Aula de doutorado (2011) ASSUME VIVID ASTRO
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Aula de doutorado (2011) ASSUME VIVID ASTRO
A questão do Assume Vivid astro focus como expressão da nova linguagem da arte. Prof. Dr. Paulo Roberto Monteiro de Araujo – MACKENZIE – EAHC. Do que trata este seminário é da tarefa de realizar o quê nos propomos desenvolver no que se refere à questão da contemporaneidade em sua determinação de linguagem artística, ou seja, criadora e crítica. Como ante-sala para desenvolvermos a nossa problemática, nós podemos citar o Dadaísmo como movimento artístico de Vanguarda, que trazia em seu cerne à crítica ao racionalismo ocidental moderno fundado em uma linguagem instrumental (sem corpo). As contradições dessa racionalidade geraram a primeira guerra mundial (e a elaboração de formas tecnológicas avançadas de armas – o gás mostarda, o submarino, etc.). Dada é a própria expressão da crítica à racionalidade irracional da cultura ocidental, pois em si não quer dizer nada. Por outro lado, Dada diz muito sobre a caracterização reflexiva da arte como linguagem que se constrói sem as amarras categoriais e classificadoras das ciências modernas. O eixo seguro da linguagem artística é não possuir eixo no sentido que não há como existir segurança em sua elaboração criadora. Não possuindo eixo seguro, como procura o pensamento designativo das ciências, a linguagem artística tem o seu vetor na própria temporalidade de si, como expressão criadora de significados não objetivados por meio de categorias (em um sentido kantiano). A temporalidade de si da Arte é o horizonte em que a sua linguagem se constrói como possibilidade de questionar aquilo que se apresenta como evidência à compreensão do homem em sua imediata interpretação de mundo. Daí a contribuição do Dadaísmo à construção da crítica à cultura ocidental como superação das evidências categoriais dadas pelas ciências e pelas práticas racionais das burocracias institucionais (como Weber desenvolve em sua sociologia). Se o Dadaísmo abriu o leque da função crítica das artes no que diz respeito ao pensamento que pensa a sua temporalidade por meio de elaboração de objetos, mesmo que materialmente já-prontos, como é o caso do urinol de Duchamp, a arte em seu co-momento-temporal-atual, leia-se início do presente século se mostra não só na esteira da continuidade da crítica às determinações significativas do espírito de época, mas na transposição daquilo que já se apresentou como forma de arte. O que eu chamo de transposição não quer dizer re-significar algo, dando-lhe outro viés significativo, antes a trans-posição diz trazer à tona outras possibilidades de se perceber a unidade do objeto em outras unidades possíveis, trans-pondo de uma unidade a outra, sentidos que não são mais os mesmos, mas que se co-pertencem, não necessariamente em sua esfera semântica, porém, em suas aparências superficiais, em seus contornos aparentes. A aparência em seu sentido forte expressa a simples superficialidade das determinações de algo, que para pensadores como Hegel era um sacrilégio na construção do saber verdadeiro. Schein em alemão é brilho, aparência superficial, Erscheinnung é fenômeno que ao mesmo tempo tem o brilho aparente e essência da coisa. O quê eu quero dizer aqui, na nossa linha de raciocínio, é que, o brilho e não o fenômeno, que possibilita a trans-posição de uma unidade a outra, fazendo com que tais unidades não sejam as mesmas da unidade original. Na Fenomenologia do Espírito de Hegel a percepção como momento da formação (Bildung) da consciência (Razão) se caracterizava como apreensão da coisa tanto em sua unidade como em sua dispersão de tambéns. O sal como unidade é também amargo, também é cristalino, também é claro. O conceito de unidade e multiplicidade (tambéns) fazia com que a consciência em sua instância perceptiva se perdesse na própria coisa ora unitária ora como um amontoado de múltiplos tambéns. A resolução que se chega, no interior da Percepção, é que a coisa é ao mesmo tempo múltipla e unitária. A coisa em sua originalidade se determina como unidade-multipla, em que a identidade é mantida, mesmo possuindo a diferença em sua interioridade em si e para si mesma. A diferença está em prol da realização e manutenção da identidade da coisa. A linguagem da arte nisto que chamei acima de co-momento-temporal-atual se constrói numa série de unidades em que a idéia de multiplicidade ganha novos