circo reportagem circo reportagem

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circo reportagem circo reportagem
circo
reportagem
O circo é um lugar mágico que nos remete para
a infância e que, geralmente, se associa à época
de Natal. Constituído por artistas que percorrem
o país na incessante procura de uma plateia,
os mestres circenses fazem das arenas e dos
auditórios as suas casas, partilham artes
e juram não trocar por nada o estilo de vida
que escolheram seguir. “Senhoras e senhores,
meninos e meninas”
...bem-vindos às tendas da magia.
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Magia na arena
Texto: Mariana Albuquerque/Marta Almeida Carvalho
Fotos: Chen/Trupilariante
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circo
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A caravana passa, solta-se uma voz a anunciar, em
tom ritmado, a data e local do encontro e, ao som da
música que nos remete para os trambolhões de uma
figura de nariz vermelho, fica a certeza: o circo chegou. A magia do chapiteau mal amanhado, onde as
pessoas são recebidas com tapete vermelho, torna-se
maior no Natal, com números preparados especialmente para a época. Entre gargalhadas e diversas
emoções, o circo é apreciado por adultos e crianças. E
durante o ano, onde se escondem os ilusionistas, palhaços, domadores, cuspidores de fogo e trapezistas
salta-pocinhas?
A vida no circo é efémera. Os artistas chegam,
montam a arena e quando o público já se está a habituar aos cartazes coloridos e ao barulho dos animais,
tudo desaparece. Com a alegria e o esforço diário na
bagagem, as trupes não desistem de procurar um território que as receba de braços abertos. Talvez lhes
esteja no sangue ou seja apenas uma forma de estar
na vida. A verdade é que os artistas de circo afirmam
não trocar a sua profissão por qualquer outra. “Faço o
que gosto e o melhor que sei”, afirma Miguel Chen,
director do circo que adquiriu o nome da família. Criado em 1981, o Circo Chen tem capacidade para três
mil pessoas “comodamente sentadas” e já é conhecido além-fronteiras. O número de artistas que o compõe varia ao longo do ano, oscilando entre os 20 e os
40 elementos. Filho de mãe portuguesa e de pai chi18
nês, Miguel Chen não tem dúvidas de que o sonho de
qualquer artista é “criar um circo”. Com o mesmo
amor pelas artes circenses, mas uma filosofia diferente de apresentação dos espectáculos surgiu, em
1997, a Trupilariante, companhia dedicada ao circo
contemporâneo. No início, os 13 artistas apresentavam as suas performances em jardins públicos, actu-
ando, agora, em espaços variados, com uma programação definida que está a conquistar cada vez mais o
público português.
Vidas flutuantes
De poucas palavras e muita acção, os Chen já não
conseguem viver no mesmo sítio durante muito tem19
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gramação regular como a de uma companhia teatral, e
que a sua itinerância está ligada às actuações que
fazem por todo o país.
Duelo ou complementaridade
po. “A itinerância faz parte da nossa vida e não saberíamos viver de outra forma”, confessou Miguel Chen.
Há um momento de incerteza que afecta toda a companhia antes de cada espectáculo: aquele em que se
aguarda a chegada do público. “Aqui morre-se” é a
frase que ninguém quer ouvir, já que descreve as “más
terras”, onde o público não é suficiente para gerar
lucro. Entre malabarismos, gargalhadas e truques de
magia existe um negócio que depende exclusivamente
da bilheteira como única fonte de receitas. A alimentação dos animais e dos artistas, a luz, a água, o
aluguer do terreno têm um custo diário que está dependente da afluência de público. Assim, o circo viaja
para não morrer enquanto espera pela audiência. Não
há, portanto, outro remédio: nesta área, o segredo é
mesmo “a alma do negócio”. Além da preparação do
espectáculo e dos ensaios, o dia-a-dia no Circo Chen
fica também marcado pela procura de terras e pela
arte de “negociar”. Em Portugal, ao contrário do que
acontece noutros países europeus, as decisões relativas aos pontos de paragem das caravanas são tomadas em cima da hora, tendo em conta as dos circos
rivais. Mas nem a itinerância nem a incerteza são
consideradas problemas para a domadora Verónica
Chen e para Flávio da Silva, que desperta gargalhadas
há já uma década. O palhaço Flávio, que defende a
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filosofia “Vive e deixa viver”, encara o seu desempenho no circo como “um estado de espírito” e não como
uma profissão. A domadora trabalha diariamente com
seis tigres, “como se de cães se tratasse”. Para ambos, abandonar a vida circense está fora de questão.
