Genética: Causa Comum de Obesidade
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Genética: Causa Comum de Obesidade
Artigo Genética: Causa Comum de Obesidade Ariana Ester Fernandes; Clarissa Tamie Hiwatashi Fujiwara; e Maria Edna de Melo - Grupo de Obesidade e Síndrome Metabólica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. O principal fator responsável pela epidemia de obesidade parece ser a mudança ambiental que promove excesso de ingestão calórica com disponibilidade abundante de alimentos palatáveis e de baixo custo, e desencoraja atividade física, com as facilidades da vida moderna decorrentes da urbanização das cidades e do avanço tecnológico. Entretanto, para a expressão do fenótipo e o desenvolvimento da doença é necessário o ambiente “obesogênico”, num indivíduo geneticamente predisposto. A hereditariedade de uma característica fenotípica resulta tanto do número de genes quanto da variação da expressão de cada um dos mesmos. Tradicionalmente, o modelo ideal para a determinação do componente genético é baseado em estudos de gêmeos, já que os gêmeos monozigóticos têm 100% de seus genes em comum e os dizigóticos, em média 50%. Tais estudos sugerem uma hereditariedade de massa corporal entre 40 e 70%, com uma concordância de 0,7-0,9 entre gêmeos monozigóticos, em comparação com 0,35-0,45 entre gêmeos dizigóticos em obesos. Estes valores não diferem significativamente entre gêmeos criados separados e gêmeos criados juntos, e entre gêmeos criados ou não pelos próprios pais. Com poucas exceções, a obesidade é uma doença complexa e multifatorial. Pesquisas e identificação de variantes genéticas relacionadas à obesidade em grandes populações têm sido desenvolvidas e facilitadas dezembro 2011 – ABESO 54 – 11 através dos avanços na tecnologia de genotipagem e de mapeamentos genéticos, a exemplo dos estudos de associação e rastreamento do genoma - Genome Wide Association, GWA - que permitem a varredura de milhares de polimorfismos de nucleotídeo único (Single Nucleotide Polymorphisms, SNPs) em grandes populações. Alguns desses SNPs mais estudados são apresentados a seguir. Gene Fat Mass and Obesity Associated (FTO) O gene fat mass and obesity associated (FTO) é altamente expresso no hipotálamo, sugerindo um potencial papel do FTO no controle da ingestão alimentar e do metabolismo corporal5. Dentre os SNPs previamente descritos no FTO em relação ao risco de obesidade, a variante rs9939609 (T>A) figura como a mais estudada. Em estudo do tipo GWA compreendendo 19.424 indivíduos europeus, o alelo de risco A confere um peso corporal de 3 kg maior e uma razão de chances 1,67 vezes mais elevada de apresentar obesidade quando comparados a adultos sem o alelo de risco6. Num trabalho com 2.726 crianças, portadores do alelo de risco apresentaram maior IMC e massa gorda, concomitantemente à preferência por alimentos mais calóricos7. Indivíduos portadores do alelo A, provenientes do projeto MONICA, apresentaram maior risco de obesidade (razão de chances de 1,29) quando comparados a indivíduos homozigóticos para o alelo selvagem8, 9. Atualmente, ainda não é bem estabelecido se este locus poderia influenciar a distribuição de gordura em outros grupos étnicos em que os padrões de distribuição de gordura diferem dos europeus e, portanto, os 12 – ABESO 54 – dezembro 2011 resultados serem extrapolados para outras populações. Em 2010, Souza et al., num estudo compreendendo 254 crianças e adolescentes obesos e grupo controle de 46 indivíduos não-obesos brasileiros, não encontrou associação significativa entre o SNP e parâmetros antropométricos e metabólicos, resultado possivelmente atribuído à grande miscigenação da população brasileira e heterogeneidade étnica, sugerindo a necessidade de maiores estudos para compreender os efeitos da variante rs9939609 que pode, eventualmente, estar relacionada à ascendência étnica individual10. Gene do Receptor da Leptina (LEPR) A leptina consiste numa proteína produzida e secretada principalmente pelo tecido adiposo branco, que se destaca pela atividade de regulação da ingestão alimentar e controle do gasto energético através da ação sobre receptores da leptina localizados no hipotálamo11. Estudos demonstraram associações entre variantes genéticas do gene do receptor da leptina (LEPR) e o risco para obesidade, apesar desta relação ainda ser controversa na literatura. Dentre os SNPs descritos no LEPR, o rs1137101 (Gln223Arg) acarreta a substituição de um aminoácido no domínio extracelular do receptor da leptina e está associado à deficiência na sua capacidade de sinalização11. Em mulheres apresentando este SNP foram encontrados valores mais elevados de IMC, massa gorda e nível sérico de leptina12. Adultos jovens portadores do alelo de risco G apresentaram uma variação maior de 5% e 4,5% sobre os valores de IMC e massa gorda, respectivamente, após ajuste para idade e gênero quando comparados a indivíduos homozigóticos para o alelo selvagem13. Em estudo com indivíduos brasileiros foi encontrada frequência do SNP rs1137101 significativamente mais elevada entre os obesos (razão de chances de 1,92)14, assim como em obesos brasileiros