e 3° ciclos de Briteiros apresentaram ao público “Diz que é uma espécie de teatro”. Este trabalho contou com a colaboração de vários professores do conselho de turma, Isabel Fonseca, João Vieira, Fátima Ribeiro, Carla Torres, Andreia Santos, Guilherme Loureiro e Conceição Gonçalves, bem como da PUERPOLIS, sobretudo através da encenadora Sónia Sousa e do Conselho Executivo da Escola de Briteiros. Partindo do autor Gil Vicente, da sua obra em que o riso é uma forma de crítica social, estes alunos foram desafiados a (re)escrever a obra “Auto da Barca do Inferno”, mas adaptada ao século XXI. A crítica social com humor foi rapidamente associada pelos alunos ao programa televisivo dos Gato Fedorento, daí o título da peça “Diz que é uma espécie de teatro”. De seguida, foi a luta com a folha em branco. Parece fácil “mandar piadas”, mas quando temos uma folha em branco para escrever uma peça de teatro as dificuldades são muitas… bem como o barulho… Finalmente, o texto foi escrito, chegou a hora da distribuição de papéis, das personagens. Pela segunda vez houve tempestade na sala de aula. Nem todos queriam entrar em palco, foi mais uma luta contra a maré. As águas serenaram, mas as ondas dos (pré)conceitos começaram a impedir que alguns alunos entrassem em cena. Tivemos de abordar, de uma forma séria, temas como a homossexualidade, prostituição, respeito pelo outro e liberdade. Começaram a compreender como o trabalho em palco dependia da colaboração de todos, nas dificuldades em vestir a personagem, dificuldades na caracterização, dificuldades em dar vida a um texto… A tarefa de decorar o texto, preparar cenários, adereços, efectuar contactos com entidades, como a GNR para ajudar na logística do evento, fazer divulgação, elaborar cartazes e panfletos, não foi fácil, mas o trabalho distribuído por todos lá foi aparecendo feito. No ensaio geral nada dava certo. Os enganos eram muitos, o nervosismo dominava, tudo parecia fugir de controlo, as barcas rumavam à deriva… Sabíamos que no dia seguinte o público seria exigente, os colegas do Agrupamento assistiriam no turno da manhã e a comunidade educativa à noite. Na manhã da estreia, os actores estavam nervosos, a maquilhagem, a roupa, os rebuçados e aquela sala cheia de gente davam confiança e assustavam… Finalmente entraram em palco, ao público arrancaram as primeiras gargalhadas, a confiança começou a aumentar, bem como a calor humano. No fim, as palmas foram muitas, o público deu pessoalmente os parabéns aos actores e aos professores. Houve crescimento destes alunos, enquanto pessoas, enquanto seres humanos… Foi um trabalho que nos deu algumas dores de cabeça, mas que faz bem à alma. É na grandeza de momentos como este que o ser humano revela a sua natureza. Viva o teatro! Maria da Conceição Gonçalves Professora da EB23 Briteiros LURA | 11 Aceitam-se Colaborações, Sugestões, Ideias e Outras Coisas… para publicação neste Jornal [email protected] LABORATÓRIO PARA METER AS MÃOS NA MASSA SECÇÃO DO LURA FAZEMOS SUGESTÕES * NESTA PARA OS PAIS E PROFESSORES DESENVOLVEREM COM AS CRIANÇAS E JOVENS: DISCUSSÕES, PROPOSTAS DE ACTIVIDADES, MATERIAIS RELACIONADOS COM OS ESPECTÁCULOS, COMO LIVROS OU FILMES, POSSIBILIDADES DE CONTACTO COM OS CURRÍCULOS ESCOLARES. ESPERAMOS QUE SEJA ÚTIL. LABORATÓRIO DAS PERSONAGENS DE ÁGUA 1 METAMORFOSES DA ÁGUA 2 UM MUNDO SEM ÁGUA LABORATÓRIO DE FÉRIAS 1 MAPAS DE MEMÓRIA A partir dos 5 anos A partir dos 8 anos A partir dos 10 anos A partir da ideia simples de que somos feitos de água, podemos construir com uma turma, mesmo de