Abuso e a Exploração Sexual de Menores na Guiné
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Abuso e a Exploração Sexual de Menores na Guiné
REPUBLICA DA GUINÉ-BISSAU INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISA - INEP - UNICEF INSTITUTO DE MULHER E CRIANÇA TÍTULO: “Abuso e a Exploração Sexual de Menores na Guiné-Bissau” Coordenação: João Ribeiro Butiam Có. Consultores: João Ribeiro Butiam Có (Sociólogo). Paulina Mendes (Socióloga). Colaboradores: Fodé Abulai Mané (Jurista). Carlos Cá (Técnico - Animador). Mencham Borja Funy (Estatístico) Documento provisório Dezembro de 2006. Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISA - INEP – TÍTULO: “Abuso e a Exploração Sexual de Menores na GuinéBissau” . “CENTRO DE ESTUDOS SOCIOECONÓMICOS DO INEP” (CESE) MORADA DO INEP: Complexo Desportivo, 14 de Novembro, Bissau – República da Guiné-Bissau. Caixa Postal, n.º 112 – Bissau. Telefone: 00245 25 18 67. Fax: 00245 251125. Nota: Toda crítica a este trabalho, pode ser enviada para a morada indicada, ou para: [email protected]. [email protected]. [email protected]. [email protected]. 2 Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. Agradecimentos: O INEP agradece ao UNICEF e IMC; Ao Comissariado da Policia da Ordem Pública; A REJE; a AMIC; a RENLUV; A INDE – Inter-cooperação e Desenvolvimento; SOS – Crianças; Pela a realização deste trabalho. 3 Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. Prefácio Por Representante do UNICEF Bissau 4 Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. Índice Geral Agradecimentos: ........................................................................................................................ 3 Prefácio ...................................................................................................................................... 4 Introdução…………………………………………………………………………………..16 Capítulo I - Enquadramento Geral…………………………………………………………….17 1.1.A situação Mundial.………………………………………………………………………17 1.2.O Contexto africano………………………………………………………………………21 1.3. O enquadramento da Guiné-Bissau ................................................................................... 20 1.3.1 A população e o contexto socio-económico e cultural .................................................... 20 1.3.2. Realidade e vulnerabilidades dos indicadores ligados á crianças .................................. 21 2. Objectivos do estudo ............................................................................................................ 23 2.1. Tarefas a desenvolver no estudo ....................................................................................... 24 3. Metodologia ......................................................................................................................... 30 Capitulo – II – Os conceitos de abuso e exploração sexual e os seus co-factores ................... 25 1.O conceito de abuso sexual de menores ................................................................................ 25 2. O conceito de exploração sexual de menores....................................................................... 27 3. Os co-factores e as diferentes formas de violação……………………………………….....35 4. O poder, a força e a dominação nas relações de abuso e exploração ................................... 29 Capitulo III – A descrição demográfica dos actores envolvidos no abuso e a exploração sexual sexual de crianças……………………………………………………………………………..40 1. A produção de bens e consumo como elemento a considerar .............................................. 31 2. Os factores sociais e culturais/religiosos como determinantes ............................................ 33 3. As identidades do violador e da vitima: uma realidade duas caras ………………………..46 4. A perversão sexual na comunidade silenciosa ..................................................................... 39 Capitulo IV – O abuso e a exploração sexual de menores – amplitude e impactosnacomunidade e na família………………………………………………………. 41 1. A dimensão do fenómeno na comunidade……………………………………………… 41 2. O caso entre os jovens: entre a violação e o consentimento ................................................ 45 3. Os movimentos pendulares das crianças Talibés: trafico e/ou exploração sexual ............... 46 4. As diferentes práticas culturais da dissimulação do abuso e da exploração sexual de menores .................................................................................................................................................. 48 Capitulo V – As instituições e instrumentos júridicos de protecção de menores na GuinéBissau ....................................................................................................................................... 50 1. As instituições ligadas á protecção e defesa de crianças ...................................................... 50 2.Os instrumentos jurídicos de protecção contra o abuso e exploração sexual da criança ...... 52 2.1. Instrumentos júridicos internacionais ............................................................................... 52 Declaração Universal de Direitos Humanos/Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos .................................................................................................................................................. 52 5 Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. Convenção dos Direitos das Crianças ...................................................................................... 53 2.2.2. Instrumentos Jurídicos nacionais ................................................................................... 53 Constituição da República........................................................................................................ 53 Código Penal ............................................................................................................................ 54 Lei Orgânica do Tribunal de Sector ......................................................................................... 54 3. Entre a legislação e os imperativos culturais e sociais: o efeito “Djocorenda” ................... 55 Conclusão. ................................................................................ Error! Bookmark not defined. 1. Recomendações para a implementação de um programa nacional na Guiné-Bissau de combate ao abuso e exploração sexual de menores ................................................................. 58 Bibligrafia Anexos Acrónimos ACPI – Acción contra la Pornografía Infantil. ALTERNAG – Associação Guineense de Estudos e Alternativas. AMIC – Associação Amigos da Criança. ANP – Assembleia Nacional Popular. ANPP – African Network for Prevention and Protection against Child Abuse and Neglect. ATSEC – Action against Trafficking and Sexual Exploitation of Children. BAD – Banco Africano para o Desenvolvimento. BICE – Bureau International Catholique de L´enfance. BM – Banco Mundial. CAAMI – Centro Nacional de Coordenação da Acção Anti-Minas. CC – Código Civil. CCPCR – Cambodian Centre for the Protection of Children’s Rights. CDC – Convenção dos Direitos das Crianças. CEDAW – Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres. CEDEAO – Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental. CEDECA – Centro de Defesa da Criança e de Adolescente de Ceará. CGPOP – Comissariado Geral da Polícia de Ordem Pública. CIOJ – Centro de Orientação Jurídica. CNLCPN – Comité Nacional de Luta Contra as Práticas Nefastas. COTN – Children of the Nights. CP – Código Penal. CPMC – Comissão Parlamentar de Mulher e Criança. CPP – Código do Processo Penal. CRGB – Constituição da Republica da Guiné-Bissau. CSEC – Commercial Sexual Exploitation of Children. DCI – Défense des Enfants International. DENARP – Documento Estratégico para a Redução da Pobreza. DUDH – Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos Povos. ECPAT – Rede contra a Prostituição Infantil, a Pornografia Infantil, e Tráfico de Crianças para fins Sexuais. 6 Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. EPT – Educação para Todos. FMI – Fundo Monetário Internacional. FNUAP – Fundo das Nações Unidas para a População. HCDH – Declaração Universal dos Direitos Humanos. IAST – Initiative against Sexual Trafficking (USA). ILAP – Inquérito Ligeiro para a Avaliação da Pobreza. ILO – Internacional Labour Organisation. IMC – Instituto da Mulher e Criança. INDE – Inter cooperação e Desenvolvimento (ONG portuguesa). INEC – Instituto Nacional de Estudos e Censo. INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa. INTERPOL – International Criminal Police Organisation. IPEC – International Labour Organisation’s Program on the Elimination of Child Labour. ISPCAN – International Society for Prevention of Child Abuse and Neglect. IST – Infecções Sexualmente Transmissíveis. LOTS – Lei Orgânica dos Tribunais de Sector. MGF/E – Mutilação Genital Feminina/Excisão. MICS – Indicadores Múltiplos para as Células de Seguimento. MINSAP – Ministério de Saúde Pública. NCCM – National Council for Childhood and Motherhood (Egypt). NCCWD – National Commission for Child Welfare and Development (Pakistan). NEPAD – Nova Parceria para o Desenvolvimento da África. NLTPS – Estudos Nacionais Prospectivos a Longo Prazo. OCV – Órfãos e Crianças Vulneráveis. OHADA – Organização para a Harmonização em África dos Direitos dos Negócios. OIT – Organização Internacional do Trabalho. OMD – Objectivos do Milénio para o Desenvolvimento. OMS – Organização Mundial da Saúde. ONG – Organização Não Governamental. ONU – Organização das Nações Unidas. ONUSIDA – Organização das Nações Unidas para a SIDA. PDRRI – Programa de Desmobilização, Reinserção e Reintegração. PIDH – Pactos Internacionais de Direitos Humanos. PNLS – Programa Nacional de Luta contra a SIDA. PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. REJACA – Rede de Jornalistas Amigos das Crianças. REJE – Rede de Jovens Educadores. RENLUV – Rede Nacional de Luta Contra Violência. TPI – Tribunal Penal Internacional. SAB – Sector Autónomo de Bissau. SIDA – Síndrome Imunodeficiência Adquirida. SIM – Saúde Materno Infantil. UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância. VIH – Vírus de Imunodeficiência Humana. WAO – Afrique – World Association for Orphans Afrique. 