foi descrita a associação entre o rs1137101 e o aumento do IMC15, corroborando com a possível influência da variante sobre a regulação do peso corporal. Outros SNPs são menos frequentemente citados na literatura, como o rs8179183 (Lys656Asn), que apresenta uma fraca associação com o IMC em indivíduos obesos16 e com peso normal17, e o rs1137100 (Lys109Arg), relacionado a maior IMC e leptinemia em indivíduos com a variante e uma razão de chances de 1,05 para a obesidade18. Receptores de Melanocortinas Tipos 4 e 3 (MC4R e MC3R) São conhecidos cinco tipos de receptores de melanocortinas (MC1R a MC5R), que estão amplamente distribuídos em tecidos periféricos e no sistema nervoso central. Dentre os receptores, o MC3R e o MC4R estão implicados na regulação do peso corporal, modulando o gasto energético e a ingestão alimentar19. Loos et al., em estudo do tipo GWA realizado com mais de 16 mil indivíduos, identificou o rs17782313 como a variante alélica mais comum próxima ao gene MC4R associado ao aumento de risco para obesidade e aumento de IMC20. Esse SNP também pode estar associado à circunferência abdominal aumentada e aumento da ingestão energética total e, particularmente, gordura saturada21. Entretanto, determinados SNPs no gene MC4R podem apresentar efeito pro- tetor contra obesidade, como a variante rs2229616 (Val103Ile) que está relacionada à diminuição do IMC, circunferência abdominal e hemoglobina glicada, paralelamente ao aumento de colesterol-HDL22 e diminuição em 18% do risco para desenvolver obesidade23. Os polimorfismos no MC3R mais frequentemente estudados são Thr6Lys e Val81Ile, associados à obesidade e níveis aumentados de insulina23. Além disso, portadores destas variantes apresentam menores taxas de oxidação lipídica e maiores taxas de oxidação de glicose em jejum, que podem resultar em uma maior dificuldade em reduzir o peso corporal25. Gene do Fator Neutrotrófico Derivado do Cérebro (BDNF) O fator neutrotrófico derivado do cérebro (Brain-derived neurotrophic factor, BDNF) consiste numa neurotrofina envolvida na proliferação, diferenciação e sobrevivência de neurônios do sistema nervoso central. O BDNF se liga ao seu receptor TrkB no hipotálamo, modulando o metabolismo energético e ingestão alimentar26. Estudos mostram que o BDNF está implicado na etiologia de determinados transtornos mentais e alterações comportamentais. Apesar de ainda controverso, alguns autores sugerem que o SNP rs6265 (Val66Met) esteja relacionado ao desenvolvimento de transtornos alimentares e obesidade, uma vez que acarretaria redução da secreção de BDNF em sua forma madura e ativa. Um estudo mostrou a associação positiva entre o rs6265 e obesidade em mulheres e crianças e IMC mais elevado em estudo recente do tipo GWA27-29. Xu et al. demonstrou que ratos com deficiência na sinalização do MC4R apresentam supressão da hiperfagia e ganho excessivo de peso por meio da infusão central de BDNF, sugerindo a propriedade anorexígena do BDNF30. A relação de alguns estudos que associam outros SNPs e obesidade é apresentada na Tabela abaixo. Pacientes obesos com diagnósti- co de mutação em um único gene ou que preencham critérios para alguma síndrome genética representam apenas uma pequena fração da população obesa. Assim, para a maioria dos pacientes tais achados genéticos não explicam a magnitude do problema de saúde pública que essa doença representa. A obesidade é um fenótipo complexo e multifatorial e a variação interindividual desses fenótipos resulta da ação e interação de múltiplos genes e fatores ambientais. As estratégias que têm sido utilizadas na pesquisa de variantes genéticas que predisponham à obesidade comum e a variações na quantidade e distribuição da gordura corporal, comparam grupos de indivíduos de acordo com algumas variáveis, que podem ser medidas antropométricas, medidas bioquímicas, achados de exames de imagem ou avaliação de gasto metabólico. É esperado que, no futuro, os testes genéticos possam rastrear a população para predizer o nível de risco individual para o desenvolvimento da doença. c Tabela. Efeito de Variantes Genéticas sobre o IMC. SNP rs2815752 rs2568958 rs6548238 rs7561317 rs7498665 rs7566605 rs4712652 rs7138803 rs29941 rs11084753 Gene mais próximo NEGR1 NEGR1 TMEM18 TMEM18 SH2B1 INSIG2 PRL BCDIN3D/FAIM2 CHST8/ KCTD15 KCTD15 Efeito sobre o IMC +0.10 kg/m² por alelo de risco A1 +0.43 kg/m² para genótipo AA2 +0.26 kg/m² por alelo de risco C1 +0.70 kg/m² para genótipo GG2 +0.15 kg/m² por alelo de risco G1 +1.00 kg/m² para genótipo CC3 +0.031 kg/m² por alelo de risco A4 +0.54 kg/m² para genótipo AA2 +0.46 kg/m² para genótipo CC2 +0.06 kg/m² por alelo de risco G1 NEGR1: neuronal growth factor regulator 1; TMEM18: transmembrane protein 18; SH2B1: SH2B adaptor protein; INSIG2: insulin induced gene 2; PRL: Prolactina; BCDIN3D: BCDIN3 domain containing; FAIM2: Fas apoptotic inhibitory molecule 2; 1; CHST8: carbohydrate (N-acetylgalactosamine 4-0) sulfotransferase 8; KCTD15: potassium channel tetramerisation domain containing 15. dezembro 2011 – ABESO 54 – 13 Referências Bibliográficas 1. 2. 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