Projeto de reabilitação das edificações

Transcrição

Projeto de reabilitação das edificações
SBQP 2009
Simpósio Brasileiro de Qualidade do Projeto no Ambiente Construído
IX Workshop Brasileiro de Gestão do Processo de Projeto na Construção de Edifícios
18 a 20 de Novembro de 2009 – São Carlos, SP – Brasil
Universidade de São Paulo
Projeto de reabilitação das edificações: estudo de
caso do Solar da Imperatriz
Rehabilitation Design Process: the “Solar da Imperatriz” case study
Léa Therezinha Alves de Carvalho
Arquiteta, MSc, Doutoranda PROARQ/FAU/UFRJ
| e-mail: [email protected] | CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/1492252264244315
Mônica Santos Salgado
Arquiteta, D.Sc, Professor Associado, PROARQ/FAU/UFRJ
| e-mail: [email protected] | CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/4598786832250568
Leopoldo Eurico Gonçalves Bastos
Prof. Colaborador PROARQ-FAU/UFRJ; Prof. Visitante Faculdade de Engenharia UERJ
| e-mail: [email protected] | CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/0596410148228433
RESUMO
Proposta: Demonstrar as especificidades do projeto de reabilitação de edificações visando fornecer
subsídios para a definição de estratégias e metodologias para a sua execução. Método de
Pesquisa/Abordagens: Serão apresentadas as principais características do fluxo do processo de
projetos de reabilitação e sua diferenciação do fluxo de projeto de uma nova edificação. Resultados:
Buscou-se validar as especificidades encontradas, através de um estudo de caso que demonstrou na
prática projetual a coerência dos pressupostos teóricos. Contribuições/Originalidade: Contribui-se
com fundamentos para a elaboração de uma metodologia projetual de reabilitação que minimize os
entraves e forneça informações quanto às melhores práticas em busca da garantia da qualidade do
projeto.
Palavras-chave: Reabilitação. Processo projeto. Patrimônio edificado.
ABSTRACT
Proposal: To discuss about available requirements for a building rehabilitation design process, to give
subsidies in order to be developed aid-strategies and methodologies. Methods: Will be presented the
main features of the process flow for rehabilitation design, and compare it with one for a new building
project. Findings: The case study analysis shows the complexity of the rehabilitation process as prior
described in the theory presented. Originality/value: Due the complexity of the rehabilitation design
process, this paper deals with a theoretical proposal and a case study to show as hard is this way, but
it can be improved by reducing barriers and a careful compromise among all project partners.
Key-words: Rehabilitation. Project Management. Built Heritage.
10.4237/sbqp.09.038
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1
INTRODUÇÃO
O setor da construção civil é chave para o desenvolvimento sustentável. A construção e a
demolição de edifícios geram, em geral, benefícios sociais e econômicos para a
sociedade( 1), porém podem acarretar impactos nocivos ao meio ambiente. Visando a
minimização dos impactos ambientais decorrentes do processo construtivo, pode-se
considerar que a reabilitação das edificações é uma das estratégias a serem buscadas, pois
o reuso do parque edificado minimiza a produção de resíduos que seriam descartados no
ambiente, reduz o consumo de combustíveis com o transporte de materiais bem como o
gasto energético com a produção dos mesmos. Soma-se a estas considerações, o fato de
que a reabilitação valoriza o patrimônio histórico-cultural de uma região, o genius loci,(2)
evitando a descaracterização das cidades, reforçando o sentimento de identidade dos
habitantes.
Observa-se, entretanto, uma lacuna na literatura sobre procedimentos e técnicas
necessárias para subsidiar os projetos de reabilitação, o que pode ser atribuído ao fato de
que boa parte da atenção vem sendo dirigida aos novos projetos (BURTON; KESIDOU,
2007, p.1) através dos quais os arquitetos buscam a criação de edifícios com alta tecnologia
e baixo impacto ambiental.
Porém, a existência, especialmente nos grandes centros urbanos extensamente ocupados,
de muitas edificações subutilizadas ou mesmo abandonadas, faz com que os arquitetos e
empreendedores comecem a voltar os olhos para os projetos de reabilitação. Assim,
considerando-se a carência de informações quanto às melhores práticas para a execução
destes projetos voltadas para a garantia da qualidade, o respeito à importância históricocultural de alguns edifícios e a exeqüibilidade das operações de manutenção após o edifício
ser reabilitado (OLIVEIRA; MAIZIA; MELHADO, 2008), depreende-se que discutir a
implementação da gestão dos projetos de reabilitação é oportuno e necessário.