7 Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. Glossário Aborto – perda dum feto. Abstinência – significa, nesta acepção, a continência sexual de vez em quando, ou de modo duradouro. Abusador – individuo que usa do seu poder para cometer um acto de abuso. Abuso - mau uso; uso demasiado; exorbitância de atribuições; ultraje ao pudor; (Do lat. abösu-, «utilização demasiada de uma coisa»). Abuso emocional – acção não física que pode prejudicar o funcionamento comportamental, cognitivo, emocional ou físico das crianças. Abuso de poder - uso abusivo do poder por autoridade, quando não tem essa competência ou excede a que tem. Abuso de direito - uso excessivo do direito que a lei confere. Abuso sexual – acto de relação sexual por determinantes do uso do poder ou força. Abuso sexual doméstico - acto de relação sexual por determinantes do uso do poder ou força que ocorre normalmente no seio da família e/ou comunidade. Abuso sexual extra-familiar acto de relação sexual por determinantes do uso do poder ou força que ocorre normalmente fora do seio/meio familiar e/ou comunitária. Abuso sexual incestuoso - acto de relação sexual por determinantes do uso do poder ou força que ocorre entre indivíduos da mesma linhagem consanguínea. Abuso sexual inter-geracional acto de relação sexual por determinantes do uso do poder ou força que ocorre entre indivíduos de gerações diferentes e/ou próximas. Abuso sexual intra-familiar – acto de relação sexual por determinantes do uso do poder ou força que ocorre normalmente no seio da família ou grupo de pessoa de mesma linhagem consanguínea. Abuso sexual sensorial – acto de violência sexual sem que haja contactos físicos. Abuso sexual verbal – acto de uso de palavras ofensivas e nocivas devido a determinantes do uso do poder ou força entre indivíduos de diferentes sexos. Aceleração – aceleração do desenvolvimento; refere as crianças que crescem mais e a maturidade biológica (puberdade) é marcadamente mais prematura. Adquirido – que não é herdado dos pais através dos genes, mas que provém do ambiente. Adolescência – fase de crescimento até aos 12 ou 14 anos de vida. Período de crescimento que se situa entre o fim da puberdade e a independência social completa. Adolescente prostituído (a) – quando um individuo com idade de adolescência é obrigado a comportamento de prostituição. Adolescente prostituto (a) quando um individuo com idade de adolescência é identificado com comportamento de prostituição. Afectação – é uma defesa exagerada contra tudo o que se relacione com a sexualidade. Na afectação, é evidente o alcance do instinto sexual, tanto a regiões do corpo que não têm nada a ver com os órgãos genitais como também aos refinamentos eróticos e sublimações, como a uma conversão. Agressão – consiste em um indivíduo atacar (fisicamente ou verbalmente) outrem para fins próprios. Há prazer de agredir. Juntamente com destruição, o prazer de destruir, a agressão provém, segundo os psicanalistas, dum instinto que reage contra os instintos de conservação da vida, as que se confunde com eles nas diversas situações. Agressão física – quando é de natureza e aplicação do corpo, do físico. Agressão sexual – consiste em um indivíduo atacar (fisicamente ou verbalmente) outrem para fins próprios, divido a diferenciação de força ou género. Alcaiote – ver alcoviteiro. Álcool – Este estimula o desejo muito embora poder-se-á enfraquecer a potência, segundo diz uma frase antiga. Em pequenas quantidades, actua de modo estimulante sobre o sistema nervoso vegetativo e dilata os vasos sanguíneos. Alcoviteiro – corretor de prostitutas; alcaiote. Alcovitar, auxiliar em relações amorosas; inculcar. Algolagnia – perversão da sensibilidade dos que sentem prazer na dor; sadismo; masoquismo. Aliciamento – consiste em tentativa de atracão de um indivíduo a outrem com falsas promessas. Ambivalência – Significa a ambivalência de experiências e sentimentos que perpassam em toda a vida psíquica do homem. O caso mais flagrante é a transformação do amor em ódio ou o contrário, ou até 8 Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. uma coincidência dos dois extremos, amor-ódio. Ameaça – é anunciar a outrem, com o intuito de lhe incutir receio, terror, insegurança, que lhe vai ser causado qualquer mal; manifestar a intenção de produzir um mal que, além de injusto, constitui crime; intimidar; pôr em perigo. Amigos das crianças – Nome dado aos homens e as mulheres que se sentem atraídos erótica e sexualmente para as crianças (pedofilia). Anomalias de perversões sexuais – são impulsos sexuais incontroláveis; ver outros conceitos hermafroditismo, gerontofilia, exibicionismo e pedofilia. Anomalias psicossexuais evolutivas – tem a ver com a puberdade precoce ou tardia; sendo uma das consequências da violência em menores. Assédio sexual – conjunto de operações que visam a conquista do outrem para fins sexuais. Atentado violento ao pudor – consiste num acto extremo de assédio sexual incluindo violência. Acto sexual – interacção física sexual entre dois indivíduos. Atributos físicos – formas corpulentos atraentes, as vezes manifestadas nos indivíduos independentemente da faixa etária. Bigamia – casamento duplo, diferente de casamento múltiplo (poligamia). Bordel - casa de prostituição; lupanar; alcouce. Bullying - é usar o poder ou força para intimidar ou perseguir os outros. Cabaré – lugar ou estabelecimento onde se servem bebidas e se dança. Castidade – virtude moral que regula, dentro de normas naturais, religiosas e sociais, a abstenção dos actos sexuais; pureza; virgindade; honestidade. Captura – acto ou efeito de captura, rapto; acontece normalmente na exploração de menores. Cárcere privado – cadeia, ou quando o raptado está ao belo prazer do raptor. Casamento – união sexual entre duas pessoas adultas, aprovada e reconhecida socialmente, com objectivo de procriação. Casamento Consanguíneo – união entre parentes do mesmo sangue (sucessivo de geração para geração). Casamento em grupo – é um casamento em que vários homens casam em simultâneos com varias mulheres. Casamento precoce – união matrimonial que acontece em várias tradições asiáticas e africanas entre menores e adultos. Castigos físicos – resultado de agressão ou de abuso que um menor ou indivíduo pode sofrer. Chantagem – são coações sob ameaças, obrigando outrem a revelar ou esconder algo, ou informações. Cleptomania – desejo de roubar devido a motivos sexuais inconscientes. O roubo encarado como a tomada de posse sexual e a excitação que o acompanha é um substituto da excitação sexual. Clítoris – É o órgão sexual mais intensamente estimulável da mulher. Colo – É o nome dado as duas mamas femininas em conjunto. São igualmente designadas por busto ou peito. Cio - manifestação do apetite sexual, nos animais, nas épocas próprias da reprodução; brama. Coação – acto de coagir; imposição a outrem; constrangimento que se impõe a alguém para que faça, deixe de fazer ou permita que se faça alguma coisa contra o seu consentimento. Comércio sexual – quando se refere a troca e venda de indivíduos em actividades sexuais. Compulsão sexual – consiste quando um maior ou adulto obriga ao menor aos seus desejos sexuais. Comunicação perversa - é uma anti-comunicação, um monólogo que tem por objectivo ocultar, confundir, amedrontar, manter o poder, através de não-ditos, silêncios, reticências, subentendidos Complexo de Electra – Designação aplicada as atitudes duma mulher derivadas do seu amor pelo pai e da sua rivalidade com a mãe. Concepção – É a fecundação do ovo, que se produz através do acto sexual ou por processos artificiais. Consanguinidade – Casamento e procriação entre parentes de sangue em muitas gerações sucessivas. Contos para crianças – São o sedimento de velhíssimas experiências, desejos e medos. Neles desempenham um grande papel o comportamento em relação as necessidades sexuais e em relação ao sexo oposto. Contracepção – é um método, que se adoptado quando a relação sexual não visa a procriação. Consentimento sexual– quando acto de relação sexual é produto de acordo entre os envolventes. Cooptação – cooptar; agregar; admitir numa corporação com dispensa das formalidades da praxe. 9 Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. Celibato – não contracção do matrimónio. Cerimónia – práticas tradicionais, culturais de diferentes grupos étnicos do país. Circuncisão – ablação do prepúcio do membro masculino. E, remoção do clítoris nas mulheres. Coito – introdução do membro masculino na vagina. Concubinato – significa uma comunidade de habitação e sexual sem a celebração formal do matrimónio. Tal como dormir juntos significa uma comunidade de habitação e sexual sem a celebração formal do matrimónio. Cunnilingus – contacto dos órgãos sexuais femininos feito com a boca e a língua dum parceiro. Decote – É a abertura do vestuário feminino junto ao pescoço ou nas costas (derivado do francês collet = colarinho). O que uma mulher pode ou não mostrar depende da sua cultura e da sociedade em que vive. Degenerado – Nome dado a todas as formas de comportamento e sensações sexuais que se desviam duma norma preconcebida. Desfloração – a perda da virgindade, portanto, o acto de rasgar o hímen, normalmente no acto da primeira relação sexual. Direitos – conjuntos de normas de protecção e defesa dos indivíduos instituídos legislativamente. Dívida – são obrigações ou dever moral estabelecidos entre dois ou mais pessoas. Doenças venéreas – (gonorreia, sífilis, cancro venéreo), são principalmente transmitidas de indivíduo para indivíduo por meio do acto sexual. Dominação – quando uma força ou poder é exercido sobre outro; é uma relação que acontece entre o abusador (adulto) e o abusado (menor). Donjuanismo – é o modo de comportamento dos homens que andam muito tempo à caça de novas conquistas (mulheres). Erotomania – Saudade desmedida do amor. Entendese tanto uma paixão doentia, que existir mesmo sem apetite sexual consciente, como também uma fonte sexual canina, no género do donjuanismo, da ninfomania e da satíriase. Ejaculação – é a libertação de esperma do homem no clímax sexual da relação, do coito ou da masturbação. Emissão nocturna – primeiras ejaculações no rapaz. Endogamia – casamento dentro duma determinada parentela ou casta, ou nos arredores, locais, que se contrapõe à exogamia, ou casamento entre estranhos. Escândalo público – uma acção obscena, reprimida pela cultura de determinado povo. Erotismo – são jogos ou preocupações sexuais patologicamente exageradas; (psican.) termo que designa a aptidão da excitação e da actividade de certas zonas corporais para se acompanharem de prazer sexual (erotismo genital, oral, cutâneo, etc.). Escopofilia – ver Voyeurismo Estupro - atentado contra a virgindade da mulher; desfloração; violação; coito forçado. Excitação - exaltação; irritação; fenómeno físico ou químico que actua sobre um indivíduo e provoca da sua parte uma reacção; (fisiol.) manifestação de uma reacção do organismo a uma estimulação eficaz; acção de um estímulo sobre uma extremidade nervosa sensitiva. Excisão – consiste na corte ou ablação parcial ou total dos lábios dos órgãos genitais femininos. Educação sexual – refere a ensinamento correspondente a toda a acção e relacionamento sexual. Endogamia - fecundação realizada entre gâmetas que estão separados, mas que tiveram origem comum (no mesmo invólucro celular); autogamia; pedogamia; casamento entre parentes próximos. Exibicionismo – é o impulso de expor a sua própria natureza sexual. Exogamia – casamento fora do circulo habitual, que se contrapõe à endogamia. Exploração sexual – actividade económica referente a venda de indivíduos para fins de actos ou relacionamento sexual. Extermínio – exterminar; expulsar para fora dos termos, dos limites; acabar com; destruir; extirpar; aniquilar; banir; expatriar; desterrar; degredar. Família – conjunto dos ascendentes, descendentes, colaterais e parentes da mesma linhagem. Fanado – consiste no corte de prepúcio ou da parte genital feminina, praticado por diferentes grupos étnicos como passagem da fase jovem para adulta. Fantasia sexual – desejo psicologia de realizações sexuais fora do alcance normal. Fecundação – é a fusão duma célula feminina (o ovo) com uma célula sexual masculina (o espérmio) numa nova célula que evolui, por meio de 10 Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. decisões sucessivas, até formar um ser independente. Felação – acto de chupar no membro masculino (pénis). Filme/Foto Pornográfico – imagem que revelam actos de relação sexual. Genital – Relativo aos órgãos sexuais. Os actos sexuais genitais são o coito, a pedicação, a masturbação, a felação e o cunnilingus. Gerontofilia – inclinação excessiva de adultos a pessoas mais novas para relações amorosas e/ou sexuais. Gigolô – Individuo que vive a custa de uma prostituta; rufião (do Francês Gigolo “amante”). Glande – É a parte dianteira, um pouco grossa, do pénis masculino ou do clítoris feminino; cientificamente, tem o nome de glans. Gozo sexual – é o prazer que advém depois de um acto ou contacto sexual. Hermafroditismo – individuo com dois órgãos sexuais. Heterossexualidade – orientação do instinto sexual para o sexo oposto. Hiperotismo – exaltação ou impulsividade sexual sem freio, que no homem chamase satiríase e na mulher, ninfomania. Homossexualidade – o instinto sexual, quando se dirige a pessoas do mesmo sexo. Incesto – designação depreciativa e pouco objectiva para as relações sexuais proibidas entre parentes próximos, sobretudo entre pai e filha, mãe e filho ou irmão e irmã. Pode também estenderse a outra linhagem consanguínea. Incitação – acto ou