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II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Realização: Núcleo de Pesquisa Marxista (NPM / UEG) Grupo de Pesquisa Dialética e Sociedade (GPDS/ UFG) Núcleo de Pesquisa e Ação Cultural (NUPAC) ISSN: Diagramação: Mateus Vieira Orio Capa: Adriana Mendonça Todos os textos são de exclusiva responsabilidade dos autores. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 2 Luta de Classes e Contemporaneidade Comissão Organizadora: Adriano José Faria Borges Cleito Pereira dos Santos Diego Marques Pereira dos Anjos Edmilson Ferreira Marques Erisvaldo Souza Hugo Leonardo Cassimiro Jaciara Reis Veiga João Gabriel da Fonseca Mateus José Santana da Silva Lisandro Braga Lucas Maia Marcos Augusto Marques Ataídes Marcus Vinícius Costa da Conceição Mateus Vieira Orio Nerivaldo Pimenta Nildo Viana Veralucia Pinheiro 3 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Sumário Apresentação...................................................................................................................................................7 Programação ...................................................................................................................................................8 Simpósio Temático 1: A educação, a luta de classes e a violência na sociedade contemporânea ........................................................................................................................................... 10 Pedagogia Libertadora: o discurso ideológico de Paulo Freire – Eliane Maria de Jesus ................. 11 Reformismo ou revolução? Leninismo na ciência brasileira, na perspectiva da educação – Marcello Cavalcanti Barra .............................................................................................................................................. 21 A condiç~o “des-humana” da mulher na sociedade de classes – Gerusa de A. Ribeiro Oliveira .... 39 Identidade política e luta de classes no âmbito da educação – Kamylla Pereira Borges.................. 45 Educação superior no Brasil uma retrospectiva – Francielly Cristina Moreira de Oliveira............. 55 Reestruturação produtiva e trabalho docente – Renato Gomes Vieira .................................................. 62 As pesquisas sobre o infanticídio no Brasil e a questão da categoria de análise classe social – Veralúcia Pinheiro ...................................................................................................................................................... 63 Políticas e reformas da educação no Brasil – Rafael Moreira do Carmo .................................................. 70 Educação contra a barbárie: Reflexões acerca de Adorno sobre a autonomia no ensino na Sociedade Contemporânea – Alberto Alves Silva ............................................................................................ 78 Trajetória individual: Movimento estudantil e capital cultural – Maria Angélica Peixoto............. 79 Simpósio Temático 2: Emancipação humana e as articulações entre as lutas sociais ....... 90 A territorialização dos indivíduos no local de trabalho: um estudo de caso da empresa casas bahia s/a – Natália C. dos Santos Pessoni e Vinicius de Souza Ribeiro ....................................................... 91 Lutas sociais e políticas públicas de saúde – Roseli M. Tristão Maciel .................................................101 Cidadania ou emancipação social? – José Santana da Silva ......................................................................107 As consequências do Estado de bem-estar social para o movimento dos trabalhadores na luta pela emancipação humana: elementos para o debate – Fernando Araújo Bizerra ................108 Crise de acumulação e movimentos sociais: insurreições a partir da década de 1960 e crise do regime de acumulação intensivo-extensivo – Mateus Vieira Orio ...................................................119 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 4 Luta de Classes e Contemporaneidade Trabalhadoras domésticas: desrespeito social e luta por reconhecimento – Élen Cristiane Schneider......................................................................................................................................................................127 Impactos das populações tradicionais sobre a expansão territorial do capital: resistências e lutas sociais na Amazônia – Naurinete Fernandes Inácio Reis e Genivaldo Fernandes Inácio ..... 136 Simpósio Temático 3: Marxismo e cultura ......................................................................................145 A essência contrarrevolucionária do pós-estruturalismo – Nildo Viana.............................................. 146 Cultura e combatividade nos artigos de Leandro Konder no Jornal do Brasil (2002-2009)– João Paulo de Oliveira Moreira .................................................................................................................................. 156 Lukács e o Expressionismo: apontamentos sobre alguns problemas de estética marxista – Alberto Luis Cordeiro de Farias ................................................................................................................................. 164 Cinema e Lutas Culturais: As críticas sociais nas mensagens fílmicas do documentário contemporâneo Da servidão moderna – Jean Isídio dos Santos ................................................................ 170 Rádio e Cultura – Edmílson Marques.................................................................................................................171 Utopia, imanência e teleologia no pensamento marxista. – Álvaro Ribeiro Regiani ....................... 172 Revitalização autônoma? O significado da arte em grafite nas paisagens do bairro do Recife em Recife – PE – Thiago Santa Rosa de Moura ..............................................................................................181 Simpósio Temático 4: Anarquismo: prática e teoria ....................................................................191 O Coletivismo na Primeira Associação Internacional dos Trabalhadores: Para Que Serve o Estado? – Erisvaldo Souza ........................................................................................................................................... 192 Élisée Reclus e o conceito de “evoluç~o”: margens para uma (re) interpretaç~o – João Gabriel da Fonseca Mateus .......................................................................................................................................... 203 A importância da organização: Errico Malatesta e seu programa revolucionário – Deivid Carneiro Ribeiro ........................................................................................................................................................212 Abordagens do anarquismo: mediando a realidade no século XXI – Bruno Augusto de Souza . 213 Marx Anarquista? – reflexões sobre as possibilidades de um Marxismo Libertário - Mariana Affonso Penna .............................................................................................................................................................222 Considerações do princípio anarquista de Kropotkin, até os dias de hoje - Aroldo Pedreira Barbosa da Silva ............................................................................................................................................................... 223 Lumpemproletarização e Luta de Classes na Argentina – Lisandro Braga ......................................... 229 A teoria do valor-trabalho e a constituição do valor: as classes sociais na teoria de Marx – Lucas Maia...................................................................................................................................................................246 5 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário O Estado na perspectiva de Kropotkim – Marcos Augusto Marques Ataides ...................................... 254 Simpósio Temático 5: As classes sociais na modernidade tardia: abordagens empíricas e proposições teóricas........................................................................................................255 O surgimento das classes sociais e as consequências maléficas na sociedade capitalista – Ednahn Veríssimo Andrade Silva .............................................................................................................................. 256 O fio de Ariadne: Cultura e classes sociais no labirinto da pós-modernidade – Glauber Lopes Xavier ............................................................................................................................................................................262 Minaçu-GO: uma cidade para o capital no olho do furacão – Fábio de Macedo Tristão Barbosa................................................................................................................................................................................. 272 Perspectivas anarquistas na abordagem da natureza no século XXI – Rubens Elias Santana Morais.................................................................................................................................................................................... 282 Simpósio Temático 6: Marxismos e cristianismos da libertação na América Latina ........288 O conceito “opç~o preferencial pelos pobres” nas teologias de libertaç~o da América Latina – Helio Aparecido Teixeira ........................................................................................................................................... 289 A juventude da Teologia da Libertação – Flávio Munhoz Sofiati .............................................................. 300 A Teologia da Libertação e sua teoria marxista na insurgência armada colombiana – Mauricio José Avilez Alvarez ......................................................................................................................................................... 322 Masculinidade e corporeidade a partir de uma perspectiva teológica – Ezequiel de Souza ....... 333 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 6 Luta de Classes e Contemporaneidade Apresentação Em sua segunda edição, o Simpósio Nacional Marxismo Libertário discutirá a temática das lutas de classe e contemporaneidade. Trata-se de um esforço teórico e metodológico daqueles que se posicionam no campo do marxismo original, em contraposição ao leninismo e seus derivados – stalinismo, trotskismo, maoísmo, etc. - resgatando autores tais como Pannekoek, Korsch, Ruhle, Mattick, Gorter, dentre tantos outros, que colaboraram e permanecem atuais ao debate acerca do capitalismo, da exploração, das lutas operárias, dos conselhos operários, da luta pela emancipação, da autogestão social etc. Ao contrário de determinadas ideologias que apontam para o fim da história e o desaparecimento das lutas de classes, verifica-se nas últimas décadas o ressurgimento do marxismo libertário como teoria capaz de contribuir para a compreensão das mudanças recentes do capitalismo e das lutas de classes no seu interior. Nesse sentido, o II Simpósio Nacional Marxismo Libertário se apresenta como um espaço de debates, crítica, alternativas ao estabelecido. Os temas recorrentes na contemporaneidade, o capitalismo e suas contradições, as lutas de classes e suas ambigüidades; esperamos que os diversos temas que perpassam a realidade social das sociedades atuais sejam discutidos nos seminários temáticos, nos minicursos e debates. 7 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Programação Dia 09: 08:00 - 11:00: Conferência de abertura: Acumulação Integral e Luta de Classes Nildo Viana/UFG. 14:00 - 18:00: Seminários Temáticos. Dia 10: 08:00 - 11:00: Mesa Redonda: Limites e Pontencialidades das Lutas Sociais Contemporâneas: José Santana/UEG José Carlos Mendonça/UFSC Alexandre Samis/Colégio Pedro II – RJ 14:00-18:00: Minicursos. Dia 11: 08:00-11:00: Conferência de encerramento: A Luta de Classes na Argentina Contemporânea Adrián Lopez/Universidade de Salta/Argentina 14:00 - 16:00: A perspectiva do evento: Tendências Libertárias: Breves Exposições. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 8 Luta de Classes e Contemporaneidade 16:00 - 18:00: Debate aberto: Relatos e experiências da luta de classes. 18:00: Confraternização. 9 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário SIMPÓSIO TEMÁTICO 1 A EDUCAÇÃO, A LUTA DE CLASSES E A VIOLÊNCIA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA Coordenadoras: Veralúcia Pinheiro Doutora em Educação/Unicamp e professora na UEG. Dulce Portilho Doutora em História/UFF e professora na UEG. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 10 Luta de Classes e Contemporaneidade Pedagogia Libertadora: o discurso ideológico de Paulo Freire Eliane Maria de Jesus1 Resumo: A presente proposta tem como objetivo apresentar a proposta pedagógica de Paulo Freire visto e chamado por muitos de “o educador popular”, mostrando que este possui em suas obras um discurso emancipatório, onde enquanto participante do movimento de educação popular, este defendia a alfabetização das massas, por acreditar que por meio do processo de alfabetização estes poderiam se libertar. De forma que Freire cria a ideia de que depois de alfabetizados poderia ser garantido o acesso de todos à educação, onde os indivíduos teriam a oportunidade de se tornarem cidadãos participativos o que para Freire era um passo fundamental para a transformação social. Este estudo pretende mostrar que na verdade a proposta pedagógica de Freire apenas possibilitava aos indivíduos uma adequação a realidade existente, integrando-os simplesmente a presente sociedade. Palavras-chave: Pedagogia libertadora, alfabetização e transformação social. Não se tem aqui a pretensão de neutralidade quanto a esta análise, uma vez que, a própria ideia de neutralidade é em si uma ideologia2, já que sua execução é impossível, pois quem analisa o faz sob determinado olhar, e neste trabalho não seria diferente. Partimos de uma perspectiva, ou seja, de uma escolha metodológica, portanto, a análise da proposta pedagógica de Paulo Freire será realizada à luz desta perspectiva. Utilizou-se aqui o método Materialismo Histórico-dialético. Enquanto teoria este busca analisar os fatos partindo de um ponto de vista, que é o que utilizamos aqui, ou seja, o ponto de vista do proletariado, que é a classe que possui o interesse de revelar a exploração e efetivar a transformação social. Entendendo que existe uma classe que tem como interesse ocultar a exploração, ou seja, a classe burguesa, enquanto a classe que é vitima dessa opressão tem o interesse de revelá-la, que é o proletariado, a classe revolucionária. Este ponto de vista, é que permite flexibilidade no desenvolvimento deste trabalho, submetendo o objeto a ser pesquisado, a uma análise que busca revelar aquilo que não está em evidência. Sem aceitar as informações por elas mesmas, mas questionando sempre aquilo que é dado como verdadeiro, tornando possível então explicar o existente, ou seja, busca compreender a realidade. 1Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual de Goiás (UEG-Uruaçu). A ideologia pode ser definida resumidamente como falsa consciência sistemática. Ela é falsa consciência por estar ligada aos interesses da classe dominante, que não pode revelar a verdade, deve ocultá-la. A classe dominante não pode revelar seus interesses, a exploração, a dominação [...] (VIANA, 2010, p. 23). 2 11 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário A divulgaç~o do “Método Paulo Freire” de alfabetizaç~o, seu sucesso e apoio recebido do governo populista3 da época, não pode ser visto como um fato qualquer. Toda ação pressupõe certa intencionalidade. Existe aquela intenção declarada, e existem aquelas que somente com uma análise aprofundada, podem ser percebida, o que poderá dizer quais das intenções prevalece. Certo é que, o simples fato de ter intenções não reveladas, já nos remete à possibilidade de algo ser ocultado, ou distorcido, por ter em si, valores que não devem aparecer, exceto, para aqueles a quem essas concepções interessam, e que apóiam a disseminação de certas ideias, cabendo então aqueles que de fato, possuem interesse na verdade, revelá-la. Desde o início de sua aparição no campo da educação, Freire mostrou-se preocupado com a situação das massas, tendo em seu método de alfabetização de adultos a solução para que essas massas excluídas participem das decisões da sociedade. Assim, o educador pernambucano entendia o processo de alfabetizar como necessário para inserir o povo em uma realidade, que já o havia antes excluído. “[...] era urgente uma educaç~o que fosse capaz de contribuir para aquela inserção a que tanto temos nos referido. Inserção que, apanhando o povo da emers~o que fizera com a “rachadura da sociedade”, fosse capaz de promovêlo da transitividade ingênua a crítica. Somente assim evitaríamos a sua massificaç~o” (FREIRE, 2007, p. 115, grifo nosso). Observa-se que sua proposta era de inserir o povo na sociedade, que ele entendia como sendo um instrumento necessário para passá-lo de uma situação de ingenuidade para uma posição crítica. É interessante observar, que quando se fala em inserção, se refere, a inserir algo que estava fora, a um determinado contexto ou lugar. Uma vez que Freire fala de inserir esses grupos na sociedade, ele está justamente dizendo sobre a importância de inserir estes na sociedade capitalista, que é a sociedade existente, adequando os sujeitos às condições da mesma. O fundamental nessa sociedade é o modo de produção, por isso o que se espera, é que os indivíduos nela inseridos, produzam, para que os capitalistas apropriem dessa produção que acaba por enriquecer os capitalistas, levando a população a níveis cada vez mais intensos O governo da época era um governo populista, o que também caracterizava esse período era o surgimento dos movimentos de educaç~o popular. Segundo Freire “[...] antes do golpe de 64 havia uma presença popular que inclusive explicava e justificava os governos populistas que tivemos” (FREIRE, 1998, p. 63). 3 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 12 Luta de Classes e Contemporaneidade de exploração. O que ocorre é que no processo de produção e consumo, existem aqueles que ficam fora deste círculo. Nesse sentido, uma das necessidades premente do capitalismo é que estes devem, portanto, serem inseridos nessa dinâmica, ou seja, ser encaixados dentro da sociedade capitalista, onde cada qual ocupa um lugar específico, de acordo com as posições que possuem que é, uma posição de classe. Freire trata da questão das classes sociais4, apontando a classe oprimida e classe opressora, contudo, não expressa o fato de que essas classes vivem em conflito, contrário a isso sugere alianças entre esses dois grupos, como se fosse possível aquele que é oprimido se aliar aquele que o oprime. Ao fazê-lo oculta a verdadeira intenção dos opressores, e o papel dos dominados na luta, delegando esse papel a liderança revolucionária. Portanto, quando se argumenta a necessidade de inserção, nessa sociedade, o que de fato ocorre, mas, que o discurso não diz, é a necessidade de buscar adequar esses sujeitos as às condições de exploração dessa sociedade, ou seja, inserir aqueles que estão fora das relações de produção. Trata-se justamente, da dinâmica de funcionamento do modo de produção capitalista, onde existe uma minoria que domina, e uma grande maioria que é por ela dominada. Para Freire (1997) uma das tarefas fundamentais da educação popular que fosse também progressista, era de inserir os grupos populares no movimento de superação do senso comum. Cabe aqui um questionamento: se o objetivo da educação era inserção, onde estaria a transformação social tão defendida por Freire. Pensar inserir as classes excluídas não resolveria os problemas dessa classe, já que conscientizar o povo da realidade em que se encontravam, apesar de um passo importante, não era suficiente se estes permanecessem em uma situação de miséria. É interessante observar que a educação popular refere-se a uma educação para o povo, voltada diretamente para os grupos excluídos da sociedade, mas, apesar de ser uma educação dirigida ao povo, não muda o fato de que independente da denominação, a educação nesta sociedade dá-se de maneira desigual. A questão é que os educadores, sendo os que educam, foram, eles mesmos, formados com a inculcação de determinados valores desta sociedade e reproduzirão estes mesmos valores na prática educativa. Refere-se aqui as classes fundamentais do capitalismo: burguesia e proletariado. Para uma leitura mais detalhada de classes sociais, ler “As classes sociais em O Capital” de Lucas Maia. 4 13 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Os valores dominantes são aqueles valores que correspondem aos interesses da classe dominante e, portanto, servem para regularizar as relações sociais. Eles “transformam em virtude” aquilo que é, para a reproduç~o de uma determinada sociedade de classes, uma necessidade. Sendo assim, estes valores são particularistas, históricos, transitórios, inautênticos. Eles são históricos e transitórios porque tão logo ocorra uma transformação social são substituídos por outros valores (sejam eles dominantes – ou seja, fundamentados em uma nova forma de dominação de classe – ou não). Eles são particulares devido ao fato de que representam os interesses particulares da classe dominante (VIANA, 2007, p. 34). O autor coloca que os valores dominantes, são os valores das classes dominantes. Assim, uma vez que os educadores também foram educados nesta e para esta sociedade, em sua maioria, buscarão reproduzir estes valores. Assim, no processo educativo das classes oprimidas, tendem a inculcar neles estes valores, logo, constrangendo-os a aceitar esta sociedade e não pensar na transformação social. Sobre isso Rossi afirma que é papel da escola no capitalismo: [...] fornecer a todos os indivíduos informações suficiente para orientarem seu comportamento na sociedade [...] aos jovens das classes “subalternas”, caberlhe-á para ter garantido sucesso (escolar inicialmente, e social depois) repetir, receber e preservar a cultura e os valores da sociedade, dos quais, depois de “culto”, se tornar|, a partir do lugar que lhe couber na ordem social, um dos depositários (ROSSI, 1980, p. 26-27). Como colocado por Rossi na citação acima, as escolas vêm para conduzir os indivíduos, inserindo-os na sociedade. Com o discurso de formar indivíduos críticos, o que ela faz na verdade é inculcar nos educandos, a cultura, a ideologia, enfim, os valores dominantes5, sendo este processo, exatamente o que determinará o lugar destes nesta sociedade, lugar este, ao qual eles são conduzidos através da educação. Dentro do capitalismo, abaixo do discurso de educação para todos, para conscientização, ou libertação, repousa a verdadeira intenção da escola, que com seu caráter de seletividade, acaba por determinar o lugar que cada indivíduo deve ocupar dentro da sociedade. Submetendo-os ao seu julgamento, os conduz, cada qual ao seu lugar: A escola pretende fragmentar a aprendizagem em matérias, construir dentro do aluno um currículo feito desses blocos pré-fabricados e avaliar o resultado em âmbito internacional. As pessoas que se submetem ao padrão dos outros para medir seu crescimento pessoal próprio, cedo aplicarão a mesma pauta a Para uma leitura mais detalhada sobre os valores nesta sociedade, ler o livro “Os valores na sociedade moderna” de autoria de Nildo Viana. 5 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 14 Luta de Classes e Contemporaneidade si próprios. Não mais precisarão ser colocados em seu lugar, elas mesmas se colocarão nos cantinhos indicados; tanto se espremerão até caberem no nicho que lhes foi ensinado a procurar e, neste mesmo processo, colocarão seus companheiros também em seus lugares, até que tudo e todos estejam acomodados (ILLICH, 1973, p. 77). O papel da educação enquanto reprodutora do ideal burguês é tão forte que acaba por convencer aqueles que a ela tem acesso, de que este é o melhor, senão o mais eficaz modelo de educação, o que reflete a ideologia que esta reproduz. E enquanto aparecem intelectuais, com o discurso de que a educação forma para a conscientização, bem como para a transformação social, o que percebemos é que na verdade as escolas: [...] instrumentam a dominação e exploração da classe trabalhadora pela classe dominante, contribuindo, quer a um nível concreto, quer a um nível ideológico, para a manutenção, expansão e reprodução das relações sociais de produção capitalista (ROSSI, 1980, p. 24). Entende-se aqui que a educação na sociedade capitalista, serve à reprodução constante de valores, cultura, modo de ser, dessa sociedade. O que contrapõe com os objetivos que os profissionais da educação declaram almejar através da escola, bem como, com as ideologias de alguns ideólogos sobre ela quanto a um espaço de transformação social, discurso que perpetua, o “falso princípio da educaç~o” no capitalismo, no qual o discurso é um e na pr|tica as coisas são totalmente diferentes. Insiste-se no discurso de que a escola é o espaço mais importante para a obtenção de conhecimentos, sobre isso Illich afirma que: A maior parte dos nossos conhecimentos adquirimo-los fora da escola. Os alunos realizam a maior parte de sua aprendizagem sem os, ou muitas vezes, apesar dos professores. Mais trágico ainda é o fato de que a maioria das pessoas recebe o ensino da escola, sem nunca ir à escola (ILLICH, 1973, p. 62). A própria ideia de senso comum, presente na citação de Freire, expressa o seu interesse enquanto ideólogo, em desprezar o pensamento daqueles que não estão inseridos nas relações de produção para o processo de transformação social. O senso comum pressupõe aquelas pessoas, cujo pensamento, destoa ou não compartilha dos saberes existentes na academia ou na escola. E nesse sentido, evitarão falar de classes sociais, transformação social, exploração, opressão etc. Observa-se que os momentos em que Paulo Freire faz esta discussão, o faz a partir da ideologia do partido, no sentido que a classe explorada, pelo fato de não possuírem uma consciência revolucionária, é preciso alguém, um partido, para lhe inculcar esta consciência. 15 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Dessa forma, a oposição entre ciência e senso comum serve, em primeiro lugar [...] para legitimar o saber científico, dotá-lo de status de superioridade sobre o saber popular. O saber verdadeiro é produzido pelas camadas intelectuais em nossa sociedade. Ao legitimar o saber científico, deslegitima-se o saber popular (VIANA, 2008, p. 18, grifo do autor). Por isso o discurso ideológico que prevê a inserção do povo na sociedade capitalista, declara que buscava aí uma superação do senso comum. Este ponto de vista nada mais está querendo expressar do que a ideia que o saber popular não tem valor nenhum para a sociedade burguesa, e deve aderir ao verdadeiro saber, ou seja, o saber burguês, sendo o conhecimento popular, portanto, desqualificado, e em substituição propõe o conhecimento repassado pela escola. No capitalismo o saber que deve prevalecer é aquele adotado pela classe dominante, cujo objetivo é conformar a classe dominada à condição de dominação que lhe é determinada. Nesta perspectiva, o inserir o povo, apontado por Freire como sendo fundamental, demonstrava sua íntima ligação com a sociedade burguesa como, por exemplo, a ideia de inserção através do direito ao voto6, uma vez que após alfabetizados estes teriam direito de votar. Nesse sentido, através de seu método de educação seriam formados novos eleitores, que teriam o direito de escolha de seus representantes, o que explica o apoio recebido pelo governo da época, que apóia a criação de vários programas de alfabetização como apontado no capítulo anterior. A luta pela extensão do direito de voto e a ampliação gradual deste direito ocorreu simultaneamente com a formação dos partidos políticos. Na verdade, a classe dominante não permitiria uma extensão do direito de voto sem uma garantia de que esse direito adquirido não pudesse subverter a ordem. Desta forma, o sistema eleitoral expandiu o direito de voto mas, ao mesmo tempo, criou novas instituições “representativas” para realizar uma mediaç~o burocrática entre eleitores e estado (VIANA, 2003, p. 50). Como observado por Viana, o direito ao voto não se deu ocasionalmente. A classe dominante procurou manter a ordem por meio dos partidos políticos, e a ordem da qual estamos nos referindo é a ordem burguesa, tendo instituições para mediar o diálogo entre eleitores e o estado. O voto é uma estratégia do estado para amortecer a luta de classes, no sentido de levar a população a delegar a outro o controle de sua vida, a organização social etc. É possível registrar numerosos procedimentos de natureza política, social e cultural de mobilização e de conscientização de massas, a partir da crescente participação popular por meio do voto (participação geralmente dirigida pelos líderes populistas) até o movimento de cultura popular organizado pelos estudantes (FREIRE, 1980, p. 17). 6 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 16 Luta de Classes e Contemporaneidade Depois de eleito, o candidato se distancia do eleitor e toma as decisões de acordo com seus interesses, sem consulta ao povo, nem mesmo sem o seu consentimento. Freire afirma que, o formar eleitores, não era o único objetivo, nem tampouco o principal, e sim, que com a alfabetização das massas seria dado a elas o direito de participação na democracia, que Freire considerava como sendo essencial. Para Freire (1997, p. 74) “a democracia demanda estruturas democratizantes e não estruturas inibidoras da presença participativa da sociedade civil [...].” [...] de acordo com a pedagogia da liberdade, preparar para a democracia não pode significar somente converter o analfabeto em eleitor, condicionando-o às alternativas de um esquema de poder já existente. Uma educação deve preparar ao mesmo tempo para um juízo crítico das alternativas propostas pela elite, e dar a possibilidade de escolher o próprio caminho (FREIRE, 1980, p. 20, grifo nosso). Freire entende que o processo de alfabetização é essencial, por inserir o povo nesta sociedade e dar a ele o direito à democracia, e reforça que esta não pode ser desvinculada de uma aç~o que se diga revolucion|ria. “Eu sonho que aprendamos, sobretudo a esquerda brasileira, a assumir democraticamente a transformação deste país, sem medo de usar a express~o “democraticamente”. A n~o dissociar transformaç~o revolucion|ria de democracia, por exemplo” (FREIRE, 1998, p. 94). A ideia de democracia defendida por Freire, onde mostra a impossibilidade de se pensar uma revolução, sem que esta esteja associada à democracia, se mostra problemática, e traz consigo determinados valores, ideologias. O que ocorre é que, A democracia é um regime político onde se permite uma participação restrita das classes sociais e frações de classes na constituição das políticas estatais, sob formas que variam historicamente. O que fica subentendido nesta definição é que a democracia sendo um regime político e, portanto, uma forma de relação do estado (que é o poder coletivo da classe dominante) com as classes sociais, é uma forma de dominação de classe7 (VIANA, 2003, p. 45). Percebe-se aqui que, sendo uma forma de manifestar a dominação de uma classe sobre a outra, a democracia acaba por representar os interesses da classe dominante, restringindo assim a participação dos grupos dominados. Ao utilizar a ideia de democracia, Freire faz com que esta pareça dar ao povo, mais direitos do que possui na realidade, já que aquele que já Segundo Viana (2003, p. 46) neste sentido “democratizar significa ampliar a participação restrita (que continua restrita, ou seja, não ultrapassa os limites intransponíveis do regime democrático-burguês) das classes sociais, principalmente das classes sociais subalternas e exploradas”. 7 17 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário tinha pouca ou nenhuma participação, por se encontrar excluído do direito ao voto, agora com a alfabetização, e concomitante, com o acesso à democracia terá alguma, só que de forma restrita, o que constitui este acesso pouco significativo para esta classe, uma vez que esta é uma democracia burguesa8. Freire continua fornecendo elementos de como seria esse processo de inserç~o: “[...] a alfabetização tem que ver com a identidade individual e de classe, que ela tem que ver com a formação da cidadania [...]” (FREIRE, 1997, p. 58, grifo nosso). Nesta afirmação o autor mostra que o processo de alfabetizar tem sua relevância em formar a cidadania desses indivíduos, ou seja, formar cidadãos para essa sociedade. O cidadão, enfim, é um indivíduo que cumpre com seus deveres e direitos, ou seja, é aquele que respeita a propriedade privada, a liberdade de imprensa, etc., paga os impostos, legitima o estado capitalista reconhecendo o processo eleitoral, etc. (VIANA, 2003, p. 69). Vale ressaltar que o cidadão nesta sociedade, nada mais é do que um indivíduo que tem acesso a determinados direitos e cumpre a deveres também determinados, o que remete a ideia de participaç~o. “Conseqüentemente, a cidadania é o reconhecimento destes direitos, mas um reconhecimento de fato, ou seja, a cidadania é a concretização destes direitos e deveres” (VIANA, 2003, p. 67). Se atentarmos para o fato de que os direitos nessa sociedade são direitos burgueses, perceberemos que se existe um discurso que diz que todos são iguais perante a lei, porém, não consegue esconder o fato de que socialmente somos desiguais. “A cidadania, por conseguinte, é a concretização dos direitos do cidadão, e, portanto significa a integração do indivíduo na sociedade burguesa por intermédio do estado” (VIANA, 2003, p. 69, grifo nosso). Percebe-se que assim como a ideia de democracia, a ideia de cidadania é uma concepão burguesa, no sentido de que sendo a burguesia a classe que domina nessa sociedade, as concepções que prevalecerão serão as suas. Como observado na citação acima, aqueles que defendem a ideia de cidadania, nada mais buscam do que integrar o indivíduo nessa sociedade, por meio da ação do estado9. A democracia burguesa é uma das formas como o estado capitalista se relaciona com as classes sociais isto é, é um regime político burguês – caracterizado por uma participação restrita das classes sociais (VIANA, 2003, p. 48). 9 “O estado é um produto social e histórico, cuja raz~o de ser é reproduzir a dominaç~o de classe, a exploraç~o e a opress~o” (VIANA, 2003, p. 11). 8 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 18 Luta de Classes e Contemporaneidade A ideia de cidadania como já foi mostrado, pressupõe a existência de direitos e deveres. Na questão do direito, diz que todos são iguais perante a lei, cabendo aqui citar quais são estes direitos e deveres: Hoje se concorda que estes direitos são os direitos civis, políticos e sociais. Os direitos civis são aqueles referentes à liberdade individual, tal como a liberdade de ir e vir, de imprensa, de pensamento etc.; os direitos políticos são aqueles referentes ao direito de votar e ser votado, entre outros; os direitos sociais são aqueles referentes ao bem-estar físico e mental, tal como o direito à saúde, educação, habitação etc. os deveres são os deveres para com o estado: pagar impostos, votar etc (VIANA, 2003, p. 67). Esse são os direitos garantidos pela cidadania no plano do discurso, o que faz com que a ideia defendida por Freire, de dar ao povo excluído o acesso à cidadania, pareça uma posição coerente e justa, afinal, com a garantia de todos esses direitos, teríamos o chamado “cidad~o pleno”. Contudo, ao voltarmos para o real, ao concreto, percebemos que cidadania não significa apenas isso, mas, esse conceito oculta, procura ocultar a realidade dos fatos. Quando volta-se para a realidade, percebemos que a cidadania não passa de uma ideologia, os chamados “direitos” n~o s~o concretizados, nem mesmo os direitos essenciais que se esperava, não são garantidos pelo estado: direito à saúde, educação, moradia. Ou seja, o discurso de igualdade oculta uma realidade desigual, onde os direitos que de fato são garantidos no capitalismo é o direito do burguês em explorar os oprimidos. Sobre isso Viana reconhece que, nessa sociedade, O cidadão é o indivíduo conservador, o indivíduo que aceita o mundo existente, ou seja, a sociedade burguesa (modo de produção capitalista e formas de regularização não-estatais) e o estado capitalista. A cidadania, por conseguinte, é a concretização dos direitos do cidadão, e, portanto, significa a integração do indivíduo na sociedade burguesa por intermédio do estado (VIANA, 2003, p. 69). Ser cidadão nessa sociedade, nada mais é do que ser aquele que aceita a realidade que aí está, que concorda em submeter-se à exploração, à opressão, enfim, a todo o tipo de autoritarismo burguês. Se as palavras democracia e cidadania, são relacionadas pelo próprio Freire ao seu método, que ressalta a importância desses conceitos para alfabetização, são tão fundamentais, encontramos aqui elementos para compreender como ele de fato pensa esse processo. Uma vez que, o autor da pedagogia do oprimido, tido por muitos como revolucionário, defende os conceitos acima colocados, que expressam ideias contrárias ao que 19 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário de fato são, portanto, ideológicas10 podemos afirmar que ele acaba auxiliando o estado, embora não deixe isso claro em suas obras. Desta forma, se Paulo Freire auxilia o estado, criando ideologias que o legitimam, compreende-se que ele acaba por representar os interesses da classe dominante e não os interesses dos dominados11 como se quer parecer em suas obras. Referências FREIRE, Paulo. Conscientização – Teoria e prática da Libertação: Uma Introdução ao Pensamento de Paulo Freire. 3ª ed. São Paulo: Centauro, 1980. _____________. Educação como prática da liberdade. 30ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007. _____________. Política e educação. 5ª ed. São Paulo: Cortez, 1997. FREIRE; BETTO. Essa escola chamada vida: Depoimentos ao repórter Ricardo Kotscho. 9ª ed. São Paulo: Editora Ática, 1998. ILLICH, Ivan. Sociedade sem escolas. São Paulo: Editora Vozes, 1973. MAIA, Lucas. As classes sociais em O Capital. Pará de Minas: Virtual Books, 2011. ROSSI, Wagner G.. Capitalismo e Educação. 2ª ed. São Paulo: Moraes, 1980. VIANA, Nildo. A Consciência da História: Ensaios sobre o Materialismo Histórico-Dialético. 2ª ed. Rio de Janeiro: Achiamé, 2007. _____________. Cérebro e ideologia: uma crítica ao determinismo cerebral. São Paulo: Paco Editorial, 2010. _____________. Estado, Democracia e Cidadania – A Dinâmica da Política Institucional no Capitalismo. Rio de Janeiro: Achiamé, 2003. _____________. O Que São Partidos Políticos?. Goiânia: Edições Germinal, 2003. _____________. Os valores na sociedade moderna. Brasília: Thesaurus, 2007. _____________. Senso comum, representações sociais e representações cotidianas. São Paulo: Edusc, 2008. Refere-se aqui as ideias no sentido definido no primeiro capítulo desse trabalho: “ideologias”. Entendemos como classe dominante e dominada as classes fundamentais do capitalismo, sobre isso consultar o conceito de classes sociais, discutido no I capítulo deste trabalho. 10 11 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 20 Luta de Classes e Contemporaneidade Reformismo ou revolução? Leninismo na ciência brasileira, na perspectiva da educação Marcello Cavalcanti Barra “A escola de educação comunista (...) irrompe como o local onde as crianças cantam livres sobre os muros e ensinam o amor a quem não soube amar ninguém!” – Taiguara apud Freitas, 2005, p. 295. "As crianças devem fazer a educação dos pais" – Marx apud Dommanget, 1974, p. 338. O artigo apresenta teses e dissertações produzidas no Brasil entre 1992 e 2011 que relacionam Lenin e educação. Os eixos temáticos do artigo são desenvolvimento, educação, emancipação e política pública. O teórico revolucionário passa por um resgate, de natureza histórica, primeiro pelo que fez o stalinismo ao cristalizá-lo e transformá-lo em objeto de culto, idolatria, transformando-o em peça de mausoléu. Segundo, pelo controle, difusão e proibição da publicação da obra dinâmica e ágil de Lenin (Service, 2007, p. 552), para não falar sobre a qualidade das traduções de sua obra pelos Partidos Comunistas, que mesmo o deformam e deturpam. Essa foi a segunda morte de Lenin, operada pelo stalinismo: o assassinato de suas ideias, tão necessárias para a atual época histórica. O período em que viveu Vladímir Ilich Uliánov, o Lenin, foi de ascenso de lutas sociais, que culminaram com a Revolução de Outubro (1917), após o ensaio geral da revolução fracassada de 1905. A atual quadra da história também é de ascensão das lutas sociais, com o giro da situação histórica a partir da crise de 2007/2008 (Robaina, 2009). Apesar de o continente latino-americano já viver este período de negação do neoliberalismo como um movimento de massas a partir da primeira década do século XXI, é apenas em 2011 que o processo ganha um alcance mundial, com as revoluções árabes. Do ponto de vista societal, até então a mobilização era tida como de resistência ao capitalismo, tanto que se resumia a lutar por uma “outra globalizaç~o” (Santos, 2004), por uma alternativa, um outro mundo. Bensaid (2010a; 2010b) aponta a fragilidade dessas consignas pela falta de concretude das propostas. Lenin agora se torna ainda mais relevante, pois é o líder político da primeira e mais importante revolução socialista, aquele que primeiro realizou a teoria de Marx e Engels, mostrando a validade praxiológica das ideias deles e a 21 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário força da classe trabalhadora “mobilizada e com clareza dos seus objetivos históricos” (Freitas, 2009, p. 187). Tanta força, que leva à união da classe burguesa em todo o mundo para derrotála, culminando no nazifascismo alemão. Portanto, estudar Lenin está relacionado à necessidade de construção de alternativas concretas. Como escreve Žižek: “’Lenin’ representa a liberdade imperativa de suspender as deterioradas coordenadas (pós-) ideológicas existentes, a debilitante Denkverbot (proibição de pensar) na qual vivemos – simplesmente significa que temos permiss~o para pensar novamente” (2005, p. 15-16) (grifo do original). Lenin é discriminado nas universidades brasileiras (Freitas, 2005, p. 258 passim; Robaina, 2011a). Como pode um revolucionário socialista que, com sua obra científica, é usado como referência para a política da direita (Sarney apud Agência Senado, 2011), ter seu acesso e debate negligenciado, praticamente negado na universidade pública (Freitas, id.)? Portanto, resgatar Lenin e o leninismo, além de um ato político, é ação científica, de valorização de um pensador fundamental para a política e sociedade. Em suma, trata-se de superar a “estranha inexistência” de Lenin nas disciplinas da academia brasileira (ibid., p. 252, 258-260; Robaina, 2011a) e de colocá-lo no lugar que sempre mereceu estar, de estrategista da política, ao lado de gênios como Maquiavel, mas indo além, como a encarnação do revolucionário completo, que integra ação e reflexão. Apropriar-se do marxismo-leninismo na atual conjuntura histórica significa “desenvolver a teoria e a pr|tica marxista revolucion|ria”, que sustenta uma “velha m|xima: sem teoria revolucion|ria n~o h| pr|tica revolucion|ria” (Robaina, 2011b, p. 23). E qual a importância de Lenin para a educação? Obra sobre pedagogos socialistas destaca Lenin como uma dos principais educadores (Dommanget, id., p. 503). Nesta pesquisa, das 16 teses e dissertações que têm Lenin como referência, sete são relacionadas à educação. Isso revela que há uma centralidade da educação na abordagem de Lenin no Brasil, denotando a relevância do tema para as teses leninistas brasileiras. Como foi feita a pesquisa? Recorreu-se à Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), mantida pelo Instituto Brasileiro de Ciência e Tecnologia, do Ministério da Ciência e Tecnologia (Ibict/MCT). Essa biblioteca integra os sistemas de teses e dissertações brasileiras (Ibict, 2011)1. Foram levantadas todas as teses relacionadas a Lenin, É possível verificar que a BDTD não contém todas as teses e dissertações produzidas no Brasil. Por outro lado, ela permite uma amostra importante, apesar de não exaustiva e completa, dos trabalhos produzidos pela 1 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 22 Luta de Classes e Contemporaneidade que totalizaram 16, já excluídos autores homônimos, bem como membros de bancas e agradecimentos a pessoas com o mesmo nome. Em seguida, foram pesquisados os temas Lenin e educaç~o, com as buscas “lenin educacao” e “lenin educaç~o”. Ao final, verificando-se uma a uma, chegou-se ao total de sete teses e dissertações sobre Lenin e educação. Em seguida, analisou-se o conteúdo desses trabalhos, a partir de uma leitura seletiva, privilegiando-se os temas desenvolvimento, educação, autonomia/emancipação e políticas públicas. Onde foram produzidos os trabalhos acadêmicos sobre Lenin e educação? Três foram feitos no estado de São Paulo, sendo duas teses em Campinas, na Unicamp, e uma dissertação na capital, na PUC-SP. As quatro restantes são todas dissertações, produzidas em universidades públicas, onde uma era estadual, a Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), em Cascavel, e três federais: UFBA, UFMG e UFPA, respectivamente em Salvador, Belo Horizonte e Belém. Portanto, percebe-se o interesse por Lenin em diferentes regiões brasileiras, mormente na universidade pública, mas com ocorrência também na privada. Alguns dados sobre a produção acadêmica leninista em educação: Uma mulher é autora de dissertação, três são orientadoras e uma co-orientadora. As mulheres predominam nas bancas de defesa dos trabalhos; Seis trabalhos pertencem ao campo da educação e um ao da história; Todos os orientadores são professores doutores. A Tabela I, abaixo, traz uma sinopse da produção leninista relacionada à educação: TABELA I: Referências sócio-institucionais do leninismo em educação Título Educação, trabalho e tecnologia Lenin e a educação política: domesticação impossível, resgate necessário O Escolanovismo e a Pedagogia Soviética: as Auto r – Obtenção do grau Orie ntador Camp o acadêmico – Conceito CAPES New ton A. Paciulli BRYAN – Doutorado Fran cisco Máuri de Carvalho FREITAS – Doutorado Ceza r Ricardo de FREITAS - New ton César BALZAN Educaç ão – não existia Silvi o Oliveira Donizetti GALLO Ireni Marilene Zago FIGUEIREDO 992 A In stituição de Ensino superior (IES) 1 U NICAMP 005 2 U NICAMP 009 2 U NIOESTE no Educaç ão – 5 ão - 3 Educaç Se xo de membros da banca N ão disponível N ão disponível minino: 3 Fe M universidade brasileira. Deve-se considerar que a pesquisa está sujeita ao método de classificação e indexação de teses e dissertações desenvolvido pelo Ibict, além das contribuições das universidades e dos autores desses trabalhos. 23 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário concepções de Educação Integral e Integrada A concepção de educação politécnica em Moçambique Mestrado A valorização do profissional da educação e a carreira docente: a experiência do governo de frente popular em Belém do Pará Crítica ontológica à teoria da democracia como valor universal de Carlos Nelson Coutinho Contribuições Teóricas para a Formação de Professores do Campo Sílvi a Letícia D’Oliveira da LUZ - Mestrado Antó nio Cipriano Parafino GONÇALVES Mestrado Felip e Toledo MAGANE Mestrado Paul o Riela TRANZILO Mestrado asculino: 1 Mari a de Lourdes de Lima ROCHA. Coorientadora: Rosemary Dore HEYJMANS Olgaí ses Cabral MAUÉS nio FILHO Antô RAGO Pedr o Rodolpho Jungers ABIB ão – 7 ão - 4 Educaç Educaç 005 2 MG UF 008 2 PA UF 2 C-SP PU 007 008 2 BA UF Históri a-5 ão – 4 Educaç minino: 3 Fe M asculino: 1 minino: 2 Fe M asculino: 1 Fe minino: 2 M asculino: 2 minino: 2 Fe M asculino: 1 O quadro histórico que as teses e dissertações leninistas refletem é, em resumo, o da força e contradições do sistema capitalista, a luta de classes, a revolução socialista (fundada na ideologia marxista-leninista), a contra-revolução e a disseminação dos Partidos Comunistas (PCs). Estes se disseminaram pelo mundo e, centralizados pelo PC soviético, pactuaram com o imperialismo, culminando na participação em governos burgueses, convertendo-se em “partidos da ordem” (Magane, 2007, p. 139). O stalinismo, com a ideologia do “comunismo em um só país”, configura-se como contra-revolucionário e acaba se constituindo finalmente como reformismo, traindo a revolução e as ideias de Lenin, para quem a Revolução era um processo ininterrupto. Trotsky (2005), já em 1936, previra a restauração do capitalismo na União Soviética, dada a vitória dos contra-revolucionários. Doravante, as teses e dissertações objeto deste artigo serão sinteticamente chamadas de teses. 1. Qual desenvolvimento? O capitalismo é um modo de produção que subsiste com relações sociais em que o “homem é o lobo do homem”, variando em maior ou menor profundidade no tempo e espaço. O socialismo representa uma forma de luta pela superação do estado de natureza. O desemprego, a mendicância, a pobreza e o empobrecimento, a exploração, a corrupção são partes funcionais do modo de vida engendrado pelo sistema capitalista. Assim ressalta Francisco Freitas, “miséria e abundância são como irmãs siamesas, uma não vive sem a outra De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 24 Luta de Classes e Contemporaneidade e toda separação possível levará, naturalmente, a morte da segunda, a abund}ncia” (2005, p. 274). As misérias e agruras humanas são tidas como naturais no capitalismo, ou seja, há uma naturalização do sofrimento e da própria vida, graças à ideologia envolvendo a rationale dos indivíduos, que é base da falsa consciência. O pensamento nutrido no regime do capital é o “que vença o melhor” ou o “the fittest, the winner”2, justamente uma lei natural darwinista. É na configuração do capitalismo, de fato, como um sistema, ou seja, de algo que opera como se n~o houvesse saída para além do próprio sistema, que se aponta a “inexorabilidade do modo de produç~o capitalista” (ibid., p. 294). O desenvolvimento de países com industrialização tardia se insere nesse contexto mais amplo do regime do capital globalizado. “Sociedades mais desenvolvidas”, isto é, com maior divisão do trabalho, maior especialização da produção, maior grau de escolaridade, maior produção científica e tecnológica, produção com maior valor agregado, e assim por diante, têm um modo de vida diferente daquelas “sociedades mais atrasadas” (isso considerado dentro da lógica sistêmica do capital). As sociedades do “Terceiro mundo” têm um desenvolvimento mais recente do capitalismo. É na relaç~o sistêmica, e naturalizada, entre as nações e os povos que os “países desenvolvidos” s~o apontados como exemplos para as pessoas e metas para os “países subdesenvolvidos”, reforçando-se o sistema, a ideologia do liberalismo, o individualismo, a síndrome de inferioridade, os preconceitos, a naturalização da vida e dos sofrimentos. Eis uma contradição elementar do sistema – fulcro do combate a ele: como expressa a lei histórica do desenvolvimento desigual e combinado (Novack, 2008; Trotsky apud ibid., p. 22-23), é impossível o capitalismo se reproduzir da mesma maneira em todos os lugares, por isso há uma contradição entre discurso (aparência, imagem, forma e ideologia) e a vida real. O desenvolvimento do capitalismo para cada um e para todos é uma falácia na sociedade burguesa, que se conforma como mito da sociedade sem conflito. Socialismo é Revolução. O conceito marxista de Revoluç~o significa “uma transformaç~o radical tanto do homem como da sociedade” (Bottomore apud Freitas, 2009, p. 84). A resposta concreta { desumanizaç~o da humanidade, ao ‘homem lobo do homem’ é a Revoluç~o. O resultado do caminho reformista, contrário à Revolução, já é visto em diferentes países 2 Numa traduç~o ao português, corresponde a “o mais apto é o vencedor”. 25 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário europeus, como Grécia, Espanha, Itália, Portugal, Irlanda, Islândia, avançando por Inglaterra, França e até Alemanha, e mesmo nas principais cidades norte-americanas, Nova York, São Francisco, Wisconsi, Los Angeles, Detroit, que têm direitos trabalhistas, empregatícios, sociais, políticos sendo cortados para se pagarem juros aos bancos, condenando o presente e o futuro dos ex-cidadãos em nome do capital. Por que Revolução? Esta necessidade se vale de um princípio básico da sociedade de classes: nenhum grupo cede gratuita e pacificamente os benefícios e vantagens que usufrui. A própria burguesia se valeu da revolução para se tornar classe dominante, vejam-se os casos de França, Inglaterra, Estados Unidos, na história. Portanto, a revolução é necessária para uma classe dominada libertar-se daqueles que a oprimem. Freitas (2005, p. 263) escreve: O comunista deve levar a sério a tese segundo a qual não se trata de saber se é desejável ou não a revolução, não se trata de maneira nenhuma de saber se ela produzir-se-á pacífica e legalmente, mas limitar-se a predicar ‘a impossibilidade histórica de uma viragem radical sem uma nova revoluç~o’ (apud Lenin, 1985, t. 34, p. 133). A luta de classes é categoria central no marxismo. Por isso a questão do sujeito político e social da Revolução e da Contra-Revolução se reveste de importância. Lenin explicita a necessária ação dos trabalhadores: Nenhuma clemência para com os inimigos do povo (os ricos e seus apaniguados, e os larápios, parasitas e vadios), para com os inimigos do socialismo, para com os inimigos dos trabalhadores! Guerra aos ricos e seus apaniguados, aos intelectuais burgueses; guerra aos velhacos, aos meliantes! Uns e outros, os primeiros e os últimos, são irmãos carnais, são engendros do capitalismo, meninos mimados da sociedade senhorial e burguesa; dessa sociedade em que um punhado de homens espolia o povo e se mofa dele; dessa sociedade em que a miséria e a necessidade empurram milhares e milhares de homens e mulheres ao caminho da ladroagem (ociosidade e vadiagem), da corrupção, da patifaria e do olvidar a dignidade humana; dessa sociedade que inculca inevitavelmente nos trabalhadores o desejo de evitar a exploração, ainda que seja com enganos; livrar-se, desfazer-se, ainda que seja só por um instante, de um trabalho odioso; procurar um pedaço de pão de qualquer modo, a qualquer preço, para não passar fome nem ver famintos seus familiares. Os ricos e os meliantes são as duas caras de uma mesmo medalha; são as duas categorias principais de parasitas nutridos pelo capitalismo; são os inimigos principais do socialismo. (...) Toda debilidade, vacilação e sentimentalismo [para com eles] constituirão, neste aspecto, crime contra o socialismo (apud Freitas, id., p. 273) (grifo do original). Qual o papel dos intelectuais e cientistas nesse processo? O saber do processo produtivo é fundamental para o trabalhador se tornar “o mais r|pido possível capaz de gerir a produç~o, afastando a presença dos capitalistas” concebendo “daqui por diante a possibilidade de fazer por si mesm[o] e de fazer bem” (Gramsci apud Magane, id., p. 141). Essa é a célula da auto-organização, da superação do capital expropriador da classe trabalhadora: De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 26 Luta de Classes e Contemporaneidade os organizadores de talento, abundantes no interior da classe operária e dos camponeses, conscientes de seu valor, despertam e se sentem atraídos pelo grande trabalho vivo e criador, eles empreenderão por si mesmos a edificação da sociedade socialista (Lenin apud Freitas, id., p. 272). Os intelectuais burgueses, como escreve Francisco Freitas, “se decepcionariam por verem [que] o proletariado poderia deles prescindir” (ibid., p. 272). Quanto ao conhecimento humano acumulado, a tese histórica de Newton Paciulli Bryan, defendida em 1992, ajuda a compreender a questão, ao reconstituir o processo de avanço da tecnologia, afetando o modo de produção. O autor estuda o desenvolvimento do taylorismo. Identifica esse sistema como sendo “um projeto de desenvolvimento capitalista para enfrentar as crises criadas pelo próprio desenvolvimento capitalista” (Bryan, 1992, p. 501). Dado o est|gio de evoluç~o do capitalismo (industrialização tardia) na Rússia, quando da Revolução, seguido pela guerra civil e ataque contra-revolucionário das potências capitalistas, aliados à burguesia, fazia-se necessário incorporar o taylorismo – assim como instituir uma nova política econômica, a NEP, que permitisse avançar as forças produtivas na Rússia (Service, id., p. 475 passim; Freitas, 2009, p. 183) – para fazer frente à conjuntura colocada. Portanto, nesse contexto, o sistema de Taylor “poderia ser uma forma de evitar o desperdício e de aumentar a produção de riquezas que seriam distribuídas seguindo critérios mais humanos” (Bryan, id., p. 503). Freitas completa tal interpretação: Os autores soviéticos defendiam que a produção deveria se pautar sob os critérios de eficiência, de otimização dos recursos e de habilidades dos trabalhadores para aumentar a produtividade, ou seja, a produção de riquezas para satisfazer as necessidades humanas e, portanto, visando superar o mérito individual como condição para a sua realização (id., p. 183). A interpretação e defesa que Lenin e Krupskaia fizeram do taylorismo como tecnologia contribuiria para concretizar a proposta de ensino tecnológico formulada por Marx (Bryan, id., 504). E é nesse conjunto explicativo que continua Freitas: “A ciência moderna era referência na medida em que, como expressão do domínio humano sobre a natureza, era respons|vel, também, pelo aumento da riqueza material produzida” (id., p. 183). Grande formulador e líder da Revolução, Lenin era a expressão máxima do intelectual militante revolucion|rio, tendo n~o apenas teorizado o processo, mas participado “dos novos problemas impostos a todo momento pelas circunst}ncias reais” (ibid., p. 187). É baseado nesse líder que o leninismo de Freitas constrói a figura do intelectual marxista: 27 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Diante do irrefutável quotidiano onde princípios foram deixados à margem da estrada como se arroubos de neófitos fossem, retomo três teses implícitas na obra de Lenin: Primeira, só é marxista o intelectual que compreende o ambiente social para o qual projeta seus programas (intitulados públicos) como um ambiente burguês e que, por isto mesmo, todas as melhorias realizadas no seu âmbito significam progresso para a burguesia, melhora da situação da minoria, ao passo com a proletarização e empobrecimento da maioria. Segunda, só é marxista o intelectual que entende o Estado ao qual dirige seus projetos (de políticas públicas e/ou para todos!) como Estado bourgeois, gerente dos interesses da burguesia e guardião e policial usado para desmontar a movimentação sediciosa do proletariado. Terceira, só é marxista o intelectual que entende o ‘regime popular e democr|tico’ n~o como antítese do capitalismo, mas sua continuação direta, mais próxima e imediata, um aspecto populista do seu desenvolvimento. Quarto, retomando Lenin (1981, t. 7, p. 210), o marxismo “é a doutrina de luta contra toda a opress~o, contra toda depredaç~o, contra toda injustiça. Só é verdadeiro marxista quem, conhecendo as causas da opressão, luta durante toda sua vida contra todos os casos em que se manifesta” (Freitas, 2005, p. 275). O stalinismo O stalinismo representou a vitória da contra-revolução. No caso da primeira e mais importante revolução socialista, a russa, a vitória contra-revolucionária se tornou cabal em 1929, com a expulsão da esquerda do PC soviético. O resultado desse processo trouxe impactos na organização operária em todo o mundo, nas revoluções nacionais e na conformação de partidos comunistas como aparelhos do PC soviético. O caso que as teses brasileiras abordam é o de Moçambique e dará concretude para maior compreensão do stalinismo. Gonçalves identifica a contradição entre o discurso e a prática da FRELIMO – a “Frente de Libertaç~o de Moçambique”. Enquanto dizia defender o socialismo, na pr|tica o faziam “nos moldes burgueses e ditatoriais” (ibid., p. 218). Se no discurso apoiava a educação politécnica, o poder de modo burocr|tico no Estado era usado para aprofundar “a divis~o técnica e social do trabalho” (ibid., p. 225) Portanto, continuavam com a prática da sociedade burguesa de separar atividade manual e física (inferior – membros) de intelectual (superior cabeça), contrariando os princípios da educação politécnica proposta por Marx (1992, p. 60) e defendida por Lenin e Krupskaia. Assim Gonçalves escreveu: A qualificação dos trabalhadores ocorria no subsistema de educação técnicoprofissional, frequentado pelos filhos dos camponeses e operários, cujo ingresso era feito após conclusão dos sete anos de escolaridade básica obrigatória, pois eram as direções distritais e provinciais de educação que estipulavam quem deveria frequentar o nível seguinte de ensino. Contudo, numa situaç~o de privilégios, “os filhos das elites dirigentes e de certas elites bem conceituadas”, segundo refere Mazula, a partir da influência e intervenções dos pais no partido e no Estado, não eram afetos ao ensino técnico-profissional. Continuavam os seus estudos no ensino De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 28 Luta de Classes e Contemporaneidade secundário geral que dava o acesso à Universidade, principalmente nos cursos de medicina, engenharia e direito. Às maiorias sociais, em nome da revolução, além do ensino técnico-profissional, também eram encaminhadas para os cursos de magistério (id., p. 225-226). As práticas totalitárias que se auto-proclamavam como “organizações democr|ticas de massas" chegavam a anunciar totalitariamente que “ser moçambicano implicava ser da FRELIMO” (ibid., p. 220). Ademais, “a promulgaç~o da lei de pena de morte e de chicotadas” (ibid.) mostraram que o discurso de liberdade da FRELIMO era completamente contraditório com sua prática, revelando a falsa consciência dos líderes stalinistas, característica, aliás, dos burgueses. Ao final das contas, a historiografia, que é sempre a história pela ótica da classe dominante, consagrou {s pr|ticas stalinistas o nome de “socialismo real”. Quem questiona se o que se viveu na URSS, na China ou em Moçambique foi o socialismo? Como se pode imputar um conceito supostamente acadêmico, “socialismo real”, sem problematizá-lo cientificamente? Já passados 20 anos da queda da União Soviética, para os trabalhadores se torna ainda mais importante a tarefa de reconstruir na própria classe o ideal socialista, de que ele é possível, e não aquilo que se auto-proclamou como socialismo ou comunismo, mas que foi o stalinismo, sob o domínio da burocracia. O reformismo O reformismo é parte da dialética do processo da luta de classes na história entre capitalismo, revolução socialista e a contra-revolução stalinista. Dentre outras formas, o reformismo assumiu os nomes de “eurocomunismo” (Magane, 2007, p. 14 passim; Mészáros apud ibid., p. 143-144), “socializaç~o da política”, “reformismo revolucion|rio” (Coutinho apud ibid., p. 138) e assim por diante. O modelo clássico do reformismo é o welfare states e foi construído pela social-democracia europeia, tendo os comunistas como aliados, na política denominada como “frente ampla”. O reformismo é o braço europeu ocidental do stalinismo - no desenvolvimento desigual e combinado da história humana, o reformismo é a planta que surge e se expande do solo europeu, com resultados, ao final e ao cabo, nefastos para o proletariado. Como aponta Magane (id., p. 139), a derrota do “eurocomunismo” significou a ascens~o “parlamentar da extrema-direita, (...) sob a direç~o do neofascista Silvio Berlusconi”. 29 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Teses leninistas defendidas no Brasil raciocinam sobre a teoria do reformismo e seus desdobramentos no país. O teórico do reformismo no Brasil é personificado nessas teses por Carlos Nelson Coutinho, com a grande influência que tem sobre a intelectualidade de esquerda, ao ponto de Magane (ibid.) arguir que Coutinho é autor de uma virada na história política brasileira ao defender, no final da ditadura militar, a “democracia como valor universal”. A tese de Magane escreve: Nas Teses de Feuerbach, Marx assinalou que “o ponto de vista do velho materialismo é o da sociedade civil; o ponto de vista do novo materialismo é a sociedade humanizada”. Ou seja, a perspectiva do “eurocomunismo”, a mesma de Coutinho, é a perspectiva do velho materialismo, da sociedade de classes, do “fortalecimento da sociedade civil”, o que significa dizer o fortalecimento das instituições políticas, como o parlamento, os partidos, e, no plano do metabolismo sociais, as classes sociais (ibid., p. 141). A ideologia reformista (social-democrata) procura fazer crer em um governante benevolente e de uma classe que prefere dar a receber, em plena realidade de crise capitalista, extrema escassez, concentração de riqueza e poder, proliferação do fetichismo em novas mercadorias e a crescente coisificação humana, com a solidão, individualismo, suicídio. Mézs|ros escreve: “O capital é irreformável porque pela sua própria natureza, como totalidade reguladora sistem|tica, é totalmente incorrigível” (2005, p. 27) (grifo nosso). De PCs stalinistas para reformistas, qual o resultado para a classe expropriada? Magane responde: “A ades~o dos partidos comunistas à ideia da democracia como valor universal, abandonando as teses marxistas e leninianas, convertendo-os em ‘partidos da ordem’, n~o fez avançar o movimento oper|rio na direç~o de sua emancipaç~o econômica” (id., p. 139). Foi o reformismo social-democrata de matiz europeia que nutriu o governo Lula, recodificado, no capitalismo de industrialização tardia, em social-liberalismo (Lowy, Bensaid & Louça, 2005). No processo histórico, são os governos subnacionais – nas esferas estadual e municipal - que formam o substrato para o governo maior, de Lula. O governo da cidade de Belém se tornou profícuo para a abordagem leninista. Não se tratava de um governo de classe, como deve ser na esquerda da classe trabalhadora, mas um chamado “governo de todos”, que tinha como mote a “participaç~o popular” (Luz, 2008, p. 179) e que se auto-proclamava governo do povo. A autora continua: E essa é uma característica que poderá ser atribuída a um governo que tem tendência, segundo Harnecker (2000), a ocupar passivamente as instituições existentes, sem lutar para modificá-las e alterar as regras do jogo, estabelecendo uma lógica de não- De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 30 Luta de Classes e Contemporaneidade conflitualidade, mas de diálogo, de paz, em lugar da lógica de mudanças que é característica da esquerda (ibid., 180). Por sua vez, o reformismo é observado além do lócus citadino, setorialmente. Na questão agrária e da educação no campo, Tranzilo identifica a “miscel}nea” (id., p. 127) da formulação teórica empreendida pelo MST e seus intelectuais, com contradições teóricas das categorias utilizadas (ibid., p. 125): ao invés da “consolidaç~o da teoria revolucion|ria capaz de armar prolet|rios e camponeses para a unidade necess|ria para revoluç~o mundial” (ibid., p. 127). O reformismo é o coroamento do neoliberalismo que reforça os mitos da educação para o desenvolvimento. Como escreve Figueiredo: O sucesso do discurso ideológico da educação como suposto agente do desenvolvimento e da redução da pobreza, por exemplo, reside justamente na sua capacidade de dissimular a sua função e aparentar independência em relação às condições contextuais a que serve. Portanto, a crença no caráter redentor da educação, alimentada pelo discurso dominante, em âmbito nacional e internacional, dissimula as contradições e as relações internas de dominação, próprias ao modo de produção capitalista, e alimenta o mito do crescimento econômico e desenvolvimento social (apud Freitas, 2009, p. 192-193). 2. Educação e emancipação As teses apontam duas contradições iniciais. Uma contradição do capitalismo é pregar educação para o desenvolvimento, mas quando os capitalistas são obrigados a educarem seus trabalhadores, burlam a legislação (Bryan, id., p. 497). Outra contradição é que na sociedade burguesa há diferenças entre a esquerda real – com defesa intransigente e sem tréguas da classe trabalhadora – e aqueles que se auto-proclamam como esquerdistas. Diante de um quadro de contradições no tipo de sociedade atual, as perguntas concretas são: qual é o objetivo da escola? A escola serve à manutenção ou à transformação? Nas sociedades capitalistas, as teorias modais da educação apresentam o Estado como situado acima das classes e por isto mesmo capaz de prestar uma ajuda séria e honesta à população explorada, extorquida, famélica, descamisada. Elas não compreendem a necessidade de uma luta decidida levada a cabo pelos próprios operários e camponeses pobres, sem-terra, para sua emancipação intelectual e liberdade econômica. (...) Diante deste quadro, o papel social da educação política à transformação revolucionária desta sociedade, consiste em apresentar objetivamente a luta popular como produto de um determinado sistema de relações de produção, é compreender a necessidade desta luta, seu conteúdo, o curso e as condições do seu desenvolvimento. É imprescindível não perder de vista o caráter geral do seu real objetivo: a destruição completa e definitiva de toda exploração e de toda opressão venha de onde vier, esteja onde estiver (Freitas, 2005, p. 276-277). 31 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Qual educação? Para que serve a educação na sociedade atual? São perguntas que se sucedem em exigirem resposta. Leher aponta o papel da escola como disciplinadora e na imposiç~o “de ideias, valores, e de um modo de ser e de viver” (Leher apud Freitas, 2009, p. 191), no sentido de uma coesão social num sentido determinado, alienante. Política educacional, para qual educação? Na atualidade, a educação escolar assume um destaque cada vez mais enfático nos discursos tanto governamentais, quanto da “sociedade civil”, traduzindo-se em políticas educacionais. Sobre esta última questão, merecem atenção os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs, onde a educação é concebida como fator de coes~o social, desde que tenha como princípio o “respeito { diversidade” e { especificidade dos homens. Os temas transversais contêm mais objetivos morais do que cognitivos, que apagam as contradições sociais e estabelecem os rumos que “possibilitariam a construç~o da sociedade inclusiva” (Barbosa apud ibid., p. 190). É nesse contexto que se reforçam mitos “da educaç~o como ‘panaceia’ (...) [e] o discurso de uma educaç~o emancipadora” (ibid., p. 192). E que “sustenta o mito da inclus~o social via educação, onde a pobreza, ao representar uma ameaça ao capitalismo, necessita de sustentação ideológica (ibid., p. 190). Assim que a educação destaca-se na agenda pública e é traduzida em política privatizante que privilegia o repasse de recursos públicos para instituições privadas. Isso se viu na privatização da educação superior, muito fortalecida no governo FHC, após sucateamento e criação de fundações nos governos anteriores, e acentuada no governo Lula via ProUni. O processo de privatização da educação continua, seja através de ONGs, associações, bancos, capital internacional e é agravada com a crise mundial do capitalismo - mas que encontra resistências, como a da juventude chilena. Qual educação comunista? O objetivo principal da educação comunista é que o homem assuma as rédeas de seu destino, que, de posse de uma consciência avançada e de sua sociedade, e da inter-relação do sofrimento pessoal com o social, liberte-se e se emancipe, construindo - este Novo Homem seu futuro. Como disse Marx, é o saber que possibilitar| “ao trabalhador o controle de todo o processo produtivo” (apud Magane, id., p.182). Nesta escola que prepare a humanidade para ir além do capital, é fundamental, além do conhecimento, que a classe trabalhadora se sinta De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 32 Luta de Classes e Contemporaneidade capaz e seja de fato capaz de assumir a administração do Estado, para que os recursos sejam voltados para seus interesses, e não para os da burguesia. Freitas aponta que é a escola da luta que amadurecerá o proletariado para o poder (ibid., p. 270). Assim escreve: Estendo para a educação política uma questão simples embora complexa, ainda hoje negada pela educação oficial: é indispensável convencer o proletariado, como um todo, a lutar contra o diversionismo ideológico no bojo do qual está explícito que apenas a burguesia é capaz de administrar a máquina do Estado (ibid., p. 267). Magane e Francisco Freitas discorrem sobre a educação politécnica e a escola comunista. O primeiro ressalta que teóricos socialistas como Lenin, Krupskaia, Pistrak e Makarenko incorporam “o trabalho como elemento fundamental em suas concepções de educação Integral, o que fizeram a partir das preocupações de Marx, buscando desenvolver um ensino tecnológico ou politécnico” (Magane, id., p. 183). O segundo ressalta a educação politécnica como eminentemente conectada { “emancipaç~o intelectual, liberdade econômica e edificação da sociedade comunista resultado das transformações sociais, econômicas e culturais decorrentes da luta dos povos pela construção de um mundo realmente justo, onde o homem é o amigo do homem” (Freitas, id., p. 294). Já a educação política é arrolada na escola comunista: A base dessa moral predicada pela educação política é a luta por afiançar e culminar a sociedade sem classes, por isto, o ensino não pode ficar encerrado nos estreitos limites escolares e separado da vida agitada. Assim, uma escola comunista deve (i) oferecer aos jovens fundamentos da filosofia, das ciências e das artes, tanto teóricos quanto práticos, quer dizer, deve conjugar a educação intelectual, a educação para o trabalho e a educação física; (ii) buscar forjar a consciência socialista; (iii) e fazer dos jovens, homens e mulheres cultos, emancipados intelectualmente. Urgia impulsionar a instrução pública sem a qual seria impossível edificar a sociedade socialista. Enfim, o professor haveria de ser colocado numa condição na qual jamais pensara estar. Essa condição para a qual deveriam ser guindados os docentes, inerente ao processo de educação politécnica, era uma verdade que não necessitava de demonstração ou de maiores esclarecimentos (ibid., p. 293). 3. “Políticas públicas” As teses em tela abordam dois casos de “políticas públicas”: para professores da cidade de Belém e para a questão agrária. Sílvia Luz estudou o caso dos professores no bojo daquilo que os reformistas reivindicam como um suposto programa de transição do capitalismo para o socialismo, que chamam de “democr|tico-popular”. Dentre as conclusões sobre a “política pública” empreendida, Luz escreve: O não-cumprimento do Estatuto do Magistério potencializou a desvalorização dos salários, da organização e de direitos sagrados à vida profissional, favorecendo o 33 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário estranhamento do trabalho, o desânimo e o descrédito político num projeto de esquerda que dignificasse a ação docente enquanto categoria organizada (id., p. 178). A política reformista do governo “democr|tico e popular” foi a de agir em relaç~o {s demandas imediatas, preferindo-as em relação às questões estruturais (ibid., p. 181). Por dirigentes sindicais e governantes terem a mesma origem sindical e partidária, foi necessário que a classe se organizasse a partir da base, pressionando o sindicato (ibid., p. 185); o governo, então, jogava a responsabilidade para cima, sobre o governo federal, naquilo que ficou conhecido como “jogo de empurra”, que pode ser traduzido como omiss~o do Poder. Apesar de se ter como resultado que o nome e o ideal da esquerda foram jogados na vala comum - com o mote “todos os governantes s~o iguais” –, reforçou-se na classe trabalhadora a consciência da necessidade de organização permanente e crescente, sob qualquer governo. O programa “democr|tico e popular”, para arrematar o resultado do reformismo sobre a classe trabalhadora, “significou uma perda salarial de proporções alarmantes” e “precariedade de seus espaços de trabalho” (ibid., p. 184). Em última inst}ncia, o governo “democráticopopular” n~o chegou nem mesmo a ser republicano, por descumprir a própria lei. Vê-se na prática como o reformismo representa uma traição à classe trabalhadora. Tranzilo estudou a questão agrária e diagnosticou que Lula (governo PT) continuou a mesma linha do governo anterior, de FHC (governo PSDB), e, pode-se dizer, de todos os anteriores, j| que foram governos de uma classe, a burguesa. Assim o autor escreve: “O aumento do financiamento necessário para superar a situação drástica e desigual da educação do campo não ocorreu, visto que a política atual do governo continua a mesma: obedecendo aos ditames do imperialismo” (id., p. 125). Então se pergunta, mas qual política é necessária? Efetivamente, defender os camponeses, os “sem-terra”, a pequena agricultura é defender o serviço público, a educaç~o pública, a universidade pública e também uma ciência pública. A “política pública” para o movimento campesino (MST e outras organizações) deveria negar a sua institucionalização (por exemplo, fóruns e conferências propostos por governos e instituições multilaterais), que serve de freio para a luta (ibid., p. 124). Ao contrário, deve priorizar o combate vital de reivindicações que permitiriam um verdadeiro avanço na educação do campo (...) negar as parcerias com organismos do imperialismo e a dita “sociedade civil” (...) buscar intelectuais e conferências sustentadas financeiramente e politicamente pelo próprio esforço coletivo do movimento (ibid., p. 126). De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 34 Luta de Classes e Contemporaneidade O autor tem clareza de que é impossível ser parceiro de órgãos como ONU, UNESCO, pois esses são agentes do imperialismo e não querem uma educação do campo massiva, não querem os trabalhadores conhecendo a teoria revolucionária. Pelo contrário, os órgãos do imperialismo buscam exatamente o contrário: políticas que impeçam essa organização revolucionária, uma formação que misture as diversas teorias do conhecimento, sem objetivo claro nem horizonte revolucionário. Para o imperialismo é preciso confundir e dividir a classe organizada no Brasil inclusive no âmbito da educação e da formação de professores (ibid.,p. 124). O leninismo de Tranzilo reitera a democracia atual como falácia e que o discurso que recorre a uma pretensa “sociedade civil” é inconsequente e reformista (ibid., p. 126-127). O problema da educação só pode ser resolvido no socialismo. E não qualquer socialismo, mas um tipo avançado organizativamente, dadas a quantidade de pessoas envolvidas com o sistema educacional e a complexidade de tal sistema. E o que fazer com o Estado burguês, produtor da falsa política pública? Em outras palavras, como ter uma verdadeira política pública? Uma política só será verdadeiramente pública e social com o fim do Estado burguês: “O proletariado, para construir um novo poder, deve destruir pela raiz velhos aparatos ideológicos e repressivos do Estado e edificar novos com os quais iniciar| uma nova etapa histórica” (Freitas, id., p. 264). 4. Considerações finais Nas teses que abordam Lenin no Brasil, a proeminência da educação no conjunto dos temas mostra que esse é um campo acadêmico avançado para os proletários em relação a outros campos. Há motivo: uma educação que de fato eduque, isto é, liberte, emancipe – e não apenas prepare, qualifique, adestre para servir de “m~o-de-obra”, funcionalmente atendendo ao interesse do capital como uma mercadoria – somente ocorrerá para a maioria dos seres humanos numa sociedade socialista. Parafraseando Mézsáros (ibid.), uma educação que vá além do capital é apenas possível no socialismo. As ruas e praças em 2011 presenciaram algo que não se via há muito tempo. Foram ocupadas por protestos multitudinários contra o sistema capitalista. Uma síntese dessas manifestações é “somos 99%”. A conclus~o leninista para o tema proposto por este artigo é que o desenvolvimento, as políticas públicas e a educação sejam para os 99% de seres humanos oprimidos – e não para o 1% que detém a riqueza. 35 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Bibliografia AGÊNCIA SENADO. Sarney aceita indicação do PMDB para disputar Presidência do Senado. Brasília: Senado Federal, 2011. 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Ribeiro Oliveira Resumo: O objetivo deste trabalho é discutir e apresentar dados parciais da pesquisa: O infanticídio na sociedade brasileira: um estudo das dimensões social, histórica e cultural, que estamos desenvolvendo na UEG, sob a perspectiva do materialismo histórico dialético. Nossa perspectiva de análise refere-se às condições sociais e econômicas das mulheres que cometeram esta modalidade de crime. Os processos inicialmente identificados apontam para uma realidade dramática das mulheres que mataram seus filhos, todas elas vivendo em estado de pobreza, abandono e muitas vezes de violência. Tais características não costumam fazer parte das reflexões realizadas pelos profissionais das áreas médicas e jurídicas que, quase sempre tecem argumentos voltados para a “naturalizaç~o” da mulher, buscando apresent|-la como instintivamente maternal, submissa, frágil ou naturalmente maligna. Palavras-chave: infanticídio, materialismo histórico, violência. Buscamos neste estudo sobre o infanticídio discutir a questão da mulher pelo viés da maternidade. Para isto buscamos a partir da história das mulheres do passado elementos que possam elucidar os motivos que subjazem a prática do infanticídio no presente. O código penal brasileiro na contemporaneidade vincula a violência do infanticídio ao estado puerperal, ou seja, a mulher que o comete, estaria totalmente desequilibrada emocionalmente, incapaz de agir com racionalidade. Todavia, essa forma de pensar, pressupõe uma “natureza feminina” um instinto maternal presente em todas as mulheres, tese que segundo Badinter (1985), não se sustenta. De acordo com a autora, o amor materno não é inato, ao invés disso, ele é adquirido ao longo dos dias passados ao lado do filho, e por ocasião dos cuidados que lhe dispensamos. Além disso, Badinter (1985) nos mostra que o amor em geral, antes da metade do século XVIII, não tinha a posição e a importância que hoje lhe são conferidos. A despeito das pesquisas realizadas por historiadores dos costumes, no Brasil, mantém-se a ideologia de que Bolsista do CNPQ, aluna do 3º ano de História da Universidade Estadual de Goiás – UnUCSEH, pesquisadora de Iniciação Científica no Projeto: Infanticídio na sociedade brasileira: um estudo das dimensões, social, histórica e cultural, sob orientação da Profa. Dra. Veralúcia Pinheiro. 39 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário a maternidade é um objetivo sagrado das mulheres. Essa ideologia fez parte de um projeto colonizador desenvolvido entre os séculos XVI e XVIII, executado por padres, governantes e cientistas, em total acordo com as determinações impostas pela empresa portuguesa. Del Priore (1993), afirma que nesse projeto todas as mulheres participariam do preenchimento dos espaços vazios da terra recém - descoberta. A Igreja cumpriu com o seu papel de transportar os valores da metrópole para a colônia. A mentalidade colonial aos poucos foi absorvendo as regras de conduta moral introduzidas pelo discurso normatizador estabelecido pelos moralistas, pregadores e confessores. Adestrar a mulher fazia parte do processo civilizatório no Brasil colônia. Ainda segundo Del Priore (1993), o discurso normativo médico foi um instrumento fundamental na domesticação feminina. Suas considerações acerca do funcionamento do corpo da mulher sustentavam implicitamente o discurso religioso na medida em que afirmava com bases “científicas” que a funç~o natural da mulher era a procriaç~o. Apesar do empenho do Estado, da Igreja e da Ciência, em transformar a mulher em agente exclusivo do lar, responsável pela casa, família, bem estar do marido e da prole, a história aponta para práticas que demonstram inadequação a essa proposta. Entre essas práticas, o infanticídio. Nossa perspectiva de análise leva em conta as condições sociais e econômicas das mulheres que cometeram esta modalidade de crime, ao contrário das análises dos operadores do direito, que tendem a discutir uma mulher ideal, abstrata. Partimos do pressuposto de que as condições materiais das mulheres pesquisadas influenciaram diretamente no conjunto de fatores que as levaram à prática do infanticídio. Acreditamos, portanto, que a violência na sociedade capitalista constitui-se como pano de fundo para práticas que reproduzem violência estrutural deste modelo de sociedade, como nos mostra Piazzeta (2005, p. 36): O infanticídio é, principalmente e antes de tudo, um delito social, praticado na quase totalidade dos casos, por mães solteiras ou mulheres abandonadas pelos maridos, por mulheres pobres e/ou com prole numerosa. Raríssimas vezes, para não dizer nenhuma, têm sido acusadas desses crimes mulheres casadas e felizes, as quais, via de regra, dão à luz cercadas do amparo do marido e do apoio moral dos familiares. (PIAZZETA, 2005, p. 36) De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 40 Luta de Classes e Contemporaneidade Neste estudo, analisamos 15 processos, localizados em diferentes regiões do país: Minas Gerais (01), Distrito Federal (02), Paraná (03), Rio Grande do Sul (06), São Paulo (02) e 01 do Tribunal do Estado de Goiás. Pretendíamos inicialmente analisar somente os crimes de infanticídio julgados pelo Tribunal de Justiça de Goiás, porém nos deparamos com a pouca freqüência dessa modalidade de crime e também com a dificuldade em acessar os processos no Fórum de Goiás. Nos processos analisados foi possível conhecer parcialmente as motivações das mulheres e os meandros que configuram a experiência de infanticídio, assim como a atuação dos operadores do direito. Em geral, as mulheres acusadas de matar seus filhos trazem exemplos que denunciam a situação bárbara em meio à miséria, ao abandono, e à violência em que sobrevivem. Em nenhum dos casos que integram nosso corpus de pesquisa encontramos mulheres com autonomia profissional e financeira. Ao contrário, nove delas possuíam vínculos de trabalho precários, relações familiares marcadas também pela precariedade. Nos demais processos, ou seja, seis, os dados disponíveis não foram suficientes para conhecermos a condição financeira das mulheres envolvidas. Um dos aspectos que nos chama a atenção nos processos é a condição de isolamento em que ocorrem os partos dessas mulheres, sem nenhum apoio familiar ou conjugal. Todas elas fizeram seus partos sozinhas. Sendo que das 15 mulheres dos processos analisados, nove esconderam a gravidez. Essa ocultação da gravidez, segundo elas próprias, se dá por vergonha ou medo. Vergonha de pais severos. Medo de punição dos pais, de perder o emprego e até mesmo por receio de perder o namorado. Em geral os “operadores do direito” (juízes e promotores), acatam os pedidos de classificaç~o do crime como infanticídio, que pressupõe o “estado pueperal1. Em todos os casos analisados a defesa das mulheres solicitou enquadramento nesta modalidade. Tal solicitação se justifica frente às penas significativamente menores que as rés recebem nesses casos, diferente do que se fossem julgadas como homicidas. Porém, como a definição de Estado puerperal é bastante ampla e controversa, sempre dependendo de interpretações e laudos periciais, algumas das mulheres n~o receberam esse “benefício”, e foram a júri popular. Os dados contidos nos processos não foram suficientes para que pudéssemos associar algum Segundo a língua portuguesa o voc|bulo puerpério, de origem latina “puerperiu”, significa o “período que segue ao parto até que os órgãos genitais e o estado geral da mulher retornem à normalidade. (FERREIRA, 1986, p. 1415). 1 41 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário padr~o de comportamento utilizado pelos “operadores do direito” para tal classificaç~o. A condição social de todas as mulheres nos processos analisados é difícil, penosa e as repercussões do crime causam sempre repúdio na população. No entanto, o julgamento das mulheres não é sempre igual. Dessa forma, até agora pudemos observar, pela análise dos casos, que a prática do infanticídio se dá com mulheres com estrutura social debilitada. Tanto os recursos humanos quanto materiais são inacessíveis às infanticidas. A falta de apoio familiar e conjugal é tão visível que muitas das narrativas nos processos, dão conta de situações em que as mulheres passaram toda a gravidez em casa e mesmo assim, suas famílias não perceberam sua gravidez, só se dando conta depois que a morte do bebê tornou-se pública. Inferimos, portanto, que nessa condição de invisibilidade e de isolamento social e afetivo, o infanticídio então pode aparecer como uma saída viável, já que a mulher não teria com quem contar. Além disso, ela espera que, como não perceberam a gravidez, também não perceberão o fim dela. Os processos trazem casos exemplares, como o filho de Jeane (Tribunal de Justiça do Paraná) que só foi descoberto pelos catadores de lixo. Também o filho de Antônia (Tribunal de Justiça do Distrito Federal) que foi encontrado no lixo, por um vizinho. Tudo isso, nos faz refletir sobre a possibilidade de existirem um número muito maior de casos de infanticídio. Muitas mulheres, provavelmente engravidam e já que são invisíveis para a sociedade, a morte da criança também continua invisível. A falta de recursos materiais envolve ainda maiores dramas. A dependência financeira das mulheres as coloca em condições de submissão aos pais ou namorados. No processo de Juliana (Tribunal de Justiça de Minas Gerais), o motivo para o infanticídio, segundo ela, foi acreditar que uma pessoa a mais para sua mãe sustentar seria um peso insuportável. Já Cleonice (Tribunal de Justiça de São Paulo) e Lidiane (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul) tiveram medo de perder o emprego e por isso esconderam a gravidez dos patrões. Elas sabiam perfeitamente que poderiam perder seus empregos devido à gravidez, pois não poderiam continuar a executar as tarefas de rotina. Percebemos, portanto, que a precariedade das relações de trabalho, a falta de instrução ou educação formal das mulheres, algumas ainda adolescentes fazem parte do contexto das mulheres autoras de infanticídio. Além disso, a ausência de acompanhamento médico neo- De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 42 Luta de Classes e Contemporaneidade natal e no momento do parto, fato verificado em todos os casos, também concorre para a prática do infanticídio, já que colabora para que não se crie uma expectativa em relação à chegada da criança. Por fim, toda essa precariedade financeira, a qual seria ainda mais exacerbada pela chegada de mais um dependente, colabora para criar uma tensão nas mulheres grávidas que as deixa emocionalmente fragilizadas. Dessa forma, pelo que percebemos até o presente momento da pesquisa, o estado puerperal é muitas vezes considerado como justificativa para o crime de infanticídio, de acordo com o entendimento dos operadores do direito. Essa opinião corrobora a tese de naturalização da mulher, por considerar que o instinto materno é natural e dessa forma, todas as mulheres seriam instintivamente voltadas à proteção de suas crias. Desse modo, na concepção do direito, a mulher que pratica o infanticídio sofre de uma profunda perturbação fisiológica que lhe oblitera o raciocínio. Porém, nos processos judiciais, as razões que levam as mulheres a sofrer essa espécie de depressão pós-parto, são quase sempre ignoradas, em nenhum momento se ressalta a condição miserável dessas mulheres. Obviamente inúmeros outros fatores devem influenciar nessa prática, já que o infanticídio, mesmo em localidades pobres, não é generalizado. A análise dessas razões foge dos objetivos desse trabalho. De resto, nos parece óbvio que se a prática do infanticídio decorresse somente do estado puerperal, e se esse estado fosse próprio do gênero feminino, como um todo, deveria haver incidências dessa prática em todos os meios, o que não se verifica até o estágio atual da nossa pesquisa. Referências PIAZZETA, Naele Ochoa. Aspectos polêmicos do delito de infanticídio. Revista Justiça e. Cidadania, Rio de Janeiro, v. 56, p. 36, mar. 2005. DEL PRIORE, Mary. AO SUL DO CORPO: Condição feminina, maternidades e mentalidades no Brasil colônia. Rio de Janeiro: Ed. Olympio, RJ, 1993. BADINTER, Elisabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno. 6ª. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. 43 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário SAFIOTTI, Heleieth Iara Bongiovani. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. 2ª. ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 1979. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 44 Luta de Classes e Contemporaneidade Identidade política e luta de classes no âmbito da educação BORGES, Kamylla Pereira1 Resumo: Historicamente a educação institucionalizada sempre esteve atrelada aos antagonismos das classes sociais. Dessa forma, nesse estudo buscamos discutir a questão da identidade política e de classe dos professores como um importante elemento de contraposição a ideologia educacional capitalista e construção de um novo conceito de educação. Para tanto, partimos do concreto pensando por estes professores através da coleta de dados empíricos por meio de uma entrevista realizada com docentes do ensino básico da cidade de Jaraguá-GO. Esses dados foram analisados a luz dos princípios do Materialismo Histórico Dialético. Ao analisar os dados, de acordo com os referenciais adotados, entendemos que a superação dos limites existentes na educação pública passa pela constituição de uma identidade política e de classe por parte dos docentes. Palavras Chave: Educação, trabalho, trabalhador, classe social Introdução A relação entre trabalho e educação tem sido marcada pelos antagonismos das classes sociais, de forma que as demandas econômicas resultantes da reorganização do sistema capitalista, trouxeram várias repercussões sobre as políticas educacionais, que se fundamentaram na crença de que a educação é o elemento primordial no desenvolvimento econômico e social de uma nação. Essa premissa culminou por vincular as ações educativas aos princípios utilitaristas e pragmáticos do mercado, deformando o conceito de educação que passou a ser tratada como mercadoria, responsável pela qualificação da mão de obra para inserção nos moldes produtivos voltados para acumulação e expansão do capital. Dentro dessa lógica os processos educativos institucionalizados tem contribuído para continuidade do sistema de exploração da sociedade capitalista. Dessa forma, o presente artigo busca discutir a questão da identidade política e de classe dos professores como um importante elemento de contraposição a ideologia educacional capitalista e construção de um novo conceito de educação. Para tanto, buscamos apreender e compreender as concepções acerca do trabalho de um grupo de professores duas instituições públicas da cidade de Jaraguá-Go, uma da rede estadual e outra da rede municipal. Foram utilizados três critérios básicos para a escolha das instituições escolares: maior abrangência das modalidades de ensino, maior número de professores concursados, maior 1 Mestre em Educação pela Universidade Federal de Goiás, Docente da UEG - Unidade Universitária de Jaraguá 45 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário quantitativo de alunos matriculados. A amostra da pesquisa foi composta por uma seleção aleatória que contemplou vinte e oito docentes ( quatorze da escola municipal e quatorze da estadual ) que efetivamente estavam em exercício pedagógico em sala de aula e que possuíam vínculo empregatício efetivo com o estado ou município Utilizamos como instrumento de coleta de dados a entrevista semi-estruturada organizada a partir das concepções e percepções dos docentes em relação a sua vinculação a classe trabalhadora. Esses dados foram analisados a luz dos princípios do Materialismo Histórico Dialético, fundamentados principalmente em Marx, Mészáros, Mascarenhas, Frigotto, Saviani e Paro. Conceito de Trabalho e Educação O trabalho é na maioria das vezes, visto como sinônimo de dor, sofrimento, desgaste físico e mental, mas na perspectiva marxiana, o trabalho é humanização, criação, recriação; é transformação dos elementos da natureza ao redor. Para Marx (2001), o que distingue o ser humano dos outros seres é sua capacidade de ação transformadora consciente - a práxis. E o trabalho é, justamente, a manifestação da práxis. Mas, para trabalhar é necessário que o homem tenha conhecimento suficiente sobre a sua forma de produção, É preciso que se aprenda como trabalhar e aqui nos deparamos com outro aspecto fundamentalmente humano, a educação. Ao trabalhar, o homem se torna histórico, pois constrói sua própria historia através da produção de sua cultura, a qual é feita através do próprio trabalho. Dessa forma para se tornar homem, ele precisa apropriar-se da cultura historicamente produzida e é justamente a educaç~o que realiza esse papel. “É pela apropriação dos elementos culturais que passam a constituir sua personalidade viva, que o homem se fez humano-histórico”. ( PARO, 2010, p.25) A divisão do trabalho, o avanço das técnicas de produção e a surgimento da propriedade privada propiciaram uma nova configuração da sociedade, que passou a ser composta basicamente por duas classes distintas: os proprietários e os não proprietários. Nesse contexto era preciso instituir um novo tipo de educação que passaria a ser apreciada como fonte de poder e domínio, fortemente atrelada aos antagonismos das classes sociais. (PONCE, 1986; SAVIANI, 2007). De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 46 Luta de Classes e Contemporaneidade Com a instauração desse novo sistema societal, era necessário também uma nova forma de educação que forjasse uma nova concepção de mundo compatível com a ideologia capitalista. Era preciso a disseminação de uma moderna educação institucionalizada que levasse os sujeitos a assimilar atitudes, condutas e saberes que contribuíssem para manutenção e perpetuação desse sistema. Por conseguinte, escola está calcada sobre a base das contradições da produção das relações sociais do sistema societal do capital e devido a isso possui vários limites que impedem o avanço da socialização de um conhecimento que forneça ao individuo uma autonomia intelectual, cultural e uma consciência política (MÉSZÁROS, 2005). Mészáros (2005) salienta que para avançarmos em direção a uma educação para além do capital é preciso desconstruir e reconstruir a escola e a sociedade simultaneamente. Dentro dessa lógica de avanço para uma nova sociedade e consequentemente uma nova educação, não podemos negligenciar o papel fundamental dos sujeitos sociais envolvidos no trabalho educativo das instituições escolares, dos quais destaco os trabalhadores docentes, os quais dia após dia lutam para sobreviver e contribuir para a difusão do conhecimento para a humanidade, seja ele sob os moldes da ideologia capitalista ou não. Nessa perspectiva, é preciso compreender o trabalho docente com um dos determinantes centrais para o avanço da construção de um novo sistema educacional, que contribua para o fim da desigualdade e exploração humana propiciada pelo modo de produção capitalista. Um dos elementos fundamentais para reconstrução da educação e da escola pública é a organização política, pois através da organização política pode se construir uma crítica contundente a sociedade existente, apontando elementos que favoreçam a transformação histórica da mesma. No entanto, nos últimos anos o sistema societal do capital sofreu muitas reviravoltas que repercutiram em todas as formas de trabalho assalariado dessa sociedade. Os trabalhadores, cada vez mais explorados e desumanizados, encontram-se perdidos em meio ás ideologias da sociedade capitalista, o que dificulta o desenvolvimento da consciência de classe e sem esta, não há como os trabalhadores se organizarem politicamente de forma consciente. 