crianças pequenas, uma coreografia sobre os estados da água. Num aquecimento simples, cada um explora a passagem das estações do ano pelo seu corpo feito de água. Depois de ter criado uma pequena sequência de movimento, poderá mostrá-la à turma, dividindo-se para isso o grupo em duas colunas que se observarão à vez. Segue-se uma selecção em conjunto dos movimentos que melhor representam cada estado; é importante não esquecer de lhes atribuir qualidades (níveis, intensidade, velocidade, peso). Decidida a sequência global, todos aprenderão e repetirão a coreografia da turma sobre as metamorfoses da água. Como seria um mundo sem água? Este pode ser o ponto de partida para a criação de uma história: o que mudaria no nosso quotidiano, no nosso corpo, na paisagem? Cada criança criará a sua história e, depois de todos a lerem para a turma, poderá passar-se a um trabalho mais factual, tentando perceber o que acontece na realidade, se estas ficções serão assim tão longínquas do presente e o que poderemos fazer para inverter o desaparecimento da água na Terra. O último passo poderá ser a escrita de uma segunda história, de ficção científica, sobre uma missão especial para trazer de volta a água ao planeta Terra. Este ano, tente registar com os seus filhos o mapa das férias. Podem fazer um mapa que cresce a cada dia, conforme vão conhecendo melhor o lugar onde estão (e mesmo um lugar conhecido pode ter as suas surpresas); podem fazer um mapa de memória, à chegada das férias, e tentar registar os lugares de que gostaram mais. Este é também um exercício muito interessante para se fazer no início do ano lectivo, em vez da habitual redacção sobre as férias; as crianças ficarão despertas para outras dimensões da sua vivência e estarão a trabalhar a memória através de um meio não verbal. Experimente ainda, sempre através da expressão gráfica, ir juntando informações que qualifiquem esses mapas: de acordo com os sabores, os cheiros, as pessoas que encontraram, para além da fixação das memórias de tempo e de espaço. Fotografia “Avesso” de Marina Nabais MAPA DE BOLSO A nossa agenda do trimestre ESPECTÁCULOS OFICINAS PARA CRIANÇAS Julho Julho Dança 20 a 24 de Julho | 10h00 e 15h30 29 de Junho a 24 de Julho 09h00-18h00 Personagens de Água * Aldara Bizarro Público-alvo Dos 6 aos 11 anos Setembro Teatro para bebés 27 de Setembro | 10h30, 12h00 e 15h00 Eh! Esperem! ** Gar Teatro Público-alvo De 1 a 3 anos Programa à Descoberta + Público-alvo Dos 6 aos 10 anos 29 de Junho a 3 de Julho À Descoberta das ideias 6 a 10 de Julho À Descoberta das estrelas 13 a 17 de Julho À Descoberta de um lugar para morar 20 a 24 de Julho À Descoberta de novos mundos 27 a 31 de Julho | 14h30 Visita-jogo * XX Feira de Artesanato de Guimarães Público-alvo Dos 6 aos 12 anos OFICINAS PARA JOVENS 13 a 17 de Julho | 15h00-18h00 + Oficina de DJ Rui Silva aka DJ Tilinhos OFICINAS PARA ADULTOS 8 e 9 de Setembro Oficina de Dramaturgia + Graeme Pulleyn Público-alvo Profissionais do ensino 10 e 11 de Setembro Oficina de Cenografia + Fernando Ribeiro Público-alvo Profissionais do ensino Público-alvo Maiores de 11 anos 20 a 24 de Julho | 10h00-18h00 Oficina de Cinema de Animação + Paulo d’Alva Público-alvo Maiores de 11 anos Preços * Gratuita ** 2€ + consultar condições específicas em www.ccvf.pt Informações e reservas Tel 253424700 Fax 253424710 [email protected] Centro Cultural Vila Flor Av.D. Afonso Henriques, 701 4810 431 Guimarães Tel_Fax 253 424 700 | 10 [email protected] www.ccvf.pt
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