efeito de incitar; impulso estimulante; excitação; provocação; exortação; incitamento. Indústria pornográfica – actividade económica referente as instituições de publicidade pornográfica e consequente vendas de indivíduos envolvidos na exploração sexual. Indolência – indiferença (sexual). O indivíduo sexualmente indolente não se opõe a um encontro sexual. Infidelidade – relações sexuais extraconjugais. Iniciação – começo da relação sexual por parte dos adolescentes. Lascivo – Animado, desenfreado, preponderante na relação sexual; hoje refere-se quase só à atracção erótica de significado duplo. Legislação - colecção de leis de um país; conjunto de preceitos legais que regulam certa matéria. Levirato - costume, pelo qual a viúva é “herdada” pelo irmão do falecido marido. Libido – desejo, particularmente desejo sensual; para Freud (médico austríaco, 1856-1939), energia dos instintos de vida que se reparte entre o eu (libido narcisista) e os objectos ou as pessoas (libido objectal); para Jung (médico suíço, 1875-1861), energia psíquica, seja qual for o seu objecto. Masochismo – Prazer sexual na dor. Masturbação – provocar em si próprio prazeres sexuais sem o concurso real de outrem; ou a excitação dos órgãos sexuais com a mão. Matriarcado – define um estado social, no qual as mulheres casadas, e por vezes as mais velhas do clã, detêm o comando da autoridade. Matriarcal – ver matriarcado Maus-tratos - uma das componentes de abuso sexual ou violação de direitos de outrem. Menarca – É o início da masturbação na puberdade. Ou primeira menstruação das raparigas. Menstruação – perda mensal de sangue do útero da mulher sexualmente madura. Mercado – é o espaço abstracto onde se dá a comercialização. Mercado do sexo – é o espaço abstracto onde se dá a comercialização de actividades que envolvem acto sexual. Mercadoria – são objectos de compra e venda; no caso do turismo infantil, os menores raptados, são considerados de mercadoria na transacção. Metatropismo – Expressão utilizada para indicar o rompimento com papéis sexuais tradicionais do homem e da mulher. Monogamia – forma corrente de coabitação em que só é aceite a união matrimonial entre um homem e uma mulher, não podendo nenhum dos cônjuges contrair legalmente novo casamento enquanto o primeiro não for dissolvido. Morança – conjunto de habitação ou casas de um grupo de indivíduos que ser da mesma linhagem consanguínea e/ou pertença étnica. Mutilação Genital – consiste na ablação parcial ou total dos lábios genitais femininos; é também considerado de práticas nefastas. Narciso - Um Narciso, no sentido de Narciso de Ovídio, é alguém que crê poder encontrar-se no espelho. Sua vida consiste em buscar seu reflexo no olhar dos outros. Necrofilia - aberração da sexualidade que leva à profanação de cadáveres. Ninfomania - exaltação ou impulsividade sexual sem freio, manifestada na mulher. Obsceno – Significa o mesmo que escandaloso, indecente; antes de mais, aplica-se a tudo 11 Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. aquilo que provoca emoções sexuais e ao mesmo tempo fere os sentimentos de vergonha. Opressão - acto ou efeito de oprimir; estado de quem ou daquilo que se acha oprimido. Pajem – É o rapaz ou jovem que serve como criado. Na relação erótica entre uma senhora e o seu pajem, ela pode encarar o seu parceiro como um brinquedo, mas também transformar-se na sua professora de amor. Perversão – Está quase sempre ligado a anomalias do comportamento e sensações sexuais. A importância das palavras perverso, perversão e perversidade tem tendência a vacilar, e a opinião preponderante sobre elas foi um pouco modificada nas últimas décadas. Polimorfo-perverso – Nome dado por Freud às disposições essenciais que a criança traz consigo quando nasce. Poluçao – É a ejaculação involuntária, geralmente durante o sono. Pacto de silêncio – quando o agressor ou violador, por razões convence o violado a não testemunhador a violação. Parafilia sexual – representa expressão de fantasias, desejos e impulsos sexuais incontroláveis e compulsivos de quem é passível de violar sexualmente uma vítima. No acto o violador impõe seus desejos à vítima, podendo causar danos psicológicos e físicos. Pedofilia - atracção sexual mórbida do adulto pelas crianças. Pedófilo – individuo (adulto) que prática a pedofilia. Pedogamia – ver endogamia. Penetração (vaginal, anal) – acto de consumação sexual, quando qualquer objecto (peça) sexual é introduzido na vagina ou no ânus de um individuo. Perversão sexual – é a actuação do impulso sexual com determinado objecto e fins que foram socialmente proibidos. Poder - é uma força que alguém tem e que a exerce visando alcançar objectivos previamente definidos. Patriarcado – é uma forma de organização familiar em que a autoridade é reconhecida e atribuída ao chefe de família, geralmente o pai mais velho do grupo familiar. Patriarcal – ver patriarcado. Poliandria – uma mulher que tem ao mesmo tempo vários esposos. Poligamia – é um modo de união matrimonial em que uma pessoa de um dos dois sexos está unida com várias pessoas do sexo oposto. Poligenia – prática de casamento ou de união onde um homem que tem (vive) ao mesmo tempo com várias mulheres. Pornografia - arte ou literatura que tem por assunto actos obscenos; devassidão. Pornoturismo – quando imagem e assunto actos obscenos ou de sexo são comercializados aos turistas. Práticas sexuais – qualquer que seja comportamento que envolve relacionamento sexual. Prazer sexual – satisfação fisco e psíquico que advém do relacionamento sexual. Preludio – Nome dado aos preliminares da união sexual. Podem começar com uma soirée festiva a dois, podem sofrer um importante aumento com o despir e atingir o seu ponto máximo nos contactos físicos íntimos. Prestação de serviços sexuais – quando um individuo é considerado prostituto; ou vive sob entrega sexual aos poderosos. Priapismo - Erecção forte, persistente, anormal do pénis, muitas vezes dolorosa, por motivo patológico. Procriação – acto de reprodução sexual. Promiscuidade – troca frequente de parceiro sexual. Prostíbulo – casa de prostituição; bordel. Prostituição – entrega sexual a estranhos contra o pagamento. Prostituição de hospitalidade – partilha do parceiro ou parceira com pessoas hospedes. Prostituição infanto-juvenil – entrega sexual de indivíduos com a idade ainda de menores a estranhos contra o pagamento. Prostituto(a) – individuo que prática actos de prostituição. Pode ser por ou sem vontade própria. Proxenetismo – profissão de proxeneta. Proxeneta – pessoa medianeira em negócios amorosos com o fim de obter rendimentos. Punições – acto ou efeito de punir; lutar em defesa de alguém ou algo. Rapto – acto ou efeito de raptar alguém, seja por sedução seja por violência. Recalcamento - acto ou efeito de recalcar; (psican.) defesa automática e inconsciente pela qual o, eu rejeita uma motivação, uma emoção, uma ideia, penosa ou perigosa, e tende a dissociar-se delas; recalque; resistência. Redes – conjuntos de indivíduos e instituições que trabalham em sintonia para fins comuns (seja para bons e maus ofícios). Relação sexual – é a relação exercida entre dois indivíduos onde há contactos corporais com satisfação sexual. 12 Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. Relação sexual forçada – quando a relação estabelecida entre dois indivíduos com contactos corporais e com finalidade de satisfação sexual não é de consentimento de as partes. Repressão - rejeição consciente de uma solicitação psíquica; recalcamento. Rufianismo – tem a ver com indivíduos alcoviteiro; corretor de prostitutas; alcaiote. Sadismo – perturbação do instinto sexual em que a satisfação sexual só pode alcançar-se, infligindo violências ou sevícias a outrem; por extensão, perversão que consiste em tirar prazer do sofrimento alheio. Satiríase - estado patológico de sobreexcitação sexual masculina; o m. q. priapismo e satiromania. exaltação ou impulsividade sexual sem freio manifestado no homem. Sedução - acto de seduzir ou de se deixar seduzir; suborno; toda a manobra tendente a vencer a resistência da mulher ou outrem à prática do acto sexual. Segredo familiar – quando uma informação é contida dentro do perímetro familiar, evitando a sua fuga. Sensualidade – tem a ver com a capacidade de persuadir a um acto; lúbrico; lascivo. Sevícia – representa mau trato; crueldade; desumanidade; mau trato físico que pode ser infligido por um dos cônjuges ao outro. Sexo seco – relações sexuais caracterizadas pela vagina seca (e, frequentemente, quente e tensa) devido ao uso prévio de ervas, algodão e outras substâncias; em muitas culturas, alguns homens preferem o sexo seco, considerando as secreções vaginais como algo de sujo. Sexualidade – tem a ver com as características morfológicas, fisiológicas e psicológicas relacionadas com o sexo. Sistema de parentesco – combinação de indivíduos através de uma linhagem. Sororacia – Ver Sororato. Sororato – Sistema de casamento onde a irmã da falecida é obrigada a casar com o marido (viúvo) da irmã falecida. Subordinação – acto de pôr sob dependência; quando se está em condições de se sujeitar. Surto de crescimento adolescente – aumento acentuado em altura e peso que precede a maturação. Tabanca – conjunto de habitação de determinados familiares. Tabu – tem um significado de proibido. Tabu sexual – proibição de comunicação e/ou informação de certas práticas sexuais. Trabalho assalariado – ver trabalho formal. Trabalho escravo – consiste numa actividade desenvolvida por um indivíduo sem que tenha em contrapartida a divida remuneração. Trabalho formal – consiste numa actividade desenvolvida em troca de remuneração definida num contrato de trabalho (entre empregador e empregado), do qual constam as actividades a serem desenvolvidas pelo trabalhador, a remuneração a ser recebida pelas mesmas, a carga horária, o local de trabalho etc. Trabalho informal – é todo tipo de actividade que se desenvolve sem que houvesse necessidade contratual – é em muito confundido com o trabalho doméstico. Trabalho doméstico – todo tipo de actividade que se desenvolve no seio das actividades familiares e domésticas, sem contrapartidas remunerativas. Tráfico – consiste no rapto de um indivíduo sem o seu consentimento. Trauma – Na psicologia das profundidades, significa um choque psíquico que deixa atrás de si uma ferida. Em muitos casos de evoluções sexuais erradas surge como causa uma experiência infantil traumatizante. Troca – acto de dar uma peça em troca de outra conforme o acordado entre as partes. Turismo sexual – tem a ver com a exploração sexual, ou venda de indivíduos para fins de actos sexuais. Violação de direito – é uma acção de força empregada contra o direito natural de outrem. Violação sexual – é uma acção de força empregada contra o direito natural de outrem, e ordem sexual relacionada a comportamento libido. Violência – força empregada contra o direito natural de outrem. Violência sexual - força empregada contra o direito natural de outrem com intuito de proveitos sexuais. Virgindade – qualidade do que é virgem; testemunha de uma mulher ou menina que ainda tem o hímen. Vítima – pessoa sacrificada ou maltratada a paixões de outrem; individuo ludibriado. Vitimização sexual doméstica – quando ocorre um acto sexual continuo no seio de uma família. Voyeurismo – Termo derivado do francês (ver); é o prazer sexual em ver, também chamado escopofilia. 13 Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. Virgo intacta – Significa a rapariga com o hímen intacto. Isto não prova que a rapariga não tenha ainda consumado um coito, e prova muito menos ainda a sua inexperiência sexual. 