47 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário As Transformações do Sistema Capitalista, Educação e a Identidade Política O final do século XX e início do século XXI vêm marcados por intensas alterações econômicas, socioculturais, políticas e ideológicas resultantes da crise estrutural do sistema capitalista. Esta crise gerou a necessidade da reformulação de um novo ciclo de acumulação, no qual mecanismos de mercado balizados pela doutrina do neoliberalismo foram retomados. Diversos conceitos foram elaborados ou re-elaborados na tentativa de se justificar a necessidade das reformas do aparelho do Estado e as significativas alterações na relação capital/trabalho. Dentre estes se destacam termos como globalização, reestruturação produtiva, estado mínimo, qualidade total etc. Nesse sentido era necessário ajustar a educação escolar às exigências da nova divisão internacional do trabalho (FRIGOTTO E CIAVATTA, 2003, p. 108). Assim sendo, a definição e concepção de qualidade educacional passaram a ser influenciada por diversas agências multilaterais e fundações vinculadas a grandes grupos empresariais. Com destaque para os organismos internacionais (Banco Mundial, FMI, OCDE, UNESCO, entre outras) que entram em cena para mediar os ajustes necessários para que os sistemas educacionais atendessem as demandas da nova ordem do capital. (FRIGOTTO E CIAVATTA, 2003, OLIVEIRA, 2000; FONSECA, 1998, ENGUITA, 1994) A interferência dessas agências no fomento de políticas sociais e econômicas do país abriu margem para a difusão do conceito de educação como mercadoria. De forma que também surge um novo conceito de qualidade para essa educação oferecida, que passa a ser vista apenas como a prestação de um serviço, seja público ou privado. A concepção de educação como uma mercadoria torna a relação custo/benefício o principal determinante de sua qualidade, as demais categorias constituintes das ações educacionais são desconsideradas ou relegadas ao segundo plano. O que interessa é o retorno econômico, a educação como um direito, como constituinte da humanização e da consciência política autônoma dos sujeitos, não é interessante. Assim sendo, a educação está entre as políticas públicas cujo processo de mercantilização está ocorrendo de forma mais acelerada, o que acarreta prejuízos para a sociedade como um todo, desde os trabalhadores docentes, gestores educacionais até pais e alunos, que sem saber, são submetidos a uma educação alienante e desprovida de qualquer ética ou crítica. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 48 Luta de Classes e Contemporaneidade Nesta perspectiva o que se oferece aos alunos é uma educação deformada, fetichizada e alienada, que nem mesmo tem conseguido seu objetivo primeiro que é preparar para o tão sonhado mercado de trabalho. Desconsidera-se a totalidade do contexto social, político, cultural e econômico dos sujeitos inseridos na realidade das instituições públicas de ensino e a ênfase recai sobre projetos orientados pelas necessidades de acumulação e expansão capitalista, cuja qualidade se torna resultado de uma competitividade e uma boa avaliação nos padrões que são considerados aceitáveis por grupos empresariais nacionais e internacionais e agências multilaterais. A deturpação da educação chegou a tal ponto que deturpa a própria escola e os trabalhadores nela inseridos, os espaços para conscientização, desenvolvimento de uma autonomia intelectual, para crítica e criação de uma identidade política e de classe estão cada vez mais se extinguindo. O que tem sobrevivido no ambiente escolar, e de forma predatória tem caçado e tentado aniquilar todas as outras concepções, sejam educacionais ou até mesmo visões de mundo, é a reprodução acrítica e a-histórica dos discursos enfatizados e disseminados pelo estado e por seus agentes. O que gera uma gama de multiplicadores de suas premissas, legitimando as ações excludentes e exploratórias do poder público, transformando as escolas públicas em um ambiente cada vez mais marcado pelas desigualdades, de raça, gênero e econômico-sociais, pela competição e por diversos conflitos entre professores, gestores e alunos. Nesse contexto, Meszáros (2004, p.50) salienta que outro mundo é sim possível e também necessário. E para o sucesso dessa tarefa, o autor deixa claro que é necessário compreender que n~o existe um sujeito da emancipaç~o predefinido, mas abrange “a totalidade dos grupos sociológicos capazes de se aglutinar em uma força transformadora efetiva no }mbito de um quadro de orientaç~o estratégica adequado”. Ou seja, os mais diversos grupos sociais de trabalhadores devem desenvolver a consciência de que possuem um interesse comum objetivo que é instituir a “alternativa hegemônica do trabalho { ordem social do capital”. Nesse processo, os conflitos e interesse opostos desses grupos seriam rearticulados, combinando essa variabilidade em um único sujeito social emancipador: a abrangente gama de todos os trabalhadores do sistema societal do capital. Por conseguinte, antes de lutar por melhores condições de vida e trabalho e por um novo conceito de educação, os professores devem ter clareza da classe social a que pertencem, 49 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário se identifiquem com essa classe e construam uma identidade política. Pois a luta dos docentes está contida em uma ação muito maior, que é a transformação da sociedade como um todo. Nesse aspecto, Meszáros (2004, p.52) enfatiza que o papel da participação - como “exercício criativo, em benefício de todos, dos poderes de tomada de decis~o adquiridos” - e a solidariedade são requisitos fundamentais para êxito da emancipação da sociedade. De acordo com o autor: [...] sem desenvolver e aprofundar a solidariedade entre as forças que lutam pela concretização de uma ordem alternativa, seus esforços - por mais dedicadas que sejam as pessoas que participam de lutas particulares, dispostas a sofrer privação e fazer os sacrifícios necessários no caso de uma greve que durou um ano- não terão sucesso. (MESZÁROS, 2004, p.53) Angela Mascarenhas (2002) salienta que os desafios impostos à classe trabalhadora nesta sociedade exigem mais do que nunca o desenvolvimento de uma identidade política, como elemento constitutivo da consciência de classe na contraposição ao processo de expansão e acumulação do capital. De acordo com a autora (p.15), a identidade política pode ser conceituada como: Processo de configuração da auto-consciência de um grupo, em que ele elabora sua posição e ação diante dos conflitos sociais e relações de poder. A identidade é um modo específico de articulação do grupo. É um fato de consciência significando uma auto-representação ou auto-definição, manifestada tanto no comportamento como no discurso. É um jogo dialético entre o mesmo e o diverso. O conflito e a heterogeneidade constituem terreno propício à formulação da autoconsciência. A construção da identidade é um processo contínuo, fundamentado nas relações que o sujeito estabelece com os outros, de acordo com um determinado projeto político. É o reconhecimento e afirmação do papel do indivíduo como agente histórico, consciente e atuante na elaboração de um novo projeto social, antagônico ao modelo existente. Constituir uma identidade política é se posicionar, lutar, resistir as imposições do sistema sociometábolico do capital, reconhecer-se permanentemente ligado a uma determinada classe social e articular os interesses dessa classe.(SILVA, H.L.F, 2006) Os docentes, pertencem a classe trabalhadora, no entanto, não são uma classe em si, pois não se reconhecem como parte da imensa gama de trabalhadores que são explorados pelos ditames do capital. A caracterização de uma classe social não é algo simples, pois mais que identificação das pessoas umas com as outras formando um grupo é necessário um posicionamento político por parte desse grupo. Pois, à medida que, existe apenas uma ligação De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 50 Luta de Classes e Contemporaneidade local através de condições econômicas, modo de vida ou cultura sem uma organização política não há efetivação da classe social (MARX, 1997) Por conseguinte, a deficiência na percepção e consciência dos docentes em relação a sua classe social é um dos fatores que contribui para a manutenção das relações de exploração em seu ambiente de trabalho e consequentemente na manutenção e disseminação do conceito de educação como mercadoria. Isso porque ser trabalhador é se reconhecer como sujeito histórico da mudança, da transformação da sociedade, sem essa identidade e colaboração com os outros grupos sociais trabalhadores não há como transformar verdadeiramente suas a educação pública. Assim sendo, na constituição de uma identidade política e de classe é necessário que as contradições, conflitos e relações de poder existentes na relação entre educação e trabalho sejam desvendados. É preciso que os educadores elucidem os processos de alienação do sistema capitalista, compreendendo o porquê do trabalho, nessa sociedade, ser visto como sinônimo de tortura, dor e sofrimento, ocasionando, muitas vezes, problemas de saúde nos trabalhadores. E é somente através da articulação entre política, educação e trabalho que essas questões podem ser descortinadas. (MASCARENHAS, A; 2005) No entanto, os discursos ideológicos presentes no meio educacional como: profissionais competentes, meritocracia e profissionalismo tem afastado cada vez mais os educadores do sentimento de pertencimento a classe trabalhadora. Há um forte preconceito e rejeiç~o ao próprio termo “trabalhador” que é visto como algo que desqualifica, que empobrece o desenvolvimento de seu trabalho e desmerece todo o esforço empreendido para aperfeiçoamento de sua função pedagógica. Na presente pesquisa, 79% dos trabalhadores docentes entrevistados se consideraram profissionais, rejeitando sua inserção na classe trabalhadora. A busca incessante por qualificação e aperfeiçoamento foram os motivos mais citados como justificativa para repudio de sua identidade como trabalhador, seguido pelo “amor” e “dedicaç~o” devotados a profiss~o. Quando você fala assim, eu sou uma profissional da educação ( ênfase em profissional) então você executa seu trabalho bem, então se for nesse sentido aí, eu prefiro ser chamada de profissional da educação porque a minha profissão é a educação, você tem que ta trabalhando com amor, com dedicação e não deixando esse princípio. (Professora 15- rede estadual) Ah eu me considero uma profissional da educação né, e é o que eu quero ser, o que eu pretendo ser, se ...quando eu escolhi essa profissão era porque eu queria ser uma boa professora, senão não teria nem começado nessa área. Mas assim, trabalhadora é 51 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário quando você simplesmente ta lá pra receber o seu salário né, e você só trabalha em prol disso, do seu sustento próprio, como profissional, eu vejo assim como forma de procurar uma melhoria para minha vida e para vida dos meus alunos. ( Professora 17 – rede estadual) O restante que se considerou parte da classe trabalhadora também não o fez devido a construção de uma identidade política, mas devido a leitura deturpada de trabalho e trabalhador pela ótica da exploração do capital. Isto é, os docentes se consideraram trabalhadores, devido principalmente a falta de reconhecimento “profissional” e as péssimas condições de trabalho como: baixos salários, descaso do estado, salas super lotadas, entre outros. Eu me considero uma trabalhadora da educação, porque não está sendo fácil. Acho que o profissional é aquele que ta lá no trabalho e pronto, saiu do trabalho não pensa em mais nada em relação a ele, e a gente não é assim. A gente vai pra casa, a gente leva material, a gente sai com a vida dos alunos nas mãos, o tempo todo. ( Professora 17 – rede estadual) Trabalhador porque eu trabalho além do que as vezes eu suporto. Né, eu acho assim porque a carga horária do professor hoje ela é muito pesada. Tá porque não é só a gente chegar na sala de aula e dar aula acaba as atividades na sala de aula, a gente tá cansada, estressada, chega em casa e tem outras atividades além da documentação, ainda tem a familia em casa, então é uma carga horária muito pesada. ( Professora 1 – rede municipal) A negação de sua classe social dificulta a elaboração de uma práxis que permita a construção de um fazer pedagógico voltado para emancipação e desenvolvimento de uma autonomia intelectual nos estudantes, pois os próprios docentes não conseguem realizar uma leitura clara do verdadeiro contexto em que estão inseridos, o que dificulta sua opção política, permanecendo presos a teia ideológica e alienante da educação-mercadoria. Além disso, na perspectiva de serem profissionais competentes, os educadores passam a estranhar os próprios companheiros de classe, passando enxergá-los como concorrentes, pautando suas relações sociais em critérios competitivos e individualistas. A falta de uma identidade política reflete na ausência de uma perspectiva crítica, que favoreça uma visão completa dos múltiplos determinantes que afetam o trabalho docente. Os professores reconhecem as condições indignas de trabalho a que são submetidos, mas sua interpretação desses dados muitas vezes é reduzida a apenas a sua situação imediata de trabalho, eles não conseguem avançar além das aparências imediatas. É uma crítica superficial, pois desconsidera as contradições do modo de produção capitalista, os processos de alienação e os conseqüentes antagonismos de classe por ele gestados. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 52 Luta de Classes e Contemporaneidade Uma educação pública de qualidade só se efetivará mediante a articulação de seus trabalhadores em prol da apropriação e difusão dos conhecimentos escolares para contraposição ao sistema societal do capital. Cultivando a consciência política e de classe cotidianamente, educando a todos de forma criativa e criadora, tendo como princípio educativo o trabalho. O trabalho como princípio educativo é aqui entendido não como a preparação para inserção no mercado capitalista, mas sim de uma formação que favoreça a inserção do indivíduo no mundo, de forma criativa, realizadora e transformadora. (MASCARENHAS, A; 2005, p. 162) Nessa perspectiva, a construção de uma identidade política poderá contribuir para associação entre teoria e prática, entre ação política e ação pedagógica, culminando na politização das questões cotidianas. Nesse processo, novas posturas e comportamentos poderão surgir contribuindo para crítica e a revelação do caráter ideológico e alienante dos vários elementos que constituem o trabalho docente, o que poderá trazer contundentes contribuições para a desconstrução dessa educação-mercadoria doente e dessa escola pública doente. Considerações Finais Apesar de explorados e muitas vezes subjugados, muito mais que vítimas, os trabalhadores docentes são sujeitos sociais, que assim como os demais trabalhadores do modo de produção capitalista, possuem em suas mãos a potencialidade para a transformação da sociedade, a qual poderá se efetivar mediante a construção de sua identidade política, favorecendo ações para a resistência contra as imposições desse sistema que deforma a educação, a escola e seus trabalhadores. Portanto, a luta em prol de uma educação pública de qualidade e contra a exploração do trabalho docente, passa necessariamente pela constituição de um novo conceito da própria qualidade educacional, um conceito pautado na construção da autonomia intelectual dos alunos, contribuindo para formação onilateral do indivíduo. Uma qualidade que seja pautada não apenas em aspectos técnicos, no saber-fazer, mas fundamentalmente na constituição de uma identidade política, tanto por parte dos educadores como dos estudantes, capaz de desvendar os processos de alienação do modo de produção capitalista, partindo da compreensão de que o trabalho é fundante da própria humanização dos indivíduos. A partir 53 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário de então, os trabalhadores docentes poderão realmente contribuir para construção de uma nova sociedade, assumindo seu papel de sujeito histórico, delineando uma nova concepção de educação, que vá além dos limites impostos pelo capital e que traga autonomia, conscientização e uma verdadeira realização para os professores. Referências ENGUITA, Mariano Fernández. O discurso da qualidade e a qualidade do discurso. In:GENTILLI, Pablo A.A.; SILVA, Tomaz Tadeu da (org). Neoliberalismo, qualidade total e educação. Petropólis, RJ: Vozes, 1994, p.93-110. FONSECA, Marília. 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De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 54 Luta de Classes e Contemporaneidade Educação superior no Brasil uma retrospectiva Francielly Cristina Moreira de Oliveira1 [email protected] Resumo: Este trabalho tem por objetivo fazer uma analise da educação superior no Brasil, para tal, utiliza - se as acepções contidas no artigo de Ristoff (2008) “Educação Superior no Brasil – 10 anos pós - LDB: da expans~o { democratizaç~o”, quer-se mostrar como a Universidade que tem como objetivo, ensino, pesquisa e extensão, em um sistema social capitalista, dita ser uma educação para todos. Portanto, através de números pode-se identificar que essa não seria bem a realidade e que a cada dia as instituições de ensino superior tem se tornado excludente. Nesse sentido procura-se um diálogo com o autor Montesquieu que em sua obra “Do Espírito das leis” apresenta uma an|lise dos três tipos de governo: Republicano, Monárquico e Despótico, referindo que em cada tipo de governo as leis da educação serão diferentes. Palavras-chaves: exclusão; expansão; democratização. Este trabalho tem por objetivo fazer uma analise da educação superior no Brasil e para tal, apresenta-se as acepções contidas no artigo de Ristoff (2008) “Educação Superior no Brasil – 10 anos pós - LDB: da expans~o { democratizaç~o”. Diante dessa perspectiva o autor diz que os primeiros passos da educação após aprovação da LDB (Lei n. 9.394/1996) e as transformações que conduziram o ensino superior para um processo de elitização e privatização. Contudo o autor afirma que a educação ainda permanece excludente e inacessível. Através de gráficos identifica - se as características básicas da educação superior, que são sintetizadas em dez itens. Vejamos a seguir. Vários pontos podem ser visualizados no gráfico, tais como; Expansão: crescimento expressivo do sistema. Instituições matriculas 120%. Graduação presencial 180% . Privatização. Graduada em História pela UEG - Anápolis e acadêmica do curso de Pós – Graduação - Docência Universitária UEG Laranjeiras 1 55 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Gráfico 1 - Percentual de instituições, cursos e matriculas em 2004 O gráfico mostra que a educação permanece excludente e inacessível, pois expandir não significa democratizar, criar condições de permanência para alunos ingressos nas universidades. Ristoff aborda os conceitos “diversificação” e “privatização”, para tratar da perda de centralidade por parte das universidades. O primeiro conceito refere-se a universidade pela constituição de 1988 – instituição autônoma de ensino, pesquisa e extensão. Muitas vezes confundida no imaginário popular como centros universitários e pequenas faculdades. O Segundo de sistema regulatório da Educação Superior em que 93% das IES dependem da União para autorizar, reconhecer, renovar reconhecimentos, credenciar, recredenciar e avaliar. O autor trabalha outros conceitos, tais como: Centralização: refere-se principalmente ao sistema regulatório da educação superior do país. Desequilíbrio regional: cerca da metade das instituições, cursos e matriculas do Brasil estão no Sudeste. Ampliação do acesso: houve ampliação de oportunidade de acesso para setores da classe média até então excluídos pelas Universidades públicas. Desequilíbrio de oferta: a maioria das IES oferece poucos e mesmos cursos (administração, direito e pedagogia). Entre outros conceitos, tais como; Corrida por Titulação, Lento incremento na taxa de escolarização superior. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 56 Luta de Classes e Contemporaneidade Gráfico 2 – Percentual de vagas Gráfico 3 – Meta e realidade -Corrida por titulação: deve-se em boa parte ás exigências estabelecidas na LDB (lei n. 9.394/1996) para as Universidades. -Incremento na taxa de escolarização superior: O PNE traçou meta para a educação de jovens entre 18 e 24 anos, mas a realidade é bem diferente. Ratifica Ristoff: “É fundamental perceber que a expansão dos últimos anos ocorreu principalmente pelo setor privado, mas quando esse setor deixa quase metade de suas vagas ociosas, quando índices alarmantes de inadimplência o desestabilizam e quando a evasão ameaça inviabilizar mesmo cursos de altíssima demanda, fica evidente que a sua capacidade de expans~o est| próxima do limite” Referente à educação2, vale ressaltar as idéias de Montesquieu quanto à natureza das leis positivas próprias do homem que seria assegurada pela forma de governo e de acordo com o tipo de governo, em que educação correlacionaria às leis próprias de cada governo. Montesquieu em sua obra “Do Espírito das leis” tem como an|lise os três tipos de governo: Republicano, Monárquico e Despótico, segundo seu pensamento “em cada tipo de 2OLIVEIRA, Francielly. A EDUCAÇÃO A PARTIR DA VISÃO DE MONTESQUIEU: REGIME MILITAR (1964- 1985). Trabalho apresentado na IX Semana de História: Ensino de História- Nova Perspectiva e Novas Abordagens – ANAIS – UEG, 2010. Disponível em: http://www.youblisher.com/p/67033-ANAIS-DA-IX-SEMANADE-HISTORIA-UEG-2010/ Acesso: 03/01/2012. 57 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário governo as leis da educação serão diferentes. Nas monarquias, terão por objeto a honra; nas repúblicas, a virtude; no despotismo, o medo...” (MONTESQUIEU, 1979 p. 18). Nota-se que, nos três tipos de governo, a educação é vista como um conjunto de leis que primeiro nos ensinam e que segundo Montesquieu é de fundamental importância no desenvolvimento de qualquer governo. De acordo com Montesquieu, quanto às leis da educação, afirma serem as primeiras que recebemos e que nos preparam para sermos cidadão. Nesse sentido, as leis da educação devem ser relativas aos princípios do governo, e que, portanto, cada família particular deve ser governada em conformidade com o plano da grande família. Deste modo as leis da educação em cada espécie de governo serão diferentes Nesse sentido, é valida uma exposição inicial das concepções de Montesquieu sobre a educação, para uma melhor compreensão dos aspectos que interessam nessa analise. As leis da educação, segundo Montesquieu, derivam da espécie de governo e que a família tem um papel importante nesta formação. Para Montesquieu a educação nas Monarquias encontra-se fundamentada na honra. Este mestre universal que deve conduzirnos em todos os lugares. Não é nas escolas públicas em que a infância é instruída, é no mundo que a educação começa. Ratifica o autor: “... A educaç~o nas monarquias exige nas maneiras certa polidez. Os homens, nascidos para viverem unidos, também nasceram para agradar uns aos outros; e aquele que não observasse as conveniências, chocando todos aqueles com os quais vive, seria desacreditado a tal ponto que se tornaria incapaz de fazer algum bem...” (idem, 1979, p. 18) A polidez aqui é caracterizada por um sentimento de distinção e superioridade. A polidez está naturalizada na corte. Distinguindo aqueles que são polidos daqueles com quem somos polidos. Esta distinção demonstra que somos da corte ou que somos dignos de sê-lo:“... É por orgulho que somos polidos: sentimo-nos lisonjeados de termos maneiras que provem que não estamos na baixeza e que não vivemos com esse tipo de gente que foi deixada de lado em todas as épocas...” (MONTESQUIEU, 1979, p. 18). A educaç~o visa essa polidez no intuito de fazer o que se chama de homem de bem, que possua todas as qualidades e todas as virtudes requeridas neste governo. Salienta o autor: “... a honra, imiscuindo-se em tudo, invade todos os modos de pensar e todos os modos de sentir e dirige até mesmo os princípios...” (idem, 1979 p. 19) De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 58 Luta de Classes e Contemporaneidade Portanto, cada governo tem suas próprias regras e a educação deve ser orientada por elas. Essas regras são colocadas da seguinte forma por Montesquieu: “... As principais s~o: é-nos permitido dar certa importância a nossa riqueza, mas é-nos soberanamente proibido dar qualquer importância a nossa vida. A segunda é que, uma vez que tivermos ocupado alguma posição, não deveremos fazer nem tolerar nada que mostre que somos inferiores àquela posição. A terceira, que as coisas que a honra proíbe são ainda mais rigorosamente proibidas quando as leis não as proscrevem, e aquelas que ela erige são ainda mais fortemente exigidas quando as leis não as requerem...” ( 1979, p. 19) Apresentada as regras no governo Monárquico, é chegada hora de falar da educação no governo Despótico, que seria caracterizada por uma educação servil, segundo Montesquieu, ninguém é tirano sem ser ao mesmo tempo escravo, diz o autor: “... A extrema obediência supõe ignor}ncia naquele que obedece; supõe-na também naquele que ordena; ele não precisa deliberar duvidar ou raciocinar; só precisa querer...” (idem, 1979 p. 19) A educação nos Estados despóticos reduz-se a introduzir o temor no coração e dar ao espírito o conhecimento de alguns princípios muito simples de religião. O saber aqui é visto como perigoso e baste limitado: “... Assim, a educação é ali por assim dizer nula. Precisa-se tirar tudo para dar alguma coisa, e começar por fazer um mal súdito, para fazer um bom escravo...” (MONTESQUIEU, 1979 p. 19). Depois de abordar a educação no governo Despótico, Montesquieu nos apresenta a concepção de governo Republicano, que seria importante para essa analise, já que o referente artigo direciona sua analise a uma educação no governo federativo. Para essa analise Montesquieu no capitulo V de sua obra “Do Espírito das Leis” diz que a educação no governo republicano é muito importante, já que o temor nos governos despótico nasce espontaneamente entre as ameaças e os castigos, a honra das monarquias seria favorecido pelas paixões, o que na República a virtude política é uma renuncia a si mesmo. Essa virtude pode ser definida como o amor às leis e à pátria. Renunciar a si mesmo é algo muito difícil, nesse governo exige que se prefira continuamente o interesse público ao seu próprio interesse. Esse amor esta ligado às democracias. Assim, em uma República é necessário esse amor à pátria, para conservar o governo. Logo, na República, a educação fazse necessária, pois tudo depende de introduzir o amor à pátria. A responsabilidade dos pais na 59 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário educação dos filhos no estado Republicano é importante, os pais têm o poder de transmitirlhes todas as paixões. Se caso isso não ocorra, é porque o que foi feito na casa paterna foi destruído pelas impressões de fora: “... N~o é a nova geraç~o que degenera; ela só se perde quando os adultos j| est~o...” (MONTESQUIEU, 1979 p. 20). Por convicção, Montesquieu refere-se que a igualdade é um estado natural do homem na democracia. Afirma que quando se perde o espírito de igualdade, corrompe o princípio da Democracia. O espírito democrático na monarquia ou no despotismo para que se mantenha ou se sustente não é necessária muita probidade. No entanto, no Estado popular, é preciso uma força a mais: a virtude. A virtude no governo republicano é importante, pois quando esta desaparece, a ambição e a avareza penetram no coração de todos. E nesse sentido que a educação deve ser mantida, com a função de introduzir o amor à pátria. Apreciação quando se fala educação democrática, segundo as argumentações de Ristoff, que há milhões de estudantes do ensino médio tão pobre que mesmo a educação superior sendo pública e gratuita terão dificuldades de se manterem no campus. Cabe questionar a respeito dessa iniqüidade, em um país que reivindica os princípios de igualdade, fraternidade e liberdade, já que falar de uma educação democrática em meio as desigualdades sociais requer muita inteireza do assunto, pois o que se presencia seria uma educação que enfrenta sérios problemas quando se fala em direitos sociais, político e econômico. Ristoff chega a abordar a universalização da educação básica, dizendo que esse processo acabaria levando exercito de carentes às portas do campus nos próximos anos, sendo a expansão insuficiente. Percebe também que o PROUNI apenas fez com que o vestibular deixasse de ser um trauma para pais e filhos, que ainda continua sendo um processo excludente, os alunos n~o consegue se manter nos campus. Segundo SILVA (2000) “a escola ao invés de democratizar, seria sua função reproduzir hábitos de classe, a maneira de se comportar e pensar de um grupo social, representado pelo capital cultural. Portanto, a escolarização condena aqueles que carecem de capital cultural ao fracasso social, ou seja, estes n~o adquiriram os instrumentos necess|rios para “vencer” na vida gerando a idéia de fracasso “(p.33). Segundo Ristoff se a palavra de ordem da década passada foi expandir, a desta década precisa ser democratizar. E isto significa criar oportunidades para que os milhares de jovens De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 60 Luta de Classes e Contemporaneidade de classe baixa, pobres, filhos da classe trabalhadora e estudantes das escolas públicas tenham acesso à educação superior. Desse modo, não basta expandir o setor privado – as vagas continuarão ociosas; não basta aumentar as vagas no setor público – elas apenas facilitarão o acesso e a transferência dos mais aquinhoados. A democratização, para acontecer de fato, precisa de ações mais radicais – ações que afirmem os direitos dos historicamente excluídos, que assegurem o acesso e a permanência a todos os que seriamente procuram a educação superior, desprivatizando e democratizando o campus público. Referências OLIVEIRA, Francielly. A EDUCAÇÃO A PARTIR DA VISÃO DE MONTESQUIEU: REGIME MILITAR (1964-1985). Trabalho apresentado na IX Semana de História: Ensino de HistóriaNova Perspectiva e Novas Abordagens – ANAIS – UEG, 2010. Disponível em: http://www.youblisher.com/p/67033-ANAIS-DA-IX-SEMANA-DE-HISTORIA-UEG-2010/ Acesso: 03/01/2012. RISTOFF, Dilvo. Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB: da expansão à democratização. In Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB / Mariluce Bittar, João Ferreira de Oliveira, Marília Morosini (orgs). – Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2008 Disponível em: http://www.oei.es/pdf2/educacao-superior-brasil-10-anos.pdf SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidade: uma introdução as teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. 61 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Reestruturação produtiva e trabalho docente Renato Gomes Vieira [email protected] Resumo: Este estudo procura investigar as condições de trabalho docente frente às mudanças da esfera produtiva que notadamente alteraram em grande medida o mundo do trabalho, com a penetração de novos métodos de produção, destacando-se o toyotismo. Busca compreender então como se configura o trabalho docente na educação básica pelas vertentes da intensificação, precarização, a flexibilização e o controle sobre a atividade docente, que acabam acarretado uma proletarização do professor. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 62 Luta de Classes e Contemporaneidade As pesquisas sobre o infanticídio no Brasil e a questão da categoria de análise classe social Veralúcia Pinheiro Resumo: O objetivo deste texto é discutir o crime de infanticídio no Brasil, na perspectiva de compreender as raízes históricas da maternidade e da violência, intrinsecamente relacionado com as classes sociais, uma vez que os dados apontam para o fato de que, as mulheres envolvidas com esta modalidade de crime, pertencem majoritariamente às camadas populares. Apresentaremos dados parciais da pesquisa: O infanticídio na sociedade brasileira: um estudo das dimensões social, histórica e cultural, que estamos desenvolvendo na UEG, sob a perspectiva do materialismo histórico dialético. Em geral, os estudos sobre gênero realizado no âmbito acadêmico, publicados em revistas e periódicos científicos, em anais de congressos têm apresentado um debate sobre a condição da mulher na sociedade brasileira sem considerar sua perspectiva de classe social. Assim, as mulheres são retratadas como seres apolíticos, irreais que tendem para um processo de naturalização, retomando a crença na mística da natureza feminina. Palavras Chaves: Infanticídio, Mulher, Classe Social. Pensar a questão da mulher no Brasil em uma perspectiva histórica, que leve em conta o conjunto das relações sociais, necessário se faz partir do contexto da sociedade de classes que certamente nos levará aos remotos tempos da colonização em que a escravidão aqui estabelecida teve como objetivo favorecer os interesses do florescente capitalismo mercantil europeu. Não cabe, portanto, abstrações que tendem a apresentar a mulher em geral e de formo homogênea, como “vítima” de uma dominaç~o masculina, cuja principal característica seria a opressão e a exploração de todas elas. Na sociedade colonial essa igualdade não existia nem mesmo do ponto de vista jurídico, posto que o processo original de acumulação do capital impôs a força de trabalho escrava, como meio adequado a esse fim. Desse modo, homens e mulheres estavam separados pela sua condição de escravo ou de proprietário de escravos e de terras. O homem livre e pobre que não possuía propriedades, embora livre formalmente encontrava-se totalmente à margem daquela sociedade. Doutora em educação pela Unicamp, professora da Universidade Estadual de Goiás – Unidade de Ciências Sócio – Econômicas e Humanas. Coordenadora do Projeto de Pesquisa: O infanticídio na sociedade brasileira: um estudo das dimensões social, histórica e cultural. 63 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário O modelo imposto pela estrutura internacional de poder na formação econômico-social capitalista no Brasil se constituiu de forma dependente. A realização dos objetivos deste sistema nos níveis alcançados pelas sociedades de consumo de massas, constitui o ponto inicial para compreendermos os papéis sociais que homens e mulheres historicamente desempenharam na sociedade brasileira desde seus primórdios. A fim de exemplificar a primazia do caráter econômico e de classe ao invés de racial que marcavam as relações durante o período da colonização, Saffioti (1979) afirma que apesar da rígida assimetria que caracterizava as relações senhor - escravo, o fundamento pecuniário da escravidão e a miscigenação constituíam-se em fatores de perturbações daquelas relações. Assim, a maneira meramente formal, mediante a qual a camada dominante resguardava seu domínio, impedindo casamentos inter – raciais, mas não impedindo a miscigenação, deixava transparecer que o econômico, e não o racial era o verdadeiro fundamento da divisão da população em castas. A inexistência de repugnância mútua entre as camadas constituintes da sociedade escravocrata configuraria uma especial estratificação em castas em que a raça desempenharia meramente a função de símbolo da condição econômica dos indivíduos. No que refere aos papéis femininos, essa inconsistência cultural do sistema de castas no Brasil teve consquências de ordem diversas. Para Saffioti (1979) a mais importante inconsistência, aparece quando examinamos os papéis a cujo desempenho estava sujeita a mulher negra. Pois, cabia à escrava, além de uma função no sistema produtivo de bens e serviços, um papel sexual, via de uma maior reificação e, simultaneamente, linha condutora do desvendamento do verdadeiro fundamento da sociedade de castas. Se, por um lado a função da negra escrava, enquanto mero instrumento de prazer sexual de seu senhor, não indica que, nesta relação as partes envolvidas tenham superado o nível primário e puramente animal do contacto sexual, por outro, o produto desta relação assume, na pessoal do mestiço, a forma de um foco dinâmico de tensões sociais e culturais. Assim, na medida em que a exploração econômica da escrava, consideravelmente mais elevada que a do escravo, por ser a negra utilizada como trabalhadora como mulher e como reprodutora de força de trabalho, se fazia também por meio de seu sexo, a mulher escrava constituía no instrumento inconsciente que, paulatinamente, minava a ordem estabelecida, quer na sua dimensão econômica, que na sua dimensão familiar. Ao se constituir como objeto De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 64 Luta de Classes e Contemporaneidade de desejo do homem branco a mulher negra, por um lado levava o senhor a adotar comportamentos antieconômicos, tais como a venda e a tortura de negros com os quais aquele competia no terreno sexual. Por outro lado, as relações sexuais entre senhores e escravas desencadeavam, por mais primárias e animais que fossem, processos de interação social incongruentes com as expectativas de comportamento, que presidiam à estratificação em castas. Por isso, não apenas homens brancos e negros se tornavam concorrentes na disputa das negras, mas também mulheres brancas e negras disputavam as atenções do homem branco. Evidentemente a rivalidade entre brancas e negras não se configurava como uma típica competição, posto que pelo sistema de castas os fins a que se destinavam umas e outras eram completamente diferentes. O marco dessa diferença é bastante evidente se observarmos o papel da mulher branca na casa grande. Ela desempenhava, na maioria das vezes, um importante papel no comando e supervisão das atividades realizadas no lar. Ainda de acordo com Saffioti (1979), a senhora não dirigia apenas o trabalho da escravaria na cozinha, mas também na fiação, na tecelagem, na costura, supervisionava a confecção de rendas e o bordado, a feitura da comida dos escravos, os serviços do pomar e do jardim, o cuidado das crianças e dos animais domésticos, providenciava tudo para o sucesso dos encontros comemorativos, que reuniam toda a parentela. Tudo isso, que constituía o domínio próprio, o universo social e cultural da mulher, dificilmente permitiria às mães a indolência e a passividade atribuída a elas. Em quase todo o país a vida era dura para a maioria e da mulher esperava-se que desempenhasse seu papel de forma impecável. Desse modo, não são raros os casos em que as viúvas tomaram a direção dos negócios da família com energia e sucesso, revelando-se líderes competentes, mas também casos em que a esposa de um homem incapaz ou incapacitado tomou seu lugar na chefia da família. Essa breve contextualização da mulher no Brasil Colônia tem o intuito de contribuir para desmistificar a crença de que as mulheres são e foram igualmente submetidas a um mesmo processo de exploração e dominação. A condição da mulher escrava e também da mulher livre e pobre era completamente diferente da condição assumida pela senhora “esposa” do grande senhor escravocrata. Muitos são os mitos que sobrevivem mesmo no âmbito da academia sobre a questão da mulher. No presente, tem sido comum professores e outros profissionais da educação básica, 65 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário aflitos com a crescente onda de violência e indisciplina na escola, buscar explicações para o fenômeno vinculando-o a inserção da mulher no mercado de trabalho. Argumentam nesse sentido, que esse foi o fato desencadeador para quase todos os problemas relacionados com a “desestruturaç~o familiar”, desestruturaç~o que, por sua vez teria provocado comportamentos violentos na criança e consequentemente um baixo rendimento na escola. Para os que defendem essa idéia teria existido no passado uma mulher exclusivamente dedicada aos afazeres de mãe e dona-de-casa em contraposição à mulher que agora trabalha fora do lar e que provocou uma crise na família, na escola e na sociedade. Todavia, a mulher, especialmente a mulher pobre, seja nos tempos da colonização, do império ou da república sempre esteve submetida ao mundo do trabalho e a condição desse trabalho nunca foi e não é igual para todas as mulheres. Mas, interessa nos aqui, discutir especialmente o mito do amor materno. Concebido como um instinto natural de todas as mulheres, este argumento é largamente utilizados pelos “operadores do direito” quando se deparam com o crime de infanticídio. Contrapondo-se a ele, Badinter (1985, p. 1), nos mostra dados sobre a maternidade na França do século XVI e XVII que comprovam a indiferença da mulher diante da maternidade. Segundo o relatório de polícia citado pela autora em 1780 Das 21 mil crianças que nascem anualmente em Paris, apenas mil são amamentadas pela mãe. Outras mil, privilegiadas, são amamentadas por amas-de-leite residentes. Todas as outras deixam o seio materno para serem criadas no domicilio mais ou menos distante de uma ama mercenária. São numerosas as crianças que morrerão sem ter jamais conhecido o olhar da mãe [...]. A partir destes e de outros dados, Badinter (op.cit), apresenta uma realidade onde o interesse das mães pelos filhos, até o século XVIII, era bastante reduzido, o que a faz considerar que o amor materno é apenas um sentimento humano. E como todo sentimento, é incerto, frágil e imperfeito. Assim, ao observar a evolução das atitudes maternas, constata-se que o interesse e a dedicação à criança se manifestam ou não se manifestam, o afeto existe ou não existe. As diferentes maneiras de expressar o amor materno vão do mais ao mais ou menos, passando pelo nada, ou o quase nada. Acreditamos que essas diferentes maneiras de desenvolver e expressar o amor materno decorre quase sempre do apoio e afeto que essa mulher possui ou não em sua rede de relações familiares ou de amizade, durante a gravidez e depois dela. No entanto, esse De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 66 Luta de Classes e Contemporaneidade aspecto ou mesmo a não autonomia profissional e econômica das mulheres acusadas do crime de infanticídio n~o consta dos debates que os “operadores do direito”. Ao invés disso, tais operadores, associam o infanticídio à noção de loucura puerperal, uma categoria que tem origem na medicina. Foram 15 os processos analisados neste estudo e em todos eles, as mulheres que praticaram o crime de infanticídio encontravam-se isoladas, submetidas a trabalhos precarizadas e relações familiares repressivas e autoritárias. Nesse sentido é emblemático o caso de Lidiane de Oliveira Ludke, que teve seu julgamento realizado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em 05 de maio de 2010. De início, Lidiane foi denunciada pelo crime de homicídio, constante art. 121, § 2º, incisos I e III c/c art. 121, § 4º, in fine, e art. 61, inciso II, alínea e (descendente), todos do Código Penal, No entanto, a magistrada, responsável pelo caso, considerou que a existência do fato (materialidade) não foi comprovada e por isso, impronunciou a ré em relação às acusações feitas pelo Ministério Público, que então, recorreu dessa decisão. O novo julgamento concedeu parcial provimento ao apelo do Ministério Público e julgou Lidiane culpada de infanticídio (art. 123 do Código Penal). Apesar da linguagem técnica e burocrática do Relatório elaborado pelo Desembargador Marcel Hoppe, sobre o crime praticado por Lidiane pode-se extrair algumas informações que retratam a dramaticidade dessa mulher. Nesse documento, o delegado responsável pela denúncia afirma que Lidiane escondeu a gestação das pessoas do seu círculo familiar e quando estava no período previsto para dar a luz à criança, trancafiou-se no banheiro de sua residência, local onde deu início o trabalho de parto. Em seguida, após a criança ter nascido com vida, segundo a denúncia, Lidiane, de forma não precisamente apurada, asfixiou o bebê que depois foi encontrado, já sem vida no interior de um tanque de acrílico coberto por panos. Ao ser interrogada, Lidiane, afirmou que escondeu de todos sua gravidez porque temia ser repudiada por seus pais, que s~o muito “rígidos”. Narra ainda que sua situação tornou-se ainda mais delicada porque o pai da criança “sumiu” logo após saber da notícia de sua gravidez. 67 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário O isolamento e a falta de apoio institucional são visíveis. Lidiane conta que não fez nenhum exame pré-natal e mesmo no dia em que entrou em trabalho de parto, estava em seu emprego (empregada doméstica) e sua patroa apenas “desconfiou”, mas como negou que estivesse grávida, a patroa nada fez. Para aliviar as fortes dores do parto, Lidiane tomou vários banhos, no último começou a ficar tonta e quando já não estava mais suportando a dor, “sentiu que algo caiu” e, em seguida desmaiou. Quando acordou, Lidiane estava em uma poça de sangue e não sabia o que fazer. Relata que olhou para o chão e a criança estava lá, pegou no colo, mas continuou sem saber o que fazer. A criança, segundo ela, não se mexia e continuava com os olhos fechados, então, amedrontada e insegura pensou que naquelas condições em que ocorreu o parto, a criança já devia estar morta. A única alternativa que conseguiu pensar naquele momento foi deixar a criança ali mesmo, ao lado, dentro de um tanque vazio, sem água em seu interior. Logo depois, o bebê foi encontrado sem vida e o segredo guardado durante nove meses foi descoberto. Percebendo, então seu estado lastimável a patroa levou Lidiane ao hospital que só então, confessou que se sentia rejeitada e discriminada pelos pais adotivos, pois sempre percebeu que os irmãos brancos e filhos biológicos eram preferidos pelos pais adotivos. A dramática situação de Lidiane em nada sensibiliza os operadores do direito, neste caso específico, o Ministério Público reiteradamente procurou mostrar a crueldade da mulher, buscando acusá-la de homicídio e não infanticídio. Todavia o Desembargador, relator do processo argumentou que existiam indícios de autoria do crime, porém, não poderia classificá-lo como homicídio e sim infanticídio, previsto no art. 123 do Código Penal, que ocorre quando a mulher mata o próprio filho, durante o parto ou logo após, sob a influência do estado puerperal.1 A partir dessa classificação, o relator do processo, procura brevemente esclarecer o significado do estado puerperal, deixando claro que são perturbações de ordem física e psicológica decorrentes do parto que acometem as mulheres. Acrescenta ainda que tais transtornos produzem sentimentos de angústia, ódio, desespero, levando a mãe a eliminar o próprio filho. “Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após: Pena detenç~o, de dois a seis anos”. 1 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 68 Luta de Classes e Contemporaneidade O que se destaca nesse documento é o car|ter abstrato do “estado puerperal”. É como se qualquer mulher em qualquer situação pudesse, logo após o parto ser sua vítima. O discurso do magistrado sobre os sentimentos de angústia, ódio e desespero das mães em “estado puerperal”, reforça essa idéia da determinaç~o biológica. Em nenhum momento se faz menção ao fato de que o desespero, a angústia, o medo das mulheres foram forjados antes do parto, provavelmente durante toda a gravidez e até mesmo antes dela, decorrentes de relações familiares conflituosas, violentas e condições de vida miseráveis. Tudo isso, não faz parte do objetivo dos debates travados pelo poder judiciário. Em relação ao infanticídio, justiça e medicina se uniram para oferecer explicações para o crime sem, contudo, elaborar nenhuma crítica a esse modelo de sociedade, cuja violência lhe é intrínseca. Referências BADINTER, Elisabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno. 6ª. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. SAFIOTTI, Heleieth Iara Bongiovani. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. 2ª. ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 1979. PRESIDENCIA DA REPÚBLICA. Decreto-Lei Nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Rio de Janeiro, 1940. 69 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Políticas e reformas da educação no Brasil Rafael Moreira do Carmo1 Resumo: As mudanças em curso evidenciadas pelas políticas públicas na educação do Brasil como um todo, e do Estado de Goiás em particular, fazem parte de um amplo processo de organizaç~o e reorientaç~o do papel do Estado como provedor deste “direito”. Neste sentido, o presente texto busca analisar detidamente o significado das atuais políticas em um contexto de reestruturação produtiva num processo crescente de crise estrutural do capital. Esta analise centra-se no papel reformador destas políticas que visam garantir a conformidade social no âmbito dos limites estabelecidos pelo Estado, neste sentido, estas políticas possuem avanços e retrocessos compatíveis com as contradições que envolvem o processo de proposição e efetivação destas propostas que esbarram nos limites intransponíveis da consciência burguesa. Palavras-chave: Educação; Políticas Públicas; Capital; Crise; Estado. Da educação escolarizada aos processos sociais amplos O campo educacional nas últimas décadas vem sofrendo com as mais variadas formas de intervenção política e econômica. Globalização, reestruturação produtiva, acumulação flexível e declínio do welfare state são apenas algumas das principais variáveis que exercem, na atualidade, pressão sobre os sistemas nacionais de educação. Embora estes processos se apresentem de forma corriqueira e naturalizada possuem uma visão de mercado deliberada que busca, acima de tudo, garantir uma formação flexível para um mercado que se tornou fortemente flexível e instável, sobretudo, a partir da grande crise do petróleo em 1973 (Cf., HARVEY, p. 135). Os processos ora em prática levaram a uma grande revalorização da educação moderna, esta passou a ser um instrumento viabilizador da competitividade em um mundo globalizado. Do ponto de vista do mercado busca-se uma formação de base sólida e voltada aos valores que interessam à produção, ou seja, uma educação perpassada por um viés ideológico implícito em que o indivíduo esteja livre de compromissos políticos, sociais e éticos, portando apenas habilidades necessárias aos processos modernos de trabalho. Em conformidade com estes processos o Estado brasileiro instituiu nos últimos anos um conjunto de intervenções na área educacional com o objetivo de atingir os índices de Mestrando em Sociologia – Faculdade de Ciências Sociais (UFG) Contato: [email protected] 1 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 70 Luta de Classes e Contemporaneidade escolaridade dos países membros da Organização Para o Desenvolvimento Econômico (OCDE)2 modificando, desta maneira, a concepção de ensino básico de nossas escolas. Dentre as iniciativas de organizar o sistema educacional, sobretudo no que tange o ensino médio, surgem, no Ministério da Educação (MEC) algumas ações fundamentais com o intuito de repensar a organização escolar. Estas modificações, em princípio, já presentes na própria promulgação da Constituição Federal em 1988 e na Lei 9394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), tomam corpo, sobretudo, no governo Fernando Henrique Cardoso com um conjunto de modificações substanciais na organização do sistema nacional de ensino. Conforme Moraes, Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), Parecer CNE/CEB 15/98 e a Resolução CNE/CBE 03/98 fazem parte do marco institucional da chamada “Reforma do Ensino Médio” (2009, p. 343). Na esteira dessas discussões as políticas educacionais até então vigentes para a educação pública são colocadas em evidência e questionadas em sua eficiência e obsolescência. Em outros termos, a própria disposição do ensino médio e repensada, surgindo assim alguns programas estatais que visam na aparência, por intermédio de reformas gradativas, à solução e superação das principais falhas e contradições de nosso sistema de ensino. Por outro lado, as modificações e reformas constantes em nossas políticas educacionais são objeto de estudos de vários campos científicos, porém, curiosamente, a ligação destas políticas aos processos estruturais globais do capitalismo contemporâneo, é negligenciada pela maioria dos teóricos e pesquisadores. Em contraposição a esta tendência, o presente trabalho objetiva explicitar, levando em consideração as reformas da educação básica realizada pelo Estado brasileiro, quais determinações são centrais em um contexto de crise estrutural do capital. Esta análise centra-se, fundamentalmente, na identificação das determinações reprodutivas da ordem capitalista presentes nas seguintes políticas educacionais: em nível federal, Ensino Médio Inovador e Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB); em nível Estadual, no âmbito do Estado de Goiás, Ressignificação do Ensino Médio e Pacto Pela Educação. 2Sigla em inglês. 71 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Tal objetivo centra-se na necessidade, apontada por István Mészáros, de evidenciar a íntima ligação entre os processos educacionais gerais e os processos sociais mais abrangentes de reprodução do capital. Busca-se, com a explicitação desta ligação fundamental, apontar os limites das “reformas” propostas, uma vez que, segundo Mész|ros, “[...] uma reformulaç~o significativa da educação é inconcebível sem a correspondente transformação do quadro social no qual as práticas educacionais da sociedade devem cumprir as suas vitais e historicamente importantes funções de mudança” (2005, p. 25). Sem as quais as modificações mais significativas propostas para a educação pública esbarram no Estado sob a forma de limites intransponíveis da consciência burguesa. A oficiosa reforma oficial do Ensino Médio A formaçao dos sistemas nacionais de educaçao na America Latina deu-se no momento em que na Europa estes ja estavam consolidados e possuíam uma ampla tradiçao de incorporaçao das praticas administrativas fabris em suas políticas educacionais. Encontramos historicamente uma relaçao direta entre o fortalecimento da ideia de eficiencia nas fabricas e a adoçao de princípios da administraçao científica nas funçoes declaradas das escolas. Em outras palavras, nos sistemas educacionais a propria funçao escolar e pensada e organizada de acordo com os princípios gerais do mercado, a este respeito escreve Apple: “E uma funçao que esta engastada na dependencia da area em procedimentos e tecnicas tomados de emprestimos a grandes empresas” (1982, p. 122). Seguindo a mesma tradiçao, o sistema educacional brasileiro nas ultimas decadas vem sofrendo com as mais variadas formas de intervençoes política e economica pautadas nas necessidades do mercado. Assim, com vistas a garantir melhorias na qualidade do ensino medio o Ministerio da Educaçao (MEC) lança em setembro de 2009 o programa “Ensino Medio Inovador”. Trata-se de um conjunto de diretrizes, pensadas e discutidas em seminarios e consultas publicas desde o ano anterior, que objetivam instituir mudanças significativas nesta fase de ensino, buscando entre outras metas, “(...) o desenvolvimento de projetos que visem o aprimoramento de propostas curriculares para o ensino medio, capazes de disseminar nos respectivos sistemas a cultura de um currículo dinamico, flexível e compatível com as exigencias da sociedade contemporanea” (BRASIL, 2009, p. 3). De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 72 Luta de Classes e Contemporaneidade Por outro lado, o sistema de educaçao nacional com sua divisao de responsabilidade entre as unidades administrativas – Governo Federal, Governos Estaduais, Distrito Federal e Governos Municipais –, outorga a prerrogativa de propor diretrizes educacionais ao Governo Federal e Estadual, mas permite apenas a este ultimo a possibilidade de aplicaçao efetiva nos sistemas de ensino locais. Em outras palavras, sempre que uma mudança significativa e proposta pelo Governo Federal, sob a forma de diretrizes, cabe aos Estados, munidos do princípio constitucional da autonomia administrativa, estabelecer o formato e ritmo de tal mudança. E no pleno exercício deste princípio, em concordancia com o Governo Federal e seu Ensino Medio Inovador, que o Governo do Estado de Goias realiza uma serie de modificaçoes em seu ensino com o objetivo de dinamizar a formaçao publica oferecida. Estas modificaçoes recebem o nome de “Ressignificaçao do Ensino Medio” que em linhas gerais e pautado pelo seguinte entendimento: “(...) E preciso ressignificar o ato de ensinar e aprender, o ato de gerir a instituiçao e o conhecimento, as regras de convivencia entre os sujeitos, em outras palavras, e ressignificar o ambiente escolar: espaço de aprendizagem cognitiva, social, emocional, afetiva” (GOIAS, 2009, p. 14). Por outro lado, o pano de fundo destas políticas educacionais e a necessidade de equiparaçao da educaçao nacional aos índices de qualidade dos países membros da OCDE. Portanto, na busca da obtençao do padrao de qualidade internacional foi criado o plano “Todos Pela Educaçao” cuja principal inovaçao e o Sistema de Avaliaçao da Educaçao Basica (SAEB). Este, por sua vez, possuí como principal índice de aferiçao de serviços o Indice de Desenvolvimento da Educaçao Basica (IDEB). Oficialmente, o IDEB se apresenta na forma de um indicador ligado diretamente a um projeto de longo prazo para as escolas brasileiras. Ele nasce, nos discursos oficiais, como condutor de política publica pela melhoria da qualidade da educaçao, tanto no ambito nacional, como nos estados, municípios e escolas. Portanto, de acordo com as aspiraçoes estatais, sua composiçao possibilita nao apenas o diagnostico atualizado da situaçao educacional em todas essas esferas, mas tambem a projeçao de metas individuais intermediarias rumo ao incremento da qualidade do ensino. Embora a primeira vista, ou no nível da particularidade aparente, estas políticas publicas pouco apresentam de substancial. Uma analise das determinaçoes fundamentais 73 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário pautadas pela apreensao das principais categorias que, nas palavras de Marx, se apresentam como formas de ser, determinaçao da existencia, nos permitem transitar desta aparente particularidade para a singularidade fenomenica e desta, para a universalidade essencial. Em outras palavras, e com uso do metodo de apreensao da realidade tal qual exposto por Karl Marx no corpo de suas formulaçoes teoricas que aquele sentido de ligaçao entre os processos educacionais amplos e os processos sociais reprodutivos do capitalismo vigente e apreendido nas políticas reformistas propostas pelo Estado. Para tanto, faz-se necessaria uma analise historica, ainda que breve, dos processos fundamentais sofridos pelo capitalismo no ultimo seculo. Sistema produtivo e as modificações estruturais do capital Ao longo do século XX podemos apontar o fordismo e o taylorismo como os principais fatores de consolidação da indústria e dos processos de trabalho. Segundo Antunes, seus elementos constitutivos básicos eram dados pela produção em massa, através da linha de montagem e de produtos mais homogêneos; através do controle dos tempos e movimento pelo cronômetro fordista. (1995, p. 17). Embora este processo, baseado em termos econômicos pelo modelo Laissez-faire, sofra sua primeira crise superprodutiva em 1929 e, após a segunda guerra mundial, o Japão, inicie as primeiras inovações em sua incipiente planta produtiva destruída pela guerra, o binômio fordismo-taylorismo manteve-se dominante e estruturalmente consolidado até pelo menos 1973, ano em que a crise do petróleo e as tentativas de garantir a reprodução do sistema capitalista profundamente abalado por crises estruturais contínuas lançam ao mundo o modelo japonês intitulado toyotismo. Entretanto, para tratarmos das questões relativas ao toyotismo e sua inserção nas relações capitalistas atuais, necessitamos nos posicionar ante ao debate existente na literatura. Temos de um lado, autores que explicam as novas relações de mercado – reestruturação produtiva, especialização flexível, flexibilização das leis trabalhistas, terceiro setor etc. – pela substituição do fordismo ante ao toyotismo e, por outro, um grupo que parte do reconhecimento da fusão entre os vários modelos de organização – pautados fundamentalmente pelo fordismo, taylorismo e toyotismo – nos processos de trabalho existentes. Adotamos, no presente trabalho, a segunda tese uma vez que: “A insistência de De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 74 Luta de Classes e Contemporaneidade que não há nada de essencialmente novo no impulso para a flexibilidade e de que o capitalismo segue periodicamente esses tipos de caminhos é por certo correta (uma leitura cuidadosa de O Capital de Marx sustenta essa afirmaç~o)” (HARVEY, 2008, p. 178). Neste sentido, segundo Antunes, o toyotismo dialeticamente se mescla e se diferencia do fordismo-taylorismo pelos seguintes motivos: Ao contrário da verticalização fordista, de que são exemplo as fabricas dos EUA, onde ocorreu uma integração vertical, à medida que as montadoras ampliaram as áreas de atuação produtiva, no toyotismo tem-se uma horizontalização, reduzindo-se o âmbito de produção da montadora e estendendo-se as subcontratadas, as “terceiras”, a produção de elementos básicos, que no fordismo, são atributos das montadoras. Essa horizontalização acarreta também, no toyotismo, a expansão desses métodos e procedimentos para toda a rede de fornecedores. Desse modo, o kanban, Just in time, flexibilização, terceirização, subcontratação, CCQ, controle de qualidade total, eliminaç~o do desperdício, “gerência participativa”, sindicalismo de empresa, entre tantos outros elementos, propagam-se intensamente. (1995, p. 27) Além desta diferenciação/integração, estrutura e organizacionalmente evidente, entre fordismo-taylorismo e toyotismo. Do ponto de vista da organização do trabalho e do papel do trabalhador outras modificações substanciais se apresentam. Se antes o trabalhador fordista era especialista em uma função previamente delimitada e a formação se dava na própria planta produtiva, com o toyotismo, devido a necessidade de manter altos padrões de qualidade durante todo o processo de produção por intermédio dos ciclos do Controle de Qualidade Total (CCQs), surgem inovações fundamentais que permitem ao capital a apropriação inclusiva, principalmente nos ambientes destinados a educação formal, de todo saber do trabalhador. “Este, na lógica da integraç~o toyotista, deve pensar e agir para o capital, para a produtividade, sob a aparência da eliminação efetiva do fosso existente entre elaboração e execução no processo de trabalho” (ANTUNES, 1995, p. 34). Neste sentido, o trabalhador é incluído como supervisor, responsável e colaborador com o bom andamento de todo o processo de produç~o: “H| em v|rios setores (...) um processo de intelectualização do trabalho industrial (o trabalhador como “supervisor e regulador do processo de produç~o”, conforme a antecipaç~o genial de Marx nos Grundrisse)” (ANTUNES, 1995, p. 150). Por fim, estes processos de reorganização estrutural presentes no capitalismo contemporâneo se articulam com processos organizacionais diretamente ligados a reforma do sistema de ensino brasileiro. Porém, para apreender os verdadeiros sentidos deste conjunto 75 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário de transformações na educação nacional e relacioná-los a processos sociais mais amplos, deve-se ter uma sensibilidade peculiarmente marxista diante do presente como história. Neste sentido, cumpre relacionar todo o conjunto de determinações ora presentes em nossa realidade concreta a fim de reconstruir os sentidos verdadeiramente arraigados de nossas políticas educacionais. Capital e educação A disseminação dos princípios do toyotismo e sua influência no ambiente escolar não s~o evidentes a primeira vista. Portanto, para apreendermos as principais “contribuições” e interferências do sistema produtivo na educação formal é necessário relacionar os principais pilares toyotista às inovações presentes no processo de proposição e efetivação do conjunto de modificações no sistema educacional brasileiro convencionalmente intitulado “Reforma do Ensino Médio”. O fundamento implícito deste conjunto de reformas consiste na necessidade de adequação da educação nacional aos princípios estabelecidos por órgão internacionais. Neste sentido o IDEB, presente nas principais etapas da educação básica, apresenta-se como incorporação do sistema de controle de qualidade total na educação formal. Esta incorporação justifica-se com a necessidade, por parte do sistema produtivo, de uma formação que contemple ao máximo os novos padrões de trabalho exigidos pelo mercado. Neste sentido, a educação formal apresenta-se como constituída e constituinte do sistema capitalista, fornecendo mão de obra semiqualificada e dócil às exigências arbitrárias da produção. Em outras palavras, de possibilidade de uma formação socialmente relevante a educação passa a garantir formação voltada as necessidades do mercado. Isto se dá por meio de políticas educacionais subservientes a ordem vigente provocando, enfim, uma inversão nas potencialidades e possibilidades emancipadoras da formaç~o humana. “Antes disso, educaç~o significa o processo de “interiorizaç~o” das condições de legitimidade do sistema que explora o trabalho como mercadoria, para induzi-los a aceitaç~o passiva” (MÉSZÁROS, 2005, p. 17). Ao relacionarmos estes diferentes condicionantes percebemos que as modificações propostas pelo Governo Federal por meio do Ensino Médio Inovador, e pelo estado de Goiás por meio da Ressignificação do Ensino Médio e Pacto pela Educação, atendem perfeitamente as necessidades do mercado. Se levarmos em consideração que o eixo norteador destas De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 76 Luta de Classes e Contemporaneidade políticas educacionais é a formação dinâmica, flexível e volta as exigências da sociedade, percebemos a determinação do mercado agindo por meio da criação de necessidades num ciclo ininterrupto de reafirmação do capital. Como em última instância a execução das políticas educacionais fica a cargo do Estado, percebemos na educação moderna os verdadeiros sentidos das celebres palavras de Marx “O executivo no Estado moderno n~o é sen~o um comitê para gerir os negócios comuns a toda a classe burguesa” (2005, p. 42). Referências ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez, 1995. APPLE, Michael. Ideologia e Currículo. São Paulo: Brasiliense, 1982. BRASIL. Lei do Piso Salarial. Lei nº 11.738, de 16 de junho de 2008. Institui o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica. Brasília, DF, 2008. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Ensino Médio Inovador – Documento Orientador. Brasília, DF, 2009. HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 2008. MARX, Karl, FRIEDRICH, Engels. O Manifesto Comunista. São Paulo: Boitempo, 2005. MÉSZÁROS, István. Educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2005. MOREIRA, Marcos Elias. Ressignificação: Ensino médio em travessia. Goiânia: Kelps, 2009. MORAES, Amaury C., TOMAZI, Nelson D., GUIMARÃES, Elisabeth F. Análise crítica das DCN e PCN. In Seminário Orientações Curriculares do Ensino Médio. Brasília: MEC – SEB, v. 1, p. 343-372, 2004. 77 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Educação contra a barbárie: Reflexões acerca de Adorno sobre a autonomia no ensino na Sociedade Contemporânea. Alberto Alves Silva albertosilva.histó[email protected] Resumo: O presente estudo tem como proposta analisar o breve relato produzido por Adorno em seu livro: Educação e Emancipação, cuja sua base conceitual se perpetua em chamar a atenção da sociedade contemporânea para o perigo da volta a barbárie. Em sua tese o autor defende a necessidade de uma educação emancipatória. Entende-se como emancipação o processo de aquisição de uma mentalidade crítica-reflexiva que leve as pessoas a promoverem uma ação política transformadora no contexto social onde são subjugadas. Em outras palavras esta tendência de ensino promove o distanciamento dos indíviduos para com os instrumentos de represssão e violência que servem para legitimizar o controle da classe dominante e acentuar mais a divisão social, graves paradigmas que hoje são encontrados infelizmente no sistema capitalista. Desse modo a educação emancipatória defendida por Adorno pode contribuir para a construção de uma sociedade autogestionada baseada no livre desenvolvimento das forças produtivas do homem em relação ao trabalho, proporcionando a interação social e autonomia de cidadões que desempenham desta maneira a verdadeira democracia tão necessária e infelizmente ilusória na socidade contemporânea. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 78 Luta de Classes e Contemporaneidade Trajetória individual: Movimento estudantil e capital cultural Maria Angélica Peixoto* Resumo: O tema da presente comunicação busca analisar a relação entre movimento estudantil e trajetória individual no interior da universidade no sentido da aquisição de saber. Este tema é um tema pouco abordado pela sociologia da educação, o que expressa uma lacuna nesta sociologia especial. A importância de nosso tema está em analisar os fatores que possibilitam que alguns indivíduos provenientes das classes desprivilegiadas consigam sucesso acadêmico. O movimento estudantil acaba sendo uma instância socializadora de grande parte dos estudantes universitários. Daí o problema de pesquisa que levantamos: qual é o papel do movimento estudantil no processo de socialização de indivíduos provenientes das classes desprivilegiadas que conseguem relativo sucesso acadêmico? O tema do presente trabalho é a relação entre movimento estudantil e trajetória individual no interior da universidade no sentido da aquisição de saber. Este tema é um tema pouco abordado pela sociologia da educação, o que expressa uma lacuna nesta sociologia especial. O processo de formação profissional e acadêmica ocorre no interior da universidade, mas somado a ela existe outra instância de socialização, que é o movimento estudantil que propicia um conjunto de desafios que permite aos indivíduos oriundos das classes culturalmente desfavorecidas aprimorarem os processos de aquisição de saber. Este é o caso de indivíduos provenientes de famílias pobres e de baixo “capital cultural”. Apesar disso, muitos conseguem superar esta determinação negativa, o que revela a importância de nosso tema: analisar os fatores que possibilitam que alguns indivíduos provenientes das classes desprivilegiadas consigam sucesso acadêmico. O movimento estudantil acaba sendo uma instância socializadora de grande parte dos estudantes universitários. Daí o problema de pesquisa que levantamos: qual é o papel do movimento estudantil no processo de socialização de indivíduos provenientes das classes desprivilegiadas que conseguem relativo sucesso acadêmico? Desta forma, o tema é relevante, atual, e um problema de pesquisa cuja resposta contribui com a sociologia da educação e com os processos de compreensão da universidade na nossa sociedade, e um dos seus aspectos mais importantes e esquecidos, o da ação de elementos extra-acadêmicos na formação acadêmica. * Professora do INSTITUTO FEDERAL DE GOIÁS – Campus INHUMAS. 79 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Capital cultural, fracasso e sucesso acadêmico A problemática do presente artigo visa buscar elementos para a compreensão de um fenômeno presente no campo acadêmico. Alguns estudantes conseguem, a despeito de sua origem desprivilegiada, ou seja, estudantes que vieram de “famílias culturalmente desfavorecidas” (Bourdieu, 1998), uma relativa inserç~o no campo acadêmico. Tal inserç~o produz as possibilidades de um aprimoramento do capital cultural, o que contribui para alterar a situação originária de classe destes estudantes. Assim, apesar da instância primária – a família – não ter proporcionado um capital cultural suficiente para estes indivíduos, estes conseguem relativo sucesso na instância secundária, a escola/universidade. A explicação deste processo é o problema central de nosso artigo. Esta defasagem entre instância primária e secundária significa ou que a sociologia da educação de Bourdieu é equivocada ou incompleta. Sendo incompleta, é preciso descobrir o que explica esta defasagem. Qual a lacuna que explica estas trajetórias individuais ausentes na sociologia da educação de Bourdieu? Partindo da percepção de que existem estudantes oriundos de famílias portadoras de baixo capital cultural e que conseguem relativo sucesso acadêmico, é preciso explicar as razões da ocorrência deste fenômeno. São, pois, trajetos individuais que conseguem um relativo sucesso no meio universitário, mesmo não sendo oriundos das classes privilegiadas. Em outras palavras, são estudantes cuja origem de classe é desprivilegiada, mas que devido a uma trajetória singular conseguem burlar as condições inscritas objetivamente na estrutura de classe à qual pertencem. São poucos, segundo Bourdieu, que conseguem “driblar a estrutura social e transformar sua perspectiva de mobilidade social individualmente por meio de um processo de aculturação onde a negação de sua cultura e modo de vida é uma das maneiras de subverter a ordem de classes” (Queirós, 2001: 58-59). A quantidade de informação que o indivíduo retém determina, pois, as chances de se realizar com relativo sucesso no meio acadêmico. Mas como então, entendermos que determinados estudantes conseguem fazer a inversão e apropriarem-se com sucesso de conteúdos que não tinham nenhuma relação direta com os seus universos culturais, ou seja, conteúdos que não são familiares às suas classes de origem? A sociologia reprodutivista (Bourdieu, Passeron, Baudelot, Establet, Althusser) aponta a pequena probabilidade de tal inserção. A sociologia de Bourdieu, ao trabalhar com o De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 80 Luta de Classes e Contemporaneidade conceito de capital cultural – quantum de informação social –, explica como é dificultado este processo de mobilidade. Ele coloca que o que favorece a inserção em dado campo, ou seja, em certo espaço onde se travam lutas por posições, é justamente a quantidade de informação que os atores retêm – como o seu capital lingüístico, que tende a acirrar a disputa e determinar as posições dos atores. Vamos a seguir, lançar mão das teorias de Bourdieu e Passeron para mostrar como se dá a reprodução no campo educacional e a partir desta análise elucidar as possibilidades que certas trajetórias individuais abrem ao serem consideradas na sua especificidade: a reestruturação do habitus, a reformulação do capital cultural “nativo” e a reformulaç~o do capital lingüístico, são importantes elementos no processo de mudança. O ponto de partida destes autores é a afirmação de que toda ação pedagógica é uma violência simbólica, pois impõe um arbitrário cultural e esta imposição mascara, oculta as relações de força, que est~o na base do poder que a engendra. Sendo assim, “as ações sociais são concretamente realizadas pelos indivíduos, mas as chances de efetivá-las se encontram objetivamente estruturadas no interior da sociedade global” (Ortiz,1994:15). A aç~o pedagógica é uma ação objetivamente estruturada e é uma violência simbólica porque impõe um arbitrário cultural, ou seja, impõe uma concepção cultural de grupos e classes dominantes e esta imposição garantirá a reprodução da estrutura de classe e da cultura instituída. A pedagogia, neste sentido, é inculcação de valores e normas de um dado grupo ou classe a outros grupos ou classes. Podemos reafirmar então, que a ação pedagógica é violência simbólica e impõe uma relação de comunicação, pois tem por objetivo aplicar sanções, impor um arbitr|rio cultural. Bourdieu ent~o, através do estudo da “distribuiç~o estatística dos produtos pedagógicos segundo as diferentes camadas e classes” chega { seguinte conclus~o: a chance de cada indivíduo é determinada pela sua posição dentro do sistema de estratificação e, partindo da análise específica do campo educacional, ele demonstra que esta tem uma dupla função: a reprodução da cultura e da estrutura de classes como já havíamos apontado antes. O acima exposto recoloca a questão da ação pedagógica: toda ação pedagógica requer uma autoridade pedagógica para que ocorra a inculcaç~o de um arbitr|rio cultural. “A aç~o pedagógica se realiza através do trabalho pedagógico que são atividades contínuas e sistemáticas de inculcação dos princípios culturais que devem persistir após a cessação da aç~o pedagógica” (Cunha, 1979:86). O trabalho pedagógico operado pelo sistema de ensino 81 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário conduz os estudantes pouco a pouco a irem interiorizando “certos códigos de normas e valores”. Bourdieu, enfatiza a import}ncia de se estudar o modo de estruturaç~o do habitus através das instituições de socialização, ou seja, a escola como instituição socializadora tende por meio do trabalho pedagógico a estruturar o habitus (“predisposições dos agentes agirem segundo um certo código de normas e valores que os caracterizam como pertencentes a um grupo ou classe”) ou mais, os estudantes tendem a reproduzirem as mesmas condições da classe de origem o que via de regra dificulta a inserção de estudantes cuja origem de classe é desfavorecida culturalmente. Outro aspecto que adquire importância para Bourdieu se refere à questão da língua, pois esta é considerada não somente um importante instrumento de comunicação/conhecimento, mas acima de tudo um importante veículo de poder (Bourdieu, 1994) e que, portanto, é um instrumento de manipulação. Dependendo da posição do estudante no sistema de estratificação social, a possibilidade de mobilidade social se restringe demasiadamente. Quando o capital lingüístico é diminuto, restrito, há uma restrição na inserção de certos estudantes no campo acadêmico, pois são carentes do capital lingüístico necessário para a permanência no campo acadêmico e, assim, não conseguem nem sequer garantir uma posição marginal no mesmo. Há outro elemento relevante para a análise de Bourdieu, o conceito de capital cultural, que anteriormente elucidamos e agora tentaremos especificar mais detalhadamente. Cada indivíduo recebe um quantum social de informações desde o nascimento, e a família é determinante na definição deste capital cultural, pois o capital cultural já encerra ou abre as possibilidades de inserção numa dada classe ou grupo social. Em outras palavras, quando os estudantes “chegam” nos meios acadêmicos trazem um certo quantum de capital cultural e uma tendência para aprovar todo o conjunto de significações que especificam o meio acadêmico (desde a indumentária até os símbolos mais sutis: os exames e outros), ou seja, estes estudantes já se encontram predispostos a legitimar o meio acadêmico. Aqueles oriundos das classes e grupos privilegiados (classes e grupos que elaboram os conteúdos científicos) já se encontram em vantagem em relação aos demais no processo de seleção, e serão os primeiros a serem selecionados, enquanto que os outros, por serem oriundos de grupos e classes desprivilegiados tendem a ser excluídos. Mas observamos que alguns estudantes conseguem burlar as condições objetivamente traçadas pela classe a qual De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 82 Luta de Classes e Contemporaneidade pertence, porque se inserem em práticas nos meios universitários que acabam por contribuir com a alteração das condições outrora inscritas no seu limitado capital cultural e lingüístico. Então podemos supor, que os espaços propiciadores destes novos conteúdos (que expressam conteúdos das classes privilegiadas) são espaços específicos, singulares que impõem determinadas exigências que uma vez satisfeitas facilitam a movimentação destes estudantes a um relativo sucesso acadêmico. Apontamos como um destes espaços o movimento estudantil. Segundo Bertaux (1979, p. 312), “o fluxo de mobilidade social que leva os filhos saídos do povo para lugares de agentes do enquadramento através do sucesso escolar foi caracterizado não como um signo de abertura que contradiga o caráter de classe da estrutura social, mas como um fluxo que contribui, ao contrário, para a conservação da ordem de classe instituída”. O que reforça ainda mais a leitura contida na Reprodução de Pierre Bourdieu, pois esta obra coloca elementos que possibilitam a percepção do quanto a escola moderna mantém inalterada a estrutura de classes existentes em nossa sociedade. A compreensão deste processo contribui para desmistificar o mito da escolarização, que aponta a escola como o caminho para a resolução dos problemas individuais e ascensão social. Tal análise abre brechas também para entendermos que determinadas trajetórias individuais superam as adversidades e passam a ocupar posições privilegiadas no universo acadêmico e que elas não s~o mais que a confirmaç~o de que n~o basta “estar” na universidade. Assim, descobrir como estas trajetórias individuais são formadas assume grande importância para a compreensão da universidade na sociedade contemporânea. O campo científico é perpassado, segundo Bourdieu (1994), por lutas e os atores pertencentes às famílias culturalemente desfavorecidas s~o os “excluídos do interior” (Bourdieu, 1998). Assim, estar na universidade requer um aprimoramento do capital cultural e lingüístico, bem como predisposição para mudar o habitus. Neste sentido, as outras instâncias socializadoras serão determinantes no processo de reestruturação do habitus. Daí a importância de entendermos as trajetórias individuais de alunos provenientes das famílias culturalmente desfavorecidas que atuaram ou atuam no movimento estudantil e que tiveram relativo sucesso acadêmico. A nossa hipótese, partindo dessa discussão teórica, é a de que o movimento estudantil contribui com uma aquisição de um maior capital cultural e, desta forma, possibilita aos 83 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário indivíduos provenientes das classes exploradas um maior acesso a um relativo sucesso acadêmico. Entenda-se por “relativo sucesso acadêmico” a conclus~o de um curso e seu prosseguimento, seja no mercado de trabalho ou a entrada em etapas posteriores do processo educacional (pós-graduação). Desta forma, o movimento estudantil seria um meio de auxílio de aquisição do capital cultural que permitiria aos indivíduos provenientes de classes desprivilegiadas uma melhor condição para conquistar um relativo sucesso acadêmico. Material informativo e a trajetória individual O universo de nossa pesquisa da qual resultou o presente artigo é composto pelos estudantes universitários oriundos de famílias de baixo capital cultural e por indivíduos que conquistaram relativo sucesso no campo acadêmico que atuaram no movimento estudantil com famílias oriundas também de classes culturalmente desfavorecidas. Assim, realizamos um recorte de duas gerações, uma que ainda estava vivendo o processo de formação universitária e outra que já havia passado por este processo. No primeiro caso, nosso objetivo foi ver como ocorreu a inserção dos estudantes no movimento estudantil e se isso contribuiu para o desenvolvimento de um determinado capital cultural; no segundo caso, observamos a trajetória de indivíduos que já haviam passado pelo estágio de formação universitária e conseguiram relativo sucesso no campo acadêmico1. Para concretizar isto, delimitamos o espaço social dos estudantes atuais, selecionando estudantes que estavam estudando em universidades de Goiânia e que eram provenientes de famílias culturalmente desfavorecidas e possuíam alguma relação com o movimento estudantil universitário. Mas o foco foi em torno dos locais onde o movimento estudantil é mais estruturado, e como a força deste movimento é mais perceptível na Universidade Federal de Goiás e na Universidade Católica de Goiás, então efetuamos a pesquisa com estudantes destas universidades. Entendemos por movimento estudantil todas as ações 1 Os índices para ver isto variam, pois alguns alcançam um sucesso maior e, outros, menor, mas o elemento básico será a conclusão do curso de graduação e a inserção no mercado de trabalho na prática profissional ou na pós-graduação. Isto é, incluiremos professores universitários, e profissionais que exercem suas profissões de formação, e outros itens avaliados é a pós-graduação, entre outros elementos que demonstram tal sucesso. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 84 Luta de Classes e Contemporaneidade coletivas dos estudantes universitários que tenham conteúdo e objetivos voltados para a universidade, o que inclui as ações que ocorrem nas variadas esferas de organização estudantil (Centros Acadêmicos, Diretórios Centrais de Estudantes, Casa de estudantes, etc.) e outras formas, como ações coletivas de estudantes negros, organização por curso, etc. No que diz respeito ao espaço social daqueles que já obtiveram relativo sucesso no campo acadêmico, selecionamos os profissionais que tiveram sua formação nas universidades de Goiânia, e que hoje atuam profissionalmente ou demonstram qualquer outro elemento que revele seu sucesso acadêmico (tal como conclusão de cursos de pós-graduação strictu sensu), provenientes de famílias culturalmente desfavorecidas e que tiveram alguma atuação no movimento estudantil, visando descobrir sua trajetória individual e os reflexos desta atuação no seu sucesso. Devido à peculiaridade da pesquisa, não a delimitamos temporalmente, pois os profissionais selecionados eram de diferentes épocas (no que se refere aos anos de estudos), enquanto que os estudantes que atuavam na época do desenvolvimento desta pesquisa ainda estavam atuantes e estudantes. Entrevistamos estudantes que estavam atuando no movimento estudantil - época em que foi desenvolvida a pesquisa – e, profissionais que atuaram neste mesmo movimento, sendo que em ambos os casos tais indivíduos são provenientes de famílias culturalmente desfavorecidas. Utilizamos complementarmente uma investigação documental, buscando nos documentos do movimento estudantil (jornais, panfletos, ofícios, entre outros documentos) analisar o quantum e o tipo de capital cultural que veiculam, para comparar com o capital cultural escolar e verificar se existe uma correspondência que justificaria se pensar numa contribuição do movimento estudantil ao sucesso acadêmico dos indivíduos que atuam nele. Como se tratava de uma pesquisa de caráter qualitativo, não foi delimitado um número muito extenso de entrevistados: sendo um total de 6 estudantes e 4 profissionais. Entrevistamos 6 estudantes que militantes e atuantes no movimento estudantil, sendo que selecionamos 4 que militavam no movimento estudantil da UFG – Universidade Federal de Goiás, especialmente nos Centro Acadêmicos dos cursos da área de Ciências Humanas, no qual existia uma forte mobilização estudantil aliado a nível de renda inferior de uma boa parte dos alunos. Estes alunos se envolveram no movimento estudantil não apenas nos Centros Acadêmicos, mas também no DCE – Diretório Central dos Estudantes, como oposição ou 85 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário situação, dependendo do ano, e em outras atividades culturais e participação/envolvimento com outras organizações políticas ou movimentos sociais, tal como partidos, CMI – Centro de Mídia Independente, MST, etc. Os outros 2 entrevistados foram da UCG – Universidade Católica de Goiás, onde geralmente os alunos possuíam nível de renda inferior aos estudantes da UFG e menor mobilização estudantil. Quanto aos profissionais, entrevistamos professores universitários e pós-graduados que atuaram na UFG e UCG, durante o final dos anos 1980 e início dos anos 90. Entrevistamos 3 profissionais que militaram no movimento estudantil da UFG e 1 que atuou no movimento estudantil da UCG. Contatamos preliminarmente os seguintes profissionais: 1) um profissional que atuou como professor universitário e estava terminando doutorado em Sociologia, e que militou no movimento estudantil da UFG nos final dos anos 1980 e início dos anos 1990; 2) um professor universitário e doutor em Sociologia, que militou no movimento estudantil a partir do final dos anos 1980 e início dos anos 1990; 3) Um professor universitário com mestrado em Filosofia, que militou no movimento estudantil na UFG durante a década de 1990; 4) Um Professor universitário que militou no movimento estudantil da UCG nos anos 1990. Além de entrevistar os indivíduos integrantes do segundo grupo de entrevistados, solicitamos e conseguimos com eles alguns documentos que são de muita importância para nosso processo de pesquisa, pois é a parte complementar que vai além das entrevistas, a investigação documental, que serve para conseguir mais material informativo e, além disso, para comparar com os discursos feitos pelos entrevistados. Realizamos as entrevistas previstas e a partir delas efetuamos um conjunto de análises, sendo que o mesmo procedimento foi realizado com os documentos que tivemos acesso. As entrevistas com os profissionais iniciavam com perguntas relativas ao seu passado, visando descobrir a origem de classe e comprovar que eram oriundos das classes desprivilegiadas. Os resultados confirmaram aquilo que já tínhamos certo conhecimento, pois sem este seria impossível fazer a seleção dos entrevistados. O mesmo procedimento foi realizado com os estudantes que atuavam no movimento estudantil na época em que desenvolvemos esta pesquisa e o resultado foi o mesmo. Outras informações pessoais complementares foram solicitadas nas entrevistas para conseguir fornecer um quadro mais amplo de contextualização dos entrevistados em ambos os casos. Este primeiro bloco de informações De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 86 Luta de Classes e Contemporaneidade serviu para confirmar e contextualizar os entrevistados. Posteriormente, realizamos questões mais voltadas para nosso interesse direto, ou seja, sobre a participação no movimento estudantil e sua relação com o processo acadêmico e de estudos. Neste caso, houve respostas que apontavam para situações e concepções semelhantes, mas com níveis de complexidade diferentes. Algumas questões eram informativas (quanto tempo militava ou milita no movimento estudantil) e outras mais subjetivas, tal como se a prática militante contribuía ou dificultava os estudos e leituras. Das entrevistas e dos documentos conseguimos extrair alguns pontos fundamentais: a) os entrevistados eram realmente oriundos das classes desprivilegiadas (em graus distintos, tal como entre um que vinha de família pobre do interior e outro que vinha de família mais pobre ainda, mas da capital); b) todos os militantes – atuantes ou do passado, ainda estudantes ou já profissionais – se envolveram, com graus diferenciados, com leituras e práticas no movimento estudantil que se relacionava com a formação acadêmica; c) os documentos e as entrevistas mostraram que as leituras e estudos relacionados ao movimento estudantil revertiam para a formação acadêmica mais do que esta para aquele. As entrevistas confirmam a importância do movimento estudantil na formação dos estudantes que posteriormente tiveram sucesso profissional e daqueles que ainda estavam estudando. O benefício do movimento estudantil reside em contatos, acesso a informações, textos e bibliografias, prática da reflexão e escrita, ou seja, ferramentas intelectuais que colaboram com a formação intelectual do indivíduo. Além disso, o interesse que o movimento estudantil desperta é outro fator extremamente relevante. Um artigo publicado por um dos entrevistados profissionais tematiza a relação entre “espaço e poder”, analisando o processo de divis~o social do espaço constituído por relações de poder, e relacionando isso com a moradia das classes “subalternas” e a localizaç~o da universidade, afastada do centro urbano. A temática e abordagem deste artigo revelam uma preocupação pessoal (já que era o caso deste profissional quando estudante) e política, atingindo questões sociais e também acadêmicas. A razão do artigo, sem dúvida, foi o duplo interesse pessoal e político, incentivado pela participação política no movimento estudantil e pela situação de classe. Os entrevistados responderam questões que perguntava sobre haver alguma relação entre movimento estudantil e leitura e algumas respostas ilustram o vínculo entre ambos: 87 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário “Sim, principalmente textos anarquistas, o que me levou a uma bolsa de iniciação científica sobre Proudhon” (Estudante 1). “As literaturas que propõem um outro tipo de sociedade diferente dessa. Como por exemplo, Bakunin, e a literatura anarquista em geral (pedagogia libertária). Poderiam influenciar, mas no meu caso, por desacreditar do conhecimento acadêmico, não influenciaram os estudos” (Estudante 4). “Sim. As leituras que eu faço est~o basicamente relacionadas a tentativa de explicar e buscar um melhor caminho para as nossas contradições sociais, ou seja, de não aceitação da ordem social atual. As obras são de Karl Marx, e de outros contemporâneos como Karl Korsch, Georg Luckás, João Bernardo, Lucien Goldman, Francisco Martins Rodrigues, Georg Orwell etc e exercem sim influência não só em meus estudos mas em minha vida” (Estudante 5). “Sim, sobre raça, racismo, elas determinaram meu objeto de pesquisa” (Estudante 3). “Na milit}ncia tive contato com uma literatura que estava { margem nas disciplinas acadêmicas. Meu interesse pela leitura dos textos de Marx e dos marxistas se aprofundou e durante a militância pude entrar em contato com diversos indivíduos e publicações. Assim, as leituras foram principalmente de autores como Marx, Fromm e outros marxistas, além das leituras das disciplinas do curso de Ciências Sociais (Weber, Durkheim, etc) e de Economia (Marx, Jevons, Stuart Mill, Smith, Ricardo, etc)” (Profissional 4). Estas informações mostram leituras que são de caráter apenas acadêmico, mas que contribui com a militância, como outras de caráter político, que, no entanto, também tem circulação acadêmica e em alguns casos se tornam objetos de estudo, tal como o anarquismo, a obra do filósofo Karl Korsch, entre outros exemplos possíveis. Um dos entrevistados apresentou uma longa lista de autores que leu enquanto estudante, mostrando uma grande leitura do anarquismo, comunismo de conselhos, Rosa Luxemburgo, Marx, autores que abordam o fenômeno educacional (Ivan Illich, Maurício Tragtenberg, Freinet, Ferrer), filósofos e teóricos políticos (Ernst Bloch, Daniel Guérin, Barrot, Michels, Pannekoek, Korsch, entre outros). Outros dois entrevistados também apresentaram uma lista de autores que pela De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 88 Luta de Classes e Contemporaneidade quantidade é acima da média dos profissionais atuais, tal como se vê no caso do Profissional 4 e Estudante 5 acima citados. Isto demonstra que a militância estudantil provoca leituras, tanto sobre educação e universidade, quanto sobre política, tal como este entrevistado que afirmou que devido aos embates políticos acabou lendo autores que discordava para poder debater (Lênin, Lukács, Gramsci, etc.). Assim, o capital cultural de origem foi superado pela inserção no movimento estudantil e outras ações políticas. Os documentos analisados também reforçam esta conclusão. Neste sentido, concluímos confirmando a hipótese inicial, segundo a qual o movimento estudantil é uma instância de socialização que atinge os indivíduos provenientes de classes exploradas e colabora com o processo de formação e, assim, reverte a situação de precariedade determinada pelo baixo capital cultural e permite um relativo sucesso acadêmico, apesar das condições adversas da situação de classe e do baixo capital cultural derivado dela. Referências BERTAUX, Daniel. Destinos Pessoais e Estrutura de Classe Para uma Crítica da Antroponomia Política. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. BOURDIEU, Pierre & PASSERON, Jean-Claude. A Reprodução: Elementos para uma Teoria do Sistema de Ensino. 2ª ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves: 1982. BOURDIEU, Pierre. Escritos de Educação. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1998. CUNHA, Luiz Antonio. “Notas Para Uma Leitura da Teoria da Violência Simbólica”. Educação & Sociedade. Ano 1, no 4, Setembro de 1979. ORTIZ, Renato (org.). Pierre Bourdieu. Coleção Grandes Cientistas Sociais. 2ª ed. São Paulo: Ática, 1994. 89 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário SIMPÓSIO TEMÁTICO 2 EMANCIPAÇÃO HUMANA E AS ARTICULAÇÕES ENTRE AS LUTAS SOCIAIS Coordenadores: Hugo Leonnardo Cassimiro Mestre em Sociologia/UFG. Mateus Vieira Orio Graduado em Ciências Sociais/UFG e mestrando em Sociologia/UFG. Adriano José Graduado em História/UEG. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 90 Luta de Classes e Contemporaneidade A territorialização dos indivíduos no local de trabalho: um estudo de caso da empresa casas bahia s/a.1 Natália C. dos Santos Pessoni2 Vinicius de Souza Ribeiro3 Resumo: A observação dos mecanismos sob os quais o trabalho pode ser instrumento de alienação do trabalhador na sociedade contemporânea nos leva a pensar acerca das formas mediantes as quais essa alienação pode se dar nos diversos setores da mesma. No entanto para que se evite generalizações é necessário realizar alguns recortes. Este trabalho, que tem um campo delimitado, através de um breve estudo de caso da Empresa Casas Bahia S/A, procura analisar como nessa empresa, aqui compreendida como um “ambiente de trabalho”, esses processos de alienação se desenvolvem sendo mesmo um dos mecanismos de “territorializaç~o” dos “colaboradores”. Com esse intuito faz-se necessário lançar mão de conceitos que abrangem mesmo temáticas de outras áreas do conhecimento científico, como a Geografia, na medida em que ela auxilia na compreensão das várias nuances do conceito de território e da relação deste com a organização da sociedade. Percebe-se que no ambiente de trabalho referido acima os desdobramentos do conceito de alienação, apresentados pelo próprio Marx em seus Manuscritos Econômicos Filosóficos, se caracterizam de forma complexa, identificando-se positivamente com os processos de dominação dos indivíduos pela empresa ao ponto de eles, imperceptivelmente, se tornarem, muitas vezes, reprodutores do discurso da empresa, que se vale disso no sentido de ampliar suas áreas de abrangência no mercado, ao mesmo tempo em que o trabalhador, peça importante desse processo, não participa ativamente dos benefícios que isso traz para a empresa. Introdução O presente texto integra um artigo apresentado { disciplina de “Territorio política e sociedade no Brasil do curso de Licenciatura em História do IFG. Tal texto busca analisar a relação entre os conceitos de Territorialização, disciplinarização e alienação a partir de um estudo de caso no qual se observou alguns aspectos da empresa Casas Bahia s/a, principalmente a relação do funcionário com as suas atividades profissionais na referida empresa. Artigo apresentado à disciplina de Território, Política e Sociedade no Brasil, sob a orientação da Proª. Mss. Lídia Milhomem. 2 Bacharel em História pela Universidade Federal de Goiás, Licencianda em História pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás. 3 Licenciando em História pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás. 1 91 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário O conceito de alienação nesse estudo de caso surge de forma central, pois se torna um dos determinantes da territorialização do indivíduo na empresa. Não se busca, aqui discutir profundamente sobre o conceito de territorialização ou mesmo acerca do conceito de alienação, no entanto se delineará um breve panorama da noção de território e territorialização que será utilizada e ainda diante da complexidade e das múltiplas definições que o conceito de alienação assume dentro das próprias ideias dos pensadores marxistas em geral assim como nos escritos do próprio Marx, delimitar-se-á aqui quais leituras de alienação serão utilizadas como sendo as que são apresentadas nos Manuscritos Econômicos Filosóficos. Delimitando o conceito de território Quando se propõe a pensar a possibilidade da territorialização dos indivíduos no local de trabalho e os mecanismos sob os quais essa territorialização se dá, deve-se ter o cuidado de não incorrer em algumas generalizações. De forma bem específica, através da análise da empresa Casas Bahia S/A e estabelecendo um diálogo com alguns autores como Rogério Haesbaert, Karl Marx, propõe-se pensar como se faz possível essa modalidade de territorializaç~o e como os mecanismos de “alienaç~o do trabalho” colaboram com esse processo. Nesse sentido torna-se necessário esclarecer previamente os conceitos que serão trabalhados como, por exemplo, qual noção de território está se utilizando assim como as ideias de alienaç~o, claramente definidas por Marx nos “Manuscritos”. Compreende-se a ideia de território como um conceito amplo e em muitas vezes complexo. Portanto se adotará o conceito que aborda a temática escolhida à definição de território por uma perspectiva cultural como defende Haesbaert (2004). Segundo Haesbaert, a vertente [...] cultural (muitas vezes culturalista) ou simbólico-cultural prioriza a dimensão simbólica e mais subjetiva, em que o território é visto, sobretudo, como produto da apropriação/valorização simbólica de um grupo em relação ao seu espaço vivido. (HAESBAERT, 2004, p. 40) De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 92 Luta de Classes e Contemporaneidade Para a estruturação dessa noção, Haesbaert se apóia ainda nas reflexões de Guattari e Rolnik, onde: A noção de território aqui é entendida num sentido muito amplo, que ultrapassa o uso que fazem dele a etologia e a etnologia. Os seres existentes se organizam segundo territórios que os delimitam e os articulam aos outros existentes e aos fluxos cósmicos. O território pode ser relativo tanto a um espaço vivido, quanto a um sistema percebido no seio da qual um sujeito se sente “em casa”. O território é sinônimo de apropriação, de subjetivação fechada sobre si mesma. Ele é o conjunto de projetos e representações nos quais vai desembocar, pragmaticamente, toda uma série de comportamentos, de investimentos, nos tempos e nos espaços sociais, culturais, estéticos, cognitivos (GUATTARI e ROLNIK, 1986:323, apud HAESBAERT, 2004, p. 121-122). Embora Haesbaert, enquanto geógrafo, não deixe de trabalhar essa noção de território vinculada a dimens~o espacial, é nessa perspectiva “cultural” que se procurar| perceber como, na relação entre indivíduos e/ou grupos com um certo espaço vivido e compartilhado (neste caso a Empresa Casas Bahia S/A como um local de trabalho), outras relações se constroem possibilitando que esse território interpenetre num nível mesmo subjetivo esses indivíduos. Promovendo, além das modificações naturais decorrentes das exigências de um emprego, mudanças no sentido de levar mesmo a padronização da aparência e de ações que leve a pensar nos mecanismos sob os quais essa “territorializaç~o” se opera. Para isso, é necessário que se esclareça bem a ideia de território que se procurará trabalhar aqui. Sua característica desvinculada da noção estrita de espaço, assim, concorda-se com Oliveira que afirma que: Território é o produto histórico do trabalho humano, que resulta na construção de um domínio ou de uma delimitação do vivido territorial, assumindo múltiplas formas e determinações: econômica, administrativa, bélica, cultural e jurídica. O território é uma área demarcada onde um indivíduo, ou alguns indivíduos ou ainda uma coletividade exercem o seu poder. (OLIVEIRA, 2010, p. 3) Para fazer tal afirmação, Oliveira ao citar Raffestin ressalta a diferença marcante que as novas tendências da geografia vêm estabelecendo entre esses dois conceitos. Espaço e território não são termos equivalentes (...). É essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do espaço, é resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. (RAFFESTN, 1980, p. 143 apud OLIVEIRA, 2010, p.3) 93 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário É a partir dessa diferenciação que se permite pensar na possibilidade de um processo de territorialização do sujeito no sentido de interiorizar nele alguns aspectos de uma determinada cultura a partir das relações de trabalho. A técnica de pesquisa empreendida para o levantamento dos dados compôs-se da observação participante, também conhecida por observação ativa, por entender que A observação participante possibilita ao pesquisador a vivência, participando intensamente do cotidiano dos grupos em estudo, observando todas as manifestações presentes na cultura material do grupo, bem como as reações psicológicas de seus membros, seu sistema de valores e seu mecanismo de adaptação. (MICHALISZYN e TOMASINI, 2009, p.55) Segundo Michaliszyn e Tomasini (2009, p.54), esta técnica foi “introduzida nas ciências sociais a partir dos estudos antropológicos [...] desenvolvidos por Franz Boas e Bronislaw Malinwski”. E, dentre as vantagens e desvantagens dessa técnica, apontam que: [...] permite tomar nota do comportamento de uma pessoa ao mesmo tempo em que essa atua espontaneamente; independe da capacidade ou vontade do sujeito de fornecer a informação de que se precisa; [...] As limitações principais são: [...] não existem controles efetivos para as observações na maioria dos casos; há pouca possibilidade de padronização. (MICHALISZYN e TOMASINI, 2009, p.52-53) Contudo, além da técnica empreendida na realização da pesquisa, os pesquisadores se valeram de um exemplar do Código de Conduta da empresa que, segundo consta no mesmo, trata-se de um documento oficial da empresa, sendo assim, válido para todas as divisões da mesma, que se compõe das marcas: Bartira; CB Contact Center; Casas Bahia S/A. Foram visitadas cinco filiais da empresa Casas Bahia S/A, durante o período de sete de janeiro a sete de fevereiro de 2012. Sendo, três delas na região da grande Goiânia, uma no Buriti Shopping, em Aparecida de Goiânia e, por último, a filial que está montada no Salvador Shopping, na cidade de Salvador (BA). De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 94 Luta de Classes e Contemporaneidade A abrangência da empresa no cenário nacional Com o intuito de apresentar alguns dados estatísticos, oferecendo uma noção geral da abrangência dessa empresa em nosso país buscamos as seguintes informações oferecidas pela própria empresa: Com 59 anos de atuação no mercado nacional, a Casas Bahia, com mais de 56 mil colaboradores, tem mais de 500 filais e presença em 12 Estados nas regiões Sul, Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste (SP, RJ, MG, GO, PR, SC, MS, MT, ES, BA, SE e CE), além do Distrito Federal4. Além do mais, partindo de dados ainda no sentido da divulgação da marca, segundo a própria empresa: A Casas Bahia é constantemente citada em pesquisas de lembrança de marca como a mais presente na mente dos brasileiros, abrangendo 55,3 milhões de lares (99,74% do total Brasil), anunciando em 379 emissoras de TV aberta e, também, em 19 canais por assinatura, cobrindo 5,5 milhões de lares. Além disso, complementam e reforçam o seu plano de mídia outras 335 emissoras de rádio, 84 jornais, 5 principais revistas semanais de interesse geral e diversas modalidades de mídia out-of-home (outdoor e painel, em locais de grande visibilidade, monitores em elevador, metrô e ônibus urbanos)5. Além da abrangência que essa empresa atingiu no mercado de eletrodomésticos no cenário nacional, o que já pode ser considerado um exemplo patente de territorialização no sentido econômico, pretende-se observar de que forma certa ideologia comum se territorializa em relação às pessoas que compõe o quadro de funcionários dessa empresa em nível nacional como podemos observar no texto a seguir, extraído do Código de conduta da empresa. Os padrões de conduta descritos neste documento aplicam-se a todos os colaboradores das empresas Casas Bahia, Bartira, CB Contact Center e qualquer outra que faça parte da organização. É necessário para aquele que representa a empresa em qualquer atividade, posição hierárquica ou situação, que as suas ações sejam orientadas por eles.6 Essa ideologia se manifesta através de um padrão de comportamentos que são esperados de forma a construir uma identidade para esses indivíduos. A partir de então, Disponível em: <http://institucional.casasbahia.com.br/empresa/empresa/nossa-historia/> Acesso em: 05 de Fevereiro de 2012. 5 Disponível em: <http://institucional.casasbahia.com.br/empresa/empresa/nossa-historia/> Acesso em: 05 de Fevereiro de 2012. 6 Extraído do Código de Conduta da Casas Bahia S/A. 4 95 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário procurar-se-á discutir como a construção de um padrão, criando indivíduos territorializados, pode se apoiar em outros mecanismos. A alienação do trabalho e um possível vínculo com a territorialização Um dos teóricos que em sua análise, provavelmente, mais deu ênfase para a função do trabalho no desenvolvimento de uma sociedade foi Marx. No entanto, Marx não usa o termo desterritorialização, ele procura avaliar como o trabalho, considerado algo externo ao ser humano, coisifica o indivíduo a partir da afirmação de que: O Trabalho não produz apenas mercadorias; produz-se também a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e justamente na mesma proporção com que produz bens. Tal fato implica apenas que o objeto produzido pelo trabalho, o seu produto, opõe-se a ele como ser estranho, como um poder independente do produtor. (MARX, 2001, p.111) A partir disso, nota-se que Marx trata o processo de alienação do trabalhador em três níveis: o primeiro diz respeito ao estranhamento do trabalhador com relação aos produtos do seu trabalho que, para Marx [...] significa não só que o trabalho se transforma em objeto assume uma existência externa, mas que existe independentemente, fora dele e a ele estranho, e se torna um poder autônomo em oposição a ele; que a vida que deu ao objeto se torna uma força hostil e antagônica. (MARX, 2001, p.112) O segundo âmbito em que se dá a alienação está ligado ao ato da produção dentro do trabalho que, segundo Marx (2001, p.115) “[...] é a relaç~o do trabalhador com a própria atividade assim como com alguma coisa estranha, que não lhe pertence, a atividade como sofrimento (passividade)”. Nesta abordagem, Marx aponta que o trabalho é algo exterior ao indivíduo, desta forma, trata-se de uma característica que n~o o pertence, algo no qual “[...] ele não se afirma [...], mas nega-se a si mesmo, não se sente bem, mas infeliz, não desenvolve livremente as energias físicas e mentais, mas esgota-se fisicamente e arruína o espírito”. (MARX, 2001, p.114) De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 96 Luta de Classes e Contemporaneidade O terceiro grau em que o processo de alienação se desenvolve diz respeito a sua vida genérica. Para Marx, a principal diferença entre os seres humanos e os animais, é que aqueles possuem consciência de si mesmo e de duas atividades, desta forma, de acordo com Marx, é somente por esse motivo que o ser humano pode ser considerado um ser genérico7. Neste ponto, Marx indica que a alienação que origina nos dois primeiros pontos, culmina neste terceiro, produzindo um estado de estranheza do indivíduo quanto { “natureza do homem, aliena o homem de si mesmo, o seu papel ativo, a sua atividade fundamental, aliena do mesmo modo o homem a respeito da espécie”. (MARX, 2001, p.116) Segundo Marx, o processo no qual o trabalhador encontra-se submetido, em decorrência do trabalho alienado, causa transformações em sua vida atingindo sua vida genérica, produz alienação do indivíduo quanto ao seu próprio corpo. Contudo, conforme aponta Marx, tais mudanças atingem as características externas e também, a vida intelectual do sujeito. Antes de se aplicar a teoria marxista da alienação à empresa observada faz-se necessário que se observe as diferenças conjunturais entre os grupos observados por Marx ao desenvolver as ideias de alienação apresentadas aqui e o grupo que é objeto da presente análise, com o objetivo de que a análise não caia em um anacronismo displicente. Sendo assim, é a partir das ideias apresentadas por Marx, que nota-se como o trabalho “molda” alguns indivíduos. E, embora Marx n~o tenha utilizado o termo territorializaç~o, percebe-se que o modo como as empresas exigem que seus funcionários estejam vestidos, a forma como devem se comunicar no ambiente de trabalho, as exigências quanto aos horários que devem ser cumpridas pelo empregado, até mesmo a postura corporal, etc., são hábitos que, possivelmente, não faziam parte de suas vidas e diante da necessidade de um emprego, o indivíduo não leva em consideração tais questões e acaba por se submeter às imposições do mercado. Esse estranhamento a si mesmo, sofrido pelas imposições da empresa, seja em relação à aparência, seja as exigências de rendimento comercial nos moldes da empresa, subtraindo do indivíduo seu potencial criativo pode ser indicado como a prática de um dos tipos de alienação cunhados por Marx. 7 Para Marx, o conceito de “ser genérico” refere-se à atuação autêntica do homem como um ser social. (MARX, 2001, p.22) 97 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Durante a observação que foi executada no contexto da empresa Casas Bahia s/a, percebeu-se que há uma preocupação constante com a forma como os empregados devem se portar, a ponto de haver um código de conduta (cada funcionário recebe um exemplar assim que começa suas atividades na empresa) em que estão propostos os procedimentos básicos que cada empregado deve tomar nas mais diversas circunstâncias, sendo que, o não cumprimento das normas incorre em uma possível “puniç~o”, que depender| da gravidade da ação cometida. [...] Estamos chamando esse modelo de “DNA Casas Bahia”, pois ele é um verdadeiro código genético que traduz o nosso jeito de ser e de atuar. O “DNA Casas Bahia” é feito de miss~o, de vis~o, de valores e da nossa conduta. E este código foi criado para que tudo isto possa ser preservado. Após a leitura, você vai perceber que ele nada mais é do que a transferência para o papel do nosso jeito natural de ser. Mas, devido ao fantástico crescimento da empresa e do numero de colaboradores, foi importante montar um guia que possibilite uma atuação uniforme e cada vez mais eficiente em todas as empresas e filiais, independente de região, cultura ou mercado.8 (grifos nossos) Nota-se também, que alguns jargões da empresa, como o “DNA Casas Bahia”, que envolve um discurso de valores como honestidade, trabalho em equipe, fidelidade, etc., funcionam como algo que desenvolve um sentimento de pertencimento ao ambiente de trabalho. Santos denomina esse fenômeno como sendo a “psicosfera”, segundo ele [...] A psicosfera, reino das ideias, crenças, paixões e lugar da produção de sentido, também faz parte desse meio ambiente, [...], fornecendo regras à racionalidade ou estimulando o imaginário. (SANTOS, 2002, p. 256) Embora se reconheça alguma relaç~o entre esse discurso que envolve a “psicosfera” e o empenho do empregado no desenvolvimento de suas funções, com o fim de aumentar os rendimentos da empresa, não se sabe ao certo, até que ponto isso tem a ver ou não com o crescimento nos lucros da empresa, até por que esse não é o objetivo da pesquisa. Mas, verifica-se que há uma relação com a territorialização do funcionário, principalmente, à medida que o discurso da empresa se torna o seu discurso. Avaliar o processo de territorialização na tentativa de se fazer uma relação com a concepção marxista de trabalho alienado, remeterá a uma concepção diferenciada das 8 Extraído do Código de Conduta da Casas Bahia S/A. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 98 Luta de Classes e Contemporaneidade questões que tangem o simbólico-cultural e que esteja ligado ao âmbito econômico, conforme aponta Haesbaert (2006. p.40) tal concepç~o “[...] enfatiza a dimens~o espacial das relações econômicas, o território como fonte de recursos e/ou incorporado no embate entre classes sociais e na relação capital-trabalho”. Deve-se conceber as diferenças existentes entre um trabalhador do século XIX (observado por Marx) e um do século XXI, visto que as conquistas trabalhistas mudaram o cenário do trabalhador. No entanto, embora haja discrepâncias (carga-horária; os direitos que os trabalhadores atuais possuem em detrimentos daqueles do século XIX; a atividade desenvolvida, etc.) as relações de trabalho estão vinculadas a questão econômica, tanto do trabalhador quanto da empresa. Criam-se, portanto, presentemente, outros meios de garantir que o trabalhador se envolva na teia alienante criada pelos vínculos estabelecidos entre trabalhador e empresa e ratificados pelo modelo de sociedade atual. Portanto, no caso observado, o processo de territorialização se desenrola fazendo com que se forje um vínculo identitário, artificial, do trabalhador com a ideologia da empresa, com o intuito de obter maior rendimento do funcion|rio. Isso se d|, ao ponto de o “colaborador” tomar como seu o discurso da empresa e que beneficia exclusivamente a empresa num sentido econômico. Considerações finais O desenvolvimento desta pesquisa, desde a escolha do tema e da técnica de observação permitiu a constatação de que os processos de territorialização estão mais próximos da realidade cotidiana que normalmente é percebido. Ou seja, nas maiores relações entre estados quanto nas menores entre indivíduos pode-se perceber o quanto as lógicas de dominação, que em grande medida se aproximam das ideias de territorialização, se concretizam. Normalmente não se procura pensar sobre essas personagens e ações do dia a dia. Principalmente para quem está fora dessas empresas, a população em geral, essas relações de poder que permitem a territorialização dos indivíduos não são problematizadas, e são vistas como algo natural. No entanto, a partir da realização desse trabalho foi perceptível como, longe de serem naturais, esses processos são construídos mediante as relações de trabalho, onde o 99 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário trabalhador se aliena na medida em que sofre um processo de disciplinarização orientado pela empresa. Embora desde o início desse trabalho, tenha sido uma preocupação evitar as generalizações, torna-se curioso o fato de que ao observar as demais empresas seja possível identificar algumas características comuns em relação às Casas Bahia S/A, tanto em relação à alienação do colaborador em relação ao trabalho, quanto em relação à disciplinarização imposta. Referências COSTA, Rogério Haesbaert. O Mito da Desterritorialização; do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. 2ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. MARX, Karl. Manuscritos Econômicos Filosóficos. São Paulo: Martin Claret, 2001. MICHALISZYN, Mario Sergio; TOMASINI, Ricardo. Pesquisa: orientação e normas para elaboração de projetos, monografias e artigos científicos. Rio de Janeiro: Vozes, 2009. OLIVEIRA, Luciana de Fátima. O conceito de território e o primeiro processo de territorialização do Estado do Maranhão e Grão-Pará – século XVII. Disponível em: <www.cdn.ueg.br/arquivos/revista_geth/.../artigo3_luciana-PRONTO.pdf> Acesso em: 01 de Fevereiro de 2012. INSTITUCIONAL CASAS BAHIA. Disponível em: <http://institucional.casasbahia.com.br/empresa/empresa/nossa-historia/> Acesso em: 05 de Fevereiro de 2012. SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo; Razão e Emoção. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 100 Luta de Classes e Contemporaneidade Lutas sociais e políticas públicas de saúde Roseli M. Tristão Maciel1 Resumo: Este trabalho é um ensaio cuja proposta consiste em uma breve exposição histórica das lutas dos trabalhadores no sentido da implantação de algumas políticas de saúde na sociedade capitalista, contrapondo a visão dominante de que, os mesmos, são benefícios concedidos espontaneamente pela governança através do Estado. Para tanto, analisaremos o conflito entre os, distintos, grupos de interesse ou segmentos de classe pelo controle dos organismos do Estado de modo a identificar neles, os projetos e demandas específicos de saúde. Considerando que política pública, da perspectiva aqui adotada, é o embate entre projetos formulados por frações da classe dominante institucionalizadas no âmbito da sociedade civil, uma vez que de sua dinâmica e capacidade organizacional, decorre o menor ou maior poder de barganha em prol de seus interesses junto às mais variadas agências do poder público. Palavras-chave: Lutas sociais; políticas públicas; saúde. Introdução Uma definição de política pública bem atual e aceita no meio acadêmico é dada por Celina Sousa: “A formulaç~o de políticas públicas constitui-se no estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações que produzir~o resultados ou mudanças no mundo real” (Souza, 2006, p. 7). Política Pública, no entanto, será aqui definida segundo nosso entendimento, qual seja como as possibilidades de intervenção estatal nas várias dimensões da vida social que não implica alterações de âmbito estrutural. Trata-se de uma imposição via a ação do Estado, das prioridades que a serem institucionalizadas e veiculadas como sendo de interesse geral, porém, que na verdade, atenderão a demandas específicas de grupos ou indivíduos que tiveram mais força para colocá-las na pauta da agenda do governo. O Estado nesse contexto é um espaço de luta e não um ente neutro, que está acima das contradições que constituem a sociedade, é um lugar de domínio e de lutas, contraditório em sua própria natureza. É importante destacar que o Estado capitalista, além de concentrar o Professora da UEG; doutoranda em Políticas Públicas e Governança pela UFRJ/UEG, sob orientação da Dra Mônica Desidério; Bolsista da FAPEG. 1 101 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário monopólio da força material através do poder, pelo uso real ou pela ameaça da força física, através das políticas públicas, abre espaço para a aceitação de reivindicações das classes sociais, desde que essas não coloquem em risco a manutenção do sistema vigente. A luta pelas condições de saúde no Capitalismo De uma forma geral os estudos sobre saúde e economia capitalista e, por conseguinte sobre políticas públicas de saúde daí resultantes costumam situar o problema como questão “naturalizada”, que toma o Estado como entidade em si mesma, sem qualquer questionamento mais profundo acerca de seu caráter enquanto relação social. Essa modalidade de abordagem pende mais para uma ênfase política, consistindo nos mecanismos da dita dominação burguesa, do sistema capitalista ou mesmo dos processos políticos, deles derivando, quase que “automaticamente” as determinações dos interesses a serem contemplados pelas políticas de saúde. Essa questão tem sido enquadrada pela historiografia de forma indireta e através, principalmente, das análises da Revolução Industrial. Inúmeros debates são suscitados, embora, quase que a maioria deles, tem colocado no foco das demandas e soluções relacionadas à saúde, como sendo ações derivadas exclusivamente, das frações da classe hegemônica da sociedade capitalista. Para o conjunto dessas análises o que teria havido no processo histórico, seriam, portanto, políticas públicas de saúde de caráter eminentemente pontual, quanto políticas de saúde “estatizantes”, no sentido do envolvimento do Estado com a implantaç~o de sistemas de saúde pública, mediante sua intervenção direta à medida que ia sendo implantado o sistema capitalista de produção. Na grande maioria das análises, mais difundidas, um dado emerge de forma inequívoca: as relações de poder responsáveis pela implantação das políticas de saúde são secundarizadas ou ignoradas pela historiografia. Outrossim, está quase que totalmente apagada da história oficial, a memória das camadas subalternas, suas lutas, reivindicações e conquistas por melhores condições de vida, quando isto implica o acesso aos serviços de saúde. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 102 Luta de Classes e Contemporaneidade Neste trabalho buscaremos abordar a questão dentro de uma visão dialética, qual seja, do materialismo histórico que considera as necessidades e posições dos diferentes sujeitos em suas relações antagônicas, no contexto das mudanças provenientes da produção capitalista. Considerando que todas as formas possíveis de manifestações e ações ocorridas, em uma dada sociedade, estão relacionadas às condições econômicas, aos conhecimentos técnicos e às relações sociais, a questão da saúde e suas políticas públicas podem ser analisadas sob a ótica da relação entre saúde e sociedade capitalista. Isto porque todos os problemas sociais decorrentes do contexto dessa lógica econômica, são resolvidos no nível político: seja por conquistas, a partir da luta dos movimentos sociais, seja pela implementação de políticas públicas, acompanhadas de uma ideologia, em nível das classes dominantes, que as incorporam e fundamentam nos preceitos dos direitos sociais (Braga e Paula, 1986). Sob esta perspectiva a questão da saúde, na sociedade capitalista, é um fenômeno que constitui manifestação concreta das formas através das quais se reproduzem as relações sociais de produção. Como outros problemas sociais, ela manifesta-se nas práticas políticas e ideológicas e acaba por constituir-se em objeto de atenção e de políticas do Estado. A saúde emerge como problema social ligada à formação do mercado de trabalho no interior das economias capitalistas e às atividades urbanas industriais. Portanto, o desenvolvimento capitalista conferiu um caráter social à saúde em função do avanço da divisão social do trabalho e de seu assalariamento, quando a posição existencial dos indivíduos, dos grupos e classes viram-se oprimidas frente suas condições de trabalho e de sobrevivência. Na Inglaterra de 1833, por exemplo, o Estado se viu obrigado a agir diretamente, resultando na votação do Factory Act que marcou o início da legislação fabril inglesa, dado que as condições de vida da população trabalhadora atingiram um estágio tal de deterioração que o perigo de disseminação de epidemias entre as classes dominantes e as pressões políticas dos trabalhadores obrigara o Estado a criar medidas para diminuição de doenças e de mortalidade. Além disto, os níveis de morbidade e de mortalidades ameaçavam o próprio processo de acumulação de capital (Merhy, 1987, p.34). 103 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário A análise do surgimento das questões de saúde tem na Inglaterra um objeto privilegiado para estudo.2 É, também o fato de que nesse país, no século XIX, a nova situação social se expressou de forma bem definida uma vez que ele foi o pólo hegemônico do desenvolvimento capitalista. Os trabalhadores e suas lutas tiveram participação importante para o surgimento das instituições de saúde desde o início do século XIX. O nível de organização e mobilização desses seguimentos e sua força política determinaram o grau de participação na formulação das políticas sociais do Estado. Foi em parte, graças à luta dos trabalhadores que as políticas de saúde foram planejadas e implantadas. Elas surgiram, prioritariamente, para resolver questões relacionadas à saúde do componente fundamental para promoção, expansão e reprodução do modo de produção capitalista. As políticas de saúde implantadas ao longo dos séculos XIX e XX, nas várias sociedades capitalistas, pelos diferentes atores que ocupavam o poder e pela elite econômica estavam em sincronia com as políticas de trabalho conquistadas a partir da luta e dos movimentos sociais promovidos pelos trabalhadores. As doenças não colaboram com o processo capitalista. Sendo assim, a questão da saúde, deve ser compreendida enquanto problema social no quadro de determinações e das condições do processo de trabalho. Porque quando as relações de produção capitalistas se cristalizaram foi que o “corpo” se tornou quest~o social, na forma de aç~o de grupos sociais específicos. No ambiente, de industrialização e urbanização do século XIX foi que ocorreu a “medicalizaç~o da sociedade” (Idem, 1987, p.34) aquilo que Rosen afirma ser o projeto de Reforma Social. No momento em que o processo de acumulação capitalista ultrapassou seus próprios limites, isto é, quando ocorreu a acelerada urbanização e desenvolvimento industrial, juntamente com surgimento de grandes instituições leigas de saúde, as doenças passaram a compor o quadro mórbido fundamental da atenção pública. A medicina, por isto, tornou-se parte dos interesses do Estado – poder político – em função das circunstâncias históricas específicas que caracterizam as sociedades de produção A seguinte passagem pode justificar o porquê disto: “...Nesta obra, o que tenho de pesquisar é o modo de produção capitalista e as correspondentes relações de produção e de circulação. Até agora, a Inglaterra é o campo cl|ssico dessa produç~o...”. (Marx, 1971, p. 4 3 5). 2 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 104 Luta de Classes e Contemporaneidade capitalista. O conhecimento médico coaduna e favorece a implantação de suas propostas de modernização, urbanização e desenvolvimento. Para Cecília Donnangelo a medicina social surge concomitantemente ao processo de industrialização e modernização capitalista e suas práticas são modalidades particulares de articulação entre as diferentes instâncias de poder, agências e instituições encarregadas das questões sociais, bem como, com os grupos sociais alijados de poder e, para os quais, essas práticas são destinadas, no sentido de manutenção do status quo. Para esta autora, o médico na época contemporânea, pertence a uma das categorias profissionais que se definem no espaço organizacional de trabalho e que estão direta e estreitamente relacionadas ao contexto econômico, social e político (Donnangelo, 1976). Conclusão A saúde, na sociedade capitalista, é uma questão social que está no bojo das relações de poder. O Estado que é o espaço onde essas relações, de lutas, acordos e barganhas se dão, responde concentrando decisões e adotando medidas visando atender os grupos de maior força dentro dessas relações, garantindo assim, sua própria sobrevivência. A conservação e reparação da saúde, para o sistema capitalista, está subordinada a determinações econômicas mais amplas, isto é, está diretamente ligada ao fenômeno de reprodução e manutenção do próprio sistema, efetivado a partir das relações de poder. Historicamente, as políticas públicas de saúde originaram-se da sociedade capitalista e industrial. Assim, não apenas os trabalhadores mas a própria medicina e seus profissionais tornaram-se alvo de interesse do poder político a partir da Revolução Industrial, uma vez que a reivindicação fundamental dos trabalhadores, além do salário, da redução da jornada e da melhoria das condições de trabalho era a garantia de sobrevivência. Pressionado politicamente, o Estado foi obrigado a agir diretamente e uma das formas de intervenção ocorreu através das políticas públicas que são, aqui definidas, como as ações sociais dadas pelas relações de poder político, econômico-social e intelectual. As políticas públicas de 105 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário saúde3 decorrem da negociação para o controle dos conflitos decorrentes das diferenças sociais hierarquizadas, para garantir o cumprimento do status quo. Referências BRAGA, José Carlos de Souza e PAULA, Sérgio Góes de. Saúde e Previdência Estudos de política social. São Paulo: HUCITE, 1986. DONNANGELO, Maria Cecília. Saúde e Sociedade. São Paulo: Duas Cidades, 1976. HOBSBAWM, Eric J. Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo. Rio de Janeiro: ForenseUniversitária, 1983. KARL, Marx. O Capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971. MERHY, Emerson Elias. O Capitalismo e a Saúde Pública. Campinas: Papirus, 1987. SOUZA, Celina. “Políticas Públicas uma revis~o da literatura”. Sociologias. Porto Alegre, ano 8, n. 16, jul/dez, 2006, p. 20-45. O conceito de saúde pública utilizado nesta proposta de pesquisa é o desenvolvido por Maria Cecília Donnangelo em sua tese de doutorado: Medicina e Sociedade. 3 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 106 Luta de Classes e Contemporaneidade Cidadania ou emancipação social? José Santana da Silva [email protected] Resumo: A abordagem ideológica da realidade não constitui apenas um erro metodológico, mais do que isso, é uma forma deliberada dos ideólogos ou intelectuais da classe dominante de evitar a compreensão coerente da realidade por parte das classes subalternas. Isso é o que ocorre com a noç~o de “cidadania”. Modernamente, a burguesia concebeu a cidadania como igualdade jurídica ou igualdade de direitos. Isso inclui o direito de pleitear direitos, o que significa que tal igualdade nunca atinge sua plenitude. Numa definição mais abstrata, T. H. Marshall afirma que a cidadania “é um status concedido àqueles que são membros integrais de uma comunidade” (1967, p. 76). Expressando a tendência burguesa de tudo fragmentar e mercantilizar, Marshall divide os direitos de cidadania em civis, políticos e sociais, mantendo a concepção formal da igualdade. Neste trabalho, defendo a tese de que o sentido último da luta da classe trabalhadora é pela sua autoemancipação e não pela igualdade jurídica ou por cidadania. Dessa perspectiva, procuro demonstrar o caráter ideológico da noção de cidadania e o seu efeito amortecedor da luta emancipatória das classes dominadas na sociedade capitalista. 107 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário As consequências do Estado de bem-estar social para o movimento dos trabalhadores na luta pela emancipação humana: elementos para o debate Fernando de Araújo Bizerra1 Resumo: O ensaio que ora apresentamos versa sobre as consequências do Estado de BemEstar Social sobre o movimento dos trabalhadores no século XX na luta pela emancipação humana. Resultante de uma pesquisa bibliográfica, orientada à luz da tradição marxista, objetiva analisar como se configurou essa forma de intervenção do Estado, característica durante os “anos dourados” do capitalismo contempor}neo, e seus rebatimentos na construção histórica da consciência revolucionária do proletariado. Explicitamos a determinação objetiva da reconfiguração do Estado no período pós-crise de 1929, a partir das transformações ocorridas na esfera produtiva, e sua funcionalidade para a reprodução do capital, bem como as implicações que daí decorre, no campo político-ideológico, para a luta dos trabalhadores em torno da construção de uma sociabilidade emancipada dos grilhões capitalistas. Palavras-chave: Estado de Bem-Estar Social; Reprodução do capital; Movimento dos trabalhadores. I – Introdução O “breve século XX”, assim definido por Hobsbawm (1995), demonstrou ser mais duradouro do que apontavam as perspectivas do historiador inglês. Tal século foi marcado pelo avesso do que vinha sendo construído historicamente durante o século XIX pela luta proletária. Os cem anos seguintes, apesar dos levantes revolucionários nele desencadeados, n~o foram palco de uma virada histórica. Os diversos acontecimentos “catastróficos” (Hobsbawm, 1995) serviram como um freio ao movimento revolucionário do proletariado. Nesse século, cen|rio de vertiginosa disseminaç~o das ideias democr|ticas, “surgem alternativas históricas de lutas com vínculo na centralidade política, transformando o Parlamento e outros espaços do aparelho do Estado em loci privilegiados para conduzir a transiç~o para o socialismo” (Tonet e Nascimento, 2009, p.41). Passa-se a atribuir um papel revolucionário ao Estado enquanto mediação para o fim das desigualdades e uma sociedade emancipada, transferindo a centralidade do trabalho para a centralidade da política, com todos os nós problemáticos aí existentes. 1 Assistente Social, mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social (PPGSSO-FSSO/UFAL). De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 108 Luta de Classes e Contemporaneidade Num contexto ideológico de “democratizaç~o do Estado”, v|rias teses vêm sendo propaladas acerca do Estado de Bem-Estar Social como sendo uma expressão da vitória do movimento dos trabalhadores na luta contra a dominação estrutural do capital. Na sua aparência imediata, tais teses entendem que na aliança pactuada entre capital e trabalho, sobretudo a partir dos anos pós-1945, o Estado teria “ampliado” sua aç~o, passando a atender as demandas da classe trabalhadora e tornando-se o eixo mediador para a emancipação humana e para a construção do socialismo. Ou seja, postula-se que a “democratizaç~o da sociedade capitalista” e as novas funções social-democratas assumidas pelo Estado no século XX converter-se-ia na primeira fase do socialismo. Assim, a afirmação célebre de Marx e Engels (1998) de que o Estado é o comitê executivo dos interesses da burguesia estaria limitada, pois, nesse novo contexto, o Estado incorpora os ideais social-democratas e, consequentemente, torna-se uma instituiç~o “neutra” e “livre” que atenderia aos interesses dos trabalhadores. Isso se converte aparentemente e, só em sua imediaticidade, numa vitória do movimento operário. Estaria, pois, a humanidade, caminhando para o fim da sociedade de classes sociais a partir de modificações no interior do próprio sistema sócio-metabólico do capital? Segundo esse pensamento que passa a predominar na sociedade, “a passagem do capitalismo para o socialismo [é entendida] como um processo histórico contínuo” (Tonet e Nascimento, 2009, p. 63). Diante dessa breve contextualização, pretendemos, aqui, elencar alguns aspectos decisivos para o entendimento acerca dessa problemática que se converte no argumento empírico de que, no segundo pós-guerra a sociabilidade burguesa estaria adentrando num novo estágio de desenvolvimento, o qual seria marcado, fundamentalmente, por significativas mudanças na esfera produtiva, constituindo-se enquanto “ponto de partida” para o fim decisivo das fronteiras de classe e para a construção do socialismo. II – Estado de bem-estar social e movimento dos trabalhadores: que relação? No capitalismo monopolista, iniciado em 1870, devido ao intenso desenvolvimento das forças produtivas e das mudanças ocorridas na economia, acentuam-se a anarquia da produção e a concorrência entre os setores do mercado. O estágio monopolista não apresentou nenhuma solução para as contradições presentes na evolução anterior do modo 109 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário de produção capitalista. Ao contrário, as contradições sociais elevaram-se ao seu nível máximo (Netto e Braz, 2009, p. 203). Para administrá-las, esse novo estágio do capitalismo requereu a consolidação de um Estado que fosse além da garantia das condições externas da produção e da acumulação capitalista. Exigiu, sobretudo, um Estado “comprador” (principalmente do complexo industrial-militar, com tudo o que ele apresenta de alienação; convertendo-o no setor mais importante da economia mundial2) e “interventor”. Não mais um Estado que se sustentasse unicamente sob os princípios liberais, mas sim um Estado que assumisse “aparentemente” uma nova configuraç~o, dessa vez, mais social, incorporando as orientações social-democratas. Neste contexto socioeconômico e político, o Estado assumia ainda uma nova função na esfera econômica, a qual contribuiu para avançar o sistema de acumulação do capital. Tratou-se de que: [...] No capitalismo concorrencial, a intervenção estatal sobre as seqüelas da exploração da força de trabalho respondia básica e coercitivamente às lutas das massas exploradas ou à necessidade de preservar o conjunto de relações pertinentes à propriedade privada burguesa como um todo – ou, ainda, à combinação desses vetores; no capitalismo monopolista, a preservação e o controle contínuos da força de trabalho, ocupada e excedente, é uma função estatal de primeira ordem: não está condicionada apenas àqueles dois vetores, mas às enormes dificuldades que a produção capitalista encontra na malha de óbices à valorização do capital no marco do monopólio (NETTO, 1992, p. 22). A nova forma de Estado surge no contexto das mudanças do capitalismo, e passa a intervir na economia conforme as necessidades de reprodução do capital. O Estado viu-se obrigado a reorientar sua ação e tomar medidas de caráter social protetor frente ao forte movimento operário e sindical, fortalecido pelos partidos comunistas e socialistas; e ainda, frente ao receio burguês das experiências socialistas e das idéias democráticas que revigoravam em resistência ao nazi-fascismo3. Dessa forma, para que o Estado, a serviço dos monopólios, se legitimasse, foi necessário reconhecer os direitos sociais, sem colocar em xeque os fundamentos do capitalismo4. Foi preciso também intervir na economia de forma com que os trabalhadores se tornassem consumidores das mercadorias por eles produzidas. O complexo industrial-militar absorveu, no século XX, “mais do dobro de que tudo o que foi gasto para manter os carros andando, de petroquímica a ferros-velhos, de estradas, ruas e garagens a siderurgia, etc.” (LESSA, 2008, p. 3). 3 O século XX assistiu ao surgimento, consolidação, ascensão e queda de Estados totalitários os mais diversos, a exemplo do III Reich hitlerista, do gigante soviético de Stalin e da Itália fascista de Mussolini. 4 Isso se deve ao fato de que, “num marco democrático, para servir ao monopólio, o Estado deve incorporar outros interesses sociais; ele não pode ser, simplesmente, um instrumento de coerção – deve desenvolver mecanismos de coesão social” (NETTO e BRAZ, 2009, p.205). 2 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 110 Luta de Classes e Contemporaneidade Os trabalhadores são empurrados para as vias do mercado como uma estratégia de aumentar o consumo (seja ele produtivo ou destrutivo, conforme define Mészáros (2002)) e fazer fluí-lo de forma que intensifique a produtividade, escoe a abundância das mercadorias e gere incansavelmente mais-valia; maximizando os superlucros para o capital monopolista. Dessa forma, buscou-se aumentar a composição orgânica do capital e intensificar a exploração dos trabalhadores como estratégia de expansão. Nos anos que marcaram a vigência do Estado de Bem-Estar Social, no capitalismo dos monopólios, são identificadas diversas mudanças na configuração do Estado e na dinâmica da sociedade que proporcionaram desastrosos impactos para a organização da classe trabalhadora e, consequentemente, para o mundo do trabalho. Esse período é caracterizado pela emergência do modelo taylorista/fordista5 de produção e de novas estratégias de intervenção do Estado na economia, configurando uma resposta à crise que se deslancha a partir da Primeira Guerra Mundial, explicitamente na Grande Depressão de 1929, e às problemáticas socioeconômicas geradas pela II Guerra Mundial. Tal contexto requereu uma maior racionalizaç~o da produç~o capitalista, onde se erigiu um sistema de “compromisso” entre capital x trabalho administrado pela política keynesiana, e uma “regulaç~o” que, analisada do ponto de vista da classe trabalhadora, apresentou-se enquanto uma ilusão de que o sistema capitalista pudesse ser definitivamente regulado e controlado por ela, fato esse, impossível, segundo Mészáros (2002), dada a natureza incontrolável do sistema de reprodução do capital. Nessas condições, o “compromisso” mediado pelo Estado buscou delimitar o campo da luta de classes através da adesão dos trabalhadores e do movimento operário às premissas estruturais do capital, quando então se garantiu direitos e benefícios sociais aos trabalhadores que, por tempo limitado, suavizou os conflitos inerentes à relação capital-trabalho. A intervenção estatal passou a garantir, além das condições externas, as condições gerais para a reprodução e acumulação do capital mediante as exigências econômicas que se A essência do padrão produtivo taylorista-fordista consistia na gerência científica e na separação autoritária do processo de trabalho entre concepção e execução. O modelo taylorista é uma forma de organização do trabalho humano baseado na ciência, que tem como base o parcelamento extensivo das atividades e tarefas, formas de supervisão e controle despóticas, além da desqualificação da força de trabalho pela extrema separação entre as tarefas de planejamento e de execução. Já o fordismo se apoiou nas seguintes transformações: 1) produção em massa para estimular o consumo em massa, 2) parcelamento das tarefas, 3) criação da linha de montagem, 4) padronização das peças, 5) automatização das fabricas (GOUNET, 1999). 5 111 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário apresentavam. Isso acontece num contexto sociopolítico marcado pelo alto nível de organização e combatividade de amplos setores operários na Europa, demonstrando maior poder coletivo entre os operários. O modus operandi das ações do Estado pautaram-se, conforme salienta Netto e Braz (2009), na regulação das relações sociais e econômicas, no reconhecimento dos direitos sociais e na formulação e implementação de políticas sociais orientadas pela lógica do seguro social. Configurou-se, portanto, um conjunto de instituições que deu forma a diversos modelos de Estado de Bem-Estar Social (Welfare State), em alguns países capitalistas avançados, especialmente na Europa; que contribuiu significativamente para ocultar as contradições de classe, os conflitos sociais e refrear as lutas operárias pelo viés do consenso. O Estado passa a ser considerado o lugar “natural” de resoluç~o das contradições conflituosas existentes entre os interesses de classe. Torna-se plausível a reprodução da ideia de que a solução dos problemas encontrados pelo proletariado e até mesmo sua emancipação, enquanto classe, dos grilhões capitalistas, seria encontrada no âmbito da esfera estatal. Assim, no século XX, os movimentos operários empenharam-se em dar forma política - ou melhor, estatal6 - a essa luta, buscando sempre vinculá-la ao Estado, refreando seu movimento mediante as concessões do Estado de Bem-Estar Social. Daí vem decorrendo que, “o proletariado renunciou { “aventura histórica” em troca da sua seguridade social” (Bihr, 1998, p.37), abdicando, portanto, do seu projeto específico de classe, da luta pela transformação comunista da sociedade. Nos termos do sociólogo francês Alain Bihr: Renunciar | “aventura histórica”? É renunciar { luta revolucion|ria, { luta pela transformação comunista da sociedade; renunciar à contestação à legitimidade do poder da classe dominante sobre a sociedade, especialmente sua apropriação dos meios sociais de produção e as finalidades assim impostas às forças produtivas. É, ao mesmo tempo, aceitar novas formas capitalistas de dominação que vão se desenvolver pós-guerra, ou seja, o conjunto de transformações das condições de trabalho e, em sentido mais amplo, de existência que o desenvolvimento do capitalismo vai impor ao proletariado [a partir desse] momento (1998, p. 37). Esse fato não é algo novo na história do movimento operário, visto que já no século XIX, os primeiros movimentos organizativos do proletariado estabeleceram aliança com a burguesia e com o Estado na busca de atingir seus objetivos. Lembremos dos movimentos luddista e cartista, os quais foram importantes para a organização política da classe operária e para a sua atuação em face das determinações histórico-sociais do desenvolvimento capitalista. Porém, limitaram suas ações no campo das causas imediatas, não transcendendo as limitações imposta pela burguesia e a imediaticidade das lutas políticas. O que passa a atrair a atenção especial nesta aliança entre movimento dos trabalhadores e Estado nos anos do Estado de Bem-Estar é a forma com que ela se estabelece cada vez mais crescente. 6 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 112 Luta de Classes e Contemporaneidade A ação do movimento operário centrou-se apenas na busca pela satisfação de seus interesses de classe mais efêmeros, passando a não se confrontar de forma unificada contra a burguesia e a substituir o “internacionalismo” da luta oper|ria, até ent~o característica marcante do seu movimento, pela retórica do “patriotismo” conservador. É nesse horizonte de luta setorial - que a construção de uma alternativa hegemônica que se contraponha ao modo de controle e reprodução societária do capital foi sendo posta num segundo plano estratégico, pois, conforme os apontamentos de Mészáros, [...] a posição defensiva do movimento, explícita ou tacitamente, aceitou tratar a ordem socioeconômica e política estabelecida como estrutura e pré-requisito necessários de tudo o que se poderia considerar “realisticamente vi|vel” dentre as exigências apresentadas, demarcando ao mesmo tempo a única forma legítima de resolver os conflitos que poderiam resultar de reivindicações rivais dos interlocutores. Para júbilo das personificações do capital, isso foi o equivalente a uma espécie de autocensura. Representou uma autocensura anestesiante que resultou numa inatividade estratégica que continua ainda hoje a paralisar até mesmo o resquício mais radical da esquerda histórica, sem falar nos seus elementos antes genuinamente reformistas, hoje totalmente domesticados e integrados (2003, p.93). Suas reivindicações estiveram presas aos limites dos direitos (ao voto, à fixação da jornada de trabalho, a férias, ao aumento dos salários7, a participação nas decisões dos postos de trabalho, etc.) e às causas imediatas ligadas à melhoria nas condições de vida e de trabalho, as quais são importantes e fundamentais na medida em que expressam reivindicações do mundo do trabalho. Porém, as ações encabeçadas pelos trabalhadores durante os “anos dourados” do capitalismo n~o s~o direcionadas contra o trabalho assalariado e pela construção de uma nova sociabilidade antagônica à capitalista, restringe-se aos entraves da ordem burguesa e às conquistas parciais disponibilizadas pela burguesia diante da generalização da pobreza e da consolidação das desigualdades sociais em seus mais diversos níveis; cristalizando sua ação político-ideológica no “aqui e agora” (Mész|ros apud Lessa, 2001, p. 12). Portanto, a classe operária estabeleceu uma aliança com a burguesia e, através do Estado e do parlamento, acreditou na resolução da problemática social a que estava submetida. O período de vigência do Estado de Bem-Estar Social foi marcado pela instituição de práticas e procedimentos de “negociaç~o coletiva” (Bihr, 1998, p. 38) como forma de minimizar os conflitos de classe. Assim, o Estado, por via da burocracia à qual aderiram o Nem mesmo o aumento pontual dos salários, pauta do movimento dos trabalhadores, pode ser entendido como uma vitória do trabalho sobre o capital, ao contrário, a burguesia viu, estrategicamente, no aumento dos salários, mais um eficiente mecanismo de extrair mais-valia. A esse respeito, ver Paniago (2003). 7 113 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário sindicalismo de colarinho branco e a aristocracia operária, converteu o consenso8 e a negociação em finalidade exclusiva da prática organizacional do proletariado, instrumentalizando-a, para ser convertida, unicamente, em engrenagem do domínio do capital sobre o trabalho. Ilusoriamente, o movimento operário foi solapado e passou a reforçar a legitimidade do estatismo através dos efeitos fetichistas do Estado, na medida em que ampliava sua dependência prática e ideológica, fazendo deste o instituidor e a garantia da sua seguridade social. O Estado tornou-se o verdadeiro “mestre-de-obras” (Bihr, 1998) do processo de reprodução do capital, assumindo tarefas diversificadas que contribuíram para esse processo, bem como para o recrudescimento do movimento operário. O Estado passa a proporcionar a satisfação imediata do proletariado e sustenta algumas de suas reivindicações na medida em que isso permite melhor integrá-lo na sociedade civil. Ou seja, passou a exercer o controle sobre suas ações, “domesticando” suas lutas e pondo as grandes organizações sindicais sob sua tutela, o que contribuiu, diretamente, para um refluxo da construção histórica da consciência revolucionária do proletariado. Emoldurados na lógica estatal, os trabalhadores são educados a lutar orientados pela ótica do reformismo, refluindo sua consciência revolucionária a aspectos meramente economicistas9 na medida em que os ideais de democracia passam a substituir a busca pelo comunismo. Estiveram, mediante essas circunstâncias, presos unicamente aos limites da emancipação política, pois o que se verificou foi uma ação aquém dos limites da lógica de acumulaç~o e valorizaç~o do capital e a concretizaç~o da figura do “cidadão”, operando assim a consolidação da emancipação política, de um estágio que, compatível com as determinações da sociedade burguesa,“ hoje, j| n~o representa um progresso, mas tão-somente a reiteração “Para o trabalho, a gestão do consenso manifesta uma nova forma de alienação que encobre as desigualdades entre as classes, fragmenta o movimento de resistência ao capital e amplia a exploração da força de trabalho, tanto tecnicamente – intensidade do trabalho alcançada pela rigidez da produção –, quanto ideologicamente pelo fetiche criado em torno da conquista de benefícios e direitos sociais alcançados com a vigência do Estado de bem-estar social” (CARNEIRO, 2006, p. 101). 9 “Entende-se que é minada a resistência das classes trabalhadoras e o caráter emancipatório de suas lutas, na medida em que a conquista e a manutenção de direitos vai tornando-se o ideário do movimento dos trabalhadores. O capital consegue promover o consenso entre as classes através de formas de controle que passam a atuar sobre a dimensão ideológica, mistificando a exploração do trabalho, as contradições entre as classes e, constituindo uma nova cultura que tem no consentimento do trabalho uma das formas de dominação. Esse é o solo fértil para que o controle do capital, nos processos de organização do trabalho posteriores, encontre, também, na persuas~o, a base para se reproduzir” (CARNEIRO, 2006, p. 102). 8 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 114 Luta de Classes e Contemporaneidade da limitaç~o, um entrave que a humanidade aceda a um nível superior de autoedificaç~o” (Tonet, p. 04 10). O objetivo das ações dirigidas pelo Estado de Bem-Estar Social para o movimento dos trabalhadores foi fomentar um pacto, uma crescente aliança entre as classes pela “linha de menor resistência” (Mész|ros, 2003, p. 94), o que contribuiu para disseminar a idéia de “homogeneizaç~o” de classes, como se as fronteiras entre as classes tivessem sido eliminadas, fato esse que está longe de ser, puramente verdadeiro. Esta aliança se fez presente nos partidos de esquerda e de direita, mediante o estabelecimento de compromissos para a aprovaç~o de uma legislaç~o social que transformou as organizações oper|rias em “c~es de guarda” do capital (Bihr, 1998, p.37). N~o obstante, dissemina-se historicamente a formação de um acordo entre capital e trabalho, aonde as lideranças sindicais vão sendo crescentemente incorporadas na estrutura do governo; fato que provoca sérias consequências para a luta de classes, naquele momento, bem como para a organização operária na atualidade. Tal acordo vem configurando os últimos cinquenta anos “contrarrevolucion|rios” que a humanidade vivenciou; período este considerado o mais duradouro desde a Revolução Francesa de 1789. Como pode então ser o Estado de Bem-Estar Social uma vitória do movimento dos trabalhadores? Nesse universo, a ação do movimento operário, por via dos seus frágeis instrumentos de organização, tende a ser cada vez mais presa ao ide|rio do “patriotismo conservador”, centrando-se na setorialidade e nas “armadilhas” da luta parcial desenvolvida nos limites das premissas estruturais do sistema do capital. A luta do movimento operário vem perdendo, ante as estratégias de controle e cooptaç~o do capital, a sua dimens~o de totalidade; “sem uma solidariedade internacional dirigida para a criaç~o de uma ordem de igualdade substantiva” (Mészáros, 2003, p. 83). Isso elucida, em termos mais gerais, a passividade dos trabalhadores no período de transição do fordismo ao toyotismo, do Estado de Bem-Estar Social à avalanche do Estado neoliberal no movimento das últimas décadas do século XX. Disponível em: http://www.ivotonet.xpg.com.br/arquivos/revolucao_francesa.pdf. Acesso em 12 de setembro de 2011. 10 115 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário III – A modo de conclusão Foi no contexto pós-crise de 1929 que o capital buscou reorganizar o seu ciclo de reprodução e reascender seus aspectos essenciais para intensificar o processo de desenvolvimento das forças produtivas, ou seja, o binômio dominação/exploração da força de trabalho. Para isso, vimos que o Estado, a partir das alterações das necessidades do capital, passa a desempenhar novas funções no processo de regulação das relações sociais, as quais se direcionaram para ocultar boa parte dos conflitos de classe e das lutas do proletariado, acarretando na fragilização das suas redes de solidariedade de classe e suas antigas referências ideológicas. Neste sentido, longe de ser uma expressão vitoriosa da luta dos trabalhadores, como defendem os teóricos burgueses; o Estado de Bem-Estar Social foi essencialmente correspondente aos mecanismos que intensificam a reprodução do capital e às premissas da classe burguesa, buscando reativar seu clico reprodutivo e velar as contradições conflituosas de classes. O Estado de Bem-Estar Social tendeu a intensificar os antagonismos de classe e manteve acesa a chama que suporta sua plêiade. Essa experiência história demonstra, para o conjunto da humanidade, que não há como propor e construir o socialismo e o ser social livre tendo como mediação um complexo social cuja função sociogenética é destinada a perpetuar a dominação de classe. Destituído deste papel, a ação reguladora do Estado burguês, independente da forma por ele assumida no desenvolvimento do capitalismo, não possui natureza revolucionária, sendo, portanto, por sua funcionalidade à reproduç~o da dominaç~o de classes, impotente para “alterar a sociedade civil” (Marx, 1995) e levar a cabo a emancipação dos indivíduos. Entendemos que a aliança do movimento operário com os setores da classe dominante, por via do Estado, não foi um fator meramente subjetivo dos trabalhadores. Ao contrário, foi resultante das condições objetivas daquele contexto histórico, fruto de um processo social interno que vem corroborando para o desarmamento político e ideológico que orientava o movimento oposicionista dos trabalhadores e para um refluxo na formação histórica da sua consciência revolucionária, haja vista que o movimento operário soçobrou o ideal de construção de uma nova ordem societária que possibilite o expressar da verdadeira essência humana em troca da alienante negociaç~o democr|tica com o “patronato”, estruturada, essencialmente, nos moldes microscómicos imediatos da empresa ou dos locais de trabalho. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 116 Luta de Classes e Contemporaneidade O Estado de Bem-Estar Social restringiu a capacidade de resistência dos trabalhadores aos processos alienantes do capital, configurando alterações voltadas para a supremacia do capital, para mais uma vitória da burguesia sobre os trabalhadores, do capital sobre o trabalho. Trouxe consequências imediatas que incidiram sobre a classe trabalhadora, contribuindo para sua heterogeneização e fragmentação frente o processo de reativação do capital. Por fim, promoveu a destruição contínua do sindicalismo de classe e da consciência revolucionária do movimento operário que se opõe à dominação econômica do capital. Referências BIHR, Alain. Da grande noite à alternativa. O movimento operário europeu em crise. São Paulo: Boitempo, 1998. CARNEIRO, Reivan M. de Souza. 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De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 118 Luta de Classes e Contemporaneidade Crise de acumulação e movimentos sociais: insurreições a partir da década de 1960 e crise do regime de acumulação intensivo-extensivo1 Mateus Vieira Orio2 Resumo: Este estudo se empenha em fazer uma breve análise dos movimentos sociais que emergiram durante a crise do regime de acumulação intensivo-extensivo, principalmente a insurreição de Maio de 68 em Paris, contribuindo assim com uma compreensão da concretude deste movimento como a síntese de múltiplas determinações e, portanto, relacioná-los à determinação fundamental da sociedade, ou seja, o modo de produção. E assim contrapor ao paradigma dos Novos Movimentos Sociais e principalmente aos ideólogos intitulados pósmodernos, reafirmando a luta contra a degradação da vida na sociedade burguesa. Palavras chave: Movimentos Sociais, Maio de 68, crise de acumulação. Os movimentos sociais iniciados no final da década de 1960 e que se seguiram nas décadas seguintes tiveram grande relevância social e grande repercussão nos debates acadêmicos que se desenvolvem até os dias atuais. Tamanha foi a repercussão nos círculos acadêmicos que os respectivos movimentos foram atribuídos como uma nova maneira de realizar protestos assim como inauguraram um novo paradigma científico de análise de movimentos sociais e até da sociedade como um todo: o paradigma dos Novos Movimentos Sociais. O que instiga ao presente estudo é a compreensão destes movimentos, em especial o Maio de 68, no interior da totalidade das relações sociais, ou seja, buscar a compreensão da concretude destes fenômenos como a síntese de múltiplas determinações e, portanto, relacioná-los à determinação fundamental da sociedade, ou seja, o modo como os seres humanos produzem e reproduzem suas condições materiais de existência: o modo de produção. Por isso consideramos a crise de acumulação do modo de produção capitalista como estritamente relacionada com as lutas sociais delimitando enfim o tema desta pesquisa em: Crise de acumulação e movimentos sociais: insurreições a partir da década de 1960 e crise do regime de acumulação intensivo-extensivo. Texto referente { apresentaç~o de comunicaç~o no Semin|rio Tem|tico nº 7: “Emancipação humana e as articulações entre as lutas sociais” do II Simpósio Nacional Marxismo Libert|rio a se realizar de 9 a 11 de maio de 2012 na Universidade Federal de Goiás. 2 Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Goiás e mestrando em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Goiás com apoio financeiro da CAPES. 1 119 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Este estudo tem como objetivo fazer uma breve análise dos movimentos sociais que emergiram durante a crise do regime de acumulação intensivo-extensivo, principalmente a insurreição de Maio de 68 em Paris, contribuindo assim com uma compreensão mais aprofundada da análise de movimentos sociais em contraposição ao paradigma dos Novos Movimentos Sociais e principalmente aos ideólogos intitulados pós-modernos. Partindo entao da definiçao de Nildo Viana (2009) podemos definir regime de acumulaçao como: [...] um determinado estagio do desenvolvimento capitalista, marcado por determinada forma de organizaçao do trabalho (processo de valorizaçao), determinada forma estatal e determinada forma de exploraçao internacional. (Viana, 2009, p. 29-30). Desta forma, um regime de acumulação específico é expressão da luta de classes contemporânea em uma correlação relativamente estável seja no âmbito da organização da produção ou mediada pelos Estados Nacionais de modo a influenciar as relações internacionais. Além disso, a mudança no regime de acumulação provoca mudanças gerais na sociedade, pois a cada novo regime de acumulação surgem diferentes expressões culturais, ideológicas, etc. (Viana, 2009). Após a acumulação primitiva de capital inicia-se o primeiro regime de acumulação propriamente capitalista: o regime de acumulação extensivo, caracterizado, grosso modo, pela extração de mais-valor absoluto, o estado liberal e o colonialismo. Então inicia-se, após a crise do primeiro, no final do século 19, o regime de acumulação intensivo que, em linhas gerais, trazia o taylorismo e a ampliação do mais-valor relativo, o estado liberal-democrático e o neocolonialismo. E o regime de acumulação intensivo-extensivo se inicia após a Segunda Guerra Mundial. (Viana, 2009). É importante ressaltar que o que move a sucessão de regimes de acumulação, ou seja, o que movimenta o capitalismo é a luta de classes. E para cada regime de acumulação correspondem lutas específicas envolvendo principalmente as classes fundamentais: burguesia e proletariado, e também as demais classes. Estas duas classes são fundamentais, porque, como dito anteriormente, o modo de produção da vida material é fundamental na existência humana, afinal não é possível sobreviver sem satisfazer as necessidades básicas como comer, vestir e se abrigar. E o ser humano só é humano em relação (Marx, 1984), para produzir e reproduzir sua vida ele precisa transformar a natureza e por isso o trabalho é a De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 120 Luta de Classes e Contemporaneidade condição de mediação entre homem e natureza. O que acontece no modo de produção capitalista é que os seres humanos que produzem os bens materiais necessários para a reprodução da vida não têm a posse dos meios para o fazê-lo (ferramentas, matérias primas, etc.) e nem, tampouco, ficam com o que produzem, pois seus produtos pertencem aos seres humanos que têm a posse dos meios de produção e vendem os produtos no mercado de uma maneira que é peculiar ao capitalismo. Os primeiros seres humanos aludidos acima constituem a classe proletária e os últimos a classe burguesa, as demais classes gravitam em torno da produção se apropriando de parte dela para sobreviverem e isso se dá de diversas formas as quais não entraremos aqui. E por agora basta dizer que estas duas classes são fundamentais por estarem no seio da produção da vida. Enfim, o regime de acumulação intensivo-extensivo é marcado pela extensão do capitalismo a quase totalidade do globo terrestre, o surgimento das multinacionais, o chamado Estado de Bem-Estar Social e o imperialismo oligopolista. O mais-valor é extraído de maneira extensa e intensificada: marcadamente mais-valor relativo nos países desenvolvidos e mais-valor absoluto nos países subordinados. Surge então a resistência a este regime: Na esfera da produção, a resistência ao fordismo é ampla nos países imperialistas, desde o absenteísmo, às greves, até as revoluções e experiências revolucionárias demonstram isso. O maio de 1968 francês e alemão, as greves selvagens na Itália no início da década de 1970 são exemplos extremos. Na esfera da sociedade civil, a expressão de organizações e concepções revolucionárias ganham força e amplitude. O autonomismo, situacionismo, anarquismo, conselhismo etc. crescem e se espalham por toda a Europa e Estados Unidos. Os movimentos contra a Guerra do Vietnam nos EUA, os movimentos pacifistas, anti-nuclear e também o movimento ecológico ou ambientalista [...] se espalham por quase todos os países da Europa, Estados Unidos e também em alguns países periféricos. (Maia, 2011). O Maio de 68 se destaca então como um grande expoente dos movimentos sociais do período da crise do regime de acumulação intensivo-extensivo. Neste movimento estudantes e trabalhadores reivindicavam desde reformas integradas, limitadas ao modo de produção capitalista e à sociedade capitalista chegando até a preceitos revolucionários que consideravam que a própria sociedade moderna deveria ser rejeitada. A radicalidade do 121 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário movimento – é importante ressaltar – é tamanha a ponto de que as exigências mais profundas, aquelas revolucionárias, foram espontaneamente majoritárias (Solidarity, 2003). Os avanços que este movimento trouxe são vários e precisam ser aqui relembrados. Os estudantes manifestantes compreendiam a necessidade da expansão do movimento aos setores populares, principalmente aos trabalhadores, pois eles tinham a consciência – de um tipo espontâneo, advindo da própria luta presente – do papel essencial dos trabalhadores na sociedade. Ainda que algumas minorias interesseiras utilizassem disso para descreditar a ação estudantil (Solidarity, 2003). Neste movimento, inúmeras vezes, partidários foram chamados de oportunistas por conta da contradição, que então se tornara evidente, entre suas posturas contemporâneas e suas atitudes anteriores no âmbito governamental. O movimento foi uma prova de que os trabalhadores não eram interessados somente em futebol, televisão e corrida de cavalos (Solidarity, 2003), mas que poderiam reconhecer e usar a sua força. A luta revolucionária evidencia – e neste caso de maneira profunda – a falta de sentido da vida moderna, evidencia que na degradação da vida moderna só a luta faz sentido. A percepção de que só a frente sindical é que pode aglutinar trabalhadores individuais é solapada, a crença de que os partidos são os únicos veículos de ação política é derrubada na prática. A ocupação da Sorbonne e do Censier representaram uma verdadeira explosão intelectual de cunho revolucionário em que os mais diversos assuntos da vida cotidiana (desde as maneiras de ensino na Universidade até a repressão sexual e formas políticas de organização) e as respectivas categorias que tradicionalmente os explicavam/ justificavam foram postos em questão em acalorados grupos de discussão. As expressões artísticas floresciam em meio a incansáveis avanços políticos. E isso tudo representou um grande volume de compreensão da sociedade burguesa e suas mistificações, assim como deu vazão a diversos anseios de indivíduos reprimidos, que até então não haviam tido oportunidade de se manifestar, alimentando assim o fogo oculto da revolução social. (Solidarity, 2003). A clareza política (a clareza do discurso com relação ao que acontecia na prática), a clareza democrática (o respeito às concepções do outro) e, além disso, a clareza de organização das Assembles Générales3 impedia que qualquer discurso dogmático se impusesse sobre o coletivo de manifestantes, favorecendo à resolução de questões práticas e 3 Assembleias Gerais. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 122 Luta de Classes e Contemporaneidade ao avanço da consciência revolucionária. E por isso, as minorias revolucionárias, ainda que importantes para os debates, não procuraram e nem puderam impor suas vontades. (Solidarity, 2003). A necessidade de produzir informações sobre o que estava acontecendo fez os manifestantes superarem suas diferenças políticas em virtude das ações práticas. As ideias dos manifestantes eram algumas poucas proposições direcionadas ao rápido e autônomo desenvolvimento da luta da classe trabalhadora, consistiam em [...] uma campanha pelo constante controle da luta de baixo para cima, pela autodefesa, pela gestão operária da produção, pela popularização da concepção de conselhos operários, e que explicava a todos a enorme importância, em uma situação revolucionária, das exigências revolucionárias, da atividade auto-organizada, da autoconfiança coletiva. (Solidarity, 2003, p. 72). “Praticamente todos os setores da sociedade francesa se envolveram em certa medida.” (Solidarity, 2003, p.104). Todos os princípios hier|rquicos foram questionados, afirmaram a possibilidade da autogestão democrática, denunciaram o monopólio da informação e criticaram os pilares da civilização: a divisão entre trabalho intelectual e manual, a sociedade do consumo, a fetichização da universidade e da ciência. Foi um movimento que trouxe à tona o potencial criativo, em que houve uma tomada de consciência muito célere e vasta. Um momento de radicalização, crítica profunda e abalo das mistificações. Um movimento que buscou extirpar as formas obsoletas de organização da luta. Foi um movimento que denunciou as organizações burocráticas como aparelhos mantenedores, até as últimas consequências, do atual regime. O paradigma de análise sociológica dos novos movimentos sociais surge, segundo Gonh (1997), a partir da alegação de que o paradigma marxista (chamado clássico ou ortodoxo) é inadequado para explicar os movimentos sociais a partir da década de 1960 na Europa. Isso se deve porque segundo os ideólogos dos novos movimentos sociais o marxismo privilegiaria as explicações macrossociais desprivilegiando os domínios da política e da cultura em prol da economia. O referido paradigma é um modelo teórico baseado na cultura que nega a visão funcionalista e rejeita o conceito de Marx de ideologia como falsa consciência. Além disso, este 123 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário paradigma nega a vanguarda partidária em favor do coletivo difuso, vendo os participantes de ações coletivas como atores sociais, privilegiando an|lises “microssociais” e compreendendo o poder para além da esfera do Estado. A recusa de partidos e sindicatos se daria devido à crise dos canais tradicionais de participação da democracia ocidental. Nesta análise ações coletivas, interação social e atores sociais são categorias centrais, além de cultura e identidade. (Gohn, 1997) Conforme Viana (2009) com as mutações nos regimes de acumulação e com as mudanças culturais que surgem neste processo, são criadas novas ideologias. A partir disso afirmamos que o paradigma sociológico dos novos movimentos sociais é uma destas ideologias que surgem no regime de acumulação intensivo-extensivo: [...] a essência do modo de produção capitalista não muda com os regimes de acumulação, pois estes são formas de manifestação histórico-concreta daquele. No entanto, a mudança do regime de acumulação promoveu, por exemplo, mudanças culturais que atingiram até a interpretação do pensamento de Marx. (Viana, 2009, p. 128) E isso quer dizer que as mudanças culturais influenciam na forma como interpretamos as ideias e também na forma como as ideias influenciam as ações. Por isso concluímos que o surgimento do paradigma dos novos movimentos sociais é uma ideologia que se constrói a partir da crítica de interpretações do pensamento de Marx e da atribuição de ideias ao marxismo. Nestes termos, indo adiante na crítica, podemos considerar que o paradigma dos novos movimentos sociais é uma nova linguagem que amortece o impacto da realidade ocultando o aumento da exploração e da miséria que ocorre a partir do final da década de 1960 durante a crise do regime de acumulação intensivo-extensivo. Karl Jensen (1996) se propõe a desenvolver uma definição precisa de movimentos sociais considerando que a questão da definição era até então o grande problema teórico da análise dos movimentos sociais. Segundo Jensen o que se movimenta na sociedade são grupos sociais e a alteração que sofrem é histórica. Para este autor é preciso entender a constituição dos grupos sociais para compreender a causa dos respectivos movimentos sociais. Estes surgem, segundo o autor, no interior de determinadas relações sociais onde se origina a De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 124 Luta de Classes e Contemporaneidade necessidade de uma ação coletiva por parte de um conjunto de pessoas que possuem aspectos em comum. Estes aspectos podem ser biológicos, culturais / ideológicos, condição social, etc. Um movimento social causa mudanças tanto no grupo social que lhe dá origem (consciência, experiência) como no conjunto da sociedade (mudança social), assim como no próprio desenvolvimento do movimento. Jensen diz ainda que para haver movimentos sociais é preciso haver uma complexa divisão social do trabalho a ponto de criar grupos sociais diversos com interesses diversos e elevada consciência social. E que para haver movimento social é preciso ter uma consciência coletiva e ações coletivas regulares. O autor conclui então que as condições para a existência de movimentos sociais se situam na sociedade capitalista e que eles não existem antes dela. (Jensen, 1996). De acordo com Jensen a pesquisa sociológica sobre os movimentos sociais é ideológica, nela os movimentos sociais são definidos pelos seus objetivos. Os grupos sociais de origem são esquecidos, obscurecendo as especificidades dos movimentos. Por fim ele afirma que os movimentos sociais surgem graças à alienação generalizada do ser humano no modo de produção capitalista e as respectivas questões só poderão ser resolvidas efetivamente – excetuando os movimentos sociais burgueses – na luta aliada ao proletariado contra o capitalismo, essencial para a vitória do processo revolucionário. Assim como Karl Jensen, consideramos que todo movimento social é derivado da luta de classes e por isso o paradigma dos novos movimentos sociais tem o objetivo de deslocar a visão da luta de classes para situar-se em torno de uma pluralidade de agentes com características diversas e ideias autônomas, ocultando assim o acirramento da luta de classes no período observado. É possível até mesmo relacionar a reação do Partido Comunista Francês no Maio de 68 com a reação dos ideólogos ditos pós-modernos (grandes influenciadores do paradigma dos Novos Movimentos Sociais). O discurso – devido a falta de uma análise que compreenda as múltiplas determinações dos movimentos sociais, de maneira a abranger a totalidade da sociedade – defende a reforma em detrimento da revolução, defende a impossibilidade de se fazer revolução, nestes discursos a revolução não existe, a baderna é condenável, o trauma da revolução implica que não se deve fazer revolução, não desta forma, a revolução é algo que deve vir passivamente, um processo longo. 125 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Por isso, para concluir, reafirmamos os avanços que ocorreram em Paris no Maio de 1968, avanços estes que foram esquecidos após a derrota da insurreição, apontando para um longo período de refluxo. É preciso, pois, superar as concepções ideológicas que obscurecem a realidade opressora da nova forma de acumulação capitalista e trazer de volta os avanços daquele movimento, que compreendem uma forma de reafirmar a vida em detrimento da degradação da vida na sociedade burguesa. 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Para tanto, propõe-se investigar o movimento nacional de trabalhadoras domésticas, formado desde meados de 1936 e o processo de inclusão das suas reivindicações por justiça na agenda pública nacional. O quatro teórico tem dois prismas da teoria critica: a Teoria do Reconhecimento de Axel Honneth e a teoria feminista a respeito da Divisão Sexual do Trabalho. Busca-se averiguar como as experiências de desrespeito social, definidas por Honneth, podem ser o substrato motivacional para a luta por reconhecimento, travada pelas empregadas domésticas, seja ela em contextos de nível micro, desde seus cotidianos, ou macro, em sindicatos, movimentos e federações. Trabalhadoras domésticas e a constituição de uma agenda pública de reivindicações As trabalhadoras domésticas já são sujeitos de pesquisas na sociologia do trabalho e figuram o termo: “trabalhadoras em domicílio”. A legislaç~o trabalhista no Brasil tem reconhecido desde 2006 direitos para a categoria de ‘trabalhadores domésticos’, tais como férias, licença maternidade e fundo de garantia (FGTS), opcional. O governo considera como trabalhadores domésticos: Considera-se empregado(a) doméstico(a) aquele(a) maior de 16 anos que presta serviços de natureza contínua (freqüente, constante) e de finalidade não-lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas. Assim, o traço diferenciador do emprego doméstico é o caráter não-econômico da atividade exercida no âmbito residencial do(a) empregador(a). Nesses termos, integram a categoria os(as) seguintes trabalhadores(as): cozinheiro(a), governanta, babá, lavadeira, faxineiro(a), vigia, motorista particular, jardineiro(a), acompanhante de idosos(as), entre outras. O(a) caseiro(a) também é considerado(a) empregado(a) doméstico(a), quando o sítio ou local onde exerce a sua atividade não possui finalidade lucrativa. (MTE, 2007: ) Atualmente a trabalhadora doméstica possui direitos como: Carteira de Trabalho e Previdência Social, devidamente anotada; salário mínimo fixado em lei; irredutibilidade 1 Doutoranda em Sociologia - Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Bolsista Capes. 127 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário salarial; 13º (décimo terceiro) salário; descanso semanal preferencialmente aos domingos; feriados civis e religiosos; férias remuneradas de trinta dias; férias proporcionais, no término do contrato de trabalho; estabilidade no emprego em razão da gravidez; licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário; licença-paternidade de 5 dias corridos; auxílio-doença pago pelo INSS; aviso prévio de, no mínimo, 30 dias; aposentadoria; integração à Previdência Social; vale-transporte; Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), como benefício opcional; seguro-desemprego concedido,exclusivamente, ao (à) empregado(a) incluído(a) no FGTS. Desde agosto de 2011 está tramitando em votação no Senado brasileiro a garantia de seguro desemprego, parcela única, tendo o(a) empregada(a) quinze meses de serviço comprovados em carteira mesmo também para àqueles que não possuem FGTS. Alguns destes direitos foram regulamentados com a edição da Lei n.º 11.324, de 19 de julho de 2006, que alterou artigos da Lei n.º 5.859, de 11 de dezembro de 1972, os trabalhadores domésticos firmaram direito a férias de 30 dias, obtiveram a estabilidade para gestantes, direito aos feriados civis e religiosos, além da proibição de descontos de moradia, alimentação e produtos de higiene pessoal utilizados no local de trabalho. Trabalhadores domésticos ainda não tem acesso à benefícios concedidos à outras categorias de trabalhadores(as), tais como: recebimento do abono salarial e rendimentos relativos ao Programa de Integração Social (PIS), em virtude de não ser o(a) empregador(a) contribuinte desse programa; salário-família; benefícios por acidente de trabalho (ocorrendo acidente e necessitando de afastamento, o benefício será auxílio-doença); adicional de periculosidade e insalubridade; horas extras; jornada de trabalho fixada em lei e adicional noturno. A categoria de trabalhadora doméstica que se pretende estudar é a de empregada doméstica, que conforme definições sindicais: “exercem praticamente a mesma funç~o do faxineiro, no entanto prestam serviços de natureza contínua, num ambiente familiar”. Esta categoria de trabalho tem suas origens culturais fora das formalidades hoje almejadas, no trabalho escravo. Até a atualidade mulheres e negras são maioria nesta categoria. Estima-se que há 7,2 milhões de trabalhadores domésticos no Brasil2, entre os quais cerca de cem mil estão sindicalizadas. Houve um crescimento de 9% na comparação com Dados da PNAD 2009 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio), IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). 2 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 128 Luta de Classes e Contemporaneidade 2008. As pesquisas indicam que 93% são mulheres e 61,6% mulheres negras. No mesmo período, o salário médio de uma trabalhadora doméstica brasileira era de R$ 386,45. As reivindicações públicas das empregadas domésticas e a criação de um movimento nacional iniciam no Brasil por volta de 1936, com os primeiros movimentos de Laudelina de Campos Melo (1901-1991), que tinha ligações com o movimento negro e o comunismo. Laudelina fundou a primeira associação brasileira de Empregadas Domésticas, em Santos, SP, no dia 08 de julho de 1936. Iniciativas da Juventude Operária Católica (JOC) também figuraram raízes do movimento das trabalhadoras domésticas3. Através dos movimentos que existem ha pelo menos setenta anos as trabalhadoras começaram a denunciar situações de injustiça social e construir reivindicações de direitos sociais, pressionando o Estado para incorporar a categoria nas legislações trabalhistas. Com o processo de sindicalização dos anos 1960-70, algumas associações são transformadas em sindicatos. O movimento feminista começa a pautar conjuntamente reivindicações, juntamente com o movimento negro. Neste contexto são realizadas conferências nacionais das trabalhadoras domésticas e é criada em 1997 a Federação Nacional dos Trabalhadores Domésticos, FENATRAD4. Esta federação passa a fazer parte da Confederación Latinoamericana y del Caribe de Trabajadoras Del Hogar, CONLACTRAHO, criada em 1983, na qual participam também Argentina, Chile, Bolívia, Costa Rica, México e República Dominicana. No ano de 2010, por deliberação da 99ª Conferência Internacional do Trabalho, a OIT elaborou um documento consolidando a posição das delegações tripartites, formada por empregadores, governo e trabalhadoras domésticas. O documento abordou o trabalho doméstico na perspectiva do trabalho decente e foi novamente submetido à manifestação dos países acerca da regulamentação do trabalho doméstico. Essas consultas subsidiaram a Santos, Judith Karine Cavalcanti. Quebrando Correntes invisíveis: uma análise crítica do trabalho doméstico no Brasil. Dissertação de Mestrado em Direito UNB, 2010. 3 A Fenatrad tem como objetivos: equiparação dos direitos das trabalhadoras domesticas, intervir nas Politicas Publicas, como moradia, saúde, qualificação profissional, elevação de escolaridade, representação politicas. São as suas estratégias de atuação: Participação ativa nos movimentos sindicais, movimentos sociais, movimento negro e demais parceiros, buscando apoio na valorização da auto-estima das trabalhadoras a nível nacional e internacional. Informações coletadas em: http://conlactraho.org/page1/page15/page15.html 4 129 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário construção de uma proposta de convenção e recomendação, que foi discutida NA 100ª Conferência Internacional do Trabalho5. Nos últimos anos a categoria ganha, no Brasil, uma repercussão internacional. No ano de 2011 o movimento brasileiro participou da 100ª Conferência Internacional do Trabalho, em Genebra. A Valoração Social do Trabalho Doméstico e o Movimento de Trabalhadoras Domésticas Entende-se que há uma estreita ligação do trabalho doméstico com as normas éticas que regulam o sistema de valoração social de classe, gênero e etnia. As origens culturais desta profissão, de servidão e escravatura, originam no Brasil as desigualdades históricas que esta profissão possui, além das atribuições de papéis de gênero, ou seja, da divisão sexual do trabalho. A gênese do conceito de divisão sexual do trabalho é segundo Hirata e Kergoat (2008), a de ser uma forma de divisão do trabalho social decorrente das relações sociais entre os sexos. O conceito analisa como, historicamente, funções do trabalho social foram incumbidas aos homens e às mulheres, norteando-se pelo conceito de patriarcado. O trabalho tem uma função de integração social na sociedade segundo Honneth e, portanto, é possuidor de uma dimensão moral. Para o autor, o trabalho social não deveria mais ser elevado a um processo de formação de consciência emancipadora, como assim o foi na tradição marxista. Mas, por outro lado, deve permanecer inserido nas relações de experiências morais em um grau tal que sua importância para a obtenção de reconhecimento social não possa se perder de vista (Honneth, 2009: 268). A categoria de trabalho social tem um papel importante para o desenvolvimento da teoria crítica, mais do que aquele outorgado pela teoria da ação comunicativa de Habermas (2009: 267). Segundo postula o autor, determinadas zonas da crítica pré-científica se percebem somente na medida em que são analisadas a luz de um conceito de trabalho que Informações do site: http://www.seppir.gov.br/noticias/ultimas_noticias/2011/06/trabalhadoras-domesticasbrasileiras-participam-desde-ontem-1-6-a-17-de-junho-da-100a-conferencia-internacional-do-trabalho-emgenebra. 5 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 130 Luta de Classes e Contemporaneidade incorpora, de modo categorial, a dependência individual do reconhecimento social de atividade própria (2009: 269). A organização e a evolução do trabalho social desempenham papel central para a estrutura de reconhecimento de uma sociedade segundo o autor, visto que a definição cultural da hierarquia das tarefas de ação estabelece o grau de valorização social que o indivíduo poderá obter por sua atividade e as propriedades associadas a esta. Segundo o autor, as propriedades de formação da identidade individual através da experiência de reconhecimento dependem de forma direta da disposição e atribuição social do trabalho (HONNETH, 2009: 270). Neste sentido o autor posiciona sua tese: Sin embargo, lo que abre la perspectiva hacia esta zona precientifica de reconocimiento y desprecio no es sino un concepto de trabajo que en términos normativos es concebido todavía en forma lo sufientemente ambiciosa como para poder incorporar la dependencia de la confirmación social de los proprios logros y las propiedades en general. (HONNETH, 2009: 270) Honneth aponta para traçar uma análise futura da conexão que reside entre trabalho e reconhecimento há um debate importante que está se desenvolvendo em conexão com o feminismo, sobre o problema do trabalho doméstico não remunerado. No transcurso deste debate tem ficado evidente, através de duas vertentes da organização do trabalho social, que este está ligado de maneira muito estreita com as respectivas normas éticas que regulam o sistema de valoração social: [...] bajo perspectivas históricas, El hecho de que La educación de los hijos y el trabajo doméstico no hayan sido valorados como tipos de trabajo social perfectamente válidos y necesarios para la reproducción no puede explicarse sino señalando el menosprecio social a que se han visto expuestos en el marco de una cultura dominada por valores masculinos; bajo criterios psicológicos, deriva de la misma circubstancia que, con un reparto tradicional de roles, las mujeres podían contar sólo con escasas oportunidades de encontrar en la sociedad el grado de respecto social que constituye la condición necesaria para una autocomprensión positiva. (HONNETH, 2009: 270) Portanto, pode-se perceber a partir da contribuição teórica de Honneth que certas categorias de trabalho possuem pouca valoração social, principalmente quando são associadas ao contexto histórico e social das relações intersubjetivas. Se as pessoas inseridas 131 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário nesta categoria percebem a situação de injustiça social que se encontram, poderão articular-se em uma luta por reconhecimento social. As Patologias Geradas pelo Capitalismo e a Luta pelo Reconhecimento Honneth elabora uma teoria social onde o que está em jogo são as condições patológicas de representação e as lutas sociais por reconhecimento. Sua teoria, de certa forma, é uma sociologia que se emprenha em reconstruir as experiências de lesão. Para o autor, o capitalismo produz sistematicamente patologias que se expressam no sofrimento humano e em experiências de lesões às identidades. A experiência que mobiliza os atores sociais envolvidos em uma esfera de luta é a de injustiça social, originadas através da vivência de sentimentos de desprezo e desrespeito social, ou seja, negação do reconhecimento. A experiência de reconhecimento possui três esferas ou padrões de relação social recíproca. A esfera básica do reconhecimento para Honneth é a do amor. Para o autor, esta é o cerne de toda a moralidade. Este tipo de reconhecimento é responsável tanto pela construção intersubjetiva do auto-respeito quanto na construção dos alicerces da autonomia necessária para a interação com a vida pública. A segunda esfera é a do direito, que contempla as capacidades abstratas de orientação moral e as capacidades necessárias para que possa haver uma existência digna, criando assim condições de desenvolvimento do auto-respeito. A terceira esfera, da solidariedade ou valoração social está estreitamente ligada à vida em comunidade e caracteriza a estima social, desenvolvida intersubjetivamente. Saavedra e Sobottka apontam que esta terceira esfera do reconhecimento “[...] deveria ser vista como um meio social a partir do qual as propriedades diferenciais dos seres humanos venham à tona de forma genérica, vinculativa e intersubjetiva” (2008: 13). Segundo os autores: No nível de integração social encontram-se valores e objetivos que funcionam como um sistema de referência para a avaliação moral das propriedades pessoais dos seres humanos e cuja totalidade constitui a autocompreensão cultural de uma sociedade. A avaliação social de valores estaria permanentemente determinada pelo sistema moral dado por esta autocompreensão social. (SAAVEDRA; SOBOTTKA, 2008: 13) De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 132 Luta de Classes e Contemporaneidade Para cada esfera de reconhecimento, Honneth constrói uma dimensão experiência do desrespeito social6. Estas configuram as experiências de reconhecimento recusado (HONNETH, 2003: 213). Honneth atribui a esta experiência de desrespeito social o impulso motivacional para uma luta por reconhecimento, através das reações emocionais dadas com a vergonha social, que atingem os ideais do ego de um sujeito (p. 223). Assim, quando há disponível um “meio de articulaç~o” (HONNETH, 2003: 224) o desrespeito pode tornar-se uma fonte de motivação para ações de resistência política. Para a esfera do amor, o desrespeito seria a “violaç~o” (p. 215), a experiência física de uma situação de maus tratos que teria como consequência a perda duradoura de confiança social e da autoconfiança. Na esfera do direito, o desrespeito seria a “privaç~o de direitos” (p. 216) ou a exclusão social que resulta em lesão ao auto-respeito e uma sensação de não possuir o mesmo status de um parceiro de interação. Na esfera da solidariedade o desrespeito se d| quando uma pessoa experimenta uma “degradaç~o moral” (p. 217), experimentando uma desvalorização social e perdendo assim a possibilidade de atribuir um valor social as suas próprias capacidades. O autor explora desta maneira uma dimensão ainda não trabalhada por seus antecedentes, qual seja a de responder “como a experiência de desrespeito est| ancorada nas vivências afetivas dos sujeitos humanos, de modo que possa dar, no plano motivacional, o impulso de resistência social e para o conflito, mais precisamente, para uma luta por reconhecimento” (HONNETH, 2003: 214). Pretende-se entender, portanto, de que maneira as experiências de desrespeito social podem ser, assim como Honneth aponta, motores impulsionadores de uma luta por reconhecimento a partir de suas profissões e contextos de trabalho a fim de concebê-lo como um trabalho socialmente e economicamente útil e capaz de contribuir socialmente. As trabalhadoras, que, como já abordado, são em maioria mulheres, negras e em posições econômicas mais baixas, contêm nas suas identidades as marcas das desigualdades de gênero e étnicas, nas quais estão construídos os papéis sociais que as diferenciam de outras (os) profissionais. Cabe verificar os momentos em que as empregadas reivindicam sua 6 Outras traduções são encontradas: desprezo social, desestima social, desapreço social. 