Desta forma, este artigo tem como objetivo apresentar as principais características e
entraves do processo de projeto de reabilitação, da escolha do uso até a entrega final da
edificação reabilitada. Como objeto estudo utilizou-se uma edificação histórica, o Solar da
Imperatriz, edificação tombada( 3) localizada no Jardim Botânico do Rio de Janeiro.
2
O PROJETO DE REABILITAÇÃO
O projeto de reabilitação difere do projeto de uma nova edificação devido ao maior grau de
complexidade face à quantidade de elementos que não poderão ser alterados, indo da
implantação e morfologia do edifício até aqueles de valor histórico e artístico.
A reabilitação traz uma série de vantagens, especialmente em se tratando de edificações
em áreas centrais urbanas, onde há transportes e infra-estrutura e não há mais terrenos
disponíveis. Soma-se a isso o fato que o impacto ambiental do patrimônio edificado é menor
se as edificações não são demolidas nem abandonadas, mas reutilizadas. Como afirmam
Grammenos e Russel “The most environmentally benign building is the one that does not
have to be built.” (1997 apud GUIDA; DIMITRIJEVIC; PAGLIUCA, 2008, p.2).
A questão inicial que se apresenta no processo do projeto de reabilitação é a identificação
do tipo de intervenção apropriado para a edificação. Em edifícios preservados há que se
encontrar o ponto ótimo entre a necessidade de implementação de facilidades atuais e a
necessidade de preservação do patrimônio cultural edificado para as futuras gerações pois
“o direito à herança cultural é uma parte integral dos direitos humanos” (ICOMOS, 1998).
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Para atingir esta meta o projeto de intervenção deve ser planejado para que haja um
equilíbrio entre conservação, transformação e utilização assim, uma estratégia apropriada
deve ser definida para compatibilizar a natureza histórica do edifício com os requerimentos
da vida contemporânea (Guida et al., 2003a apud GUIDA; DIMITRIJEVIC; PAGLIUCA,
2008, p.2).
Os projetos de reabilitação poderão ser desenvolvidos para edifícios de valor histórico
(considerados bens culturais) ou não. Assim, o universo das edificações alvo destes projetos
poderá ser dividido em dois grupos: aquelas de valor histórico-cultural, objeto de proteção
ou tombamento e as que são objeto de preservação por diversas razões, sejam elas
afetivas, econômicas ou culturais.
Nas edificações de valor histórico a intervenção será mais restrita e deverão ser respeitadas
as suas especificidades, como bem cultural. Esta intervenção será regida por uma
fundamentação teórica própria “fundamentada e justificada nas cartas patrimoniais se
valendo ainda da experiência e bom senso” (CSEPCSÉNYI; SALGADO; RIBEIRO, 2006). A
intervenção em um edifício não tombado segue regras menos rígidas sendo muito comum o
desenvolvimento de soluções onde o envelope e esquadrias são preservados e o interior
totalmente remodelado.
3
FLUXOGRAMA DO PROCESSO DO PROJETO DE REABILITAÇÃO
Salgado (2008) propõe um modelo para o fluxograma simplificado do processo de projeto
para uma nova edificação onde estão definidas as diversas atividades inerentes ao
processo:
Figura 1 – Fluxograma simplificado do processo de projeto (Salgado, 2008)
O fluxograma do processo de projeto de reabilitação diferirá do projeto para um novo edifício
em vários aspectos. De início deverá haver uma análise do edifício para se caracterizar o
tipo de intervenção possível a ser proposto, considerando-se que “Um projeto de reuso deve
ser desenvolvido com base em um profundo conhecimento técnico e científico dos
componentes que constituem o edifício e na análise dos seus valores de forma a utilizar o
seu potencial para satisfazer as necessidades dos usuários.” (GUIDA; DIMITRIJEVIC;
PAGLIUCA, 2008, p.4)
Em se tratando de uma edificação de valor histórico-cultural somar-se-á às fases do
processo o levantamento histórico e iconográfico( 4) que precederá as outras etapas. Em
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sequência outros diagnósticos deverão ser realizados como levantamentos do estado de
conservação dos diversos elementos do edifício (estrutura e instalações), para se verificar
qual o limite da intervenção de forma a torná-la viável. Cada uma destas fases corresponde
a um passo no processo de decisão podendo envolver atores diferentes.