14 Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. Introdução O abuso e a exploração sexual de menores constituem uma preocupação mundial de larga escala a nível das instituições de intervenção e defesa da criança. A necessidade de protecção de menores foi anunciada na Declaração de Genebra em 1924, sobre os Direitos humanos e na Declaração dos Direitos da Criança, adoptada pela Assembleia-Geral da Nações Unidas, em 20 de Novembro de 1989; reconhecida na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH); no Plano Internacional de Direitos Civis e Políticos; no Plano Internacional de Direitos Económicos, Sociais e Culturais, nos Estatutos e Instrumentos das Agências Especializadas das Organizações Internacionais que se interessam pelo bem-estar da criança. Mais recente, a Convenção sobre os Direitos da Criança, adoptada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 20 de Novembro de 1989 (ratificada pela GuinéBissau, pela Resolução 6/90 de 18 de Abril de 1990, do Conselho de Estado), consagra à criança o direito de ser protegida contra a exploração económica e não se sujeitar a qualquer tipo de trabalho que possa pôr a sua saúde em risco, assim como, a sua protecção contra todas as formas de exploração e violência sexuais. Hoje em dia vários instrumentos (desde organizações e legislações) concorrem para a protecção de menores a nível internacional, regional e local. Os Protocolos Facultativos sublinhados na Convenção dos Direito da Criança (CDC) que defendem tipos de protecção dos menores, a Convenção 182 da Organização Internacional de Trabalho (OIT) sobre a interdição de piores formas de trabalho de crianças entre outros, representam dispositivos instituídos para a defesa e protecção de menores. No entanto, estas preocupações são extensivas a vários países da Organização das Nações Unidas (ONU), tendo ratificado quase todos (salvo os Estados Unidos e a Somália) a Convenção relativa aos direitos de crianças e 158 Estados membros a Convenção 182 da OIT. Este trabalho encontra-se estruturado em cinco Capítulos. O primeiro Capítulo refere-se ao enquadramento geral do fenómeno a nível mundial, africano e no contexto da Guiné-Bissau. Ainda neste Capítulo foram descritos os objectivos do estudo e a metodologia utilizada para a sua elaboração. O Capítulo II define os conceitos de abuso e da exploração sexual, tentando desmistificar alguns enigmas destes dois conceitos de forma enquadrá-los neste estudo por uma lado, e por outro evidenciar os co-factores (causas e consequências) que podem favorecer a iminência da realidade do abuso e exploração sexuais de menores. O capítulo III explora as características dos actores envolvidos no abuso e na exploração sexual de crianças. Em penúltimo lugar o Capítulo IV, trata da dimensão e do impacto deste fenómeno, procurando destacar informações ocultas de modo a perceber como as comunidades o vivem ou o tratam. Por fim, o capítulo V debruça-se sobre o enquadramento legislativo nacional, mostrando as suas fragilidades e lacunas. Capítulo I- Enquadramento geral 1.1- A situação mundial O fenómeno de abuso e exploração sexual de crianças pela sua dimensão transversal tem suscitado o despertar de várias instituições; uma tomada de consciência do mesmo e consequente identificação de meios/instrumentos de protecção de menores. O UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) é primeira instituição mundial na luta contra o abuso e a exploração das crianças. Não obstante o trabalho desta organização e de outras de protecção e defesa dos menores, multiplicam-se os casos de abuso e exploração sexual a Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. nível mundial, apesar das dificuldades na sua identificação e quantificação. Com efeito, estes casos são práticas que em algumas das suas formas ou manifestações representam elementos inculcados nos hábitos culturais (usos, costumes) de alguns povos. No âmbito da protecção de menores foram definidos uns conjuntos de direitos elementares básicos da criança desde a sua nascença que precisam ser preservados. O direito de ser registada pelos pais, ter boa educação e acesso a cuidados de saúde. Estes direitos são muitas das vezes ignorados e violados traduzindo-se em várias formas de abuso e exploração (sexual) de crianças. Com efeito, os dados do UNICEF (2006) demonstram que em 2003, pelo menos 48 milhões de nados vivos não tiveram o registo à nascença ou seja o correspondente a 36 % dos nados vivos neste período, vendo assim violados direitos elementares da criança, de ser registada, de modo a identificar os pais assim como as linhagens sanguíneas e de parentesco a que pertence1 . O direito a registo a nascença constitui uma das condições essenciais da vivência e convivência humana. Registar a criança, é uma necessidade e uma obrigação para poder lhe garantir o direito a nacionalidade e o acesso a regalias consequentes da mesma, tais como: o acesso ao serviço de saúde básica, o acesso ao ensino escolar, entre outros. A região asiática é aquela que apresenta maior número de indicadores de crianças não registadas, sendo que, a parte da Ásia do Sul representa 63 %, do total desta região ou seja 23 milhões de nados vivos não registados. O que representa 47 % dos nados vivos em todo o mundo. Os trabalhos forçados onde haja uma participação de menores representam formas de violação dos direitos de criança e podem conduzir ao abuso e exploração dos mesmos2. Estes tipos de trabalhos são diferentes dos trabalhos que as crianças desenvolvem nos seios familiares de forma regular, sendo estes últimos interpretados de bem-estar familiar e cultural desde, que não ponha em risco o desenvolvimento da criança. Os trabalhos proibidos são aqueles que prejudicam gravemente a saúde (física e mental) de criança, condicionam e comprometem a sua educação e não a deixam o tempo livre para brincar e se divertir. Estes tipos de trabalhos podem servir de vias de acesso às outras formas de abuso e exploração mais cruéis e desumanas. Com efeito, a escala mundial estima-se que 218 milhões de crianças são (declaradamente isto não contando com as crianças de trabalhos domésticos/ligeiros) trabalhadores. As crianças vítimas do trabalho forçado representam estatisticamente 40 a 50 % de casos de violação de direitos de criança a nível mundial, onde 5,7 milhões de menores são utilizados como forças produtivas em trabalhos forçados, peças ou escravos de certos trabalhos para o pagamento de dívidas. A Organização Internacional de Trabalho (OIT) estima que haja um número considerável de crianças com menos de 16 anos em actividades económicas com fins lucrativos3. O trabalho forçado e precoce está ligado (muitas das vezes) ao tráfico de menores. Esta realidade (tráfico de menores) é uma das preocupações a nível mundial, por constituir uma prática de linha transversal, de dinâmica entre países mais desenvolvidos com os menos desenvolvidos4. Ela consiste no rapto ou venda de menores com e/ou sem consentimento 1 Confira anexos – sobre Direitos de Homem – CDC (1989) sobre o registo de menores, artigo 7. 2 Confira anexos – sobre Direitos de Homem – CDC 138; 182 da OIT, sobre trabalhos de crianças. 3 OIT, 2006, Genève, op. Cit in UNICEF (2006). 4 Confira anexos – sobre Direitos de Homem, a CDC (1989); Protocolos facultativos; Convenções das Nações Unidas (2000); A Convenção da OIT n.º 182 (1999). Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. familiar. Normalmente estas vítimas são submetidas à prostituição, à pedofilia e a mendicidade nas ruas, servindo desta forma determinados indivíduos ou grupos. É uma das piores violações que, para além das consequências físicas e psíquicas, expõe a criança à exploração sexual, à violência e aos maus-tratos. Os dados sobre fenómeno são difíceis de conhecer, medir ou estimar e, quando são estimados podem estar longe da fiabilidade. Contudo, aponta-se que 1,2 milhões de crianças terão sido vitimas de tráfico em cada ano em todo mundo. As regiões da Ásia de Leste e do Pacifico são aquelas que mais alimentam esta prática e nomeadamente a prostituição infantil. Por seu lado, na Ásia do Sul algumas crianças são recrutadas para trabalhos na agricultura e na indústria, pelo que a preocupação nesta Região se encontra sobretudo ligada a questões de trabalho de crianças escravas. Na Europa o fenómeno regista-se principalmente nas partes Leste e Oeste, correspondendo a procura de mão-de-obra barata e da prostituição infantil5. O estado de imaturidade física (corpo) das crianças constitui per si, primeiro elemento de fragilidade da sua saúde, assim, qualquer trabalho que possa pôr em causa o estado físico e mental da criança, constitui uma violação de direitos da mesma, podendo manifestar-se em abuso e/ou exploração. Estima-se que 126 milhões de crianças (com idade compreendida entre 5 à 17 anos) em todo o mundo trabalham em condições de perigo, que podem em qualquer momento ou posteriormente pôr a sua saúde física e mental em causa 6 . A estimativa mais recente da OIT, demonstra que 12,3 milhões crianças são vítimas do trabalho forçado, das quais 1,39 milhão é vítima de exploração sexual. As consequências das guerras armadas mundiais não deixaram de afectar negativamente as crianças, não só nos aspectos de destruição familiar e comunitário, mas por envolver estes pequenos actores como gente de arma, violando os mais elementares direitos humanos, testemunhados nos protocolos adicionais à CDC relativo à participação das crianças nos conflitos armados, o Estatuto de Tribunal Penal Internacional (1998), assim como a Convenção n.º 182 (1999) da OIT. É uma prática com maiores indicadores nos países pobres sobretudo africanos (como veremos mais adiante). Estima-se à escala mundial que desde 1990, pelo menos 90% dos óbitos ligados aos conflitos armados são afectos aos civis onde as mulheres e crianças representam 80% dos casos7. Por exemplo na Colômbia, 14 000 raparigas e rapazes são utilizados como crianças soldados por parte de grupos armados ilegais correndo riscos de piores formas de violação e exploração sexual. Há, contudo aspectos culturais que representam práticas nefastas, que de uma forma ou outra prejudicam a saúde dos indivíduos, onde as crianças são das mais afectadas8. A prática de mutilação genital feminina/excisão (MGF/E) (popularmente conhecido por fanado) é das piores, entre as que se manifestam no campo das tradições culturais dos diferentes povos a nível mundial. Ela consiste na ablação parcial ou total dos órgãos genitais externos femininos, por razões culturais. Estas práticas constituem umas das violações a integridade corporal das mulheres, essencialmente das crianças, tendo como consequências várias a nível da saúde física e mental, assim como a nível da ginecologia, tornando o indivíduo mais exposto as infecções sexualmente transmissíveis. Estima-se que, quase 130 milhões de mulheres e raparigas foram submetidas a mutilação genital feminina(excisão)9. O continente africano e algumas regiões da Ásia do Sul-Este, são considerados de maior frequência destas 5 OIT, Genève, 2002; UNICEF, New York, 2005, op. Cit in UNICEF (2006). 6 FNUAP (2005) The of World Population 2005: the promise of equality – UNFPA, New York, USA. 7 Otunnu, Olara, A. Genève 2002, op. Cit in UNICEF (2006). 8 Confira anexos – sobre Direitos de Homem – CDC (1989); Convenção africana (1990); Protocolo de Maputo (2003). 9 Informações disponíveis: Rapport I OIT, 2006; www.kidsbehinbards.org; A statistical exploration 2005, UNICEF, 2005; op. Cit UNICEF (2006). Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. práticas, embora sejam também constatadas em alguns imigrantes na Europa, América do Norte e Austrália. Ainda na linha tradicional cultural, encontra-se o casamento precoce. Esta prática constitui uma das formas de exploração sexual (disfarçada) de menores e por conseguinte possui influências psicossociais graves, que por um lado, obriga a menor a separar-se da sua família, dos seus amigos da escola e da sua comunidade enquanto adolescente, sendo assim também privada de escolher parceiro10desejado. Por outro, obriga-a sair mais cedo do círculo escolar, vedando-a a possibilidade de algum dia se tornar independente. Este tipo de casamento pode ter consequências imprevisíveis, não só a nível de rejeição11 e promiscuidade do indivíduo, como pode estar associado a exploração sexual de menores para fins comerciais. Também esta praxis é passível de suscitar riscos de saúde, uma vez que, a sua finalidade visa a reprodução, portanto, pode originar à gravidez precoce. Contudo é uma prática tradicional, corrente e socialmente aceite em determinadas culturas, podendo representar estratégia de sobrevivência das famílias nessas mesmas culturas. No entanto, à escala mundial estima-se que 36% de mulheres com a idade compreendida entre 20 a 24 anos foram casadas ou vivem com parceiros (muito) antes de completar os 18 anos de idade12. Estima-se que 14 milhões de adolescentes com idades compreendidas entre 15 a 19 dão a luz anualmente e os riscos que correm nestas idades (poder morrer durante a gravidez ou no parto) são duas vezes superior aquelas com 20 a 30 anos de idade13. Assim, o abuso e exploração sexual de menores não são apenas simples ignorância de direitos de crianças, mas sim uma violação profunda dos mesmos. Esta violação pode se manifestar sob várias formas, nomeadamente na violência física, nos maus-tratos, nos trabalhos forçados, e/ou na exploração (seja física/sexual), tráfico, casamento forçado entre outros. Segundo os estudos efectuados, 20% de mulheres e pelo menos 5 a 10% de homens (em todo mundo) foram vítimas de maus-tratos sexuais durante o período de infância (FNUAP 2005). Por consequência, correram riscos de ser infectados pelas infecções sexualmente transmissíveis e sobretudo pelo VIH/SIDA. Recorde-se que as estimativas apontam 2,3 milhões de crianças com menos de quinze anos vivem com o VIH em 200514. 1.2- O contexto africano (Sub-sahariano) O continente africano não se exclui de muitas das violações de direitos de menores muito pelo contrário, constitui um dos continentes de maior indicadores de violação incluindo os de natureza cultural. As crianças africanas desde a sua nascença são passíveis de várias violações. Com efeito, estima-se que só na África subsahariana 55% de crianças com menos de cinco anos não têm registo de nascimento. O trabalho infantil e forçado constituem uma das mais acentuadas violações no continente. A Organização Internacional de Trabalho (OIT) recomenda que a idade mínima para trabalho seja de 16 anos, o que não se adapta à cultura e tradição africanas quando observamos a realidade de certas culturas em zonas rurais, e mesmo nas zonas urbanas onde 10 Confira anexos – sobre Direitos de Homem – DUDH (1948); A Convenção de 1979. 11 No seio das sociedades onde o casamento precoce ocorre, além das raparigas serem obrigadas a se casarem cedo, também têm poucas possibilidades de escolher o noivo. Nesta ordem de ideias, essa situação pode criar o efeito da rejeição psicológica da parte da rapariga em relação ao marido, incentivando-a a procurar um par desejado. 12 UNICEF, New York, 2005, op. Cit in UNICEF (2006). 13 FNUAP, New York, 2005, op. Cit UNICEF (2006). 14 ONUSIDA, Genève, 2005, op. Cit in UNICEF (2006). Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. a sobrevivência económica depende do trabalho dos jovens. Os dados demonstram que só no ano 2000, pelo menos 352 milhões de crianças e adolescentes entre os 5 a 17 anos de idade foram economicamente activos, e 171 milhões deles trabalharam em situações árduas e/ou de alto riscos. Na Etiópia, estima-se que adolescentes entre 10 a 14 anos de idade sejam economicamente activos. Contudo, o vírus de VIH/SIDA representa a causa do aumento de trabalho de menores na África Subsahariana, onde 29% de crianças entre 5 a 14 anos trabalham. Muitas das crianças que trabalham terão perdido um, ou ambos os pais devido ao VIH/SIDA, o que as deixaram em situações não só de alta vulnerabilidade, como também se tornaram em chefes de família, enfrentado os sacrifícios laborais, nomeadamente na agricultura (conservação de café e cacau), como a única forma de garantirem a sua sobrevivência. Em muitos dos países em desenvolvimento rapazes e raparigas são atirados ao trabalho como complemento e/ou suporte das suas economias familiares. Muitos acabam por deixar a escola, e são propensos a altos riscos sexuais e abuso fisco e de tráfico nos seus países e/ou para fora destes. A mutilação genital é uma das realidades de violação e de violência sexual feminina mais corrente no contexto africano. A zona Ocidental africana representa a maior taxa, com o Mali com 94%, Gâmbia 80%, Burkina-Faso 70%, Guiné-Conacry e Libéria com 60%. A Guiné-Bissau, segundo o MICS 3 é um dos Países onde também se nota a ocorrência frequente desta prática (44,5%). As razões que legitimam esta prática são de natureza cultural, nomeadamente a preocupação com a fidelidade da mulher em relação ao homem seu marido, pois segundo estas tradições culturais, a mulher nasce para servir o homem. As mulheres mutiladas genitalmente são menos sensíveis no acto sexual, por isso, a probabilidade de traírem seus maridos é menor. Uma outra justificação cultural relativa a está prática, prende-se com a crença de que se houver contacto entre o clítoris e a cabeça do bebé durante o parto, pode levar a morte deste. Por último, os defensores desta prática, advogam que se um homem tiver relações sexuais com uma mulher não excisada, ele poderá ficar impotente. Portanto, numa interpretação de sacrilégio, a excisão feminina representa sacrifício de uma parte do corpo humano. Contudo é uma prática venerada pelas etnias que professam a religião muçulmana e representa uma obrigação cultural e consagração para as mesmas (UNICEF, 1996). Por outro lado, as práticas de casamento forçado, da gravidez precoce e do aborto de alto riscos são das práticas testemunhadas de forma corrente na África e sobretudo na Africa Subsahariana. No Níger 77% de mulheres com idades compreendidas entre 20 a 24 são casadas antes dos 18 anos. As razões de gravidez precoce são relacionadas com aspectos culturais, falta de conhecimento sobre a reprodução sexual e sobre uso de contraceptivos. Alguns casos de gravidez precoce são consequências de rapto, abuso sexual e incesto. Estima-se que devido a gravidez não planeada 5 milhões de abortos de alto risco entre os adolescentes são realizados anualmente. Nos países em desenvolvimento, essencialmente na África Subsahariana, estima-se 40% dos abortos de alto risco ocorrer entre adolescentes. Por exemplo na Nigéria metade de 10 000 mulheres que morrem por ano devido ao aborto de alto risco são adolescentes. As adolescentes encontram vários obstáculos para ter acesso a informação da saúde reprodutiva, que vão desde a violência sexual e a coerção de que estão sujeitas, até ao baixo nível de instrução ou analfabetismo de que podem padecer. Por estas razões, muitas das vezes hesitam em procurar esses serviços devido ao estigma, medo e ameaça às suas vidas. A falta de meios financeiros também pode as afastar dos serviços de saúde. Embora muitos países considerem 18 anos como a idade mínima para o casamento, o consentimento paternal e a tradição podem levar a ignorância a estes preceitos consignados Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. nas leis. Projecta-se que, mais de 100 milhões de raparigas serão casadas nos próximos 10 anos sem ainda completarem os 18 anos. Estas práticas são mais identificadas nos países pobres, nas zonas rurais na África Ocidental e Central, onde as raparigas novas são assimiladas a passivos ou bens financeiros. Os casamentos das raparigas nestas sociedades representam uma forma de estratégia de sobrevivência da própria família. No Níger e na Republica Democrática do Congo, mais de 2/3 de adolescentes (15 a 17 anos) são casadas e mais de 50% na Nigéria. Na Africa Ocidental estima-se que 44% de mulheres casadas têm idade inferior aos 15 anos. Todos os anos, 4 milhões de recém nascidos morrem durante os primeiros meses de vida, muitas das vezes, porque as mães ainda são muito novas para dar a luz, não estando preparadas para cuidar de bebés. O tráfico de crianças é uma das realidade a considerar. No anos 90, houve 118 conflitos armados internos, durante os quais foram patentes casos de raptos, mutilação e torturas etc. Durante estes conflitos as mulheres e crianças eram as mais vulneráveis, representando 80 % dos 35 milhões de refugiados. Na Somália estima-se que 200 000 crianças foram portadores de armas ou participaram nas milícias armadas depois do desabamento do governo central em 1991. No Sudão em 2004, estima-se que 17 000 crianças foram associadas as forças e/ou grupos armados. Os projectos de desmobilização e reintegração confirmam o envolvimento de crianças como antigos combatentes. Na Libéria estima-se que 15 000 crianças terão sido envolvidas na guerra civil deste país; na Serra Leoa as crianças representam perto de 37 % da força armada de guerra, e 12 000 raparigas terão participado na guerra, como soldados, cozinheiras, meninas de limpeza, e as vezes forçadas como parceiras sexuais, conhecidas como “bush wives”, o que provoca danos imensuráveis não só físicos mas também mentais com consequências no processo de reintegração social. Os raptos para fins de guerra e violação sexual estão associados ao aumento do VIH/SIDA e infecções sexualmente transmissíveis. Por exemplo, 28 000 a 30 000 de crianças com menos de 18 anos (onde a metade tem entre 10 a 14 anos) são abandonados à prostituição na África do Sul15. No Ruanda, estima-se que durante o genocídio, meio milhão de raparigas e mulheres foram raptadas, dentre quais 67% ficaram infectadas pelo VIH/SIDA. De todas as crianças seropositivas do mundo 80% são órfãos (de pais mortos devido ao VIH/SIDA) e vivem na África Subsahariana16. Em 2003, dos 143 milhões de crianças órfãs que vivem na Ásia, Africa e Caraíbas, estima-se que 15 milhões terão perdido os pais por causa da SIDA, 12 milhões destas crianças pertencem a África Subsahariana17. 1.3 - O enquadramento da Guiné-Bissau 1.3.1- A população e o contexto socio-económico e cultural A Guiné-Bissau é um Estado da África Ocidental delimitada a Norte pelo Senegal, a Este e a Sul pela Guiné Conacry e a Oeste pelo Oceano Atlântico. É formada pelo território continental e o Arquipélago dos Bijagós com 88 ilhéus. Tem uma superfície de 36.125 Km2, dividida em oito regiões administrativas e Sector Autónomo de Bissau (capital),que se distribuem como se segue: Gabú e Bafatá a Este; Tombali e Quinara a Sul; Oio, Cacheu e Biombo a Norte; Bolama, e Ilhas Bijagós no Arquipélago. A sua população segundo o último recenseamento de 1991 é de 979203, mas as estimativas actuais (com uma taxa média de crescimento demográfico de 2,2% por ano) a população deve rondar aos 1,3 15 OIT, Genève, 2000, op. Cit UNICEF (2006). ONUSIDA, Genève, 2004, op. Cit UNICEF (2006). 17 USAID, Washington, D.C., 2004, op. Cit UNICEF (2006). 16 Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. milhões de habitantes. Em termos sócio-económicos, apresenta o Índice de Desenvolvimento Humano de 0,349 (ou seja o 173º em 175 países classificados)18 fazendo parte dos países mais pobres do mundo. Em termos religiosos a sociedade guineense é constituída por três principais religiões, sendo que 36% representa os indivíduos que professam a religião animista, aproximadamente 46% a religião muçulmana contra 12% cristão. Os homens representam 48% e as mulheres 52%, sendo que em termos de divisão de classes etária 34% (17% por cada sexo) representa crianças com menos de 10 anos de idades (12% de animistas, 17% de muçulmanos e 4% de cristão). Quanto a faixa etária dos 10 aos 14 anos, que representa 12% do total da população( 4% é animista, 6% é muçulmana e 2% cristão). Para finalizar a faixa dos 15 aos 24 anos representa 17% do total da população (6% de animista, 8% de muçulmana e 3% de cristão). 