133 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário identidade e capacidade de contribuir socialmente e quais as situações impulsionadoras destes levantes. Considerações Finais A teoria social da tradição de Frankfurt se distingue de todas as outras correntes ou vertentes de critica social por sua forma específica de crítica, segundo Honneth. Atualmente, a essência deste enfoque consiste no desenvolvimento de uma circunstância social a qual Honneth chama de “din}mica social do desrespeito” (2009: 249). A busca, ainda inconclusa desta pesquisa é aprofundar este debate estabelecido pelo autor a partir do trabalho doméstico, que apesar de sua desvalorização social histórica, construída através das marcas do patriarcado, foi capaz de constituir uma agenda pública nacional de reivindicações. Atualmente, Honneth entende que as experiências morais, que os sujeitos fazem quando são desrespeitadas suas reclamações de identidade, são capazes de construir uma instância pré-científica que permite demonstrar que uma crítica das relações de comunicação social não carece totalmente de um suporte na realidade social. As situações de desprezo social e de sofrimento seriam algo moralmente bom, visto que impulsionariam atitudes de luta por reconhecimento. Sendo assim, os indivíduos através da própria experiência do sentimento de injustiça social, vivenciariam a realidade social da maneira em que a teoria mesmo a descreveria. Assim, Honneth entende que uma Teoria Critica da sociedade, de tradição marxista, continua em elaboração, contrariando as concepções de que esta estaria estacionada. Referências GUIMARÃES, Nadya. Caminhos Cruzados. Estratégias de empresas e trajetórias de trabalhadores. São Paulo: USP 34, 2004. HIRATA, Helena; KERGOAT, Daniéle. Divisão Sexual do trabalho profissional e doméstico: Brasil, França, Japão. In: BUSCHINI, Cristina et.al. Mercado de Trabalho e Gênero: comparações internacionais. Rio de Janeiro: FGV, 2008. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 134 Luta de Classes e Contemporaneidade HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: 34, 2003. ______. Crítica Del agravio moral: Patologias de La sodiedad contemporánea. 1ª ed. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica: Universidad Autónoma Metropolitana, 2009. ______. Trabalho e reconhecimento: tentativa de uma redefinição. Revista Civitas: Porto Alegre, v.8 n.1, jan-abril, 2008; p. 46-67. MORI, Natalia et.al. (org). Tensões e experiências: um retrato das trabalhadoras domésticas de Brasília e Salvador. Brasília: CFEMEA: MDG3 Fund, 2011. MTE, Ministério Trabalho e Emprego. Trabalho doméstico: direitos e deveres: orientações. 3ª Ed. Brasília: MTE, SIT, 2007. POCHMANN, Marcio. O emprego na globalização: a nova divisão internacional do trabalho e os caminhos que o Brasil escolheu. São Paulo: Boitempo, 2001. SAAVEDRA Giovani Agostini; SOBOTTKA, Emil Albert. Introdução à teoria do reconhecimento de Axel Honneth. Revista Civitas: Porto Alegre, v.8 n.1, jan-abril, 2008; p. 9-18. 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Dessa forma, a presente comunicação faz uma reflexão sobre os impactos das populações tradicionais sobre a implantação e desenvolvimento de ações políticas e econômicas de cunho neoliberal na Amazônia. Os movimentos sociais de resistência criam barreiras sociais e ideológicas à implantação de grandes projetos, dentre os quais, hidrelétricas e siderurgias. Nessa perspectiva, este ensaio visa identificar e compreender com maior clareza, as lutas, os enfrentamentos, as dinâmicas sócio-econômicas e políticas, nas quais as populações tradicionais da Amazônia estão inseridas, bem como as formas de organização das mesmas. As organizações camponesas, indígenas, ribeirinhas, entre outras, funcionam como instrumentos de luta na defesa e conquista de direitos, na luta pela posse e permanência na terra e também na luta por um modo específico de vida. Palavras-chave: Amazônia, populações tradicionais, grandes projetos, movimentos sociais de resistências. A região Amazônica foi e continua sendo marcada por intensos conflitos sociais e fundiários, os quais podem ser melhor compreendidos se analisarmos o processo de ocupação/colonização da região. Se levarmos em consideração as frentes migratórias, frentes de expansão do capitalismo, poderemos identificar, segundo Hébette, duas formas principais de ocupação: a colonização espontânea e a colonização dirigida. Sobre essas formas de colonização o autor destaca que, a colonização é dita dirigida quando há interferência direta e orientação formal, na fase inicial do processo e na própria implantação, ou seja, 1 2 Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFG. Bolsista CAPES. Graduado em Geografia pelo Instituto de Estudos Sócio-Ambientais - IESA / UFG. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 136 Luta de Classes e Contemporaneidade quando há iniciativa externa aos colonos nesta fase primordial (momento). É o caso da Transamazônica. Essa iniciativa, geralmente, é voltada para abertura de uma região, a escolha da área dos lotes, a seleção dos indivíduos ou dos grupos que vão se assentar, o local das moradias, o tipo de exploração econômica. (...). A colonização é “espont}nea” quando as decisões iniciais relativas a esses diversos aspectos não sofrem imposições sistemática ou orientação positiva, mas são deixadas a critérios dos indivíduos ou grupos colonizadores; a interferência organizada de um poder externo se faz de modo progressivo e por passos (momentos) e de maneira formalmente menos impositiva (intensidade) (Hébette, 2004, p. 42). O governo brasileiro, no início dos anos 60, iniciou vários projetos visando promover o desenvolvimento do país. Para tanto era necessário eliminar os problemas considerados obst|culos: “insuficiência de capitais para criar novos negócios, e de infra-estruturas capazes de pôr em marcha os novos investimentos que seriam atraídos para a regi~o” (Loureiro, 2002, p. 74). Nessa perspectiva, Amazônia e o Nordeste, na década de 1970, foram considerados um impasse ao desenvolvimento, o que levou o governo incentivar e isentar de impostos as indústrias que se estabelecessem no Nordeste e construir a estrada Transamazônica e a Cuiabá-Santarém, com o objetivo de abrir e integrar a região amazônica, sob promoção do Programa de Integração Nacional (PIN). A construção da Belém–Brasília efetivou o início dessa idéia, e durante os governos militares essa integração aumentou devido à construção de outras estradas nacionais, como a Pará–Maranhão, Santarém-Cuiabá e a Brasília-Acre e, no caso do sudeste do Pará, abertura da estrada BR-230, a Transamazônica, iniciada desde os anos 50. Com o início da construção da Belém-Brasília, as terras começam a ser compradas e apropriadas por empresários de outras regiões com interesses especulativos, e também o governo, respaldado pela Lei Estadual n 913, de 04 de dezembro de 1954 3, transferiu os castanhais da região para a classe rica local e políticos influentes, através do aforamento 3 Ver em Violeta Loureiro (2002:61) 137 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário perpétuo, promovendo o aumento da concentração do poder econômico e político nas mãos de uma pequena elite local, enquanto tirava um dos poucos meios de sobrevivência da população que trabalhavam diretamente nesses castanhais, expropriando-os, assim, de seus meios de trabalhos definitivamente. Com relação à Amazônia, os planejadores visualizavam alguns motivos para integrá-la ao resto do país e desenvolver a economia regional, entre os quais Loureiro destaca, a necessidade de abrir novos mercados consumidores dos produtos industrializados de Centro-Sul do país; necessidade de criar novas oportunidades de trabalhos para os nordestinos que passavam dificuldades com a seca, falta de terras e pela pobreza da agricultura; intenção de aproveitar o potencial minerador, madeireiro e pesqueiro da Amazônia, com vistas à exportação para o estrangeiro; procura de novas terras por investidores do sul e interesse especulativo de investidores internacionais pelas terras amazônicas; e o que os militares chamavam de “segurança nacional”, pois temiam que os trabalhadores rurais do nordeste se revoltassem mais ainda e possibilitasse o desenvolvimento de guerrilha rural, por isso preferiram atrair os nordestinos para Amazônia (Loureiro, 2002, p. 71). Através da construção da transamazônica o governo visava promover a colonização de forma dirigida da região, transferindo trabalhadores rurais sem terra do Nordeste e do Sul do Brasil para a Amazônia. Nesse período, o processo de ocupação da Amazônia teve um acelerado aumento, devido à valorização das terras que ficavam ás margens das rodovias. A maioria dessas terras pertencia aos Estados e a União, as quais passaram a ser vendidas ou concedidas entre os 1964 e 1985, causando uma série de conflitos na região, tendo em vista que esse modelo de integração nacional privilegiava uma minoria aliada do governo federal. A implantação do Programa de Integração Nacional resultou na intensificação da migração camponesa para a Amazônia e também no aumento do deslocamento compulsório, remanejamento e expulsão das famílias que já habitavam a região; aumentou os conflitos sociais e fundi|rios, envolvendo as “comunidades tradicionais” (agricultores, índios, pescadores, populações quilombolas, seringueiros, etc.) que lutam para permanecer nos territórios por elas historicamente ocupados. Os planos e projetos de modernização conservadora do governo federal ignoravam as populações naturais da Amazônia, se referindo { mesma como uma regi~o despovoada, “terra sem gente”, ou até mesmo “vazio demogr|fico”. Assim, os conflitos foram intensificados De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 138 Luta de Classes e Contemporaneidade devido à expansão territorial do capital na região, através da construção de usinas de ferrogusa, carvoarias, siderúrgicas, mineradoras, madeireiras, hidrelétricas etc., e devido ao fato dos habitantes resistirem ao processo de expulsão de suas terras, das quais não tinham o título, mas tinham o direito de posse. Nas décadas de 1970 e 1980 essa resistência começa a ter forma organizada com apoio de vários instituições e Organizações não Governamentais (ONG´s). Com o auxílio dos partidos políticos de esquerda e da Igreja Católica, através da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e das Comunidades Eclesiais de Bases (CEB`s), os camponeses iniciaram os movimentos sociais e as organizações sindicais, inicialmente com a formação de delegacias sindicais, tornando essas organizações as principais ferramentas de luta e de resistência nos conflitos decorrentes da forma de concentração fundiária e das relações de trabalho baseada nas relações de dominação/subordinação. Os conflitos causados pelo processo de modernização da Amazônia, através da expansão da fronteira demográfica e econômica, forjaram a necessidade de organizações por parte das populações tradicionais. No final da década de 1980 começa a surgir vários novos sujeitos políticos, os quais se organizam enquanto movimentos sociais, reivindicando direitos associados às comunidades das quais pertencem. Segundo Gonçalves, as reivindicações das populações da Amazônia eram intermediadas por vários movimentos sociais ou ONGs: “É a Amazônia o laboratório social de onde emerge a CPT (Comissão Pastoral da Terra) ou o CIMI (Conselho Indigenista Missionário) ambos vinculados à Igreja Católica que, por meio das Comissões Eclesiais de Base (Cebs), deu um enorme impulso à organização da sociedade civil na Amazônia. A Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) assim como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) também se fizeram presentes no apoio a esses movimentos que emanavam em diversos pontos da Amazônia” (Gonçalves, 2001, p. 128). O autor enfatiza que as organizações de movimentos sociais ligados {s “comunidades tradicionais” visando garantir suas reivindicações, através de novas formas de lutas políticas: “S~o novas identidades coletivas surgidas do léxico político brasileiro emanando ou de velhas condições sociais, étnicas, como é o caso das populações indígenas ou negras, ou remetendo-se a uma determinada relação com a natureza (seringueiro, castanheiro, pescador, mulher quebradeira de coco) ou, ainda, expressando uma condição derivada da própria ação dos projetos recém-implantados (“Atingido”, “Assentado”, “Deslocado”, ou “Pela Sobrevivência na Transamazônica”). (Gonçalves, 2001, p. 128). 139 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário As comunidades tradicionais sentiram a necessidade de se organizarem em torno de interesses comuns, seja na luta pela conquista e garantia da terra, seja na luta pela defesa de seus direitos, isto é, créditos, estradas, escolas, entre outros. Dessa forma, os grupos se definiram e criaram seus mecanismos de inclusão/exclusão e de pertencimentos, suas estratégias de lutas e enfrentamentos, fortalecendo, assim, a categoria enquanto um grupo com capacidade de mobilização e organização, reivindicando também uma identidade social constituída coletivamente. Segundo Gonçalves, emergem vários movimentos sociais que, pelas próprias identidades reivindicadas, indicam que novos sujeitos sociais estão entrando em cena. A partir de meados dos anos 80, vários encontros reúnem na Amazônia pescadores, seringueiros, populações remanescentes de quilombolas, ou ainda atingidos por barragens, quebradeiras de coco babaçu, comunidades indígenas e assentados, além de garimpeiros. À exceção deste último, os demais apontam claramente no sentido da autonomia em relação às tradicionais classes dominantes regionais na mediação dos seus interesses com o Estado (Gonçalves, 2001, p. 130). Nesses espaços homens e mulheres debatem sobre suas demandas e carências, lutam por melhores condições de vida ou pela manutenção de um determinado modo de vida, reivindicam seus direitos coletivamente e fortalecem suas identidades. Para Maria da Glória Gohn os movimentos sociais são ações coletivas de caráter sociopolítico, construídas por atores sociais pertencentes a diferentes classes e camadas sociais. Eles politizam suas demandas e criam um campo político de força social na sociedade civil. Suas ações estruturam-se a partir de repertórios criados sobre temas e problemas em situações de: conflitos, litígios e disputas. As ações desenvolvem um processo social e político-cultural que cria uma identidade coletiva ao movimento, a partir de interesses em comum. Esta identidade decorre da força do princípio da solidariedade e é construída a partir da base referencial de valores culturais e políticos compartilhados pelo grupo (Gohn, 1995, p. 44). Essas novas formas de organizações demonstram o caráter emancipatório das lutas dessas populações, as quais politizam suas ações, na luta por projetos alternativos de produção e organização comunitária, bem como de afirmação e participação política (Cruz, 2007). As lideranças populares, com capacidade organizativa e representativa, apresentam De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 140 Luta de Classes e Contemporaneidade suas demandas e questionam o modelo de desenvolvimento promovido pelo Estado, bem como estabelecem contatos e alianças com movimentos da sociedade civil organizada. Dentre as diversas formas de organizações sociais vinculadas as populações tradicionais pode-se destacar: a Coordenação Indígena da Amazônia Brasileira – Coiab; o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco-Babaçu – MIQCB, o Conselho Nacional dos Seringueiros, o Movimento Nacional dos Pescadores – Monape, o Movimento dos Atingidos de Barragens – MAB, a Associação Nacional das Comunidades Remanescentes de Quilombo e a Associação dos Ribeirinhos da Amazônia. Perceber-se, dessa forma, a crescente organização e mobilização das chamadas “comunidades tradicionais” na luta pelo reconhecimento dos seus direitos políticos, territoriais, culturais e étnicos. Os movimentos sociais de resistência “n~o só lutam para resistir contra os que matam e desmatam, mas por uma determinada forma de existência, um determinado modo de vida e de produç~o, por modos diferenciados de sentir, agir e pensar” (Gonçalves, 2001, p. 130). Esses novos movimentos sociais procuram superar as representações e pr|ticas sociais que consideram as “populações tradicionais” como um obstáculo à modernização da Amazônia. A resistência ao processo de expansão territorial do capital na Amazônia está relacionada com o processo de afirmação de identidades e territorialidades por parte dos movimentos sociais. Segundo Almeida, São os seringueiros que estão construindo o território em que a ação em defesa dos seringais se realiza. São os atingidos por barragens e os ribeirinhos que estão defendendo a preservação dos rios, igarapés e lagos. E assim sucessivamente: os castanheiros defendendo os castanhais, as quebradeiras, os babaçuais, os pescadores, os mananciais e os cursos d’|gua piscosos, as cooperativas, seus métodos de processamento da matéria-prima coletada. De igual modo, os pajés, curandeiros e benzedores acham-se mobilizados na defesa das ervas medicinais e dos saberes que as transformam (Almeida, 2004, p. 48-49). Neste sentido, as reivindicações das “comunidades tradicionais” expressam interesses contrários aos interesses do Estado e dos capitalistas presentes na região, pois apresentam propostas alternativas às estratégias de racionalidades econômicas, ambientais e jurídicas implementadas na região. Assim, os conflitos se intensificam e se tornam mais complexos na região, pois esses movimentos reivindicam também direito à territorialidade, bem como buscam afirmação de suas identidades coletivas. 141 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Nesse contexto vem ocorrendo a constituição de novos sujeitos políticos e a emergências de “novas” identidades territoriais construídas pelas populações “tradicionais” nas lutas sociais pela afirmaç~o material e simbólica dos seus modos de vida. Essas identidades emergem na Amazônia, construídas pelos diferentes movimentos sociais (índios, ribeirinhos, pequenos agricultores, seringueiros, varzeiros, castanheiros, populações quilombolas, mulheres quebradeiras de coco etc.), estão orientadas no sentido da superação de velhas identidades ligadas a um discurso moderno/colonial que se fundamentava na invisibilização, na romantização e, em especial, na estigmatizaç~o e no estereótipo do “caboclo” para (des)qualificar as populações como “atrasadas” “ignorantes” “indolentes”, considerando tais populações como um obstáculo a um projeto moderno-industrial para a Amazônia (Cruz, 2007, pp. 95- 96). As “comunidades tradicionais” resistem {s v|rias manifestações da política governamental e às agressões dos grandes projetos na Amazônia, uma vez que os empreendimentos que visam modernizar a região, através de políticas de desenvolvimento regional e de integração nacional, na maioria das vezes, excluem as populações locais das decisões sobre o destino de seus territórios, dos quais são deslocadas compulsoriamente, impossibilitando a continuidade de seus hábitos e modos de vida. No mês de abril de 2012, por exemplo, os índios caiapós manifestaram-se em frente ao Palácio do Planalto, em BRASÍLIA, contra as obras da usina hidrelétrica de Belo Monte no Rio Xingu-PA. Denunciaram a ameaça da usina às aldeias que ficam às margens do Rio Xingu e reclamaram que não foram ouvidos pelo governo na fase de elaboração do projeto. Frente aos problemas criados pelo projeto neodesenvolvimentista pensado para o Brasil e para a Amazônia, notadamente, centrado em grandes projetos, os dirigentes das principais organizações sociais do campo, durante o Seminário Nacional de Organizações Sociais do Campo, realizado em Brasília em Fevereiro de 2012, discutiram a necessidade de construção e realização de um processo de luta unificada em defesa da Reforma Agrária comqualidade, dos direitos territoriais e da produção de alimentos saudáveis. Várias entidades, dentre as quais: Associação dos Povos Indígenas do Brasil - APIB, CÁRITAS brasileira, Conselho Indigenista Missionário - CIMI, Comissão Pastoral da Terra CPT, Confederação Nacional de Trabalhadores na Agricultura - CONTAG, Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB, Movimento de Mulheres Camponesas - MMC, Movimento dos Pequenos Agricultores - MPA e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST, mesmo reconhecendo a diversidade política, apontaram a necessidade de se unirem em um processo nacional de luta articulada, enfatizando a importância da construção da unidade na busca de conquistas concretas para as diversas populações. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 142 Luta de Classes e Contemporaneidade Nessa perspectiva, Hébette enfatiza: “o grande capital penetrou nas terras indígenas, cortou as reservas, lavrou o subsolo, alagou as aldeias; a cultura tradicional dos índios foi ferida, a sua liberdade ancestral ameaçada. O latifúndio engole as roças, mas o camponês resiste { expuls~o, recusa a proletarizaç~o, luta contra o cativeiro e defende sua autonomia” (Hébette, 2004, p. 24). Ao se referir à invasão dos Grandes Projetos na Amazônia como “a chegada do estranho”, Hébette argumenta: Embora nem sempre o percebam com clareza, índios e camponeses travam uma luta comum, exercendo uma resistência solidária ao estranho, com graus diversos de mobilização e organização. Alguns planejam e preparam sua resistência como os Gavião, os Parakanã, os camponeses do Tocantins-Araguaia. Outros explodem e castigam os intrusos como os Urueuwauwau; outros ainda se sentem esmagados e procuram onde se esconder, como os povos isolados do Polonoroeste. Há, inclusive, os que, bem ou mal, sucedem em algum projeto privilegiado de colonização como Ouro Preto, em Rondônia. Mas a resistência é presente em toda a Amazônia, do Carajás à Calha Norte, passando pelo Polonoroeste (Hébette, 2004, p. 24). Dessa forma, as “populações tradicionais” questionam os projetos hegemônicos do capital, bem como defendem projetos alternativos, reivindicando o direito de definir a própria existência e possíveis projetos a serem elaborados futuramente. Os movimentos sociais de resistência criam barreiras sociais e ideológicas à implantação e desenvolvimento dos grandes projetos na Amazônia, pois constroem condições de possibilidade de ampliação das pautas reivindicatórias e de criação de novas agendas políticas. As organizações camponesas, indígenas, ribeirinhas, entre outras, funcionam como instrumentos de luta na defesa e conquista de direitos; na luta contra a desigualdade, a violência e a exclusão social, mas também na luta pelo reconhecimento e manutenção dos diferentes modos de vidas e pela posse e permanência na terra. 143 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Referências ALMEIDA, Alfredo Wagner B. Amazônia: a dimensão política dos “conhecimentos tradicionais”. In: ACSELRAD, H. Conflitos Ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Fundação Heinrich Boll, 2004. CRUZ, V. C. Territórios, identidades e lutas sociais na Amazônia. In: ARAÚJO, F.G; HAESBAERT, R. Identidades e territórios: Questões e Olhares contemporâneos. Rio de Janeiro: ACCESS, 2007. EMMI, Marília Ferreira. A oligarquia do Tocantins e domínio dos castanhais. Belém: UFPA/NAEA. 1999. GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Amazônia, Amazônias. São Paulo: Contexto, 2001. GOHN, Maria Glória. Teoria dos movimentos contemporâneos. São Paulo: Edições Loyola, 2000. sociais: paradigmas clássicos e GOHN, Maria da Glória. Movimentos e lutas sociais na história do Brasil. São Paulo: Loyola, 1995. HALL, Anthony L. Amazônia: Desenvolvimento para quem? Rio de Janeiro: Zahar, 1989. HEBETTE, Jean. Cruzando a fronteira: 30 anos de estudo do campesinato na Amazônia. Vol. I; Belém: EDUFPA, 2004. HEBETTE, Jean. Cruzando a fronteira: 30 anos de estudo do campesinato na Amazônia. Vol. III; Belém: EDUFPA, 2004. 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Mas é possível encontrar semelhanças no interior das diferenças, o universal no meio do diverso. A sua essência é derivada do seu papel histórico: realizar uma contrarrevolução cultural preventiva numa época de mutação no capitalismo, marcado pela crise de um regime de acumulação e substituição por outro que aumenta o processo de exploração, miséria, repressão e conflitos. Essa essência revela uma ideologia homotópica dissimulada por uma autoimagem ideológica, cujo procedimento fundamental é produzir concepções contrarrevolucionárias com uma roupagem aparentemente progressista, crítica, revolucion|ria, “pós-moderna”. Elas, supostamente, superariam o modernismo e criariam uma alternativa ao marxismo e à teoria da revolução social, através da recusa da totalidade, da teoria, entre outras formas, e assim formam várias tendências, tais como o pósestruturalismo conservador, crítico e eclético. Palavras-chave: homotopia, ideologia, contrarrevolução cultural, pós-estruturalismo. As análises do pós-estruturalismo s~o ideológicas (a começar pelo nome “pósmodernismo” pelo qual é hegemonicamente denominado), j| que invertem a realidade, caindo num descritivismo que nada acrescenta e se ilude com a aparência do fenômeno ou tomando o discurso pós-estruturalista como verdadeiro ou, ainda, fazendo uma crítica superficial sem analisar tal fenômeno ideológico em sua totalidade e suas determinações. Logo, é necessário compreender a gênese e o significado do pós-estruturalismo e para isso é imprescindível analisar sua essência. A essência do pós-estruturalismo é que ele é um projeto intelectual contrarrevolucion|rio, inclusive em suas tendências “críticas”. Ele surge num determinado momento histórico e não pode ser visto de forma a-histórica, através de aspectos isolados e sem inserção num determinado contexto histórico-social. Ele surge como resposta do capitalismo às lutas sociais do final dos anos 1960 e se caracteriza por buscar ser uma alternativa para o marxismo revolucionário (Viana, 2009a), consolidando-se com a instauração do regime de acumulação integral. Desta forma, além de analisar o seu amplo mosaico de ideologias distintas (Baudrillard, Foucault, Negri, Lyotard, Deleuze, Guattari, etc.) é necessário abordar o que é essencial e comum a todas essas manifestações ideológicas e Professor da Faculdade de Ciências Sociais da UFG - Universidade Federal de Goiás, e doutor em Sociologia pela UnB – Universidade de Brasília. * De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 146 Luta de Classes e Contemporaneidade mostrar seu caráter não apenas falso, mas também seus vínculos sociais e políticos, seu caráter politicamente conservador e intelectualmente retrógado. No presente texto, pretendemos tão-somente resumir o processo de origem histórica do pós-estruturalismo e, depois disso, desenvolver uma análise mais profunda da essência do pós-estruturalismo. Já abordamos a origem histórica do pós-estruturalismo (Viana, 2009a; Viana, 2010) e por isso seremos breve nesse aspecto. O pós-estruturalismo começa a emergir a partir de 1969 e vai se constituindo nos anos 1970 e ganha notabilidade a partir dos anos 1980, tornando-se, paulatinamente, ideologia dominante nos meios acadêmicos e, posteriormente, exercendo influência nos meios políticos. Sem dúvida, alguns encontram “pós-modernismo” em períodos anteriores (Anderson, 1999; Huyssen, 1992), quando surge a palavra “pós-moderno” ou ent~o devido a semelhanças entre algum elemento de alguma ideologia pós-estruturalista ou pós-vanguardista1 com alguma produção intelectual ou artística do passado remoto (tal como Nietzsche, Simmel, etc.). Contudo, além de não ser um procedimento embasado no materialismo histórico, por partir de discursos e tomá-los como verdades, também é metodologicamente não-dialético, pois ao invés de analisar a totalidade do fenômeno, se limita a observar semelhanças secundárias ou meramente formais e daí encontrar “pós-modernismo” onde ele n~o existia e nem poderia existir. A express~o “pós-moderno” é um equívoco por considerar que o moderno – o capitalismo – tenha sido substituído por algo inexistente e que nem nome tem (Viana, 2009a), além de apresentar algo que é moderno (o irracionalismo, por exemplo) como sendo seu substituto. Isso é possível pela concepção de moderno dos ideólogos pós-estruturalistas, que o considera algo homogêneo e o identifica com o racionalismo, por exemplo, enquanto que Nietzsche e todos os irracionalistas são tão modernos quanto Descartes, Hegel, Kant, Durkheim, Saussure, Lévi-Strauss, entre outros. Esse é um truque ideológico do pósestruturalismo: criar uma imagem falsa e homogênea do modernismo, que é complementado pelo truque de transformar o suposto “pós-modernismo” em algo também falso, homogêneo e, principalmente, substituto vitorioso e definitivo do seu adversário. As diversas concepções do dito “modernismo” continuam existindo e atuando (com maior ou menor força em Preferimos substituir o construto “pós-modernismo”, aplicado indistintamente tanto na esfera artística quanto na esfera acadêmica, por pós-estruturalismo, na esfera acadêmica, e pós-vanguardismo, na esfera artística. Sobre o pós-vanguardismo, mais especificamente, há uma breve discussão em O Capitalismo na Era da Acumulação Integral (Viana, 2009a). 1 147 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário determinados setores do saber, o que não altera muito o quadro), desde o positivismo clássico até o pseudomarxismo em suas diversas variantes (o leninismo e derivados, entre outras formas)2. O pós-estruturalismo tem que ser entendido como uma totalidade. Contudo, é uma totalidade de manifestações ideológicas, com alguns elementos em comum e outros distintos. Por isso é difícil entender o que é mais exatamente o pós-estruturalismo e isso justificaria, até certo ponto, as indefinições do mesmo. Contudo, no meio das diferenças é possível encontrar o que é essencial no pós-estruturalismo. E isso é inseparável de seu processo de engendramento histórico. Ele surge a partir das derrotas das lutas operárias e estudantis do final dos anos 1960, especialmente o maio de 1968 em Paris3. A classe dominante (e seus aparatos estatais, entre outros) inicia uma contrarrevolução preventiva (Marcuse, 1971) desde esse ano e percorre os anos 1970, tentando manter o capitalismo ainda sob hegemonia do regime de acumulação conjugado (intensivo-extensivo). Essa solução para a crise do regime de acumulação sem mudar de regime se manifesta insuficiente e já esboça elementos do regime de acumulação que lhe sucede, o regime de acumulação integral (Viana, 2009a; Viana, 2003). Por isso, nos anos 1980 começa a ser constituído um novo regime de acumulaç~o, através, inicialmente, do neoliberalismo e da chamada “reestruturação produtiva” e, posteriormente, do neoimperialismo (Viana, 2009a; Viana, 2003). Assim, é nesse contexto de crise de regime de acumulação conjugado, manifesto no declínio da taxa de lucro médio (Harvey, 1992; Viana, 2009a) e pela ascensão das lutas sociais no final dos anos 1960 e do seu desdobramento, ou seja, as derrotas do movimento operário e do movimento estudantil (Viana, 2003; Viana, 2009a), é que há uma ofensiva burguesa no O marxismo autêntico – expresso por Marx, Korsch, Pannekoek, etc. – n~o pode ser considerado “modernismo”, a não ser no reino nebuloso da ideologia. No fundo, essa concepção é antimodernista, pois anticapitalista. Claro que a confus~o é reforçada pelo pseudomarxismo, e n~o é difícil ver obras “marxistas” condenando o “pósmodernismo” para defender o “modernismo” e suas teses, o que significa, no fundo, defender algumas teses modernistas ao invés de outras, mas que são dominantes. Nesse sentido, no caso da oposição binária entre duas ideologias burguesas, os pseudomarxistas geralmente tomam partido de uma delas e afirmam que isso é “marxismo” e, assim, além de revelar seu vínculo com as ideologias burguesas e seu caráter de classe nãoprolet|rio, prestam o serviço de defender concepções burguesas como “determinismo”, “iluminismo”, “racionalismo” em contraposiç~o aos seus pares burgueses opostos, “indeterminismo”, “romantismo”, “irracionalismo”. 3 Esse foi o movimento mais radical e significativo, mas as lutas sociais em outros países, como Alemanha e Itália, também assumiram radicalidade e estavam no bojo da crise do regime de acumulação conjugado (intensivoextensivo) desse período. Outras lutas em diversos países, com maior ou menor radicalidade, também foram derrotadas. Apesar das lutas ainda mantiverem certa radicalidade em alguns lugares, como na Itália, Portugal e a revolução dos cravos, até chegar no caso da Polônia em 1980, já não era um processo que atingia o capitalismo mundial. 2 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 148 Luta de Classes e Contemporaneidade sentido de restaurar a estabilidade do capitalismo. No plano social geral, a Comissão Trilateral foi a grande estratégia, tentando, no interior do regime de acumulação conjugado, resolver o problema da crise. No plano ideológico, isso é realizado através da emergência do pósestruturalismo (e no plano da arte, do pós-vanguardismo, do qual não trataremos). Na esfera acadêmica, novas ideologias começam a ser gestadas desde a derrota do Maio de 1968, principalmente na França e, logo após, nos Estados Unidos e demais países europeus. Em 1969 surge, no plano da historiografia, a terceira geração da Escola dos Anales (Viana, 2007), o conjunto de ideólogos estruturalistas começa a adotar novas ideologias em contraposição ao estruturalismo que haviam defendido quando era moda4 (Foucault, Baudrillard, Derrida, etc.), assim como outros e com o passar do tempo, nos anos 1980, há uma adesão ainda maior de uma diversidade de origens intelectuais (incluindo ex-autonomistas, anarquistas, pseudomarxistas, etc.). O nome pós-estruturalista se justifica por vir depois do modismo estruturalista e substituí-lo como ideologia dominante e, ao mesmo tempo, não ser um todo homogêneo. Isso nos leva a discutir a essência do pós-estruturalismo. Ao fazer parte da contrarrevolução burguesa, ele se caracteriza por ser uma contrarrevolução intelectual preventiva. Na verdade, os movimentos radicais dos anos 1960 (juntamente com os reformistas) foram derrotados, mas ainda existiam indivíduos, ideias, grupos, que mantinham a mesma posição. Da mesma forma, as condições de reprodução do capitalismo não eram estáveis. Logo, era fundamental combater uma das determinações do processo de radicalização das lutas nos anos 1960: a cultura contestadora da época (em suas diversas formas). Assim, tanto as tendências relativamente críticas oriundas da Escola de Frankfurt, quanto as concepções expressas em agrupamentos políticos e obras teóricas, tal como Socialismo ou Barbárie, mas de forma mais radical e profunda na Internacional Situacionista, até intelectuais isolados que realizam críticas à sociedade burguesa da época (Sartre, O processo de hipermercantilização da cultura que ocorre a partir do regime de acumulação integral também é uma das determinações do pós-estruturalismo: “o debate pós-moderno pode ser visto como um processo intelectual-discursivo que, num só movimento, multiplica opções críticas e as aprisiona em formas reconhecíveis e dissemin|veis, ou, como diz Dana Polan, de maneira ainda mais sombria, ‘estrutura intensamente o discurso crítico como uma espécie de combinatoire mecanicista em que tudo é dado de antemão, em que não pode haver prática, mas a interminável recombinação de peças fixas da máquina gerativa. Visão um tanto distinta, mais próxima da ênfase proposta neste estudo, evidencia-se na descriç~o de John Rajchman do “mercado mundial de ideias” que a teoria pós-moderna institui e do qual participa: ‘é como o Toyota do pensamento: produzido e montado em v|rios lugares diferentes e vendido em toda parte” (Connor, 1992, p. 23-24). 4 149 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Lefebvre, Guérin, Gorz, etc.), havia um amplo espectro intelectual contestador (em alguns casos revolucionário) que fazia parte de uma ampla cultura contestadora (a contracultura sendo uma de suas manifestações). A contrarrevolução cultural preventiva visava superar essa cultura contestadora, integrando temas e aspectos da cultura contestadora anterior (Viana, 2009a; Viana, 2009b10), e criando um processo de despolitização, visando assim retirar sua radicalidade. Essa despolitização foi realizada, principalmente, através da recusa da totalidade (presente nas discussões dos situacionistas, Lefebvre, Sartre, etc.), isolando fenômenos, lutas, etc. Nesse contexto, emerge um conjunto de ideologias, a que chamamos pósestruturalismo. A dificuldade em definir o pós-estruturalismo reside, por um lado, na sua não uniformidade5 e, por outro, em sua autoimagem ideológica. A sua autoimagem ideológica já foi refutada (Viana, 2009a), resta então entender a possibilidade de definição de um conjunto de ideologias que possuem diferenças, mas que cumprem o mesmo papel contrarrevolucionário, pois é aí que podemos entender sua essência e, portanto, sua definição. A essência do pós-estruturalismo é a contrarrevolução intelectual. Essa contrarrevolução se fundamenta na autoimagem ideológica de ruptura com o modernismo, o que realiza, em parte (com algumas tendências modernistas, tal como o estruturalismo, mas ao mesmo tempo retoma elementos das abordagens aparentemente superadas), mas, principalmente, com uma oposição frontal à cultura contestadora que esteve presente no processo das lutas sociais da época, especialmente o marxismo. A ideia de abandono das metanarrativas (em termos mais exatos, da categoria dialética da totalidade), defendida por Lyotard e repetida dezena de vezes por outros ideólogos pós-estruturalistas, tal como a condenação da teoria (Foucault, 1989; Castoriadis, 1987) não são apenas questões metodológicas ou racionais, são questões políticas. A recusa da totalidade é a porta de entrada para a despolitização das questões sociais e do cotidiano. A recusa da teoria (ou da razão em geral) é outro elemento dessa despolitização. A despolitização metodológica e intelectual – na qual o pesquisador, pensador, cientista, filósofo, etc., deve abandonar a análise totalizante, é complementada pela despolitização Em um dos melhores livros sobre a ideologia pós-estruturalista, é possível encontrar esse entendimento: “o pós-modernismo constitui um fenômeno tão híbrido, que qualquer afirmação sobre um aspecto dele quase com certeza n~o se aplicar| a outro” (Eagleton, 1998, p. 8). Contudo, se n~o houver algo essencial como a tudo que é denominado como “pós-moderno”, ou melhor, pós-estruturalismo, então o plural deveria ser utilizado. Não é nossa essa posição, como mostraremos a seguir. 5 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 150 Luta de Classes e Contemporaneidade teórica ao pregar o abandono da teoria (por ser totalizante, como diria Foucault), que interpretaria esta totalidade na realidade concreta. Contudo, embora haja uma recusa da totalidade em geral, em algumas manifestações específicas o que ocorre é recusa da totalidade numa perspectiva dialética, ou seja, da totalidade concreta (apresentando ou não uma concepção totalizante, mesmo que metafísica). Essa concepção de totalidade, ao contrário das concepções metafísicas e racionalistas (com a qual é muitas vezes confundida, seja por má fé ou por ignorância) remete ao concreto e sua determinação fundamental, bem como suas múltiplas determinações. Isso, por sua vez, gera a recusa da revolução proletária e da transformação do modo de produção capitalista, pois ou o capitalismo já foi superado pela sociedade pós-moderna ou não é necessário nenhuma transformação radical da sociedade (pós-estruturalismo conservador) ou a transformaç~o é proporcionada por múltiplos “sujeitos”, pulverizando as lutas e ao mesmo tempo retirando sua articulação com o movimento operário (pósestruturalismo crítico), gerando um microrreformismo e “políticas de identidade”. Por outro lado, alguns buscam unir a concepção pós-estruturalista e o marxismo (como é o caso de Toni Negri e seu uso ideológico do pensamento de Marx ao lado de Foucault, Daniel Bell e outros ideólogos, bem como elogio do trabalho imaterial em substituição ao trabalho material, que seria do proletariado), criando um pós-estruturalismo eclético. A recusa da totalidade concreta significa recusa da revolução social, transformação social total. Significa, também, recusa de todos os projetos revolucionários (marxismo e anarquismo revolucionários). Desta forma, o pós-estruturalismo é uma ideologia contrarrevolucionária, substituindo o projeto revolucionário por uma alternativa nãorevolucionária, seja pela apologia da sociedade atual, por uma tese evolucionista, por um programa reformista (principalmente microrreformista) ou por considerar desnecessária qualquer transformação social. No sentido de sustentar tal posicionamento, apela para a negação da totalidade, da razão, da teoria, do proletariado como sujeito revolucionário, etc. e afirmação do irracionalismo, relativismo, romantismo, culturalismo, etc. Assim, trata-se de um amplo espectro de ideologias que tem no seu caráter contrarrevolucionário sua unidade essencial e que assume variações, criando tendências distintas no seu interior, tais como o pós-estruturalismo conservador, o pós-estruturalismo crítico e pós-estruturalismo eclético (Viana, 2009a). O pós-estruturalismo conservador de 151 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Richard Rorty, Jean Baudrillard, Alain Touraine, expressa uma vertente que recusa qualquer compromisso com a crítica da realidade contemporânea e serve apenas para eternos discursos acadêmicos vazios de significado e recheados de “códigos de n~o-leitura do real”6, se tornaram decalque do capital. O pós-estruturalismo crítico de Foucault, Deleuze, Guattari, entre outros, por sua vez, apresenta uma crítica da sociedade contemporânea que se revela uma pseudocrítica, pelo menos no sentido dialético da palavra, pois não há rupturas e nem transformaç~o radical, superaç~o, o novo fica ausente e assim temos o “eterno retorno do mesmo”. O seu papel é mais nefasto, pois seu car|ter aparentemente crítico – e realmente faz críticas localizadas – apontam para a fragmentação das lutas e recusa da constituição de uma nova cultura contestadora e totalizante que permitiria uma articulação das lutas e avanço no sentido da transformação social. Daí sua maior influência em certos setores da sociedade e nos movimentos sociais, em tendências distintas, apontando para um microrreformismo, lutas localizadas, políticas de identidade, uma reprodução do mundo atual mudando a aparência7 ou pequenos detalhes ou, ainda, com pequenas reformas que beneficiam setores privilegiados de grupos oprimidos que assim são cooptados e fazem o discurso pós-estruturalista e microrreformista. O pós-estruturalismo eclético de Negri, Castoriadis, e diversos outros, realiza um processo de mesclar teses e concepções pós-estruturalistas com concepções revolucionárias, como o marxismo e o anarquismo revolucionários, retirando-lhe o caráter Os chamados “códigos de leitura” seriam produtos das ciências humanas, onde cada ciência particular cria o seu próprio código para ler o real. O pós-estruturalismo conservador, no entanto, cria um código que produz uma ininteligibilidade do real, através das especulações metafísicas que beiram ao absurdo, apesar das diferenças internas em seus representantes (isso é mais aplicável a Baudrillard e Touraine, por exemplo). 7 Essa mudança de aparência sem mudar a essência ou a existência é uma mera mudança discursiva que pensa que assim muda as relações sociais reais, concretas. Um exemplo disso é que – ao reconhecer a opressão feminina e seus vínculos linguísticos, o que já havia sido feito muito antes do pós-estruturalismo – alguns pensam que trocar a letra “o” pela arroba (@) abole tal opress~o ou que significa sua superaç~o parcial. Ledo engano, pois tanto faz isso, já que a gênese e essência do processo foram produtos de um longo processo histórico e vinculado a relações sociais concretas que a mera troca de nomes ou aspectos da linguagem não altera, pelo contrário, reforçam a opressão ao ilusoriamente parecer que elas foram superadas (total ou parcialmente), já que o idioma e seu sexismo, produto histórico social, não foram alterados. Obviamente que ninguém ainda propôs trocar o uso do sobrenome pelo nome, já que no primeiro não há identificação de sexo e reproduz uma manifestação da autoridade masculina derivada do processo da herança e transmissão da propriedade privada, aspecto fundamental do direito burguês. Obviamente que os marxistas se tornariam “karlistas” e os weberianos seriam doravante chamados de “maxistas”, e nada mudaria, a n~o ser que a relaç~o real de herança e propriedade fosse superada (e junto com ela os “karlistas/marxistas”, “wladimiristas/leninistas”. “davidistas/durkheimianos”, “mikhailistas/bakuninistas”, “adolfistas/hitleristas”, “rosistas/luxemburguistas” e milhões de outros “istas”, j| que a divis~o de classes e suas divisões e subdivisões intelectuais deixariam de existir). Na verdade, são mudanças superficiais e artificiais que servem apenas para tornar a opressão mais confortável e menos visível, mas não menos real. Somente mudanças profundas e reais no conjunto das relações sociais permitiriam, por exemplo, uma mutação linguística que tornará possível uma transformação mais radical ao invés do paliativo da arroba. 6 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 152 Luta de Classes e Contemporaneidade revolucionário. Essa forma de pós-estruturalismo funciona como a água quando atinge o fogo. O resultado disso é o mesmo do microrreformismo ou outra forma de reformismo, ou então, a formação de uma concepção pseudorrevolucionária que troca a análise da realidade concreta por abstrações metafísicas. Nesse caso, temos uma proposta de transformação social que não apresenta nada de concreto (nem tendências, nem agentes – seja o proletariado ou qualquer outro – nem forças sociais ou políticas, nem projetos, etc.), e que portanto não gera ou provoca nenhuma prática ou ação, sendo, pois, mero mecanismo discursivo desmobilizador e aparentemente revolucionário. Eis o caso de Castoriadis: Enquanto instituinte e enquanto instituída, a sociedade é intrinsecamente história – ou seja, autoalteração. A sociedade instituída não se opõe à sociedade instituinte como um produto morto a uma atividade que o originou; ela representa a fixidez/estabilidade relativa e transitória das formas-figuras instituídas em e pelas quais somente o imaginário radical pode ser e se fazer ser como social-histórico. A autoalteração perpétua da sociedade é seu próprio ser, que se manifesta pela colocação formas-figuras relativamente fixas e estáveis e pela explosão dessas formasfiguras que só pode ser sempre posição-criação de outras formas-figuras. Cada sociedade faz ser também seu próprio modo de autoalteração, que podemos também denominar sua temporalidade – isto é, se faz ser também como modo de ser. A história é gênese ontológica não como produção de diferentes instâncias da essência sociedade, mas como criação em e por cada sociedade, de um outro tipo (forma-figura – aspecto-sentido: eidos) do ser-sociedade, que é ao mesmo tempo criação de tipos novos de entidades social-históricas (objetos, indivíduos, ideias, instituições, etc.) em todos os níveis e em níveis que são eles-próprios estabelecidos-criados pela sociedade e por tal sociedade” (Castoriadis, 1986, p. 416). Desta forma, o abandono do sujeito revolucionário8 significa o abandono da revolução, que se torna, nesse caso, um processo sem sujeito, puramente “imagin|rio”, para usar um trocadilho. O revolucionarismo aparente presente nos pós-estruturalismo eclético, bem como em sua versão crítica, é apenas uma forma de canalizar o descontentamento de setores intelectualizados (que possuem influência social, além da sua própria ação que é afetada por tais ideologias) e de outros setores da população, substituindo uma práxis revolucionária por um não-agir, ou por um reboquismo ou microrreformismo que, nas relações sociais concretas, reforçam tais relações ao invés de miná-las. O pós-estruturalismo conservador faz isso de bom grado e é relativamente fácil perceber isso. O que resta saber é que as metamorfoses do pósestruturalismo e seus vínculos com o poder e com o capitalismo, desde os interesses pessoais envolvidos nos meios acadêmicos, mercado editorial e instituições (governos, universidades, “... o pós-modernismo não é liberal nem conservador, mas libertário, embora estranhamente (...) de um libertarismo sem um sujeito para se libertar” (Eagleton, 1998, p. 117). 8 153 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário etc.)9 até a sobrevivência ideológica e os valores dominantes, se entrelaçam e reforçam reciprocamente, criando uma teia que envolve qualquer tentativa de sair do mundo concentracionário do capitalismo a partir de uma concepção realmente revolucionária. Em síntese, a essência do pós-estruturalismo – que perpassa todas as suas tendências – é ser uma alternativa intelectual contrarrevolucionária que busca superar ou integrar a teoria da revolução social expressa pelo marxismo através da dissimulação expressa em sua autoimagem ideológica. A sua grande ambição é justamente superar ou integrar o marxismo, seja criticando-o seja englobando-o num discurso ideológico que lhe faz perder a radicalidade revolucion|ria. Por isso é “pós” e o “estruturalismo” é apenas uma delimitaç~o temporal por ter sido a ideologia substituta da anterior, cujo alvo fundamental é outro. A ideologia acadêmica dominante que vem após o estruturalismo (e não por ter nascido para combater esta, apenas a substitui, o seu combate verdadeiro e fundamental é com o marxismo autêntico, que confunde com o pseudomarxismo). Em outras palavras, o pós-estruturalismo é essencialmente uma ideologia homotópica10 dissimuladamente superadora do que é moderno (seja do pensamento moderno ou da sociedade moderna, ou ambos) e principalmente da crítica da modernidade, criando uma autoimagem ideológica, cuja tarefa é realizar uma contrarrevolução cultural preventiva. Isso é comum ao conjunto de ideologias pósestruturalistas que usam os mais variados artifícios ideológicos para efetivar sua dissimulação e projeto contrarrevolucionário, com destaque para a recusa da totalidade, a crítica da razão e da teoria, etc. O pós-estruturalismo, enquanto manifestação ideológica do capitalismo durante o regime de acumulação integral, é algo tão limitado e passageiro quanto o capitalismo e que O caso de Foucault é exemplar nesse sentido (Mandosio, 2011). A palavra homotopia existe em topologia, significando uma deformação de uma aplicação entre espaços topológicos. No sentido que aqui utilizamos é um neologismo, sendo que homotopia é não sair do mesmo lugar, uma concepção que nega a transformação social radical, a revolução social, a possibilidade de superação do capitalismo. Sem dúvida, nesse sentido, existem outras homotopias e todas elas são conservadoras e ideológicas, ou seja, são reprodutoras do existente e sistemas de pensamento ilusórios. O que distingue o pós-estruturalismo é sua dissimulação de superação do mundo moderno e da crítica da modernidade (confundido com o discurso da modernidade), isto é, se apresentar como um pensamento “pós-moderno” (ou afirmar a existência de uma sociedade pós-moderna), ou então defender que a realiza uma crítica da modernidade enquanto, na verdade, reproduz e defende essa mesma sociedade ou, ainda, pode até defender uma transformação social, que, no fundo, não transforma nada. O que difere o pós-estruturalismo de outras ideologias homotópicas é essa dissimulação, tentando convencer que é algo que não é. Isso é derivado de seu objetivo de produzir uma contrarrevolução cultural preventiva, a tarefa posta para as ideologias da classe dominante após a crise do regime de acumulação conjugado e após a emergência de um novo regime de acumulação que aumenta a exploração, a miséria e os conflitos sociais. 9 10 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 154 Luta de Classes e Contemporaneidade não o ultrapassa no discurso por não pretender ultrapassá-lo na prática. É algo datado, limitado, conservador, e medíocre, pois não apresenta nenhuma grande contribuição para pensar a sociedade, o capitalismo, as lutas de classes, a cultura, etc. Apenas reproduz ideologias misturadas, faz abstrações metafísicas desligadas da realidade concreta, faz proliferar discursos, termos, concepções que não são expressões da realidade e por isso não possuem capacidade explicativa sobre a realidade. Referências ANDERSON, Perry. As Origens da Pós-Modernidade. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1999. 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O período estudado nos permite uma ampla reflexão acerca desta militância e do engajamento do filósofo marxista, que abordou a cultura na sua totalidade e de maneira a interpretá-la como uma forma de luta. Suas idéias foram veiculadas em um jornal de ampla circulação, com o traço marcante de cotejar as diferentes temáticas à luz do marxismo. Palavras-Chave: Cultura, Marxismo, Engajamento e Jornal do Brasil. 1. Cultura e Marxismo: A Cultura é um tema muito caro a literatura marxista, haja vista as inúmeras acusações por parte dos seus críticos acerca do car|ter “economicista” da teoria da pr|xis, supostamente deixando para uma esfera super-estrutural e de menor importância as manifestações culturais. A despeito de Marx e Engels de fato terem tido preocupações com o desenvolvimento da arte e da cultura, é no decorrer do século XX que os estudos culturais se alavancam à luz do materialismo histórico. Nomes como Gramsci, Walter Benjamin, Edward Palmer Thompson, Raymond Williams, entre outros, desenvolveram com afinco as noções de um materialismo cultural, privilegiando a Cultura enquanto “relaç~o” com o restante da sociedade,ou seja, foi promovida uma junção entre a infra-estrutura e a super-estrutura para os autores supra-citados. Segundo o marxista galês Raymond Williams, a elaboração de um materialismo cultural enquanto teoria marxista deve buscar as especificidades da produção cultural e material de um dado tempo (Williams, p.12, 1977). A cultura para o autor é histórica, ou seja, interage com a experiência e as transformações dos indivíduos. 11 Mestrando em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF) De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 156 Luta de Classes e Contemporaneidade Nesse caso, a categoria trabalhada é entendida como um processo geral, que deve compreender os “modos de vida em sua totalidade” e criando as suas próprias relações, portanto cultura e vida social material estão interligadas. Em sua obra “Política do Modernismo” (2011), Williams contextualiza as relações de produção das quais participavam os artistas estudados (no caso da sua obra, os modernistas). Contudo, é em “Cultura e Sociedade” (1958) que o autor defende que a cultura, principalmente na sua forma literária, não paira acima dos conflitos sociais, pelo contrário, ela está inserida nos mesmos, organizando simbolicamente os significados e os valores de uma determinada sociedade, devendo assim ser interpretada em sua relação com os modos de produção. Outro marxista fundamental para compreendermos a noção estudada é Edward Palmer Thompson, propondo que “cada teoria da cultura deva incluir o conceito de interaç~o dialética entre cultura e algo que n~o é cultura” (Mattos, 2006, disponível em: www.unicamp.br/cemarx), o que foi definido por Thompson como “experiência. Já o marxista sardo Antonio Gramsci, pensando no caráter organizacional da cultura, propõe que a mesma pode ter uma função educacional-nacional (Gramsci, 2006, p.40), elaborando os sentimentos populares. Gramsci enxergava a cultura como uma forma orgânica de junção do povo com os produtores de arte e, fundamentalmente propunha que o povo produzisse uma “nova cultura”. A noção de cultura, na concepção dos autores supra-citados, se aproxima do que foi praticado por Leandro Konder em seus artigos no Jornal do Brasil (2002-2009), em que o filósofo brasileiro, não apenas avaliava obras ou decidia quais deveriam ser disseminadas,mas sim analisava como as mesmas interpretavam a realidade sócio-histórica em que estavam imersas e como interagiam no seio da produção cultural geral. 2. Apresentação do tema de pesquisa: Leandro Augusto Marques Coelho Konder nasceu em Petrópolis (RJ), em 1936. Filho de um importante dirigente comunista brasileiro, o medico sanitarista Valério Konder, aderiu muito cedo ao comunismo como escolha política e ao marxismo como seu paradigma teórico, que o orientou e orienta até hoje na sua produção. 157 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Em 1958, formou-se em direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), atuando, assim, como advogado criminalista e trabalhista entre 1958-196412, e depois como revisor, junto com Ênio Silveira, na editora Civilização Brasileira, até 1972, ano em que partiu para o exílio. Foi morar na Alemanha, onde trabalhou na Universidade de Bonn, e retornou ao Brasil em 1978, doutorando-se em filosofia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 1986. Foi professor do Departamento de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro13. Segundo Carlos Nelson Coutinho14, a obra de Leandro Konder constitui um dos capítulos mais significativos da história do marxismo no Brasil. Sua obra é diversificada, tratando de temas teoricamente difíceis. Devemos a Konder, a apresentação de Lukács e Gramsci ao público brasileiro, com a tradução da coletânea Ensaios sobre literatura, do marxista húngaro e dos Cadernos do Cárcere do marxista sardo15. Se hoje é comum percebermos tais autores nas estantes das livrarias e em citações de trabalhos acadêmicos, nos anos 1960-1970 era algo extremamente radical e, isso segundo Coutinho, “representou uma inflex~o no pensamento marxista brasileiro” 16. O filósofo possui mais de 30 livros editados, sendo a maioria ligada a temas considerados bastante heterodoxos no seio da crítica marxista, sempre evitando o esquematismo doutrinário e abstrato de seu tempo7. Neste caso, também seria importante comentar sobre a atividade político-partidária do filósofo, tanto no PCB, PT e atualmente no PSOL, bem como sua atuação como professor. Entrevista concedida a revista eletrônica humanas do IFCS, ver: http://www.ifcs.ufrj.br/humanas/0007.htm acessado em 10/12/2011 13 Referências retiradas do Currículo Lattes do filósofo. Ver: < http://lattes.cnpq.br/2417231282295802> acessado em 12 10/12/2011 14Coutinho, Carlos Nelson. Um filósofo democrático, 1998, In: www.acessa.net acessado em 10/12/2011 Para melhor leitura sobre a primeira edição da obra de Gramsci no Brasil, ver: Coutinho, Carlos Nelson. “Introduç~o”. In: Gramsci, Antonio. Cadernos do cárcere. V.1, Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 2006, p.32-38. 16 Idem, ibidem. 7 Coutinho,Carlos Nelson. Um filósofo democrático, 1998. In: www.acessa.net acessado em 10/12/2011 8 Aqui se entende “Hegemonia”, como uma operaç~o em que as atividades e iniciativas de uma ampla rede de organizações culturais, movimentos políticos e instituições educacionais, difundem suas concepções de mundo e seus valores capilarmente pela sociedade, sendo assim uma relação educacional. Ver: Buttigieg,Joseph. “Educaç~o e Hegemonia”, p.39-49, In: Carlos Nelson Coutinho (Org.). Ler Gramsci, entender a realidade, Editora Civilização Brasileira, 2003. 15 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 158 Luta de Classes e Contemporaneidade Ciente de que a batalha das idéias desempenha papel fundamental na disputa pela hegemonia8, Konder sempre buscou conciliar suas reflexões acadêmicas com a intervenção em jornais e revistas de maior circulação, conferindo, assim, maior dimensão política às suas atividades, bem como ao próprio marxismo. O aspecto da sua produção cultural e política que será ressaltado na presente comunicação é, justamente, sua atividade como jornalista, que se inicia nos semanários comunistas Novos Rumos e Folha da Semana (órgãos do PCB) nos anos 60, passando pelo periódico Voz Operária, nos anos 70, os jornais Correio Braziliense, O Globo e o Diário de Goiânia nos anos 80 e 90 e, finalmente, pelo Jornal do Brasil (cujos artigos serão objeto deste estudo) entre os anos de 2002 e 2009. A escolha das colunas no Jornal do Brasil se deve a três motivos fundamentais: o primeiro, é a quantidade enorme de artigos escritos pelo autor no decorrer destes 7 anos como articulista, cerca de 150 artigos9, em colunas que se iniciam semanais, tornando-se quinzenais e por fim mensais; o segundo motivo diz respeito à grande circulação do jornal que, no período citado, representava um importante formador de opiniões; e o terceiro motivo refere-se às importantes temáticas abordadas por Konder, como a cultura e os assuntos que estavam na ordem do dia como as eleições de 2002, 2004, 2006 e 2008 que foram comentadas pelo filósofo, sem omissão e sem poupar críticas ao seu antigo partido, então no governo, o PT. Sua coluna fixa começa no Caderno B em 22/06/2002, com o artigo intitulado “O ´risco’ Estados Unidos”, em que, combatendo com bom humor as críticas { possível eleiç~o de Lula, o filósofo apresenta como pobres intelectualmente, determinadas personalidades políticas no decurso da história, como Tatcher, Reagan, Bush (pai) e Bush (filho), rechaçando, assim, as críticas dos conservadores no que tange à falta de formação formal de Luis Inácio. Ao analisar os artigos referentes à Cultura, pode-se propor a hipótese de que a mesma, para o autor, aprofunda o diálogo com os diferentes e nos permite conhecermo-nos melhor, ou seja, nos dá um sentido de alteridade e aprofunda a tolerância, tal como o marxista sardo Antonio Gramsci nos propôs: 9O acervo do Jornal do Brasil se encontra disponibilizado em micro-filmes na Biblioteca Nacional, local onde foi feita esta pesquisa. 159 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Os componentes da coletividade devem, portanto, colocar-se de acordo entre si, discutir entre si. Por meio da discussão, deve acontecer uma fusão das almas e das vontades. Cada elemento de verdade que cada um pode trazer deve sintetizar-se na verdade complexa e deve ser a expressão integral da razão. Para que isso aconteça, para que a discussão seja plena e sincera, é necessária a máxima tolerância. Todos devem estar convencidos de que aquela é a verdade e que, portanto, é preciso realizála. No momento da ação todos devem ser concordes e solidários, porque no fluir da discussão foi se formando um acordo tácito e todos se tornaram responsáveis pelo insucesso. Só se pode ser intransigente na ação se na discussão se foi tolerante e os mais preparados ajudaram os menos preparados a acolher a verdade, e as experiências individuais foram colocadas em comum, e todos os aspectos do problema foram examinados, e nenhuma ilus~o foi criada...” (Gramsci, Antonio. “Intransigência/toler}ncia. Intoler}ncia/transigência. Il Grido del Popolo, Itália, 8 de dezembro de 1917, na rubrica “Definizioni” Apud: www.insrolux.org) Nesse caso, um artigo que reflete essa hipótese foi A importância do chorinho, de 29/03/2003, em que não é apenas discutida a qualidade musical deste importante gênero para a cultura popular brasileira, mas também um tema muito caro aos marxistas, que é a associação entre o universal e a singularidade. Konder nos diz: Se a minha criação artística chega ao outro, eu consegui transformar a minha experiência em arte. Se n~o chega (se n~o se “universaliza”), é sinal de que eu talvez tenha falhado (...) O chorinho nos confirma na nossa convicção de que é assumindo a síntese peculiar das nossas culturas (e nunca as renegando) que podemos crescer culturalmente. (Konder, Leandro. “A import}ncia do chorinho”, Jornal do Brasil, 29/03/2003) A cultura, segundo o pensador, incorpora as dimensões essenciais das relações humanas, de modo que a ela não faltaria às dimensões do conflito, o que nos possibilitaria compreender o outro e fazer-se compreender em uma batalha que não termina nunca18. Esta questão realmente é importante nos seus artigos, pois com a atual lógica cultural do capitalismo, torna-se cada vez mais difícil o autêntico diálogo e conseqüentemente as De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 160 Luta de Classes e Contemporaneidade transformações, a importância da troca de conhecimento fica clara quando o autor afirma que “É o di|logo, o interc}mbio, a necessidade de entender os outros e de se fazer entender por eles que abre a cabeça dos indivíduos” (Konder, Leandro. “Um toque de brasilidade nas traduções”, Caderno B, Jornal do Brasil, 2004. Konder colocou sua erudição a serviço da discussão de grandes temas durante o período no qual escreveu em que, na maioria das vezes, propunha o diálogo, a tolerância, a busca pelo autoconhecimento, o bom-humor, sempre com combatividade e alto teor de indignação frente às mazelas. 3. Discussão Teórica: O presente trabalho busca inserir-se no debate acerca da vasta obra do filósofo Leandro Konder e do tema da cultura tantas vezes por ele abordado, bem como por outros pensadores da vertente marxista. Um primeiro passo dado, no sentido de discutir sua obra, foi à realização da VI Jornada de Ciências Sociais da Universidade Estadual Paulista em que o autor foi homenageado em 1998. Na jornada citada, seu amigo Carlos Nelson Coutinho, ao fazer um balanço da atividade intelectual, política, jornalística e engajada de Konder, o define como um “filósofo democr|tico”, ou seja, um homem que “socializou verdades j| descobertas”, auxiliando nas bases de transformação do real. O conceito de “filósofo democr|tico” se enquadra na definiç~o de “engajamento”, trabalhada por Eric Hobsbawm em Sobre História, onde a militância e o engajamento aparecem como um mecanismo de gerar novas idéias, perguntas e desafios. Nesse caso, o argumento utilizado pelo historiador em favor do engajamento é o de que o pesquisador deve ter como principais objetivos fazer a ciência avançar, mesmo que para isto custe fazer descobertas que sejam benéficas paras aqueles a quem se deseja combater. Para Hobsbawm, o engajamento deve respeitar os padrões de plausibilidade da ciência, e isso Leandro Konder fez sem ser pernóstico durante sua atividade jornalística. 3. Metodologia utilizada na pesquisa: O método para a análise do engajamento e da abordagem da cultura nos artigos de Leandro Konder partiu primeiro do estudo de todos os seus artigos no Jornal do Brasil, entre 161 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário os anos de 2002-2009 (O periódico encontra-se disponível em micro-filmes na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, local onde foi feita a pesquisa), para então depois estudar especificamente os temas: humor e cultura, haja vista a recorrência dos mesmos. Isso porque se pensa que sua obra deva ser compreendida dentro das relações sociais em que o mesmo vivia na época das suas colunas, chegando-se assim a uma idéia total da sua atuação como jornalista. A sequência proposta para o estudo pode ser resumida da seguinte forma: estudo da sua vida e obra, estudo do seu papel engajado na batalha das idéias, estudo da sua abordagem acerca da cultura à luz do marxismo e, por fim, o estudo da relação entre o filósofo e os seus principais interlocutores. 4. Hipóteses: A concepção de cultura para o autor é a de que a mesma aprofunda o diálogo com os diferentes e nos permite conhecermo-nos melhor, ou seja, nos dá um sentido de alteridade e aprofunda a tolerância tal como o marxista sardo Antonio Gramsci nos propôs. O engajamento de Leandro Konder se enquadra na definição trabalhada por Eric Hobsbawm em Sobre História, onde a militância e o engajamento aparecem como um mecanismo de gerar novas idéias, perguntas e desafios. 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O trabalho se ocupa fundamentalmente de alguns aspectos da crítica de Lukács ao movimento expressionista que considero relevantes para a reflexão sobre uma estética marxista, principalmente aqueles presentes no artigo “Trata-se do Realismo”. A primeira parte do trabalho é uma contextualização histórica do tema, com o fito de explicitar os elementos políticos que orientam a estética em cada situação ou caso discutido. Em um segundo momento aborda os pressupostos estético-filosóficos imediatamente antecedentes às críticas de Lukács ao movimento expressionista. Por fim, proceder-se-a a uma análise crítica das posições do referido autor no debate sobre o expressionismo, concentrado a atenção nas formulações lukacsianas de decadência artística e social e na sua identificação entre arte e realismo. Aponto com isso, outra via de solução para problemas da estética marxista como a essência do estético, as relações entre arte e realidade e a perdurabilidade da obra artística. Palavras-Chaves: Marxismo. Estética. Expressionismo. Lukács. Introdução Os problemas estéticos estiveram nas décadas de 30 e 40 do século passado, no centro dos debates travados entre os marxistas ocidentais. A complexidade das questões suscitadas, da natureza do estético às determinações da relação entre arte e realidade, gerou um caleidoscópio de proposições, uma pluralidade de posições estéticas dentro do próprio marxismo. Um tema, em particular, mobilizou os críticos marxistas: o das vanguardas artísticas das primeiras décadas do século XX, em especial o expressionismo. O expressionismo foi um movimento de vanguarda, o primeiro a usar a deformação da realidade para dar vazão á subjetividade do artista. Surgiu como um protesto contra o impressionismo (e a tendência naturalista cada vez mais forte de seus principais expoentes Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET) de Ciências Sociais. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Marxista (GEPMARX) da UFPE. 1 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 164 Luta de Classes e Contemporaneidade em fins do século XIX) e apoiado em tendências filosóficas subjetivistas e relativistas2. Desenvolveu-se, sobretudo na Alemanha, de 1910 ao fim da Primeira Guerra Mundial, em campos tão diversos quanto a música, a pintura, a literatura e o cinema. Influenciou os desenvolvimentos posteriores das vanguardas artísticas do século XX, do Surrealismo ao Cubismo. As inovações que o movimento promoveu no campo formal, principalmente na pintura e no cinema, configuraram uma verdadeira ruptura com os padrões estéticos vigentes desde a época renascentista. Todas as mudanças no campo da arte até então haviam preservado a tradição do naturalismo, deixando-a basicamente intacta como afirma Arnold Hauser: [...] Sempre houve uma oscilação entre formalismo e não formalismo, mas a função da arte como verdade com relação à vida e fidelidade à natureza nunca havia sido posta em questão em princípio desde a Idade Média. [...] O Impressionismo, foi o clímax e o término de um desenvolvimento que durou mais de quatrocentos anos [...] (HAUSER, 1971, p. 41). O expressionismo teve seu clímax na Alemanha na segunda década do século, alcançando a República de Weimar. A ascensão do Nacional-Socialismo pôs fim ao movimento. Em meados da década de 30, ressurge no contexto das discussões culturais e políticas da resistência antifascista, tomando corpo, sobretudo nas páginas da revista Das Wort3 de emigrados alemães, onde se refletia sobre a natureza do movimento fundante das vanguardas artísticas do século XX. Uma das vozes mais obstinadas no combate aos padrões estéticos e aos fundamentos filosóficos em que se inspirava o movimento expressionista foi a do húngaro George Lukács. Contra ele, mas com leituras diversas do fenômeno, estavam Bertolt Brecht, Walter Benjamin e Ernest Bloch4. Lukács inaugurou sua participação no debate em 1934 com o artigo “Grandeza e decadência do Expressionismo”, no que foi contestado por Bloch em “Discussões É nesse contexto que surgem a teoria da relatividade de Einstein, a Psicanálise de Freud e em que revigoram as filosofias niilistas de Shopenhauer e Nietzsche. Essas teorias científicas e filosóficas levaram por parte do artista a um questionamento da objetividade do mundo e da crença na sua perfeita apreensão pelo sujeito. 3 Editada em Moscou de 1936 a 1939, revista de intelectuais alemães exilados. 4 Direta ou indiretamente ainda participaram da polêmica Hans Eisler e Ana Sebhers. Brecht não participou diretamente do debate, pois temia que o mesmo minasse a unidade das forças antifascistas. Por isso escreveu sem publicar entre 1934-41 mais de vinte artigos sobre o tema que só posteriormente vieram a se tornar públicos. 2 165 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário sobre o Expressionismo”, ao qual Luk|cs treplicou com o artigo “Trata-se do Realismo” (1938). O trabalho põe em questão alguns pressupostos lukacsianos nesse debate, principalmente aqueles que fundamentam o artigo “Trata-se do Realismo”, buscando quando necessário articulá-los com suas concepções estéticas mais gerais. Metodologia As posições de Lukács no campo da Estética constituem uma das mais ricas contribuições individuais do século XX advindas do campo do marxismo. Dadas a complexidade e as dimensões enciclopédicas dos seus escritos nesse âmbito - que remontam a sua condição de intelectual pré-marxista da década de 10 e se desenvolvem num contínuo repensar-se até a sua morte nos anos 70 - me limitarei aqui a uma discussão das suas posições frente ao expressionismo (que podem ser, com alguma cautela, generalizadas a outros movimentos de vanguarda do século – Surrealismo, Dadaísmo, Abstracionismo e etc) e expressas no artigo “Trata-se do Realismo”, de 1938. Proceder-se-á a um levantamento das posições fundamentais do autor e suas conexões com as suas concepções estéticas mais gerais, tal como as encontramos em meados dos anos 30. A metodologia, de base bibliográfica, em um primeiro momento, compreendeu a leitura de textos sobre as vanguardas históricas e sobre o expressionismo em particular. Em ambos os casos, me apoiei principalmente no livro As vanguardas Artísticas, da Mario de Micheli. Em um segundo momento, debrucei-me sobre textos de e sobre Lukács: Lukács – Um clássico do século XX, de Celso Frederico; As ideias estéticas de Marx, de Adolfo Sánchez Vázquez; Debate sobre o Expressionismo, de Carlos J. Machado; e, por fim, os textos de Lukács que compõe a polêmica sobre o expressionismo. Discussão e resultados Uma análise das críticas de Lukács ao expressionismo deve necessariamente vir precedida de alguns esclarecimentos sobre a natureza de suas concepções políticas e estéticas. No plano político, trata-se de desvencilhar sua crítica cultural da política cultural do período stalinista, com a qual muitas vezes têm sido equivocadamente identificada. No plano De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 166 Luta de Classes e Contemporaneidade estético, de diferenciar seu antivanguardismo da doutrina do realismo socialista, em favor de um realismo crítico e de uma concepção baseada na ideia de autonomia do estético. Apesar de ter se inclinado, desde suas primeiras produções teóricas para questões estético-culturais, no contexto ora atentado, a estética e a arte em particular não são o centro das preocupações de Lukács. Em 1930, afastado da vida política interna do Partido Comunista de Viena, Lukács é designado para auxiliar David Riazanov nos trabalhos do Marx-Engels Institut. Nessa época tem acesso em primeira mão aos Manuscritos Econômico-filosóficos de Marx e aos Cadernos de Filosofia de Lênin. O contato com esses manuscritos levou a uma reviravolta no pensamento do filósofo que procedeu a uma reformulação e a um aprofundamento das suas concepções sobre a relação Hegel-Marx (Machado, 1998, p. 24). Lukács se esforçará a partir daí na elaboração de uma ontologia para o marxismo. Mas uma ontologia em outras bases, em bases materialistas e antropológicas em oposição às ontologias clássicas desde Aristóteles. A ontologia que propunha Lukács era uma ontologia do ser social centrada no paradigma do trabalho. Do seu caminho intelectual que tinha como objetivo a elaboração dessa ontologia materialista, Lukács chegou a suas elaborações de uma teoria estética em bases marxistas, no período analisado. O trabalho é para Lukács a categoria fundante do ser social, e das suas formas de objetivação. Com efeito, a estética e a arte em particular não são algo inerentes ao homem, mas desenvolvimentos do ser social a partir do trabalho: o trabalho é a forma inicial da relação entre o homem e o mundo (sujeito-objeto) e serve como base a todas as formas de consciência que vêm depois dele. A arte surge e se diferencia das outras formas de consciência (religião, ciência e etc) no desenvolvimento do ser social, primeiro afastando da religião 5, depois da ciência6. Ambas, arte e religião são para Lukács criações espirituais referidas ao mundo dos homens. Mas a religião é uma objetivação que confia na veracidade da sua criação, do seu objeto, os deuses. Além disso, considera a esfera transcendente uma realidade mais efetiva do que a vida terrena, a vida cotidiana. Caracteriza-se assim pela sua tendência ao transcendente. A arte, pelo contrário, se sabe imaginária e se recusa a transcendência. Se a religião transcende a vida terrena, empobrecendo-a e reduzindo-a, a arte a ela retorna enriquecendo a percepção do homem sobre o mundo. 6 A ciência e a arte se diferenciam primeiro pelas formas de conhecimento que lhes são próprias, e segundo pelas suas relações com as categorias de universalidade e particularidade. A forma de conhecimento própria a ciência é aquela que busca reproduzir conceitualmente o em si da realidade objetiva, isto é, da realidade que existe independentemente da consciência humana. A arte também procura o em si da realidade, mas o em se humanizado, referido a uma realidade criada pelo próprio homem. 5 167 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Entendendo a estética como um ramo da filosofia e coerente com o seu ponto de vista marxista, Lukacs irá estudá-la tendo como referência a teoria marxista do conhecimento. Segundo essa perspectiva a positividade dos fatos é algo aparente que deve ser tomada como ponto de partida do processo de conhecimento e logo depois dialeticamente ultrapassada em seu ser tal como se nos apresenta. O exemplo clássico de aplicação desse método está no primeiro capítulo de O Capital, na análise da mercadoria, onde Marx partindo da aparência, da imediatez do produto do trabalho busca revelar a sua essência, o seu não-ser. Uma das características básicas da sociedade capitalista daí decorrente é a forma invertida como os fenômenos se apresentam ao homem comum produzindo a ilusão de um mundo controlado e criado por forças alheias aos próprios homens (FREDERICO, 1997, p. 32). É nesse contexto, para Lukács, que a arte se defronta com um desafio: o de desfetichizar e desreificar as relações humanas. Nesse instante entra em contradição aberta com a sociedade capitalista. Para alcançar esse objetivo de em sua obra refletir a condição humana e as contradições sociais, o artista deverá assumir uma postura realista. Realismo para Lukács não se confunde com um estilo literário, uma escola ou uma tendência artística, mas se constitui em um método, em um caminho para se alcançar um quadro fiel da realidade. O modelo de realismo para Lukács eram as obras de Tolstói e Balzac (FREDERICO, 1997, p. 34). No “debate sobre o expressionismo” Luk|cs se posicionou contra esse movimento afirmando seu caráter abstrato e sua fuga da realidade. Assim como no romantismo, os artistas expressionistas, afirma Lukács, respondiam à miséria do mundo com uma revolta espiritual referenciada em um homem abstrato, portanto, transcendente. Lukács, como destacado, concebia a arte como uma objetivação humana por excelência e, portanto, imanente, condenando com isso à tendência expressionista a transcendência típica da religião. Além disso, essa revolta espiritual era concebida pelos artistas expressionistas, segundo Lukács, como um niilismo. Esse, por sua vez, se constituía em uma marca da filosofia decadente, base do irracionalismo que Lukács identificava como a base ideológica do Fascismo. O expressionismo era associado por Lukács ao irracionalismo pequeno burguês horizonte teórico do Fascismo. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 168 Luta de Classes e Contemporaneidade Duas críticas podem ser feitas a perspectiva Lukacsiana de arte no “debate sobre o Expressionismo”: uma primeira, { sua idéia de decadência artística e cultural aplicada ao expressionismo; uma segunda, a sua identificação virtual entre arte e realismo. No primeiro caso, é preciso atentar para possíveis simplificações na formulação lukacsiana que passa de um plano para outro (do social ao artístico ou do político ao artístico) sem levar em conta mediações importantes entre as esferas ideológicas e suas determinações particulares. Afinal, decadência social é sinônimo de decadência artística? Em muitos casos, uma sociedade decadente pode inspirar criações artísticas. Conforme atenta Sanchez Vásquez, Lukács corre o risco em uma associação como essa em cair no erro sociologista por ele combatido (VÀSQUEZ, 2011, p. 28). No segundo caso, acredito que o que está por trás da posição lukacsiana é uma perspectiva da arte como forma de conhecimento (função cognoscitiva). A identificação entre arte e realismo levou Lukács a descartar os elementos inovadores e progressistas inclusive do ponto de vista formal, presentes na arte expressionista. Além disso, fechou a estética marxista em si mesma tornando-se normativa. Referências FREDERICO, Celso. Lukács, um clássico do século XX. SP: Moderna, 1997. HAUSER, Arnold. A era do filme. In.: VELHO, Gilberto (Org). Sociologia da arte. RJ: Zahar Editores, 1971. LUKÀCS, George. Trata-se do realismo! In.: MACHADO, Carlos J. Um capítulo da história da modernidade estética: debate sobre o expressionismo. SP: Editora Unesp, 1998. MACHADO, Carlos J. Um capítulo da história da modernidade estética: debate sobre o expressionismo. SP: Editora Unesp, 1998. DE MICHELI, Mario. As vanguardas artísticas. São Paulo: Martins Fontes, 1991 VÁZQUEZ, Adolfo Sanchéz. As ideias estéticas de Marx. SP: Editora Expressão Popular, 2011. 169 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Cinema e Lutas Culturais: As críticas sociais nas mensagens fílmicas do documentário contemporâneo Da servidão moderna Jean Isidio dos Santos [email protected] Resumo: É fato que os meios de comunicação são utilizados a serviço do capitalismo, servindo como instrumentos de auxílio e difusão de valores de mundo (ideologias) por parte daqueles que produzem os bens culturais, mas não podemos deixar de enfatizar que no capitalismo existem lacunas, brechas, fissuras, pois, o capitalismo não é capaz de controlar ou censurar toda a produção cultural. Nosso objetivo é entender os meios de comunicação como veículos persuasivos, que procuram interferir na vida social, no intuito de criar representações sociais ligadas a contextos históricos específicos em que à obra de arte é produzida, além disso, procuraremos analisar o cinema enquanto meio de comunicação que contribui para as lutas culturais. Nosso foco é procurar entender os processos produtivos e as mensagens fílmicas críticas contidas no documentário contemporâneo Da Servidão Moderna. A análise das mensagens é de extrema importância na análise fílmica, visto que elas representam a visão de mundo por parte dos produtores que conceberam a obra. O documentário contemporâneo Da Servidão Moderna ressalta diversos aspectos do nosso cotidiano, dentre eles, a alienação da religião na vida social, os aspectos da economia, do consumo, dos jogos, da depressão, da exploração no mundo do trabalho, dentre outros temas de extrema relevância para a reflexão da sociedade capitalista. Sendo assim, a análise da produção fílmica e das mensagens vinculadas nesta película é vital para uma melhor compreensão dos processos sociais e das lutas culturais que perpassam a vida moderna. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 170 Luta de Classes e Contemporaneidade Rádio e Cultura Edmilson Marques [email protected] Resumo: O surgimento do rádio na história da humanidade significou uma profunda alteração no modo de comunicação humana. As interações interpessoais sofreram ampla interferência deste meio de comunicação, que, ao mesmo tempo que ampliava a comunicação, estabelecia uma comunicação unilateral, submetendo a comunicação aos interesses daqueles que criavam e dirigiam emissoras de rádio. Essa foi uma das invenções que foi apropriada pelo capitalismo e convertida num meio de ampliação e reprodução de seus interesses, o que pode ser notado pela dominação do capital comunicacional na comunicação radiofônica. Essa dominação do capital comunicação é o que vai determinar as produções culturais divulgadas pelo rádio e vai perpassar da sua origem à atualidade em todos os cantos do globo terrestre. A comunicação realizada através de emissoras radiofônicas em Goiás, não será diferente. A origem do rádio em Goiás é demarcada pelo domínio do capital comunicacional, contudo, é algo que não está claro na história deste meio de comunicação neste estado. É no sentido de contribuir com a compreensão das expressões culturais divulgadas pelo rádio goiano, que propomos esta comunicação. 171 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Utopia, imanência e teleologia no pensamento marxista. Álvaro Ribeiro Regiani1 Resumo: A contingência histórica, era enfaticamente negada por Karl Marx, havia em seu pensamento apenas uma trama teleológica, definido de forma a priori, em uma unidade do tempo regida por uma continuidade meta-histórica, que desenvolve através de um “movimento” e de um “repouso”. Marx refletia essa sistematizaç~o através de uma dialética classista, em um processo absoluto que rege a continuidade das estruturas sociais. Assim, de forma crítica e imbuído pela perspectiva teórica de Hannah Arendt, pretende-se situar as ideias de Marx em um momento intelectual de conexão do pensamento clássico ao mundo do aço industrial para assim vislumbrar a “imanência política” e a “imprevisibilidade da aç~o” como categorias que rejeitam alguns pilares socialistas como a teleologia e o absoluto na história, evocando neste sentido a pluralidade e o consenso como emergência de outras visões para a política e a utopia. A contingência histórica, era enfaticamente negada por Karl Marx, havia em seu pensamento apenas uma trama teleológica, definido de forma a priori, em uma unidade do tempo regida por uma continuidade meta-histórica, que se desenvolve através de um “movimento” (revoluç~o) e de um “repouso” (sociedade sem classes). Marx refletia essa permanência do movimento através de uma dialética classista, como um saber absoluto que rege a sequência das estruturas sociais e temporais. O tempo era compreendido com um desdobrar de uma “lei histórica”, um caminhar movido pelo télos, que governava a razão e a aç~o humana, uma vez que, “a história de toda sociedade até nossos dias é a história da luta de classes” (Marx & Engels, 2001, p. 23). O fatalismo, ou a contingência, eram negados, pois partiam do princípio da ação indeterminada, contrariando assim um vislumbre de conceber o mundo como um todo orgânico. Marx pressupunha uma condição determinada para a ação social, Ao passo que o homem produz universalmente; produz apenas sob o domínio da necessidade física imediata, ao passo que o homem produz mesmo livre da necessidade física imediata e só produz verdadeiramente sendo livre da mesma; só produz a si mesmo, ao passo que o homem reproduz a natureza inteira; o seu produto pertence imediatamente ao seu corpo físico, ao passo que o homem se defronta livre com o seu produto. (Marx, 1983, pp. 156-157) Especialista em filosofia e mestrando em filosofia política pela Universidade de Brasília (UnB) e professor titular da Universidade Estadual de Goiás (UEG). 1 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 172 Luta de Classes e Contemporaneidade Assim, a essência humana estava inserida em um holismo, que conectava o trabalho humano (ação) como condição de emancipação às leis históricas (télos). Ao condicionar a ação humana ao movimento dialético, Marx, pressupõe a existência de uma consciência que produz os modos de vida e estes condicionados a materialidade que os circunda. E de uma forma determinada pelos meios e pelos modos os homens por sua consciência “coincide[m], portanto com a sua produção, tanto com o que produzem quanto também com o como produzem. Portanto, o que os indivíduos são depende das condições materiais da sua produç~o.” (Marx, 1983, p. 187) Assim, os homens ao produzirem os meios, também produzem as relações de produção, a sua essência e a produção de sua história. Nessa construção holística, no qual o homo economicus, participa como agente e produtor de um universo material é que se desdobra a possibilidade para a utopia no pensamento marxista, a superação da contradição inerente ao modo de produção capitalista, no qual, pela técnica geradora de uma produtividade autossuficiente extinguirá o trabalho e consequentemente propiciar| uma “comunidade socializada” que reproduz a natureza do “trabalho” (ou de sua ausência), emancipa as capacidades, físicas e mentais do ser humano para uma igualdade socialista. Mesmo que Marx, não contemplasse a utopia como construto do seu ideário, este previa uma comunidade como um único meio para obtenção da emancipação: O desenvolvimento de toda a capacidade dos indivíduos enquanto tais, porque somente em comunidade com os demais cada indivíduo consegue os meios para cultivar seus próprios dons em todas as direções; só em comunidade, portanto é possível a liberdade pessoal (Berman, 1986, p. 96). Marx rejeita o devir utópico, preferia conceber a atualização dialética condicionando a uma materialidade teleológica através do conceito de revolução. Neste âmbito, o conceito de revolução seria um curso externo e evidente através dos modos de produção, obrigando os sujeitos envolvidos a partilhar de um movimento inexorável da História. Uma etapa necessária para o progresso foi compreendido como uma realidade ao passo que a utopia era meramente uma ilusão. O do conceito de revolução de Marx observado pela filosofa Hannah Arendt, se insere em uma teleologia transcendental: Se o novo conteúdo metafórico da palavra “revoluç~o” proveio diretamente das experiências daqueles que primeiro fizeram e depois decretaram a Revolução em França, é óbvio que isso teve ainda maior verossimilhança para aqueles que 173 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário observaram o seu rumo, como espetáculo, do exterior. O que parecia mais evidente neste espetáculo era o fato de que nenhum dos seus atores podia dominar o curso dos acontecimentos, de que este curso tomara uma direção que pouco ou nada tinha que ver com as intenções e objetivos voluntários dos homens que, pelo contrário, se viam obrigados a submeter a sua vontade e objetivos à força anônima da revolução, se é que queriam realmente sobreviver. (Arendt, 2001, p. 42) Hannah Arendt explora uma evidente corroboração da fusão da política às categorias meta-históricas, diminuindo a importância desta em prol da emancipação humana, tornando a perspectiva de Marx como oposta a utopia, bem como queria o filosofo dos oitocentos. Segundo Arendt, as ideias de Marx criavam uma ponte entre a tradição política grega e a antecipação teleológica dos modernos: [Marx] inverteu a tradicional hierarquia entre pensamento e ação, contemplação e trabalho, e Filosofia e Política, o início feito por Platão e Aristóteles demonstra sua vitalidade, ao conduzir Marx a firmações flagrantemente contraditórias, principalmente na parte de seus ensinamentos usualmente chamada utópica. As mais importantes s~o suas predições de que, sob as condições de uma “humanidade socializada”, o “Estado desaparecer|”, e de que a produtividade do trabalho tornar-seá tão grande que o trabalho, de alguma forma, abolirá a si mesmo, garantindo assim uma quantidade quase ilimitada de tempo e lazer a cada membro da sociedade. Essas afirmações, além de serem predições, evidentemente contêm o ideal de Marx da melhor forma da sociedade. Como tal, não são utópicas, reproduzindo antes as condições políticas e sociais da mesma cidade-estado ateniense que foi o modelo da experiência para Platão e Aristóteles e, portanto, o fundamento sobre o qual se alicerça nossa tradição.