Pinto e Medici (2008) propõem uma metodologia para a escolha das possibilidades de reuso
de um edifício visando garantir a qualidade e exequibilidade do empreendimento.
Análise do edifício
Fase 1
Análise das leis
nacionais e locais
desempenhos
restrições para a
transformação
Classes de uso
compatíveis
Fase 2
Níveis mínimos
requeridos para
cada uso
Análise das
necessidades de
instalação
Driving uses
Usos
sustentáveis
Fase 3
Usos
compatíveis
Driven uses
Requisitos exigidos
pelo tamanho
Figura 2 – Método para escolha de novos usos compatíveis com edificações existentes (adaptado de:
Pinto e Medici, 2008)
De acordo com os autores, a primeira fase de decisões (Fase 1) consiste na verificação da
compatibilidade entre as características do edifício e as demandas de cada tipologia de
utilização prevista. Esta é efetuada estabelecendo-se uma comparação entre as
características dos diferentes usos previstos para o edifício, considerando os requerimentos
das legislações referentes às normas de desempenho que incidem sobre estes usos. Desta
forma poderia ser feita uma avaliação das modificações necessárias de modo a comportar
os possíveis novos usos do edifício e estabelecer um equilíbrio entre conservação e
modificação, sempre considerando as limitações concernentes à necessidade de
preservação do valor cultural do edifício.
A segunda fase (Fase 2) visa a identificação, dentro da série de categorias de uso tidas
como compatíveis na primeira fase, das novas atividades possíveis para o edifício levando
em consideração as necessidades econômicas e sociais. A análise dos requisitos de
instalação objetiva identificar usos que garantam a sustentabilidade econômica das
intervenções escolhidas (driving uses). Devem ter em conta as comunidades locais e os
usuários em potencial que poderão requerer a implantação de determinadas atividades que,
apesar de não se sustentarem por si mesmas (driven uses), são indispensáveis para
garantir a sustentabilidade social da intervenção.
A terceira fase (Fase 3) se refere à verificação da compatibilidade das novas atividades a
serem instituídas definindo as suas dimensões. As informações a serem comparadas são de
um lado os serviços fornecidos pelo edifício e os obstáculos para sua transformação, e de
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outro as necessidades requeridas pelos possíveis usuários. A aplicação de métodos de
avaliação aos resultados obtidos permite a definição de uma ordem de preferência dentre os
usos compatíveis.
Além do estudo de viabilidade, o responsável pelo desenvolvimento do projeto deve realizar
a análise das diversas características físicas do edifício: implantação, características do
envelope e esquadrias, pisos, forros, e uma verificação do estado de conservação das
instalações elétricas e hidráulicas, estrutura e acessibilidade. A conjunção do estudo inicial e
das características físicas do edifício fornecerá subsídios para a elaboração do projeto de
reabilitação.
Assim, o fluxograma simplificado do processo de projeto de reabilitação assumiria a
seguinte configuração:
AS BUILT
histórico,
implantação,
envelope,
esquadrias,
pisos,
tetos,
instalações,
estrutura,
acessibilidade
etc
Etapas necessárias somente se houver
modificações estruturais no edifício
Figura 3 – Fluxograma simplificado do processo de projeto de reabilitação: adaptado de SALGADO (2008)
A grande diferença está na quantidade de informações a serem levantadas antes do início
das fases de projeto, no estudo de viabilidade, que se torna extremamente complexo. Um
maior número de alterações no projeto ao longo da obra também é esperado já que a
edificação pode “ocultar” uma série de imprevistos que só aparecerão quando houver
intervenção no edifício. Esta característica poderá acrescentar etapas na obra, isto é,
serviços que antes não haviam sido previstos apesar do detalhamento do projeto e reforçará
ainda mais a importância do “AS BUILT” que poderá assumir as feições de um projeto novo,
em comparação ao previsto inicialmente, devido ao grande número de modificações.