1.3.2- Realidade e vulnerabilidades dos indicadores ligados à crianças A nível mundial, segundo o PNUD (2005), cerca ¼ (ou seja 1.3 mil milhões) de indivíduos vivem em condições de privação ou extrema pobreza. Na África subsahariana mais de 200 milhões de pessoas vivem na pobreza. Um estudo do Banco Mundial, intitulado: “A Pobreza Urbana e a Segurança Alimentar”, concluiu em 1991 que, 26% da população guineense vivia na condição de extrema pobreza (com rendimento anual igual ou inferior a 275 dólares americanos); 27% na pobreza (com rendimento anual igual ou inferior a 375 dólares americanos); 51% são considerados não pobres (com rendimento anual superior a 375 dólares americanos) –, neste universo 80% dos pobres viviam no meio rural. Diferente desta análise, o PNUD considera que mais de 80% dos guineenses a nível nacional vivem na privação, considerando que a proporção de indivíduos em situação de privação excede a proporção dos que estão em situação de pobreza – segundo IPH – índices de pobreza humana. O Inquérito Ligeiro para a Avaliação da Pobreza (ILAP) em 2002, revela que a ascendência da pobreza é muito elevada, numa população estimada em 1.181.641 pessoas, cerca de 764.672 equivalente a 64.7%, vivem em situação de pobreza, com menos de 2 dólares/dia; e 20,8 %, equivalente 245965 indivíduos vivem com menos de 1 dólar/dia, ou seja na extrema pobreza (privação ou miséria). Outras estimativas consideram que 82% dos guineenses vivem em estado de privação, se encararmos que (60% dos funcionários do Estado tem um rendimento médio próximo da linha de pobreza dos $2 por dia). Segundo esta mesma avaliação, 80% dos pobres correspondem ao grupo etário jovem/adulto (variando entre os 15 a 35 anos, ou seja pessoas com uma força de produção elevada por estarem na vida activa, mas sem meios de produção); o grupo etário dos adultos representa apenas 6,5%, o que também tem a ver com os reflexos da “esperança média de vida” guineense que se estabelece em 44 a 47 anos para homens e mulheres, respectivamente. A análise por género mostra que a pobreza afecta mais as mulheres que os homens, mesmo quando as estatísticas mostram que os agregados orientados pela mulher são menos expostos à pobreza que os chefiados pelo homem. Segundo o estudo qualitativo sobre o perfil da pobreza (2001), os produtos alimentícios gerados do cultivo dos nativos das zonas rurais, têm uma média de gestão de consumo entre 4 a 5 meses, deixando os restantes meses do ano a custo da miséria. A pobreza em que as famílias vivem faz crescer o fenómeno de trabalho infantil como forma de participação das crianças no rendimento familiar diário. Assim 2,1% de crianças realizam 18 http://pt.wikpédia.org/wik/lista Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. trabalhos pagos, 3,1% os trabalhos não pagos, 39,2% de crianças trabalham todos os dias muito embora em menos de 4 horas diárias, 4,4% trabalha mais de 4 horas por dia, e em todas as categorias (excepto de trabalhos pagos) os rapazes com 49,9% são aqueles que mais tempo de trabalho sacrificam contra 45,9 das raparigas(MICS 3). As regiões do Norte do Pais Oio, Cacheu e Biombo, em conjunto, são aquelas que lideram com maior percentagem 3,1%, de crianças que exercem trabalho remunerado. Situação em contraste com a das regiões do Sul do pais Bolama, Quinara e Tombali que, com 9,1% apresentam a maior percentagem de crianças que trabalham sem receber remuneração. As regiões do Norte lideram com 9,5% o grupo de crianças que trabalham 4 ou mais horas por dia. A taxa bruta de escolarização passou de 46% (37% para as raparigas) em 1991/92 para 72% (60% para as raparigas) em 2000. Segundo o MICS 3, 79,7% das crianças que entram na primeira classe acabam a 5a classe. A taxa de abandono escolar das raparigas é mais elevada que a dos rapazes. Em 1994/95, 35,8% das raparigas inscritas no primeiro ano acabavam a 5ª classe. Durante o mesmo ano lectivo, 46,9% das crianças inscritas no primeiro ano (onde 35,8% eram raparigas e 54,9% rapazes) terminaram o ensino primário. Em 1999/2000 essa percentagem desceu para 44%. O abandono escolar é elevado na medida em que há situações estruturais de falta de ciclos a nível regional, e o isolamento de certas aldeias. Por conseguinte no MICS 3, a taxa de alfabetização de raparigas dos 15 aos 24 anos é de 28,6%. No quadro de protecção e defesa dos direitos das crianças, foi criada uma instituição estatal, cuja atribuição é especificamente a defesa e protecção de Mulheres e crianças (IMC). Ao lado desta instituição, também foi recentemente criado um gabinete de atendimento e assistência às mulheres e crianças, sob comando do Comissariado de Ordem Pública. A preocupação com as crianças é um aspecto a considerar, embora a nível do país existam apenas três instituições que recebem crianças vulneráveis, a saber: SOS crianças, Missão Católica e Associação de Amigos de Criança (AMIC)19. Estas instituições além de serem poucas, também carecem de meios financeiros e de infra-estruturas, excepto S.O.S crianças. O número total de crianças que vivem nestas instituições é de 350, como o quadro I em baixo ilustra. Em 2005, a Missão Católica recebeu cerca de 40 casos de crianças que fugiram do casamento forçado e de outras práticas nefastas. O conflito armado de 1998/99 envolveu cerca de 950 crianças com menos de 18 anos de idade, onde 309 depois beneficiaram do programa de desmobilização. A percentagem de crianças da faixa etária de 0 a 17 anos, que não têm ambos ou um dos pais é de 11,3%. Esta condição empurra-as para uma situação de vulnerabilidade absoluta, vendo os seus direitos constantemente violados. Com efeito, mesmo com a visibilidade de práticas nefastas na realidade cultural guineense, houve apenas dois processos em relação a mutilação genital feminina. Contudo existem instituições de defesa e protecção de crianças no país a vários níveis, assim como as organizações juvenis como é evidenciado no quadro I em baixo. A preocupação com as crianças, não se limita apenas as instituições, mas também foram adoptados alguns instrumentos jurídicos, quer de origem internacional (CDC, ratificada pelo Estado guineense); quer de origem nacional (estipulação pela legislação da idade de acesso ao emprego a partir de 14; 16 anos como a idade mínima para responsabilidade criminal; e idade legal para contrair o matrimónio, a partir de 14 anos para raparigas e de 16 anos para rapazes. Quadro I - Resumo dos indicadores ligados às crianças na Guiné-Bissau 19 AMIC, através do programa que está a desenvolver com a fundação Suiça em relação as crianças traficadas (crianças talibés), dispõe de uma residência em Gabú, onde recebe crianças repatriadas do Senegal e que esperam voltar para a residência dos familiares. Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. Números Ou Percentagens 3 (três) Sim 34 14 Anos 39,2 % 4,4 % 9.7 % 13 11,3 % 350 16 Sim 2 Sim 16 e 14 40 18 8 950 309 Sim Sim Sim Várias Realidades no contexto guineense É o número de instituições que recebem crianças vulneráveis nos centros urbanos (fonte: IMC, 2005) Existe código de protecção da criança. É o número de casos registados pelo Comissariado Geral da Policia de Ordem Pública, sobre violência e abuso sexual de menores (entre os quais 33 meninas e 1 menino) apenas no ano 2005. Idade mínima de acesso ao emprego (Código civil de 1968 com emendas). Crianças trabalhadoras de faixa etária de 5 a 14 anos (MICS 3). Menores que trabalham entre 4 a 8 horas por dia, (MICS, 2000). Menores que trabalham mas, não recebem directamente os salários. Crianças identificadas como vítimas de tráfico no último ano (policia e autoridades locais, em 2005). Crianças de 0 a 17 anos que, não têm ambos ou um dos pais (MICS 3). É o número de crianças que vivem em instituições ou centros de acolhimento (IMC, 2005). É idade mínima para responsabilidade criminal (código penal) Há assistentes sociais. É o número de processos judiciais relacionados MGF/E no ano passado (IMC, 2005). A maioria dos líderes incluindo algumas instituições islâmicas, estão contra MGF/E (IMC, 2005). São idades legais (Código Civil) para o casamento (rapariga e rapaz respectivamente). È o número de casos de crianças assistidas que escaparam aos casamentos forçados ou outras práticas prejudiciais no ano passado (Missão Católica, 2005). É a idade legal para o serviço militar, mas em caso de emergência pode-se aceitar os 16 anos. É o número de crianças vítimas de minas (CAAMI, 2005). É o número de crianças com menos de 18 anos que terão participado no conflito armado de 1998/99 (PDRRI, 2001). É o número de crianças associado a grupos que beneficiaram do programa de desmobilização. Existe o parlamento das crianças desde 1996 (IMC, 2005). Existem programas de TV/Rádio de animação dos jovens (programas de rádio a nível nacional e comunitário, por rede de crianças e jovens jornalistas e uma rádio jovem regida pela RENAJE. Existem instituições de defesa e protecção de menores: IMC, Parlamento Infantil, UNICEF, AMIC, INDE, RENLUV, SOS, Missão Católica, entre outras. As organizações e associações ligadas a crianças; 130 associações do Conselho Nacional da Juventude; 9 conselhos regionais; Fórum Nacional da Juventude e Fórum da População com 35 associações e Rede nacional de Associações de Jovens com 42 Associações. 2. Objectivos do estudo Não era o nosso objectivo falar de alguns pormenores encontrados no texto (a não ser centrar na realidade de abuso e exploração sexual de crianças) mas, a análise documental recomendada e sua exaustividade permitiram aproveitar algumas informações que achamos importantes no complemento do trabalho, dada a complexidade do objecto, e os objectivos balizados nos termos de referência do UNICEF. Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. O estudo pretende identificar: • A amplitude do abuso sexual nas escolas, família e comunidade. • A característica demográfica das crianças envolvidas na exploração sexual e outros que perpetram a exploração sexual. • Os factores socio-económicos, culturais e outros, e as circunstâncias que estão associadas a exploração sexual de crianças. • O impacto da exploração sexual nas crianças envolvidas incluindo física, psicológica e o impacto na sua educação e saúde. • O mecanismo que perpetua (sistema de) a exploração sexual. • O ambiente institucional e legal do abuso e da exploração sexual de menores (quadro legal, legislação, aplicação da legislação, instituições envolvidas na prevenção e tratamento, entre outros) sua conformidade com a CDC, CEDAW e a convenção da OIT sobre as piores formas de trabalho infantil (convenção 182). • Ambiente social e cultural da exploração sexual (normas e valores, as práticas sexuais, sistemas comunitárias de vigilância, reacções das famílias, apoio/assistência a crianças abusadas e exploradas sexualmente etc.) 2.1. Tarefas a desenvolver no estudo • • • • • • Recolher toda a documentação e dados estatísticos sobre a problemática do abuso e da exploração sexual de menores e analisa-los a nível nacional. Referenciar todos os actores implicados na prevenção do abuso sexual e a exploração de menores e analisar as suas intervenções. Fazer uma proposição de abordagens estratégicas, bem como recomendações para um plano de acção para a redução do abuso e exploração sexual de menores, preconizando nomeadamente as orientações de actividades e empreender, os actores e um cronograma de implementação. Anexar a documentação utilizada e os instrumentos de recolha de dados utilizados (questionários). Anexar a bibliografia completa das publicações e documentações consultadas. Associar as instituições governamentais com o objectivo de identificar as informações disponíveis e de ter em conta os seus níveis de intervenção. 