(Arendt, 2005, p. 45) Para Hannah Arendt situar posições de K. Marx como um encontro entre a tradição e a modernidade permite conceber o projeto de revolução marxista como sinônimo de uma ideia progressista de história. O futuro seria uma resignificação da liberdade encontrada na polis ateniense, contudo, sistematicamente provida pela inexorável dialética classista retomaria as condições de contemplação dos antigos. Esta perspectiva possibilita um leque de interpretações sobre as obras do intelectual comunista, e a induz como sendo apolítica. O ideal utópico de uma sociedade sem classes, sem Estado e sem trabalho nasceu da reunião de dois elementos inteiramente não-utópicos: a percepção de certas tendências no presente que não mais podiam ser compreendidas dentro do quadro de referência da tradição, e os conceitos e ideais tradicionais através dos quais o próprio Marx as compreendeu e integrou. (Arendt, 2005, p. 47) Seguindo essa lógica discursiva, Marx, compreende a modernidade a partir de duas condições, que a era industrial não pode ser mais concebida segundo a tradição política e de que seu projeto libertário é um retorno a comunidade clássica. O choque entre o antigo e o novo, mesclados em duas noções temporais, a da revolução (movimento moderno) e do comunismo (retorno ao clássico), remete ao determinismo da predição. O tempo em Marx é a De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 174 Luta de Classes e Contemporaneidade unç~o da “realidade” ao “devir”, em uma relaç~o de ser e de possibilidade em um logos revolucionário, assim a contingência, não se configura como categoria inesperada, mas a um propósito engajado em um sentido de realização, uma vez que a revolução é condicionada pelos modos e não pelas ações. A emergência de uma filosofia do progresso condicionou, epistemologicamente, a definição do homem, principalmente, por suas condições históricas. Contudo pensar a história como um movimento sistemático, definidas por um télos dialético, sucinta várias questões, e este é um ponto importante para a filosofia de Hannah Arendt, encontrar um caminho inverso à teleologia-histórica, por isso o entendimento sobre o desdobrar histórico e suas predições adquirem outros significados. Eventos, por definição, são ocorrências que interrompem processos e procedimentos de rotina; apenas em um mundo em que nada de importante acontece poderia tornarse real o sonho dos futurologistas. Previsões do futuro nunca são mais do que projeções de processos e procedimentos automáticos do presente, isto é, de ocorrências que possivelmente advirão se os homens não agirem e se nada de inesperado acontecer; toda ação, para melhor e para pior, e todo acidente destroem, necessariamente, todo o modelo em cuja estrutura move-se a previsão e no qual ela encontra sua evidência. (Arendt, 2010, p. 45) Nos eventos delimitados pelas estruturas teleológicas as cronologias estabelecem condições e limites para as ações futuras. É neste ponto que reside à contradição, entre a afirmação de um modelo e a contingência do fenômeno de possibilidade geracional do novo. Por isso as “escatologias modernas”, que alimentaram as ideias marxistas, projetaram uma condição temporal reificada, diminuindo a importância da imprevisibilidade e da política, como observa Hannah Arendt. Certamente, a garantia de que no fim a análise apóia-se em pouco mais que uma metáfora não é a base mais sólida onde erigir uma doutrina, mas isso, infelizmente, o marxismo compartilha com muitas outras doutrinas filosóficas. A sua grande vantagem torna-se clara tão logo seja comparada a outros conceitos da História tais como “eternas repetições de acontecimentos”, o crescimento e a queda dos impérios, a sequência casual de acontecimentos essencialmente desconexos – todos eles podendo ser igualmente documentados e justificados, porém nenhum é capaz de garantir uma continuidade de tempo linear e progresso contínuo na História. E o único conceito alternativo nesse campo, a antiga noção de uma Era de Ouro no princípio, da qual tudo se teria originado, implica na desagradável certeza de um contínuo declínio. Certamente, há alguns efeitos melancólicos na reconfortante ideia de que precisamos apenas de caminhar em direção ao futuro, o que não nos é dado evitar, de todo modo, para que encontremos um mundo melhor. Há em primeiro lugar o simples fato de que o futuro da humanidade em geral nada tem a oferecer à vida individual cuja única certeza é a morte. E se não se levar isso em conta, se só se pensar em generalidades, há o argumento óbvio contra o progresso que, de acordo com as palavras de Herzen: “O desenvolvimento humano é uma forma de injustiça cronológica, uma vez que aos retardatários é dado tirar proveito do trabalho de seus predecessores sem pagar o 175 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário mesmo preço”. Ou nas palavras de Kant: “Ser| sempre intrigante (...) que as gerações anteriores pareçam levar adiante a sua tarefa somente em benefício do próximo (...) e que somente a última tenha a boa sorte de habitar a obra j| terminada”. (Arendt, 2005, pp. 43-45) Ao se abandonar a sistematização holística da história com a inferência que toda predição é posta à prova pela contingência, à estruturação marxista desaba como castelos de areia. Mas ao se abandonar tais teses e compreender a utopia inserida em um campo de experiência estritamente político e condicionando a noção a um elemento, cuja, predição é posta como um planejamento reflexivo, que se modifica ao longo do próprio planejar, dada a imprevisibilidade das ações humanas, a utopia adquire uma nova semântica, a de um horizonte de possibilidades, projetados por um espaço de experiências contido na percepção do presente em direç~o ao futuro, pois, “o objetivo n~o est| contido na própria aç~o, mas, ao contrário dos fins, também não se situa no futuro. Para ser realizável, ele deve estar sempre no presente, precisamente durante todo o tempo em que ainda n~o foi realizado” (Arendt, 2008, p. 263). De certa forma o prognóstico utópico encontra seu apoio em estruturas humanas, como a própria condição do espaço político, de modo a projetar respostas a questões futuras, a partir da premissa que a ação política é capaz de produção de novas experiências. A utopiapolítica pode auxiliar as predições de eventos concretos e singulares, como questões práticas e éticas para o atual modelo de gestão e não apenas pensar nas condições de um determinado futuro possível. Pois ao se pensar a heterogeneidade dos fins da ação, em oposição ao telos estrutural, se introduz um fator de constante incerteza conservando a potência dos prognósticos utópicos, como objetivos a serem realizados na arena política. Ao concordar com esta tese, a utopia seria um objetivo, tal qual se esperava da ação política, em sintonia com a perspectiva de Hannah Arendt: Em caso de revolução, o fim pode ser a destruição, ou mesmo a restauração, da velha ordem política ou a construção de uma nova. Esses fins não são o mesmo que objetivos, que é o que a ação política sempre busca; os objetivos da política nunca são mais do que diretrizes e diretivas pelas quais nos orientamos e que, como tais, não são inflexíveis, dado que as condições de sua concretização mudam constantemente por lidarmos com outros indivíduos que tem seus próprios objetivos. (Arendt, 2008, p. 257) Em encontro a essa expectativa política o devir utópico condiciona a “aç~o” a capacidade de planejar, sempre mediante referências, tipologias e figurações, transformandoa (ou substituindo-a) como normas constitutivas de uma ética a realizar-se. Assim, a utopia De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 176 Luta de Classes e Contemporaneidade poderia ser concebida aos moldes de uma “consciência antecipadora” para a liberdade como objetou Ernest Bloch: A utopia (...) dever ser igualmente rigorosa contra si mesma, desenvolvendo uma consciência de suas próprias fronteiras (...) Uma utopia que vai se dissolvendo à medida que se realiza, poderia fazer surgir uma situação que escape, por princípio, à previsão utópica: novos obstáculos, novas dificuldades, novos ônus poderiam apresentar-se, que difiriam completamente de tudo quando conhecemos (...) A utopia realizada seria ‘outra’.(Habermas, 1993, p. 53) Pensar a utopia na semelhança aos objetivos políticos reintroduz o significado das reconstruções na esfera pública no campo da imanência das ações e possibilita posicionar o horizonte da reflexão utópico no tempo presente dessas discussões, porém se mantendo a distância das considerações reguladoras do messianismo da técnica (proposto por Marx). Assim o fim inevitável da política, com a ausência da luta de classes, é uma mera aporia, pois o fim da política é a própria política. A utopia poderia ser restituída como uma antecipação necessária às condições atuais em que se encontra a esfera política. Em lugar de defender enfaticamente a utopia como um messias, procura-se reduzir a obediência ao espírito da razão e procurar no momento presente à antecipação utópica na construção de uma moradia, próximo ao conceito de promessa na política proposto por H. Arendt. Promessa é o modo exclusivamente humano de ordenar o futuro, tornando-o previsível e seguro até onde seja humanamente possível. E uma vez que a previsibilidade do futuro nunca é absoluta, as promessas são restringidas por duas limitações essenciais. Estamos obrigados a cumprir nossas promessas enquanto não surgir alguma circunstância inesperada, e enquanto a reciprocidade inerente a toda a promessa não for rompida. Existem inúmeras circunstâncias que podem levar ao rompimento da promessa, sendo a mais importante delas, no nosso contexto, a circunstância geral da mudança. (Arendt, 2004, pp. 82-83) O homem enquanto animal político (zôon politikon) e não enquanto homo economicus encontra no espaço social, o outro limite a sua existência, porém essa extra-vida na era do consumo massivo não encontra configurações políticas e culturais que possibilitem a segurança, o ar e o alimento, o estranho distanciar dos consumidores da política aparentemente condicionam uma ruptura impossível, pois irromper com esse mundo é alienar-se, ou seja, não são apenas as relações econômicas que produzem o distanciamento do ser à produção, mas também o impedimento da participação nas arenas públicas. Com o alheamento da política como potência necessária para concretização das mudanças, os homens se tornam intimistas, procurando no conforto do lar e nas eleições democráticas as motivações para continuar a viver, por isso a afirmação do espaço público como ferramenta 177 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário necessária a compreensão de nós mesmos no mundo inverte o jogo das sociedades massivas e do preconceito político, bem como instiga o olhar utópico ao campo da imanência: O que torna o homem um ser político é sua faculdade de agir; esta lhe possibilita reunir-se aos seus pares, agir de comum acordo e buscar objetivos e empresas que jamais teria em mente; e que muito menos desejaria, se não lhe houvesse sido outorgada essa faculdade: a de dedicar-se a alguma coisa nova. Falando do ponto de vista filosófico, agir é a resposta humana à condição de natalidade. Já que todos nós viemos ao mundo em virtude do nascimento, como recém-chegados e iniciantes, somos capazes de começar algo de novo; sem o fato do nascimento não saberíamos nem mesmo o que é a novidade, toda ação seria ou pura forma de comportamento ou de preservação. Nenhuma outra faculdade exceto a linguagem, nem a razão e nem a consciência, nos distingue de forma tão radical de todas as espécies animais. Agir e começar não se tratam da mesma coisa, mas são atividades estreitamente relacionadas. (Arendt, 2010, p. 102) Na antiga definição aristotélica sobre as esferas da política, como condição humana para a gestão e organização do bem comum a vida doméstica tinha tanta importância quanto à ação publica. Na antiguidade o espaço privado e público não haviam se fundido por completo, sobrava alguns resquícios que a política ainda era considerada uma instância elevada. Ao longo da modernidade essas esferas se confundiram, ao tentar separá-los, Hannah Arendt propõe uma compreensão da política como emanações éticas próprias dos indivíduos e inseridas na circularidade do domínio público. Consequentemente, “é muito melhor estar em desacordo com o mundo inteiro do que, sendo um, estar em desacordo comigo mesmo”. A ética, n~o menos do que a lógica, tem sua origem nessa afirmação, pois a consciência em seu sentido mais geral também se baseia no fato de que eu posso estar de acordo ou em desacordo comigo mesmo, e isso significa que não apenas apareço aos outros, mas que apareço também para mim mesmo. Essa possibilidade é da maior relevância para a política compreendermos (como os gregos compreendiam) a polis como a esfera público-política na qual os homens realizam a sua plena humanidade, a sua plena realidade como homens, não apenas porque são (como na privacidade da vida familiar), mas também porque aparecem (Arendt, 2008, p. 64) O domínio público deveria confrontar o privado, priorizando apenas a defesa ao direito do indivíduo, na construção de uma deliberação política mediadas por convenções com força a anular sanções por estes definidos, por isso o caminho da antecipação se insere como molde para esses espaços. O aristotelismo, como articulado por Hannah Arendt, serve como balança para confrontar, pela tradição, esse esvaziamento da estima política, porém no momento originário da definição do zôon politikon na polis, esta já estava em declínio. A inserção do homem político como projeto consolida-se como um devir aproximando as expectativas utópicas com o pensamento arendtiano. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 178 Luta de Classes e Contemporaneidade Assim a arena pública ganha contornos dinâmicos alimentados pela própria experiência política no tempo presente, por isso o “cuidado” com as questões da “consciência” e do “mundo”, que fazem presentes tanto no pensamento de Arendt quanto como categorias da utopia, uma vez que: “em isolamento, indivíduo algum jamais é livre; ele só pode se tornar livre quando adentrar a polis e l| entra em aç~o” (Arendt, 2008, p. 231). De acordo com Habermas, Hannah Arendt “retrocede (...) até a tradiç~o do direito natural” (Habermas, 1993, p. 118), por estar “vinculada { constelaç~o histórica e conceitual do pensamento aristotélico” (Habermas, 1993, p. 104). Segundo André Duarte, o retorno à tradição política é a possibilidade de confrontação entre o passado e o presente para assim resignificar a construção de uma vitaliciedade política: Retornar a esse núcleo originário da experiência política ocidental não significa pretender repetir no presente um conjunto de acontecimentos pretéritos, mas visar no passado àquilo que nele é ainda novo para o presente, verdadeiro manancial de possibilidades políticas encobertas e não transmitidas pela filosofia política. (Arendt, 2010, p. 140) Posto neste âmbito a procura de uma orientação em uma filosofia política não tão distanciada de questões práticas, remete a uma antecipação própria das categorias utópicas. A utopia que esta no horizonte assemelha-se a promessa que pertence ao campo da política, ao aproximar o pensamento de Arendt à noção utópica, procura-se encontrar no consenso entre os homens a própria esfera do poder em sua relação com o mundo por estes habitados. O sentido é que a procura de outras formas políticas ainda estão em consonância com as expectativas de mudança e como consequência rompe com a nostalgia e a decepção das antigas profecias marxistas pela necessidade de um substituto, bem como o norte do pensamento político de Hannah Arendt, alterar as formas de governo pelo presente: No centro da política jaz a preocupação com o mundo, não com o homem – com um mundo, na verdade, constituído dessa ou daquela maneira, sem o qual aqueles que são ao mesmo tempo preocupados e políticos não achariam que a vida é digna de ser vivida. E não podemos mudar o mundo mudando as pessoas que vivem nele – à parte a total impossibilidade prática de tal empresa – tanto quanto não podemos mudar uma organização ou um clube tentando, de alguma forma, influenciar seus membros. Se queremos mudar uma instituição, uma organização, uma entidade pública qualquer existente no mundo, tudo que podemos fazer é rever sua constituição, suas leis, seus estatutos e esperar que o resto cuide de si mesmo. (Arendt, 2008, p. 159) Se as utopias podem ser concebidas como uma hierarquização de valores que condicionam os horizontes humanos a uma variedade de novos valores, esses podem ser articulados na construção de um caminhar do presente para o futuro, revisitando as 179 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário constituições das instituições e dos Estados para assim esperar a mudança. Compreender a utopia como um “horizonte reflexivo”, um desenho arquitetônico para possibilitar uma antecipação à compreensão da ética no campo político, passa necessariamente, pela crítica as atuais instituições públicas, suas legislações, bem como projetar uma nova esfera para a construção do espaço público. Por isso, vislumbrar a imanência política e como rejeição de alguns pilares da teleologia comunista permite a inserção de uma discussão que rejeita a sistematização do absoluto na história evocando neste sentido a pluralidade e o consenso como emergência de outras perspectivas políticas e utópicas, a saber, a consciência e o pensar político ao invés de uma necessidade totalizante que se desdobra no tempo. Referências: ARENDT, Hannah. A promessa da política. Organização e introdução de Jerome Kohn; Tradução Pedro Jorgensen Jr. Rio de Janeiro: DIFEL, 2008. _______________. Entre o passado e o futuro. Tradução Mauro W. Barbosa. São Paulo: Perspectiva, 2005. _______________. Crises da República. São Paulo: Perspectiva, 2004 (Debates; 85/ Dirigida por J. Guinsburg) _______________. Sobre a Revolução. Tradução de I. Morais. Lisboa: Antropos, 2001. _______________. Sobre a violência. Tradução de André Duarte. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: A aventura da modernidade. Tradução Carlos Felipe Moisés, Ana Maria Louraitti. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. HABERMAS, Jurgen. Coleção Grandes Cientistas Sociais, nº 15. São Paulo: Ática, 1980. MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. Manifesto do partido comunista. Porto Alegre: L&PM, 2001. _____________________________. História, Coleção Grandes Cientistas Sociais, vol. 36 (Florestan Fernandes, org.), São Paulo, Ática, 1983. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 180 Luta de Classes e Contemporaneidade Revitalização autônoma? O significado da arte em grafite nas paisagens do bairro do Recife em Recife – PE Thiago Santa Rosa de Moura1 Resumo: O bairro do Recife teve sua formação ligada aos negócios açucareiros e ao Porto do Recife. Sofreu reformas que estruturavam, nos objetos, as ações econômicas das elites locais. Dinâmicas sociais não hegemônicas contribuíram para períodos de decadência entre as décadas de 1940 e 1970. Recentes revitalizações que inserem o bairro e seu entorno na perspectiva de uma nova modernidade a partir da implementação na área de investimentos para a produção de tecnologia e reprodução do consumo: construção shoppings, torres residenciais de alto luxo. No âmbito das ações não hegemônicas, atualmente observa-se, também, a apropriação espacial dos antigos edifícios por artistas do grafite, produzindo paisagens que reinvidicam identidades e revitalizações autônomas nas formas impostas pelas ações historicamente predominantes. Palavras Chave: bairro do Recife; grafite; hegemônicas; revitalizações autônomas. Introdução O estudo resulta de um esforço de reflexão sobre as inovações e permanências nas dinâmicas sócio-espaciais do bairro do Recife em Recife – PE. Por isso, são retomadas as discussões realizadas por trabalhos de autores que se debruçaram sobre a história do bairro de modo a buscar uma plena compreensão da formação do recorte espacial estudado através das reformas e processos de revitalização sofridos pelo bairro. Também é levada em conta a importância das elites locais no processo de produção espacial, assim como a negligência das mesmas às relações não hegemônicas pela população local. Essas foram responsáveis, no cotidiano do bairro, por imprimir significados que contribuíram fortemente na transgressão do status previamente atribuído a área e que deveria servir de ferramenta ao controle das relações sociais no local. Nos dias atuais, dentre as diversas atividades realizadas, considera-se a arte em grafite como um importante fator de transformação das paisagens da área e através disso, de Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Geografia – Universidade Federal de Pernambuco Bolsista – PPGEO/CNPq 1 181 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário redefinição dos significados atribuídos ao espaço. É objetivo deste trabalho a análise da produção arte em grafite como uma ação autônoma de revitalização do bairro do Recife, atribuindo ao mesmo identidades urbanas que fogem da lógica dominante da produção espacial imposta pelas elites que ali atuam. Trata-se de uma análise empírica da realidade, pautada em observações realizadas em visitas de campo na área estudada e revisão bibliográfica de textos que alimentam debates importantes a serem realizados sobre o bairro. É com base neles que se constrói a argumentação e análise dos grafites como realidade espacial da área portuária do Recife, compreendendo a importância de dar visibilidade científica à dinâmicas não hegemônicas que, de modo criativo e autônomo, produzem, em suas significações nas paisagens, o espaço geográfico. Resultados e conclusões: Bairro do Recife: produção e contradições socio-espaciais O bairro do Recife mantém, em grande parte, nas suas formas espaciais, as marcas de um desenvolvimento histórico próspero à burguesia comercial, aos negócios açucareiros e as importantes atividades do Porto do Recife. Cara à estrutura econômica pautada nas relações comerciais entre a colônia e às metrópoles portuguesa e holandesa, desde o século XVI esta área possui função fundamental à vida econômica e social da capital pernambucana. A origem mesmo da cidade, hoje capital do estado de Pernambuco, está diretamente ligada às atividades do porto. Lubambo chama a atenção para o início da formação do Recife: Desde que se iniciou a colonização da Capitania de Pernambuco, em meados do século XVI, o Recife surgiu como um porto de exportação do açúcar, transformou-se, rapidamente, em um dos principais núcleos portuários do país. O centro urbano da capitania era Olinda, [...]. A Saída para o mar ficava mais ao sul, um “ancoradouro natural”: o porto do Recife. Ali constituiu-se um povoado, em função das atividades de exportação; este fator, vital na formação da cidade, perdurou por grande parte da sua história. Foi, então, sob a égide do comércio marítimo, que surgiu o bairro do porto, na atual ilha do Recife. (LUBAMBO, 1988, p.26) O Recife e seu bairro portuário surgem, assim, como ferramentas, objetos de reprodução das ações necessárias à manutenção do comercio entre Pernambuco e demais De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 182 Luta de Classes e Contemporaneidade espaços do mundo através do açúcar. Segundo Lubambo (1988, p.26-30) o Recife sofreu um tímido desenvolvimento urbano entre 1536 a 1630. No período holandês é realizada uma produção espacial oposta. É posto em prática um plano urbanístico para a cidade, aterros aos manguezais e construção de pontes que davam suporte às estruturas do mercado exportador. A partir do século XIX, as exigências impostas por uma estrutura econômica fundada no capital industrial internacional, as “transformações importantes em decorrência da substituiç~o dos antigos engenhos pela usina” (LEITE, 2006, p. 117) e o apogeu da cultura algodoeira no Nordeste, que transformou o porto num importante polo de exportação de algodão, trouxeram ao mesmo e ao bairro uma maior intensidade no processo de reprodução das funções econômicas e, consequentemente, a transformação das formas espaciais a fim de abrigar, de modo eficiente, as demandas que eram atribuídas ao bairro portuário. A chegada da família real ao Brasil e a abertura dos portos ao mercado externo trazem uma nova din}mica econômica ao Recife. Com a entrada do “capital brit}nico no comércio local [...] a questão da modernização e melhoramento das instalações do porto e dos equipamentos urbanos começou a tomar parte nos debates locais, de ent~o”. (LUBAMBO, 1988, p. 29) Também a necessidade de dar ares de modernidade ao Recife, partia da existência de uma competitividade interna entre as elites locais e as elites ascendentes, produtoras de café, do Sudeste do país. “A transformaç~o do antigo bairro em um centro moderno foi entendida, como um projeto de fortes grupos particulares locais, comerciais e financeiros, unidos a grupos estrangeiros [...] destinado a fortalecer-se frente às elites sociais que se consolidavam no poder da república. Era necessária, segundo a ótica das elites locais, uma nova imagem para a cidade” (LUBAMBO, 1988, p. 20). No âmbito da reforma urbana no Bairro do Recife, a hegemonia econômica europeia agiu em uníssono à hegemonia de valores culturais, partindo do pressuposto de que ambas s~o interdependentes. As transformações urbanas de “car|ter Haussmanniano” (BIONE, 1999, p. 36) no recorte estudado demonstraram a fácil assimilação das elites pernambucanas aos valores estrangeiros quanto ao planejamento urbano. Esta pode ser justificada, por uma coerência ideológica em relação à necessidade de crescimento econômico, competitividade interna, mas também pelo caráter simbólico representado por tais intervenções urbanas e paisagens por elas produzidas. O Bairro tem, nesse período, grande parte de seu patrimônio construído demolido, dando lugar a largas avenidas e novos prédios produzidos pela iniciativa privada. “Perde-se, 183 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário também, com a reforma a existência de um número elevado de atividades voltadas ao consumo imediato da população, especialmente as do comércio varejista, da pequena produç~o mercantil e dos serviços pessoais” (BIONE, 1999, p. 36) A preservação do patrimônio edificado do Bairro não foi considerada pelos empreendedores da ampliação do porto, resultando na transformação do tecido urbano. Naquele momento, acreditava-se que as ampliações do porto significavam atração de recursos que promovessem o desenvolvimento do porto e da cidade. (BIONE, 1999, p. 37) O conjunto das formas que a partir dessa fase passaram a compor as paisagens do Bairro do Recife, em grande parte inspiradas em modelos arquitetônicos europeus, abrigaram, de início, as atividades comerciais e moradores da elite econômica recifense. Entretanto as influências das atividades portuárias eram as principais responsáveis pela vida social do bairro que passou a ser territorializado por prostitutas e trabalhadores da estiva. Ao redor do porto instalava-se uma série de atividades de comércio e serviços destinados à satisfação dos seus empregados – estivadores, carregadores, etc. – e dos marinheiros vindos com os navios. Disso são exemplos os cabarés, a prostituição, certos serviços pessoais, alimentação barata, e outros. Assim, formou-se um conflito entre o “status” de bairro nobre, adquirido com a reforma, e a imagem de um bairro “marginal”, consequência do uso predominante no Bairro. (BIONE, 1999, p. 39- 40) É perceptível na retórica de Bione (1999, p. 39-40) a referência aos significados que toma o espaço do recorte estudado. Mesmo tendo sido atribuído, em seu planejamento, uma função ideológica de representação do poder hegemônico e da prosperidade econômica das elites pernambucanas, o bairro ganha valores diferentes dos esperados. Em seu cotidiano, mostram-se as necessidades, relações mínimas da população. Essas, apesar de ligadas às atividades do porto, contradizem as ações hegemônicas, visto que não se encontravam nos planos de valorização da área e contribuíram para o chamado processo de decadência do bairro. É assim que, mesmo com as fortes influências das atividades portuárias, entre as décadas de 1940 e 1970 o bairro portuário torna-se um reduto boêmio. Segundo Campos (1999, p. 131) e Lacerda (2007, p. 623) a partir da década de 1970, em função da transferência de atividades de comércio e serviços de áreas centrais para bairros tradicionais como Espinheiro, Graças, dentre outros, em função de um adensamento populacional seguido de investimentos do setor imobiliário e a consequente verticalização dessas áreas, o Bairro do Recife perde, de maneira considerável, sua importância na concentraç~o de atividades importantes { din}mica econômica da cidade. “Na verdade, a área De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 184 Luta de Classes e Contemporaneidade que conformava o centro histórico, particularmente o Bairro do Recife, entrou, na década de 1970, em um ritmo acelerado de degradação ambiental, passando a ser uma “periferia” da cidade.” (LACERDA, p. 624) No fim do ultimo século, o Bairro do Recife encontra-se ocioso. Suas formas já não atendem, neste período, “{s necessidades atuais da sociedade” (SANTOS, 2008, p. 104). O bairro, ent~o “caracterizado pela baixa rentabilidade, [...] desvalorizaç~o da riqueza construída, pública e privada” (LACERDA, p. 624), do ponto de vista da reproduç~o das atividades econômicas, passa a apresentar-se, em grande parte, mais como paisagem que como espaço. “A paisagem é o conjunto de formas que, num dado momento, exprimem as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre homem e natureza. O espaço s~o essas formas mais a vida que as anima.” (SANTOS, 2008, p. 103). Considera-se, neste período, o Bairro do Recife como uma |rea “degradada” (CAMPOS, 1999, p. 132). É a partir da década de 1980, que o poder público municipal passa a voltar suas atenções ao local. A década de 1990 vê serem materializadas as propostas de transformação do bairro inicialmente “em 1992 [...] o Plano de Revitalização do Bairro do Recife, uma das propostas para compor o Programa Integrado de Desenvolvimento do Turismo do Nordeste (Prodetur)” (LACERDA, 2007, p. 625). Esses projetos foram respons|veis, segundo a mesma autora, por investimentos em infraestrutura e recuperação de edifícios de importante valor histórico, a fim de encorajar a instalação de empreendimentos privados e tornar o bairro ativo economicamente. Tais investimentos contribuíram para uma “requalificaç~o” de algumas |reas do bairro como se observa no caso do chamado “Pólo Bom Jesus” (LACERDA, 2007, p. 629) onde a escurid~o e a prostituiç~o, aos poucos deram lugar { iluminaç~o de boa qualidade, {s “cores” (LACERDA, 2007, p. 628) e a uma vida boêmia de moral aparentemente mais coerente à das classes que passaram a circular pelo bairro. Já nos anos 2000, o bairro sofre e vem sofrendo transformações mais ousadas no que diz respeito às exigências do capital local e externo. Sob essa perspectiva foram implementados na área, segundo Lacerda (2007, p. 633-634) o Projeto Porto Digital Empreendimentos e Ambiente Tecnológico. Trata-se de um sistema local com foco no desenvolvimento de software. E o Shopping Paço Alfândega que tem como principal âncora a Livraria Cultura. 185 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Sobre tal modelo de revitalização, prossegue Lacerda: Recentemente (2005), a uns duzentos metros da ponte sul de entrada na ilha, foi aprovado, também após debates no âmbito do CDU, o projeto de duas torres com 39 pavimentos (ver Figura 5), destinados a servir de residência para a elite da elite local, projeto que agride enormemente os padrões urbanísticos de vizinhança, comprometendo de forma irreversível a paisagem do conjunto arquitetônico e histórico do bairro de São José e, também, do Bairro do Recife e de Santo Antônio (LACERDA, 2007, p. 639) As duas torres de luxo citadas por Lacerda (2007, p. 639) já se encontram construídas e habitadas. As mesmas foram apenas o início de mais um processo de valorização da área portuária através da especulação imobiliária e indústria da construção civil. Recentemente, mais uma grande área, o chamado Cais José Estelita, ocupado por estruturas ferroviárias e galpões que davam estrutura ao porto e que se encontram desativadas, foi leiloada a grandes construtoras locais que pretendem ali construir mais torres para moradias de alto luxo. Assim como nos outros processos de requalificação anteriores, nas atuais transformações espaciais nota-se uma primazia pela produção de objetos que reproduzam práticas que visam à maximização dos lucros dos atores que, com maior ênfase, modificam o espaço. Carecem de legitimidade posto que, tendo origem em concepções ideológicas e decisões de grupos minoritários em contingente, porém hegemônicos por imposições econômicas e apropriação do Estado, vem se tornado realidades materializadas sem a necessária discussão com as demais camadas da sociedade, não levando em conta os diversos interesses da mesma. “A ideologia é um nível da totalidade social e n~o apenas é objetiva, real, como cria o real. Sendo, na origem, um real abstrato, cada vez mais se manifesta como real concreto, na medida em que a vida social se complica” (SANTOS, 2008, p. 127). A ideologia, pautada na reprodução dos interesses dominantes e responsável pelas ações que deram forma ao bairro, produziram “símbolos, criados para fazer parte da vida real” (SANTOS, 2008, p. 126). Esses símbolos impostos às dinâmicas sociais da cidade, mais precisamente do bairro do Recife, são influentes e consumidos como um discurso de revitalização de uma área que em décadas anteriores apresentava-se economicamente ociosa. Entretanto, assim como em décadas anteriores, os diferentes usos e valores atribuídos ao espaço pelas praticas sociais do cotidiano impõem seus signos, exercem poder, dialogam com os objetos e com as ações territorializadas no recorte estudado. Para Ramos (1994, p. 31): De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 186 Luta de Classes e Contemporaneidade A cidade é, assim, um sistema semiótico de produção e consumo de códigos; emite e recebe mensagens. É o espaço da arquitetura que se constrói e se demole; do vestir que segue tendências locais, nacionais, internacionais; do andar ora apressado, ora despreocupado/insinuante/distraído; da linguística, da escrita citadina que emite e impõe ideologias religiosas, políticas, morais, e da fala do urbano; que é dito nas ruas, praças, esquinas, espaços públicos; o que se escreve em seus muros e cruzamentos, no tecido urbano. (RAMOS, 1994, p. 31) Dentre as diferentes práticas estabelecidas no bairro do Recife, a arte em grafite chama a atenção pela persistência com que marca as formas do bairro e impõe seus discursos. Temse aqui a consciência de que o grafite não se apresenta como algo homogêneo. Diferenciam-se tanto nas técnicas empregadas, mensagens que transmitem, quanto na subjetividade individual de cada artista que deixa sua marca nas formas da cidade. Entretanto, trataremos aqui tais marcas nas paisagens urbanas do bairro do Recife em conjunto, e como esse conjunto de imagens dinamizam as relações sócio-espaciais do bairro do Recife. A arte em grafite e suas marcas no bairro do recife Na história contemporânea a arte em grafite surge em diferentes espaços e a partir deles, pela influência cultural que exercem sobre o mundo, ganha repercussão em escala planetária. Ramos (1994, p. 13-14) cita tais manifestações primeiramente em París por ocasião das manifestações de Maio de 1968, nos metrôs e ruas de Nova York na década de 1970, no muro de Berlim na década de 1980 e em São Paulo a partir da década de 1970. Mesmo que, em alguns grafismos, segundo a autora, não haja a intenção de uma crítica às relações dominantes da sociedade, acredita-se aqui que o mero registro que desentoa as paisagens pragmáticas das cidades modernas mostra-se, como uma imposição a diálogos que emergem do dia-dia dos indivíduos em suas dinâmicas sócio-espaciais e que são recorrentemente ignorados. Questionam a lógica hegemônica de reprodução das relações sociais, convidam a questionamentos e formação de opiniões divergentes ou não ao ato. São, também, e por isso, um convite ao exercício da política. “O grafite é a expressão de uma nova estética e de uma nova subjetividade coletiva que se apropria do espaço da cidade, dando visibilidade para grupos sociais silenciados e marginalizados [...] A apropriação do espaço urbano se dá através de 187 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário desenhos, mensagens políticas, assinaturas com nomes e apelidos.” (RODRIGUES, 2004, p. 96) Recife hoje mostra, em vários pontos da cidade, paisagens resignificadas por artistas de rua que reinvidicam “identidades urbanas” (GOMES, 2008, p. 10) e significados autônomos nas formas impostas pelas ações predominantes. O bairro do Recife concentra com maior densidade uma grande quantidade de grafites. É perceptível que os mesmos não são considerados pelos planos de requalificação ou revitalização da área e que os próprios artistas não buscam incluir-se nos projetos formais de valorização da arte promovidas pelo estado e iniciativa privada na área estudada. O grafite, a pichação, são discursos da cidade em que a letra – a grafia – em sua materialidade é a ordem própria discursiva, que significa pelo (por ser) urbano. Por isso, essa escrita urbana tem sido, na dinâmica do tempo, alvo de discussões, devido ao seu suposto car|ter subversivo e contestador da ordem sociopolítica vigente.” (SILVA, IAPECHINO, GOMES, 2010, p. 01) Para Ramos: A intervenção pressupõe um ato consciente de alguém que atua sobre um determinado objeto ou espaço, conferindo-lhe um novo significado. Nas pichações e grafites, a intervenção se dá como ato de transgressão: são manifestações não autorizadas, que atuam, na maior parte das vezes, no espaço urbano. [...] o espaço visual da cidade se altera, ganha uma outra dimensão pela ação dos grupos ou indivíduos que por ali passam e imprimem sua marca. [...] Assim, as imagens tatuadas no corpo da cidade e consideradas, na maioria das vezes, como marginais à cultura, vão pouco a pouco nutrindo a cultura que as rejeita. (RAMOS, 1994, p. 42-45) Sendo assim, as paisagens do bairro do Recife, ainda que predominantemente transformadas pelas elites locais e externas de modo a reproduzir o pragmatismo de suas ações, ignorando a necessidade da participação da sociedade nas decisões que são tomadas e que intervém na vida pública de toda a cidade, como é o caso da execução dos projetos de revitalização da área estudada, são também produzidas, renovadas, por atores que exercem suas influências de modo autônomo às imposições dos poderes estatal e privado. Nesse sentido, ainda que o exercício da liberdade não seja conferido plenamente por consenso da sociedade como um todo, e esta se encontra ainda refém das estruturas legais e socioeconômicas criadas para o favorecimento dos grupos privilegiados economicamente, observa-se, nas ações dos artistas de rua do Recife, a tentativa do exercício de sua autonomia no sentido que aponta Castoriadis (1979, p. 21). “Autônomo significa {quele que se d| a lei a si mesmo. E falamos aqui das leis comuns, ‘formais’ e ‘informais’ – a saber, as instituições.” De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 188 Luta de Classes e Contemporaneidade “A liberdade, a autonomia, implica necessariamente a participaç~o ativa e igualit|ria em todo o poder social que decide sobre os problemas comuns”. (CASTORIADIS, 1979, p. 21) Ao longo de toda a história do bairro do Recife, como visto anteriormente, esta participação foi suprimida, ignorada. As ações dos artistas do grafite vão de encontro à essa lógica. Imprimem suas imagens, transformam as paisagens, constroem o lugar ao seu modo. Contradizem, friccionam as relações sócio-espaciais. Dialogam, discutem a necessidade da construção de padrões democráticos a serem considerados nos momentos de tomada de decisão da sociedade, sejam eles para revitalizar objetos no bairro do Recife ou requalificar ideias que venham a se materializar espacialmente no presente e no futuro. Referências BIONE, Marcelo Mara, “ALÉM DAS CORES” Um Comparativo Entre o Modelo de Interpretação Ambiental e os Planos de Valorização do Bairro do Recife nas Décadas de 1980 e 1990. Recife, Dissertação, Mestrado em Desenvolvimento Urbano, Departamento de Arquitetura e Urbanismo – UFPE, p. 36 – 40 1999 CASTORIADIS, Cornelius, Socialismo ou Barbárie O Conteúdo do Socialismo. São Paulo, Brasiliense, Ed. 01, p. 21. 1979. CAMPOS, Helena Avila, Permanências e Mudanças no Quadro de Requalificação SócioEspacial da Área Central do Recife (Pe): Estudo Sobre Territorialidades Urbanas em Dois Setores "Revitalizados". Programa de Pós-Graduação em Geografia Teses Defendidas Doutorado Anuário do Instituto de Geociências – UFRJ, Vol. 22, p. 131-132, 1999. GOMES, Paulo Casar da Costa, Cenários da Vida Urbana: imagens, espaços e representações in: CIDADES. Presidente Prudente, v. 5, n. 9, p. 10. 2008. LACERDA, Norma, Intervenções no Bairro do Recife e no seu Entorno: indagações sobre sua legitimidade in: Sociedade e Estado, Brasília, v. 22, n. 3, p. 623-639. set./dez. 2007. LUBAMBO, Catia Wanderley, O Bairro do Recife no Início do Século: uma experiência de modernização urbana. Recife, Dissertação, Mestrado em Desenvolvimento Urbano, Departamento de Arquitetura e Urbanismo – UFPE, p. 26-29.1988 RAMOS, Cecília Maria Antonacci, Grafite, Pichação e Cia. 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Rafael Saddi Teixeira Doutor em História e professor na UFG. 191 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário O Coletivismo na Primeira Associação Internacional dos Trabalhadores: Para Que Serve o Estado? Erisvaldo Souza1 Resumo: A primeira Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) foi uma das principais tentativas de organização da luta dos trabalhadores no século XIX, onde atuaram diversos grupos ou correntes de pensamento com perspectivas variadas, dentre elas, os mutualistas que foram seus fundadores, marxistas que contribuíram com a organização e a luta dos trabalhadores e por último os coletivistas que tinham por base fundamental as ideias do russo Bakunin. Por fim, a proposta deste trabalho é analisar os pressupostos teóricos e práticos da ação dos coletivistas inseridos neste movimento social, tendo por base a concepção de Mikhail Bakunin sobre o Estado e suas implicações, pois este enquanto instituição se organiza de forma contraditória em relação aos interesses dos trabalhadores. Palavras-Chave: Coletivismo, Estado, Trabalhadores, Movimento Social O século XIX produziu determinados tipos de pensamentos, sejam eles, críticos, conservadores e revolucionários, como é o caso da teoria e da prática do coletivismo de Mikhail Bakunin. São várias também as perspectivas que surgem ou estão sendo consolidadas neste contexto, como é o caso da ciência burguesa, principalmente aquelas vinculadas ao estudo da natureza e as até então recentes ciências humanas ou sociais que estavam em formação, buscando espaço científico, mas estas ciências têm suas limitações, pois buscam a partir de seus métodos de análise entender realidades cada vez mais fragmentadas, sendo este o objetivo de uma ciência particular. Neste mesmo contexto do século XIX, o movimento operário avança em termos de sua organização e luta, fazendo frente contestatória a burguesia e ao Estado capitalista, principal representante da burguesia, isto quer dizer que a luta de classes ganha força, principalmente porque o operariado europeu não só contestava a sociedade e o Estado, mas buscava a destruição completa desta instituição e das demais que o auxiliavam no sentido de produzir e reproduzir os valores classe dominante. As várias tendências teóricas e práticas do movimento operário estão em pleno desenvolvimento, dentre elas, podemos destacar: os mutualistas seguidores das ideias de Proudhon, os marxistas, que tinham uma visão a partir da perspectiva teórica e prática de Graduado em História, Especialista em Ciência Política Pela Universidade Estadual de Goiás (UEG) Anápolis e Mestrando em Sociologia Pela Universidade Federal de Goiás (UFG), Bolsista do Programa. 1 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 192 Luta de Classes e Contemporaneidade Marx, os coletivistas ou bakuninistas que tinham por base as ideias de Bakunin. Do outro lado, temos os defensores das práticas da sociedade e do Estado liberal, que são os defensores de uma Economia nacional e burguesa, que é utilizada na manutenção das relações sociais de dominação. É neste contexto de lutas sociais que irá ocorrer a ação dos coletivistas no que ficou conhecido historicamente como (AIT) Associação Internacional dos Trabalhadores, fundada em 1864 com o objetivo de defender os interesses coletivos dos trabalhadores, nesta associação dos trabalhadores, como ficou explicitado em outro momento, existiam outras tendências políticas atuando no interior desta associação, mas a nossa proposta é analisar a ação dos coletivistas, principalmente do anarquista russo Mikhail Bakunin e para além da sua compreensão do Estado burguês, ou seja, seu fim. Bakunin foi o grande representante do pensamento anarquista em todo o mundo, principalmente pelos seus escritos e ações revolucionárias atuando em diversos levantes dos trabalhadores contra a dominação burguesa em diversas regiões da Europa, como Marx, Bakunin foi estudioso da Filosofia de Hegel, mas logo percebe que esta não consegue dar conta da sua perspectiva revolucionária que tem por base a ação direta e não uma Filosofia do espírito e idealista, o que Marx já criticava em seus escritos, a proposta de Bakunin é romper com toda e qualquer Filosofia especulativa em detrimento de uma ação prática no sentido não só de compreender, mas de transformar a sociedade por completo, para tanto, alguns textos do autor são fundamentais para que possamos entender melhor suas ideias e ações, neste caso, torna-se importante, analisar a ação de Bakunin e dos coletivistas como ficaram conhecidos os anarquistas que tinham afinidade com a teoria e a prática coletivista no contexto da (AIT) de 1864, mas em um primeiro momento se recusam a entrar nesta organização, mas acabam aderindo por volta de 1868, posteriormente realizaremos uma análise sobre o Estado a partir da concepção de Bakunin. Estado que no século XIX já se encontrava organizado sistematicamente para a defesa de seus interesses e da conservação de uma ordem burguesa e liberal, que vai ser contestada pelos coletivistas, marxistas, mutualistas etc. O Estado que a partir dos seus ideólogos 2, estes irão produzir ideologias no sentido de conservar esta ordem social e política do Estado. Bakunin foi um crítico do Estado, Marx & Engels, em sua obra A Ideologia Alemã (2005), desenvolvem uma análise crítica sobre a ideologia e seus produtores, ou seja, os ideólogos que atuam no sentido de reproduzir a lógica do Estado capitalista contra os trabalhadores. 2 193 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário tanto é que este vai defender a sua abolição, obviamente que temos outras implicações, que ficarão mais claras quando analisarmos esta questão. Marx & Engels em a Ideologia Alemã (2005), tratam da questão da organização, tanto do Estado como das classes sociais, que buscam além de sua consolidação, sua universalização até mesmo de seus interesses. Os interesses dos trabalhadores devem ser universais, principalmente sua luta com objetivo de transformar a sociedade em sua totalidade. Marx & Engels, no Manifesto Comunista de 1848, já alertavam para uma organização da classe trabalhadora em termos universais no sentido de lutar contra a dominação burguesa em seus diversos aspectos, estes convocam os trabalhadores no final deste manifesto com o objetivo desta organização, esta frase fica bastante conhecida em todo o mundo, tanto por trabalhadores como pela sociedade em geral: “trabalhadores de todo o mundo, uni-vos”. Desta forma os trabalhadores deveriam buscar a partir da sua luta e organização transformar a sociedade, esta é uma necessidade do proletariado como classe social, as demais classes sociais como é o caso da burguesia, burocracia, sendo que esta última como classe auxiliar, só existem organizadas e em termos universais, o Estado burguês, também se organiza desta forma com o objetivo de produzir e reproduzir os interesses da burguesia e contra os trabalhadores. Bakunin contribui com esta questão ao analisar a organização das classes sociais: Compreendeste que, tendo em vista a coalizão formidável de todas as classes privilegiadas, de todos os proprietários, capitalistas, e de todos os estados no mundo, uma associação operária isolada, local ou nacional, mesmo que pertença a um dos maiores países da Europa, jamais poderá triunfar, e que, para fazer frente a essa coalizão e para obter esse triunfo, não é preciso nada menos que a união de todas as associações operárias locais e nacionais numa associação universal, faz-se necessária a grande associação internacional dos trabalhadores de todos os países? (Bakunin, s/d, p. 41). É deste questionamento que Bakunin demonstra o interesse da associação universal dos trabalhadores no sentido da própria classe se organizar, e ao mesmo tempo em que mostra essa necessidade coletiva, pois as outras classes sociais, principalmente a burguesia se organiza no sentido de dominar a classe trabalhadora, é por isso que os trabalhadores devem se unir com o objetivo de lutar não só contra a burguesia, mas também para a destruição desta classe social. Nas palavras de Bakunin, seria a luta do trabalho contra o capital, dos trabalhadores contra a burguesia, que para ele sempre defende interesses individuais, mas falsamente em nome de todos. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 194 Luta de Classes e Contemporaneidade A Associação Internacional dos Trabalhadores tinha como objetivo coletivizar a ação e a luta dos trabalhadores, e assim, Tiveram necessariamente de buscar uma base comum, uma série de simples princípios sobre os quais todos os operários, quaisquer que sejam, por sinal, suas aberrações políticas e religiosas, por pouco que sejam operários sérios, isto é, homens duramente explorados e sofredores, estão e devem está de acordo (Bakunin, s/d, p. 43). A (AIT), tinha um estatuto que não vamos reproduzir neste artigo, mas em alguns momentos quando for necessário iremos citar alguns pontos que são importantes. Na citação acima, vimos que esta buscava uma base comum, mesmo com as limitações por parte de alguns trabalhadores, estes devem reconhecer que são explorados e lutar em conjunto com os demais trabalhadores, mesmo com suas limitações políticas ou religiosas. Esta organização coletiva dos trabalhadores existia no sentido de fazer oposição a classe burguesa, pois Bakunin afirma que, toda política da burguesia, quaisquer que sejam sua cor e seu nome, só pode ter, no fundo, um único objetivo, que é a manutenção da dominação burguesa; e a dominação burguesa é a escravidão do proletariado. De fato toda organização e luta da internacional no início foi: Começar limpando o terreno, e como toda política, do ponto de vista da emancipação do trabalho, encontrava-se então maculada de elementos reacionários, ela teve inicialmente de expurgar de seu seio todos os sistemas políticos conhecidos, a fim de poder fundar sobre as ruínas do mundo burguês a verdadeira política dos trabalhadores, a política da Associação Internacional (Bakunin, 2008, p. 45). Sua ideia era possibilitar uma nova forma de organização em busca da emancipação humana em sua totalidade em favor de uma sociedade radicalmente diferente da sociedade burguesa, os burgueses utilizam diversas leis para dominar as demais classes sociais, produzem também falsas ideias com o objetivo de mostrar seu mundo como sendo universal e ideal, e mais ainda o melhor para todos. São essas fantasias que a classe trabalhadora deve negar, pois os burgueses têm como objetivo dominar os trabalhadores em termos políticos, econômicos, culturais etc. Para Bakunin (2008), do ponto de vista político e social, os trabalhadores têm por conseqüência necessária a abolição das classes, conseqüentemente da burguesia, que é a classe dominante; a abolição de todos os estados territoriais, a queda de todas as pátrias políticas, e sobre sua ruína, o estabelecimento da grande federação internacional de todos os grupos produtivos, nacionais e locais. Isto é uma nova sociedade, mas esta nova sociedade só é possível a partir da luta travada no cotidiano por todos os trabalhadores de todo o mundo. 195 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Nas palavras de Bakunin, contra essa organização da injustiça, com toda a sua exibição de leis iníquas e de instituições privilegiadas deve perecer, ou então, as massas operárias permanecerão condenadas a uma escravidão eterna, para tanto, somente a partir da luta e da solidariedade entre os trabalhadores contra seus patrões e seus representantes que será possível algo diferente para os trabalhadores, que não devem acreditar na boa vontade e no humanismo burguês. Nesta relação de antagonismos entre as classes sociais, principalmente os existentes entre a burguesia e o proletariado, Bakunin (2008) afirma que os trabalhadores querem a igualdade, e os burgueses querem a manutenção da desigualdade, é evidente nesta relação, que uma destrói a outra, então, nada mais justo para o proletariado lutar e destruir por completo a burguesia, a sociedade e um estado que os representa para o domínio do burguês contra os trabalhadores. Os trabalhadores a partir do entendimento da sua luta, da sua posição, esclarecidos e com base em princípios da (AIT), segundo Bakunin, estes têm que organizarem, com efeito, e começam a formar uma autêntica força, não nacional, mas sim internacional, não para cuidar dos interesses dos burgueses, mas de seus próprios interesses. Assim, a (AIT), deve ser um forte aliado dos trabalhadores em luta. A Associação Internacional dos Trabalhadores, fiel a seu princípio, jamais apoiará uma agitação política que não tenha por objetivo imediato e direto a completa emancipação econômica do trabalhador, isto é, a abolição da burguesia como classe economicamente separada da massa da população, nem revolução que desde o primeiro dia, desde a primeira hora, n~o inscreva em sua bandeira a liquidaç~o social” (Bakunin, 2008, p. 67). Esta associação tem que ter por princípio, o apoio mútuo a luta e aos objetivos dos trabalhadores contra as instituições burguesas, que historicamente são seus inimigos mortais, isto quer dizer, que ao longo de sua história, com a internacional ou não, os trabalhadores sempre lutaram contra a dominação burguesa, neste caso, podemos dizer que tanto a internacional e alguns de seus militantes que estiveram ligados a ela, tentaram a partir da sua luta e inserção, contribuir com a emancipação humana, Bakunin foi um deles, Marx, Engels, dentre outros que estiveram contribuindo com o conjunto da luta dos trabalhadores e não de dirigir ou burocratizar a luta operária. Para uma crítica a burocracia e sua forma de organização e dominação, pode ser encontrada na obra de Tragtenberg (2006) e outra que além da crítica a burocracia, desenvolve também uma crítica ao estado burguês, neste caso Viana (2003). De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 196 Luta de Classes e Contemporaneidade Bakunin faz alguns questionamentos sobre o papel da (AIT) no que diz respeito à luta dos trabalhadores, segundo ele, ela dará a agitação operária em todos os países um caráter essencialmente econômico, colocando como objetivo a diminuição da jornada de trabalho e o aumento dos salários, como meios, a associação das massas operárias e a formação das caixas de resistência. Portanto esta associaç~o far|: “Ela far| a propaganda de seus princípios, pois esses princípios sendo a expressão mais pura dos interesses coletivos dos trabalhadores do mundo inteiro s~o a alma e constituem toda a força vital da associaç~o” (Bakunin, 2008, p. 68). Esta tem que auxiliar na luta e ir em favor do movimento operário em termos de possibilitar em conjunto com o operariado, a ampliação de sua luta, aonde ir e o que fazer? Como o próprio Bakunin afirma, lutar com um objetivo declarado e único, o fim do capitalismo e a emancipação humana em sua totalidade. Sobre o estatuto da (AIT), Bakunin cita a última parte que para ele é fundamental para a classe oper|ria: “O movimento que se realiza entre os oper|rios dos países mais industriosos da Europa, fazendo nascer novas esperanças, dá uma solene advertência para n~o recair em absoluto nos antigos erros” (Bakunin, 2008, p. 69). Além de fazer nascer esta esperança, o mais importante para os trabalhadores, é não abandonar essas práticas de luta que fazem com que esta esperança não seja algo distante de sua realidade, onde os erros do passado não devem ser repetidos, isto quer dizer que historicamente a classe operária, tem que aprender com a sua luta e sua história. Bakunin afirma ainda ser partidário e tem convicção da igualdade econômica e social, porque fora desta igualdade, a liberdade, a justiça, a dignidade humana, a moralidade o bem-estar dos indivíduos, assim como a prosperidade das nações nunca serão senão mentiras. Ainda para ressaltar algumas questões importantes em relação à (AIT), Bakunin comenta sobre esta forma de organização da classe trabalhadora: A internacional é, evidentemente, uma magnífica instituição, é incontestavelmente a mais bela, a mais útil, a mais benéfica criação deste século. Ela criou a base da solidariedade dos trabalhadores de todo o mundo. Ela deu-lhe um começo de organização através da fronteira de todos os estados e fora do mundo dos exploradores e dos privilegiados. Ela fez mais, já contém hoje os primeiros germes da organização da unidade que há de existir e ao mesmo tempo deu ao proletariado de todo o mundo o sentimento de sua própria força. Estamos certos também do grande serviço que ela prestou à grande causa da revolução universal e social. Mas ela não é de modo nenhum uma instituição suficiente para organizar e dirigir esta revolução (Bakunin, s/d, p. 72). 197 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Na verdade, a criação da (AIT) pelo conjunto dos trabalhadores, foi fundamental para a consolidação não só da luta dos trabalhadores em todo o mundo, mas também da sua organização, pois a partir desta é possível lutar contra toda dominação burguesa. A função da (AIT), não é direcionar a luta dos trabalhadores, e sim auxiliá-los no sentido de buscar seus objetivos que é a revolução da sociedade. Vários intelectuais estiveram atuando no interior da internacional, mas estes não tinham como objetivo ser uma vanguarda que iria direcionar tanto os trabalhadores com sua luta. Não é o saber a serviço do poder, a educação libertária tem princípios e práticas distintas da educação formal, como bem analisa Mateus (2012) e desta forma Bakunin ainda coloca que? A internacional prepara os elementos da organização revolucionária, mas não a realiza. A única coisa que ela faz fora desta obra já tão útil, é a propaganda teórica das ideias socialistas nas massas operárias, obra igualmente muito útil, muito necessária à preparação da revolução das massas (Bakunin, s/d, p. 72). Sua função na realidade é somente contribuir com a organização e a propaganda das ideias socialistas, é por isso que os intelectuais envolvidos nesta associação devem produzir revistas, textos, jornais e obras em geral, defendendo os interesses dos trabalhadores contra a burguesia, da mesma forma que a burguesia busca a partir de seus intelectuais (ideólogos), produzir conhecimento como forma de dominar culturalmente a classe trabalhadora, os intelectuais que atuam no interior do movimento operário, devem a partir de seus textos, contestar o domínio burguês em favor dos trabalhadores. Segundo Bakunin, mesmo com a organização da Internacional para a luta dos trabalhadores, esta necessita de outra que seria a aliança anarquista defendida pelo autor, desta forma ele afirma: Que seria uma sociedade secreta formada no seio da própria internacional, para dar a esta última uma organização revolucionária, para transformá-la, a ela e a todas as massas populares que estão fora dela, numa força suficientemente organizada para aniquilar a reação político-clérico-burguesa, para destruir todas as instituições econômicas, jurídicas, religiosas e política (Bakunin, s/d, p. 75-76). Esta aliança na concepção do anarquista russo tem como objetivos gerais: A abolição definitiva e completa das classes sociais e a igualdade econômica e social dos indivíduos de ambos os sexos. Para chegar a este objetivo, pede a abolição da propriedade individual e do direito de herança, a fim de que no futuro sejam os benefícios proporcionados pela produção de cada um, e que conforme as decisões tomadas pelos últimos congressos de Bruxelas e da Basiléia, a terra e os instrumentos de trabalho, como qualquer outro capital, chegando a ser propriedade coletiva da sociedade inteira, não possam ser utilizados a não ser pelos trabalhadores, quer dizer pelas associações agrícolas e industriais (Bakunin, s/d, p. 77). De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 198 Luta de Classes e Contemporaneidade Seria necessária mesmo a atuação de um grupo clandestino dentro da própria internacional? Segundo Bakunin sim, pois seriam esses que iriam dar um caráter revolucionário para a organização, mas não seria uma vanguarda atuando dentro da associação. Liberdade ou a emancipação humana para Bakunin ocorre de forma totalizante e não apenas de alguns poucos indivíduos privilegiados, quando ele se refere à emancipação humana, ele fala de todos os indivíduos, homens e mulheres, pois assim, a nova sociedade teria por base a coletividade da vida social. Mas esta nova sociedade será fruto de muita luta, onde os trabalhadores devem lutar pela sua emancipação em todos os sentidos, observando que: “A emancipaç~o dos trabalhadores deve ser obra dos próprios trabalhadores para conquistar a sua emancipação não devem levar à constituição de novos privilégios, mas para estabelecer para todos os mesmo direitos e os mesmos deveres” (Bakunin, s/d, p. 81). A classe trabalhadora deve buscar se organizar para a destruição por completo tanto do Estado como da burguesia. Como foi apontado em outro momento, o Estado é um das instituições que limita a atuação e a liberdade dos indivíduos socialmente, pois este tem em sua base de organização a imposição pela força. No texto princípio do Estado, Bakunin traz reflexões interessantes, não só para que possamos pensar e compreender o Estado como instituição de dominação, mas principalmente sua destruição, para isso, o autor realiza alguns questionamentos: O que é o Estado senão a organização da força? Mas é da natureza de toda força não poder suportar nenhuma outra, nem superior, nem igual -, não podendo a força ter outro objetivo senão a dominação, e a dominação só é real quando tudo o que a entrava lhe está subjugado (Bakunin, 2008, p. 27-28). De fato o Estado historicamente se organizou a partir da força de uma classe para dominar outras classes sociais, mas o Estado não é uma instituição que nasceu com a sociedade, mas este surge a partir da necessidade da própria sociedade, isto quer dizer, que o Estado não é uma instituição que vai existir eternamente, pois outras classes sociais dominadas podem além de contestar a forma de organização do Estado e suas autoridades constituídas, em alguns momentos irão atuar no sentido de derrubar o Estado por completo, como é o caso da análise realizada por Bakunin, pois esta força que ele se refere, é a força do conjunto do proletariado organizado, que em vários momentos históricos atuaram nesse sentido, ou seja, na derrubada do Estado, é por isso que ele vai afirmar que o Estado é a negação da humanidade. 199 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Bakunin em seu ensaio sobre o Estado analisa algumas doutrinas religiosas como é o caso do judaísmo e do cristianismo, principalmente esta última, mas ele era contra todas, pois estas também são formas de dominação pela autoridade e a valorização do individualismo, sobre esta questão ele coloca que: Nenhuma religião levou tão longe o culto do individualismo quanto a religião cristã. Diante da ameaça do inferno e das promessas absolutamente individuais do paraíso, acompanhadas por essa terrível declaração de que entre muitos chamados haverá pouquíssimos eleitos, foi uma confusão, um salve-se-quem-puder generalizado; um tipo de corrida em que cada um só era estimulado por uma única preocupação, a de salvar sua própria pequena alma (Bakunin, 2008, p. 35-36). Ainda sobre as religiões ele afirma que: Segundo o nosso entendimento, quer dizer, do ponto de vista da moral humana, todas as religiões monoteístas, mas principalmente a religião cristã, como a mais completa e a mais conseqüente de todas, são profundas, essencial, e principalmente imorais: ao criar seu deus, elas proclamaram a decadência de todos os homens, dos quais só admiram a solidariedade no pecado; e ao afirmar o princípio da salvação exclusivamente individual, renegaram e destruíram, na medida de sua força para fazêlo, a coletividade humana, isto é, o próprio princípio da humanidade (Bakunin, 2008, p. 36). O autor analisa como as religiões monoteístas, principalmente a religião cristã, cria determinados valores morais, dogmas e principalmente a figura de “deus” com o objetivo de dominar os indivíduos, limitando sua ação enquanto indivíduo, ele chega a afirmar que esta forma de religião vai criar a decadência humana, onde os indivíduos não se reconhecem enquanto indivíduos humanos e reais, pois o pecado limita essa ação. Esta religião tem por princípio a salvação e o individualismo, que é contrário aos princípios de emancipação humana de forma coletiva, que é a principal característica de uma nova sociedade fundada na liberdade coletiva, esta nova sociedade, uma sociedade real, concreta e não algo metafísico e individualista como prega a religião cristã, ou seja, a salvação individual. Por outro lado, a igreja que durante toda a Idade Média era a principal instituição, a grande dominadora das relações sociais, detentora de terras e de servos, com as mudanças ocorridas no mundo moderno, segundo Bakunin, a igreja depois de ter sido a senhora, tornou-se a serva do Estado, um instrumento de governo nas mãos do monarca, isto demonstra que historicamente a igreja perdeu espaço não só para outras doutrinas religiosas, mas também perdeu poder político para o Estado que estava em ascensão, tanto é que agora esta tem que fazer acordos entre as instituições, a igreja com o Estado capitalista moderno. Tanto a igreja como deus são os De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 200 Luta de Classes e Contemporaneidade grandes males que atormenta os indivíduos, é nesse sentido que Bakunin ataca ambos, com o objetivo de suprimi-los por completo. Retomando uma questão fundamental em sua discussão, Bakunin desenvolve alguns questionamentos sobre o Estado, a igreja e deus: E o que é o Estado? Sustenta-se que é a expressão e a realização da utilidade, do bem, do direito e da liberdade de todo o mundo. Pois bem, aqueles que sustentam isso mentem, assim, como mentem aqueles que declaram que o bom deus é o protetor de todo o mundo. Desde que a fantasia de um ser divino se formou na imaginação dos homens, deus, todos os deuses, e entre eles, sobretudo, o deus dos cristãos, sempre tomou partido pelos fortes e pelos ricos contra as massas ignorantes e miseráveis. Ele abençoou, por intermédio de seus padres, os privilégios mais revoltantes, as opressões e as explorações mais infames (Bakunin, 2008, p. 68-69). Um pouco mais à frente o autor discute um ponto mais específico, que é o Estado, desta forma, ele argumenta que do mesmo modo, o Estado é senão a garantia de todas as explorações em proveito de um pequeno número de felizes privilegiados, em detrimento das massas populares. Os grandes capitalistas são aliados da burocracia estatal e se organizam para dominar os trabalhadores e realizar a manutenção dos seus privilégios, que, como bem aponta Bakunin, os privilégios dentro desta instituição chamada estado, é somente para alguns poucos privilegiados, então, cabe a classe trabalhadora como foi analisado aqui neste artigo, lutar contra esta dominação do Estado e como aponta o próprio Bakunin, que o Estado deve ser destruído em favor da coletividade, pois tanto a igreja como o Estado são fonte de dominação e individualismo, e só a coletividade em luta pode ir contra estas instituições, foi neste sentido que a internacional se fez importante. Referências BAKUNIN, Mikhail. Os Enganadores: A Política da Internacional Aonde ir e o Que Fazer? São Paulo, Faísca, 2008. BAKUNIN, Mikhail. Socialismo e Liberdade. São Paulo, Luta Libertária, s/d. MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. São Paulo, Centauro, 2005. MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. O Manifesto do Partido Comunista. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1998. 201 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário MATEUS, João Gabriel da Fonseca. Educação e Anarquismo: Uma perspectiva Libertária. Rio de Janeiro, Rizoma Editorial, 2012. TRAGTENBERG, Maurício. Burocracia e Ideologia. São Paulo, Unesp, 2006. VIANA, Nildo. Estado, Democracia e Cidadania: A Dinâmica da Política Institucional no Capitalismo. Rio de Janeiro, Achiamé, 2003. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 202 Luta de Classes e Contemporaneidade Élisée Reclus e o conceito de “evolução”: margens para uma (re) interpretação João Gabriel da Fonseca Mateus* Resumo: Élisée Reclus, geógrafo e anarquista francês, foi militante nos principais conflitos do século XIX (entre eles, a Comuna de Paris de 1871 e a Federação Jurassiana) e atualmente, é um dos mais importantes escritores do anarquismo. Os escritos de Reclus foram mal interpretados por diversos de seus “seguidores” em que atribuíram seu pensamento apenas como evolucionista. Os textos compilados e posteriormente chamados de Evolução, Revolução e o Ideal Anarquista é um destes escritos mal interpretados. Porém, uma leitura atenta do que ele chamou de “evoluç~o” pode nos atentar para fatos de extrema importância à prática revolucionária. Esta comunicação visa apresentar uma (re) interpretação no conceito de “evoluç~o” que est| intrinsecamente ligado aos conceitos de “Revoluç~o” e “Ideal Anarquista”. Assim, proporemos a leitura de que onde a “evoluç~o humana”, para Reclus, passa fundamentalmente por grandes momentos de rupturas, não podendo ser confundido com o mesmo sentido dos hegelianos e positivista contemporâneos ao geógrafo. Palavras-chave: Élisée Relcus, anarquismo, evolução, revolução. O anarquismo, entendido a partir de uma prática social situado historicamente ao longo de seu desenvolvimento assumiu debates entorno da questão da organização e sentido de suas lutas em mais diferentes contexto e, consecutivamente, teve diferentes posições estratégicas e interpretações. Nas diferentes interpretações do anarquismo contemporâneo ainda se encontra a necessidade de uma nova retomada do pensamento anarquista que esteve engessado nas interpretações bolcheviques. Nessas interpretações, a memória leninista e ainda dominante sobre o anarquismo conseguiu eleger ao anarquismo, além de prisões e derramamentos de sangue, uma leitura dominante nas lutas dos trabalhadores a partir, sobretudo da historiografia, como um inutilidade. Este pequeno texto visa superar esta memória esquem|tica dominante, propondo a (re) interpretaç~o do conceito de “Evoluç~o” do anarquista francês Élisée Reclus. Essa proposta tem o intuito de superar a visão limitada e conservadora das leituras bolcheviques sobre os movimentos anticapitalistas. Temos, portanto, um primeiro passo a ser cumprido: atualizar o pensamento anarquista na contemporaneidade negando as interpretações de outrem sobre o próprio Graduando em Licenciatura em História pelo Instituto Federal de educação, Ciência e Tecnologia de Goiás. Autor do livro Educação e Anarquismo: uma perspectiva libertária (Rio de Janeiro, Rizoma Editorial, 2012). Membro do corpo editorial da Revista Espaço Livre. * 203 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário anarquismo. Quais foram as influências que Reclus sofreu no século XIX? Se entendermos o entrelaçamento histórico e social, situando sua obra em um contexto histórico juntamente com as categorias utilizadas pelo autor, podemos compreender os aspectos mais profundos de sua produção. Reclus considerava as condições históricas da emergência de novas formas feita pelas ações humana como algo fundamental na sociedade. Ele pensava a transformação e mais que isso, pensava a destruição de dogmas e pensamentos cristalizados. Portanto, ler um autor do século XIX pressupõe entender seu contexto histórico e o nosso, quando elegemos uma nova leitura. Reclus também era enf|tico ao afirmar que o “novo” diferia radicalmente do que j| existia. Romper radicalmente com o que era dado era necessário, o que lhe possibilitava pensar na criação de uma sociedade radicalmente inovadora. É nesse sentido que a busca de uma (re) interpretaç~o do conceito denominado “evoluç~o” se torna importante. Antes de entrarmos na discussão conceitual, consideramos pertinente situar historicamente o autor e sua trajetória. Jean Jacques Élisée Reclus, natural de Sainte-Foy-la-Grande, França, nasceu em 15 de março de 1830. De educação protestante, ingressa na Universidade de Berlim sendo aluno de Karl Ritter1 no ano de 1851 aos vinte e um anos. Em dezembro do mesmo ano, Reclus retorna a França para tentar impedir o golpe de Estado de Luís Napoleão e sua proclamação como Imperador da França. Em 1855, com o objetivo de conhecer a América do Sul viajou a Colômbia retornando a França após dois anos. Assim como seu irmão, Reclus foi estudar teologia para se tornarem pastores, porém, a negação do sacerdócio foi sem dúvida um dos elementos que levaram Reclus a abandonar o pensamento religioso e abraçar o anarquismo. Em 1855 escreve a que ficou conhecida como sua primeira obra, Voyage à la Sierra-Nevada de Sainte-Marthe descrevendo sua viagem à Colômbia. Morou em Paris onde trabalhou como escritor, tradutor e geógrafo, colaborando para revistas e jornais como: Les Temps Nouveaux, Le Tour de Monde, Revue Germanique, Revue des Deux Mondes, Revue politique et littéraire, Le Journal des Voyages e o Boletim da Sociedade Geográfica de Paris. Nascido no dia 7 de agosto de 1779 em Quedlinburg e faleceu em 28 de setembro de 1859 em Berlim. Foi um naturalista, nascido na Prússia, que contribui para a institucionalizaç~o da Geografia como “ciência”. 1 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 204 Luta de Classes e Contemporaneidade Como militante anarquista ingressou em organizações como a Liga da Paz e da Liberdade, colaborou com o jornal Le Révolté militando com seu irmão Élié Reclus. Em 18681869 escreveu uma obra na área de geografia, que ficara conhecida mundialmente, intitulada A Terra, descrição dos fenômenos da vida do globo que constitui de forma geral um estudo de geografia física em dois volumes com um capítulo final dedicado ao ser humano e suas mais variadas relações (PALACIOS, 2010, p. 18). Em 1870, se candidatou à Assembleia Nacional, mas, não conseguiu vencer as eleições. Neste mesmo ano, alistou-se como soldado para lutar na Guerra Franco-Prussiana que acabou com a derrota francesa, a anexação da Alsácia-Lorena pela Alemanha e a composição de um governo subserviente aos interesses alemães, que, motivaram Reclus a participar junto aos parisienses na organização da Comuna de Paris2, logo derrotada pelas forças francesas e alemãs. Foi preso durante a luta communard e foi condenado a prisão perpétua em Nova Caledônia. A prisão significava o rompimento de suas relações familiares, científicas e políticas, mas se iniciou um movimento da comunidade científica e intelectual que pressionou o governo francês, e decidiu pela comutação por um exílio de dez anos. Reclus já detinha grande influência no meio intelectual por suas contribuições à Geografia e sua aceitação no meio intelectual que fora fator que o salvou da prisão por mais tempo. Embora perseguido na França por sua militância anarquista, o geógrafo possuía renome internacional e desfrutava de sólida reputação no mercado editorial por suas publicações de geografia, o que veio a contribuir para sair da prisão perpétua. Com essa pressão conseguiu sair da prisão e se exilou na Suíça. Em 1893, Reclus milita na Federação Jurassiana3. Ainda na Suíça, com um projeto de escrever a Nouvelle Géographie Universalle permaneceu em território suíço até 1889. Com o objetivo de escrever Reclus diz sobre a Comuna: “Segundo o que meus companheiros contaram-me, tenho motivo para crer que em outros fatos da guerra, nossos chefes empenachados, ao menos aqueles que comandaram os primeiros combates, deram provas da mesma ininteligência e da mesma incúria. Talvez o governo da Comuna tivesse mais capacidade em outras matérias; em todo o caso, a história dirá que esses ministros improvisados permaneceram honestos ao exercerem o poder. Mas nós pedíamos-lhes outra coisa: ter o bom senso e a vontade que a situação comportava e agir em conseqüência (RECLUS, 1871, apud SAMIS, 2011, p. 342)”. Cf. SAMIS, Alexandre. Negras Tormentas: o federalismo e o internacionalismo na Comuna de Paris. São Paulo: Hedra, 2011. Ainda sobre a Comuna de Paris, diversas produções foram feitas, porém destacamos: SAMIS, Alexandre. Negras Tormentas: o federalismo e o internacionalismo na Comuna de Paris. São Paulo: Hedra, 2011. VIANA. Nildo (Org.). Escritos Revolucionários Sobre a Comuna de Paris. Rio de Janeiro: Rizoma Editorial, 2011. 2 A Federação Jurassiana congregou todas as federações opositoras aos marxistas. Foi criada em 1871 por anarquistas dissidentes da AIT. Para mais informações: PRÉPOSIET, Jean. História do Anarquismo. Lisboa: Edições 70, 2005. 3 205 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário os livros, realizou intenso trabalho em bibliotecas e diversas viagens – em 1884, à Argélia, Tunísia e Egito; em 1885, à Hungria, Turquia e Ásia Menor; em 1886, à Itália; em 1889, retornou aos Estados Unidos e Canadá; em 1890, novamente aos Estados Unidos, África do Sul, Portugal e Espanha. Nesse mesmo ano, retornou a França. E em 1893, Reclus realizou a sua última grande viagem ao redor do mundo e teve como destino a América do Sul – conheceu o Brasil4, Argentina, Uruguai e Chile. A Nouvelle Géographie Universalle foi o resultado de vinte e dois anos de trabalho, cerca de dezessete mil páginas, aproximadamente quatro mil mapas e mais de mil gravuras divididas em dezenove grossos volumes editados e publicados no fins do século XIX (MYAHIRO, s/d, p. 5-6). No ano seguinte, na Bélgica, participou do grupo de cientistas que fundou a Universidade Livre de Bruxelas, onde assumiu a cátedra e se tornou professor de geografia somente aos 64 anos de idade. Escreveu em 1897, L’évolution, la révolution et l’ideal anarchique5 – um livro em que esboça os seus pressupostos teóricos sobre o anarquismo. Escreveu L’homme et la Terre sua principal obra com 3.589 páginas em seis volumes. Foi nas suas últimas obras que aparecem as concepções anarquistas, já que ele sofria censura de v|rias editoras em relaç~o a sua milit}ncia. “O Homem e a Terra” é a única obra de Reclus que não sofre interdições político-ideológicas dos editores, expõe com toda a liberdade sua visão anarquista da Geografia (MOREIRA, 2008, p. 49). Élisée Reclus morre em Thourout na Bélgica no ano de 1905. Compreendendo a trajetória (obviamente nossa biografia aqui descrita é limitada) de Élisée Reclus, vemos como seu pensamento é indissociável de sua prática como geógrafo. O estudo sobre o pensamento de Élisée Reclus nos remete pensar na sua trajetória de vida para uma possível (re) atualização de seu pensamento, pois este esteve relegado a um ostracismo (no que tange sua participação na ciência da Geografia) devido sua militância política de sua época e em interpretações dogmáticas. Para resgatar o pensamento de Élisée Reclus na construção de uma possível (re) interpretaç~o do conceito de “evoluç~o” ser| necess|rio reconstituir alguns conceitos elaborados pelo autor e que ao longo do processo histórico após sua morte, entrou em um Ver tese de mestrado: DA SILVA, Robledo Mendes. A influência de Èlisée Reclus na Educação Operária no Brasil: das Ciências Naturais à Educação Integral. Rio de Janeiro: UFRJ, 2010. Disponível em: http://www.4shared.com/get/pnVAYDtq/a_influncia_de_lise_rclus_na_e.html. Acesso em abril de 2012. 5 Tradução livre: A evolução, a Revolução e o Ideal Anarquista. 4 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 206 Luta de Classes e Contemporaneidade emaranhado de interpretações problemáticas feitas por seus intérpretes. Nesse sentido, apresentaremos uma análise da obra de Jean Jacques Élisée Reclus principalmente sobre os conceitos de “evoluç~o” e “revoluç~o” (Reclus, 2002); Esses conceitos acima citados apresentam-se em relações intrínsecas e indissociáveis. Para o autor, a sociedade burguesa aparece como a negação da vida humana com suas autoridades através da afirmação ou não da vida e da felicidade humana, que emergiam como parâmetro ético fundamental de seu pensamento. Com isso, suas produções não deixavam de abarcar a geografia e a militância anarquista, sendo estas indissociáveis. Vejamos a centralidade radical que Reclus deixava claro: Queremos saber. Não admitimos que a ciência seja um privilégio, e que homens situados no cume da uma montanha, como Moisés, num trono, como o estoico Marco Aurélio, num Olimpo ou num Parnaso de papelão, ou simplesmente numa cadeira acadêmica, ditem-nos leis, vangloriando-se de um conhecimento superior das leis eternas (RECLUS, 2002, p. 51) A noç~o de “evoluç~o humana” para ele passava fundamentalmente por grandes momentos de rupturas (RECLUS, 2002, p. 114). Mas onde reside a necessidade da (re) interpretaç~o do conceito de “evoluç~o” para Reclus? Podemos considerar alguns fatores: primeiramente, a confusão entre o termo evolução para os positivistas e para Reclus; segundo, na própria necessidade de desse conceito para entender a revolução e o anarquismo. Uma leitura atenta do que ele chamou de “evoluç~o” pode nos atentar para fatos de extrema import}ncia { pr|tica revolucion|ria. Sendo assim, a “evoluç~o” para Reclus é, (...) sinônimo de desenvolvimento gradual, contínuo, nas idéias e nos costumes, é apresentada como se fosse o contrário dessa assustadora, a Revolução, que implica mudanças mais ou menos bruscas na realidade. É com um entusiasmo aparente, ou mesmo sincero, que discorrem sobre a evolução, sobre os progressos lentos que se realizam nas células cerebrais, no segredo das inteligências e dos corações; mas que não lhes falem da abominável revolução, que escapa repentinamente dos espíritos para eclodir nas ruas, acompanhada, às vezes, por gritos da multidão e pelo estrépito das armas (RECLUS, 2002, p.29). A questão da anarquia para Reclus vem imbuída de um olhar cientificista em que o mundo aparece de acordo com a necessidade de uma lei universal de evolução. Sendo assim, para o próprio anarquista francês, o anarquismo é parte fundamental da própria evolução natural do mundo como finalidade do progresso humano. Sendo assim, o ideal de “evoluç~o” do qual fala Reclus não deve ser confundido com a evolução dos positivistas e hegelianos. Vejamos o que ele diz: 207 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário a evolução é o movimento infinito de tudo o que existe, a transformação incessante do Universo e de todas as suas partes desde as origens eternas e durante o infinito dos tempos (RECLUS, 2002, p.21). Porém, o caráter revolucionário dessa evolução reside quando notamos que, a “evoluç~o” toma um car|ter de contraditoriedade, j| que, cada uma de suas evoluções realiza-se por um deslocamento de forças para um novo ponto. O movimento geral da vida de cada ser, em particular, e em cada série de seres não nos mostra em lugar nenhum uma continuidade direta, mas sempre uma sucessão indireta, revolucionária, por assim dizer. Um ramo não se acrescenta ao comprimento de outro ramo. A flor não é o prolongamento da folha, nem o pistilo do estame,e o ovário difere dos órgãos que lhe deram origem (idem, p. 27). Com certeza Élisée recebeu influências dos positivistas, principalmente no que tange a percepção sobre a razão e a ciência. Porém, o ideal de evolução no pensamento reclusiano é a determinação relacionada entre o desenvolvimento dos seres humanos (físicos e intelectuais) com a revolução (em prol da negação das autoridades e de qualquer forma de governo). Portanto, quando se diz desenvolvimento e evolução pressupõe a mesma coisa, pois evolução ao longo dos trabalhos historiográficos levou um sentido pejorativo de caminho progressivo que caminha a humanidade estabelecendo a diferença e a estratificação entre superiores e inferiores. Desmistificando o que Reclus entende por evolução, A flor não é um prolongamento da folha, nem o pistilo do estame, e o ovário difere dos órgãos que lhe deram origem. O filho não é a continuação do pai ou da mãe, mas um novo ser. O progresso se faz por uma mudança continua dos pontos de partida para cada indivíduo distinto. O mesmo acontece com as espécies (idem, p. 29). Como afirmou Reclus, De revolução em revolução o curso da história assemelha-se àquele de um rio estancado de espaço em espaço por comportas. Todo governo, todo partido vencedor tenta, por sua vez, represar a correnteza para utilizá-la, à direita e à esquerda, em suas pastagens ou sem seus moinhos. A esperança dos reacionários é que seja sempre assim e que o povo-ovelha deixe-se, de século em século, desviar de seu caminho, enganar por hábeis soldados, ou por advogados eloqüentes (idem, p. 38). Para o geógrafo anarquista, a “evoluç~o” e a “revoluç~o” s~o dois atos sucessíveis de um mesmo fenômeno, a evolução precedendo a revolução, e esta precedendo uma nova evoluç~o, “m~e de revoluções futuras”. Sendo assim, ele rasga críticas aos evolucionistas reacion|rios que creem na “evoluç~o das idéias” e que negam a experiência concreta da luta revolucionária. Ele diz: Há, entretanto, espíritos indecisos que crêem honestamente na evolução das idéias, que acreditam vagamente numa transformação correspondente das coisas, e que, todavia, por um sentimento de medo instintivo, quase físico, querem, pelo menos em vida, evitar toda revolução. Eles a evocam e a conjuram ao mesmo tempo: criticam a sociedade atual e sonham com a sociedade futura como se ela devisse surgir De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 208 Luta de Classes e Contemporaneidade repentinamente, por um, tipo de milagre, sem que o mínimo estalido de ruptura produza-se entre o mundo passado e o mundo futuro (idem, p. 23). Existe outro tipo de evolucionistas, os que perdem o sentido final da evolução, como mero pensamento específico desligado do campo social, que é a revolução. Para ele uma outra classe, de evolucionistas é a das pessoas que, no conjunto das mudanças a se realizarem, vêem apenas uma única, e consagram-se estritamente, metodicamente, à sua realização, sem se preocupar com outras transformações sociais. (...) A pretexto de consagrar seus esforços a uma reforma de realização vindoura, perdem de vista por completo todo seu ideal superior e o rejeitam até mesmo com cólera, a fim de eu não sejam suspeitos de compartilhá-lo (idem, p. 24). Estes evolucionistas só querem conservar a sociedade privilegiada j| que “é uma quimera esperar que a Anarquia, ideal humano, possa emanar da República” ((idem, p. 83). Para tal efeito de conservação ligam-se aos dogmas sendo estes a peça fundamental de organização e princípios, por exemplo, o Estado e a Igreja. Para Reclus, todos os reacionários ligam-se aos ideais religiosos, Se os contramestres e os guardas campestres ou florestais, os soldados e o pessoal da polícia, os funcionários e os soberanos não inspiram ao popular um terror suficiente, não se deve apelar a Deus, aquele que recentemente dispunha das torturas eternas do Inferno, das provações mitigadas do Purgatório? Invocam-se seus mandamentos e todo o aparelho da religião que reivindica sua autoridade (idem, p. 102). É neste ponto fundamental que podemos diferenciar Reclus dos ditos evolucionistas reacionários, positivistas, do seu contexto. O caráter de ruptura é central em seu pensamento. A desmistificação de seu pensamento é fundamental, pois sendo influenciado por Karl Ritter, como citamos anteriormente, não quer dizer que Reclus absorveu seu pensamento de forma una e a-crítica. Sendo assim, conclui, Os imensos progressos já realizados dão-nos confiança do futuro. Mas vós, que desesperais, invocai de novo o Cristo redentor, com seu paraíso onde só alguns eleitos ouvirão o canto das violas durante os séculos dos séculos, enquanto no inferno, os bilhões e bilhões de malditos arderão para sempre! (RECLUS, 2011, 78-79) Mas, uma questão que pesa na concepção de Reclus sobre a evolução é que esta nem sempre é boa para o desenvolvimento da humanidade para sua emancipaç~o, pois “tudo muda, tudo se move na natureza, em um movimento eterno, mas, se poder haver progresso, pode também existir retrocesso” (idem, p. 29). O que leva a evoluç~o ser benéfica é a quest~o de ela ser anárquica. Portanto, a ação é fator preponderante nessa posição desde que o acontecimento histórico e social dever ser transformador para que a boa evolução se realize. 209 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário O pensamento evolucionista de Reclus se confundido com o mecanicismo positivista leva, a Anarquia encarada como a transformação das ideias que evoluem superando as ideias passadas, levando a verdadeira revolução, assim como todos os outros elementos naturais e sociais que seguem a lógica de uma mesma lei Universal, sem existir diferenças fundamentais que exijam um tratamento diferente entre os minerais e a filosofia por exemplo (BONOMO, 2007, p. 325). À guisa de conclusão podemos identificar os elementos que justificam essa (re) interpretaç~o no pensamento de Reclus. O objetivo dos evolucionistas “é conhecer a fundo a sociedade ambiente que eles reformam em seu pensamento. Em segundo lugar, devem buscar dar-se conta precisamente de seu ideal revolucion|rio” (RECLUS, 2002, p. 67). É nesse sentido que a noção de uma evolução revolucionária colocara a queda do capital, que poderá emanar das forças que promovem o trabalho e produzem a riqueza social, a partir das necessidades individuais no coletivo, a maneira que possibilitem a emancipação humana, abolindo o capital e a sociedade de classes. A emancipação social integral só poderá desenvolver com as formas de auto organização em que não se apoiam em governos e caminham para auto libertar-se. Essa proposta sobre o pensamento de Reclus está com tal intuito, visa contribuir para a luta revolucionária socialista libertária, desmistificando elementos engessados no anarquismo histórico. Referências BONOMO, Alex Buzeli. O Anarquismo em São Paulo: as Razões do Declínio (1920 – 1935). São Paulo, PUC-SP, 2007. MIYAHIRO, Marcelo Augusto. A viagem científica de Élisée Reclus ao Rio de Janeiro da Primeira República. São Paulo. Disponível em: http://enhpgii.files.wordpress.com/2009/10/texto_marcelo_augusto_miyahiro.pdf. Acesso em: abril de 2012. MOREIRA, Ruy. O Pensamento Geográfico Brasileiro: as matrizes clássicas originárias. Vol.1. São Paulo: Editora Contexto, 2008. PALACIOS, David Alejandro Ramírez. Élisée Reclus e a Geografia da Colômbia: cartografia de uma interseção. São Paulo: Editora da USP, 2010. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 210 Luta de Classes e Contemporaneidade RECLUS, Élisée. A evolução, a revolução e o ideal anarquista. São Paulo: Imaginário e Expressão & Arte, 2002. RECLUS, Élisée. Anarquia pela educação. São Paulo: Hedra, 2011. RECLUS, Élisée. O Homem e a Terra – Educação. São Paulo: Imaginário/ Expressão & Arte, 2010. SAMIS, Alexandre. Negras Tormentas: o federalismo e o internacionalismo na Comuna de Paris. São Paulo: Hedra, 2011. BONOMO, Alex Buzeli. O Anarquismo em São Paulo: as Razões do Declínio (1920 – 1935). São Paulo, PUC-SP, 2007. 211 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário A importância da organização: Errico Malatesta e seu programa revolucionário Deivid Carneiro Ribeiro (IFG) [email protected] Resumo: A presente comunicação tem como objetivo central a discussão de algumas teses do anarquista italiano Errico Maltesta. Não somente, mas como essas teses têm ainda importância para se pensar a organização dos trabalhadores e para a superação da sociedade capitalista. Assim, discutiremos no no presente trabalho, tendo como referência os escritos de Malatesta, a importância que uma organização de trabalhadores bem estruturada possui para a emancipação dos mesmos. Discutiremos, também, de que forma Malatesta caracteriza uma organização de trabalhadores que realmente traz consigo a vontade de superar o modelo social vigente, usando como ponto de partida para a análise a forma libertária de organização. E por último, trataremos do que o autor chama de “partido anarquista”. Nesta parte, apresentaremos o significado de “partido” para Malatesta e como esse partido, que é uma forma de organização especificamente anarquista, deve se estruturar. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 212 Luta de Classes e Contemporaneidade Abordagens do anarquismo: mediando a realidade no século XXI Bruno Augusto de Souza1 Resumo: O presente estudo aborda as questões do anarquismo, sua forma de pensamento ideológico, negando o autoritarismo, buscando a compreensão da sociedade no intuito de aplicação dos princípios da solidariedade e liberdade, acima de tudo. Citando grandes pesquisadores e cientistas anarquistas, como Piotr Kropotkin e Élisée Reclus, abrangendo pequena parte de suas vidas, citando o porque da luta que ambos realizaram. E também abrangendo de forma exemplar o que o capitalismo esmagador faz na vida das pessoas, sem as mesmas perceberem, buscando uma forma clara de compreensão da necessidade de mudança em todos os aspectos, citando o Brasil como exemplo disso, políticas de repressão e literalmente escravidão dos trabalhadores, sendo aprisionados, mascarados pela realidade midiática e opressora. Palavras-Chave: Anarquismo, Reclus, Século XXI. Introdução O entendimento do princípio anarquista é de extrema importância para a compreensão do embasamento referido neste artigo. A anarquia nega como princípio básico a autoridade, qualquer forma de repressão autoritária, de manipulação que existe, bem como a exploração intensificada no sistema capitalista. "Nada de Estado" ou "nada de autoridade", malgrado sua forma negativa, tinha um profundo sentido afirmativo em suas bocas. Era um princípio filosófico e prático, significando ao mesmo tempo que todo o conjunto da vida das sociedades, tudo desde as relações cotidianas entre indivíduos até as grandes relações das raças para além dos oceanos - podia e devia ser reformado, e o seria necessariamente, cedo ou tarde, segundo os princípios da anarquia: a liberdade plena e completa do indivíduo, os grupamentos naturais e temporários, a solidariedade, passada ao estado de hábito social (KROPOTKIN, 2007, p. 33-34). Sua principal forma de afirmação está na questão de uma sociedade livre, não só na questão econômica, mas também nos aspectos culturais , religiosos, educacionais, nos quais a abolição do Estado é uma das primeiras etapas para edificação de uma sociedade anarquista Autor. Graduando do curso de Geografia na Universidade Estadual de Goiás, na Unidade Universitária de Ciências Sócio-Econômicas e Humanas, é estagiário do Laboratório de Geoprocessamento na mesma unidade, participa do grupo de estudos Geografia Anarquista de Reclus e a Questão Ambiental. 1 213 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário juntamente com apropriação direta do trabalho pelo trabalhador implantando a autogestão da produção2. Para Gomes (2009) nas últimas décadas o anarquismo tem aumentado suas publicações, embora no campo acadêmico essa inserção continua sendo complicada, mesmo em uma fase que esses debates tem sido feitos em algumas universidades, mas como exceção do que regra. Alvorecer do debate Os movimentos anarquistas no século XIX, buscavam através de determinados momentos históricos implantar suas concepções através de ações práticas (comuna de Paris, Revolução Russa, criação dos sovietes, guerra civil espanhola), em que pese que muitas dessas experiências apresentaram problemas práticos, mas torna-se inegável que as mesmas mostram a validade das experiências conduzidas pelos próprios trabalhadores. A forma habitual de cação anarquista é a agitação sobre dado assunto, que se transforma em participação numa campanha de protesto. Esta pode ser reformista, lutar por qualquer coisa que não mudará todo o sistema, ou revolucionária, favorável a uma mudança do próprio sistema; pode ser legal ou ilegal, ou ambas ao mesmo tempo, violenta, não violenta, ou simplesmente sem violência. Pode ter hipóteses de triunfar ou nenhuma hipótese desde o princípio. Os anarquistas podem ser atores importantes ou mesmo os atores principais da campanha, ou então podem simplesmente ser um dos numerosos grupos que nela participam. Pensa-se logo de seguida numa grande variedade de possibilidades de cação e de há um século a esta parte os anarquistas experimentaram-nas todas. A forma de cação mais feliz e mais típica é a cação direta (WALTER, 1969, p. 49-50). Interessante observarmos que os exemplos acima citados, pouco são divulgados ou analisados no meio acadêmico, nas perspectivas dos trabalhadores os sindicatos tem procurado escamotear esses exemplos bem como as críticas colocadas pelos movimentos marxistas libertários, divulgando os princípios do anarco-sindicalismo que combatia a luta economicista e a propagava que a greve geral seria um elemento revolucionário, cabe lembrar que nesse período a maioria dos sindicatos era proibido. No entanto os burocratas sindicais praticam apenas formas de luta que auxiliam a reprodução da exploração do trabalhador pelo capitalista. O senso comum da maioria das pessoas continua vendo o anarquismo como algo que leva a "baderna", a "insanidade" 2 Em que pese que existe várias tendências dentro do anarquismo (anarco-sindicalismo, anarquismo individualista, anarquismo filosófico, anarquismo libertário), o fato da liberdade e a abolição do Estado serem elementos que caracterizam o anarquismo, indiferentes das correntes. Outra questão é que esse como movimento social eclode no século XIX. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 214 Luta de Classes e Contemporaneidade associada a questão da destruição do estado, esse fato ocorre pela falta de informação a respeito dos princípios anarquistas. O que apavora um grande número de trabalhadores e os afasta das idéias anarquistas é essa palavra revolução, que lhes faz entrever todo um horizonte de lutas, combates e sangue vertido, que os faz tremer à idéia de que um dia eles poderão ser forçados a ir para as ruas e combater um poder que lhes parece um colosso invulnerável contra o qual é inútil lutar violentamente, e que é impossível vencer (KROPOTKIN, 2007, p.39). A necessidade das rupturas O princípio anarquista nega diversas formas de autoridade, quebrando paradigmas, formando rupturas nunca antes pensadas, essa questão é de que os detentores do poder jamais aceitariam formas sucintas de "desmascaragem" essa realidade. As revoluções passadas, que se voltaram todos contra seu objetivo e o deixaram sempre tão miserável quanto antes, contribuíram em muito também para tornar o povo cético em relação a uma nova revolução. Para que combater e fracassar, diz-se, para que um bando de novos intrigantes para nos explorar no lugar daqueles que estão no poder atualmente. E, choramingando, murmurando contra os blefadores que o enganaram com promessas que nunca cumpriram, tapa os ouvidos contra os fatos que lhe gritam a necessidade de uma ação viril, e cerra os olhos para não ter de encarar a eventualidade da luta que se prepara (KROPOTKIN, 2007, p. 39). O fato de alguns direitos existirem, por mínimos que possamos ter, vem das formas como nossa sociedade em idos da civilização sempre lutou por esses direitos, como já disse, por mínimos que sejam3. Devemos não acomodar com as migalhas que os detentores do poder nos dão, mas sim, espelhar nas revoluções de antigamente para fazermos novas revoluções, a idéia central é eclodir esse pensamento na grande massa, fato complexo, mas não impossível. Pois, na iminência da revolução, mesmo sem conhecer as abordagens e seus aspectos, todos lutam por uma mesma causa, mas essa causa deve ter consequências atuais e não que levam décadas para serem aceitas e empregadas. O pensamento de Reclus da natureza e o problema da destruição da mesma Para RECLUS (1985), a natureza é pensada de uma forma a mostrar sua necessidade de integração nas sociedades e não como mera fonte de riqueza para satisfação das necessidades da sociedade capitalista, sua perspectiva ambiental mostra claramente Nas civilizações antigas sempre houve guerras para fazer com que possuíssem direitos mínimos que foram e estão se transformando, e conseguindo até hoje. 3 215 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário suas concepções anarquistas que se baseiam na noção de apropriação coletiva do ambiente, para extrair somente os bens necessários para apropriação dessa geração e das outras. Os bens necessários são na verdade uma porcentagem mínima do que se corrompe a natureza e as formas de vida hoje presentes, o capitalismo com o princípio de acumulação e lucro fez com que a exploração ideológica e da natureza se faz presente de uma maneira invisível, é fato que concordamos com que a natureza está cada vez mais devastada, mas a realidade é outra, porque, mesmo com a consciência, todos não param de assolar a natureza, do ponto de vista ideológico, podemos ter a consciência e lutar, mas do ponto de vista material, isso se torna extremamente complexo, porque estamos no meio do capitalismo e muitas vezes estamos sem saída, o estopim está iminente da necessidade de uma mudança radical. A questão de apropriação da natureza pelo homem, começando no pensamento do racionalismo moderno, o homem de certa maneira, compacta o mundo e também o fragmenta para melhor decifração, e posteriormente, melhor destruição. À beira-mar, as falésias mais pitorescas, as praias mais encantadoras também são em muitos lugares açambarcadas por proprietários invejosos ou por especuladores que apreciam as belezas da natureza à maneira dos cambistas avaliando um lingote de ouro. Nas regiões montanhosas freqüentemente visitadas, o mesmo furor de apropriação apodera-se dos habitantes: as paisagens são recortadas em quadrados e vendidas ao comprador mais abonado; cada curiosidade natural, o rochedo, a gruta, a cascata, a fenda de um glaciar, tudo, até o som do eco, pode tornar-se propriedade particular. Empreendedores apossam-se das cataratas, cercam-nas de tapumes para impedir os viajantes não-pagantes de contemplar o tumulto das águas, depois, à força de publicidades, transformam em belas moedas sonantes a luz que brinca nas gotículas rompidas e o sopro do vento que espalha no espaço echarpes de vapores (RECLUS, 2010, p. 85-86). Podemos citar Humboldt para início de exemplificação, Humboldt com conhecimento científico baseado nas ciências naturais, visava com viagens épicas, embasar a evolução de vegetais e animais, pois, é uma forma exemplar de mostrar que tudo está interconectado. Essa perspectiva humboldtiana, considerada referência nos estudos da geografia tradicional, contrariava a análise de Reclus, que não separava o ambiente natural do social. RECLUS (2010, p. 34) demonstra que não existe determinismo natural, pois a influência de um mesmo fator natural na sociedade humana pode evoluir, e até mesmo mudar totalmente de sentido, pois a sociedade melhora incessantemente sua capacidade de controlar os elementos naturais. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 216 Luta de Classes e Contemporaneidade A respeito dessa exploração e condições precárias de sobrevivência que existem na maior parte do mundo, Piotr Kropotkin, um exemplar cientista e revolucionário russo, nascido no fim da primeira metade do século XIX, com um futuro promissor no exército, filho do príncipe Aleksei Petrovitch, serviu por cinco anos como oficial do exército russo na Sibéria, Kropotkin vendo “a crueldade com que eram tratados os desterrados, em especial os poloneses dissidentes que se opunham ao domínio russo em seu país, fez com que ele e seu irm~o, Alexandre” , se ausentassem do exército russo (KROPOTKIN, 2007, p.10). Portanto a natureza é profanada por tantos especuladores precisamente por causa de sua beleza, não é surpreendente que em seus trabalhos de exploração os agricultores e os industriais negligenciem quanto a perguntar-se se eles não contribuem para o enfeamento da terra. É certo que o "duro labor" preocupa-se muito pouco com o encanto do campo e com a harmonia das paisagens, desde que o solo produza colheitas abundantes; portando seu machado ao acaso nos bosquetes, ele abate as árvores que o incomodam, mutila indignamente as outras e dá-lhes o aspecto de estacas ou vassouras. Vastas regiões, outrora belas de se ver e que amava percorrer, foram inteiramente desonradas, e experimenta-se um sentimento de verdadeira repugnância ao observá-las. Por sinal, ocorre freqüentemente que o agricultor, pobre em ciência bem como em amor pela natureza, engane-se em seus cálculos e cause sua própria ruína pelas modificações que introduz sem sabê-lo nos climas. Do mesmo modo, pouco importa ao industrial, explorando sua mina ou sua manufatura em pleno campo, enegrecer a atmosfera com fumaças da hulha e viciá-la por vapores pestilenciais (RECLUS, 2010, p. 86-87). A questão abordada no Brasil Hoje no Brasil, país este totalmente assolado pelo capitalismo, mas no mundo do século XXI qual país não é assolado por este capitalismo destruidor? Brasil país considerado emergente, mas com uma desigualdade econômica astronômica, onde multinacionais alocamse em locais com mão-de-obra barata, visando à total exploração da mais-valia. Nessa perspectiva as considerações feitas por Reclus e Kropotkin continuam válidas, mostrando assim o poder de autores clássicos que os mesmos propõem desde idos do século XIX, mostrando significativos até em nosso presente século XXI. Um exemplo disso são as grandes montadoras de veículos, onde constroem grandes fábricas nas cidades dos mais divergentes tamanhos. Os veículos no Brasil, ainda são vendidos a “peso de ouro”, onde o consumidor que trabalha 8 horas por dia e n~o revê seus direitos paga o preço que não vale em produtos ruins. Fora a destruição ambiental que esse modo de produção produz no espaço geográfico. As crises que ocorrem nas chamadas economias centrais ou em países centrais, refletem a falência do Estado em relação, aos problemas causados pelo capital e o papel que 217 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário esse estado tem em reproduzir o capital sendo assim assumindo sua verdadeira face, burguesa na qual essa instituição jamais pode servir a classe trabalhadora. É o Estado. É o crescimento contínuo e a ampliação das funções do Estado, embasado nessa fundação bem mais sólida do que a religião ou o direito de hereditariedade - a lei. Enquanto durar o Estado, enquanto a lei permanecer sagrada aos olhos dos povos, enquanto as revoluções futuras trabalharem pela manutenção e pela ampliação das funções do Estado e da lei, os burgueses conservarão o poder e dominarão as massas. A constituição do Estado onipotente que faz a força atual da burguesia. Pela lei e pelo Estado, os burgueses apoderaram-se do capital e constituíram sua autoridade. Pela lei e pelo Estado, eles a mantém. Pela lei e pelo Estado, prometem ainda reparar os males que corroem a sociedade (KROPOTKIN, 2007, p. 100). A pressão da mídia Diz-se importante o trabalhador comprar, palavra essa primordial para a manutenção do capitalismo, o trabalhador é bombardeado todos os dias por propagandas na mídia, onde a pessoa após o trabalho, chega a sua casa e em seu momento de lazer é corrompido por propagandas enganosas impondo que ele precisa consumir exacerbadamente, que nada em sua casa está bom e que ele está fugindo dos padrões da moda. Tudo isto nos remete aos primeiros programas televisivos nos Estados Unidos, onde a programação era formada em grande parte por desfiles de moda. Os desfiles de moda só trazem benefícios, ou melhor, só traz algo concreto para a indústria da moda, nem se dá para explorar muito isso em forma de utilidade para as pessoas que vivem fora desse meio. A moda, algo imposto na sociedade, é a visão perfeita para a concepção inerente do capitalismo, alguma coisa abstrata que terceiros impõe para a grande maioria usar, já é uma forma de repressão. As vestimentas como qualquer forma de locomoção do ser humano, devem ser feitas com a opinião própria, o que lhe convém e o que não lhe convém usar. Criação de leis para a repressão das pessoas sempre são aprovadas com louvor, o que não acontece com as leis de cortar benefícios dos que compõem o governo. Vejamos uma forma de fazer com que os trabalhadores se sintam "justamente remunerados", o 13º sal|rio é uma forma fantasiosa de um pagamento “extra” para os trabalhadores, onde as pessoas trabalham na verdade por 13 salários e recebem 12 em um ano, isso explica a total desigualdade econômica no Brasil. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 218 Luta de Classes e Contemporaneidade A venda do tempo é outra coisa ilógica, pois, o mês é designado por 30 dias, outra forma de aprisionamento das pessoas, onde é a grande forma de acumulação de capital dos empresários. Essa designação de horas de trabalho e dia, aprisiona todos a trabalhar exaustivamente para não receber o que lhes é de direito, sendo recebido somente quantias insignificantes para uma pessoa sobreviver. Nostalgia e pós-modernidade Não precisamos ver um mundo antigo, de nossos antepassados, apropriando dos locais do mundo em sua plenitude, plenitude principal do planeta Terra, onde histórias eram mencionadas com orgulho, pessoas utilizando de forma sucinta a linguagem, onde somente vimos isto em histórias fantasiosas, mundos surreais para nossa atual realidade. A questão da natureza nas histórias antigas eram cheias de invenções para fazer com que o vislumbre se tornasse grande. O esplendor dos contornos da natureza ambiente restaria desconhecido a homens que, sob o golpe de um vago terror cuidadosamente alimentado pelos feiticeiros de todo tipo, não cessavam de perceber nas grutas, nos caminhos desertos, nas gargantas das montanhas, nos bosques povoados de sombra e silêncio, fantasmas informes e monstros horríveis assemelhando-se simultaneamente ao animal e ao demônio. Que estranha idéia deviam fazer da terra e de sua beleza esses monges da Idade Média que, em seus mapas-múndi, nunca deixavam de desenhar, ao lado dos nomes de todos os países longínquos, animais vomitando fogo, homens com cascos de cavalo ou cauda de peixe, grifos com cabeça de carneiro ou boi, mandrágoras voadoras, corpos decapitados com grandes olhos de espanto alojados no peito! (RECLUS, 2010, p. 63). Hoje vemos um mundo completamente desigual em todos os sentidos, desde o nascimento de pessoas não favorecidas financeiramente, citemos o Brasil, onde a saúde pública fica cada vez mais medíocre, se existe o dinheiro, existe o atendimento, se não há dinheiro, então também não há atendimento, pode-se até afirmar que a culpa é total das pessoas, se o médico não atende é porque ele está de má fé, só quer saber do dinheiro, mas vejamos que estão inseridos no capitalismo, quem não está trabalhando por seu sustento? Pela questão financeira? Todos buscam melhorias. Com esse intuito, podemos afirmar que a culpa é do sistema capitalista, onde préjulgam todos a partir de quando o referido ser humano é concebido no planeta Terra. Não fazendo de sua única exclusiva vontade ou de um grupo, mas da totalidade irremediável, podemos abdicar de luxos, que na verdade é uma palavra capitalista e 219 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário inescrupulosa, pois mostra o que muitos não tem, uma total falta de generosidade por grande parte do mundo. Aplicando a visão de um cristão é simples, pois, se somos todos filhos de Deus, porque nossos bilhões de irmãos são cruelmente abdicados dos "luxos"? Onde em muitos lugares o luxo de uma refeição se torna mortal a cada momento. As projeções do quantitativo de habitantes no Planeta Terra são alarmantes, hoje a má distribuição de renda gera total desordem, fome e mortes no mundo, quando se passar algumas poucas décadas se fará necessário a racionalização de suprimentos básicos para a sobrevivência. Fato que já ocorre entre as pessoas que não tem acesso à alimentos, saúde, trabalho. Se consolidarem as projeções recentes, o que será do Planeta daqui essas poucas décadas? O ser humano ajudará a destruir tudo o que ele apropriou, mas a destruição será o mínimo que poderia acontecer, vide a irresponsabilidade e também o uso em benefício próprio de todos os recursos presentes na vida terrestre. A poluição que se faz presente no Planeta é outro fato consolidador do caos, a poluição da água e do ar, são as formas mais graves para a vida terrestre. Isso está iminentemente ligado as grandes indústrias, onde liberam no ar produtos tóxicos em formas de nuvens, e depositam nas águas resíduos de lixo tóxico, formando um ciclo da morte nas vizinhanças. A iminência da (r)evolução A questão que se coloca sempre em discussões anarquistas é de que nesse mundo assolado pelo capitalismo não teria como as relações anarquistas envolverem todos, pois, a necessidade dos bens se tornam primordiais, mas aí que está a revolução. As pessoas enxergam um mundo solidário como um mundo destruído, sem policiais, sem o poder público, já acostumaram a deixar de lado suas singularidades, talvez nem exista mais singularidade nas pessoas. A solidariedade seria a forma final de um mundo anarquista, relações corretas, trabalho sem exploração, divisão precisa. Não haveria crimes e poluição, pois não precisaria explorar as pessoas para sua sobrevivência e também a necessidade de respeito e restauração do meio ambiente. Grandes fábricas exploradoras da mais-valia desapareceriam, a De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 220 Luta de Classes e Contemporaneidade necessidade de locomoção para lugares longínquos extinguiria, a necessidade de educação, saúde, alimentos, moradia e trabalho estariam ao alcance de todos. Um mundo auto gerido evitaria que catástrofes naturais se tornassem catástrofes mortais, como sempre ocorreram, pois evitaria as péssimas condições de moradia para grande parte da população mundial, que vive literalmente no limbo, esperando somente o juízo final chegar para dar um fim em suas miseráveis e exploradas vidas. Maior caos que vivemos no capitalismo não há como expandir para destruições maiores. A necessidade iminente de renovação está sendo clamada. Referências GOMES, P. N. Élisée Reclus: Por uma Nova geografia Libertária. 2009. KROPOTKIN, P. O Princípio Anarquista e Outros Ensaios; organização e tradução Plínio Augusto Coêlho. São Paulo: Estudos Libertários: Ed. Hedra, 2007. RECLUS, E. A Natureza da Geografia. 1985. RECLUS, E. Da Ação Humana na Geografia Física; Geografia Comparada no Espaço e no Tempo; organização e tradução Plínio Augusto Coêlho. São Paulo: Expressão & Arte: Ed. Imaginário, 2010. RECLUS, E. Do Sentimento da Natureza nas Sociedades Modernas; organização e tradução Plínio Augusto Coêlho. São Paulo: Expressão & Arte: Ed. Imaginário, 2010. WALTER, N. Do Anarquismo. 1969. 221 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Marx Anarquista? – reflexões sobre as possibilidades de um Marxismo Libertário Mariana Affonso Penna (UFF) [email protected] Resumo: O senso comum da militância política tem por recorrente a associação da produção intelectual de Marx ao chamado “Socialismo Real”, que se desenvolveu na URSS a partir da Revolução de 1917. Neste aspecto dividem-se os simpatizantes daquele modelo e seus opositores, que observam no leninismo e, posteriormente, no stalinismo, práticas políticas de caráter autoritário. Ao tratar do Anarquismo, opiniões novamente dividem-se entre seus entusiastas, (sejam eles coletivistas ou individualistas) de um lado e seus opositores, que consideram Anarquismo sinônimo de desorganização e utopia. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 222 Luta de Classes e Contemporaneidade Considerações do princípio anarquista de Kropotkin, até os dias de hoje Aroldo Pedreira Barbosa da Silva1 Resumo: As considerações deste trabalho se refere ao princípio anarquista no final do século XIX, abordando as lutas de classes com o princípio da autoridade do campo privado, como também o do casamento até o governamental. No primeiro momento o autor começa apresentando uma simples negação do estado e de qualquer espécie de autoridade ou egoísmo absurdo e na opressão bem como na moral corrente derivada do código romano adotado e santificado pela igreja cristã. Foi nessa luta engajada contra a autoridade, nascidas no próprio seio da internacional, que o partido Anarquista constituiu-se como partido revolucionário distinto. Nos escritos de Bakunin, tanto quanto encontramos profundas considerações relativas aos fundamentos históricos da idéia anti-autoritária, nada de estado ou nada de autoridade. Palavras -Chave: Anarquia, sociedade, Estado, autoridade. Introdução Kropotkin , Que era um príncipe russo nascido em berço de ouro, herdeiro de um titulo de nobreza, que logo renuncia e segue para a casa dos Ruriks,(Dinastia anterior à Romanov), Desde cedo foi interessado pelos mistérios da natureza e da sociedade. Terminando seus estudos em 1861, na academia militar, foi designado ir para a Sibéria. Lá começa a indignação, por presenciar a crueldade com que era tratado os Poloneses em especial. Em sua memória, a anarquia tem o seu surgimento do processo de negação das estruturas opressoras vigente na sociedade, as instituições burguesas como o Estado e o seu aparato repressivo (Escola, Justiça, policia etc...) são combatidas pelo anarquismo, pois representam a ordem imposta e não natural da organização em sociedade. A concepção de uma sociedade livre, sem autoridade, avançando para a conquista do bem-estar material, intelectual e moral – Seguia de perto a negação. Nos escritos de Bakunin, tanto quanto naqueles de Proudhon, e também de Stirner, encontramos profundas considerações relativas aos fundamentos históricos da idéia anti-autoritária: Que dizia não ao Estado e nada à Graduando do curso de Geografia na Universidade Estadual de Goiás, na Unidade Universitária de Ciências Sócio-Econômicas e Humanas. Participa do grupo de estudos A Geografia anarquista de Reclus e a questão ambiental. 1 223 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário autoridade, malgrado sua forma negativa, tinha um profundo sentido afirmativo em suas mentes. Era um principio filosófico e prático, para que todo o conjunto da vida das sociedades, desde que as relações das raças fossem para servirem todo o planeta sem restrição de cor, raça ou qualquer outro tipo de discriminação. Podia e devia ser reformado, cedo ou tarde, segundo os princípios da Anarquia: A liberdade plena e completa do indivíduo, (Kropotkin 2007, p.34) Essa liberdade proposta pelo anarquismo surge da necessidade (...), Sem açoite, sem coerção, de um modo ou de outro, sem o açoite do salário ou da fome, sem aquele do juiz ou do policial, sem aquele da punição de uma forma ou de outra, eles não podem conceber a sociedade. Só nós ousamos afirmar que punição, polícia, juiz, salário e fome nunca foram e jamais serão um elemento do progresso, (Kropotkin 2007, p. 36). Revolução Segundo Bakunin em alguns de seus livros, afirma, pelas ações anarquista que a revolução é inevitável, tudo leva a ela, tudo contribui para esse confronto. Ora, se olharmos para o Brasil nestes últimos anos veremos que de um modo em geral, a classe trabalhadora tem se revoltado constantemente contra a ordem estabelecida, as revoltas se manifestam nos terminais de ônibus, nas filas dos cais, nas resistências promovidas pela classe contra o processo de especulação imobiliário nas cidades, no campo a luta pela terra continua. Esses fato são potencializados pelos escândalos por exemplo como os fanfarrões nadarem de braçadas no rio de dinheiro, no entanto a mídia procura colocar que esses fatos são isolados e não a própria essencial das relações do estado. Em conseqüência desse sistema, cada vez mais explorador da sociedade de um modo geral, é que presenciamos a insatisfação de vários órgãos públicos que, na maioria dos setores, passam pela mesma situação do efetivo que trabalha para o setor privado. A insatisfação tamanha dessa população, está levando-os as ruas, paralisando serviços públicos, como exemplo: a greve dos bombeiros no Rio de janeiro e das polícias militares de vários estados brasileiros, onde houve intervenção das forças armadas, indo as ruas para manter a ordem. Isso significa o desconforto dos funcionários públicos, e que a situação não pode prolongar-se, e que tudo leva a um confronto em massa De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II da multidão. Não adianta o 224 Luta de Classes e Contemporaneidade Estado aumentar seu efetivo de seguranças ou tropas especiais como são chamadas, e de contratar funcionários temporários com baixos salários. Dia Seguinte A revolução Segundo ( Kropotkin 2007, p.42), em sua fala, ele cita as objeções que as idéias anarquista enfrenta, quando é dito que a anarquia por si só não teria como se defenderse de outras potencias, e dos burgueses que provavelmente tentariam recuperar sua autoridade e estabelecer seu propósito de dominação. Mas se os que pensam neste sentido, dessem conta, do que poderia causar uma revolução social, perceberia que logo cairia por terra sua posição e que os meios de transição que postulam resultaria no estrangulamento da revolução que eram obrigados, a realizar tal tarefa. É evidente que a proporção que a revolução, causaria, nas instituições sociais é, provavelmente impossível ser uma obra de dois ou três dias de luta, mas sim, de uma longa sequência de lutas, que poderão durar anos, e gradualmente a eliminar qualquer tipo de preconceitos, e que tendo destruído todos os obstáculos, e a humanidade estiver em plena liberdade. Teoria e Pratica Na teoria e na pratica, (Kropotkin 2007, p.45), fala desses dois termos, o primeiro determina, e o segundo presta-se a equívocos. Sendo assim a quase totalidade dos crimes, tem uma simples e única causa: É a cobiça, que leva a vontade de possui-la; levando o ser humano a loucura arrebatadora do ouro e a das grandezas. E as leis são garantias feitas para justificar a legalidade dos crimes da classe dominante, e usadas para punir as contravenções dos pobre. Corrupções envolvendo autoridades do alto escalão, onde é perceptível a punição Que na verdade se dá de forma que, o envolvido renuncie, no caso ser parlamentar. compreendendo assim os anárquistas, que ai se encontra o verdadeiro mal da humanidade. Se sobre as ruínas desse mundo ingrato e assustador, um outro viesse e o trabalhador segundo as suas aptidões, trabalharia a sua vontade e necessidades. Egoismo O sentimento é para Kropotkin, a mais poderosa alavanca do progresso, é ele que leva o ser humano a interesses individuais instantâneos e materiais, unindo os oprimidos num único pensamento, e uma única necessidade de emancipação, ensinando o homem a revolta- 225 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário se sem nenhuma perspectiva de vitoria, mas simplesmente uma protestação ou uma afirmação, ou apenas um exemplo. Não é normal e nem se pode ser egoísta sem fazer mal a outra pessoa ou a outros seres humanos, como por fim a própria vida, exemplo que aconteceu na guerra dos países baixos e contra o poder dos Stuarts, nos séculos XVI e XVII, por fim, vivemos um pouco a vida do outro; por que deixa atrás de si, lembranças, afeições e vestígios. Então o que o anarquismo acredita é que para adquirir prazer ou satisfação, sem se preocupar com o bem está do seu vizinho, é o mesmo que acreditar que a revolução do futuro, seria feita em proveito dos mais poderosos, sendo assim, não teríamos por que reinvindicar uma idéia de liberação geral.(Kropotkin 2007, p. 49-64) . Casamento Sobre o casamento, Segundo Kropotkin, em sua fala, cita que a religião e os burgueses queriam manter indissolúvel, mas tiveram que corrigir, aplicando o divorcio, sendo um processo que depende de dinheiro para ter sua validade. Em conseqüência da luta entre os dois tipos de casamento, o matriarcado e o patriarcado, se desenvolveram lado a lado, na série dos tempos e conforme as vicissitudes dos homens, ganhando ou perdendo em força relativa, sem nunca manter o ponto de equilíbrio enquanto instituição. E naturalmente, esta pretensão exclusiva à virtude gerou todos os males: Exemplo bem próximo nos dias de hoje aqui no Brasil, em relação às mulheres, e seus maridos ou mesmos, simples companheiros que, por motivo de se achar proprietário da mulher, cometem barbaridades, como brutalidades na criação dos filhos em sua educação, maltratando seu cônjuge, seja verbalmente ou fisicamente, chegando até o homicídio seja da própria esposa ou do cidadão que provavelmente está lhe traindo. Por isso os anarquista repudiam a organização do casamento, por acreditarem que dois seres humanos que se amam, precisem de um terceiro, para viverem juntos e construir famílias. (Kropotkin 2007, p.65-66). Isso conclui o pensamento de Èlisée Reclus, quando em sua fala ele diz que os primitivos eram naturalmente levados a considerar como seu pertence, a pedra por ele talhada ou o vaso feito com suas mãos, e, ao darem a outrem este objeto por eles fabricado, a livre doação estabelecia sua qualidade de proprietário, mas não imaginavam que a pedreira da qual extraíram o SILEX ou o campo de LAVA que lhes fornecera a obsidiana necessária à sua indústria a pudessem torna-se propriedade pessoal. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 226 Luta de Classes e Contemporaneidade Evolução socialista Na idéia de Kropotkin, Ele comenta as características dessa época. Quando ele fala no desenvolvimento do pensamento; e no prodigioso desenvolvimento das ciências naturais; da impiedosa crítica aos preconceitos adquiridos sobre bases cientificas de observações, experiência e raciocínio. Em questão a essa idéia, é perceptível que à séculos, a humanidade corre rumo a esse ideal de liberdade, Igualdade e fraternidade, em seu livre desenvolvimento pelo despotismo, pelo egoísmo das classes dominadoras e privilegiadas, esse movimento favorecido pela indignação da população, levou a revolução, com isso abril caminho para mil dificuldades internas e externas, e mesmo com a revolução vencida, suas idéias permaneceram perseguidas e a evolução de um século terrivelmente lenta. Tempos depois o socialismo aparece em nome da metafísica governamental dizendo que o estado está aí para proteger os pobres contra a classe dominante e do capitalismo explorador, arrecadando a mercadoria ou produto do seu trabalho. Ação rápida da burguesia cruel e calculista com armas, acabou em junho de 1848, somente 20 anos depois, começa a convidar os trabalhadores para ingressarem na associação internacional dos trabalhadores (AIT), somente aí que, o socialismo começa a falar em nome do povo mais uma vez. ( kropotkin, 2007, p 79). Entretanto, assim como as religiões levaram as aspirações à justiça e a igualdade a um céu Fictício, os filósofos e alguns juristas transmitiram o ideal de um direito verdadeiramente equitativo embasado nas premissas formuladas por Zenão e pelos estóicos. Foi o pretenso direito natural que, ao modo das concepções ideais da religião natural – iluminou fracamente muitos séculos de crueldade e ignorância e cujo esplendor ajudava os espíritos. A tentativa de dar uma realidade a esses ideais abstratos foi a maior contribuição que a idéia libertária deu à humanidade. Esse ideal, tão diametralmente oposto àquele de um reinado supremo e definitivo da autoridade, foi, em seguida, absorvida durante mais de dois mil anos. E permaneceu enraizado no coração de todo homem honesto, perfeitamente consciente de que isso era necessário, a despeito de seu ceticismo, de sua ignorância ou de sua oposição à possibilidade próxima de realização, (Nettlau, p 32). 227 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Segundo Max Nettlau, Compreende-se facilmente por que a autoridade – Estado, propriedade, Igreja – Impediu republica, o Império Romano e a divulgação dessas idéias, e sabe-se de que maneira a a Roma dos Papas, até o século XV, impuseram ao mundo ocidental um fascismo intelectual absoluto, assim como o despotismo oriental renascente entre os bizantinos e os Turcos, e do mesmo modo o czarismo russo, o qual, virtualmente, continua no bolchevismo. Até o século XV, e inclusive, depois ( servvet,Bruno, Vanini), o livre pensamento foi proibido sob pena de morte e só pôde ser transmitido secretamente por alguns homens de ciências e seus discípulos, talvez no círculo muito restrito de algumas sociedades secretas. Ele só pode aparecer abertamente quando, no fanatismo e no misticismo das seitas religiosas. Reclus comenta em seus escritos, que o mundo está mudado, não olha mais para o passado. Houve varias tentativas de adotarem um jardim do Édem em vários países como Estados Unidos, Brasil e México, bem como na Australia, Europa e na África, entregando um grande numero de colônias pelo qual, é buscar com maior ou menor sucesso, estabelecer sociedades de trabalhadores felizes. Porém muito pequeno em relação a experimentação geral, além dessas inúmeras empresas que tentam aplicar ao solo as forças industriais, e procedimentos químicos e a força do trabalho que é dito como livre. Como em todos os tempos a burguesia sai na frente, deixando para trás uma grande caravana de pobres infelizes e desesperados, encontrando no cristianismo aquela bela frase onde diz, ( se bateres em tua face, da outra para também bateres), enquanto esperam um milagre e a volta de um Rei de Gloria. Referências: Kropotkin, P. O princípio Anarquista e outros ensaios. Série Estudos Libertários, São Paulo: Ed. Hedra, 2007. NETTLAU, M. História da Anarquia, das origens ao Anarco-comunismo. Ed. Hedra. Autor: Élisée Reclus; Da ação humana na geografia física, Editora Imaginário, expressão e arte, São-Paulo: 2010 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 228 Luta de Classes e Contemporaneidade Lumpemproletarização e Luta de Classes na Argentina Lisandro Braga Resumo: Uma das principais conseqüências da neoliberalização da economia argentina, sem sombra de dúvidas, foi a geração de milhares de postos de trabalho precarizados, subempregos, empregos temporários e milhões de desempregados. O índice de desemprego que na década de 1980 variava entre 4% e 6%, nos primeiros anos da década de 1990 chegam a 18,4%. Apesar da singela recuperação no final dessa década, tais índices voltam a crescer de forma assustadora a partir de 2001: dependendo da região, o índice de desemprego chegou a atingir a cifra de 50% da população economicamente ativa. A intensidade com que a pobreza foi atingindo amplos setores da classe trabalhadora foi proporcionalmente acompanhada pela intensidade das tensões sociais derivadas de tal pobreza, pois para amplos setores da classe trabalhadora argentina, o processo de privatização representou o fim de uma estabilidade no emprego e o início de um caminho, muitas vezes sem volta, ao desemprego e à vida lumpemproletária. A resposta popular a essa condição não tardou a aparecer, pois a história argentina conheceria uma nova modalidade de protestos sociais e um novo sujeito histórico, formado essencialmente pelo lumpemproletariado: o movimento piquetero. A intenção desse seminário é discutir as múltiplas determinações desse processo e a dinâmica da luta de classes derivada do mesmo. O processo de lumpemproletarização traduz a principal conseqüência social do regime de acumulação integral1 em todo o mundo, no entanto esse processo possui suas singularidades segundo o modelo de capitalismo vigente em cada nação, isto é, apesar de constatarmos que durante a vigência do regime de acumulação integral o lumpemproletariado2 tende a crescer, tal crescimento ocorre de forma diferenciada, pois nos países de capitalismo imperialista vem ocorrendo uma expansão do lumpemproletariado enquanto nos países de capitalismo subordinado o processo de lumpemproletarização tende a ocorrer de forma intensificada. A lumpemproletarização vem acompanhada da luta de classes que, também, atinge coeficientes diferenciados de uma região para outra. Acreditamos que esse seja o caso argentino. Vejamos. Seguindo as análises de Maristella Svampa (2010), é possível perceber que durante décadas a Argentina foi dominada por um modelo de integração nacional-popular cuja máxima expressão foi a primeira fase do peronismo (1946-1955). Esse modelo se constituía Doutorando em Sociologia/UFG e pesquisador do NUPAC – Núcleo de Pesquisa e Ação Cultural. Sobre o regime de acumulação integral Cf. VIANA, 2009. 2 Para nós, o lumpemproletariado equivale a uma classe social composta pela totalidade do exército industrial de reserva (desempregados temporários ou de longa data, mendigos, sem-tetos, prostitutas etc.). 1 229 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário por três grandes características: No plano econômico tal modelo se caracterizava por uma concepção de desenvolvimento inspirada na substituição de importações e por uma estratégia voltada para o desenvolvimento do mercado interno. No plano político o Estado se apresentava como o agente garantidor da coesão social através dos gastos públicos sociais. Essa política se traduzia na ampliação da cidadania burguesa3 através do reconhecimento dos direitos sociais. Em terceiro lugar, havia uma tendência a promover a homogeneidade social visível na incorporação de parcela significativa da classe trabalhadora, assim como na expansão das classes auxiliares da burguesia4. Em linhas gerais, a Argentina se diferenciava dos demais países latino-americanos por possuir um Estado que, dentro das limitações típicas de um capitalismo subordinado, conseguia promover uma maior distribuição de renda e serviços públicos de qualidade para a maioria da população. O desmantelamento desse modelo social percorreu diversas etapas, no entanto não ocorreu de forma linear nem tão pouco numa única seqüência. A substituição da sociedade fordista para uma sociedade de acumulação integral conheceu diversos momentos. De maneira esquemática, poderíamos afirmar que as mudanças na ordem econômica se iniciaram durante a década de 70, a partir da instalação de regimes militares no cone sul da América Latina; as transformações operadas na estrutura social começariam a tornar-se visíveis na década de 80, durante os primeiros anos de retorno à democracia; por último, podemos situar as maiores mudanças no final dos anos 80 e princípio dos anos 90, com a gestão menemista (SVAMPA, 2010, p. 22). Assim como em vários países da América Latina, a ditadura militar, que chegou ao poder na Argentina no dia 24 de março de 1976, tinha como principais objetivos programar uma rígida política de repressão, assim como refundar as bases materiais da sociedade. Por um lado, o terrorismo de Estado promoveu o extermínio e disciplinamento de amplos setores sociais mobilizados e, por outro lado, colocou em prática um programa de reestruturação econômica que produziria profundas repercussões na estrutura social e produtiva do país. “O cidad~o, enfim, é um indivíduo que cumpre com seus deveres e direitos, ou seja, é aquele que respeita a propriedade privada, a liberdade de imprensa etc., paga os impostos, legitima o estado capitalista reconhecendo o processo eleitoral etc. O cidadão é o indivíduo conservador, o indivíduo que aceita o mundo existente, ou seja, a sociedade burguesa (modo de produção capitalista e formas de regularização não-estatais) e o estado capitalista. A cidadania, por conseguinte, é a concretização dos direitos do cidadão e, portanto, significa a integração do indivíduo na sociedade burguesa por intermédio do estado” (VIANA, 2003, p. 69). 4 Utilizamos o conceito de classes auxiliares em substituiç~o ao constructo ideológico de “classes médias”. A garantia e manutenção dos interesses dessas classes estão intimamente vinculadas à sociedade capitalista, portanto, “o que se deve ressaltar é que as classes auxiliares, devido {s necessidades de sua própria reproduç~o, bem como sua inserção social, auxiliam a dominaç~o burguesa [...]” (VIANA, 2003, p. 72). 3 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 230 Luta de Classes e Contemporaneidade Tais mudanças estavam assentadas na importação de bens e capitais e na abertura financeira. Isso implicou uma interrupção na política de substituição de importações e um grande endividamento dos setores públicos e privados, visíveis no extraordinário aumento da dívida externa5 que passou de 13 milhões para 46 milhões de dólares no período de 1976-1983. Dessa forma, a lógica da acumulação imposta pela valorização financeira sustentou as bases de dominação centradas nos grandes grupos nacionais e nos capitais transnacionais (SVAMPA, 2010; BASUALDO, 2002). Os efeitos dessa reestruturação econômica podem ser percebidos nas diversas mudanças geradas na estrutura social argentina. Dentre elas se destaca a enorme transferência da mão-de-obra empregada na indústria para o setor terciário e autônomo, assim como a formação de uma incipiente mão-de-obra marginalizada do mercado de trabalho - o lumpemproletariado. Além disso, houve uma significativa deterioração dos salários reais que aliada com a baixa produtividade causou a contração da demanda interna na qual foi acompanhada por um forte incremento das disparidades intersetoriais. A distribuição de renda também sofreu impactos negativos com a eliminação das negociações coletivas e com a queda salarial. Dessa maneira, até o final dos anos 80, envolvido em uma série de conflitos econômicos e institucionais, o país se afundava cada vez mais em uma grave crise econômica, refletida na importante queda da inversão interna e estrangeira, na crescente fuga de capitais e no recorde inflacionário, que em 1987 alcançaria 175% e, em 1988, 388% (SVAMPA, 2010, p. 25). Diante dessa nova realidade, nascia na Argentina da década de 1990 uma sociedade empobrecida e atravessada por novas desigualdades sociais. O país experimentava o declínio estrutural do modelo nacional-popular sem contar com nenhuma chave para reencontrar a Já há algumas décadas, diversos estudos vêm sendo realizados sobre a dívida externa dos países da América Latina e vários deles apontam para o seu caráter ilegal. De acordo com estudos realizados por pesquisadores do Observatório da Dívida na Globalizaç~o (Catalunha, Espanha), “no caso argentino, durante o mandato de Carlos Ménen (1989-1999), se ampliou o número de juízes da Corte Suprema de Justiça (o máximo tribunal de justiça), e o executivo designou, com apoio de um senado majoritariamente menemista, cortesias a dependentes do regime. Com isso, o governo de Ménen assegurava a ratificação de todos os seus atos sem que fossem impugnados por via judicial. Na mesma época se revisou a Constituição Nacional (1994). A reforma da Carta Magna não só permitiu a reeleição de Ménen, mas, além disso, facultou o presidente a tomar decisões próprias do Parlamento (delegação do poder legislativo ao poder executivo) [...] Esse foi o marco político que possibilitou que durante o ‘menemismo’ a dívida externa da Argentina crescera 150% e, em cumprimento as exigência do FMI, se privatizaram todas as empresas de serviços públicos e as que controlavam os recursos estratégicos do país” (RAMOS, 2006, p. 32-33). 5 231 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário integração social de amplos setores populares e médios empobrecidos6 (KESSLER & MINUJÍN, 1995; KESSLER & DI VIRGILIO, 2008). No entanto, as conseqüências mais drásticas estavam por vir, visto que a consolidação da nova ordem neoliberal argentina ocorreria durante os governos de Carlos Menen. Recém saída de uma ditadura militar, a Argentina se encontrava extremamente endividada e presa a um modelo de governabilidade corporativo, autoritário e corrupto. A partir de 1992, com Carlos Menen no poder, inicia-se um período de neoliberalização da economia com vistas a obter auxílio dos Estados Unidos, assim como recuperar sua credibilidade perante a comunidade internacional. Para isso, Menen promoveu uma abertura comercial aos fluxos de capital externo, garantiu maior flexibilidade nos mercados de trabalho, reformou a legislação trabalhista, realizou uma ampla reforma tributária, privatizou empresas estatais, equiparou o peso ao dólar com o objetivo de combater a inflação e garantir segurança aos investimentos estrangeiros. Uma das principais conseqüências da neoliberalização da economia argentina, sem sombra de dúvidas, foi a geração de milhares de postos de trabalho precarizados, subempregos, empregos temporários e milhões de desempregados. O índice de desemprego que na década de 1980 variava entre 4% e 6%, nos primeiros anos da década de 1990 chegam a 18,4%. Apesar da singela recuperação no final dessa década, tais índices voltam a crescer de forma assustadora a partir de 2001: dependendo da região, o índice de desemprego chegou a atingir a cifra de 50% da população economicamente ativa (VITULLO, 2008; SVAMPA, 2010). A intensidade com que a pobreza foi atingindo amplos setores da classe trabalhadora foi proporcionalmente acompanhada pela intensidade das tensões sociais derivadas de tal pobreza, pois para amplos setores da classe trabalhadora argentina, o processo de privatização representou o fim de uma estabilidade no emprego e o início de um caminho, muitas vezes sem volta, ao desemprego e à vida lumpemproletária. A resposta popular a essa “Uma das conseqüências de grande peso econômico e sócio-culturais mais inesperadas que os setores médios têm sofrido na Argentina foi a de dar origem a um tipo de pobreza com traços particulares, uma vez iniciado o intenso processo de empobrecimento sofrido pela sociedade desse país. Basta dizer que entre 1980 e 1990 os trabalhadores em seu conjunto perderam em torno de 40% do valor de suas rendas, e logo após certa recuperação em 1991 devido à estabilidade, voltaram a perder em torno de 20% entre 1998 e 2001, com importantes oscilações até hoje. A profundidade e persistência da crise iniciada em meados da década de 1970 fizeram com que milhares de famílias de classe média e de pobres de longa data, que no passado conseguiam escapar da miséria, visualizassem suas rendas declinar abaixo da “linha de pobreza” (KESSLER & DI VIRGILIO, 2008, p. 32). 6 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 232 Luta de Classes e Contemporaneidade condição não tardou a aparecer, pois a história argentina conheceria uma nova modalidade de protestos sociais e um novo sujeito histórico, formado essencialmente pelo lumpemproletariado: o movimento piquetero. A emergência do movimento piquetero está diretamente relacionada com o amplo processo de privatização neoliberal, principalmente com a privatização da empresa estatal petrolífera YPF (Yacimientos Petrolíferos Fiscales), localizada nas províncias patagônicas de Neuquén, especificamente em Cutral-Có e Plaza Huincul, entre os anos de 1991 e 1993. Logo após a privatização dessa empresa milhares de trabalhadores foram demitidos. No primeiro momento buscaram sobreviver como autônomos e micro-empresários que prestavam pequenos serviços para a petrolífera, no entanto essas tentativas resultaram em verdadeiros fracassos7 e esses ex-trabalhadores passaram a se encontrar isolados frente á frente com o desemprego aberto e sem nenhuma possibilidade de sustentarem a si mesmo e os seus familiares. Foi a partir daí que em junho de 1997 um grupo de desempregados convocaram seus familiares, vizinhos e vários outros setores sociais locais para bloquear a estrada nacional 22, “artéria chave na economia da regi~o” (VITULLO, 2008; SVAMPA & PEREYRA, 2009; ALVAREZ, 2009). Daí em diante, várias outras regiões afetadas pelos ajustes neoliberais conheceriam manifestações de desempregados e de diversos grupos de trabalhadores precarizados que passaram a adotar a estratégia dos piquetes e cortes de estradas como forma principal de protestos que se espalharam por diversas regiões da Argentina: General Mosconi e Tartagal (Salta), Libertador General San Martín (Jujuy), Cruz Del Eje (Córdoba), Capitan Bermúdez (Santa Fe), Buenos Aires e Conurbano Bonaerense e outras regiões mais. É no ano de 2000 que a prática piquetera atinge o Conurbano Bonaerense, alcançando um caráter nacional e permanente, deixando de ser um fenômeno localizado e fragmentado e tornando-se uma prática de resistência aos ditames neoliberais com caráter nacional. Em resposta à intensa lumpemproletarização de diversas regiões do conurbano, a prática dos Um conjunto de obstáculos e dificuldades possibilitou que a maior parte dessas experiências resultasse em fracasso. Svampa e Pereyra apresentam alguns desses obstáculos: “Por causa da ausência de uma verdadeira política de recursos humanos, muitas das empresas naufragaram rapidamente, atravessadas por dificuldades ligadas ao reconhecimento da autoridade, à tomada de decisões, a escassa capacidade negociadora, a impossibilidade de obter contratos por causa do não cumprimento com obrigações impositivas, a carência de edifício próprio e a impossibilidade de acesso ao crédito, por falta de garantias de pagamento ou hipoteca; por último, pelos problemas associados ao elevado nível de endividamento” (2009, p. 109). 7 233 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário piquetes e cortes de ruas/estradas se generalizam e se prolongam por semanas em vários municípios em volta de Buenos Aires. Com isso o governo De La Rua se vê obrigado a reconhecer esse movimento e iniciar negociações que apontem para a solução do desemprego em massa. Concomitante a esses cortes de ruas locais, se espalham, no mesmo período, cortes de estradas por todo o país. A repressão se intensifica e a reação popular cresce assustadoramente após o assassinato de alguns militantes piqueteiros (o assassinato de Aníbal Verón e Santillán são casos exemplares). De acordo com Vitullo, segundo um estudo realizado pela consultora Centro de Estudios Nueva Mayoría (2004a) divulgado pelo Jornal La Nacion, os cortes de estradas realizados em todo o território nacional foram 140 em 1997, 51 em 1998, 252 em 1999, 514 em 2000, 1383 em 2001 e 2336 em 2002 (o que representa uma média superior aos 6 bloqueios diários, sendo este o ano recorde em matéria de cortes) e, em 2003, verificaram-se 1278 interrupções { circulaç~o de veículos e mercadorias” (2008, p. 115). Nesse período, insurge um ciclo ascendente de lutas sociais e de enfrentamento popular contra as forças policiais que tomará conta da cena política e social argentina até aproximadamente o ano de 2003, período em que as lutas sociais iniciam seu refluxo. Em diversos períodos a tensão social adquire elevado grau de radicalidade e, conseqüentemente, a repress~o do “Estado penal” tendeu a ampliar-se a ponto de iniciar um verdadeiro processo de criminalização do protesto social (WACQUANT, 2001; KOROL, 2009). Esse novo ator social, composto majoritariamente pelo lumpemproletariado, denominado de movimento piquetero, assim como a dinâmica de suas lutas firmadas na ação coletiva, na organização solidária, com tomadas de decisões pautadas em assembleias horizontais e adotando o corte de ruas e estradas como principal ferramenta de luta, possui de acordo com vários autores uma dupla filiação. Portanto, para que se compreenda a emergência e desenvolvimento do movimento piquetero torna-se necessário apresentar essa dupla filiação. Uma das principais e mais complexa obra sobre o assunto, elaborada por Maristella Svampa e Sebastián Pereyra e denominada Entre la ruta y el barrio – la experiencia de las organizaciones piqueteras (2009) afirma que não é possível compreender a gênese nem o posterior desenvolvimento do movimento piquetero se não estabelecermos sua dupla filiação: por um lado, a vertente que apresenta a brusca separação dos marcos sociais e trabalhistas que configuraram a vida cotidiana de gerações e povos inteiros; separação violenta que, no De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 234 Luta de Classes e Contemporaneidade limite, revela tanto uma relação mais próxima com o mundo do trabalho formal, como reflete a opção por um tipo de ação sindical não-institucionalizada; ligado a um modelo de ação confrontativo; por outro lado, a vertente que assinala a importância da matriz especificamente territorial da ação coletiva, e que da conta tanto de uma distância maior com o mundo do trabalho formal como, no extremo, da continuidade de uma relação mais pragmática com os poderes públicos, na luta nada fácil pela sobrevivência (p. 20). A primeira filiação está intimamente relacionada com as conseqüências sociais que as reformas e “ajustes” neoliberais provocaram no mundo do trabalho a partir da implementação de um novo projeto econômico orientado para a eliminação de déficits fiscais, desregulamentação dos mercados e privatização acelerada de empresas públicas. Juntamente com esses ajustes foi aprovado o Plano de Convertibilidade de 1991 que estabelecia a paridade entre o peso e o dólar, reduzindo as tarifas alfandegárias, liberação do comércio exterior e aumentando a pressão fiscal. Os principais mecanismos de controle do Estado foram suprimidos a favor das regras do mercado. As conseqüências sociais foram drásticas, pois a queda na qualidade dos serviços públicos foi extrema, milhares de pequenos investimentos se viram falidos, milhares de lumpemproletários que além de perderem seus salários, perderam o seguro-desemprego e se encontravam extremamente endividados. Nesse novo contexto, as mudanças no mundo do trabalho modificaram-se bruscamente, pois o processo privatizador deixou uma importante quantidade de trabalhadores desempregados com diferentes trajetórias ocupacionais. No caso dos trabalhadores empregados se modificaram as condições de contrato de trabalho, de uma situação de quase garantia de estabilidade no emprego se passa a uma situação de incerteza e precarização das condições de trabalho e possibilidades de associação sindical (BONIFACIO, 2011, p. 73). Como foi dito anteriormente, o impacto mais extremo dessas reformas veio em conseqüência da privatização de uma das empresas públicas mais lucrativas e estratégicas da Argentina, a YPF. Vale lembrar que a YPF consistia em uma das maiores empresas estatais argentina e seus trabalhadores formavam uma espécie de “aristocracia oper|ria” visto que possuíam uma ampla gama de garantias e direitos sociais (saúde, moradia, educação para os filhos, creches, espaços recreativos etc.) oferecidos pelo Estado social argentino, usufruíam de estabilidade no emprego e de excelentes salários. Com a privatização da empresa no ano de 235 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário 1993-1995, em pouco tempo todas essas garantias desapareceram e o processo de intensificação da lumpemproletarização insurgiu: a empresa, que em 1990 contava com 51 mil empregados, logo após um acelerado processo de reestruturação, que inclui demissões voluntárias e arbitrárias, passou a ter 5.600 trabalhadores. As baixas contabilizadas de 1990 e 1997 foram as seguintes: para a região saltenha, 3.400; na região neuquina, 4.246; no vale austral, 1.660; em Comodoro Rivadavia, 4.402 e, finalmente, em Santa Fe (San Lorenzo), 1.177. Enfim, a reorganização do trabalho esteve marcada por uma forte flexibilização que incluiu a descentralização e desregulação dos setores, a redução sistemática de pessoal, a limitação no pagamento das horas-extras, a intensificação do tempo de trabalho e a incorporação de novas tecnologias (ROFMAN apud SVAMPA & PEREYRA, 2009, p. 107). É nesse contexto que nasce na Argentina o movimento piquetero que, em resposta aos efeitos desintegradores das políticas neoliberais e seus ajustes estruturais, buscou autoorganizar e mobilizar o lumpemproletariado composto por desempregados e outros setores empobrecidos da sociedade. O movimento piquetero adquiriu um caráter de protagonista nas manifestações contra o neoliberalismo argentino e seus métodos de resistência popular ocuparam um lugar destacado na política nacional. Os explosivos cortes de estradas e as enérgicas puebladas de Neuquém, Salta e Jujuy entre 1996 e 1997 representam o ponto inicial no qual uma nova identidade – os piqueteros – um novo formato de protesto - o corte de estrada -, uma nova modalidade organizativa – a assembléia – e um novo tipo de demanda – o trabalho – ficam definitivamente associados, originando uma importante transformação nos repertórios de mobilização da sociedade argentina (SVAMPA & PEREYRA, 2009, p. 25). A segunda filiação do movimento piquetero é marcada por uma modalidade de ação coletiva de caráter territorial, pois diferentemente das manifestações ocorridas nas longínquas províncias patagônicas que sofreram com as privatizações das empresas estatais, os protestos que ocorreram na região do Conurbano Bonaerense remete a um longo processo econômico e social ligado à desindustrialização e deterioração crescente das condições de vida das classes populares e auxiliares, iniciados ainda na década de 1970. O processo de desindustrialização da região afetou uma parcela importante dos setores assalariados. De acordo com os dados para a região da Grande Buenos Aires, entre 1980 e 1990 o desemprego aumentou de 2,3 a 6%, a subocupação duplicou, passando de 4,5 a 8,1% da população economicamente ativa. O emprego informal que era de 42,1% em 1980 foi para 48,5% em 1991 e terminou por adquirir características próprias de outros países latino-americanos (SVAMPA & PEREYRA, 2009). De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 236 Luta de Classes e Contemporaneidade As ocupações ilegais de terra na região do Conurbano Bonaerense são reveladoras do processo de pauperização social que atinge a região desde o período da ditadura militar. Esse processo de ocupação de terras às margens dos grandes centros urbanos argentinos foi, muitas vezes, resultado de uma ampla organização territorial que contaram com o apoio de organizações eclesiásticas de base e organização de direitos humanos. De acordo com as análises de Merklen (2005), os assentamentos de terras demonstram a emergência de uma nova configuração social que manifesta o processo de inscrição territorial das classes populares, relacionada com a luta pela sobrevivência e pelos serviços públicos básicos. Por conseguinte, tais ações foram construindo um novo marco e, por sua vez, um emaranhado relacional próprio cada vez mais desvinculado do mundo do trabalho formal. Uma das principais conseqüências dessa inscrição territorial é que o bairro foi surgindo como espaço natural de ação e organização, e se converteu em um lugar de interação entre diferentes atores sociais reunidos em refeitórios, posto de saúde, organizações de base, formais e informais, comunidades eclesiásticas de base, em alguns casos apoiadas por organizações não-governamentais. Enfim, o surgimento de novos espaços organizativos dentro do bairro conheceu um novo impulso, ainda que fugaz, durante os dois episódios hiperinflacionários de 1989 e 1990, visíveis na proliferação de refeitórios populares (SVAMPA, 2005, p. 106). Entre 1990 e 1998 sucessivas ondas desindustrializadoras atingiram a região do Conurbano Bonaerense como resultado das privatizações e ajustes neoliberais. Conseqüentemente, ocorreu um acelerado processo de expulsão do mercado de trabalho acompanhado de uma maior instabilidade no emprego. Vale lembrar que boa parte dos sindicatos argentinos foram cooptados e aceitaram prontamente esse conjunto de reformas e ajustes neoliberais. Dessa maneira, parcela significativa dos trabalhadores do conurbano passou a se sentir completamente desorientados politicamente. No entanto, as conseqüências políticas e sociais para as instituições burocráticas e clientelistas do Partido Justicialista também foram enormes, assim como o debilitamento do peronismo no mundo popular. Diante da ausência de respostas efetivas do poder público e das suas instituições para os problemas sociais que afetavam o lumpemproletariado da região, emergiram organizações populares nos bairros que passaram a se organizar por fora das estruturas burocráticas, tais como partidos políticos e sindicatos. É nesse contexto que emerge as organizações de desempregados e um novo modelo de militância territorial na região do conurbano. Portanto, entre 1990 e 1995 alguns bairros começaram a se organizar para reclamar das tarifas dos serviços públicos privatizados. Em 1995 surge a primeira comissão de desempregados no 237 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário município de La Matanza, porém somente em 1996 inicia as primeiras manifestações exigindo auxílio à alimentação. Tais manifestações ocorrem em maio de 1996 quando vários vizinhos dos bairros María Elena e Villa Unión realizam uma manifestação na Praça São Justo com uma importante participação feminina. Logo em seguida, no dia 06 de setembro de 1996 se realiza uma importante “Marcha contra a fome, a repress~o e o desemprego” até a Praça de Maio, que reuniu aproximadamente duas mil pessoas. A marcha foi um pontapé inicial para a emergência de diversas organizações de desempregados em vários municípios do conurbano (SVAMPA & PEREYRA, 2009). La Matanza é um município vizinho à capital da República, com aproximadamente 1.500.000 habitantes, população que supera de longe à de 18 das 23 províncias argentinas (ISMAN, 2004). Trata-se de um enorme aglomerado urbano com grande quantidade da população vivendo abaixo da linha da pobreza. Segundo o Jornal Clarin de 22 de outubro de 2001: La Matanza é um dos maiores e mais difíceis municípios do conurbano bonaerense: calcula-se que o 50% de seu um milhão e meio de habitantes vive abaixo da linha da pobreza e que o índice de desemprego chega a 30%. Viver, nesse contexto, se torna mais complicado a cada dia. As pessoas não têm dinheiro, não tem teto seguro, não tem comida, não tem roupa, não tem remédios. E não tem esperança (Apud ISMAN, 2004, p. 18). As condições de deterioração pelas quais vem sofrendo o município de La Matanza se inicia em 1976 com o golpe militar e vêm se ampliando continuamente até atingir sua fase mais acentuada durante o período menemista (1989-1999). As ocupações ilegais de terra na região do Conurbano Bonaerense são reveladoras do processo de pauperização social que atinge a região desde o período da ditadura militar. Durante o período marcado pela substituição de importações, o setor fabril carregava consigo o restante das atividades econômicas em termos de produção e gerava diversos postos de trabalho, porém nos anos noventa o coeficiente de empregabilidade se encontrava na ordem de -3,7% e demonstrava que o setor industrial foi o grande responsável pela expulsão da mão-de-obra na região (BASUALDO, 2002; BARRERA & LÓPEZ, 2010). Nesse contexto, La Matanza deixou de ser um dos grandes pólos industriais do conurbano para se converter numa região que apresenta altos índices sociais negativos. E essa realidade não era De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 238 Luta de Classes e Contemporaneidade exclusividade desse município, pois diversas outras regiões do país também passaram a experimentar um intenso processo de lumpemproletarização. De acordo com uma nota de Ismael Bermudez, contida no jornal Clarin de 19 de setembro de 2001, exemplifica a situação geral do Conurbano Bonaerense: O desemprego cresceu quatro vezes mais (subiu de 5,7% para 22,9%) e entre os chefes de família se multiplicou por cinco (de 3,3% a 17,2%). Como resultado direto dessa situação, nesses municípios quase 40% das residências é formada por pessoas que recebe apenas 20% da renda da região. Isso explica a razão pela qual a pobreza atinge quase 50% da população, o que significa que seus habitantes ou famílias da região não possuem renda suficiente para custear as compras dos bens e serviços básicos (Apud ISMAN, 2004, p. 17). Contra essa situação de desemprego, condições de vida precária e inexistência de serviços públicos básicos de qualidade (creches, escolas, postos de saúde, moradia, asfalto, rede de esgotos etc.), ou seja, por conta desse completo quadro de abandono gerado pelo descaso dos poderes públicos (municipal, estadual e federal) é que nascem, na região de La Matanza, diversas organizações de bairros que darão início a uma onda de protestos sociais que resultara em 1995 nas primeiras tentativas de organização do lumpemproletariado na região. É nesse contexto que emerge as organizações lumpemproletárias e um novo modelo de militância territorial na região do conurbano. O que vem ocorrendo na Argentina da década de 1990 é parte do já vinha acontecendo em quase toda a sociedade moderna a partir da década de 1980, isto é, a sociedade moderna passa a sofrer importantes transformações nas suas formas de valorização do capital (toyotismo), assim como nas suas formas de regularização das relações sociais garantidoras do mesmo. A principal forma regularizadora dessas relações consiste no Estado Neoliberal. Esse emerge com o objetivo de proporcionar melhores condições para a acumulação capitalista através da desregulamentação do mercado, do “afastamento” do Estado das obrigações sociais (saúde, educação, segurança, emprego etc.) e de sua transferência para a iniciativa privada via privatização dessas obrigações e de alguns setores estratégicos antes sob o controle estatal (energia, água, gás, petróleo, transportes coletivos, telefonia etc.). Juntamente com a emergência de um movimento lumpemproletário que passou a construir estratégias de enfrentamento ao processo de lumpemproletarização e empobrecimento generalizado, e que dificultaram a expansão das conquistas necessárias à acumulação integral, emergiu também a face mais autoritária e repressiva do Estado Neoliberal que, juntamente com os meios de comunicação dominante, transformaram a luta 239 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário pelos direitos sociais em delitos contra a ordem e os manifestantes como delinqüentes dignos de serem aprisionados ou quando não executados sumariamente pelo Estado Penal, como ocorreu nos diversos casos de “gatilho f|cil”8. A análise que Wacquant vem realizando em suas diversas obras sobre o Estado Penal e seu processo de criminalização do lumpemproletariado e de diversos movimentos sociais (tanto nos EUA, quanto na Europa) também serve para compreender a realidade Argentina, pois em todos os rincões em que o neoliberalismo se implantou enquanto forma estatal, se implantaram também suas faces punitivas da pobreza e do protesto social: criminalização, aprisionamento e extermínio. Segundo ele, mais do que mera medida repressiva, a criminalização dos que defendem os direitos sociais e econômicos integra uma agenda política mais ampla, que tem levado à criaç~o de um novo regime que pode ser caracterizado como “liberal-paternalismo”. Ele é liberal no topo, para com o capital e as classes privilegiadas, produzindo o aumento da desigualdade social e da marginalidade; e paternalista e punitivo na base, para com aqueles já desestabilizados seja pela conjunção da reestruturação do emprego com o enfraquecimento da proteção do Estado de bem-estar social, seja pela reconversão de ambos em instrumentos para vigiar os pobres (WACQUANT, 2008, p. 94). O processo de criminalização do lumpemproletariado e de outras classes sociais afetadas pelo neoliberalismo inicia aproximadamente no ano de 1993 quando a Argentina foi tomada por distintas manifestações populares contra os ajustes neoliberais, nas principais cidades do país. Em diferentes momentos tais manifestações atingiram níveis de enfrentamento e violência que assustaram os poderes estabelecidos que em resposta procuraram ampliar a repressão policial e a criminalização dos militantes dos mais variados movimentos sociais. Nos dias 16 e 17 de dezembro de 1993 ocorre em Santiago del Estero o que ficou conhecido como “El Santiagazo”. A pueblada, como também ficou conhecida as grandes manifestações populares, foi iniciada por trabalhadores estatais demitidos ou que tiveram seu salários reduzidos e atrasados por vários meses. Seus participantes invadiram e incendiaram simultaneamente inúmeros prédios dos poderes legislativo, judiciário, executivo e vários “Gatilho F|cil é o nome utilizado na Argentina para denominar os episódios de abuso de poder no uso de armas de fogo por parte da polícia. Em geral, as vítimas de gatilho fácil são, sobretudo, jovens militantes dos bairros pobres, vítimas de processos de disciplinamento compulsivo realizados pelas forças policiais. A Correpi (Coordenadoria contra a repressão policial e institucional) tipifica esses métodos como execução sumária aplicada pela polícia e que geralmente são acobertas sob a alegação de mortes oriundas do enfrentamento. Esta pena de morte ‘extralegal’ se distingue por duas etapas: o fuzilamento e o acobertamento (KOROL & LONGO, 2009, p. 106). 8 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 240 Luta de Classes e Contemporaneidade outros edifícios públicos, assim como algumas residências de políticos e sindicalistas locais. Na noite do dia 16, o governador Juárez foi destituído e o Congresso Nacional realizou uma intervenção nos três poderes provinciais após aprovar um projeto do poder executivo que autorizava o envio de tropas do exército e da polícia federal para a província de Santiago del Estero (KOROL & LONGO, 2009). Segundo Vitullo, foi nesse dia que a pueblada experimentou elevado nível de conflitividade, pois os choques entre as forças repressivas e os manifestantes deixaram um saldo de quatro mortos e mais de cem feridos e uma forte impressão no restante da sociedade argentina, que, através da televisão, assistia azoada a estes fatos. Além deste saldo e como conseqüência da mobilização popular, o justicialista Fernando Lobo, governador da província em substituição de Carlos Mijuca – quem tinha deixado o cargo escassos 50 dias antes sem sequer alcançar metade do seu mandato devido a uma forte crise política -, também viu-se obrigado a renunciar, o que acabou precipitando o já assinalado processo de intervenção federal à província (VITULLO, 2008, p. 112). Após o Santiagazo começaram a explodir em diversas localidades do país vários protestos sociais que passaram a desenvolver formas de mobilização popular pautadas pela ação direta. A somatória dos protestos e tensões sociais que assolavam todo o país desde a sua fase mais aguda entre os anos de 1996 e 1997, explode nos dias 19 e 20 de dezembro de 2001 na grande rebelião generalizada. Por todo o país eclodiam tensões sociais, movimento de desempregados, mulheres agropecuaristas em luta, greves de professores, ocupação de fábricas e vários outros setores sociais em luta contra aquilo que era considerado por eles os responsáveis por toda a gama de dificuldades, lumpemproletarização, empobrecimento e diversas outras humilhações sociais. Dentre os eleitos responsáveis destacam-se: os governantes, os partidos políticos, o próprio Estado, a burocracia estatal, partidária e sindical, suas hierarquias, o sistema financeiro nacional e internacional, o FMI e o Banco Mundial e, para os setores mais radicalizados, todas as relações sociais pautadas pela obrigatoriedade capitalista da exploração do homem em troca da obtenção de lucros. Por essas razões o lema central dessas jornadas foi expresso na frase “Que se vayan todos, que no quede ni uno solo!” 9. O caráter massivo dos protestos sociais promovido pelos diversos movimentos piqueteros argentinos, juntamente com seus métodos de bloqueios de estradas que impossibilitava a circulação de veículos, pessoas e, principalmente mercadorias, assim como a construção de formas de participação e decisões políticas pautadas por uma espécie de 9 “Que todos v~o embora, que n~o fique nenhum sequer” (tradução nossa). 241 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário democracia direta, decisões coletivas e horizontais em assembléias etc. consistiram nas principais razões que levaram os poderes governamentais a temerem a expansão dessas formas de organização e da consciência de classe derivada das mesmas. Por esses motivos é que desde o início dos primeiros levantes de desempregados, o governo argentino procurou criminalizar as lutas sociais. No primeiro momento com a ampliação da repressão policial – o deslocamento da Gendarmería (tropas militares), que originalmente foi criada para defender as fronteiras nacionais, para as províncias patagônicas tomadas pelas puebladas é um sinal demonstrativo da mudança na política repressiva. Com o avanço das lutas e das mobilizações populares o governo inicia um intenso processo de judicialização dos militantes de diversos movimentos sociais, principalmente dos integrantes de movimentos piquteros. Segundo Korol & Longo, algumas das formas em que se manifesta a criminalização dos movimentos populares é o avanço do processo de judicialização dos conflitos, visível na multiplicação e no agravamento das figuras penais, na maneira em que estas são aplicadas por juízes e promotores, no número de processos contra militantes populares, na estigmatização de populações e grupos mobilizados, no incremento das forças repressivas e na criação especial de tropas de elite, orientadas para a repressão e militarização das zonas de conflito (2009, p. 84). Outra estratégia adotada pelo governo argentino para criminalizar o movimento piquetero se deu através do uso excessivo dos meios de comunicação com o objetivo de criar uma imagem negativa dos militantes. Dessa forma, os meios de comunicação apresentavam os manifestos por direitos sociais como delitos contra a ordem e os manifestantes como delinqüentes violentos, assim como ocultando as motivações populares e apresentando apenas os episódios de violência popular, com isso gerando o medo, fragmentando a sociedade e impossibilitando o crescimento do apoio às lutas por direitos sociais10. O regime de acumulação integral é marcado por contradições crescentes, pois se de um lado é necessário, para manter a acumulação capitalista, realizar cortes drásticos em políticas sociais, corroer os direitos trabalhistas, precarizar e intensificar as relações de trabalho, expandir e intensificar a lumpemproletarização para alimentar o exército industrial de reserva e seu papel na manutenção de baixos salários e etc., por outro lado ela se vê obrigada Para saber mais sobre o processo de criminalização da pobreza e dos movimentos sociais na Argentina Cf. KOROL, Claudia (org.). Criminalización de la pobreza y de La protesta social. Buenos Aires: El coletivo/America libre, 2009); CARDOZO, Fernanda. “Protestar não é delito”. A criminalização dos movimentos sociais na Argentina contemporânea – o caso do movimento piquetero (1997-2007). 2008. Dissertação (mestrado em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008. 130 p. 10 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 242 Luta de Classes e Contemporaneidade a intensificar a repressão, pois, em conseqüência de tais práticas, cresce a violência contra a propriedade privada, os protestos sociais se radicalizam e a criminalidade tende a se generalizar. No entanto, o Estado neoliberal não pode ser mantido às custas da não redução da dívida pública e da poupança de recursos, e por isso tal Estado opta por ampliar o aparato repressivo e criminalizar o movimento piquetero e diversos outros movimentos sociais. É exatamente isso que vem ocorrendo na Argentina contemporânea e em diversas outras regiões do globo. O movimento piquetero nos fornece um excelente exemplo de que a postura política do lumpemproletariado não é a mesma em todos os contextos históricos, pois se na França do século XIX, o lumpemproletariado foi cooptado pelo Estado francês e utilizado na repressão contra o avanço das lutas operárias, na argentina contemporânea, as lutas dessa classe social desenvolveu-se de forma autônoma, inicialmente desvinculada das instituições burocráticas, tais como sindicatos e partidos políticos, resgatando práticas do movimento operário revolucionário (assembléias coletivas e horizontalizadas, auto-organização dos bairros e de algumas atividades produtivas etc.) e adquirindo elevados níveis de radicalidade, que o tornou o principal ator em luta contra a intensificação da lumpemproletarização, típica da acumulação integral subordinada. Portanto, não é possível afirmar que o lumpemproletariado é, e sempre será politicamente reacionário e cooptável, pois sua postura política se altera dependendo do contexto, das singularidades regionais e da correlação das forças sociais, podendo representar uma importantíssima aliança com o proletariado em torno de um bloco revolucionário. Na contemporaneidade, a postura contestadora do lumpemproletariado tende a crescer e, consequentemente, a se apresentar como uma ameaça cada vez maior à existência da sociedade capitalista. Referências: ALVAREZ, Gonzalo. Los trabalhadores desocupados – el caso de noreste de Chubut, continuidad, rupturas y estrategias. Razón y Revolución, número 19, segundo semestre de 2009. 243 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário BARRERA, Facundo & LÓPEZ, Emiliano. El carácter dependiente de la economia argentina. Uma revisión de sus múltiples determinaciones. IN: FELIZ, Mariano et al. Pensamiento critico, organización e cambio social – de la crítica de la economia política a la economía política de los trabajadores y las trabajadoras. Buenos Aires: El colectivo, 2010. BASUALDO, Eduardo. Concentracion y centralizacion del capital en la Argentina durante la década del noventa. Buenos Aires: Universidad Nacional de Quilmes ediciones, 2002. BONIFÁCIO, José. Protesta y organización – los trabajadores desocupados em la província de Neuquén. Buenos Aires: Editorial el colectivo, 2011. CARDOZO, Fernanda. “Protestar não é delito”. A criminalização dos movimentos sociais na Argentina contemporânea – o caso do movimento piquetero (1997-2007). 2008. Dissertação (mestrado em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008. 130 p. ISMAN, Raúl. Los piquetes de La Matanza – de la aparición del movimiento social a la construción de la unidad popular. Buenos Aires: Nuevos Tiempos, 2004. KESSLER, Gabriel & MINUJIN, Alberto. La nueva pobreza en la Argentina. 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Estado, democracia e cidadania – a dinâmica da política institucional no capitalismo. Rio de Janeiro: Achiamé, 2003. ______. O capitalismo na era da acumulação integral. Aparecida, SP: Idéias e letras, 2009. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 244 Luta de Classes e Contemporaneidade VITULLO, Gabriel. Teorias da democratização e democracia na Argentina contemporânea. Porto Alegre: Editora sulina, 2008. WACQUANT, Loic. As prisões da miséria. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. ______. As duas faces do gueto. São Paulo: Boitempo, 2008. 245 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário A teoria do valor-trabalho e a constituição do valor: as classes sociais na teoria de Marx Lucas Maia1 Resumo: Este texto objetiva discutir como Marx considera as classes sociais a partir de sua teoria do valor-trabalho. Fazemos inicialmente um breve apanhado do processo histórico de constituição desta teoria para em seguida demonstrar como Marx a considerou. As críticas de Marx aos fisiocratas, aos economistas clássicos, vulgares e ecléticos são o ponto de partida para a constituição de sua teoria. Após demonstrar isto, apresentamos como ele deriva sua análise das classes sociais a partir de sua teoria do valor-trabalho. Sendo a burguesia e o proletariado as classes fundamentais do capitalismo, os proprietários fundiários como uma classe importante no período de Marx, por isto ele denomina estas de “as três grandes classes do capitalismo”. Um conjunto de outras classes vão aparecendo como subsidiárias do conjunto da mais-valia produzida pelo proletariado: as classes dominantes do capital improdutivo: burguesia comercial e financeira ou bancária; as classes responsáveis pela superintendência do processo de trabalho: os managers ou gerentes; a burocracia estatal que se apropria da mais-valia através dos impostos etc. Também há a existência de um conjunto de classes exploradas que também são improdutivas, ou seja, que não produzem mais-valia: lumpemproletários, trabalhadores do capital improdutivo, trabalhadores domésticos etc. Assim, este trabalho procurou demonstrar como, a partir da análise do valor, Marx compreende a constituição e as fontes dos rendimentos das classes sociais. Palavras-chave: valor-trabalho; mais-valia; classes sociais. Este texto objetiva debater como Marx desenvolveu a teoria do valor e, portanto, a teoria da mais-valia, articulando esta discussão com os apontamentos que ele fez sobre as classes sociais. Quais são as classes fundamentais do capitalismo? Qual o conjunto de classes que compõem a sociedade moderna, tal como Marx a encontrou em seu tempo? Qual a relação do conjunto de classes sociais com a mais-valia produzida? A teoria do valor-trabalho é deveras uma das mais belas criações do pensamento humano com intuito de devassar a produção e reprodução da vida material das sociedades humanas ao longo da história. Marx dedica grande parte de sua vida a compreender, criticar e desenvolver até as últimas consequências os elementos constituidores desta teoria. Não farei aqui uma longa análise do processo de constituição e desenvolvimento da teoria do valortrabalho, desde os mercantilistas, os fisiocratas, os economistas clássicos, passando pelos Geógrafo. Professor do Instituto Federal de Goiás/Campus Anápolis. Doutorando em geografia pelo Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Goiás – IESA/UFG. 1 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 246 Luta de Classes e Contemporaneidade economistas vulgares e sincréticos, até chegar a Marx e a partir daí as contribuições de seus continuadores e detratores2. Intenciono exclusivamente determinar como Marx desenvolveu esta teoria e como podemos compreender o conjunto das classes sociais no capitalismo a partir da análise do valor. J| nos “Manuscritos econômico-filosóficos”, Marx faz a seguinte afirmaç~o: É exatamente na atuação sobre o mundo objetivado que o homem se manifesta como verdadeiro ser genérico. Esta produção é a sua vida genérica ativa. Por meio dela, a natureza nasce como a sua obra e a sua realidade. Em consequência, o elemento do trabalho é a objetivação da vida genérica do homem: ao não se reproduzir somente intelectualmente, como na consciência, mas ativamente, ele se duplica de modo real e percebe a sua própria imagem num mundo por ele criado (Marx, 2004, p. 117, grifos meus) Ou seja, a capacidade de realizar trabalho é uma necessidade humana. Para que o homem se objetive no mundo, é necessário que ele o faça por meio de uma atividade produtiva e esta atividade produtiva tem um duplo papel: a) humanizar o homem; b) produzir os víveres necessários à sua existência. Em uma palavra, a ação de o ser humano produzir sua existência o humaniza na mesma medida, da mesma forma que humaniza o mundo no qual ele vive. Como já é por demais discutido, os economistas que compunham a escola que ficou conhecida como fisiocrática defendiam que somente a atividade agrícola gerava riqueza, produzia valor. Assim, a produção do valor era na verdade uma dádiva da natureza, do solo. Os economistas clássicos, notadamente Adam Smith e David Ricardo, apresentaram tese contrária a esta. Como verdadeiros ideólogos da manufatura, os quais produziram belíssimas interpretações deste período da aurora do capitalismo, não podiam crer que a fonte da riqueza estava somente na produção agrícola. A partir da crítica da concepção fisiocrática, desenvolveram os princípios da teoria do valor-trabalho, segundo a qual a origem da riqueza encontra-se na atividade humana, na sua capacidade de realizar trabalho. Devido aos vínculos destes autores com os interesses da então burguesia que se consolidava, não puderam levar às últimas consequências suas descobertas acerca desta matéria. É justamente criticando estes autores, os quais Marx nutria certo respeito, identificando-os como os últimos baluartes da produção teórica partindo do ponto de vista da burguesia, que Marx dá continuidade à teoria do valor-trabalho. Afirmava que estes autores Para tanto, pode-se consultar: Marx (1983a; 1983b; 1983c, 1980), bem como Mattick (1975), entre vários outros. 2 247 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário não podiam chegar a determinadas conclusões, por que o ponto de partida deles era o ponto de vista burguês e por causa disto não podiam compreender determinados processos, notadamente o de espoliaç~o violenta da força de trabalho. Devido a estes “limites intransponíveis da consciência burguesa” é que Marx parte de outra perspectiva: a do proletariado. Ainda, considerando de um ponto de vista genérico o trabalho, agora em “O Capital”, Marx faz a seguinte afirmação: O processo de trabalho, como o apresentamos em seus elementos simples e abstratos, é atividade orientada a um fim para produzir valores de uso, apropriação do natural para satisfazer as necessidades humanas, condição universal do metabolismo entre o homem e a Natureza, condição natural eterna da vida humana e, portanto, independente de qualquer forma dessa vida, sendo antes igualmente comum a todas as suas formas sociais (Marx, 1983a, p. 153) O processo de trabalho é, portanto, algo inerente à existência humana e algo que constitui sua existência. Não houve, não há e não haverá formas de sociedades humanas que prescindam do trabalho como atividade produtiva que satisfaça necessidades. Entretanto, a forma social da produção capitalista de realizar tal atividade, ao invés de objetivar o ser humano, pelo contrário, o aliena e o desumaniza. Este processo de desumanização que se dá através da realização de um trabalho alienado é comum a todos os modos de produção fundados no antagonismo de classes. E isto ocorre na sociedade moderna. Deste modo, o trabalho, que juntamente com a terra é fonte de toda a riqueza, torna-se nas sociedades de classe um método segundo o qual se espolia até o limite os indivíduos vinculados diretamente à atividade produtiva, ou seja, as classes trabalhadoras. A teoria do valor-trabalho em Marx tem este sentido ontológico de constituição permanente do ser humano3. O homem, produzindo sua existência, se produz enquanto tal à medida que realiza um determinado trabalho. No capitalismo, este “Processo de trabalho” é simultaneamente “Processo de valorizaç~o”. A valorizaç~o é o processo de constituiç~o do valor. Para Marx, valor é o tempo de trabalho socialmente necessário para se produzir uma determinada mercadoria. A teoria do valor-trabalho tem uma implicação ontológica e, portanto, como vimos, explica o processo Segundo Paul Mattick: “La teoria del valor-trabajo se refiere a la inevitable necessidad – común a todas las sociedades – de trabajar y distribuir el trabajo social en proprociones definidas. Pero, esta necessidad se manifesta en una ley del valor somente en el capitalismo, y sólo porque la economia de mercado no puede separar el processo de producción de valor del processo de producción mesmo” (Mattick, 1975, p. 42) 3 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 248 Luta de Classes e Contemporaneidade reprodução material da vida dos homens independentemente da forma social que se revista esta atividade. É comum a todas as sociedades. Pelo contrário, o valor é uma forma social determinada. Onde há a produção de valores de uso (produtos que satisfaçam necessidades) com o objetivo de serem mercadejados no mercado, há a produção de valores de troca. Na produção de valores de uso, não se esconde nenhum segredo. Um determinado produto tem uma certa utilidade e por isto é produzido. Pelo contrário, quando um dado produto é produzido com vistas a ser trocado no mercado, outros pressupostos entram em sua constituição. É a partir daí que Marx começa a derivar sua teoria do valor. Um produto X será trocado por um produto Y. Ambos são valores úteis diferentes, por exemplo, pão e sapato. Nada há de estranho em necessitar calçar e comer. Agora, trocar pão por sapato já é uma operação um pouco mais sutil. O que permite que pão seja trocado por sapato? O que há de comum entre estes dois produtos é que ambos são produto do trabalho humano. O trabalho do padeiro produz o pão e o do sapateiro o sapato. Assim, como trabalho concreto, há a produção de valores de uso (pão e sapato). Agora, como trabalho abstrato, genérico há somente a capacidade humana de realizar trabalho. Este trabalho tem que ser medido de uma determinada forma. Mede-se o trabalho pelo tempo gasto para se produzir um determinado produto. Este tempo gasto para se produzir os produtos é que permite igualar o pão e o sapato a um terceiro elemento, o tempo de trabalho. A partir de agora já podemos mercadejar os produtos reduzindo-os ao que ambos tem em comum, ou seja, o fato de serem produtos do trabalho humano e como tais podem ser medidos através do tempo de trabalho socialmente necessários para produzi-los. Porém, no capitalismo, não basta somente produzir valor, para que o capital reproduza-se constantemente, é indispensável a produção de um mais-valor. A mais-valia é a forma capitalista de produção de mercadorias. É a forma social de que se reveste o trabalho humano. O trabalho do sapateiro e do padeiro são formas concretas sobre as quais se realiza o trabalho. São considerados, portanto, de seu ponto de vista útil, qualitativo. Como valor, o trabalho é considerado de um ponto de vista genérico, abstrato. Todas as diferenças de qualidade entre os vários trabalhos são eliminadas ficando somente o que todos tem em comum, o fato de poderem ser medidos através de uma determinada unidade de medida: tempo (horas, dias, semanas etc.). 249 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Só que nas sociedades de classe, além de o produtor realizar um trabalho necessário à sua existência, ele realiza também um trabalho excedente. Este trabalho excedente, este maistrabalho, no capitalismo, assume a forma de mais-valia. Se um determinado trabalhador necessita, para sobreviver, trabalhar 4 horas e efetivamente ele trabalha 8, há portanto, um quantum de 4 horas trabalhadas e não recebidas. A estas 4 horas excedentes Marx dá o nome de mais-valia. No livro terceiro de O Capital, Marx desenvolve o conceito de “mais-valia global”. Esta seria o quantum de mais-valia produzida em um determinado país em um determinado período de tempo, digamos, por exemplo, um ano. Tal como definida anteriormente, o conceito de mais-valia explica satisfatoriamente a reprodução do capital considerado de modo isolado, de um capitalista particular. Para o conjunto da sociedade capitalista, que envolve além das classes fundamentais que o fundam: burguesia e proletariado, os proprietários fundiários, a burocracia, os intelectuais, os trabalhadores do comércio, do capital financeiro ou bancário e demais classes improdutivas etc. é necessário um conceito mais amplo que permita incorporar num todo explicativo o conjunto da sociedade. O conceito de mais-valia global visa satisfazer esta necessidade de explicação. Assim, o processo de produção mesmo da mais-valia funda as classes fundamentais do capitalismo: burguesia e proletariado, sendo este o produtor da riqueza e aquela a apropriadora. Mas uma outra classe de importância quantitativa e política no século XIX eram os proprietários fundiários. Marx demonstra, criticando a economia vulgar, que esta classe, da mesma forma que a burguesia, vive de apropriar parte da mais-valia produzida pelo proletariado. Mas a forma como os latifundiários o fazem é através da renda fundiária. Assim, tanto os lucros da burguesia industrial e arrendatários capitalistas, como a renda fundiária são frações da mais-valia. O mesmo ocorre com as frações da burguesia que são ligadas ao que Marx denomina de capital improdutivo: o capital comercial e financeiro ou bancário. Os lucros do capitalista comercial, da mesma forma que os juros da burguesia bancária são também partes da maisvalia cedidas pela burguesia industrial: em forma de lucros do capital comercial e em forma de juros do capital bancário. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 250 Luta de Classes e Contemporaneidade O desenvolvimento do capitalismo cria um conjunto de classes improdutivas. Marx entende por classes improdutivas todas aquelas que não produzem mais-valia4, mas sim que se apropriam da mais-valia produzida por outrem. Todas as classes dominantes são, deveras, classes improdutivas. Mas também, no seio mesmo da classe trabalhadora se desenvolvem determinadas classes que embora sejam submetidas e dominadas, não são, todavia, produtivas. Por exemplo, os trabalhadores do comércio, que embora sejam dominados pelos capitalistas comerciantes e gerem lucros para estes, este lucro, como vimos, não deriva do fato de os trabalhadores do comércio acrescentarem mais-valia aos produtos. O que ocorre, de fato, é que estes trabalhadores compõem parte do capital variável dos comerciantes. Este capital variável é parte da mais-valia produzida na esfera produtiva e transferida para a esfera da circulação em forma de lucros do capital comercial. Isto ocorre também, com o que Marx denomina de “classe dos serviçais”. Esta classe, ao invés de se reduzir, amplia-se com o desenvolvimento das forças produtivas. Quanto mais desenvolvida é a capacidade de produção de uma determinada sociedade, mais é possível a ela colocar fora da esfera produtiva seguimentos da classe trabalhadora. Toda a riqueza produzida permite que um quantum considerável de indivíduos da classe trabalhadora se dedique a atividades improdutivas, ou seja, que não geram mais-valia. Também, o desenvolvimento mesmo da capacidade produtiva do capital permite que o trabalho de gerência e supervisão passe das mãos dos capitalistas propriamente ditos para uma outra classe social, as quais Marx denomina managers ou gerentes. Trata-se daquele seguimento de “assalariados especiais” que compõem o conjunto de atividades produtivas da fábrica que são responsáveis por controlar, gerir, superintender a classe trabalhadora dentro do processo de trabalho. Esta classe está presente tanto na esfera do capital produtivo (industrial), quanto na do capital improdutivo (comercial e bancário). Os gerentes são parte do capital variável dos capitalistas necessários para garantir o processo de exploração. Esta classe se desenvolve a limites nunca vistos antes com o surgimento das sociedades por ações. Estas retiram definitivamente os proprietários jurídicos das ações, os capitalistas, da direção Sobre isto, na verdade, há uma certa imprecisão nos textos de Marx. Em O Capital, bem como em outras obras, na maioria das vezes ele se refere a trabalho produtivo como sendo aquele que gera valor. Há contudo, referências a trabalho produtivo como sendo aquele que gera lucro. Nos limites deste trabalho, estamos usando o conceito como sendo aquele que gera mais-valia. 4 251 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário plena do processo de produção, deixando esta função para os managers, aqueles que gerem propriamente o processo produtivo. Situação específica se dá com as classes oriundas de modos de produção nãocapitalista, tal como o campesinato. O campesinato, como ressalta Viana (2009), é a classe social constituinte do modo de produção camponês. Este é subordinado ao modo capitalista de produção. Contudo, a riqueza produzida por esta classe não é derivada de parte da maisvalia produzida pelo proletariado. Embora esse mais-trabalho converta-se, com frequência, em renda fundiária, compondo, portanto, a mais-valia global, este excedente não é mais-valia no sentido estrito do termo. Entretanto, como avalia Marx (1983d), as riquezas, em forma de mercadoria ou dinheiro, vindas de modos de produção não-capitalista, se incorporam no ciclo global do capital. Este texto não tem a intenção de esgotar o conjunto de classes sociais que compunham a sociedade capitalista no tempo de Marx, nem muito menos visa interpretar como esta composição se dá na contemporaneidade. Visou exclusivamente demonstrar como a partir da teoria do valor, tal como desenvolvida por Marx, podemos compreender o processo de aprofundamento da divisão social do trabalho e como este é acompanhado do aumento do número de classes sociais e principalmente, qual a origem dos rendimentos destas classes. A teoria do valor-trabalho é o fundamento sobre o qual Marx ergue toda a estrutura interpretativa das classes sociais. Estas ocupam um determinado lugar na divisão social do trabalho, vivem da exploração da força de trabalho do proletariado, portanto, da mais-valia e se ampliam à media que se desenvolve a produção capitalista. Contrariamente ao que comumente se diz, em Marx não há uma visão dualista de classes sociais, na qual só teriam importância burguesia e proletariado. A análise marxista é muito mais complexa e como vimos está diretamente relacionada à teoria do valor-trabalho de um modo de geral e, particularmente, em seu revestimento social sob o capitalismo: o valor5. Referências MATTICK. P. Marx y Keynes: los limtes de la economia mixta. Mexico DF: Era, 1975. 5 Isto foi discutido também por Mattick (1977). De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 252 Luta de Classes e Contemporaneidade ______. O marxismo e o capitalismo monopolista. In: Integração capitalista e ruptura operária. Porto: Regra do Jogo, 1977. MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Matin Claret, 2004. MARX, K. O capital: crítica da economia política. V. 1. T. 1. São Paulo: Abril Cultural, 1983a. ______. O capital: crítica da economia política. V. 1. T. 2. São Paulo: Abril Cultural, 1984. ______. O capital: crítica da economia política. V. 3. T. 1. São Paulo: Abril Cultural, 1983c. ______. O capital: crítica da economia política. V. 3. T. 2. São Paulo: Abril Cultural, 1983b. ______. O capital: crítica da economia política. V. 2. São Paulo: Abril Cultural, 1983d. ______. Teorias da mais-valia. V. 1. São Paulo: Civilização Brasileira, 1980. VIANA, N. Marx e o modo de produção camponês. In: ______. Temas de sociologia rural. Pará de Minas: VirtualBooks, 2009. 253 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário O Estado na perspectiva de Kropotkim Marcos Augusto Marques Ataides (UEG) [email protected] A contribuição das ideias de P. Kropotkim em relação ao Estado no século XIX, mostra que esse autor procurou desenvolver uma analise histórica e das instituições que formaram o Estado na Europa Ocidental de uma forma que mostra o papel desse na reprodução do capital. Para desenvolvermos uma analise sobre essa temática usaremos os textos do referido autor: O Estado e seu Papel histórico; Os direitos Políticos; O governo Representativo; A lei e autoridade; As prisões; A decomposição dos Estados. A escolha desses textos, foi feita de uma forma para mostrar a analise do referido autor sobre a estrutura do Estado. No primeiro texto esse autor escreve sobre a formação do Estado mostrando o seu caráter antinatural ao longo da história da sociedade, procurando refutar os argumentos que colocam o Estado como algo imprescindível. No segundo e terceiro textos a questão posta está como o processo eleitoral no seio do Estado é marcado pelo autoritarismo do capital, aliado aos interesses da burguesia que comanda o Estado. No quarto e quinto textos são abordados a estrutura repressiva das leis feitas para proteger o Estado e suas consequências para a classe trabalhadora. No sexto e ultimo texto esse autor apresenta os argumentos da decomposição do Estado na sua época. Frente aos problemas colocados pretendemos mostrar a situação que o Estado se encontra na atualidade bem como os elementos para superação desse. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 254 Luta de Classes e Contemporaneidade SIMPÓSIO TEMÁTICO 5 AS CLASSES SOCIAIS NA MODERNIDADE TARDIA: ABORDAGENS EMPÍRICAS E PROPOSIÇÕES TEÓRICAS Coordenador: Glauber Lopes Xavier Doutorando em Sociologia/UFG e professor na UEG. 255 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário O surgimento das classes sociais e as consequências maléficas na sociedade capitalista Ednahn Veríssimo Andrade Silva1 Resumo: O homem ao longo do desenvolver na história da civilização foi agregando juntamente com ele mudanças e modos variados de convivência com a primeira natureza. Desde o homem nômade até o do mundo pós moderno capitalista. Será que o homem sempre viveu em classes ou seria uma mazela necessária do mundo capitalista? O que propiciou a figura da classe dominante sobre os dominados? Palavras-chaves: capitalismo, classes sociais, mais-valia e Estado. Na sociedade primitiva existiam grupos nômades os quais buscavam territórios que possibilitassem sua sobrevivência, além de buscarem locais em que pudessem desfrutar de defesa própria defesa. Nesse tipo de sociedade ainda não havia a divisão de classes, visto que os grupos caçavam o que era necessário a sua sobrevivência. Portanto não existia ainda a relação de domínio dos mais poderosos e mais fracos, advento que surge como uma mazela no mundo capitalista futuramente. Tornando o Homem um ser sedentário, passou habitar em cidades. Segundo Mumford (apud. 2004), as primeiras cidades surgiram na Mesopotâmia, em torno de 3500 a.C., aquelas pelas quais os homens abandonaram seu modo de vida nômade, espacialmente errante. Nesse período, o domínio da técnica do tijolo cozido (matéria-prima utilizada na construção das cidades) correspondeu a uma verdadeira reviravolta na vida das pessoas, na medida em que possibilitou uma nova maneira de pensar o habitat. É complicado especificar o surgimento do pré-capitalismo ou mesmo capitalismo de fato. Sistema em que o poder concentra nas mãos de poucos os quais exploram impiedosamente a classe ‘fraca’, esta última n~o enxergam outra condiç~o, se é que existe, de serem explorados, visto que precisam sobreviver. Segundo Reclus(1985), o capitalismo passa a existir a partir do momento em que o homem deixa práticas de subsistência, e passa a trocar mercadorias. A partir desse momento 1 Acadêmico do 3º ano do curso de Geografia da Universidade Estadual de Goiás, Unidade Universitária de Ciências Sócio-Econômicas e Humanas na cidade de Anápolis. Bolsista de Iniciação Científica do CNPq e participante do grupo de estudos: A Geografia anarquista de Reclus e a questão ambiental. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 256 Luta de Classes e Contemporaneidade o homem se opõe ao outro com anseios particulares. Surge então a sociedade dividida em classes. O capitalismo caracteriza pelo poder estar concentrado nas mãos de poucos. Portanto tracemos uma linha histórica das condições econômicas da sociedade. Primeiramente partiremos de uma breve análise de um sistema que durou aproximadamente um milênio (século V ao XV), o feudalismo. O feudalismo foi um sistema em que poucas pessoas desfrutavam de uma vida luxuosa. O clero, a nobreza e os senhores feudais usufruíam de uma vida abastada graças ao trabalho da base da pirâmide social, os servos. Assim como a indústria urbana se desenvolvia, também nasciam conflitos no meio feudal. O camponês passava a produzir produtos alimentícios para enviar as cidades. Podemos até fazer uma analogia entre capitalismo e feudalismo. Não referente a estrutura de produção, mas sim na questão da divisão de classes. A grande massa da população está submetida às ordens da pequena população detentora dos meios de produção, a classe dominante. A comparação torna-se oportuna, visto que nos dois sistemas existiram e sempre ir| continuar desse modo, pessoas “iguais” como ser humano, dominando a maioria. No feudalismo podemos dizer que houve um avanço em relação ao sistema escravagista. O homem não é mais tratado como uma mercadoria que produziria mais mercadorias ainda. Por exemplo, se um senhor vendesse suas terras a outro senhor, os seus servos permaneceriam no mesmo lugar. O servo passou a ter direito, palavra não existente no dicionário de um escravo. O sistema feudal constituía em um modelo econômico auto-suficiente. A produção agrícola era para proporcionar a sobrevivência da família. As necessidades como casa, roupa, móveis eram suprimidas no local onde viviam. A produção industrial que antes alimentava somente a zona urbana e áreas próximas, passa agora investir na transformação dos produtos camponeses em objetos luxuosos, além de impulsionar o surgimento de novas necessidades no campo. Era drástica a situação do camponês que agora leva seus produtos à cidade e comercializa suas mercadorias, caracterizando-o como agricultor. Em momentos pretéritos eram comemoradas as colheitas abundantes. Nesse novo momento isso significaria queda do 257 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário preço de seu produto, corroborando para um possível endividamento. Em colheitas menos fartas o resultado tornava mais satisfatório, visto que o preço elevava-se. Em caso de endividamento o camponês requeria dinheiro emprestado, e para que pudesse garantir aquele pagamento, tinham suas terras hipotecadas. Caso não conseguisse uma boa colheita no ano posterior, que pudesse quitar sua dívida tinha suas terras confiscadas e leiloadas. Sobrando uma trágica opção: mudar se para cidade e tornar-se um proletário. Voltemos à análise do desenvolvimento da ordem cronológica do embrião que futuramente seria chamado de capitalismo. O fim da Idade Média é marcado pela queda de Constantinopla em 1453. No fim do século XV e decorrer do XVI e XVII, o mundo europeu é caracterizadas pelo expansionismo das maiores economias européias. Trata de um momento definido como expansão marítima, que consistia numa época em que os países como Portugal, Espanha, França, Inglaterra e Holanda buscavam o “descobrimento” de novos territórios em que pudessem exercer domínio sobre os “ humanos descobertos. O grande objetivo que permeou também na América portuguesa foi a procura de riquezas minerais. É lamentável o choque cultural resultado do contato dos portugueses com os índios. O português com suas habilidades de manipulação de seus interesses particulares, impunha aos índios ordens e buscavam “tapiar” o entendimento indígena para encontrarem as riquezas que viria a serem descobertas e exploradas. Nos países em que existiu colônia de exploração, podemos perceber como pelo próprio nome já esclarece a questão de uma pessoa dominar outrem. Em amplitude maior e mais degenerativa o domínio de uma cultura (portuguesa) sobre a cultura indígena. Partiremos para o momento histórico em que as pessoas migram para as cidades em busca de melhora de vida, nem todos locomoviam-se de seus locais como o meio rural de forma espontânea, de modo que muitos dos camponeses passavam pelo desgosto de verem suas terras confiscadas. O homem que vivia no meio rural e buscava sua sobrevivência no uso da terra para produção de suas necessidades vitais, é obrigado a deixar a vida que levou por muitos anos, para se desgastar no sistema industrial precoce. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 258 Luta de Classes e Contemporaneidade Tratemos desse momento conhecido como a I Revolução Industrial, a qual aconteceu em 1754. As pequenas cidades da época pré Revolução Industrial não estavam preparadas para receberem esse alto contingente populacional, fato que não impediu o processo de industrialização. O intenso crescimento das cidades traz um grande prejuízo sócio-cultural, visto que as pessoas são obrigadas a inserirem-se neste modelo drástico. As cidades vão modificando de tal modo que uma pessoa a qual viveu em uma cidade durante maior parte de sua vida e por motivos da época ter de se ausentar daquele meio. Retornando cinco anos aquele lugar iria ficar perdido, pois os elementos característicos da cidade eram modificados de acordo com as necessidades dos industriais. A respeito da definição do surgimento de classes sociais, descarta-se que o termo fora criado pelo marxismo. Podemos encontrar nos escritos da Bíblia Sagrada a existência de homens ricos que dominavam a classe menos abastada. Para Santos (1991, p.07) desde a antiguidade grega já existia classes sociais, confirmando a hipótese em documentos egípcios relatando essa divisão. Mesmo não podendo pensar que de formas iguais aconteceram as formas de dominação, visto que as relações de um escravo que produz riquezas para seu dono é diferente do trabalhador pós Revolução Industrial, este último amparado por “direitos”, n~o esquecendo que este também proporciona riqueza para seu patrão. O surgimento do Estado que surge no âmbito político de organizar e proporcionar a sociedade desenvolvimento. Como a maioria enxerga o Estado hoje, como organizador social e mantenedor da “ordem”. O Estado apropria de seus aparelhos ideológicos para moldar a sociedade da base piramidal da sociedade, enquanto está atento a cumprir os anseios da classe dominante. Pouco é interessante e analisado em como uma atitude poderá acarretar tristezas, angústias, além de danos financeiros. Se existe algum interesse pela iniciativa privada de “conquistar” certo local para fins diversos, o Estado fica ciente deste interesse e mesmo sabendo que a área é concentrada de valores culturais ou até mesmo modelados naturais este irão lutar pela desocupação deste local, lembrando que este serve aos anseios da classe dominante. 259 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Reclus (1985, p.31) defende que a guerra, sob suas mil formas, foi uma das grandes causas, a mais importante de todas as que contribuíram para a instituição das desigualdades e para o surgimento de classes sociais. Sempre existirá a figura de um vencedor venerado pelos não vencedores. Partindo aí uma lógica do sustento das classes sociais: Um ser sempre terá que dominar o outro para que o capitalismo prossiga estabelecido. O Estado aliado da classe dominante irá facilitar o maior enriquecimento dessa classe. Por exemplo, atendendo as facilidades para implantação de uma indústria por meio da diminuição de juros e pagamento de uso do local. Ao contrário o proletariado só existirá uma opção que é submeter a sua força de trabalho a disposição da classe detentora dos meios de produção. O proletariado irá de certa forma sustentar a vida luxuosa da alta classe. A mais-valia é essencial para equilibrar o maléfico sistema capitalista. Esta consiste basicamente nas horas de trabalho não pago ao trabalhador, visto que o que este último ganha em um dia equivale apenas uma hora ou duas de sua produção diária. O operário sente-se oprimido pela pressão que lhe é imposta. Mas sabendo ele que é impossível fugir da lógica capitalista. Chega ao ponto de se a pessoa não quiser trabalhar, existem inúmeras do lado de fora sonhando com a vaga do seu semelhante. Para SANTOS ( 2008, P. 46) “ a concorrência atual n~o é mais como a velha concorrência, sobretudo por que chega eliminando toda forma de compaixão. A competitividade tem a guerra como norma. Há toso custo, que vencer o outro, esmagando-o para tomar o seu lugar”. Portanto sempre que existir um ser humano dominando o outro irá existir desigualdades sociais e divis~o de classes. Encerrando nas palavras de SMITH (1988, p.86) “ o capitalismo difere de outras economias de troca no seguinte: produz, de um lado, uma classe que domina os meios de produção para toda sociedade, ainda que não produza trabalho, e, de outro lado uma classe que domina somente sua força de trabalho, que precisa ser vendida para sobreviver” Referências: MUMFORD, L. A cidade na história. Trad. N. R. da Silva. 4. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 260 Luta de Classes e Contemporaneidade RECLUS. E. Organizador Manuel Correia de Andrade. São Paulo: ED. Ática, 1985. SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento único a consciência universal. 15ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2008. SANTOS, T. dos. Conceito de classes sociais. Tradução de Orlando Reis.5ª Ed. Petrópolis: Vozes, 1991. SMITH, N. Desenvolvimento desigual. Tradução de Eduardo Almeida Navarro. ED. Bertrand. Rio de Janeiro, 1988. 261 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário O fio de Ariadne: Cultura e classes sociais no labirinto da pós-modernidade Glauber Lopes Xavier2 Resumo: Caótica, a pós-modernidade desafia, com toda força, o pensamento. Neste artigo pretende-se argumentar, a partir da apreensão de suas condições, a fragilidade do conceito de classes sociais encontrado nos escritos de Marx. Tem-se que as transformações políticas, sociais, estéticas, econômicas e culturais têm alterado, substancialmente, a natureza do espaço, conturbando as relações entre suas três dimensões, a física, a social e a mental. A vertigem que ocupa tais relações pode ser apreendida a partir de alguns elementos que conformam a cidade contemporânea, caleidoscópio cultural das transubstanciações pósmodernas, como o consumo e a comunicação virtual, instaurando uma multiplicidade de relações e inaugurando um período no qual o valor-de-signo, resultante da prestação social dos objetos, tem sobrepujado o valor-de-uso, por exemplo. Palavras-chave: Cultura. Classes sociais. Modernidade. Rizoma. Da modernidade à pós-modernidade: breves apontamentos sobre as classes sociais Desafiadora, a pós-modernidade se nos apresenta nos moldes de um labirinto cuja saída tem tornado frágeis e insustentáveis conceitos até então considerados inquestionáveis. Levando em conta as transformações sociais, políticas, econômicas e culturais que marcaram o mundo a partir dos anos 1970, é inviável elaborar concepções teóricas que prescindam de um real tecido em polaridades, como a clássica antinomia burguesia x proletariado. Esta afirmação assegura-se no fato de que tais mudanças colocaram em proeminência elementos atinentes à reprodução das relações sociais, sobrepujando a produção e seus aspectos da ordem econômica. Mais que investigar a lógica da acumulação de capital, urge apreender os mecanismos culturais que permitem sua sobrevivência e, fundamentalmente, os rearranjos entre as camadas sociais e suas manifestações simbólicas no cotidiano. É nesta perspectiva que se deve privilegiar a cultura, do que seria pertinente cunhar alguns questionamentos: é possível sair em defesa da existência das classes sociais, nos Professor Efetivo da Universidade Estadual de Goiás. Doutorando em Sociologia pelo PPGS/UFG. E-mail: [email protected]. 2 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 262 Luta de Classes e Contemporaneidade moldes do pensamento marxista ortodoxo, levando a termo o fato de que burguesia e proletariado comungam as mesmas representações ou, ainda, seria percuciente falar em classes sociais considerando a primazia do valor de signo, conforme enunciou Baudrillard, por sobre o valor de uso e o valor de troca? Tecer estes questionamentos não significa negar os postulados marxistas, mas considerá-los a partir de uma determinada condição sóciohistórica. O contrário seria a absoluta incoerência com o próprio marxismo e seu método. Antes de adentrar os aspectos ligados à cultura e as classes sociais, cabe, porém, apresentar este período histórico, o qual se estabelece a partir do século XVI, que se convencionou chamar de modernidade e, mais especialmente, o estágio em que seus elementos encontramse num patamar de avanço sem precedentes, a modernidade tardia ou alta modernidade ou até mesmo pós-modernidade como prefiro afirmar. A modernidade consiste, historicamente, em uma transformação abissal no campo da política, da economia, da sociedade e da cultura, ensejada, por seu turno, pela ascensão da burguesia e suas representações e a conformação de um proletariado cuja aparente liberdade instaura-se no direito de vender única e exclusivamente sua força de trabalho. Claramente constituídas, estas classes perfaziam a organização social nos tempos de Marx, movendo seus estudos e escritos políticos, a exemplo do Manifesto Comunista. De igual clareza consistia a produção do valor na medida em que a atividade industrial correspondia a principal atividade econômica na Inglaterra, lócus das investigações de Karl Marx. Estavam sólidas, pois, as peças desse mosaico que é a sociedade moderna, de tal maneira que era possível, com base em um modelo de conhecimento ainda fundamentalmente alicerçado no objetivismo, esmiuçá-lo a fim de se atingir a correspondência entre seus fragmentos. O aparente não se fazia, naquele período, tão eficaz e indispensável para as análises como em tempos hodiernos, quando as representações, os discursos, os constructos ideológicos agem por sobre a realidade, havendo, portanto, um efeito real daquilo que é inerente ao plano fantasmagórico como enunciou Marx (2004). Negar este plano é se voltar à contramão de um verdadeiro materialismo, o qual não se enreda pelo aspecto econômico, mas pela matéria no que ela reserva de concretude e abstração, ou seja, no que significa enquanto mercadoria, mas também obra, fruto de relações sociais, as quais, na pós-modernidade, turvam a apreensão do que é essencial aos fenômenos porque também se apresentam enquanto altamente essenciais. A fim de se promover uma 263 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário rotação na relação entre o pensamento e o real, é preciso verter a lógica de um materialismo economicista, isto é, considerar mais as mediações do que os processos mediados, mais o continuum ou modus operandi do que os resultados históricos que compõem o inventário da modernidade. Com efeito, este esforço do pensamento, não poucas vezes equivocado, incoerente, absoluta e completamente insustentado descortina as armadilhas da história. Os fenômenos relutam em manifestar, por um lado, a nossa esterilidade enquanto agentes de sua apreensão, por outro, as infindáveis possibilidades que temos de desenhar o curso dos acontecimentos com base naquilo que detemos sobre a humanidade. Finalmente, os fenômenos estão prenhes do devir, ora trazendo à cena episódios que evocam a sociedade liberal clássica de meados do século XIX, ora apresentando novos atores e novos papéis, como a relevância da retórica nos processos econômicos atinentes ao capital financeiro atual. Neste particular, é curioso o fato de que os discursos engendrados, embora se refiram a um capital fictício, desprovido de substância, na tentativa de equilibrá-lo, promove efeitos reais. À reificação em segundo plano que se tornou a ciência econômica moderna, conforme elucidou Leda Paulani (2005), deve se voltar uma dialética em segundo plano. Não mais uma dialética da mercadoria e o homem, mas uma dialética que leve em conta a relação homemmercadoria-linguagem. Em Para uma critica da economia política do signo, Jean Baudrillard (1995) anuncia esta tarefa a ser cumprida. Ao cunhar a noção de valor de signo, Baudrillard supera a relação valor-de-uso/valor-de-troca que se colocou permanentemente intransponível na obra de Marx. Com este termo, o de valor de signo, torna-se possível apreender a complexidade de uma pós-modernidade ainda por decifrar. O signo, presença-ausência militante no nosso cotidiano, é, numa leitura semiótica, a linguagem por excelência da sociedade de consumo, da sociedade urbana pós-industrial, ou, como bem colocou Henri Lefebvre (1972) da sociedade burocrática de cosumo dirigida. A partir dos incontáveis signos, são constituídos sistemas e subsistemas que qualificam a miséria do cotidiano (LEFEBVRE, 1961), obstruindo a criatividade em múltiplos aspectos. Na esfera do trabalho isso é sintoma candente. Onde estão, nela, as classes sociais rigidamente conformadas, claramente delineadas e cindidas? Ora, e se leva em conta uma sociedade cujas revoltas sociais tem se estabelecido na virtualidade enquanto locis de anúncio, tendo como motivações não apenas o aumento de De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 264 Luta de Classes e Contemporaneidade preços disso ou daquilo, mas também a defesa de direitos sexuais, étnico-raciais, dentre outros. É patente como estas questões não foram devidamente colocadas pelo marxismo contemporâneo, ao menos pela maioria dos estudiosos que se identificam como tal. Seguramente Henri Lefebvre fora o marxista que melhor dera conta deste emaranhado de problemáticas atinentes ao conturbado, impactante e desafiador século XX. Durante os noventa anos em que viveu este pensador se esforçou na apreensão de processos cuja rapidez exigiram constantes releituras de grandes pensadores como Hegel, Marx e Nietzsche, segundo o próprio Lefebvre (1976), os três teóricos, por excelência, da modernidade. Em Hegel, a modernidade está na afirmação do Estado, sua solidez e firmamento. Em Marx, no trabalho alienado, produtor de mercadorias em quantidade sem precedentes. Em Nietzsche, na vontade de potência, de transformação total, de ruptura com o tédio do cotidiano. Um exercício de análise histórica atestam estes postulados, uma vez que o século XX foi marcado pelo surgimento de dezenas de estados-nações. Ademais, pelo fato de que neste século se estabeleceu o chamado fordismo, período áureo do capitalismo e da disseminação de seus valores e ideologias de toda sorte. Finalmente, tratou-se do século das irrupções juvenis em busca por novas formas de vida, portanto, lutas eminentemente culturais, deflagradas por agrupamentos sociais dos mais diversos extratos de renda e com objetivos que extrapolavam o campo da produção. Neste particular, é a reprodução que os moviam na maior parte dos casos, a exemplo das lutas feministas, estudantis, dentre tantas outras que não podem, a pretexto de um marxismo dogmático e ultrapassado, serem ignoradas. Para não se falar da relação homem-natureza a partir das inovações no campo da técnica, inaugurando novas relações sociais, estas mediadas pelo virtual. Baudrillard, o qual teve Henri Lefebvre como orientador, defendeu sua tese, O sistema dos objetos (2000), antevendo transformações nesta direção, estas, resultantes de uma dinâmica espaço-tempo fragmentada, diluída nos mais diversos recônditos da vida, desde as configurações do trabalho até as relações amorosas. 265 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Pós-modernidade: o consumo e a cidade rizomática Estas questões, espaço-tempo, signo, reprodução de relações sociais, grupos sociais, dentre outras, demarcam uma lógica temporal própria à pós-modernidade: a vida cotidiana, num espaço que também lhe é próprio: as cidades. Unidos, o espaço da cidade e o tempo da vida cotidiana tem-se o fenômeno urbano, palco dos subsistemas, como o tão comentado subsistema do automóvel, uma vez que desvela toda uma gama de representações. É deste subsistema que são pensados os traçados da cidade moderna, permitindo o seu fluxo. Dele originam sinais e sons que orientam ações e imprimem comportamentos. Podemos, tomando a sociedade pós anos 1970, falar de um subsistema engendrado com o advento da internet. Vertiginoso, porque alheio a relação espaço-tempo, a internet une, virtualmente, pessoas de lugares diversos, sendo que a comunicação por elas estabelecida elabora tessituras que fragilizam nossos parâmetros analíticos. Este subsistema é, de fato, paradigmático. Na medida em que ele afugenta-se do real, constituído que é por perfis não raras vezes manipulados a fim de apresentarem o que se pretende ver e não o que realmente são – neste particular, são risíveis os mecanismos utilizados a fim de se forjar identidades visuais nas redes sociais – ele apresenta enigmas a ser decifrados, notadamente no tocante às representações virtuais, a estética, a linguagem, a comunicação, a informação. A internet, esse leviatã da pós-modernidade, arrefece os distintivos das classes sociais, pois que permite infinitas elaborações, obviamente no campo da virtualidade, das identidades e seus corolários. Leva, por seu turno, a que indivíduos dos mais distintos extratos sociais se mobilizem por causas genéricas, como a causa ambiental, tão em voga nos últimos anos. Mais que isso, ela converge diálogos, histórias de vida, experiências na não experiência que sua dinâmica espaço-tempo preconiza, de sorte que os indivíduos perdem, subjetiva e ideologicamente, as condições que os tornariam pertencentes a esta ou aquela classe. Ou melhor, as condições de realização nesta ou naquela, o que seria o primeiro passo para suas consciências, não são suficientemente cumpridas. Estas constatações e possíveis inferências apontam para o fato de que mesmo fantasmagóricas, mistificadas, seja lá qual o termo que melhor expresse o atual estágio de subjetividade instaurado pela pós-modernidade, é imprescindível considerá-las. O irreal deve ser tomado como expressão do real a fim de que este e sua concretude possam ser De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 266 Luta de Classes e Contemporaneidade profundamente explicadas. Fredric Jameson (2007), importante teórico contemporâneo da pós-modernidade, alerta para esta necessidade em seu clássico Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. Este pensador explora, com profundidade, as condições culturais que legitimam o pós-modernismo e que, via de regra, maculam o real em nome de um todo fragmentado ausente de sentido. Jameson leva a cabo uma espécie de decodificação do pós-moderno, valendo-se da crítica à retórica. Quanto ao mercado, o qual subjuga a política e alicerça as bases econômicas da pós-modernidade, é oportuna a seguinte passagem: “a retórica do mercado tem sido o componente central e fundamental nesta luta ideológica, a luta pela legitimação ou deslegitimação do discurso de esquerda.”(2007, p. 271). A naturalização do mercado invadiu as instâncias mais subjetivas do ser social, incitando um comportamento hedonista, avesso à solidariedade, um comportamento cujo imperativo é a troca ao invés do uso, da satisfação individual, da aparência em lugar da essência, do concebido ao invés de um vivido verdadeiramente humano e plenamente emancipador. Resta apreender o emoliente desse mercado na pós-modernidade, o consumo. Baudrillard (2010) magistralmente apreendeu a sociedade de consumo gestada na segunda metade do século XX, uma sociedade devotada ao consumo de signos, cujo valor é a prestação social da mercadoria, o distintivo que ela promove entre os integrantes dos grupos sociais. Na medida em que este consumo espraia por sobre os mais longínquos territórios e fornece substancia ao cotidiano de indivíduos sob quaisquer condições, trabalhadores ou não, ele torna-se a um só tempo o que equaliza as classes sociais e o que as diferencia. Trata-se, pois, de mais um elemento na seara dos instrumentos ideológicos, de um mecanismo de domínio de classe? Talvez. O certo é que o consumo traz a tona problemas que não se encerram com esse argumento. Ele é, numa perspectiva mais abrangente, a manifestação incisiva da força que emana dos objetos. Portanto, dos signos, dos símbolos e dos sinais que estes exprimem. Princípio ativo da chamada globalização, o consumo integra/desintegra povos e culturas a partir dos ditames do mercado. Encampado pelas grandes corporações e suas estratégias geopolítico-territoriais, esta vigorosa luz transcendental, o mercado, cujos feixes percorrem de norte a sul e de leste a oeste o universo, encarrega-se de desterritorializar a filosofia3, o pensamento, cavando um buraco no qual são soterradas não apenas o homem Magistralmente, Deleuze e Guattari postularam uma geofilosofia, a qual tem que “Pensar se faz antes na relação entre o território e a terra.” (Deleuze e Guattari, 2010, p. 103). 3 267 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário enquanto produtor de obras, mas também o homem produtor de sua história e, portanto, capaz de problematizar sua vida e os acontecimentos. Com efeito, o mercado a tudo invade, sobrepujando, o mundo da vida. Mas há que se sair da sombra da pós-modernidade e a vida cotidiana que esta acirra com veemência, romper os grilhões que não mais se reduzem ao trabalho e ao salário que aparentemente lhe compete. Amiúde complexo, os grilhões do mundo pós-moderno estão incrustados no campo semiótico e seus discursos, nas roupas, automóveis, eletrodomésticos, mas também nos seguros, como o do automóvel, que justifica o desperdício em demais. O desperdício, expressão da irracionalidade do capital, nos desvela quão difícil é o exercício de apreensão das atuais condições de reprodução do modo de produção capitalista. Deve-se, pois, partir da reprodução, como já dito em outros termos. Se a reprodução, cultural por excelência, porque obtida a partir das práticas sociais, promove um campo cego que dificulta as abordagens e seus diagnósticos, ela também engendra os elementos que configuram a diferença. É da repetição que surge o diferencial, já dizia Lefebvre (1968). Na repetição está contido o devir, o vir a ser, o porvir, anúncio do acaso em meio a um caótico campo de imanência, em meio a um caótico território que descumpre sua forma, sua estrutura e sua função, contrariando desta sorte os princípios de sua concepção. Como? Pelo vivido, só ele destitui o concebido. Isto é espaço social, a relação entre os homens e o território para além do lócus de suas casas, mas enquanto instância que qualifica suas vidas, que promove ou não o encontro, espaço das relações sociais que, ao conformá-las, germina elaborações do espaço, fecundando representações. Na medida em que parte da unidade entre homem e natureza, o conceito de espaço social permite que o estudo da cultura não deságue em um culturalismo, em um desprezo pelas condições materiais de existência dos indivíduos. Por seu turno, o espaço é a própria materialização das ações sociais e sua materialidade, lócus e matéria das aventuras humanas. Ele é, por isto, produto e obra, constructo fenomênico e histórico, a um só tempo físico, social e mental. Sua expressão máxima contemporânea é a cidade, arena da reprodução, das práticas sociais alienadas e alienantes, da cultura, das investidas do mercado, espaço do mercado e mercado do espaço concomitantemente, do consumo, consumo de produtos e consumo de espaço, uma vez mais, concomitantemente. Ela é, destarte, o plano físico da pósmodernidade e a própria pós-modernidade uma vez que terreno do fenômeno urbano. Nesta De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 268 Luta de Classes e Contemporaneidade perspectiva, a cidade é, ainda, valores, condutas, comportamentos, relações sociais, vida cotidiana finalmente. Ao se dar conta da essencialidade da cidade e do urbano na modernidade, Henri Lefebvre (2001) derramou tinta e nos legou uma de suas principais obras, O direito a cidade. Caleidoscópio da vida cotidiana, a cidade contemporânea, a qual coaduna indústria, comércio e serviços extremamente diversificados, compreende um complexo, extenso e enigmático labirinto, o labirinto da pós-modernidade. Sua complexidade vai da cotidianidade (o mimético e rotineiro) até a filosofia. Sua extensão incorpora, por um lado, elementos de um campo metamorfoseado em agroindústria, por outro, um plano virtual de relações sociais, instaurado com o advento das redes sociais pela internet, passando pelo fornecimento dos mais diversos serviços, a exemplo do personal trainer, distintivo profissional do culto ao corpo, ipso facto, valor-de-signo pela prestação social que provoca. (BAUDRILLARD, 1995, 2010). Por fim, seu caráter enigmático está em que se pode vislumbrar, sem reservas, algo de novo, um porvir, dada a confusão que se tem operado na cidade a partir da sua composição espacial triádica. Ora é o espaço físico que não suporta as pulsões do espaço social; Ora é o espaço mental que em nada se desdobra do espaço físico ou mesmo do social; Ora é o próprio espaço físico que não possui direção. Com efeito, muitas elaborações mentais hodiernas resultam das imposições do virtual. Neste sentido, as relações sociais tem se transubstanciado completamente, independendo até do espaço físico, o qual outrora se lhe apresentava indispensável. Note que o processo aqui fortuitamente denominado de transubstanciação é, numa pretensão filosófica, a própria desterritorialização e reterritorialização de que falam Deleuze e Guattarri (1992, 1997) ao postularem uma epistemologia rizomática. Materialidade filosófica e não-filosófica do rizoma, a cidade contemporânea é, assim como este, a-centrada. O que está em questão nesta cidade não são as polaridades (início-fim, dentre outras), mas as mediações. A multiplicidade que dela emerge conturba a racionalidade na qual esta presumivelmente se ancorava. Uma geofilosofia da pós-modernidade é, pois, rizomática, partindo de um sistema aberto cujos acontecimentos redefinem veloz e constantemente os conceitos. Foram proferidas, aqui, algumas pistas que permitem compreender este labirinto da pós-modernidade, a cidade contemporânea. Nele, porque rizomático, o acaso, o extraordinário, o inesperado sentencia os indivíduos à partilha de experiências originais. Tal 269 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário qual o fio de Ariadne, a insurreição do super-homem tem se dado seja no discurso filosófico, na demarcação do território ou mesmo na elaboração mental dos acontecimentos e suas circunstâncias ou, ainda, porque não, pela internet, um moderno labirinto cuja rota pode ser registrada e, caso não seja, pode se dar a partir da tentativa-erro, a chamada estratégia de Ariadne louca; Não seria uma Ariadne caótica? Este labirinto deve-se considerar, não tem saída. Temos muito que decifrar de uma sociedade por excelência informacional, na qual o mercado, os objetos e até mesmo os lugares comunicam. Não falam, mas comunicam. À guisa de conclusão Há um espaço pós-moderno, a cidade contemporânea, a cidade rizomática. Produto das condições da modernidade, nela recorrentes contradições demarcam o convívio entre as três instâncias espaciais, a saber: a física, a social e a mental. Múltipla, caótica, indescritível, ela é caleidoscópica. Engendra culturas originais, incita o consumo, se consome em suas indeterminações, como o plano virtual das relações sociais, o qual instaura sem um topo, sem um lugar. Há, nela, na cidade rizomática, classes sociais, uma burguesia e um proletariado? Não nestes moldes. Há um gradiente de camadas sociais, especialmente as camadas médias, cujas representações, práticas sociais, condutas e valores não são compartilhados com os operários, minoria enquanto agrupamento social, não mais portador de uma potencialidade revolucionária, a despeito das premissas de um marxismo ortodoxo. A cultura, posto que emoliente da reprodução das relações sociais, consiste, por outro lado, na pedra de toque da pós-modernidade. É por meio dela que estudantes, profissionais liberais, operários, dentre outros, devem promover a busca pela transformação total, pela mudança de vida. Por enquanto, u-tópico, outro topos, outro lugar, Por enquanto, o possível do qual descortinará o espaço diferencial cujo anúncio já se vislumbra pelo acaso. Um espaço caótico, como o espaço virtual, donde emergem novas tessituras sociais e irrompem estratégias para a saída de um labirinto, o da pós-modernidade, o qual, a despeito da linearidade do pensamento e da história, não possui saída. Cabe apreender seu percurso, suas a-centralidade para que possamos atingir com mais acuidade o real, ou não, a depender do que se entende por real. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 270 Luta de Classes e Contemporaneidade Neste particular, a comunicação é fulcral como elemento de compreensão na medida em que conditio sine qua non da pós-modernidade. Referências BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Ediçoes 70, 2010. BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. 4ª ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 2000. BAUDRILLARD, Jean. Para uma crítica da economia política do signo. Rio de Janeiro: Elfos Ed; Lisboa: Edições 70, 1995. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs. São Paulo. Editora 34, 1997. DELEUZE, Gilles; GUATARRI, Félix. O que é a filosofia? Rio de Janeiro: Editora 34, 1992. JAMESON, Fredric. Pós-modernismo: A lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Editora Ática, 2007. LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001. LEFEBVRE, Henri. Hegel, Marx, Nietzsche ou O reino das sombras. Póvoa de Varzim: Ulisseia, 1976. LEFEBVRE, Henri. La vie quotidienne dans le monde moderne. Paris: Gallimard, 1972a. LEFEBVRE, Henri. Sociologia de Marx. Rio de Janeiro: Forense, 1968 LEFEBVRE, Henri. Critique de la vie quotidienne. Paris: L´Arche Éditeur, 1961. Três tomos. MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004. PAULANI, Leda. Modernidade e discurso econômico. São Paulo: Boitempo, 2005. 271 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Minaçu-GO: uma cidade para o capital no olho do furacão Fábio de Macedo Tristão Barbosa1 Resumo: Localizada na região Norte do Estado de Goiás, a cidade de Minaçu passou a existir em virtude do movimento geral do capital-amianto que no decorrer do século XX instalou-se em diversos países do mundo tendo como centro irradiador a Europa, fazendo parada nesta porção do espaço goiano. Neste texto abordaremos alguns aspectos da relação do capital na produção do urbano, especialmente a forma peculiar do urbano que se institui quando a cidade é literalmente uma criação do capital e para o capital. As condições materiais de produção encontradas colocaram para o capital a necessidade de dotar este espaço de infraestrutura para operacionalizar sua própria acumulação. Processo que fez brotar às margens da mina uma cidade subordinada econômica, política e socialmente pela empresa Sama Minerações Associadas. Palavras-chave: Capital, cidade, Espaço urbano. Introdução Localizada na região Norte do Estado de Goiás, a cidade de Minaçu passou a existir em virtude do movimento geral do capital-amianto que no decorrer do século XX instalou-se em diversos países do mundo tendo como centro irradiador a Europa, fazendo parada nesta porção do espaço goiano. Neste texto abordaremos alguns aspectos da relação do capital na produção do urbano, especialmente a forma peculiar do urbano que se institui quando a cidade é literalmente uma criação do capital e para o capital. A gestação desta cidade foi obra da “m~e” SAMA Minerações Associadas. A vila oper|ria foi concebida como condiç~o geral de produção e reprodução do capital-amianto; erguida em meio a uma paisagem predominantemente composta de Cerrado virgem, praticamente “intocada”, salvo a presença de quatro famílias de migrantes maranhenses que praticavam a criação extensiva de gado, impôs-se condições bastante adversas para a instalação da maquinaria e dos instrumentos necessários para iniciar a exploração do mineral. Portanto, as condições materiais de produção encontradas colocaram para o capital a necessidade de dotar este espaço de infraestrutura para operacionalizar sua própria acumulação. Processo que fez brotar às margens da mina uma cidade subordinada econômica, política e socialmente pela empresa Sama Minerações Associadas. 1 Doutorando em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo Professor da Universidade Estadual de Goiás Bolsista CNPq. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 272 Luta de Classes e Contemporaneidade 1. A primavera da cidade: A vila operária da Sama Enquanto nos países de capitalismo avançado as condições gerais de produção encontravam-se consolidadas há bastante tempo, e as condições da própria reprodução do capital passa por importantes processos de reestruturação produtiva nos primeiros anos da década de 1970 – sinal da crise do regime de acumulação fordista. Por aqui, nas zonas de fronteira do capital, prescindia-se ainda da instalação de tais condições infraestruturais, sobretudo a instalação de capital fixo, para sua acumulação e reprodução. Era imperativo criar estas condições. Na esteira da mobilidade geogr|fica do capital “las relaciones monet|rias han penetrando hasta el último rincón del mundo, em casi cada aspecto de la vida social e incluso a vida privada” Harvey (1982, p. 376), envolvendo todos os lugares na complexa divis~o territorial do trabalho. Produzindo configurações espaciais novas (capitalistas) na destruição das antigas (não-capitalistas). É próprio do capital a necessidade da unificação espacial das relações de produção, conformando uma espacialidade homogêneo/fragmentária que legitima a tese do desenvolvimento desigual e combinado; na linguagem geográfica de David Harvey: desenvolvimentos geográficos desiguais. A cidade distante dos grandes centros urbanos, longe do mercado de força de trabalho necessitava de trabalho vivo para produzir lucro. Com o início da exploração da mina em 1967 começa a chegar trabalhadores de distintas regiões do país atraídos pela possibilidade do trabalho, a grande maioria ligados às atividades do campo, são oriundos principalmente do Nordeste: maranhenses, piauienses, e baianos vindos da mina desativada de São Felix em Poções-BA, passam compor a massa de trabalhadores braçais; técnicos e engenheiros vieram de Minas Gerais, São Paulo e de outros países. Esse processo, de certa forma, também contribuiu para a formação da vila operária pela empresa, que, além de colocar-se como condição fundamental para extração do amianto, vê-se pressionados pela oferta de trabalho da população chegante. Porém, a ausência de condições básicas de sobrevivência poderia não permitir a fixação desses trabalhadores no lugar. Neste sentido, a cidade deveria garantir até certo ponto, um mercado cativo de força de trabalho para servir ao capital, dadas às particularidades geográficas de sua localização. Enquanto espaço produzido a cidade se colocou desde o começo a serviço da acumulação de capital, a construção das casas pela Sama para os operários cumpria papel 273 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário importante no rebaixamento dos custos de reprodução da força de trabalho, e foi posto também a serviço do capital. A conversão daquele espaço primevo, o espaço natural dado, a um valor de uso social para a produção de mercadorias, configura o espaço tornado mercadoria, ou a mercadorização do espaço. Neste sentido a própria cidade pode ser entendida como meio de produção, nela passa-se a concentrar o trabalho e os meios básicos de subsistência necessários à reprodução da classe operária em formação. A cidade intramuros, cercada, controlada e disciplinada pela Sama, é o espaço-escola importante na formação da cultura do trabalho nos moldes da empresa capitalista. Trabalhadores vindos dos mais distintos rincões trazendo consigo hábitos, valores, comportamentos do campo são levados a rapidamente se despirem da cultura campesina e obrigados a entronizarem formas de trabalho inteiramente diversa daquelas do meio rural. O tempo deixa de ser o tempo cíclico das tarefas na lida da roça, o acordar com o cantar do galo, o tempo de plantar, o tempo de colher, e passa a ser o tempo racional do relógio, deixa de ser o tempo da natureza para ser o tempo da racionalidade industrial nos termos de Edward Thompson; e isto é, de certa forma, uma violência, uma perversão. Consta em Ortiz & Hue (1987, p. 103) que no período entre “1967 e 1974, quando então se abriu uma estrada, 15.000 pessoas chegaram à região, sendo que 6.000 se instalaram em torno da mina. Desses, 1.300 dentro da vila oper|ria, montada pela empresa”. Percebe-se então que a produção social do espaço urbano deu-se a partir da montagem de alojamentos e casas simples, que foi se conformando aos poucos em uma vila de trabalhadores que se aglomeravam em torno da mina. Neste sentido, a construção da vila operária é tanto uma condição da acumulação de capital, como espaço de reprodução do trabalho. Portanto, a Sama viu-se na obrigaç~o de “modernizar” o espaço. A vila foi sendo construída¸ composta por edifícios comerciais, escolas, hospital, centro de saúde, clubes recreativos, 383 residências e 59 alojamentos para solteiros, abrigando em meados da década de 1980 aproximadamente 2400 pessoas. A organização espacial da vila, expressa claramente a hierarquia de poder dentro da empresa. O setor leste destinado aos funcionários mais graduados é onde mora o alto escalão de comando da empresa, os setores norte, sul e oeste residem os trabalhadores da base da pirâmide social. Um simples olhar na fachada das casas denunciam as diferenças econômicas. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 274 Luta de Classes e Contemporaneidade Aos poucos a vila foi sendo dotada de toda infraestrutura e conforte: energia, primeiro com a instalação de potentes geradores a diesel, posteriormente, a própria empresa financia a linha de 90% da linha de alta-tensão; a instalação de redes de água e esgoto tratados numa estação própria de uso exclusivo dos moradores da vila. Atendimento hospitalar aos seus funcionários, restaurante industrial, posto bancário, postos de atendimento e administração da vila, uma espécie de delegacia, uma “prefeitura” e um posto de assistência social, além de clubes sociais e de recreação, campos de futebol e quadras poliesportivas e de tênis, escolas técnicas profissionais e de ensino, etc. Tais objetos espaciais distribuídos racionalmente dão forma ao espaço da vila operária, recortados por vias e ruas largas, amplos canteiros centrais gramados e arborizados compõem o arranjo espacial da vila. Tudo isso sob o rígido controle e disciplina da empresa. Para além do espaço fabril, o espaço da produção e do trabalho, a disciplina do capital adentra o espaço-tempo da vida cotidiana, o espaço-tempo da reprodução no sentido marxiano, da reproduç~o amipliada como atesta Lefebvre (1973, p. 11) “n~o h| reproduç~o das relações sociais sem uma certa produção de relações; não h| aqui um processo puramente repetitivo”. É no âmbito do espaço como condição histórico-social que a reprodução das relações de produção acontece, engendrando outras novas, porém, preservando a sua essência. Tudo mudo para que tudo permaneça como está. 2. De vila operária a condomínio residencial fechado Nos primeiros anos do século XXI mudanças importantes ocorreram na relação da Sama com a Vila Operária. Até este momento as casas e todas as edificações da vila eram de propriedade da empresa que alugava as casas para os operários, apenas funcionários da Sama poderiam morar na vila. A partir de 2003 isso mudou, a empresa resolveu vender as casas – segundo consta por preços módicos –, desde então pessoas com nenhuma relação direta com a empresa passou a residir na vila da Sama. Professores, delegados, policiais, juízes, promotores, etc., residem hoje na vila, que passou de vila operária a condomínio residencial de classe média alta de Minaçu. O Em abril de 2005 o condomínio é fundado legalmente, com estatuto próprio e eleição de dois em dois anos para escolher nova diretoria. Residem hoje no condomínio cerca de mil pessoas em 264 edificações. O estatuto coloca restrições para reformas nas casas para assegurar as formas originais e não 275 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário descaracterizar a arquitetura do condomínio. Porém, com autorização da diretoria os moradores podem alterar com certos limites suas casas; o que é expressamente proibido é trocar o telhado, todas as casas e edificações deve manter o telhado original, ou seja, com telhas onduladas de fibrocimento. O preço pago por condômino é de trinta reais, é cobrado também uma taxa de segurança que varia de vinte a trinta e cinco reais, de acordo com o padrão arquitetônico das casas. O fornecimento e tratamento de água e esgoto são realizados pela empresa a preço de custo para os moradores, cerca de R$ 1,10 o metro cúbico de água, ao passo que a Saneago cobra cerca de R$ 3, 40, ou seja, três vezes mais caro. O condomínio conta ainda com: hospital, sistema Sesi/Senai, escolas, clínicas médicas, banco, Unimed, padaria, academias de ginástica, restaurante, dois clubes sociais com piscinas e quadras de esporte, salão de festas e espaços para realização de eventos e encontros culturais, etc. conta também com ampla área verde, matas de cerrado que abriga um enorme lago e garantem uma temperatura bem mais agradável no meio do forte calor do norte goiano. A entrada no condomínio é permitida, porém a Sama mantém uma portaria vigiada com seguranças que podem solicitar identificação de quem adentra no condomínio. As normas de trânsito são rigorosamente observadas, os espaços para pedestres, ciclistas e automóveis são bem definidos e vigiados; há um projeto para instalação de 24 câmeras de vigilância a serem espalhadas no condomínio, certamente aumentará a sensação de segurança, mas também de disciplinamento e vigilância deste espaço. Carlos (1994) observa duas perspectivas diferentes para analisar o espaço. Do ponto de vista do capitalista, enxerga o espaço como capital fixo destinado a reprodução do próprio capital; de outro, observa o espaço como meio de produção da própria vida, como valor de uso e consumo indispensável à reprodução da sociedade em geral. O espaço assim visto deve ser apropriado para o uso da coletividade e de acordo com o uso que a coletividade faz dele. Para Carlos, essa produç~o dual do espaço, é produzida “para atender, de um lado, as necessidades da produç~o e circulaç~o de mercadorias, [...] e de outro, { reproduç~o humana” (CARLOS, 1994, p. 11), é a própria manifestação das contradições do espaço transformado em mercadoria que traz embutido em si valor de uso e valor de troca. Do outro lado dos muros, na hinterland da antiga vila operária transformada em condomínio residencial fechado, do outro lado dos muros, um processo de urbanização caótico e esgarçado vem ocorrendo. Neste processo de desdobramento urbano, emerge uma De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 276 Luta de Classes e Contemporaneidade centralidade urbana assentada no comercio varejista, lojas de departamentos, eletrodomésticos, informática, supermercados, juntamente com o setor de prestação de serviços: escritório de contabilidade, de advocacia, clínicas médicas e odontológicas, etc., espacializando, assim, a divisão social do trabalho. O movimento do capital no espaço contribuiu para o processo de valorização urbana, as áreas da cidade dotadas de infraestrutura urbana abrigam as classes abastadas economicamente, enquanto aos pobres, cabem ocupar as franjas da cidade, a beira de cursos d’|gua e nas encostas de morros como é o caso do setor Serrinha. Os espaços dos pobres e os espaços dos ricos vão sendo definidos pelo processo de segregação residencial dado pela propriedade privada da terra urbana, a totalidade vai se fazendo no lugar. A urbanização autoritária comanda o aparecimento de cidades sob a égide do capitalismo autoritário brasileiro, Minaçu emancipa-se politicamente no período mais duro da ditadura militar no Brasil, ao que parece sua emancipação política foi dada diretamente pelo presidente da república em exercício General Adalberto Pereira dos Santos num momento político restritivo à criação de novos municípios em território brasileiro. 3. Sama e a estratégias de dominação da cidade É flagrante a subordinação e a dependência econômica da cidade de Minaçu em relação à exploração econômica do mineral-amianto. A Sama é a maior pagadora de impostos estaduais e municipais da região, a maior fatia de todo ICMS (Imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços) arrecadado pelos cofres do Município provém da exploração do amianto. Outro imposto que contribui com a arrecadação municipal é a CFEM (Compensação financeira por exploração mineral) em que 65% do seu valor também entram nas receitas municipais, 23% vão para o Estado. Estas são as duas maiores fontes de receita advindas da extração/beneficiamento do amianto à prefeitura de Minaçu. Entre os anos de 1996 e 2000 foram arrecadados um total de R$ 74.742.169,00 em ICMS, deste valor, R$ 18.685.542,25 participaram das receitas municipais. A CFEM gerou entre os anos de 2008 e 2011 um total de R$ 24.643.479,73, neste período entraram nos cofres da prefeitura de Minaçu R$ 16.018.261,68. Segundo Silva & Shiki (2002) a importância do amianto para Minaçu justifica-se por uma participação média de 94,41% do total arrecadado em tributos na região. 277 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário A participação política da Sama é outro aspecto que não pode ser desprezado da análise. A empresa é uma das maiores doadoras em campanhas político-eleitorais do Estado de Goiás, conforme dados apresentados no gráfico 1. Gráfico1 Municípios que mais receberam doações eleitorais do Grupo Sama-Eternit de 2002 a 2008 680.000,0 0 410.000,0 0 190.000,0 0 Minaçu Goiânia Anápolis 245.000,0 0 Osasco-SP Fonte: Tribunal Superior Eleitoral; Portal Transparência Brasil. http://media.folha.uol.com.br/treinamento/2009/07/10/poder_politico.pdf O gráfico evidencia fortemente o interesse e a presença da empresa Sama e do Grupo Eternit, no campo político-eleitoral no Estado de Goiás e fora dele, pois a empresa foi generosa também para Osasco-SP. Por “coincidência”, nesta cidade fica a sede da ABREA – Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto – braço nacional de uma organização internacionalmente reconhecida pela luta e defesa dos trabalhadores vítimas da exposição à poeira do amianto. No entanto, os vultosos recursos se concentram de acordo com o gráfico, em Minaçu; sendo também generosas as doações para a cidade de Goiânia. Quem seriam os políticos, candidatos agraciados pelo Grupo Sama-Eternit? Sabemos que não há nenhuma ilegalidade jurídico-criminal em fazer doações para determinado grupo político, a lei é permissiva quanto a isso. Mas pode ser também, se eleitos, esta classe política pode intervir internamente nas estruturas do Estado para favorecer em diversos pontos a empresa, os lobbies, são criados, dessa forma, pela empresa para se constituírem como seus agentes no interior das instituições do Estado, facilitando caminhar projetos, aprovando leis que sirvam aos seus desejos imediatos. Percebe-se então que a De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 278 Luta de Classes e Contemporaneidade política local perpassa amplamente pelos interesses e desejos da Empresa, dessa forma tornase claro a dominação político-ideológica local amplamente assegurada e dominada pela Sama. A sociedade de Minaçu é toda ela defensora ardente do amianto-crisotila. O poderio econômico e político da empresa demonstrado anteriormente se revestem como instrumento poderoso de convencimento e controle social, construindo o consenso de que o “uso controlado” do amianto n~o só é possível, como foi alcançado pela empresa a partir da adoç~o de aparato técnico de ultima geração e o constante monitoramento do material particulado em suspensão. Desta forma está garantido o uso seguro no processo produtivo do amianto. A estratégia da empresa para produzir o consenso e o controle social é seu constante envolvimento no cotidiano da cidade. A prática espacial de espalhar outdoors em pontos estratégicos do espaço urbano com imagens e frases ovacionando a empresa coloca a Sama como uma riqueza natural da cidade. Em todo canto visualiza-se rochas enormes de amianto em pontos importantes da cidade, como no aeroporto municipal. No desembarque, no rol do aeroporto uma amostra de pedra de amianto está exposta e um enorme outdoor do lado de fora. É comum a ornamentação da entrada dos prédios do poder judiciário no Brasil com a estátua de olhos vendados, simbolizando que a justiça é cega e “igual” diante de todos. No entanto, na entrada do Fórum de Minaçu o ornamento principal é uma gigante rocha de amianto-crisotila. Na portaria de hotéis da cidade também observa-se pedras enormes desejando as boas vindas aos visitantes e turistas que chegam a Minaçu. É intensa a presença da Sama nos diversos eventos culturais, sociais, festas, etc., como a grande patrocinadora dos eventos que acontece na cidade. A elite local se apresenta como a portadora do discurso do convencimento da opinião publica. As Igrejas Católicas e Evangélicas cumprem fielmente seu papel neste enredo, a mídia impressa e o rádio são instrumentos de propagação do discurso importantes, na medida em que alcança a capilaridade de toda população. Enfim a cidade está aos seus pés. Dominada economicamente, politicamente e socialmente. Considerações finais Esta cidade vive hoje um paradoxo: Enquanto ganha força o movimento nacional e internacional para o banimento do amianto, relacionando o mineral ao comprometimento da 279 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário saúde dos trabalhadores; as elites dirigentes de Minaçu busca unir as forças políticas locais e estaduais na defesa da continuidade da exploração econômica do mineral amianto. O discurso ideológico reinante é o de que o banimento do amianto é quase o “fim da cidade”, um discurso do terror que é propagado nos mais diversos meios sociais da cidade: nas igrejas, nas associações comerciais, nos poderes públicos, nos sindicatos de trabalhadores que divulgam amplamente a ideia, nas escolas, na universidade, na mídia impressa, e no rádio. Enfim, o imaginário social está definitivamente contaminado por esse discurso que se converte em prática social, e ao contrário, uma prática social que elabora o discurso. As contradições se instalam. A história do capitalismo permitiu a criação da cidade de Minaçu pelo império do amianto, uma cidade criada para servir ao capital. Porém, os meandros da história deste modo de produção põe Minaçu no olho do furacão, na medida em que o interrompimento da mineração de amianto pode configurar a própria tragédia do desenvolvimento; seria a morte da cidade, ou um novo começo? Referências CARLOS, Ana Fani Alessandri. A (Re)produção do espaço urbano. Editora Universidade de São Paulo, 1994. HARVEY, David. Os limites del capitalismo y la teoria marxista. México, Fondo de Cultura Econômica, 1990. ________. Espaços de esperança. São Paulo, Edições Loyola, 2006. ________. O novo imperialismo. São Paulo, Edições Loyola, 2005. LEFEBVRE, Henri. A (Re)produção das relações sociais de produção. Publicações Escorpião, Porto, 1973. MUMFORD, Lewis. A cidade na história: Suas origens, transformações e perspectivas. São Paulo, Martins Editora, 2001. ORTIX, Maria Cristina Marques & HUE, Renata Stadter. 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Belo Horizonte, Novatus, 2005.b 281 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Perspectivas anarquistas na abordagem da natureza no século XXI Rubens Elias Santana Morais1 Resumo: Para se abordar essa temática, partirei do preceito no qual será necessária a busca pelos princípios e ideal anarquista, assim será feita a análise de algumas obras que envolvem diretamente autores anarquistas. Apresentarei as análises feitas por esses autores sobre essa problemática, como surgiram e são abordadas. E trarei essa abordagem para a atualidade através das abordagens feitas no passado e o empirismo que aplicarei nessa abordagem que terá como problemática a questão da poluição, e como os verdadeiros causadores dela estão sendo acobertados pelos meios de comunicação que a burguesia e o Estado dominam e usam como ferramenta para atender suas demandas. Palavras-chave: Anarquismo, Natureza, Estado, Alienação. Introdução Começarei discorrendo sobre os princípios anarquistas, buscando demonstrar seus ideais e fundamentos que trará uma nova visão de um processo de alienação e enganação sobre o qual o Estado e a classe burguesa controlam. O Estado, que controla a sociedade através de entidades e autoridades, alega ser o responsável pela organização da civilização, mas segundo KROPOTKIN (2007), punição, polícia, juiz, salário e fome nunca foram e jamais serão, um elemento de progresso; e se há progresso sob um regime que reconhece esses instrumentos de coerção esse progresso é conquistado contra esses instrumentos e não por eles. Há uma pequena minoria que é conhecida como burguesia, no qual possui a proteção do Estado por ter o capital financeiro em sua mão. Sendo assim o Estado e a burguesia são os dominadores da massa, aqueles que disseminam desigualdade, fome, miséria e alienação da população que por sua vez não percebem a opressão que recebem diariamente, reforçando a exploração que é imposta a eles. O anarquismo é contra o Estado e o poder que ele representa, pois enquanto o Estado permanecer, permanece também a opressão sobre o povo e assim, a liberdade no qual todos Graduando do curso de Geografia, Unidade Universitária de Ciências Sócio Econômicas e Humanas (UnUCSEH) da Universidade Estadual de Goi|s (UEG), atualmente no 3º ano. Pesquisa em andamento “História da Cartografia de Goi|s”, participa do Grupo de Estudos: A Geografia Anarquista de Reclus e a Quest~o Ambiental. Email: [email protected] 1 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 282 Luta de Classes e Contemporaneidade os homens têm direitos continuará sendo uma falsa verdade, pois não existirá igualdade e democracia para que possamos expressar o que sentimos. Como os princípios anarquistas são amor, fraternidade, igualdade e total liberdade dos homens, o Estado passa a ver o anarquismo como uma ameaça, porque o anarquismo defende o livre desenvolvimento do indivíduo, o que é contrário a ideologia que o Estado e a pequena minoria chamada burguesia estão implantando, que é a dominação da maior parte da população. O homem cada vez mais individualista e egoísta passa a visar o seu bem estar e seu status perante a sociedade, principalmente na questão financeira dando origem a um processo de apropriação da natureza. A natureza manipulada pelo homem que faz parte dela O homem passa a não se enxergar mais como parte da natureza pelo qual eratotalmente influenciado, e sim se vê como parte dela, mas capaz de manipula-la a seu próprio benefício e passa a usufruir dela deforma agressiva e exploratória sem reparar os danos que causa a ela, e sem mesmo se deixar levar pela beleza que ela nos proporciona, mudando-a e tirando dela o caráter de ser algo Divino. Assim como o velho Adão, modelado de argila, e como os primeiros egípcios nascidos do limo, somos os filhos da terra. É dela que extraímos nossa subsistência; ela sustenta-nos com seus sucos nutritivos e fornece o ar aos nossos pulmões; do ponto de vista material, ela nos d| “a vida, o movimento e o ser”. Qualquer que seja a liberdade relativa conquistada por nossa inteligência e nossa vontade próprias, nós não deixamos de ser produtos do planeta: ligados à sua superfície como imperceptíveis animálculos, somos arrastados em todos os seus movimentos e dependemos de todas as suas leis. E não é absolutamente apenas na condição de indivíduos isolados que pertencemos á terra: as sociedades, consideradas em seu conjunto, tiveram necessariamente de moldar-se em sua origem no solo que as sustentava; elas tiveram de refletir em sua organização íntima os inumeráveis fenômenos do relevo continental, das águas fluviais e marítimas, do meio ambiente. Todos os fatos da história explicam-se em grande parte pela disposição do teatro geográfico sobre o qual eles produziram-se: podemos inclusive dizer que o desenvolvimento da humanidade estava de antemão inscrito em caracteres grandiosos sobre os planaltos, os vales e as margens de nossos continentes. Essas verdades, por sinal, tornaram-se quase banais desde que os Humboldt, os Ritter, os Guyot estabeleceram por seus trabalhos a solidariedade entre a terra e o homem. A idéia-mãe que inspirava o ilustre autor de Erdkunde, quando ele redigia sozinho sua grande enciclopédia, o mais belo monumento geográfico dos séculos, é que a terra é o corpo da humanidade, e que o homem, por sua vez, é a alma da terra (RECLUS, 2010). O homem está forçando seu corpo (a terra), a uma sucessão de atividades que trará consequências irreparáveis, esse corpo está sujeito à exaustão por não ter tempo de 283 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário serecuperar e reparar os danos nele encontrados. A humanidade só esta se esquecendo de que é esse corpo que a movimenta, fascinada pelo consumismo exorbitante, e visando o lucro extremo ahumanidade não se deu conta da insanidade que está cometendo, ou simplesmente faz vista grossa a realidade tão assustadora que estamos submetidos e faremos parte dela por um bom tempo. Vivemos sob as demandas de um sistema capitalista de produção, ou seja, grandes indústrias visando grandes consumos para obter grandes lucros. A maior parte da matéria prima, se não toda ela, vêm da natureza que por sua vez é devastada pelas indústrias. Essa devastação feita de maneira desordenada acarreta diversas consequências que ocasionará outras consequências e assim sucessivamente, até chegarmos a um ponto onde essa situação será insustentável. O que o homem quer hoje é adaptar a terra às suas necessidades e dela tomar posse completa para explorar suas imensas riquezas. Ele a recobre de uma rede de estradas, ferrovias e fios telegráficos; tenta fertilizar os desertos e prevenir as inundações dos rios; propõe triturar as colinas para transformá-las em aluviões sobre as planícies, perfura os Alpes e os Andes, une o Mar Vermelho ao Mediterrâneo, prepara-se para misturar as águas do Pacífico com aquelas do Mar Das Antilhas. Compreende-se que os povos, atores e testemunhas de todas essas grandes empresas, deixem-se levar pela embriaguez do trabalho e que só pensem em moldar a terra à sua imagem. E se a indústria já realiza tais maravilhas, o que ela não poderá fazer quando a ciência fornece-lhe outros meios de ação sobre a natureza! (RECLUS, 2010). Não tiramos da natureza o que é preciso para sobreviver, tiramos da natureza muito mais do que realmente necessitamos, tiramos sua originalidade, moldamos sua paisagem para facilitar o acumulo de riquezas, e descaracterizamos os climas de diversas regiões e as matas que foram e continuam sendo devastadas. De fato, as riquezas naturais de nosso planeta são imensas, mas não infinitas, e se continuar extraindo essas riquezas de forma insana elas não durarão por muito tempo. Tendo em vista o que sempre tiveram de excepcional tais concepções em relação às coisas da natureza, é fácil compreender como a ignorância, a superstição, a miséria, o medo ou o amor pelo lucro devem ter obscurecido os espíritos e ocultado, ao menos em parte, a beleza da terra. Os camponeses ou exploradores burgueses do solo não podiam absolutamente imaginar a beleza do campo sob outro ponto de vista senão aquele da utilidade; e a literatura, intérprete natural do pensamento do povo, não podia, por sua vez, senão traduzir, idealizando-a, essa maneira de ver. Durante séculos, os escritores franceses abstiveram-se completamente de celebrar outra coisa que não fosse o homem e a sociedade, ou, então, quando eles falaram da natureza, era apenas para cantar “o frescor das folhagens, os prados floridos, as colheitas amarelando”. Era, ainda, em geral, em conseqüência de alguma reminiscência cl|ssica, e sem dúvida eles não teriam ousado cantar a natureza de Virgílio não a tivesse celebrado antes deles (RECLUS, 2010). De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 284 Luta de Classes e Contemporaneidade A fim de incentivar o consumo, matérias primas são processadas através das indústrias em produtos rapidamente substituíveis, matas originais de dadas regiões são derrubadas para que se ergam ali muitas plantações de cereais que serão estocados em diversos supermercados quando na realidade se tem milhares de pessoas morrendo no mundo por causa da fome, porcausa da má distribuição de alimentos que é gerida pelo capitalismo desenfreado. Portanto a natureza é profanada por tantos especuladores precisamente por causa de sua beleza, não é surpreendente que em seus trabalhos de exploração os agricultores e os industriais negligenciem quanto a perguntar-se se eles não contribuem para o enfeamento da terra. É certo que o “duro labor” preocupa-se muito pouco com o encanto do campo e com a harmonia das paisagens, desde que o solo produza colheitas abundantes; portanto seu machado ao acaso nos bosquetes, ele abate as árvores que o incomodam, mutila indignamente as outras e dá-lhes o aspecto de estacas ou vassouras. Vastas regiões, outrora belas de se ver e que se amava percorrer, foram inteiramente desonradas, e experimenta-se um sentimento de verdadeira repugnância ao observá-las. Por sinal, ocorre freqüentimente que o agricultor, pobre em ciência bem como em amor pela natureza, engana-se em seus cálculos e cause sua própria ruína pelas modificações que introduz sem sabê-lo nos climas. Do mesmo modo, pouco importa ao industrial, explorando sua mina ou sua manufatura em pleno campo, enegrecer a atmosfera com fumaças da hulha e vicia-la por vapores pestilenciais (RECLUS, 2010). A poluição da natureza apresentada pelos meios de comunicação Visando abordar os meios de comunicação como veículos depropagação de ideologias de dominação, farei uma análise de cunho empirista sobre a questão da poluição. No qual é muito divulgada pela mídia, aqui entendida como peça fundamental para que se tenha um padrão único entre as classes dominadas, que facilitará a mantimentoda hegemonia do Estado e da burguesia. A temática poluição é muito divulgada pela mídia, e vêm promovendo muitas discussões em programas de TV, jornais, revistas e pela internet. Essa temática é apresentada com sua devida importância, são propostas sugestões e soluções para que se resolva ou minimize o problema, tal qual é o que de fato interessa. As sugestões e soluções apresentadas são basicamente as mesmas, o que muda é a forma com que elas vão ser implantadas. Quase sempre passa aqueles anúncios como: jogue lixo no lixo, use embalagens ecologicamente corretas, e o mais utilizado ultimamente principalmente quando se fala em sustentabilidade que é “recicle”. 285 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Tais anúncios apresentados em canais de TV, faixas de rádio, internet entre outros veículos de comunicação, são muito importantes, pois se trata de medidas eficazes para diminuição da poluição em nosso planeta.Essa exposição da poluição feita pela mídia, sempre apresenta como se todos fossem responsáveis pela poluição e atribui valor de culpa igual a todos os cidadãos. Não querendo tirar a parte dessa responsabilidade que cabe a nós, mas não aceitando levar culpa quando se tem indústrias que preocupadas com produções elevadas para atender a um consumismo extremo, possuem um grande índice de poluição, e a mídia que atende as necessidades do capital acoberta essas empresas que incentivam o consumismo e produzem não só mercadorias, mais também poluição em grande escala. Assim levamos um peso de culpa bem maior do que realmente merecemos, e muitas vezes por não conseguirmos fazer uma análise mediada aceitamos aquilo que a mídia e as grandes corporações nos impõem. A mídia também é uma indústria, pois produz falsas ideologias e falsas verdades através de noticias manipuladas, produz coisas profanas e defende somente os seus interesses. Devemos ter muito cuidado antes de nos deixar levar pela seriedade que eles dizem ter. A mídia só tem um proposito que é manter a hegemonia nas mãos de poucos, e ela já está fazendo isso em suas programações e novelas, quando dissemina uma ideologia de dominação sobre nós telespectadores. Conclusão As análises feitas neste trabalho tiveram como objetivo demonstrar a forma com que a humanidade se apropriou da natureza, mas também a forma com que somos egoístas e individualistas. Todos os dias somos submetidos a ideologias de alienação e muitas vezes sem ter noção não damos conta de perceber o caos ao nosso redor. Certamente, é preciso que o homem apodere-se da superfície da terra e saiba utilizar suas forças; entretanto, não podemos nos impedir de lamentar a brutalidade coma qual se realiza essa tomada de posse (RECLUS, 2010). Isso não se dá apenas com a natureza, mas também com os próprios homens que dominam uns aos outros sem respeito algum nem se quer consideração com os direitos que todo ser humano deveria ter. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 286 Luta de Classes e Contemporaneidade Essa loucura que vivemos essa luta de classes onde uma possui todos os aparatos de opressão e alienação humana, e a outra possui o medo de viver na miséria, o medo da fome de não ter onde morar, uma luta bastante desigual, só irá ter fim quando todos da classe que é dominada se verem sem condições dignas de sobrevivência e não tiverem outra escolha a nãoser a revolução. A natureza esta sendo dilacerada pelas mãos do capitalismo, a busca continua pela riqueza, a centralização do poder que se encontra nas mãos de poucos, faz com que essa situação só piore, nos dias de hoje ter dinheiro, poder e status, pode não comprar tudo, mas sem sombra de dúvida facilita em muita coisa, porém vai chegar o dia em que essa situação irá mudar, pois como já comentei no decorrer do trabalho, nosso planeta possui muitas riquezas, mas elas não são infinitas. Referências KROPOTKIN, P. O Princípio Anarquista e Outros Ensaios; organização e tradução Plínio Augusto Coêlho. São Paulo: Estudos Libertários: Ed. Hedra, 2007. RECLUS, E. Da Ação Humana na Geografia Física; Geografia Comparada no Espaço e no Tempo; organização e tradução Plínio Augusto Coêlho. São Paulo: Expressão & Arte: Ed. Imaginário, 2010. RECLUS, E. Do Sentimento da Natureza nas Sociedades Modernas; organização e tradução Plínio Augusto Coêlho. São Paulo: Expressão & Arte: Ed. Imaginário, 2010. WALTER, N. Do Anarquismo. 1969. 287 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário SIMPÓSIO TEMÁTICO 6 MARXISMOS E CRISTIANISMOS DA LIBERTAÇÃO NA AMÉRICA LATINA Coordenadores: Helio Aparecido Teixeira Doutorando em Teologia/EST. Ezequiel de Souza Doutorando em Teologia/EST. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 288 Luta de Classes e Contemporaneidade O conceito “opção preferencial pelos pobres” nas teologias de libertação da América Latina Helio Aparecido Teixeira2 Resumo: Embora um conceito ontologizado pelas teologias de libertação que se proliferaram no continente, especificamente nas décadas de 1970 e 1980, o conceito “Opç~o Preferencial Pelos Pobres” é ainda uma vari|vel analítica e operacionalmente importante nas construções teóricas que procuram investigar, desde sua relevância para a fé evangélica, a realidade de extrema assimetria nas concentrações de riqueza e de reconhecimento da alteridade de grupos segregados, no caso brasileiro. Dessa forma, o presente texto busca analisar brevemente o conceito “Opç~o Preferencial Pelos Pobres” produzido pelas teologias de libertação latino-americanas e considerar sua relevância como construto teórico, aporte necessário à operacionalização conceitual de investigação da realidade, lastreado pelas noções marxianas de investigação social. Palavras-chave: Opção Preferencial Pelos Pobres. Teologias de Libertação. Praxiologia. Igrejas. Introdução O termo libertação procede de uma antropologia específica do continente latinoamericano, que nas décadas posteriores à II Guerra Mundial foi sendo cada vez mais reivindicado nas lutas por emancipação nos vários contextos.3 A teologia como uma “inteligência da fé” também passou a responder {s questões vivenciais com uma nova linguagem, a da libertação. Essa nova linguagem surgiu ecumênica e interdisciplinarmente. Houve a contribuição de grupos católicos, protestantes, afro-brasileiros, indígenas, etc. É bem verdade que, com o passar do tempo, a percepção do que fosse libertação, num primeiro momento compreendida fundamentalmente como libertação econômica, passou a significar libertação de gênero, de cultura, de religião, de sexo, de etnia, entre muitas outras. Doutorando em Teologia na Faculdades EST, São Leopoldo, Rio Grande do Sul. É financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Contato: [email protected] 3 FLORES, Alberto Vivar. Antropologia da libertação latino-americana. São Paulo: Paulinas, 1991. 2 289 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Essa nova linguagem procurava fundamentar a experiência dos grupos sociais, à margem, de realizarem a leitura da Bíblia desde a situação de pobreza e exclusão tão bem evidenciada nas Guerras Messiânicas que tanto abalaram o país nos séculos XIX e XX. Essa maneira de ler a Bíblia e de atuar na mudança da situação vem sendo chamada de Cristianismos de Libertação.4 Dessa forma, não há um único jeito de articular os discursos e as práticas, cumpre notar as multifacetadas formas de interpretar a vida de fé num contexto marcado pela assimetria social. Em todos estes vieses há um mesmo e fundamental problema a ser compreendido: a pobreza. E é justamente a respeito dessa problemática que as muitas elaborações buscam contribuir na sua compreensão. É inviável aqui uma delimitação histórica e conceitual que seja abrangente o suficiente, a intenção é apontar para aquilo que é ecumenicamente razoável, isto é, as percepções consensuais, fundamentalmente a respeito do conceito pobre. A presença de nuanças é evidente, porém, há um nível de consenso entre as construções teóricas consideradas razoáveis, as quais possibilitam que para este conceito possa ser usada a metalinguagem: Teologias de Libertação. 1 O conceito “pobreza” nas Teologias de Libertação É difícil apontar para o tema do pobre na teologia latino-americana sem falar primeiro na questão anterior, a pobreza do continente. Bem verdade que o Brasil tem sido elevado a categorias mais altas no ranking dos países mais ricos e desenvolvidos do mundo, porém, é sabido que essa nunca foi a questão fundamental dos debates e, sim, a distribuição da riqueza. Por isso, a definição clássica de Hugo Assmann em inícios dos anos de 1970 é tão feliz, a do lugar de dependência e dominação como o ponto de partida para uma teologia consequente.5 Como analisado anteriormente, poderíamos encontrar vários pontos de articulação teológica que tinham a situação de pobreza como ponto de partida para a transformação dos artigos de fé em conceitos práticos, mesmo antes da 2 Grande Guerra Mundial, quais sejam, católicos, protestantes históricos, pentecostais e grupos que se articulavam em torno de religiosidades populares. Essa situação era o lugar de onde se professava a fé em um Deus que LÖWY, Michael. A Guerra dos Deuses: religião e política na América Latina. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 9. ASSMANN, Hugo. Teologia desde la práxis de la liberacón: ensayo teológico desde la América dependiente. 2. ed. Salamanca: Sigueme, 1976. p. 40. 4 5 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 290 Luta de Classes e Contemporaneidade estava com as pessoas que aí se moviam e existiam. Tratava-se de uma releitura a partir e desde um lugar comum ao próprio Cristo quando de sua encarnação, isto é, um lugar de humildade. Clodovis Boff e Jorge Pixley produziram um texto clássico a respeito da temática. 6 Nessa obra, os autores puderam levantar questões novas e avaliar as primeiras décadas de discuss~o desde aquilo que Paulo Freire chamou de “a nossa própria palavra”. E num levantamento teórico, os autores argumentam que a pobreza é um fenômeno não metafórico, mas sim real de caráter econômico, pois a pobreza seria a realidade nua e crua daqueles que est~o “privados dos bens materiais necess|rios para uma existência digna”. 7 A pobreza é caracterizada como uma questão social, estrutural e massiva. A pobreza é conceituada por estes autores como algo histórica e socialmente construído. Não é uma situação natural. A pobreza é um conceito pautado numa percepção histórica dos processos de colonização das colônias e da implantação de políticas imperialistas ao continente. A pobreza como dado positivo é compreendida como situaç~o de pecado. “Uma realidade que necessita de redenç~o”.8 A situação de pecado atinge o próprio Senhor, uma vez que se peca contra o irmão. Na esteira do Sermão Apocalíptico de Mateus 25.31-46, a ação em favor de um dos pequeninos irmãos é ação em favor do próprio Senhor Jesus, porém, a ação de desrespeito à dignidade destes pequeninos irmãos é, também, ação de desrespeito ao próprio Senhor Jesus. É clamoroso o escândalo da pobreza num mundo de abundância. Enquanto se sucedem inúmeras décadas de desenvolvimento, os pobres continuam a morrer. Morrem de fome, de muitas privações, de opressão. Entretanto, a riqueza de alguns depende de sua vida e trabalho [...] A pobreza não é acidental. Trata-se de um fenômeno fundamental e incisivo de nossa sociedade voltado para a destruição da humanidade, que é criação de Deus. A pobreza só pode ser atacada pelas raízes. A raiz de todos os males, segundo Paulo em 1 Tm 6.10, é o amor ao dinheiro. Jesus o chama de Mamom, um ídolo. Promete riqueza, mas cria pobreza; sugere humanidade, e produz separação; fala de liberdade, mas escraviza as pessoas. É multinacional, difusa, e exige fidelidade dos corações humanos. Jesus disse, simplesmente, “N~o podeis servir a Deus e ao dinheiro”.9 6 7 8 9 BOFF, Clodovis; PIXLEY, Jorge. Opção pelos Pobres. Petrópolis: Vozes, 1986. BOFF; PIXLEY, 1986, p. 19. GALILEA, Segundo. Teologia da Libertação. São Paulo: Paulinas, 1979. p. 31. SANTA ANA, Julio de. A Igreja dos Pobres. São Bernardo do Campo: Imprensa Metodista, 1985. p. 24. 291 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário Reconhecem-se como um dos aspectos importantíssimos desta realidade de pecado as questões políticas, as quais envolvem a vida cotidiana dos muitos grupos da sociedade. Daí a ideia de conflito presente nas elaborações teológicas. No entanto, conforme Galilea, é importante não confundir discursos pautados por uma concepção de eclesiologia de corte estrutural e funcional, como é a dos grupos católicos na esteira do Vaticano II, e a de grupos mais vinculados a uma “antropologia da libertaç~o” e que se intercalam mais facilmente com vinculações político-ideológicas.10 Às diferenciações cotidianas lastreadas por concepções de mundo – área política – desenvolve-se uma “guerra dos deuses”, na express~o de Michael Löwy, interpretando o argumento de Max Weber a respeito do politeísmo de valores presente na sociedade moderna,11 na qual estão vinculadas determinadas colisões de valores, situações de compreensões diferenciadas a respeito dos princípios religiosos. Nesse sentido, para todos aqueles e aquelas que professam a fé cristã, permitir a existência da pobreza se constitui como a quebra da regra de ouro da fé cristã, qual seja, ama a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo. 2 O conceito de “pobre” nas Teologias de Libertação Depois de conhecer, mesmo que en passant, o que significa a pobreza para o contexto de formulações das Teologias de libertação, torna-se mais tranquila a laboração do conceito pobre nas Teologias de Libertação. Trata-se de uma evolução nas perspectivas. Inicialmente as construções se pautavam mais pela noção socioeconômica, ocorrendo mais tarde um declive para perspectivas mais culturalistas e identitárias. O pobre era a pessoa destituída das condições econômicas básicas de existência. Dentro deste espectro se alocava – via de regra – o gênero masculino, restringindo-se ao projeto de chefe de família nos moldes da burguesia o elemento positivo, isto é, o pobre real. Isso acarretava problemas teóricos seríssimos, já que muitos pobres ficavam fora deste padrão como as mulheres, em especial as mulheres negras, os próprios negros, os índios, os homossexuais, bem como outras minorias. GALILEA, 1979, p. 36. Esse tipo de teologia, que possui a eclesiologia por fundamento de articulação, tem na formulação estrutural sua vinculação orgânica. Há de se dizer que ela se estrutura pela superioridade numérica no continente, no caso aqui a Igreja Católica Romana, pela estruturação hierárquica e pelas demandas funcionais e programáticas que galvanizam dinamicamente as elaborações conciliares e as organizações de base. Diferentemente desta, outras teologias se pautam em formatos, por vezes, menos hierárquicos e mais contextuais, senão congregacionais em termos de eclesiologia. 11 LÖWY, 2000, p. 9. 10 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 292 Luta de Classes e Contemporaneidade Para muitos cristãos e cristãs da América Latina, a situação da pessoa pobre tem sido entendida por meio da fé. E por meio dessa fé, vem sendo buscado o porquê de uma determinada situação estar sendo vivida. Por que o pobre existe dessa forma e o rico daquela? Esse é um ponto fundamental para a compreensão do conceito pobre nas Teologias de Libertação. O pobre é a vítima da idolatria e da opressão dos ricos os quais, diferentemente do Cristo, que se fez pobre por amor de muitos, estão embrenhados no egoísmo e na vontade de poder que se efetiva ante o desejo de acúmulo de pessoas que se entregam a Mamóm. Por isso, poder-se-ia dizer que o pobre é, na América Latina, a vítima do contra-testemunho de uma igreja que não é pobre. Não pobre por simples opção ou como meta de vida, mas por solidariedade, uma vez que o próprio Cristo, sendo rico, se fez pobre para poder fazer ricos estes mesmos pobres; ricos de amor e de solidariedade (2Co 8.9). O pobre nessa abordagem teológica é um “lugar teológico”. O pobre n~o é um dado positivo sobre o qual se lancem simplesmente políticas públicas ou de ordem sistêmica no intuito de contribuir para mudanças estruturais em seu mundo, é muito mais um “mistério do Reino” no qual se ocultam sabedorias e conhecimentos negados aos s|bios e poderosos deste mundo (Lc 10.21), e revelados a todas as pessoas que se fazem pobres de espírito; as quais desejam acabar com a pobreza positiva que tanto desumaniza os pequeninos irmãos de Jesus. O pobre como lugar teológico é um lugar hermenêutico compreendido desde o reverso da história.12 Neste lugar cabem perspectivas mais abrangentes e mais específicas; o pobre como lugar teológico fecha-se hermeneuticamente com o pobre positivo, isto é, o pobre-pessoa-real num contexto determinado. É assim que a partir do lugar teológico – o pobre não como uma simples nomenclatura analítico-sociológica, antes, como um ente de histórias e de vivências de exclusão – surge um lugar hermenêutico do qual se lê a Escritura e se interpreta a História da Igreja Cristã e, fundamentalmente, se experimenta o Espírito Santo de Deus. 3 O conceito “Opção Preferencial pelos Pobres” nas Teologias de Libertação Ao se falar do conceito “Opç~o Preferencial pelos Pobres” est| se falando num conceito fundamental da Teologia Latino-Americana, especificamente nas conhecidas Teologias de Libertação. Trata-se de um conceito analítico-hermenêutico que busca operacionalizar por meio da interdisciplinaridade a realidade da fé ante um mundo excludente que vincula a 12 CODINA, Vitor. Os Pobres, a Igreja e a Teologia. São Paulo: Paulinas, 2007. p. 72. 293 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário situação específica da pessoa pobre ao modo em que ela compreende a própria fé. É a busca pela inversão na lógica da Civilização do Capital, o que Ignacio Ellacuría chamou de Civilização da Pobreza, uma pobreza que se caracteriza pela ausência de desejo de dominação. 13 É um conceito que vincula percepções, por vezes, reificadas tais como a história, a Igreja, a sociedade, a fé em Deus, a cultura, etc. E, de fato, existem problemas de interpretação quando se incorrem em homogeneizações, quando se entendem os processos por meio de metanarrativas, abordagens continuístas nas quais as especificidades são incluídas em noções oniabrangentes. José de Souza Martins argumenta que “quando a Igreja diz que fez opç~o preferencial pelos pobres, é sociologicamente necessário qualificar esses pobres. E, ao fazê-lo, descobre-se que o lugar estrutural dos diferentes pobres é diverso em cada caso”.14 No entanto, é um conceito que toma a realidade dos pobres desde sua positividade. Muito embora seja preciso construir teoricamente cada situação específica que caracterize uma dada realidade portadora de assimetrias sociais, sob o risco de idealização do pobre por meio de metanarrativas que os esvaziem de sua estrutura antropológica, otimizando demasiadamente as potencialidades consideradas “boas”. De qualquer maneira, a seguinte definiç~o de Gutierrez exemplifica essa maneira de tomar a situação do pobre a partir de sua positividade. O que se entende por pobre, pergunta Gutierrez, o que ele responde: Creo que no existe una buena definición; pero nos acercamos a ella si décimos que los pobres son los no-persona, los “in-significantes”, los que no cuentan para la sociedad y, con demasiada frecuencia, tampoco para las Iglesias cristianas. Pobre es, por ejemplo, el que tiene que esperar una semana a la puerta de un hospital para ver al médico; pobre es el que no tiene peso social ni económico, a quien se despoja mediante leyes injustas; el que no tiene posibilidad para hablar y actuar para cambiar una situación; el que forma parte de una raza despreciada y culturalmente marginada. A lo sumo, los pobres están presentes en las estadísticas, pero no aparecen en la sociedad con nombre propio. No conocemos el nombre de los pobres. Son y permanecen anónimos. Los pobres son socialmente insignificantes, pero no delante de Dios.15 O conceito Opção Preferencial pelos Pobres surgiu da ideia de “irrupç~o dos pobres” no cenário continental a partir das lutas de emancipação e de participação nas decisões SOBRINO, Jon. Fora dos pobres não há salvação: pequenos ensaios utópico-proféticos. São Paulo: Paulinas, 2008. 14 MARTINS, José de Souza. A Política no Brasil: lumpen e místico. São Paulo: Contexto, 2011. p. 139. 15 GUTIERREZ, Gustavo. Renovar “la opción por los pobres”. Revistas Latinoamericana de Teologia, n. 36, p. 269-280, 1995. 13 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 294 Luta de Classes e Contemporaneidade coletivas.16 Não se trata de uma novidade histórica, mas de uma nova abordagem que os movimentos sociais trouxeram para a cena política e cultural que vinha sendo gestada desde o contexto do fim da II Guerra, e eclodida com força a partir dos anos de 1960. Era o protagonismo dos trabalhadores transformado em reivindicações identitárias pelos movimentos sociais. Falar da Opção Preferencial pelos Pobres é reconhecer um conceito que se atrela a uma teoria que busca compreender as causas da pobreza, e não simplesmente dizer o porquê uma pessoa é pobre.17 Obviamente não se trata de uma percepção revolucionária, no sentido da palavra, em todos os casos, mas de “levar em consideraç~o a realidade” e trabalhar no sentido de efetivar “a maior realizaç~o possível do Reino de Deus na história”.18 Desta forma, o conceito busca aclarar as causas da pobreza desde um ponto de vista estrutural, e, mais recentemente, da exclusão identitária já que a pobreza em si não diz tudo a respeito da realidade dos grupos socialmente marginalizados.19 Ao estabelecer um modo analítico de pensar a fé desde a realidade latino-americana, as elaborações teológicas passaram a perceber certas rupturas necessárias na construção de aportes conceituais. Dentre estas noções estão a maneira de entender a história e a sociedade. Buscou-se eliminar os dualismos que estavam pautados em noções não históricas. Quebrou-se a desvinculação entre a vida política, econômica, religiosa e humanística que estava sob as indicações da separaç~o entre os “dois planos”, doutrina t~o cara {s igrejas crist~s. 20 Traçouse uma nova maneira de conceber o lugar epistemológico de construção teórica. A teologia realizada no contexto latino-americano marcou o labor conceitual desde uma fundamentação praxiológica, melhor dizendo: desde a opção, ou decisão, da pessoa cristã por formas mais progressistas de vivência comunitária; como se acostumou a dizer: é reflexão crítica a respeito da prática.21 GUTIERREZ, Gustavo. Teologia da libertação. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1976. RODOR, Amin Américo. The Concept of The Poor in The Context of The Ecclesiology of Liberation Theology. Ann Arbor: University Microfilms International, 1987. p. 277. 18 SOBRINO, Jon. Fora dos pobres não há salvação: pequenos ensaios utópico-proféticos. São Paulo: Paulinas, 2008. p. 18. 19 RODOR, 1987, p. 276. 20 BONINO, José Míguez. A Fé em Busca de Eficácia. São Leopoldo: Sinodal, 1987. p. 62-63. 21 GUTIERREZ, 1976, p. 26-41. 16 17 295 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário 4 Relevância da “Opção Preferencial pelos Pobres” O conceito Opção Preferencial pelos Pobres possui um viés materialista fundamental. Não se trata de um aporte epistêmico retirado da tradição marxista. O ponto fundamental vem desde muito tempo na tradição cristã. O que a tradição marxista trouxe de novo foi sua vinculação teórica aos pontos de causa da pobreza. O que ocorreu foi uma inflexão interdisciplinar t~o bem expressa pela frase irônica de Dom Helder C}mara: “Se eu dou comida a um pobre, me chamam de santo, mas se eu pergunto por que ele é pobre, me chamam de comunista”.22 Melhor dizendo, o que mudou fundamentalmente foi a ação pastoral e a compreensão teológica desde a pergunta pelos porquês da pobreza reinante no continente latino. As tentativas de explicação da miséria e da exclusão levadas a cabo pelos socialistas de orientação marxista ajudaram na aproximação teórica a respeito da situação dos povos latinoamericanos. E assim como houve pluralismo nas abordagens teológicas, também houve pluralismo nas formas de diálogo com as maneiras de interpretar os marxismos nos vários contextos da América Latina.23 No decorrer das décadas subsequentes à II Guerra Mundial, muitas foram as ações de diálogo entre grupos de cristãos e de pessoas ligadas a grupos que militavam formas de libertação em toda a América Latina.24 Muitos chegaram às armas em nome das revoluções.25 Grupos de católicos e protestantes estiveram imbuídos nas discussões a respeito da realidade latino-americana. Eventos, publicações, manifestos, diálogos interdisciplinares e ecumênicos marcaram os anos de 1960 a 1980. Um movimento amplo que respondeu aos próprios movimentos sociais do período. As igrejas não ficaram isoladas, ora por envolvimento ora por oposição a estes acontecimentos. Muitos grupos religiosos estavam mesmo participando diretamente de determinados movimentos sociais, como foi o caso da defesa dos Direitos Citado por VIOLA, Eugênio Mattos. Brasil: o deserto fértil de Dom Helder. In: Adital: notícias da América Latina e do Caribe. Disponível em: <http://www.adital.com.br/site/noticia_imp.asp?lang=PT&img=S&cod=36821>. Acesso em: 2 maio 2012. 23 MUELLER, Enio R. Teologia da libertação e marxismo: uma relação em busca de explicação. São Leopoldo: Sinodal, 1996. 24 BOSI, Alfredo. Sociologia e Militância: entrevista com José de Souza Martins. Estudos Avançados, São Paulo, v.11, n. 31, set.,/dez., 1997. 25 Paradigmático desta opção é a biografia de Jorge Camilo Torres Restrepo, sacerdote católico colombiano que tomou as armas para fazer a revolução. STRIEDER, Inácio. Camilo Torres: O Cristianismo rebelde na América Latina. In: Adital: notícias da América Latina e do Caribe. Disponível em: <http://www.adital.com.br/site/noticia2.asp?lang=PT&cod=23212>. Acesso em: 2 maio 2012. 22 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 296 Luta de Classes e Contemporaneidade Humanos, durante o período do Governo Militar, e das Ligas Camponesas na região Norte e Nordeste do Brasil, em especial na Zona da Mata pernambucana, na década de 1950. A possibilidade de se fazer uso, no Brasil, do conceito Opção Preferencial pelos Pobres ainda hoje tem sido questionada. Recentemente, instaurou-se grande querela no seio católico, não somente, com a polêmica levantada por Clodovis Boff a respeito do fundamento das Teologias de Libertação devido ao fato, segundo o autor, dessas teologias colocarem o pobre no lugar de Deus como lugar de revelação, o chamado pauperocentrismo.26 Também há outras críticas que buscam argumentar que a situação de crescimento econômico do país, na última década, impossibilitaria a continuidade do uso do conceito,27 ou de que não seria mais viável seu uso porque epistemologicamente o pobre seria uma construção eminentemente teórica, ficando assim restrito seu uso aos nichos militantes e políticos.28 Essa discussão está inserida nas raízes eclesiológicas nas quais provém cada grupo os quais produzem teologias de libertação. O lugar do pobre como um lugar teológico é consensualmente ecumênico. No entanto, as implicações cristológicas já assumem contornos mais específicos, o que foge à nossa discussão. Cabe notar que para as Teologias de Libertação o pobre não fica resumido a uma posição histórica e socialmente limitado ao tempo e ao contexto, é antes um lugar metodológico; é uma maneira de perceber a realidade, seja ela de assimetrias socioeconômicas, seja ela de assimetrias político-culturais. O pobre como elemento imprescindível na construção do conceito Opção Preferencial Pelos Pobres toca no tema da privação e da solidariedade como eixos fundamentais da vida comunitária sob a fé no Cristo feito gente, e gente necessitada de cuidados. Conclusão Percebe-se que o conceito pobre na Teologia da Libertação sofreu dilatações e conheceu ampliações analíticas. O pobre como ente sofredor de privações socioeconômicas passou ao pobre como ente sofredor de múltiplas exclusões. O pobre é o produto consequente de uma situação estrutural que fomenta a exclusão engendrada por planos e ações ao nível da MOREIRA, Ubiratan Nunes. Deus e os pobres: sobre a relevância do debate acerca do fundamento na teologia da Libertação. Horizonte Teológico, Belo Horizonte, v. 9, n. 17, p. 77-86, jan./jun., 2010. 27 Cf. SINNER, Rudolf Eduard von. Confiança e convivência: reflexões éticas e ecumênicas. São Leopoldo: Sinodal, 2007. 28 DUSSEL, Enrique D. Teologia da libertação: um panorama de seu desenvolvimento. Petrópolis: Vozes, 1999. 