Nota-se que o fluxograma não difere muito daquele de uma nova edificação, entretanto, as
diversas fases trazem em seu cerne uma grande complexidade. O processo em ciclos é
uma característica deste tipo de projeto. Segundo Claper e Salgado (2008) as modificações,
especialmente tratando-se de intervenções em edifícios de valor histórico, são esperadas e
freqüentes, além disso, a complexidade do processo que conta com diversos atores e
intervenientes faz com que este necessite de correções constantes. Roders (2006 apud
CLAPER; SALGADO, 2008) afirma ainda que um processo de construção desse tipo se
apresenta como uma “sequência de avanços e retrocessos desde o planejamento até a
ocupação da edificação reabilitada”.
Estas modificações se dão, pois a correspondência entre o previsto em projeto e os
aspectos formais pode-se tornar mais freqüentemente incompatível durante a construção.
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Na impossibilidade de atender simultaneamente dois ou mais requisitos igualmente
importantes o arquiteto deverá optar pelo sacrifício de algum deles. Nesta circunstância, o
processo criativo passará a envolver também a hierarquização de prioridades (SILVA,
1998). A priorização de um ou outro aspecto dependerá de considerações como o respeito à
autoria do projeto do edifício e à sua tipologia arquitetônica.
4
O SOLAR DA IMPERATRIZ
O Solar da Imperatriz, localizado no Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de
Janeiro (JBRJ), é um conjunto edificado tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN). Fazem parte das construções que chegaram aos dias de hoje o
solar propriamente dito, com um pavimento e porão alto, uma capela e uma construção
avarandada que liga os dois edifícios.
Figura 4 – Solar da Imperatriz (Foto: Carlos Zenicola)
Segundo Zenicola( 5) (2008), do século XVIII, época em que o imóvel era simplesmente uma
casa de pau-a-pique, até os dias de hoje a propriedade sofreu várias reformas e mudanças
de uso.
A primeira grande reforma foi feita pelo padre português Domingos Alves da Silva Porto,
arrendatário do imóvel, bem como das terras a sua volta, entre os anos de 1844 e 1875,
transformando a pequena casa em uma construção de pedra e cal, sistema construtivo mais
nobre, largamente utilizado no período colonial. Em seguida, no período entre os anos de
1876 e 1884, o imóvel foi desapropriado pelo governo imperial que ali instalou o Asilo
Agrícola. Para atender ao novo uso os edifícios existentes foram ampliados além de ter sido
construída a capela. Em 1909 mais uma reforma foi executada, desta vez com o objetivo de
adaptar o edifício para servir de residência a duas famílias de administradores do Asilo. A
partir de 1951 foram executadas somente alterações estilísticas nas fachadas para adaptálas ao gosto da época tendo sido o edifício utilizado como sede do Serviço Florestal do
Brasil e posteriormente, entre os anos de 1970 e 1989, pela Fundação Pró-Memória. A partir
de então o edifício permaneceu desocupado até o ano de 1997 quando o JBRJ estabeleceu
uma parceria com a Caixa Econômica Federal para viabilizar o projeto de reabilitação do
imóvel a fim de abrigar a Escola Nacional de Botânica Tropical (ENBT). A obra teve início
em dezembro de 1998 e foi concluída no final de 2001.
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4.1
Etapas da reabilitação
A reabilitação do Solar da Imperatriz foi uma obra complexa por se tratar de uma
intervenção em um bem tombado extremamente deteriorado. Diversos interesses tiveram
que ser equacionados ficando claro que, durante a fase de concepção, o projeto teria vários
clientes, explícitos ou não, que se inter-relacionavam, tais como:
•
a sociedade: por ser um edifício público, em especial tombado, pode-se dizer que,
em última instância, um dos clientes é a nação pela preservação da sua memória;
•
•
o IPHAN: fornecendo diretrizes para o projeto e obra;
o JBRJ: instituição interessada na preservação de seu patrimônio, cujos funcionários
iriam ocupar o espaço realizando as tarefas do dia-a-dia;
a Caixa Econômica Federal: principal financiador da obra (75%);
os alunos da Escola Nacional de Botânica Tropical: que necessitavam de um espaço
propício para o aprendizado e desenvolvimento de pesquisas.