contornos, diferentes daqueles de Hegel. No filósofo alemão a diferença aparece como um amontoado de também que ganha status no interior da unidade, no sentido de manter o significado original da coisa em sua determinação semântica e substancial. No caso da linguagem da arte, a unidade como coisa tem a sua semântica na aparência de coisa, ou seja, a coisa é a própria aparência. Daí o transpor, como apontei anteriormente, tem o seu cerne não na re-significação semântica de algo original substancial em sua identidade unitária e múltipla, como desenvolveu Hegel em sua Fenomenologia. É o aparente da coisa que é tomado para se transpor em outro aparente. A linguagem da arte se faz na aparência de outra aparência. No entanto, cabe dizer que aparência não quer dizer falso, ou ainda, sem originalidade, pois esta se encontra na temporalidade existente da aparência. Sendo aparente, a linguagem da arte não tem substância que lhe categorize. É a dimensão da temporalidade existente da aparência que cria as condições de possibilidade da arte ser livre e se livrar das categorizações das teorias designativas que permeiam o nosso universo cultural. Ao ser livre em sua temporalidade existencial caracterizada pela aparência, a linguagem da arte exige que a leiamos com atenção máxima, principalmente em nosso comomento-temporal-atual. Daí a minha preocupação de analisar um coletivo artístico intitulado assume vivid astro focus (avaf) no sentido apreender a problemática levantada por nós sobre a estrutura da linguagem artística em sua temporalidade existencial aparente. A avaf é um coletivo artístico norte-americano composto de historiadores, músicos, curadores, artistas de instalação, performáticos, DJs, vídeo artistas e ativistas de políticas culturais. Como diz Natalie Kovacs : “pelo seu nome avaf reflete um processo de colaboração, comunicação, investigação, navegação, educação, elevação, e alucinação. A experiência oferece uma oportunidade para refletir e refratar o interior da arquitetura social, como um meio de participação ou congregação”. Deste modo, como aponta ainda Kovacs: “avaf é uma multiplicidade de definições a ser criada, e/ou gerada, quase um meio em si mesmo e de si mesmo, que emprega leis de input (energia aplicada ao motor), mudança, e de “fazer” listas que junte idéias e indivíduos voltados para uma quase abstração tribal do eu (self) para embarcar em algum processo evolucionário (que se torne destinação)”. Com essas definições de Kovacs a respeito do avaf, tal coletivo artístico aparece vinculado e inspirado em movimentos artísticos dos anos 60 no interior de uma unidade de identidade semântica com a Pop-art em uma inspiração psicodélica. No entanto, quando lemos o texto de Cay Saphie Rabinowitz compreendemos a construção da linguagem artística do avaf. Como salienta Rabinowitz o avaf tem o seu fundamento no dérive (desvio) e no détournement (desencaminhamento). Não é por acaso que Rabinowitz releva em seu escrito sobre a dificuldade de encontrar uma forma geral (general shape) que apreendesse a identidade do avaf (“eu ficava perdido tentando compreender as intenções e métodos”.). A aflição de Rabinowitz de encontrar o formato conceitual do avaf como modelo classificador de arte em seus projetos de artísticos expressa a necessidade de mudança em nosso modo de pensar a linguagem artística. Como tentei dizer nas três primeiras páginas do texto presente o problema que muitos pensadores contemporâneos buscam no conceito de re-significar as coisas, compreendidas seja como cultura, história, movimento artístico, política seja lá em que esfera da produção significativa humana, a questão é que a arte em seu co-momentotemporal-atual não trata mais de coisa em seu sentido fenomenal, como unidade de aparência-essência, como compreendia Hegel e toda uma tradição do pensamento ocidental, mas sim de aparência em sua multiplicidade existencial. Não havendo mais coisa (como lugar seguro, mesmo estando ocultado em um sentido heideggeriano), é na aparência que a linguagem artística busca os elementos para elaborar sua expressão. Por isso, não há como haver qualquer espécie de segurança ou certeza em relação àquilo que se é nas práticas artísticas e em seus conteúdos apresentados em suas diversas formas. Rabinowitz aponta que o avaf constante e ativamente muda a estrutura social que orienta e que dá limite, os padrões de produção e distribuição, além das bases para fazer