Ainda que em diferentes moldes, a Trupilariante também lida com a itinerância, percorrendo, centenas de
quilómetros para levar o espectáculo a outros públi-
A relação entre o circo tradicional e o contemporâneo pode ser matéria de discussão, mas, entre os
artistas, a opinião é unânime: os dois estilos não se
anulam, podendo até existir uma “agradável” combinação de géneros. “Essa sensação de duelo existiu
quando o circo contemporâneo estava mal definido.
Hoje, são dois conceitos adaptáveis. Há números de
novo circo que podem perfeitamente ser apresentados
numa arena”, explicou Bruno Henriques, artista da
Trupilariante. “Por hábito trabalhamos em salas, mas,
recentemente, estivemos numa arena e foi uma experiência fantástica”, acrescentou o “homem dos mil
ofícios” que já esteve na pele de malabarista, acrobata, bailarino e actor. Para Carla Frade, o circo tradicional difere do contemporâneo na medida em que apresenta um esquema de espectáculo de “apresentadornúmero”. “Temos uma história e, dentro dela, apresentamos artes circenses”, explicou a artista. “Existe
o ballet clássico e o contemporâneo. Trata-se de um
retrato diferente da mesma dança e o mesmo acontece
no circo: um não anula o outro. Felizmente há público
para todos”. Um dos mais famosos em todo o mundo
é o Cirque du Soleil, uma companhia canadiense de
artes circences e entretenimento de rua, criada em
1984, cujos grandiosos espectáculos, sem animais,
têm por finalidade exercitar a imaginação, incitar os
sentidos e evocar as emoções.
À conquista de aplausos e sorrisos
cos. “O nosso conceito de itinerância é diferente do
circo tradicional porque não temos chapiteau”, afirmou Carla Frade, gestora artística da Trupilariante,
salientando que actuam em auditórios, com uma pro-
Nas arenas ou nos auditórios, todos trabalham no
sentido de conquistar aplausos. Poucos são os que prescindem de um espectáculo no chapiteau, mas é cada
vez maior o número de fãs do novo circo. “As nossas
actuações são uma alegria. Divertimo-nos imenso a
fazer o espectáculo e começa a haver um público familiar que não existia em Portugal”, referiu Carla Frade.
“O avô, o pai e o filho, todos vão gostar porque a
actuação é pensada para as diversas faixas etárias”,
acrescentou a artista. Para Bruno Henriques, o circo
contemporâneo consegue até “criar imaginários mais
profundos”, pelo facto de partir de uma história e não de
actuações isoladas. “No dia-a-dia, há pequenos gestos
gratificantes”. São os sorrisos e os aplausos que dão
aos artistas a sensação de dever cumprido. “O nosso
trabalho é emocionalmente compensador mas complicado a nível financeiro. Apesar de não haver apoios
governamentais, temos o privilégio de fazer o que gostamos”, salientou Carla Frade, que já encara a Trupilariante como uma família. “Passamos mais tempo com
os colegas do que com a família e essa ligação é
importante para um grupo como o nosso”, concordou
Bruno Henriques. Se na trupe de circo contemporâneo
há laços do coração, no Circo Chen, os laços são de
sangue. A tradição de manter os familiares na arte circense é forte e não os há noutras profissões.
Além do público familiar que se deixou conquistar pelo circo contemporâneo, Carla Frade referiu
que a Trupilariante já tem um considerável número
de seguidores que não gostam do circo tradicional
devido à utilização de animais. Apesar da polémica
gerada nos últimos anos, os grandes circos portugueses não estão de acordo com uma legislação
que proíba a utilização ou a reprodução dos animais
no circo, alegando que as espécies são tratadas
com todas as condições.
Nos ultimos anos, esta polémica tem ensombrado
a magia do circo. A sensibilização do público, por
parte de alguns movimentos que defendem a abolição
do uso dos animais por ser “um atentado aos seus
direitos”, tem gerado dicotomias relativamente à questão, havendo quem já prefira o circo contemporâneo
por não ter animais. Q
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