26 297 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário política econômica tanto nacional quanto internacional, cuja denominação sistemática vincula-se aos processos de ampliação daquilo que se reconhece como pobreza. E mais: o pobre também é ente de segregações socioculturais que o impedem de exercer plenamente sua dignidade humana, o que compromete sua cidadania como direito garantido pelas lutas emancipatórias. O pobre é muito mais uma categoria analítica do que uma referência positiva de uma dada realidade. A cada vinculação teórica, ou mesmo empírica, necessita-se de uma referente construção conceitual a qual possibilite a operacionalização de análises que computem caminhos e ações no intuito de contribuir para mudanças na realidade. Essas vinculações partem de uma noção epistêmica engendrada num lugar teológico, a saber, a situação de pobreza na qual os muitos grupos excluídos vivenciam sua fé em Deus. Cumpre notar que tal noção epistêmica é que permite a construção de um saber comprometido com a libertação desses grupos, n~o se trata de uma percepç~o racional e “objetiva” da realidade. A epistemologia do lugar é fundamental na construção teórica de uma abordagem conceitual. Não se trata, evidentemente, de uma construção teórica pautada em objetividades analíticas. É uma epistemologia da vinculação existencial. Referências FLORES, Alberto Vivar. Antropologia da libertação latino-americana. São Paulo: Paulinas, 1991. LÖWY, Michael. A Guerra dos Deuses: religião e política na América Latina. Petrópolis: Vozes, 2000. ASSMANN, Hugo. Teologia desde la práxis de la liberacón: ensayo teológico desde la América dependiente. 2. ed. Salamanca: Sigueme, 1976. BOFF, Clodovis; PIXLEY, Jorge. Opção pelos Pobres. Petrópolis: Vozes, 1986. GALILEA, Segundo. Teologia da Libertação. São Paulo: Paulinas, 1979. SANTA ANA, Julio de. A Igreja dos Pobres. São Bernardo do Campo: Imprensa Metodista, 1985. CODINA, Vitor. Os Pobres, a Igreja e a Teologia. São Paulo: Paulinas, 2007. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 298 Luta de Classes e Contemporaneidade SOBRINO, Jon. Fora dos pobres não há salvação: pequenos ensaios utópico-proféticos. São Paulo: Paulinas, 2008. MARTINS, José de Souza. A Política no Brasil: lumpen e místico. São Paulo: Contexto, 2011. GUTIERREZ, Gustavo. Renovar “la opción por los pobres”. Revistas Latinoamericana de Teologia, n. 36, p. 269-280, 1995. GUTIERREZ, Gustavo. 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Conclui-se que, durante os anos 1980, a PJB enfatizava a dimensão política em suas atividades de formação e participava dos diversos movimentos sociais que se organizavam em torno da proposta de redemocratização do Brasil. No entanto, nos anos 1990 ocorre uma reformulação do método, o qual passa a direcionar a formação para as dimensões pessoal e teológica, com uma prática voltada para o interior da Igreja Católica. Contribuíram com essas mudanças fatores internos, como o retorno do movimento pentecostal no cenário religioso católico que dificultou a articulação da PJB com os grupos de jovens paroquiais, e fatores externos, como o advento da cultura pós-moderna na sociedade brasileira que trouxe consigo o predomínio de práticas individualistas, isto é, destituídas de base coletiva/comunitária. Palavras-chave: Religião, Juventude, Catolicismo, Teologia da Libertação, Pastorais da Juventude. Introdução O artigo apresenta uma analise sócio-histórica do método de evangelização utilizado pelas Pastorais da Juventude do Brasil – PJB – junto aos grupos da Igreja Católica – IC. A proposta visa compreender o processo de formação desses grupos juvenis no contexto da Teologia da Libertação. O termo “processo de formaç~o” é entendido aqui como o conjunto dos métodos pedagógicos e das opções políticas assumidas pela PJB em seu desenvolvimento histórico. Esse processo é composto por vários elementos que norteiam a formação do jovem católico nas pastorais. Dentre eles, destaca-se a opção pelo trabalho em pequenos grupos de base e a utilização do método ver-julgar-agir-rever-celebrar, concebido como um modo de inserção e olhar sobre a realidade social e religiosa do país. A PJB, que está inserida na estrutura da IC por intermédio do Setor Juventude e do Conselho Nacional do Laicato no Brasil da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB – defende a tese de que os jovens devem ser organizados pelos próprios jovens, apresentandoos como protagonistas de sua ação evangelizadora. É possível identificar nos textos oficiais da IC que o objetivo geral da PJB é de promover um encontro pessoal e comunitário com Cristo, De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 300 Luta de Classes e Contemporaneidade para que o jovem se comprometa com a libertação do homem e da sociedade, levando uma vida de comunhão e participação (CELAM, 1987, p. 115). Nessa perspectiva, a evangelização da juventude é feita da seguinte maneira: Como a realidade da juventude é diversificada, em todos os seus aspectos a PJB deve organizar, desde a nucleação, um processo de formação integral na fé, com passos pedagógicos apropriados, partindo da realidade e da experiência concreta de cada pessoa e grupo, despertando-a para o seguimento de Jesus Cristo e o compromisso com a causa da libertação dos oprimidos e marginalizados (CNBB, 1998, p. 145). Pelo fato de assumir as diretrizes de ação evangelizadora da CNBB1, a PJB é compreendida como um segmento da juventude católica. Nesse sentido, uma de suas principais metas é organizar os jovens para assumirem o ponto de vista da IC no Brasil. Por esse motivo, em documentos da PJB, identifica-se sua presença nos bairros de periferia por meio da Pastoral da Juventude do Meio Popular – PJMP –, no meio rural por meio da Pastoral da Juventude Rural – PJR –, nas escolas por meio da Pastoral da Juventude Estudantil – PJE – no meio urbano e nas paróquias por meio da Pastoral da Juventude – PJ2. Todas estas pastorais específicas são parte da PJB e suas principais características são o protagonismo juvenil, a proposta de evangelização que parte da realidade do jovem, a apresentação da figura de Jesus Cristo como amigo e companheiro, a promoção da vivência comunitária da fé, a promoção do senso crítico e a proposta de fomentar uma pastoral de conjunto (CELAM, 1987, p. 116). A IC possui em seu interior vários agrupamentos, sendo que a PJB está ligada à Teologia da Libertação – TL – que, se originou na América Latina, a partir da convergência das mudanças internas e externas sofridas pela instituição católica no final dos anos 1950. A TL tem como perspectiva interpretar a realidade latino-americana à luz do evangelho, utilizando termos e conceitos materialistas, além de fazer a “opç~o preferencial pelos pobres”, isto é, uma escolha política pautada pela noção de classe social. Assim, a PJB atua nos vários segmentos da sociedade - escola, zona rural, meios popular e urbano – com a consciência de A CNBB realiza anualmente, na cidade de Itaicí-SP, sua assembléia geral que planeja e avalia as ações da Igreja Católica no Brasil a partir de diretrizes que são renovadas em períodos de três anos. 2 Até 1993 a Pastoral Universitária – PU – também fazia parte da PJB, mas pela concepção de que não deveria ser apenas uma pastoral de jovens, mas uma pastoral para todos que estão na universidade – professores, funcionários e alunos -, deixou de fazer parte da estrutura da PJB a partir da 10ª Assembléia Nacional, transferindo-se do Setor Juventude para o Setor de Educação da CNBB. 1 301 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário que nesses diferentes meios estão presentes as diferenças de classes e, em consequência, as diferentes necessidades da juventude. No entanto, em seus documentos está presente uma proposta de mudança da realidade brasileira sem apresentar de forma clara um projeto de transformação, afirmando que não é papel da IC desenvolver plataforma política, mas sim, por intermédio dos cristãos na sociedade, participar de sua elaboração. Pode-se afirmar que a PJB é a reatualização de uma corrente histórica da IC que teve seu início nos anos 1950 com a Ação Católica Especializada, que contribuiu para o surgimento da TL e, nos dias de hoje, está presente nas pastorais sociais. Nessa perspectiva, a partir dos documentos e textos da IC, analisam-se os elementos que compõem o método de formação da PJB, principalmente, com base em dois documentos que marcam sua trajetória. O primeiro é o documento n° 44 da Coleção Estudos CNBB editado em 1984, logo após o 4° Encontro que marcou o início da articulação nacional da PJB. Este documento resgata todo o processo de gênese da PJB e norteia sua ação durante toda a década de 1980. O segundo documento é uma reedição do primeiro e também pertence à Coleção Estudos CNBB: o documento n° 76 que foi publicado em 1998 e representa o avanço acumulado pela PJB e as mudanças de concepções em seu método de trabalho com a juventude católica. Há um terceiro material, o documento nº 93, que estabelece a atual estrutura de organização da juventude católica. Todavia, diferente dos anteriores, trata-se de um texto que abrange todas as outras maneiras de organização juvenil presente no interior do catolicismo e, portanto, não é neste artigo objeto de análise. A interpretação do processo de formação da PJB, seus métodos pedagógicos e suas opções políticas, possibilitam o entendimento do que representa o modelo da IC, fundamentado pela TL, no contexto religioso e social nacional. Em virtude de sua influência nos movimentos sociais - os jovens católicos que passam pelo processo de formação na pastoral, na maioria das vezes, participam de algum movimento social como associações, sindicatos, ongs, partidos e levam a formação adquirida para esses movimentos –, torna-se importante a análise das linhas de pensamento que sustentam a IC e sua política pastoral referente à população jovem e católica. Características da formação: objetivos e opções De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 302 Luta de Classes e Contemporaneidade O principal referencial da PJB na década de 1980 foi o documento da CNBB de n° 44 que sistematizou e definiu linhas de ação da IC no ambiente juvenil. Esse documento afirma que o objetivo principal do trabalho era ajudar o jovem a se transformar em “Homem Novo por meio de uma autêntica vivência do Evangelho, impulsionando o jovem a evangelizar seu meio específico de acordo com os valores crist~os”BB, 1983, p.22). Essa definiç~o tem como significado que a hierarquia teve na PJB o instrumento principal de trabalho com a juventude, pois, em todo esse período, o único documento elaborado pela IC sobre juventude foi o documento n°44, desenvolvido especificamente para discutir as pastorais da juventude. Define-se nesse documento que o papel da PJB era de: fomentar o senso crítico e capacidade de analisar a sociedade; formar jovens para transformar as estruturas; ajudar o jovem a ligar sua fé com o compromisso social e político; e levar o jovem a conhecer criticamente o marxismo, o capitalismo liberal e a Doutrina da Segurança Nacional para assumir o Humanismo Cristão como perspectiva de superação das estruturas sociais injustas presentes em toda a América Latina. Nesse período, conhecido como a fase de elaboração teórica, ocorre a consolidação da proposta de uma pastoral organizada nacionalmente e articulada entre suas especificidades. Fez-se a opção por uma pedagogia da ação que continha os seguintes critérios: a) Pedagogia experiencial, que parte da experiência concreta do jovem com o objetivo de conhecê-la, aprofundá-la e transformá-la; b) Pedagogia transformadora e libertadora, visando, mutuamente, uma profunda transformação pessoal e social; c) Pedagogia comunitária, que busca uma experiência fraterna e evangelizadora; d) Pedagogia do testemunho, que tenha coerência entre o que se fala e o que se pratica; e) Pedagogia participativa, na qual o evangelizado participa ativamente de seu processo de evangelização; f) Pedagogia personalizante, que assume o jovem em sua condição pessoal e social; g) Pedagogia pastoral integral, isto é, que integra processos cognitivos, afetivos e ativos (CELAM, 1987, 188-190). Como grande parte dos movimentos sociais e setores envolvidos em trabalhos com as classes populares, a pastoral também foi influenciada pelo método de formação desenvolvido pelo pedagogo Paulo Freire. Inclusive um dos centros de apoio da PJB, o Centro de Capacitação da Juventude de São Paulo, editou um livro do próprio autor sobre trabalho com as classes populares. Com Paulo Freire as pastorais entenderam que n~o bastava “querer mudar” a sociedade, é preciso “saber mudar”, sendo necess|rio para isso desenvolver um método, um 303 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário caminho claro para alcançar esse objetivo. Dessa forma, o clero define a PJB como a ação organizada dos jovens cristãos que visa à transformação da sociedade, sendo uma forma de conhecer e seguir Jesus Cristo. “A PJ é a aç~o organizada e celebrada do jovem situado, na ótica do pobre, visando um mundo de fraternidade” (BORAN, J. DICK, H., 1983, p. 17). Em um subsídio elaborado por A. Altoé são definidos trinta princípios que norteiam o método pedagógico e as opções políticas da pastoral: 1) Amar o jovem e fazer com que ele se sinta amado. 2) O jovem deve ser sujeito da ação pastoral. 3) Dar a razão de ser das coisas e ajudar o jovem a compreendê-la. 4) Apresentar um projeto de Homem novo, Igreja e sociedade que sejam sinal da presença do Reino de Deus. 5) Valorizar as pequenas coisas e os pequenos passos caminhados. 6) Gostar daquilo que os jovens gostam. Assim os jovens gostarão daquilo que nos agrada. Cativar o jovem. 7) Estar sempre presente junto aos jovens. Fazer-se presença amiga. Ter familiaridade com os jovens, sobretudo nos momentos livres. 8) Colocar-se em atitude de escuta, de compreensão, de diálogo. Criar um clima de confiança cordial. 9) Procurar fazer-se amar, se quer fazer-se respeitar. 10) Aprender com os jovens, numa relação educador-educando, evangelizadorevangelizando. 11) Acreditar na capacidade dos jovens dando oportunidades para eles se organizarem e assumirem compromissos no próprio meio. Confiar nos jovens. 12) Ter coerência entre o que se anuncia e o que se vive. 13) Fazer as coisas por convicção, assumindo com responsabilidade as exigências para o crescimento pessoal e para a convivência no grupo. 14) Conquistar o coração do jovem através do diálogo, pois só depois de conquistar o coração é que se pode propor, com eficácia, os valores da educação. 15) Servir ao jovem: colocar-se a disposição. Trabalhar COM e não PARA o jovem. Estimular a criatividade. 16) Fazer as correções e observações em particular, de modo fraterno e discreto. 17) Cultivar o otimismo e a alegria. 18) Ser solidário para com os jovens. 19) Compreender o jovem situado concretamente em seu meio. 20) Partir sempre da realidade concreta em que o jovem se encontra. 21) Atender ao jovem em seu meio específico. 22) Fazer ver a realidade de conjunto e sua complexidade. 23) Proporcionar uma formação integral aos jovens. 24) Conhecer a história da pessoa, da comunidade, da Igreja, da sociedade. Criar e manter a consciência histórica e crítica. 25) Avaliar após cada atividade e ter paciência histórica. 26) Saber aproveitar os conflitos para caminhar; para isso analisá-los metodologicamente. 27) Trabalhar em pequenos grupos e caminhar integrados às CEB´s. 28) Conquistar e ocupar espaços, mesmo que pequenos. 29) Conhecer a si mesmo e o contexto social. 30) Fazer uso do método ver-julgar-agir-rever-celebrar (ALTOÉ, 1988, p. 18-19). De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 304 Luta de Classes e Contemporaneidade Altoé sintetiza as características essenciais do método de formação das pastorais da juventude. Nesses princípios estão inseridas todas as dimensões da formação e da ação pastoral do catolicismo diante da juventude. Em relação à opção pelos empobrecidos, esta possui um teor sócio-político e teológico-pastoral, que fundamenta sua argumentação a partir das seguintes afirmações: a maioria da população é empobrecida; a juventude empobrecida carrega consigo uma força libertadora; essa é uma opção de toda a Igreja; é uma resposta à situação de injustiça; a palavra de Deus só é entendida e vivida a partir da ótica do empobrecido; Jesus Cristo tomou partido dos pobres (BORAN, J. DICK, H., 1983, p. 23). A partir dos apelos do Evangelho, a PJB opta preferencialmente pelas classes populares e pelos jovens das mesmas, por serem a maioria e vítimas de uma estrutura social injusta. As classes populares são o lugar social de onde se analisa toda a sociedade e se percebe o desafio da construção de uma sociedade sonhada por Deus (CNBB, 1983, p. 37). Portanto, a opção pelos jovens empobrecidos tem como significado olhar a sociedade a partir do lugar social do pobre. Essa tomada de posição leva a PJB a formar seus jovens na perspectiva de transformação das estruturas sociais que oprimem o empobrecido. A IC, na década de 1980, tinha como perspectiva, no trabalho com o jovem, partir de uma pastoral geral, do grupo de jovens que iniciava sua caminhada a partir das paróquias e comunidades, para uma pastoral juvenil especificamente inserida no seu próprio meio, no qual o jovem irá, de forma organizada, contribuir com a evangelização de seu espaço de convivência cotidiana. Na proposta operacional estavam presentes seis elementos: 1) formação integral; 2) metodologia de trabalho; 3) opção preferencial pelos jovens empobrecidos; 4) espiritualidade relacionada com a vida; 5) organização; 6) estratégia para a ação (CNBB, 1983, p. 23). Ocorre que, na década de 1980, impulsionada pela conjuntura de intensa presença dos movimentos sociais no cenário político, a PJB enfatiza seu processo de formação na dimensão política, inserindo seus jovens no contexto de lutas sociais, acompanhando os passos das CEB´s e das pastorais sociais que tiveram presença importante no processo de transição democrática. A ação da PJB ocorre em três dimensões complementares: na própria PJ; na comunidade; e nos meios específicos ou organismos intermediários como partidos, movimentos e associações. Nos anos 1980, a caminhada do jovem era definida a partir de três 305 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário momentos: 1) participação na PJ Geral da comunidade e paróquia, com prática assistencialista; 2) engajamento individual no meio social em que ele está inserido; 3) inserção em um grupo dentro de seu meio específico (BORAN, J. DICK, H., 1983, p. 39). Esse novo modelo de pastoral de juventude formou uma geração de lideranças que atuam na própria IC e nos movimentos sociais. Todavia, essa construção só foi possível em conseqüência da adoção de um processo de planejamento participativo que partia da realidade do jovem. Por isso, entender as características do processo de formação da PJB é fundamental para analisar sua influência no segmento juvenil e também os reflexos da conjuntura social, econômica, política e cultural sobre seu método de ação. A proposta de formação progressiva, definida pela PJB, afirma que o jovem chega ao compromisso depois de passar por diferentes etapas: 1) Nucleação: fase em que o jovem é convidado a participar do grupo e aceita a proposta – momento em que o jovem descobre como é importante e bom viver em grupo. 2) Iniciação: fase das descobertas das variadas motivações que o jovem traz para o grupo – momento de formação, num processo educativo informal. 3) Militância: é a fase madura do jovem no grupo, na qual este se apresenta com uma fé amadurecida, com compromisso e como uma liderança (CNBB, 1998, p. 155). “A milit}ncia exercida pelo jovem cristão define-se como aquela ação cada vez mais refletida, intencionada, consciente, contextualizada e organizada, visando promover uma renovação na Igreja e uma transformaç~o na sociedade” (CNBB, 1998, p. 156). As fases de iniciaç~o e milit}ncia podem ser divididas em etapas mais detalhadas que passam pela descoberta do grupo; descoberta da comunidade; descoberta do problema social; descoberta da necessidade de uma organização mais ampla; descoberta das causas estruturais (análise social); descoberta da militância (opção vocacional); e descoberta das etapas percorridas (maturidade pedagógica) (CNBB, 1998, p. 15). Na etapa de descoberta do grupo, as relações pessoais são mais importantes que a doutrina, já que o jovem está mais preocupado consigo mesmo. O grupo ainda não é um grupo de fato, pois ainda não estabeleceu um ideal grupal, havendo muita rotatividade de participantes. A descoberta da comunidade dá ao jovem uma visão mais ampla da religião e um sentido de pertencimento à Igreja. Esta noção é o elemento fundamental da fé cristã que tem como principal característica a vivência religiosa comunitária. Na descoberta do problema social, o jovem toma consciência de problemas muito piores que os seus. Esse De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 306 Luta de Classes e Contemporaneidade despertar social leva-o a participar de campanhas para ajudar os pobres, a visitar orfanatos, hospitais, presídios. Ao fazer a descoberta de uma organização mais ampla, o jovem descobre a PJB. Nesse momento o jovem é incentivado “a largar as muletas e caminhar com suas próprias pernas”. Nessa fase de amadurecimento o jovem passa a tomar consciência do mundo em que vive e descobre as causas estruturais que provocam a desigualdade na sociedade. Surge a consciência de classe e se descobre a exploração pela qual passam as classes populares. O jovem é convidado a aprofundar sua opção pelos pobres e unir fé e vida como elementos de um mesmo conteúdo. “Nesta etapa, acentua-se a importância da dimensão política da fé. O jovem entende que é necessário conscientizar o povo e chegar ao poder político para mudar a sociedade” (BORAN, 1994, p. 204, 212, 219-221, 226, 242). A partir deste momento há a descoberta da militância e o aprofundamento do compromisso. Boran identifica três níveis de engajamento: na própria PJB, participando da preparação de subsídios, organizando cursos, festivais de música, preparando assembleias de avaliação e planejamento, coordenando reuniões; na comunidade, na catequese de crisma, na preparação da liturgia das missas, preparando festas da paróquia, novenas e boletins paroquiais; na sociedade, participando de partidos políticos, sindicatos, movimento estudantil, movimentos populares, organizações de bairros dentre outros órgãos de organização social. Na última fase, o jovem faz a descoberta das etapas percorridas. É o momento de maturidade pedagógica. O militante torna-se mais realista e menos vanguardista e com capacidade de trabalhar com iniciantes sem queimar etapas. Boran afirma que a educação por etapas não significa necessariamente um processo cronológico na qual uma etapa sucede a outra. Várias etapas podem coincidir, sendo possível também que alguns jovens pulem certas etapas em decorrência das particularidades de sua educação. Portanto, as etapas descritas acima correspondem a um processo metódico da PJB, cujas etapas nem sempre são identificadas na realidade (BORAN, 1994, p. 249-251, 253). Oliveira (2002, p. 92-94) também define as fases de crescimento do jovem no grupo a partir de cinco etapas: 1) de socialização, correspondente aos primeiros contatos com o grupo, na qual ocorre o fortalecimento da coesão grupal; 2) de aprofundamento, momento em que o jovem vai conhecendo o projeto de Deus e amadurecendo sua fé; 3) de comunhão, o jovem descobre que é parte da Igreja e assume tarefas na comunidade; 4) de descoberta, em que o jovem avança na sua consciência por meio dos debates e ações do grupo; 5) de 307 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário militância, momento do engajamento comprometido do jovem na Igreja e na sociedade. Estas etapas são percorridas individualmente pelos jovens, já que dentro de um mesmo grupo esse processo ocorre de forma desigual. O processo de conscientização do jovem é pensado a partir de etapas que passam pela descoberta da situação social por meio dos fatos na vida dos jovens, descoberta progressiva de suas causas e consequências, descoberta do conflito de classes e da consciência de pertencer a uma classe social, descoberta das engrenagens de dominação da sociedade capitalista e descoberta da necessidade de uma organização para enfrentar os problemas dessa sociedade de dominação. Esse caminho leva o jovem a entender a importância da PJB em seu processo de ação que também passa por fases, começando pela conscientização: momento em que surgem questionamentos a partir de fatos, causas e conseqüências; fase de mobilização: surgimento de um processo de organização, de se juntar as pessoas que pensam da mesma maneira; fase do projeto concreto: busca-se uma ação conjunta e concreta no meio; fase de articulação em nível mais amplo com participação ativa; até chegar à fase do compromisso político, na qual há uma ação organizada com repercussões mais amplas e soluções também amplas (BORAN, 1982, p. 240-246). Nesse contexto, o jovem e os grupos desenvolvem critérios de participação na sociedade decorrentes do compromisso de fé. Estabelece-se que o povo é agente de seu processo de formação e que na construção de uma nova sociedade deve haver democracia em todos os níveis. Descobre-se que não há duas histórias, da salvação e profana, mas uma única história na qual o cristão, em conjunto com outros segmentos sociais, deve ser o sujeito da transformação. A PJB busca construir uma consciência crítica junto aos jovens para que eles percebam na sociedade a mentira, a meia verdade, a manipulação e a demagogia. Trabalha-se para que eles sejam sujeitos de sua própria educação e formação e para que participem – como sujeitos conscientes – da construção da história e da transformação da sociedade injusta (BORAN, 1982, p. 237). No final da década de 1980 a PJB vivenciou momentos de intenso engajamento social e político, participando dos vários processos desencadeados naquele período: eleições, constituinte, governo civil. No entanto, no período seguinte começa a viver uma crise de perspectivas, em decorrência do fortalecimento da presença do movimento pentecostal/carismático no interior da IC e também em virtude das profundas mudanças que o cenário nacional e internacional passava naquele momento: queda do Muro de Berlim, fim De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 308 Luta de Classes e Contemporaneidade da União Soviética, vitória da direita nas eleições de 1989, crise da modernidade e desenvolvimento do neoliberalismo no Brasil. Essa nova conjuntura influencia diretamente o processo de formação das pastorais. As mudanças no processo de formação Em meados dos anos 1990, a PJB em mutirão, reelaborou seu marco referencial, que foi publicado pela Editora Paulus como Estudos da CNBB, número 76, Marco Referencial da Pastoral da Juventude do Brasil. Neste marco, principal referência no método de formação nas décadas de 1990 e 2000, a PJB estabelece e reafirma as seguintes opções pedagógicas: trabalho com pequenos grupos de base; formação progressiva, integral e libertadora; atuação nos meios específicos – paróquia, escola, zona rural, periferia; organização estruturada nacionalmente; assessoria jovem e adulta para orientar as coordenações; atividades de massa; apoio das instituições que trabalham temas juvenis; e o método ver-julgar-agir. Grupo de base. O grupo de jovens é a experiência e o espaço central da proposta pedagógica e evangelizadora da PJB que propõe a formação de pequenos grupos, de idade homogênea, com nível de participação estável e com ritmo periódico de reuniões (CNBB, 1998, p. 147). O grupo facilita a criação de laços profundos de solidariedade, permitindo partilhar critérios, valores, visões e pontos de vista. Dessa forma, o grupo ajuda a enfrentar os desafios da vida, educando o jovem para olhar a realidade e descobri-la junto com os outros. O trabalho em grupo permite a adesão ao projeto de Jesus, impulsionando o jovem para uma renovação permanente do compromisso cristão e dando solidez à sua missão (CELAM, 1997, p. 194). O grupo de jovens possui algumas etapas de desenvolvimento que são: 1) Nascimento e infância. Nesta etapa o grupo depende, em tudo, do assessor e de valores e expectativas trazidas pelos participantes. É muito frágil no início, sendo fundamental a presença do assessor. Neste momento o grupo está centrado em si mesmo e cada jovem busca encontrar soluções para seus problemas. 2) Adolescência. Esta é a fase de crise, conflito, passagem e mudança em que ocorre o crescimento e tomada de consciência do grupo e seu lugar na comunidade. 3) Juventude. Nesta etapa o grupo se apresenta com maior segurança e estabilidade. Também ocorre maior independência em relação ao assessor. O jovem nesse momento começa a se engajar nos movimentos sociais e populares, superando a esfera da 309 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário comunidade, na busca pela mudança da sociedade. 4) Idade adulta. O grupo que alcança esta etapa é uma verdadeira equipe de vida, com fortes relações e projeto de vida definido. Os jovens, assim, estão a serviço da comunidade e da sociedade, sendo a partilha e a troca de experiências a razão de ser do grupo (CNBB, 1998, p. 150-152). 5) Morte – vida nova. O grupo não pode existir para sempre. Nessa fase o grupo é chamado a se dividir e se multiplicar na comunidade e na sociedade, gerando novos grupos e novos trabalhos (CELAM, 1997, p. 200). Para o CELAM, o grupo de jovens é a experiência central pelo fato de pretender acompanhar o jovem em seu processo de discernimento, ajudando-o a construir uma “identidade positiva”. Além disso, o grupo possibilita o amadurecimento da fé, do entendimento da mensagem evangélica e da missão do jovem, contribuindo para que ele assuma seus compromissos nos diferentes meios da sociedade (CELAM, 1997, p. 191). Os grupos das pastorais possuem as seguintes características: são formados por 15 a 20 jovens e todos se conhecem. São grupos de amigos que partilham a vida. Esse contexto faz despertar o espírito de liderança, pois todos têm função no grupo, que age para fora, na comunidade. Suas atividades dão consciência crítica para os jovens que, atuando na realidade em que vivem, possuem uma ação transformadora (BORAN, 1982, p. 33). Boran (1982, p. 306) afirma que o grupo precisa ter coesão, objetivos claros e metodologia elaborada. O autor insiste na importância do grupo de base. Segundo ele, o funcionamento da reunião do grupo é o eixo de toda a formação e engajamento do jovem na Igreja e na sociedade. Para John Burdick (1998, p. 08), o projeto de formação da TL, da IC progressista em geral e da PJB em particular, busca “incitar a consciência do povo apresentando-lhe uma visão utópica”, sendo que as componentes chaves da consciência s~o a “autovalorizaç~o” e a “autoestima” que permitem {s pessoas agirem em seu próprio bem. Nesse processo, o pecado deve ser visto numa ótica social e coletiva, sendo sua superação parte do processo de conscientização. Entretanto, Burdick afirma que há vários limites no discurso da TL e nas práticas de seus membros que leva à problematização da proposta de conscientização. O autor faz algumas considerações acerca dos círculos bíblicos das comunidades católicas progressistas, que podem ser utilizados para analisar o modelo de grupo de jovem da PJB. Nos círculos bíblicos, por conta do alto grau de proximidade das pessoas, evita-se “fazer conexões concretas entre a Palavra ‘e a vida’, pois estas só servem para lembrar a todos os De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 310 Luta de Classes e Contemporaneidade ressentimentos, os julgamentos, os mexericos, e as rivalidades que impregnam a vizinhança” (BURDICK, 1998, p. 151). Ocorre também que nos círculos bíblicos os menos alfabetizados se sentem inibidos de falar, criando uma concentraç~o dos discursos em alguns poucos líderes. “Apesar das pretensões de que ‘todos tenham voz ativa’ nos círculos, de fato, somente um ou outro fala” (BURDICK, 1998, p. 152). Os mesmos problemas ocorrem em muitos grupos de jovens da PJB e isso dificulta o desenvolvimento do método de formação e das práticas democráticas descritas por Boran sobre os grupos de jovens. Formação progressiva, integral e libertadora. A PJB tem a proposta de trabalhar junto ao jovem a formação integral, que pressupõe estabelecer uma relação entre todas as dimensões humanas, que são desenvolvidas de maneira homogênea e integrada. Uma formação integral é aquela que envolve todos os aspectos da vida: pessoal, social, política, teológica e metodológica. A PJB afirma que o crescimento e amadurecimento devem ser equilibrados em todas essas dimensões, pois em diversas propostas de formação há o perigo do reducionismo na promoção de apenas algum aspecto como, por exemplo, o aspecto psicológico, o espiritualista ou o político. Dessa forma, o ser humano deve ser entendido em sua totalidade, pois assim se consegue aprimorar a espiritualidade e assumir concretamente a proposta de Jesus Cristo, objetivo principal da proposta católica de formação. O conceito de formação integral, estabelecido a partir das relações que o indivíduo desenvolve na sociedade, é dividido em cinco momentos (CNBB, 1998, p. 162-165): a) Dimensão da personalização: a dimensão pessoal corresponde ao universo psicoafetivo do ser humano, compreendendo o aspecto do eu, da relação consigo mesmo. É o espaço da busca constante de resposta { pergunta: “Quem sou eu?”. Nesta dimensão, a PJB propõe que o jovem faça suas opções de valores, assumindo-os em sua vida. A PJB afirma ainda que há a necessidade da pessoa ter um conhecimento de si mesma para amadurecer afetivamente e construir uma formação positiva da personalidade e acolhimento da própria vida. Dessa forma, ela define que para cultivar a dimensão pessoal é necessário procurar conhecer-se, aceitar-se e assumir a si próprio. Deve-se cultivar o olhar interno, desenvolvendo seus sentimentos e interesse com relação aos outros. Também é preciso desenvolver suas aptidões e qualidades para superar os limites pessoais e não se apegar às barreiras da vida, transformando-as em trampolins na busca da felicidade. 311 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário b) Dimensão da integração grupal e comunitária: Corresponde à dimensão social da vida, da relação com o outro na busca da integração grupal e comunitária. É o momento de descoberta do grupo como lugar de encontro e de compreensão do outro como um ser diferente. O jovem descobre que precisa do grupo para se sentir importante e útil. Aprende que o relacionamento é algo fundamental para o ser humano. Dessa forma, toma a experiência comunitária como referência para sua vida, realizando-se como pessoa na relação com o outro. Para a PJB, essa dimensão ensina ao jovem a lidar com o conflito e a conviver com quem pensa diferente. Reconhece os valores dos outros, as diversidades e os limites de cada um. Passa a ver as pessoas como algo mais importante que as normas, os objetos e as coisas. Cresce e amadurece nessas relações, descobrindo que a educação na fé é concebida como caminho a ser percorrido comunitariamente. c) Dimensão sócio-política: relação com a sociedade. É o momento de inserção do jovem na sociedade e da sua participação cidadã. A PJB afirma que a promoção do bem comum e a construção de uma ordem social, política e econômica humana, justa e solidária, devem ser para o jovem um compromisso de fé. A política é compreendida não somente como política partidária, mas entende que a política significa uma dimensão da formação humana, que busca uma relação madura com a sociedade. A PJB propõe que a política deve ser interpretada pelos cristãos como a arte de administração da convivência dos cidadãos, sendo a participação da juventude de fundamental importância para que ocorram as mudanças na sociedade e na IC. Portanto, esse é o momento de socialização e inserção do jovem na sociedade, na perspectiva de uma formação para a cidadania que considere os deveres e os direitos que todos devem ter, para a construção de uma sociedade justa, livre e igualitária. Logo, no processo de formação das pastorais, fazer política é um dever humano, sendo concebida como algo positivo na vida do cristão que tem como missão utilizá-la como um instrumento de organizaç~o da “Civilizaç~o do Amor”. d) Dimensão mística e teológica: corresponde à dimensão da relação com Deus. Dimensão da manifestação e presença do Pai na vida, na qual ocorre um crescimento na fé a partir da vivência e fundamentação comunitária cristã. Para a PJB, ao fazer o jovem vivenciar sua experiência de fé, essa experiência faz com que ele passe a viver como um autêntico cristão. Nas pastorais, essa dimensão ajuda o jovem a fazer a opção pelo seguimento de Jesus Cristo, assumindo sua pessoa e seu projeto. Há um encontro com Jesus e o desenvolvimento De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 312 Luta de Classes e Contemporaneidade de uma espiritualidade centrada em sua proposta. Nesse momento do processo de formação, descobre-se que o sentido da vida está na experiência do seguimento e passa-se a discernir a ação do Espírito Santo nos sinais dos tempos. Busca-se uma experiência de Deus com uma compreensão teórica e prática da própria fé. O cristão deve assumir um compromisso radical de viver os valores do Evangelho, mantendo o contato com a palavra de Deus e uma vivência comunitária. A PJB propõe que é preciso integrar fé e vida, transformando a experiência da vida em experiência de fé e afirmando que o jovem precisa tomar mão de alguns instrumentos que possibilitem o cultivo de sua fé. A Bíblia é fundamental nesse processo, mas é preciso o auxílio de outros materiais que ajudem a dinamizar a relação com Deus. Por isso, propõem-se a utilização do Ofício Divino das Comunidades3 e da “Leitura Orante da Bíblia”4, que devem ser vistos como livros de referência para a formação da espiritualidade do jovem na IC. e) Dimensão metodológica: diz respeito à estratégia metodológica do jovem, com relação à ação, em seu processo formativo dentro das dimensões anteriores. É a dimensão da capacitação técnica do jovem para o planejamento, desenvolvimento e avaliação da ação transformadora. A PJB propõe que o jovem se capacite constantemente para o seu trabalho pastoral. A relação com a ação refere-se às habilidades de liderança, que devem ser desenvolvidas no processo de crescimento da fé, fundamentais na preparação para a vida. Nesse processo, torna-se necessário ter capacidade de planejar, desenvolver e avaliar a ação, pois estar preparado para a ação, permite ao cristão avançar em sua maturidade religiosa, social, pessoal e política. O jovem precisa refletir sua ação para realizar sua missão evangelizadora com eficiência. No mundo juvenil o exemplo é mais importante que a palavra, por isso, o cristão precisa ser profissional na evangelização, preparando sua ação e sendo o primeiro responsável por sua formação. Essa dimensão é fundamental na proposta de formação da PJB. Em cada etapa de formação em que se encontra o jovem no grupo, há uma acentuação diferenciada em determinadas dimensões. Dessa forma, na PJB o cristão deve vivenciar de forma conjunta as cinco dimensões da formação integral, para alcançar sua maturidade e ser feliz na sua missão na Igreja e na sociedade. Portanto, a partir dessa proposta de formação OFICIO DIVINO DAS COMUNIDADES (1994). São Paulo: Paulus. Livro de oração dos grupos de Pastoral da Juventude. 4 Metodologia de leitura da Bíblia a partir da Lectio Divina que pressupõe quatro momentos: leitura, meditação, oração e contemplação. Esse método é incorporado a partir da segunda metade da década de 1990. 3 313 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário integral, conclui-se que as pastorais trabalham com a concepção que proporciona a continuidade e a conscientização, procurando entender o ser humano como um todo. Todavia, na década de 1990, em decorrência da ênfase na dimensão política dada na década de 1980 e das consequências do advento da perspectiva individualista na contemporaneidade, ocorre a predominância da formação nas dimensões pessoal e teológica em virtude dos vários acontecimentos apresentados neste artigo. O excesso de busca de dados de subjetividade escamoteia relações sociais profundas, esvaziando o sentido de ser igreja enquanto relação social. A consequência desse processo é o deslocamento da política pastoral, voltada ao coletivo e às questões sociais, para a ação pastoral com viés individualista, consumista, com um Deus e Jesus Cristo etéreo, espiritualista, sem carne e sem corpo. Os meios específicos. A sigla PJB surge na assembleia de 1995 para significar a união das pastorais específicas: PJ, PJE, PJR e PJMP, pois os meios privilegiados de trabalho são as comunidades paroquiais, a escola, o bairro popular e o meio rural (CNBB, 1998, p. 167). A Pastoral da Juventude – PJ – corresponde aos grupos das paróquias e das CEB´s, das grandes cidades ou do interior, sendo a maior e também a mais articulada e estruturada dentre as pastorais específicas. Sua atuação na comunidade eclesial e nas paróquias enfatiza a ação do jovem no interior da IC. Portanto, grande parte dos jovens da PJB está inserida em trabalhos eclesiais como catequese e liturgia, sendo que, prioriza-se o trabalho de formação bíblica e litúrgica da juventude. A Pastoral da Juventude Rural – PJR – está ligada à problemática da terra: questão agrária e ecológica. Atinge jovens agricultores, filhos de pequenos trabalhadores rurais, semterra, peões, arrendatários, assalariados, safristas e bóias-frias. A PJR surge em 1983 no Rio Grande do Sul, com o apoio da Frente Agrária Gaúcha. Sua primeira Assembleia Nacional ocorreu em 1989 (MG), contando com a participação de 11 regionais da CNBB (PIERDONÁ, 1990, p. 60). A Pastoral da Juventude do Meio Popular – PJMP – é a articulação dos jovens da classe trabalhadora urbana, que se organiza a partir do meio social: jovens que atuam nos movimentos populares, nos partidos comprometidos com a causa popular, nos sindicatos, no teatro popular, nos grupos de cultura e dança. A PJMP surge em 1978 num encontro interregional de animadores, jovens e adultos, da PJ do nordeste. Essa pastoral específica busca articular jovens das classes populares, ajudando-os a se reconhecerem como membros De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 314 Luta de Classes e Contemporaneidade de uma classe explorada. No início dos anos 1980 a PJMP argumentava que era pedagogicamente equivocado reunir, em um mesmo grupo, jovens de classes sociais diferenciadas, pois os mais abastados acabam por dominar o grupo. Os jovens das classes populares deveriam se articular entre si para desenvolverem sua consciência de classe e buscarem sua libertação (PIERDONÁ, 1990, p. 70). A Pastoral da Juventude Estudantil – PJE – tem sua militância no espaço educacional, organizando o jovem na escola, no bairro, nas atividades estudantis e na política estudantil: movimento estudantil, grêmios (CNBB, 1998, p. 165-189). A PJE era conhecida no início como pastoral secundarista e, a partir de 1984, passa a se chamar Pastoral da Juventude Estudantil. Surge no Brasil em 1980, por estímulo do Movimento Internacional de Estudantes Cristãos, através de seu Secretariado latino-americano (PIERDONÁ, 1990, p. 75). Organização Nacional. A partir da 11ª Assembleia Nacional (1995), a PJB passa a ter uma organização paritária entre as pastorais específicas, ficando estruturada da seguinte forma: Setor de Juventude da CNBB; Pastoral da Juventude do Brasil; Assembleia Nacional; Comissão Nacional de Jovens; Secretaria Nacional; Comissão Nacional de Assessores; Assessoria Nacional do Setor de Juventude; Coordenação Nacional da PJ, PJE, PJMP, PJR, todas com organização própria. Dentro das organizações de cada pastoral há uma estrutura que parte das coordenações nacionais, passando pelas direções regionais e diocesanas, até chegar ao grupo de base. A organização existe em vista da missão. A missão é ir ao encontro dos (as) jovens e convocá-los para caminhar juntos, respeitando os seus interesses na organização dos núcleos ou grupos [...] A organização exige respeito às diferenças, isto é, ao meio específico onde vivem os jovens: rurais, indígenas, urbanos, escolas, migrantes, universidades [...] (PLANO TRIENAL 2002 – 2004, 2001, p. 35). Nessa perspectiva, a PJB define alguns princípios que norteiam e justificam sua organização. Segundo ela, essa estrutura possibilita uma distribuição de tarefas, como forma de educar para o trabalho em conjunto; evita a diluição das responsabilidades; possibilita o conhecimento das diferentes realidades, para clarear os rumos; supera o espontaneísmo e evita o ativismo; possibilita a revisão da prática e da vida; está em sintonia e vinculada com a base (PLANO TRIENAL 2002 – 2004, 2001, p. 35). Todavia, essa estrutura provocou a disparidade entre a base e as lideranças, pois nessa organização não estão representados adequadamente o conjunto dos grupos de jovens presentes nas paróquias, as comunidades 315 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário católicas e os grupos específicos espalhados pelo Brasil. Priorizou-se a representação por especificidades em detrimento da representação numericamente proporcional das bases. A nova estrutura organizacional gerou debates intensos entre as pastorais e uma crise que perpassou as assembleias seguintes. Essa situação culminou na decisão da 15ª Assembleia Nacional, ocorrida em 2008 no Distrito Federal, de extinguir os encontros nacionais entre todas as pastorais. Daí em diante cada uma ficou responsável pela organização de seu próprio encontro. Paralela à estrutura nacional, foi criada em 1996, no 16° Seminário Nacional da PJB, que teve como tema “Atuaç~o Político-Partid|ria na Construç~o da Cidadania”, a Rede de Militantes da Pastoral da Juventude do Brasil – Rede MINKA. Este encontro foi considerado um “marco histórico para a PJ do Brasil e o início de um acompanhamento sistem|tico e em REDE dos militantes jovens crist~os do mundo da política” (CADERNOS PJB, 1996, p.96). O objetivo da Rede é organizar e articular os jovens da PJB nos movimentos sociais, sindicatos, ong´s e partidos políticos, além de promover debates relacionados às políticas públicas para a juventude. No entanto, em virtude da conjuntura dos anos 1990, a Rede MINKA, apesar de ser referência para os temas relacionados à política, teve pouca expressão na sociedade e mesmo no interior do catolicismo. Assessoria. O papel do assessor na PJB é o de motivar, acompanhar, orientar e integrar a contribuição e a participação dos jovens na IC e na sociedade. O assessor deve saber escutar mais do que falar. É capaz de dar lugar ao jovem, para que ele cresça no seu protagonismo (CNBB, 1998, p. 195). Os assessores das pastorais são, em sua maioria, padres, freiras, religiosos e leigos especializados na questão juvenil. Esses agentes, que possuem papel parecido com que tinham os assistentes na ACE, são os responsáveis pela condução dos processos decisórios na PJB e pelo desenvolvimento do método de formação. Atividades de massa. A Semana da Cidadania, que ocorre no mês de abril e discute o tema da Campanha da Fraternidade na ótica juvenil, e o Dia Nacional da Juventude, comemorado no mês de outubro, são as principais atividades de massa da PJB. Essas atividades visam dar visibilidade e propagandear os trabalhos das pastorais nas regiões. São momentos que reúnem centenas e até milhares de jovens para celebrarem e festejarem a história da pastoral e os resultados alcançados no processo de evangelização. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 316 Luta de Classes e Contemporaneidade Apoio das instituições. A PJB tem como estrutura de apoio os centros e institutos de pastoral da juventude como, por exemplo, Instituto de Formação do Norte – AIAKÁ, em Manaus-AM; Casa da Juventude Pe. Burnier – CAJU, em Goiânia-GO; Centro de Capacitação da Juventude – CCJ, Centro Pastoral Santa Fé e Centro de Pastoral de Juventude “Anchietanum” e Centro Paulista de Juventude – CPJ, em São Paulo-SP; Centro Marista de Pastoral, em Montes Claros-MG, Centro Marista de Pastoral, em São Vicente de Minas-MG e Instituto de Pastoral de Juventude Leste II, em Belo Horizonte-MG; Centro Marista de Pastoral, em Colatina-ES; Centro Marista de Pastoral, em Natal-RN; Centro Marista de Pastoral, em Palmas-TO; Instituto de Formação Juvenil do Maranhão, em São Luiz-MA; Trilha Cidadã, em São Leopoldo-RS e Instituto de Pastoral de Juventude - IPJ5, em Canoas-RS. Estas instituições formam a Rede Brasileira de Institutos de Juventude. Jornais e revistas, como o Jornal Juventude e o Mundo Jovem, informativos e subsídios também contribuem para os trabalhos da PJB. Os institutos prestam um importante serviço que possibilita o desenvolvimento criterioso dos trabalhos com juventude. Há, inclusive, a iniciativa de levar o tema juventude para a universidade, como acontece, por exemplo, com o IPJ que estabeleceu um convênio com a Universidade Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul, para desenvolver uma especialização, pós-graduação Latu Sensu, sobre o tema. Esse curso de especialização ocorre atualmente em Goiânia, sob a coordenação da CAJU e a chancela da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia de Belo Horizonte-MG. Método ver-julgar-agir. A essência da proposta de formação da PJB está no método verjulgar-agir, herdado da ACE, ao qual a PJB acrescenta mais dois momentos: revisar-celebrar. Este método baseia-se na realidade da vida dos jovens (VER), confrontando com os valores da fé (JULGAR), partindo para uma ação de transformação do meio (AGIR) (OLIVEIRA, 2002, p. 17). O momento do VER significa a tomada de consciência da realidade, a partir dos fatos concretos da vida cotidiana. O JULGAR analisa os fatos da realidade à luz da fé, da vida e da mensagem de Jesus Cristo. A Bíblia e os documentos da Igreja Católica são os instrumentos utilizados para confrontar a realidade. O AGIR é a concretização, a ação transformadora, momento que evita que a reflexão fique no abstrato. O REVISAR é a avaliação, momento de ver O IPJ-POA teve um importante papel no processo de formação de assessores jovens e adultos para as pastorais da juventude. Todavia, após ser transferido de Porto Alegre para a cidade de Canoas-RS, foi recentemente desativado. 5 317 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário até onde se caminhou. O CELEBRAR é o momento de agradecimento da experiência vivida (CNBB, 1998, 210-213). Com o método, nós queremos: formar líderes que se engajem na transformação de seus meios (escola, trabalho, bairro, família), educar para a liberdade, formar para o senso crítico, desenvolver a pedagogia da formação na ação, ligar fé e vida e poder avaliar a caminhada dos grupos (OLIVEIRA, 2002, p. 118). Este método se concretiza na Revisão de Vida e Revisão de Prática, que consiste num processo que deve se transformar num estilo de vida para os jovens (CNBB, 1998, 215). Com essas opções pedagógicas definidas, a PJB afirma que pode contribuir para a viabilização de um sonho de toda Igreja progressista, compartilhada pelos movimentos sociais, sindicatos e partidos de esquerda, que é a construção de outra sociedade chamada pelos cristãos da libertação de Civilização do Amor. As opções pedagógicas assumidas pela PJB levaram-na a assumir em seu processo histórico a opção política defendida pela Igreja Progressista na América. Assim, a PJB pode ser concebida como a ação da IC, por meio da qual se ajuda os jovens a descobrir, a assimilar e se comprometer com a pessoa de Jesus e sua mensagem. Busca-se construir uma Igreja que tenha um perfil celebrativo, participativo, que opte pelos pobres, que seja libertadora e solidária, contribuindo, assim, para a construção de uma sociedade justa e igualitária. Todavia, o que se mostra aqui são as mudanças ocorridas nessa concepção pedagógica de evangelização juvenil e a consequente redefinição das opções políticas. Considerações finais Diante do exposto neste artigo, afirma-se que a grande diferença dos anos 1980 para os anos 1990 está na ação das pastorais que é redirecionada para o trabalho no interior da IC, com uma guinada da ação que sai da questão política e se volta para a questão da cultural de maneira relativizada, provocando um esvaziamento do sujeito que dificulta o diálogo e práticas democráticas no interior da IC. A PJB é levada a assumir uma perspectiva subjetiva da vida e de privatização dos interesses do indivíduo, ou seja, as necessidades coletiva e política, presentes nos anos 1980, cederam lugar para o pessoal e cultural. Se nas décadas anteriores a prioridade era o social e o político, com forte participação na sociedade civil, a década de 1990 inverte esse processo e propõe uma ação voltada para o cotidiano e para o pessoal. A preocupação com a afetividade e De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 318 Luta de Classes e Contemporaneidade a sexualidade ganha espaço na formação pastoral, que passa a desenvolver seu método pedagógico nessa perspectiva. As opções políticas continuam as mesmas, isto é, a PJB continua defendendo a construção de uma nova sociedade, chamada pelo Cristianismo da Libertação de Civilização do Amor. Todavia, a ação é diferenciada: busca-se o equilíbrio entre política e espiritualidade, entre coletivo e pessoal. No entanto, a tentativa de equilíbrio desencadeou uma prática mais eclesial, mais pessoal, comprometida com a resolução de problemas individuais. A ação atual das pastorais da juventude está sendo desenvolvida a partir de uma nova realidade eclesial, visto que a organização individual das pastorais nas paróquias e dioceses passou a ser questionada pela CNBB, em documento produzido em 2007. Se nos anos 1980 havia o documento 44, intitulado Pastoral da Juventude do Brasil, nos anos 1990 havia o documento 76, chamado Marco Referencial da Pastoral da Juventude do Brasil, que dava sustentação ao programa de evangelização desse setor católico; nos anos 2000, foi publicado o documento 93 Evangelização da Juventude: desafios e perspectivas pastorais que propõem, entre outras coisas, uma reorganização dos jovens nas paróquias e dioceses. O documento sugere que os jovens das pastorais e movimentos sejam articulados a partir do chamado “Setor Juventude” que procura reunir todas as sensibilidades (ou tendências) católicas em um único espaço eclesial. Essa proposta tem reduzido o espaço de atuação das pastorais identificadas com a Teologia da Libertação, visto que no interior do “Setor Juventude” também est~o presentes as juventudes do movimento carism|tico e as juventudes identificadas com os Cursilhos de Cristandade,6 todas com atuação conservadora. Todavia, ainda não é possível avaliar mais profundamente os desgastes causados nas pastorais da juventude por essa nova proposta de organização assumida pela Igreja no Brasil. Referências ALTOÉ, A. (org.) (1988) Metodologia & Método: uma contribuição à Pastoral da Juventude. São Paulo: CCJ. BORAN, J. (1982) Juventude, o grande desafio. São Paulo: Paulinas. 6 TLC, Escladada, juventude vicentina, etc. 319 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário ____ (1994) O futuro tem nome: juventude. São Paulo: Paulinas. BORAN, J. & DICK, H. (1983) Pastoral da Juventude no Brasil. São Paulo: Loyola. BURDICK, J. (1998) Procurando Deus no Brasil: a Igreja católica progressista no Brasil na arena das religiões urbanas brasileiras. Rio de Janeiro: Mauad. CADERNOS DE ESTUDOS DA PJB. (1986) Os cristãos e a militância política. São Paulo: CCJ, Nº 1. ____ (1987) Dimensão da Formação Integral. São Paulo: CCJ, Nº 2. ____ (1992) Igreja: freio ou acelerador? 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Porto Alegre: IPJ OLIVEIRA, R. (2002) Pastoral da Juventude: e a Igreja se faz jovem. São Paulo: Paulinas. PIERDONÁ, E. e FURLANETTO, I. SOUZA J.0. (1990) História da PJ no Brasil. Santo Angelo: Instituto de Pastoral da Juventude. PLANO TRIENAL 1996 – 1998 (1995) Brasília: Setor Juventude, CNBB. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 320 Luta de Classes e Contemporaneidade PLANO TRIENAL 1999 – 2001 (1998) Brasília: Setor Juventude, CNBB. PLANO TRIENAL 2002 – 2004 (2001) Brasília: Setor Juventude, CNBB. PLANO TRIENAL 2005 – 2007 (2004) Brasília: Setor Juventude, CNBB. PROCESSO DE FORMAÇÃO NA PJ (1992) Construindo Juntos: roteiro para grupos de jovens. São Paulo: CCJ, Nº 4. ____ (1999) Fazendo História: roteiro para grupos de jovens. São Paulo: CCJ, Nº 5. RELATÓRIOS DOS ENCONTROS NACIONAIS E DAS ASSEMBLÉIAS NACIONAIS DE 1973 A 2008. SOFIATI, Flávio M. (2009) Tendências Católicas: perspectivas do cristianismo da libertação. In Estudos de Sociologia, Araraquara-SP, vol.14, nº 26, p. 121-140. ____ (2011) Gramsci e as tendências orgânicas do catolicismo brasileiro. In História Agora, ANPUH, vol. 2, nº 11, p. 212-238. 321 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário A Teologia da Libertação e sua teoria marxista na insurgência armada colombiana Mauricio José Avilez Alvarez1 Resumo: A Comunicação pretende analisar a participação de teólogos e teólogas cristãs, que se engajaram na Teologia da Libertação e na insurgência armada colombiana (FARC –EP e ELN), bem como a forma como estes interpretaram o marxismo como teoria revolucionária. O conflito colombiano leva mais de 50 anos de existência e as causas econômicas, sociais e políticas que lhe deram origem perduram, complexificando o fenômeno com o passar dos anos. A partir deste contexto, pergunta-se se a participação na luta armada de teólogos e teólogas, tais como Camilo Torres, Leonor Esguerra, Manuel Perez e Oliverio Medina, poderia ser considerada uma prática da Teologia da Libertação. Centra-se em três aspectos: a) caracterização do conflito armado colombiano em sua origem histórica e o papel das igrejas cristãs neste; b) análise bibliográfica das experiências narradas e de documentos produzidos por teólogos e teólogas que fizeram parte da insurgência colombiana; c) a forma como estes interpretaram a teoria marxista para a ação revolucionária de da Teologia da Libertação. Por fim, tem-se em conta que a Teologia da Libertação, como teoria e prática revolucionária não é homogênea, visto que ela tomou o marxismo de diferentes formas na sua teoria social, em distintos contextos. Espera-se demonstrar as características deste cenário específico e suas relações teóricas e práticas com a teoria marxista. O conflito colombiano leva mais de 50 anos de existência e as causas econômicas, sociais e políticas que lhe deram origem perduram, complexificando o fenômeno com o passar dos anos. O conflito armado se desenvolve entre o Estado Colombiano, representando por suas forças públicas e suas estruturas mercenárias; e no outro extremo a insurgência armada: as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia Exército do Povo – FARC EP, e o Exército de Libertação Nacional – ELN2, que são as que mais se destacam3. Os confrontos em decorrência do conflito armado acontecem em todo o território colombiano e é perceptível na cotidianidade da sociedade colombiana em seus diferentes setores sociais. Mas esse conflito armado não surgiu da forma como aparece hoje, como fenômeno passou por uma transformação histórica e de diversos contextos que o caracterizam. Há, em suas origens, uma série de fatores que o propiciaram e do lado desses fatores há atores que foram e são relevantes no conflito. Mestrando em Teologia – Faculdade EST. Bolsista CNPQ. GUILLÉN, Carlos A. L. Guerra o paz en Colombia? Cincuenta años de un conflicto sin solución. Bogotá: Izquierda viva, 2006. 3 Na Colômbia existem outros grupos insurgentes com menores relevâncias como o Exército Popular de Libertação –EPL. 1 2 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 322 Luta de Classes e Contemporaneidade Entre esses atores que apareceram ao longo da história do conflito colombiano há um papel desempenhado pela Igreja colombiana e de lideranças religiosas como Camilo Torres 4. A Igreja colombiana parece ter atuado num papel relevante no conflito, como um ator com interesses politicamente conservadores, de mediação, ou mesmo revolucionários na teologia da libertação5. No presente trabalho pretende analisar a participação de teólogos e teólogas cristãs, que se engajaram na Teologia da Libertação e na insurgência armada colombiana (FARC –EP e ELN), bem como a forma como estes interpretaram o marxismo como teoria revolucionária. Perguntase se a participação na luta armada de teólogos e teólogas, tais como Camilo Torres6, Leonor Esguerra7, Manuel Perez8 e Oliverio Medina9, poderia ser considerada uma prática da Teologia da Libertação. Lembrando que, como afirmou o mestre Orlando Fals Borda, em seu livro La Violencia en Colombia10, o que se procura é mostrar a dinâmica do conflito em suas origens para que seus atores, neste caso a Igreja, olhem com responsabilidade, entendam a dinâmica e suas dramáticas conseqüências; para que possam se produzir ações de superação e abrir caminhos para a paz. O Conflito armado e seu marco histórico Para entender o conflito armado na Colômbia há que falar da forma como foi gerado o Estado independente e soberano. Após a guerra de independência contra os espanhóis (18101819), a Colômbia se desenvolveu como Estado, mas, com uma frágil estrutura de administração pública e econômica por não construir um aparato burocrático de Estado e por manter e apoiar-se nas instituições sociais criadas pela Espanha para a exploração colonial11. CAMPOS, Germán G. El padre Camilo Torres. México: Siglo XXI, 1968. GONZALEZ G. Fernan E. Partidos políticos y poder eclesiástico. Bogotá: CINEP, 1977. 6 Camilo Torres Restrepo foi um sacerdote católico colombiano que ingressou na guerrilha ELN e morreu em confronto no 15 de fevereiro de 1966. 7 Leonor Esguerra foi uma religiosa da comunidade católica do Sagrado Coração que fez parte da guerrilha do ELN do ano de 1969 até 1993. 8 Manuel Perez foi um sacerdote católico de nacionalidade espanhola que ingressou no ELN no ano de 1969 e morreu em 1998 sendo o principal comandante desta guerrilha. 9 Oliverio Medina é um sacerdote católico que ingressou nas FARC em 1983 e na atualidade está exilado no Brasil. 10 BORDA, Orlando F. Uma sociologia sentipensante para América Latina. Bogotá: Siglo del Hombre /CLACSO, 2009, p. 169. 11 HENAO, Jesus M; ARRUBLA, Gerrardo. Historia de Colombia. Bogotá: Voluntad, 1967, p.513. 4 5 323 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário As elites políticas do nascente Estado colombiano, e dos outros Estados que se libertaram na América, contra o império espanhol na guerra de independência, tomaram o lugar dos antigos dominadores12. Nesse processo a terra teve um papel importante como propriedade para a dominação e para o modo de produção que tinha sido herdado da colônia. “Había una ambigüedad inicial en los modos de producción e intercambio que trajeron los españoles. Se recordará que la Conquista se realizó en un momento de transición entre el feudalismo y el capitalismo” 13. As elites da nova república disputavam entre elas o poder e a forma de dirigir a antiga colônia. “La necesidad de asegurar la independencia por medio de las armas – que era la tarea política del momento – se sustituyo por la controversia interna […]. La capacidad de fuego y de organización cedió frente a la ambición de los caudillos y sus feudos”14. Dessas duas posições nasceram os partidos políticos tradicionais da Colômbia: Liberal e Conservador, que defendiam diferentes modelos políticos de governo e de desenvolvimento econômico 15. A passagem do século XIX para o século XX se deu em um ambiente belicista. A “paz” somente foi possível quando os confrontos afetaram os interesses dos Estados Unidos no canal de Panamá, que ainda era território colombiano16. [...] Colombia ha vivido muchas violencias, casi desde el momento mismo de la independencia, (…) En Colombia la violencia es un fenómeno histórico y socio-político, impuesto “desde arriba” para defender privilegios e intereses políticos y económicos. (…) la historia republicana está preñada de confrontaciones violentas. Inclusive de guerras civiles entre los grupos dominantes para definir cuál de ellos tiene el control del poder. Sin embargo, esos grupos dominantes cuando detectan que están en peligro sus intereses comunes, en lo esencial económicos y políticos, no vacilan en unirse para defender el sistema tradicional y bipartidista17. Na relação política de interesses e dominação de final do século XIX, até meados do século XX, podem encontrar-se os seguintes elementos que caracterizam este período da AGUIRE, Indalecio L. Los grandes conflictos sociales y económicos de nuestra historia. Bogotá: Imprenta Nacional de Colombia, 1964. 13 BORDA, 2009, p. 59. 14 DE LA ESPRIELLA, Ramiro. Las ideas políticas de Bolívar. Bogotá: Grijalbo, 1999, p. 167. 15 HENAO, 1967, p. 658. 16 JARAMILLO, Carlos Eduardo. El tratado del Wisconsin. Noviembre 21 de 1902. Credencial Historia, Bogotá, n. 117, setiembre, 1999; HENAO, 1967, p. 815. 17 GUILLÉN, 2006, p. 38. 12 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 324 Luta de Classes e Contemporaneidade Colômbia: Do ano de 1886 até 1934 governou o partido Conservador tendo como aliada à igreja católica romana. De 1934 até 1946 governou o partido Liberal e a igreja católica romana foi oposição do lado do partido Conservador18. O partido Comunista foi criado em 1930 e ele apoiou o governo liberal no período de 1934 até 1946, embora desde sua criação sofresse perseguições19. No período do governo do partido Liberal (1934 -1946) a situação política, social e econômica da Colômbia estava mudando, se tinha introduzido elementos para essas mudanças. Os movimentos agrários tinham se fortalecido, liderados pelo partido Comunista e por Jorge Eliécer Gaitán, quem era uma liderança muito popular, vinculada ao partido Liberal20. Em 1946 o partido Conservador ganhou a presidência e tentou governar segundo seus interesses e políticas, mas as situações de mudanças dificultavam suas intenções. Estas dificuldades encontradas pelo partido Conservador, devido às mudanças dos setores agrários e das políticas do período do governo do partido Liberal criou uma situação de instabilidade e de violência no país. A violência na Colômbia foi se gestando dentro do contexto descrito como um conflito de matizes políticas, econômicas e sociais, tendo como um dos focos principais a situação agrária. O que era uma disputa dos partidos liberal e conservador foi se transformando em uma luta de setores da elite política e econômica contra os setores políticos que não faziam parte dessa elite e dos setores sociais mais pobres. “La violencia como práctica del poder comenzó con el régimen conservador, en 1946, para liquidar las luchas [...] por una reforma agraria y la solución al problema de la tenencia de la tierra en manos, de manera predominante, de latifundistas”21. No dia 9 de abril de 1948 foi assassinado Gaitán e sua morte desatou uma serie de fatos nomeados como “Bogotazo”. Foi “la generalización de la violencia, y la entronización de formas abiertas de terrorismo de Estado para aniquilar a las masas liberales y comunistas” 22. A cidade de Bogotá se converteu em um campo de batalha, e essa expressão popular de HENAO, 1967, p. 781-899. GUILLÉN, 2006, p. 39. 20 BORDA, 2009, p. 156. 21 GUILLÉN, 2006, p. 40. 22 GUILLÉN, 2006, p. 40. 18 19 325 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário indignação e sede de justiça se deu em muitos lugares da Colômbia, onde se criaram juntas de governo popular quase que com características insurrecionistas revolucionárias23. “Algunas clases dirigentes y las 'oligarquías' de ambos partidos tradicionales, coaligadas por la seria amenaza a sus intereses, tomaron entonces las riendas del Estado para efectuar la contrarrevolución” 24. Segundo algumas pesquisas feitas sobre os fatos que aconteceram após o assassinato de Gaitán, mais de duzentas mil pessoas foram assassinadas por integrar o movimento gaitanista ou por ser militantes do partido comunista 25. “A partir del asesinato de Jorge Eliécer Gaitán se configura un nuevo país: la Colombia en guerra, con ejércitos de campesinos que se habían organizado para hacer frente a los embates de la violencia política proveniente desde él mismo”26. Uma resistência armada como guerrilhas que foi inicialmente conformada por camponeses e no passo dos anos foram somando-se mais setores da sociedade de distintos lugares do território nacional. Neste contexto, é onde poderiam considerar-se as origens do conflito armado colombiano. O governo da Colômbia no mês de maio de 1964 fez uma operação militar, com o apoio dos Estados Unidos27, para aniquilar os focos guerrilheiros de resistência que existiam nas vilas de Marquetalia, o Pato, Rio Chiquito e Guayabero 28. “Aquel irracional y fútil ataque selló el nacimiento de las Fuerzas Armadas revolucionarías de Colombia (FARC) y de los reductos sureños de donde las FARC nunca volvieron a salir”29. Pelas políticas belicistas e de repressão do Estado foram surgindo outras guerrilhas como o Exército de Libertação Nacional – ELN30. “Em quatro de julho de 1964, dezoito homens [...] deram início ao primeiro foco da organização, nas montanhas do departamento de Santander. Seis meses mais tarde [...] o ELN faz sua entrada em cena na esfera pública [...]”31. Também surgiram outras organizações como o Exercito Popular de Libertação – EPL, BORDA, 2009, p. 157. 2009, p. 157. 25 GUILLÉN, 2006, p. 40. 26 CUELLAR, Edgar B. De Macondo a Mancuso: conflicto, violencia política y guerra psicológica en Colombia. Bogotá: Cátedra Libre / Fundación América Nuestra, 2008, p. 68. 27 GUILLÉN, 2006, p 108. 28 MARULANDA VELEZ, Manuel. Cuadernos de campaña. 1973. 29 BORDA, 2009, p. 464. 30CAYCEDO, Jaime T. Paz democrática y emancipación: Colombia en la hora latinoamericana. Bogotá: 23 24BORDA, izquierda viva, 2007, p. 52. 31LEONGÓMEZ, Eduardo Pizarro. Uma democracia sitiada. Rio de Janeiro: Biblioteca do exercito, 2006, p. 77. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 326 Luta de Classes e Contemporaneidade Quintín Lame, PRT e o Movimento 19 de Abril – M 1932. Das guerrilhas hoje se mantém na luta armada as FARC, o ELN e um reduzido grupo do EPL33. Os teólogos e teólogas na luta armada revolucionária: O Estado colombiano tinha uma posição muito conservadora a nível religioso, principalmente na aliança com a igreja Católica que data da Concordata de 188734 e a Constituição Política de 1886, que teve vigência até 1991 35. Algumas mudanças aconteceram com o Concílio Vaticano II, permitiu uma melhor relação política a Igreja com as propostas políticas do partido liberal e partido conservador no que foi chamado do Frente Nacional36; e aos religiosos e religiosas católicos lhes permitiu ter mais liberdade e ser mais críticos: “[...] remeció los conventos y monastérios, donde muchos curas y monjas adormilados se despertaron con sobresalto, preguntándose qué estaba pasando”37. Quanto {s igrejas protestantes, seus “[...] misioneros y líderes nacionales daban a la iglesia una orientación bastante conservadora, en lo teológico y lo social38. Não se tem dados sobre sua postura neste período em relação à política além das denuncias de perseguição religiosa 39. No começo da década de 1960 apareceu um jovem sacerdote católico chamado Camilo Torres falava abertamente da relação do marxismo com o cristianismo, das causas da violência em Colômbia, da necessidade de reforma agrária e da urgência de abertura democrática40. As posturas de Camilo Torres comprometidas com a realidade colombiana de maneira acadêmica e política foram lhe afastando das elites políticas e religiosas, até o ponto de ser estigmatizado por estas como subversivo e anti-social. Deixando-lhe, assim, como CAYCEDO, 2007; LEONGÓMEZ, 2006; e GUILLÈN, 2006. Neste trabalho não tem como objeto caracterizar as organizações insurgentes colombinas em sua etapa atual, é de interesse sinalar que elas existem, que são relevantes, pelo menos, para o desenvolvimento político colombiano e anotar que no centro de estas organizações é onde aconteceu a participação de teólogos e teólogas na luta armada revolucionária. 34 ROUX, Rodolfo R. de. Iglesia y sociedad en Colombia: 9 de abril de 1948. Bogotá: 1981.p. 1. 32 33 GONZALEZ, 1977, p. 156. ROUX, 1981, p. 204. 37 CLAUX CARRIQUIRY, Inés. La búsqueda, Del convento a la revolución armada. Colômbia: Aguilar, 2011, p. 82. 38 SANIN, Javier Augusto R. Contribuição para uma história do protestantismo na Colômbia: A missão e a Igreja Presbiteriana (1856-1946). 1996. Trabalho de Tese para a obtenção do grau de doutor em Ciências da Religião – Instituto Metodista de Ensino Superior, São Bernardo do Campo, São Paulo, 1996, p. 227. 39 ROUX, 1981, p. 55. 40 TORRES, Camilo. Cristianismo e Revolução. São Paulo: Global, 1981; e CAMPOS, 1968, p. 10-45 35 36 327 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário caminho, o ingresso à luta armada na guerrilha do ELN41, onde morreu em seu primeiro confronto42. Camilo Torres desenvolveu uma proposta de programa político para o país43, esse programa diz o mesmo Camilo “[...] tiende al establecimiento de un estado socialista con la condición de que el socialismo lo entendamos en un sentido únicamente técnico y positivo [...] se trata de un socialismo pr|ctico no teórico”44. Mas sua motivação é cristã e parte do que ele teoriza como Amor Eficaz e do qual se gera sua práxis revolucionária. Descobri o cristianismo como uma vida centrada totalmente no amor ao próximo; deime conta que valia a pena comprometer-me neste amor, nesta vida, por isso escolhi o sacerdócio para converter-me num servidor da humanidade. Foi depois disso que compreendi que na Colômbia não se podia concretizar este amor somente através da beneficência, mas que urgia uma mudança de estruturas políticas, econômicas e sociais que exigiam uma revolução à qual este amor estava intimamente ligado. [...] considero-me sacerdote até a eternidade e entendo que meu sacerdócio e seu exercício se cumprem na realização da revolução colombiana, no amor ao próximo e na luta pelo bem-estar das maiorias45. A teoria social que adota Camilo Torres para seu agir político é o marxismo, ele afirma “A luta revolucion|ria n~o pode ser levada a cabo sem um ‘Weltanschaung’ completo e integrado. Por isso é difícil que no mundo contemporâneo ocidental essa luta possa ser feita fora das ideologias crist~ e marxistas [...]”46. Em outro momento ele define melhor sua teoria social e seu método “Yo podría colaborar verdaderamente con los comunistas en Colombia porque creo que entre ellos hay elementos verdaderamente revolucionarios y porque en cuanto son científicos, tienen puntos que coinciden con la labor que yo me propongo” 47. Há outros textos onde Camilo Torres expõe seu pensamento sobre a programação econômica nos países subdesenvolvidos e toma elementos de Lênin e o defende48. CAMPOS, 1968, p. 125-160 ROUX, 1981, 215. 43 TORRES, 1968, p. 169. 44 TORRES, 1968, p. 124. 45 TORRES, 1968, p. 120. 46 TORRES, 1968, 86. 47 TORRES, 1968, p. 181. 48 TORRES, 1968, p. 66 41 42 De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 328 Luta de Classes e Contemporaneidade O que mostra a Camilo Torres como um cristão revolucionário que faz parte dos gestores da Teologia da Libertação49. Olhando a construção teórica e da práxis a partir das 3 dimensões fundamentais e constitutivas da TdL50: a mediação sócio-analítica que usou foi o marxismo; sua mediação hermenêutica foi sua interpretação da bíblia como teólogo; e a mediação da práxis foi a teoria de Lênin. Camilo sempre afirmou não ser comunista porque dizia que como cristão tinha diferenças filosóficas, mas aceitou o uso cientifico do marxismo e sua pratica revolucionária foi dentro dos padrões da teoria leninista51, há que lembrar que ele morre lutando no ELN que é em uma guerrilha que se considera assim mesma como marxistaleninista52. De Camilo se diz que não deixou um pensamento político e teológico elaborado53, mas pela forma como elaborou e desenvolveu sua práxis nas 3 dimensões permitiu traçar um caminho para a ação revolucionaria a partir do Amor Eficaz. Com a morte de Camilo começa o “Camilismo [...] en un movimiento creciente que parecía encender toda la América Latina […]”54. Na Colômbia o fenómeno acontece com muita força o que provocou a vinda do Papa Pablo VI à Conferencia de Medellin em 1968 – CELAM II55 e o Grupo de Golconda56, assim como também tomou força a participação na luta armada. O ELN desperta devoção em amplas camadas sociais. Isto se deve, sobretudo, à dimensão simbólica do Padre católico Camilo Torres, morto em combate em 15 de fevereiro de 1966, cuja figura se tornaria o emblema do emergente diálogo entre cristãos e marxistas em toda a América Latina, bem como do nascimento da Teologia da Libertação, a Igreja dos Pobres e suas comunidades eclesiais de base. 57 49 Historicamente a Teologia da Libertação é classificada em 5 períodos: 1. Gestação (1962-1968); 2. Gênese (1969-1971); 3. Crescimento (1972-1979); 4. Consolidação (1979-1987); e 5. Período de revisão (1989 ). In: LIBANIO, Alfonso Murad. Introdução á teologia: perfil, enfoques, tarefas. São Paulo: Loyola, 1996. BOFF, Clodovis. Teologia e prática: Teologia do político e suas mediações. Petrópolis, Vozes, 1978 TORRES, 1968, p. 122. 52 LEONGÓMEZ, 2006, p. 75-82. 53 SILVA GOTAY, Samuel. El pensamiento Cristiano revolucionário em América Latina y El Caribe. San José, 50 51 Puerto Rico: Cordillera/Sigueme, 1983, p. 55. SILVA GOTAY, 1983, p. 55. SILVA GOTAY, 1983, p. 63. 56 O grupo de Golconda foi um grupo de sacerdotes e religiosas católicas que se organizou em Colômbia para dar continuidade às idéias de Camilo Torres. SILVA GOTAY, 1983, p. 65. 57 LEONGÓMEZ, 2006, p. 77. 54 55 329 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário No ano de 1967 tinham chegado a Colômbia 3 sacerdotes católicos espanhóis Domingo Laín, José Antonio Jiménez e Manuel Pérez58. Eles falavam das idéias de Camilo Torres. [...] consideraban que había que seguir los pasos de Camilo Torres porque no había otro camino; no es que les gustara la violencia, no les atraía la guerra, pero la razón y la expericia les decían que los dueños de Colombia jamás entregarían el país al pueblo por las buenas, que había que arrebatárselo, y eso significaba que era necesario desarrollar una guerra popular [...]59. A religiosa católica Leonor Esguerra começou a compartir estas idéias nas conversas e estudos que tinha com estes 3 sacerdotes espanhóis e outros do grupo Golconda. Leonor e os 3 sacerdotes espanhois em distintos momentos do ano de 1969 se vincularam ao ELN. [...] estaban decididos a formar parte del ELN siguiendo el ejemplo del padre Camilo Torres; [...] deseaban ser guerrilleros porque su opción era asumida como cristianos, deseaban vivir un verdadero cristianismo. […] Consideraban que Camilo había tenido toda la razón cuando dijo ‘La revolución no solo es permitida sino obligatoria para los cristianos que vean en ella la única manera eficaz y amplia de realizar el amor para todos’60. José Antonio Jiménez morreu 8 meses depois de ter ingressado por uma mordida de cobra e Domingo Laín morreu em confronto com o exército nacional da Colômbia no 20 de fevereiro de 197461. Em quanto ao sacerdote Manuel Pérez, ele se converteu no principal comandante do ELN até o ano de 1998 quando morreu como guerrilheiro por uma enfermidade62. Leonor Esguerra foi da comissão internacional do ELN até o ano de 199363. Na pesquisa do movimento Camilista encontra-se outro sacerdote colombiano Francisco Antonio Cadena Colazzos, conhecido como Padre Olivério Medina ou o comandante Camilo64, ele ingressou nas FARC-EP em 1983 ao parecer pelos mesmos ideais. O nome que tem em relaç~o { luta armada “Comandante Camilo” faz pensar em a relaç~o que poderia ter com o ideário revolucionário de Camilo Torres. Pela situação de exílio de este sacerdote no CLAUX CARRIQUIRY, 2011, p. 117. CLAUX CARRIQUIRY, 2011, p. 121. 60 CLAUX CARRIQUIRY, 2011, p. 160. 61 CLAUX CARRIQUIRY, 2011, p. 198. 62 CLAUX CARRIQUIRY, 2011, p. 305. 63 CLAUX CARRIQUIRY, 2011, p. 289. 64 Oliverio, o padre da paz. In: <http://www.cebrapaz.org.br/especial_om/padre.htm 58 59 >, Acessado in: 1 Mai. 2012. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 330 Luta de Classes e Contemporaneidade Brasil no ano de 2006 e de segurança não foi possível ter mais informação sobre ele e sua possível motivação nas idéias de Camilo Torres para ingressar na luta armada. O que poderia considerar-se é que no conflito armado colombiano há uma participação de teólogos e teólogas que ingressaram na luta armada seguindo o pensamento do Camilo Torres. O ideário camilista poderia ser considerado também como parte da gama de praticas e desenvolvimentos da Teologia da Libertação, entendendo que pelos contextos de cada lugar e interpretações a Teologia da Libertação não é uniforme65. No ideário camilista há uma proposta de Teologia da Libertação que esta mediada por uma teoria social e um método marxista-leninista e uma mediação hermenêutica cristã baseada na bíblia. Referências AGUIRE, Indalecio L. Los grandes conflictos sociales y económicos de nuestra historia. Bogotá: Imprenta Nacional de Colombia, 1964. BOFF, Clodovis. Teologia e prática: Teologia do político e suas mediações. Petrópolis, Vozes, 1978. BORDA, Orlando F. La violencia en Colombia: estudio de un proceso social, Tomo I. Bogotá: Tercer Mundo, 1962. __________________. Una sociología sentipensante para América latina. Bogotá: Siglo del hombre/ CLACSO, 2009. CAICEIDO TURRIAGO, Jaime. Paz democrática y emancipación: Colombia en la hora latinoamericana. Bogotá, Colombia: Izquierda Viva, 2007. CAMPOS, Germán G. El padre Camilo Torres. México: Siglo XXI, 1968. CLAUX CARRIQUIRY, Inés. La búsqueda, Del convento a la revolución armada. Colômbia: Aguilar, 2011 CUELLAR, Edgar B. De Macondo a Mancuso: conflicto, violencia política y guerra psicológica en Colombia. Bogotá: Cátedra Libre / Fundación América Nuestra, 2008. DE LA ESPRIELLA, Ramiro. Las ideas políticas de Bolivar. Bogotá: Grijalbo, 1999. Encuentro. Bogotá: Octubre-Diciembre, n. 100, 2003. LIBANIO, Alfonso Murad. Panorama da teologia da América Latina nos últimos anos. Disponível em: < http://servicioskoinonia.org/relat/229.htm >, Acesso em 8 Jul. 2011. 65 331 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário GONZALEZ G. Fernan E. Partidos políticos y poder eclesiástico. Bogotá: CINEP, 1977. GUILLÉN, Carlos A. L. Guerra o paz en Colombia? Cincuenta años de un conflicto sin solución. Bogotá: Izquierda viva, 2006. GUTIÉRREZ, Gustavo. Teologia da libertação: perspectivas. São Paulo: Loyola, p. 14, 2000. HENAO, Jesus M; ARRUBLA, Gerardo. Historia de Colombia. Bogotá: Voluntad, 1967. JARAMILLO, Carlos Eduardo. El tratado del Wisconsin. Noviembre 21 de 1902. Credencial Historia, Bogotá, n. 117, setiembre, 1999. LEONGÓMEZ, Eduardo Pizarro. Uma democracia sitiada. Rio de Janeiro: Biblioteca do exercito, 2006. LIBANIO, Alfonso Murad. Introdução á teologia: perfil, enfoques, tarefas. São Paulo: Loyola, 1996. MARULANDA VELEZ, Manuel. Cuadernos de campaña. 1973. LIBANIO, Alfonso Murad. Panorama da teologia da América Latina nos últimos anos. Disponível em: < http://servicioskoinonia.org/relat/229.htm >, Acesso em 8 Jul. 2011. ROUX, Rodolfo R. de. Iglesia y sociedad en Colombia: 9 de abril de 1948. Bogotá: 1981. SANIN, Javier Augusto R. Contribuição para uma história do protestantismo na Colômbia: A missão e a Igreja Presbiteriana (1856-1946). 1996. Trabalho de Tese para a obtenção do grau de doutor em Ciências da Religião – Instituto Metodista de Ensino Superior, São Bernardo do Campo, São Paulo, 1996 SEGUNDO, Juan Luís. Liberación de la teologia. Buenos Aires, Argentina: Carlos Lohlé, 1975. SILVA GOTAY, Samuel. El pensamiento Cristiano revolucionário em América Latina y El Caribe. San José, Puerto Rico: Cordillera/Sigueme, 1983. TORRES, Camilo. Cristianismo e Revolução. São Paulo: Global, 1981 TOURAINE, Alain. Palavra e sangue. São Paulo: Unicamp, 1989. VIGIL, José Maria. Bajar de La cruz a los pobres: cristologia de La liberación. ASSET/EATWOT, 2007. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 332 Luta de Classes e Contemporaneidade Masculinidade e corporeidade a partir de uma perspectiva teológica Ezequiel de Souza1 Resumo: A comunicação tem por objetivo analisar como a religião contribuiu para a formação e reprodução de papéis de gênero, especialmente os papéis masculinos. Partindo de uma perspectiva teológica, indaga-se por caminhos passíveis de serem trilhados na superação da dominação masculina, sempre tendo em conta a participação ambígua que a religião tem tido na construção dos papéis de gênero, nomeadamente os papéis masculinos. Argumenta-se a respeito da necessidade de uma espiritualidade que tome a corporeidade como ponto de partida para a expressão e vivência das masculinidades, não mais pautada na força e no poder, mas na partilha e na solidariedade. Em um país em que a religião desempenha um importante papel na conformação da sociedade, esta abordagem possui uma relevância tanto prática quanto teórica. Durante o I Congresso Latino-Americano de Gênero e Religião, o teólogo André Musskopf afirmou que a masculinidade tem sido definida de forma negativa: ser homem é não ser mulher, não ser homossexual.2 De certa forma, atualiza-se o paradoxo da definição identitária a partir da negação da alteridade. De acordo com Pedro Paulo de Oliveira, a sociedade tem a expectativa que um homem cumpra quatro pré-requisitos: “1) a necessidade de ser diferente das mulheres; 2) a necessidade de ser superior aos demais; 3) a necessidade de ser independente e auto-confiante; e 4) a necessidade de ser mais poderoso do que os outros, através da violência, se necess|rio”.3 Muitas pesquisas têm chamado a atenç~o para a “crise da masculinidade”, proclamando a emergência de um “novo homem”. No entanto, André Musskopf entende que é preciso analisar criticamente essa afirmaç~o, pois ela cria uma dicotomia entre os “novos homens”, capazes de expressar seus sentimentos, e os “homens tradicionais”, inexpressivos e hipermasculinos.4 “O ‘novo homem’ surge no lugar do ‘antigo’, ou seja, um indivíduo que se comportava dentro dos padrões esperados para um macho tradicional”.5 Como a referida crise possui diferentes interpretações, variando de acordo com o grupo social, há a 1 2 3 4 5 Doutorando em teologia na Escola Superior de Teologia. Bolsista do CNPq. Esta comunicação é parte de minha dissertação de mestrado. MUSSKOPF, André S. Identidade masculina e corporeidade: uma abordagem queer. In: MUSSKOPF, André S.; STRÖHER, Marga J. (Orgs.). Corporeidade, etnia e masculinidade: reflexões do I Congresso Latino-Americano de Gênero e Religião. São Leopoldo: Sinodal, 2005. p. 80. OLIVEIRA, Pedro P. Discursos sobre a masculinidade. Estudos Feministas, ano 6, n. 1, 1998. p. 99. MUSSKOPF, 2005, p. 108. RIBEIRO, Cláudia R.; SIQUEIRA, Vera H. F. O novo homem na mídia: ressignificações por homens docentes. Estudos Feministas, Florianópolis, ano 15, n. 1, jan./abr. 2007, p. 217. 333 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário possibilidade de seu resultado ser o incremento do consumo ou a promoção de uma identidade masculina libertadora.6 A experiência masculina tem sido abordada na teologia a partir da corporeidade, do poder e da espiritualidade. De acordo com Renate Gierus, os corpos possuem uma linguagem específica que, como outras fontes, precisa ser interpretada. Os corpos são esculpidos a partir de suas experiências. “O corpo constitui-se de muitas marcas e de muitos modelos. Ele carrega consigo a vida, imprimindo na pele e nas entranhas os caminhos e descaminhos cotidianos”.7 Não é uma tarefa fácil entender a linguagem do corpo, linguagem ambígua e permeada por relações de poder. Também a experiência masculina é uma experiência corpórea. “Somos corpo”, afirma Daniel Sánchez Pereira.8 Não é possível falar em experiência masculina fora do corpo. A força desta afirmação é dada pelo contexto da dualidade entre corpo e alma. Por muito tempo, grupos cristãos sustentaram a dicotomia entre corpo e alma, atribuindo a esta as propriedades mais elevadas e compreendendo aquele como o locus do pecado,9 um instrumento a ser utilizado pela mente.10 Segundo o teólogo Jürgen Moltmann, essa dicotomia não possui base bíblica, tendo sido desenvolvida no gnosticismo cristão e aprofundada pela antropologia de Agostinho.11 Para Ernst Ksemann, ‘carne’ denota a condiç~o de criatura do ser humano, n~o constituindo um sinônimo para ‘corpo’. No sentido atribuído pelo apóstolo Paulo, ‘carne’ representa tudo aquilo que é efêmero, passageiro.12 Homens e mulheres aprendem a desempenhar papéis sociais desde tenra idade. O aprendizado da masculinidade comporta uma dupla violência que, com o tempo, constitui 6 7 8 9 10 11 12 MUSSKOPF, 2005, p. 92. GIERUS, Renate. CorpOralidade: História Oral e copo. In: In; STRÖHER, Marga J.; DEIFELT, Wanda; MUSSKOPF, André S. (Orgs.). À flor da pele: ensaios sobre gênero e corporeidade. São Leopoldo: Sinodal/CEBI, 2004. p. 44. SÁNCHEZ PEREIRA, Daniel. Além dos limites impostos pela cultura e pelos preconceitos: pistas para uma releitura da Carta a Filêmon, Ápia e Arquipo na perspectiva das masculinidades. Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 86, n. 2, 2005, p. 37. IRARRÁZAVAL, Diego. Corporeidad masculina. In: MUSSKOPF, André S.; STRÖHER, Marga J. (Orgs.). Corporeidade, etnia e masculinidade: reflexões do I Congresso Latino-Americano de Gênero e Religião. São Leopoldo: Sinodal, 2005. p. 137. IRARRÁZAVAL, 2005, p. 140. O apóstolo Paulo utilizava o conceito em três diferentes acepções: com ‘carne’, fazia referência ao mundo criado; com ‘na carne’, fazia referência à condição transitória do mundo; e com ‘segundo a carne’, fazia referência ao tempo desse mundo. MOLTMANN, Jürgen. O espírito da vida: uma pneumatologia integral. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 90-91. KÄSEMANN, Ernst. A antropologia paulina. In: KÄSEMANN, Ernst. Perspectivas paulinas. 2. ed. São Paulo: Teológica/Paulus, 2003. p. 48. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 334 Luta de Classes e Contemporaneidade marcas diacríticas inscritas nos corpos masculinos: a violência contra si e a violência contra a alteridade. A corporeidade masculina tradicional tem sido vinculada à sexualidade, gerando uma limitação das potencialidades do próprio corpo.13 Através da reprodução do ethos masculino, a corporeidade continua mantendo uma vinculação estreita com a sexualidade, entendida como ato de atualização da masculinidade porque a dominação se manifesta inclusive na divisão do trabalho sexual. A partir da oposição alto vs. baixo, a posição sexual considerada ‘natural’ é aquela em que o homem se encontra por cima da mulher. Socialmente diferenciadas, a sexualidade feminina tem sido orientada para a intimidade, enquanto a sexualidade masculina tem sido compartimentada e orientada para a penetração,14 em uma atitude falocêntrica. O pênis não é apenas uma parte do corpo masculino: ele deve receber um nome próprio que o diferencie dos demais, pois simboliza a masculinidade em si. Penetrando, prova-se para si que não se é uma mulher ou um homossexual. O uso legítimo do corpo masculino exige dos homens que assumam a posição ativa na relação sexual. Em última análise, o que importa é o ato da penetração, sendo relativizado o parceiro. Quando um homem é penetrado por outro, ele é estigmatizado por usar seu corpo de forma desonrosa. Ao fazer isso, abdicou de todo o capital de masculinidade de que dispunha.15 Se recordarmos o caráter nobiliárquico da masculinidade, poderemos inferir que em uma visão tradicional o homem que sofre a penetração macula sua identidade de uma forma permanente. Por outro lado, quando um homem penetra outro, seu capital de masculinidade não é diminuído, ele não é considerado um homossexual.16 A expectativa social é que o homem seja ativo na relação sexual e o fato de diminuir a masculinidade de outro acarreta, pelo menos para seu ego, uma satisfação. Adilson Schultz chama a atenção para um detalhe pouco explorado nas análises da relação existente entre masculinidade e corporeidade: os homens conhecem e falam pouco 13 14 15 16 MUSSKOPF, 2005, p. 85. SOUZA, Ezequiel de. O papel da teologia na superação da dominação masculina. In: SCHAPER, Valério G.; OLIVEIRA, Kathlen L.; REBLIN, Iuri A. (Orgs.). A teologia contemporânea na América Latina e no Caribe. São Leopoldo: OIKOS, 2008. p. 274. TORRÃO FILHO, Amílcar. Uma questão de gênero: onde o masculino e o feminino se cruzam. Cadernos Pagu, n. 24, jan./jun. 2005, p. 143. TORRÃO FILHO, 2005, p. 2005. 335 II Simpósio Nacional Marxismo Libertário sobre o próprio corpo. Quando falam de corporeidade, evocam corpos alheios.17 Não deixa de ser surpreendente, uma vez que boa parte das conversas entre homens gira ao redor da sexualidade. As conversas masculinas em ambientes de sociabilidade são construídas sobre temáticas que, simultaneamente, envolvam sem comprometer. Seria desinteressante discutir algo que pusesse em xeque o capital de masculinidade. Adilson Schultz defende a criação de grupos que discutam a masculinidade, entendendo que os homens estão dispostos a superar seu mutismo.18 Ao mesmo tempo em que há benefícios advindos da condição masculina, o ônus também é grande. A criação de espaços para a discussão e problematização da masculinidade proporcionaria a elaboração de alternativas aos modelos vigentes. A Bíblia nos oferece várias narrativas que podem problematizar a experiência masculina com o corpo. Com a aplicação de hermenêuticas de cunho não-fundamentalistas, há a possibilidade de interpretações plausíveis para a construção de novos modelos de masculinidade. A empreitada é legítima, tendo em vista que alguns modelos foram sancionados pela mensagem bíblica. Adilson Schultz apresenta dezoito modelos típico-ideais de masculinidade construídos a partir de relatos bíblicos. Apesar do caráter ficcional, o exercício demonstra a pluralidade de perspectivas presentes na Bíblia.19 Na narrativa de Gênesis 38, André Musskopf e Yoimel González Hernández identificam a presença de modelos alternativos de masculinidade, definíveis a partir da corporeidade. Há uma expectativa que paira sobre os homens em sociedades patriarcais: a aptidão para gerar descendentes, de preferência filhos homens. Diante da morte de Er, o primogênito de Judá, antes de ter gerado um filho, cabe a seu irmão a obrigação de dar continuidade ao nome do falecido, de acordo com a lei do levirato. Onã se recusa a desempenhar o papel masculino que lhe é imputado: Ao evitar gerar descendência para seu irmão, Onã entra em contradição com três posições diferentes: o seu pai, a legislação social da época e Tamar. Para esta, ter filhos garantia uma posição mais vantajosa que a condição de viúva sem filhos. Afinal, a maternidade, na cultura patriarcal, dá status à mulher. Estas três posições 17 18 19 SCHULTZ, Adilson. Isto é o meu corpo – e é corpo de homem: discursos sobre masculinidade na Bíblia, na literatura e em grupos de homens. In; STRÖHER, Marga J.; DEIFELT, Wanda; MUSSKOPF, André S. (Orgs.). À flor da pele: ensaios sobre gênero e corporeidade. São Leopoldo: Sinodal/CEBI, 2004. p. 172. SCHULTZ, 2004, p. 189. SCHULTZ, 2004, p. 177-182. De 9 a 11 de maio de 2012 Universidade Federal de Goiás - Campus II 336 Luta de Classes e Contemporaneidade representam uma pressão real diante da qual Onã reage corporalmente, através do exercício da sua sexualidade.20 A desobediência de Onã custa-lhe a vida. A narrativa de Gênesis 38 apresenta claramente a disputa de modelos alternativos de masculinidade, tendo como desfecho a defesa da masculinidade de Jud|: “O corpo de Jud|, apesar da sua idade, é um corpo masculino portador de plenas faculdades procriadoras e, portanto, símbolo indiscutível da sexualidade masculina”.21 Enquanto isto, os corpos dos filhos de Judá são estigmatizados como fracos e incapazes de cumprir as exigências patriarcais. O aprendizado da masculinidade se dá de forma explícita e implícita nesta narrativa: ser homem é ser viril, apesar da idade avançada; quem não possui a virilidade, ainda que jovem, não merece ser chamado de homem. A morte de Er e Onã simboliza a morte social, o não-reconhecimento da masculinidade àqueles homens cujos corpos não cumprirem as exigências sociais. Os corpos masculinos são treinados para não sentir dor, ou melhor, para não demonstrar a dor que deveras sentem. Não é possível continuarmos pensando que os homens são seres insensíveis. O isolamento e a solidão a que são submetidos forma sua identidade e molda seus corpos para que sofram calados. O desafio que se apresenta é a valorização da corporeidade masculina sem a necessidade de manter a dicotomia corpo vs. espírito, sexo vs. amor.22 Referências GIERUS, Renate. CorpOralidade: História Oral e copo. In: In; STRÖHER, Marga J.; DEIFELT, Wanda; MUSSKOPF, André S. (Orgs.). À flor da pele: ensaios sobre gênero e corporeidade. São Leopoldo: Sinodal/CEBI, 2004. 20 21 22 MUSSKOPF, André S.; GONZÁLEZ HERNÁNDEZ, Yoimel. Homens e ratos! Desconstruindo o modelo hegemônico de masculinidade e visibilizando modelos alternativos construídos nos corpos de homens em Gênesis 38. Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 86, n. 2, 2005, p. 62. MUSSKOPF; GONZÁLEZ HERNÁNDEZ, 2005, p. 63. IRARRÁZAVAL, Diego. Justicia de género e identidad masculina. In: SOTER (Org.). Gênero e teologia: interpelações e perspectivas. 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