julgamentos. As constantes mudanças nas práticas e nas formas de pensar o trabalho de linguagem artística fazem com que haja um desconforto. Não há nenhum ponto de referência como núcleo de algo ou de alguma coisa que se possa ter como determinação. Permanecer no núcleo da coisa como base referencial de produção de significados ou re-significados não faz parte da estrutura criadora ou crítica do avaf. Trazer a idéia de desconforto para as práticas de construção de linguagem faz que a não familiaridade com nada possibilite a constante reflexão sobre o mundo de diversas formas, que, no entanto, nunca são completas, coisificadas. Daí a constante mudança que os críticos de arte têm que fazer para compreender o avaf, pois a dimensão que eles se encontram é o da aparência que desvia e destorce aquilo que se mostra como já pronto, acabado. Um dos discursos mais freqüentes para definir o avaf, como diz Rabinowitz, é classificá-lo como Psicodélico. Eis o motivo de seu trabalho ser visto como forma de escapismo, no sentido de tomar drogas em referencia ao Psicodelismo estético dos anos 70. Não é por acaso as dificuldades do avaf não ser classificado, mesmo em espaços que aparentemente são ligados à arte contemporânea como no Tate Liverpool, Inglaterra. Ao participar do Summer of Love: Art of the Psichedelic Era no Tate Liverpool com o projeto Butch Queen realness with a twist in pastel colors ( rainha sanguinolenta com uma trança em cor pastel) (bqrwtpc) o avaf mostra por meio das diversas justaposições: filme, material de vídeo, performances artísticas, clips de programas musicais dos anos 70 e 80 não imagens. A preocupação do avaf era não simplesmente mostrar imagens que se referissem ao Psicodélico, mas explorar e estimular as experiências nos freqüentadores da exposição. Mostrar somente imagens é tirar a possibilidade de vivenciar significativamente a dimensão da produção artística. Ou ainda, possibilitar que o público possa ser amplamente estimulado a experimentar a sua subjetividade ao entrar em contato com as manifestações artísticas. Daí um dos fundadores do avaf, Eli Sudbrack’s dizer em uma entrevista de 2007 que historicamente a Era do Summer of Love dos anos 60 como arte psicodélica não quis dizer nada para o avaf: “Contrário do que as pessoas pensam, nós não nos sentimos particularmente ligados a era “Summer of Love”. Daquele período, nós estávamos mais interessados nas manifestações de rua com as suas várias causas políticas: direitos de mulheres e gays, protestos contra o racismo e a guerra do Vietnam, etc. A Era do “Summer of Love” simboliza uma explosão da utopia hippie que teve reflexo pelo mundo todo, mas a realidade era muito mais profunda. Esse tempo em geral representa o nascimento de muitas lutas políticas e belas brigas contra o regramento do poder. No entanto, todos esses movimentos foram mais que ingênuos (naïfes). Os anos 70 e 80 solidificaram essas revoluções de várias formas, mas nada terminou ainda”. Ao se desviar da Arte Psicodélica, o avaf propõe não as imagens da arte psicodélica de uma determinada era, mas criar situações e estratégias de vivências que possam ser assumida em um sentido de virada significativa de algo em sua aparência imagética. Eis o motivo de Rabinowitz salientar um famoso exemplo que é tentar se guiar pelas ruas de Londres usando um mapa de Veneza. Daí o princípio da desorientação em que o que está em jogo não é apreender a coisa, mas aparência em sua múltipla possibilidade de não ser mais familiar (a imagem da coisa histórica do Summer of Love não é mais familiar, sua aparência histórica não garante nenhuma orientação de processo de resignificação). A sensação de estranhamento como modo de vivenciar a si mesmo (subjetivamente) como lançando na temporalidade do co-momento-temporalatual da arte faz com que o espectador tenha que jogar fora o seu mapa histórico-artistico-didático classificador das coisas do mundo e de si mesmo. Jogar fora ou ter um mapa errado é se auto-estimular em um crescimento de estímulos que vão se expandindo em situações de desvio e de descaminhos. Deste modo, nós podemos pensar a linguagem artística como horizonte de possibilidades aparentes que nos obriga assumirmos a nós mesmos como tendo a tarefa de ser naquilo que o filósofo alemão Heidegger diz em seu Ser e Tempo: o ente que temos que analisar, somos nós mesmos. E podemos acrescentar: não tem mapa. (a diferença de diferenciando em algo que não é mais).