•
•
Fica claro então o grau de importância ao qual este projeto se revestiu envolvendo diversas
áreas do conhecimento e expectativas, até mesmo intangíveis, como a preservação da
memória da nação.
Figura 5 – Solar da Imperatriz – estado de conservação antes da obra
Objetivando a reabilitação do Solar foram então feitas duas licitações públicas, uma para o
desenvolvimento do projeto arquitetônico e outra para a execução da obra. Membros dos
três principais intervenientes constituíram um grupo de trabalho para o acompanhamento do
processo: arquitetos representantes da Caixa Econômica, do IPHAN e do JBRJ.
Conforme esperado à medida que a obra avançava diversas alterações de projeto tiveram
que ser executadas e conseqüentemente etapas da obra foram acrescentadas. Após a
prospecção arqueológica, em cuja área a obra não poderia avançar até a sua conclusão, de
acordo com Zenicola (2009) foram encontradas moedas, utensílios e louças além de
vestígios de uma fonte. Esta prospecção deveria ter sido contratada antes do início do
projeto, mas, por diversas razões, não foi feito. Isto teve como conseqüência a necessidade
da execução da primeira modificação do projeto alterando-se o local previsto para as
máquinas de ar condicionado além dos vestiários e sanitários.
As casas de máquinas de ar condicionado foram transferidas para a parte posterior da
edificação e os serviços para uma área nova no subsolo, anteriormente aterrada, que havia
sido descoberta durante a execução da obra.
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Descoberta de novas áreas no interior do edifício
modifica os dados de entrada do projeto
PL
INÍCIO
histórico,
implantação,
envelope,
esquadrias,
pisos,
tetos,
instalações,
estrutura,
acessibilidade
etc
EV
EP
PN
EV
FIM
EP
AP
PN = programa de
necessidades
LT = levantamento
topográfico
S = sondagem
PE
EPARQ
APARQ
EPEST
APEST
EPINST
APINST
LT
S
OBRA
AS BUILT
EV = estudo de viabilidade
EP = estudo preliminar
PL = projeto legal
AP = anteprojeto
PE = projeto de execução
Modificações na estrutura devidas a não
resistência das paredes em pedra da escada
Imprevistos na execução
da obra obrigam à
modificação dos projetos:
• Arquitetura
• Instalações elétricas
• Instalações hidráulicas
• Estrutura
Serviços não previstos:
• Oficina de pau-a-pique
• Nova técnica de
desinfestação
• Execução de paredes em
técnica tradicional
• Recuperação de
alvenarias
Figura 6 – Modificações no fluxo do processo de projeto em função de imprevistos na obra
O processo de tratamento da infestação de cupins no interior das paredes de pau-a-pique
trouxe outra dificuldade ao processo. O tratamento indicado, aplicação de inseticida líquido,
teve como conseqüência o desmoronamento de uma parede que teve que ser refeita. Para
não descaracterizar o bem o grupo de trabalho optou por reconstruir a alvenaria com a
técnica tradicional, o que foi feito após a realização de uma oficina no canteiro de obras para
ensinar aos funcionários da construtora a técnica do pau-a-pique. A forma de
descupinização teve que ser revista e este serviço foi reiniciado.
Figura 7 – execução de alvenarias de pau-a-pique e recuperação de outras com resina
O projeto da escada para a cafeteria também foi modificado, após se constatar que o apoio
na alvenaria de pedra que constava no projeto não poderia ser feito por razões estruturais
Assim, o calculo estrutural da escada teve que ser refeito.
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Em algumas paredes havia pinturas ornamentais que não poderiam ser destruídas, assim
na impossibilidade da demolição das mesmas, mesmo com sua estabilidade comprometida,
foi injetada resina em camadas para a sua recuperação.
Figura 8 – pinturas ornamentais nas alvenarias internas – original e restaurada
A retirada da argamassa de revestimento externa e sua nova execução com materiais e
técnica tradicionais, da época da construção – cal e areia, foi executada. Para isto foi
instalada uma oficina no canteiro de obras, ministrada por pessoal especializado, para todos
os profissionais atuantes no projeto.
Além da restauração dos elementos históricos, para adequar o edifício ao novo uso
proposto, diversos serviços foram executados sempre tendo em vista a compatibilização
entre estes e a preservação do edifício. Assim unidades de ar condicionado foram instaladas
dentro do telhado e para possibilitar a sua manutenção foi criada uma passarela ao longo de
todo o telhado principal. Foram criadas salas de aula com todas as facilidades dos dias
atuais incluindo instalações de lógica e telefonia, além de um moderno auditório com
instalações de som, iluminação própria e tratamento acústico, onde antes se localizava a
capela. O espaço onde ficava a senzala foi transformado em uma cafeteria.
Figura 9 – fachadas externa e interna do auditório (antiga capela)
Finalmente, depois de contornados todos os imprevistos, a obra foi entregue no final de
2001 sendo ali instalada a Escola Nacional de Botânica Tropical - ENBT.
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ANÁLISE DA INTERVENÇÃO
Apesar de na época do projeto não ter havido uma análise de possíveis usos para o edifício,
destinando-o para a instalação da ENBT, um antigo projeto da instituição que detém o
imóvel, pôde ser constado que o uso foi adequado uma vez que preservou o valor cultural
do edifício e atendeu as necessidades do programa proposto.
Uma vez que o uso dado a uma edificação pode auxiliar na sua preservação ou mesmo
propiciar a sua destruição, a escolha de um uso compatível com as características do
edifício é fator primordial especialmente em se tratando de projetos de reabilitação de bens
culturais. Conforme citado anteriormente, Pinto e Médici (2008) propõem um método para a
escolha de usos compatíveis para edificações existentes. Com o objetivo de confirmar que o
uso dado ao Solar da Imperatriz é compatível com o mesmo, num processo reverso,
aplicou-se o método proposto à obra já executada, podendo-se perceber que na prática a
teoria pôde ser confirmada.
As modificações foram feitas respeitando-se as restrições à transformação do imóvel e,
ainda assim considerando as normas de desempenho requeridas pelo uso escolhido. Por
exemplo, os grandes vãos de ventilação e iluminação, característicos deste tipo de
edificação, favoreceram o cumprimento da exigência mínima da legislação local quanto à
salubridade dos espaços, recomendadas na Fase 1 do modelo.
Uma vez que na Fase 1 o uso pretendido foi considerado compatível, passa-se a análise da
Fase 2: sustentabilidade econômica e social. O imóvel é próprio federal, portanto não existe
pretensão de se auferir vantagens econômicas com a reabilitação do mesmo. Apesar disso,
dois fatores caminham na direção da sua sustentabilidade social e econômica: sua
restauração valorizou o entorno local melhorando e iluminando o acesso que é
compartilhado com uma serie de pequenas e antigas casas melhorando inclusive a
segurança. O aluguel do espaço do auditório, muito procurado por empresas privadas e
governamentais para realização de eventos, associando sua imagem à preservação cultural
é uma conseqüência não prevista que gera recursos para a manutenção do imóvel.
A Fase 3 trata das dimensões das atividades pretendidas. As salas de aula, a área
administrativa e o auditório foram dimensionados de forma a compatibilizar o seu tamanho
com as características históricas do imóvel. Os espaços foram projetados em tamanho
compatível com o edifício não tendo sido demolida intencionalmente nenhuma parede que
pertencesse ao imóvel original.
Assim pode-se concluir que o uso escolhido demonstrou ser compatível com o imóvel uma
vez que foi respeitada a sua característica como bem cultural, suas necessidades de
conservação e de adaptação ao uso contemporâneo.
6
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mesmo sendo uma obra que contou com uma equipe multidisciplinar e um projeto
detalhado, diversos imprevistos e incompatibilidades ocorreram ao longo da mesma,
ocasionando quebra no fluxo esperado de execução. Nestes casos o controle e o
gerenciamento do processo de projeto bem como a existência de uma equipe coesa e
afinada, pertencentes às diversas áreas do conhecimento, são fundamentais de forma a
tratar os imprevistos de forma rápida e eficiente, inclusive considerando o custo da obra.
Todo esse processo, mesmo com os imprevistos durante a construção que geraram as
modificações, vem corroborar a afirmativa de Claper e Salgado (2008) sobre a
especificidade do processo de projeto de reabilitação:
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O processo de reabilitação de um edifício segue uma lógica de construção diferente
daquela seguida por construções novas. Geralmente, são edifícios com materiais e
procedimentos construtivos específicos e que já sofreram diversas intervenções e
diferentes ocupações e usos. Um ambiente tão diverso de atuação como o da
reabilitação, requer um tratamento diferenciado por parte do arquiteto no estágio de
projeto e de construção. Adaptações e ajustes precisam ser realizados no processo de
construção.
A característica própria do processo é reforçada por Roders (2006 apud CLAPER;
SALGADO, 2008) quando afirma que as adaptações no projeto são inerentes ao processo e
importantes para que o passado, presente e futuro estejam inseridos concedendo
temporalidade (lifespan) ao processo.
Desta forma a qualidade do empreendimento e da solução será tanto melhor na medida em
que estas respeitem o bem existente com suas características e as necessidades de
conservação e de adaptação ao uso contemporâneo, para isto é necessário um controle,
planejamento e uma perfeita gestão do processo do projeto de forma a compatibilizar os
interesses dos diversos clientes de um empreendimento desta natureza.
Por fim, o controle da documentação se apresenta como um fator importante desde as fases
iniciais de levantamento histórico e iconográfico do edifício, para subsidiar a determinação
da sua vocação, até a obra com a retroalimentação das informações e as modificações
diversas devidas a ocorrências inesperadas que modificam o projeto.
7
REFERÊNCIAS
BURTON, S. H; KESIDOU, S. Renewables in Refurbishment Projects. 2007. Disponível
em:
<http://www.revival-eu.net/docs/WREC%20IX%20Paper%20Renewables%20in%20
Refurbishments.PDF>. Acesso em agosto de 2007.
CLAPER, J.R.; SALGADO,M.S. Gestão do Conhecimento nas Instituições Públicas: uma
abordagem no projeto de reabilitação de edifícios. In. VIII Workshop Brasileiro. Gestão do
Processo de Projetos na Construção de Edifícios, São Paulo, SP, 2008.
CSEPCSÉNYI, A. C. Gestão da Qualidade em Projetos de Restauração de Edifícios.
2006. 162 f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) – PROARQ, Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.
CSEPCSÉNYI, A. C.; SALGADO, M. S.; RIBEIRO, R. T.M. Análise do Processo de Projetos
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Anais do Simpósio Brasileiro de Qualidade do Projeto no Ambiente Construído
IX Workshop Brasileiro de Gestão do Processo de Projeto na Construção de Edifícios
| 18 a 20 de Novembro de 2009 | São Carlos, SP | PPG-AU EESC USP |
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(1) No Brasil, as atividades de construção e demolição respondem por 10% do PIB e empregam 9,2 milhões de
trabalhadores (Comissão de Economia ..., 2001 apud SILVA, 2003, p.4).
(2) Genius Loci ou o espírito do lugar é um antigo conceito transposto por Norberg-Schulz para a esfera da
arquitetura. O espírito do lugar pode ser definido como os elementos tangíveis (edifícios, lugares, paisagens,
rotas, objetos) e intangíveis (memórias, narrativas, documentos escritos, cores, odores, etc) que concedem valor,
emoção e mistério a um lugar. [...] o espírito do lugar proporciona uma compreensão mais abrangente do caráter
vivo e permanente dos monumentos, sítios e paisagens culturais (ICOMOS, 2008).
(3) O Solar da Imperatriz faz parte do conjunto arquitetônico do Horto Florestal tombado pelo IPHAN – Processo
633-T-73 de 17/12/1973.
(4) Tem como objetivo identificar o valor atribuído ao imóvel; o uso e o programa original; a evolução do bem (os
acréscimos e modificações); o cliente para o qual foi construído e seu perfil; o autor do projeto original e o
construtor, para possivelmente reconhecer outras obras que poderão gerar informações para o conhecimento
dos sistemas construtivos utilizados no prédio; além do reconhecimento do contexto social, político e econômico
da época que também pode fornecer pistas sobre a possibilidade da existência de murais cobertos, materiais,
métodos construtivos e etc (CSEPCSÉNYI, 2006).
(5) Carlos Alberto Zenicola é arquiteto do Jardim Botânico do Rio de Janeiro e fez parte do grupo de trabalho de
acompanhamento da obra de reabilitação do Solar da Imperatriz - entrevista realizada em outubro de 2008.
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