3. Metodologia Tendo em conta os objectivos traçados, a metodologia aplicada ao estudo consiste em primeiro lugar fazer uma análise documental recolhendo todas as informações, de modo a identificar trabalhos já realizados, consultar convenções internacionais, consultar legislação nacional e internacional sobre as crianças. Todos estes documentos foram exaustivamente consultados como testemunha a bibliografia principal e auxiliar. Numa segunda fase foram contactadas para as entrevistas as instituições estatais e ONG´s ligadas a problemática da criança como o Ministério de Justiça (Tribunal de Família e de Menores); Ministério o Interior (Direcção da Protecção Pública); AMIC (Associação Amigo das Crianças); REJE (Rede de Jovens Educadores); SOS Crianças; RENLUV (Rede Nacional de Luta Contra a Violência); INDE (Inter Cooperação e Desenvolvimento); Ministério de Educação (DPI – Direcção de Pequena Infância); IMC (Instituo de Mulher e Criança); Plan Guiné – Bissau; OMS (Organização Mundial da Saúde), entre outros, onde no caso da Policia de Ordem Pública foram aplicados questionários sobre abuso e exploração sexual e consequentemente tratados no programa SPSS (estatística para ciências sociais). E, por fim numa terceira fase entrou-se em contacto com a comunidade de forma a identificar junto da população comunitária a dimensão do fenómeno de abuso e exploração Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. sexual, através das auscultações dos actores envolvidos, como as vitimas, violadores, seus familiares e outras testemunhas, apostando assim na historia de vida. Um dos objectivos desta metodologia consiste em não só tratar do fenómeno referindo os actores externos ou instituições ligados ao objecto mas sim ouvir e conhecer as vivências e experiências daqueles que são atingidos pelo abuso e exploração sexual. O ouvir os sujeitos implicados nas acções permite conhecer e sentir as causas e consequências do fenómeno. As crianças e adolescentes vitimas testemunharem as suas vivências ou mesmo os adultos que foram violentados na infância, sugerem-nos uma nova forma de tratamento metodológico a nível de conhecimentos psicossociais e dos modos de vidas das pessoas, no desenvolvimento das técnicas de entrevistas e de recolha de informação. Não deixaríamos de realçar a distância entre o objecto de estudo e o senso comum (sendo algo quase invisível e distante da vivência e diálogo quotidiano), muito embora existem algumas unidades mais observáveis como, o casamento precoce, o trabalho forçado entre outros. Esta dificuldade encontrada na apreensão do objecto permite-nos uma nova estratégia metodológica e de investigação em cadeia ou por pistas, dependendo em muito da orientação de alguns intermediários para o alvo e a profundidade na recolha de informação. Nesta perspectiva sublinhamos o trabalho notável da REJE junto dos Comissariados da Policia da Ordem Pública, assim como outros importantes colaboradores na pesquisa, casos dos familiares das vítimas, amigos, seus vizinhos, por outro lado, os profissionais implicados no trabalho de protecção de crianças como as ONGs, as delegacias regionais dos Comissariados de Ordem Publica, os Tribunais entre outros, que nos ajudam não só a identificar o objecto mas também a conhecer a sua realidade de legitimação, inclusão e exclusão. Capitulo II – Os conceitos de abuso e da exploração sexual e os seus co-factores 1. O conceito de abuso sexual de menores Antes de falarmos dos conceitos de abuso e da exploração sexual de menores, relembramos que estes dois se referem ao quadro de categorias de violação de direitos. A violação só por si, engloba vários sub-conceitos, nomeadamente o do abuso e o da exploração sexuais, violência, agressão, maus-tratos, negligência, etc. A fronteira entre estes diferentes subconceitos não é bem nítida, uma vez que eles, para alem de possuírem fronteiras comuns, têm também relações de causa e efeito e muitas das vezes confundem-se ou substituem-se mutuamente na visão e abordagem de quem os interpreta. Porém a violação de direitos representa a transgressão dos direitos dos menores estipulados na CDC. Por isso, não só os actos onde o menor é abusado, explorado sexualmente (através de contacto com os seus órgãos genitais) constituem violação mas também, todo tipo de prática comportamento que põe em causa o desenvolvimento físico e mental da criança. Podem ser actos comportamentais enraizados no meio familiar (certos castigos, censuras domésticas), passando pela prática de trabalhos duros, forçados e/ou não compatíveis com a força física dos menores aos actos de tráfico de pornografia infantil. O Abuso é a expressão da violência ou de uma situação de uso excessivo de poder ou força, que ultrapasse os limites legais, tendo em conta o nível de desenvolvimento da vítima (o que ela sabe, compreende, consente e faz). Por seu lado, o abuso sexual de menores consiste geralmente na utilização de menores (consequentemente do seu corpo) para a satisfação sexual de um adulto, com ou sem o consentimento daquele. Neste contexto, existe uma Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. relação entre dois actores, sendo um adulto/violador e outro menor/vítima. Porém sustentase no uso do poder e da força onde um possui mais argumentos que o outro. O abuso sexual constitui a fase mais avançada e o acto mais reprovado do abuso de menores. E no seu estádio mais reprovável é associado a exploração sexual ou aproxima-se deste. Assim todo tipo de acção e/ou comportamento sexual de um adulto que usa um menor para finalidades sexuais seja de forma física, psíquica, intencional ou de fantasia é considerado de abuso sexual. O desnudar, o tocar, o acariciar as partes íntimas, o assistir ou participar em qualquer acto de práticas sexuais incluindo menores constitui o abuso sexual, uma vez que estes comportamentos estão relacionados com a perversão sexual. As literaturas e convenções internacionais definem o abuso sexual de várias formas. The National Center for Child Abuse and Neglect (USA)20, considera o abuso sexual como qualquer acto comportamental no qual haja interacção entre um menor e um adulto para a satisfação sexual deste últmo, através do uso da força e/ou do poder. Esta definição deixa algumas variáveis fora, na sua consideração ao conceito de abuso sexual. Com efeito, pode haver uma relação ou comportamento de abuso sexual mesmo entre indivíduos que ainda não tenham completado 18 anos de idade e basta que tenham havido contactos sexuais através de coação ou obrigação de força/poder de um sobre o outro. Neste caso, o dominador impõe obrigações (actividades sexuais) ao dominado de modo a satisfazer a sua fantasia sexual. Na definição de Christoffell e Cols., 199221; Council on Ethical and Juridical Affairs – AMA, o abuso sexual é extensível aos “maus-tratos" que se cometem contra menores (crianças e adolescentes), incluindo as violências físicas e psicológicas. Neste quadro, a associação do conceito aos maus-tratos tem muito a ver com o acto repetitivo e intencional e é associado a uma realidade intra-familiar do menor, ou seja, o abuso sexual é entendido como um comportamento que envolve acto sexual entre adultos e menores numa determinada circunstância (meio familiar e/ou comunitária), não tendo extensões a uma rede de exploração sexual. Portanto o abuso sexual, constitui uma violência sexual mais de natureza familiar e quanto mais comunitária, na sua forma e dimensão. Aqui a dimensão familiar e os seus contornos são responsáveis em muitos dos casos do abuso sexual. H. Kempe (fundador da ISPCAN – International Society for Prevention of Child Abuse and Neglect)22 define o abuso sexual como comportamento e actividade sexual onde haja a participação de menor (criança e adolescente) na qual ele não é capaz de entender ou compreender, por razões da sua idade e de desenvolvimento psicológico. Normalmente é um acto de força, de coação e de transgressão aos tabus sociais. A definição de Kempe levanta três constatações importantes: a primeira recai sobre actividade sexual que envolve o menor, sem que este o tenha compreendido e entendido, seja por razões de desenvolvimento físico, seja por razões de desenvolvimento psicológico, pois o menor é aqui considerado como uma peça num jogo para o qual ele não conhece as regras e não está preparado; a segunda constatação é da coação, ou seja, há sempre um recurso a obrigatoriedade do acto divido a força e/ou o poder do violador, onde o menor por razões de incapacidade e receio pode ceder as obrigações e desejos do violador; a terceira constatação é de índole social ou da sociedade. Assim, o abuso sexual requer acto de comportamento sexual que constitui um tabu ou práticas não permitidas e/ou reprovadas socialmente. 20 21 22 Ver http://www.ispcan.org. Faleiros, Eva et al (2000). Ver http://www.ispcan.org Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. Não obstante todos estes contributos, o UNICEF na sua preocupação transversal com a defesa e protecção de menores define o abuso sexual como qualquer acto ou contacto sexual entre uma criança e/ou adolescente com um adulto, cujo o propósito é de satisfação sexual do adulto (que é considerado de atacante). Contudo esta definição pode pecar a princípio por defeito, uma vez que dois menores podem envolver-se em acto de abuso sexual. Todavia, o termo atacante, que representa o agressor, protege a definição de algumas ineficiências, sendo assim considera-se de abuso sexual, qualquer acto ou relação sexual que inclui menor(es) e onde haja aplicação de força, e sem consentimento deste(s). Outros contributos definem o abuso sexual como qualquer acto sexual que envolve crianças (com menos de 16 anos) e adultos (como indivíduos com poder, controle, autoridade sobre a criança), podendo ser desde um olhar, simples toque nas partes genitais até a consumação do acto de penetração. Em suma, o abuso sexual representa uma situação de relação sexual entre um menor e um adulto servindo de satisfação sexual deste último, através de uma relação de força, de poder que pode ser manifestada desde simples voyeurismo, exibicionismo ao estimulo dos órgãos genitais, do ânus, e consequente penetração com ou sem violência (ABRAPIA, 1997)23. Contudo, o problema de definição de idade mantém-se em aberto. Apesar das definições de CDC, há espaço para legislação nacional de cada país redefinir a sua idade de menor. Não obstante a questões de definição, o que caracteriza o abuso sexual contra crianças e adolescentes é essencialmente o facto de que essa experiência vai para além do que eles estão prontos para consentir e viver nas suas fases naturais de desenvolvimento. 2. O conceito de exploração sexual de menores O conceito de exploração sexual, não compreende só o abuso sexual, mas também inclui a intenção comercial. Define-se como uma prática sexual com crianças e/ou adolescentes para fins comerciais, onde há um ganho em troca do uso do corpo (sexo) de menores. Por envolver crianças, estes actos constituem crimes e os adultos que neles tomam parte são designados de exploradores, criminosos. É uma prática que pressupõe o pagamento de serviços sexuais, por parte do cliente, com a participação de intermediários, ou seja, aqueles que induzem, facilitam ou obrigam, crianças e/ou adolescentes a prostituir-se; os chamados gigolôs. A década de 90 representou um marco importante na atenção dada ao uso de crianças e de adolescentes no mercado do sexo internacional. Graças à consciencialização da sociedade perante os novos contornos que esta prática ia assumindo despertou e mobilizou organismos nacionais, continentais e internacionais, nomeadamente a OIT, a ONU, a ECPAT, o BICE entre outros, para promover importantes Seminários e Congressos, estudos, pesquisas e programas relacionados com as vitimas deste fenómeno. A exploração sexual para fins comerciais trata-se de uma prática que envolve a troca de dinheiro ou favores entre um usuário/intermediário, aliciador/agente e outros que obtêm lucros com a compra e venda de serviços envolvendo o uso do corpo das crianças e/ou dos adolescentes, como se fosse uma mercadoria (Congresso Mundial contra a Exploração Sexual Comercial de Crianças, UNICEF, 1996). Outros contributos definem o conceito de exploração sexual como um processo onde se tira proveito do trabalho sexual das crianças no mercado de sexo. È considerada uma actividade, na qual ocorre a relação sexual ou 23 Williams, Lúcia (s/d). Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. prostituição associada a imagem onde haja relações eróticas ou de libido (exemplo de stripteese, shows eróticos etc.)24 A literatura internacional oferece-nos três concepções importantes para perceber o conceito de exploração sexual de crianças e adolescentes. A primeira concepção requer a teoria Marxista dando enfoque ao conceito de exploração, ou seja, enfatiza a condição de dominação, porque pressupõe a existência de um dominador e de um dominado, tendo o primeiro pretensões de explorar o segundo. A segunda diz respeito ao uso, que é um dos objectivos do mercado onde se faz as trocas que envolvem crianças. O mercado de sexo pode ser local, nacional ou internacional, pode desenrolar-se num contexto formal ou informal. A terceira tem a ver com a violação de direitos, uma vez que é prejudicial ao desenvolvimento físico ou mental das crianças. A nível internacional, as dimensões consideradas como tipos de exploração sexual são nomeadamente a prostituição, a pornografia, o turismo sexual, o tráfico e a pedofilia. Quanto ao turismo sexual, como se utiliza também as crianças ou adolescentes é considerado exploração sexual e comercial para servir turistas e nacionais. Muitas das vezes, as vítimas fazem parte de pacotes turísticos ou são traficadas como mercadoria (objecto sexual) para outros países. A pornografia infantil é a exposição e reprodução do corpo ou de actos sexuais praticados com crianças, podendo ser a produção de representação teatral, televisiva ou película cinematográfica, fotografias e publicações que permitem utilizar criança ou adolescentes em cena de sexo explícito ou pornográfica. A pornografia infantil é considerada uma forma de exploração sexual. Por seu lado, a pedofilia é a atracção sexual de adultos por crianças, ela representa o estupro, atentado violento ao pudor, sedução, corrupção de menores e pode fazer parte da categoria da exploração sexual. 3. Os co-factores e as diferentes formas de violação As formas correntes e cruéis de violação (física ou mental) per si, fazem parte da categoria da violação dos direitos, mas não pressupõem a obrigatoriedade do uso ou contacto com os órgãos genitais das crianças e consequente a satisfação sexual dos desejos perversos de adultos ou mesmo de outros adolescentes. Estas formas, referem às violações, às violências, aos abusos, às explorações, às agressões etc., onde não haja uma relação lasciva ou de perversão sexual, mas podem representar os co-factores para o abuso e a exploração sexuais. Esta categoria de violação identifica-se como a mais correntes e é representada desde uma simples negligência dos pais em relação a criança, passando pelos simples castigos domésticos, considerados correntes numa sociedade como a guineense, até aos actos de crueldade condenadas pela mesma ou por outras sociedades. A título de exemplo, pode citar-se o não registo da criança a nascença como uma das formas mais correntes e simples da violação e a mutilação genital e o homicídio de crianças por alegações de feitiçaria, como formas mais cruéis nesta categoria de violação. Enquanto que as formas parafìlicas e cruéis de sexualidade, consistem no uso ou contacto com os órgãos genitais de menores para satisfação sexual de outrem. Como sublinha Cohen, os crimes sexuais parafílicos implicam uma imposição de desejos sexuais a outrem, sem que este esteja em condições de perceber o que vai e/ou está a acontecer. Nestas circunstâncias, são sempre dirigidas as crianças devido às suas inocências e são cruéis uma vez que há uso sexual de pessoas menores e que pode ser hostil para o seu desenvolvimento físico e/ou mental. Por um lado, pode-se considerar o casamento precoce como a mais corrente entre estas práticas cruéis por se encontrar enraizada na tradição de quase todos os grupos étnicos 24 Faleiros, Eva (2000). Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. guineenses, consistindo na entrega das crianças ainda em fase de puberdade em casamento, sem os respectivos consentimentos para homens já adultos. Por outro, as relações sexuais incestuosas no seio familiar, assim como a sua extensão nas diferentes comunidades visitadas, a prostituição e a comercialização são também formas da violação dos direitos das crianças. Apesar de sublinharmos uma diferença entre estas duas formas (correntes e cruéis parafilicas) de violação, relembramos que em certas circunstâncias as fronteiras são quase inexistentes. Assim, a violação de direitos de menores representa a categoria chave para a compreensão das variáveis de abuso e exploração sexual (tanto correntes como as parafilicas). No entanto, muito mais que simples actos de crimes (isolados), a violação de direitos de menores pode ser compreendida desde os comportamentos umbilicalicados na civilização de cada povo aos actos de crueldade rejeitados pelos mesmos. Algumas tradições podem ser consideradas violentas, desde que os seus rituais transgridem o estado físico ou mental dos menores. Assim, os conceitos de abuso/violência, exploração representam não só as acções de patologia de quem viola os direitos como também devem ser entendidas nas relações humanas, nas normas, na cultura, e na própria civilização de cada povo. Por isso, defende-se a tese de que todo o tipo de violação (incluindo o abuso, a violência, a exploração) deve ser analisado, percebido e explicado dentro do contexto próprio de cada povo, civilização, cultura, contexto sócio-económico, cultural, social e ético. Todavia deve-se ter também em conta as recomendações universais da CDC. 4. O poder, a força e a dominação nas relações de abuso e exploração Para a análise e a percepção do abuso e da exploração sexuais, há sub-conceitos chaves que se devem ter em conta. Neste contexto, o conceito de poder é extremamente importante na análise, quer de um simples castigo nas relações domésticas praticado pelos pais, como no uso do poder por autoridade dos mesmos para outras práticas mais cruéis. Ou seja, podemos encontrar a violação nas lides quotidianas onde se verificam as relações domésticas, por exemplo as censuras dos professores às crianças nas escolas por não terem boas notas, ou num nível mais cruel de violação, que tem a ver com o uso do corpo e/ou sexo de menores para satisfação sexual de um adulto ou outro menor. As tradições africanas em geral e guineense em particular no contexto de educação doméstica têm por hábito bater na criança como sinal de reprovação dos actos praticados. Esta forma de repressão também se encontra na educação formal ou nas escolas, como forma de repreender aqueles que não acompanham as linhas de educação formal. Nestas relações (em todas elas) encontra-se o uso do poder entre os actores envolvidos, assim como a relação de força e de autoridade entre os mesmos. Segundo Max Weber, o poder define-se na relação entre dois ou mais actores sociais e consiste na probabilidade que um dos actores possui em impor a sua vontade aos outros, mesmo contra a vontade destes. O poder situa-se no interior de uma relação social e designa a situação de desigualdade que faz com que um dos actores possa impor a sua vontade aos outros. Em situações de relações de poder podemos encontrar situação de dominação, que se define pela probabilidade de um chefe ou individuo obter a obediência daqueles que em teoria lhe devem ou estão sob o seu controlo. O poder pode ser confundido em certa medida com a força. Assim no caso de abuso e exploração sexual de menores é natural que este conceito (força) seja mais familiarizado a estas práticas e por conseguinte as práticas cruéis, podendo se transformar depois numa dominação com práticas permanentes de obediência. O poder pode ser exercido de várias formas, pode servir para educar um menor, por exemplo, pelos pais e/ou professores, que representam agentes educadores e de sociabilidade. Assim, Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. o poder destes pode servir de normativo comportamental, não sendo nocivo para os menores. Contudo, o poder ao usar a força para o exercício pode associar-se a violação, no caso do seu uso for nocivo a saúde e/ou desenvolvimento da criança. Por exemplo, uma tortura dos pais ao menor constitui uma violação, podendo ser enquadrado na categoria de abusos correntes cruéis. As práticas de violação a menores permitem dividir essa realidade em três categorias: a violação física (o bater na criança), violação psicológica (torturas psíquicas a crianças) e violação sexual (relação parafilica), tendo esta última as consequências física e psicológica. O grau de gravidade da violação permite definir a sua categoria. Assim, a violação constitui um processo testemunhado pela natureza da relação estabelecida entre os dois actores (violador e violado). Ela estabelece-se e circunscreve-se na relação e dentro dos parâmetros traçados (do que é bom e mau), podendo ser interpretada de forma diferente por cada civilização. Por exemplo a Mutilação Genital Feminina é uma prática de violência sexual e física que se enquadrada na categoria de abuso sexual, mas constitui uma realidade consagrada por muitas civilizações e culturas, na medida em que representa a honra nestas mesmas culturas. Segundo as ciências biológicas e medicinais, as violações causam leões cerebrais e traumatismos cranianos, como também as lesões de cicatrização, fracturas de ossos (de costelas e ossos longos). Normalmente as hemorragias intra-cranianas, hemorragias retinianas e pequenas fracturas (trinca ou fissuras) na maior parte das articulações das extremidades do corpo da criança podem ser resultado de sacudidas de que sofrem, e as sacudidas podem levar a morte de crianças ou podem provocar consequências como o retardamento mental, paralisia cerebral ou cegueira (OMS, 2002). Por outro lado, uma violação sexual pode conduzir a criança à prostituição, devido a sua degeneração sexual e também a anomalias psiquico-sexuais evolutivas, manifestada através da puberdade precoce ou tardia na criança. Todavia há realidades (práticas culturais) que matam. Durante o trabalho de campo podemos testemunhar violações correntes e homicídios por feitiçaria, ou seja, quando as crianças nascem com algum defeito físico e/ou mental, são consideradas de feiticeiras e são sempre silenciada numa morte nua e crua. Por este motivo, um senhor já ceifou a vida de mais de 100 crianças em troco de 75 mil FCFA, por cada. Esta situação foi conhecida, porque uma família que tinha recorrido ao serviço deste não teve dinheiro para o pagar e a mãe ficou retida pelo senhor, como escudo a espera do pagamento. Felizmente a polícia teve conhecimento do caso, que seguindo procedimentos normais o deteve, escutou-o e prendeuo pessoalmente. Mas depois foi liberto devido ao seu estatuto social na comunidade. Por outro lado, foi nos relatado uma situação de pancadaria até a morte de uma criança, pelo próprio senhor de pseudo “Baba” de 69 anos de idade que se auto-intitula de feiticeiro profissional. Afirma que quando desloca a noite para a sua prática de feiticismo, a criança persegue-o constantemente, por isso, decidiu matar a mesma, declarando ter sido a nona vítima da sua autoria. Este senhor ainda continua em prisão preventiva. Quadro II- Resumo de violação de direitos das crianças Violação dos Direitos de Homem Violação dos Direitos de menores (crianças e/ou adolescentes) Formas correntes e as cruéis de violação (física e Formas “parafilicas” e as cruéis de sexualidade e de violação mental) de direitos de menores de direitos de menores Exploração de menor Abuso/Violação/Violência Exploração Sexual de menor Abuso/Violência de menor Sexual de menor Registo: Criança sem registos Trabalho Infantil: Pedofilia: (intra-familiar; Turístico e Comercial: (intra- Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. (intra-familiar; extra-familiar e/ou familiar; extra-familiar e/ou tradicional/cultural). comunitária; comunitária; tradicional/cultural; tradicional/cultural). Internacional). Maus-tratos: (intra-familiar; Trabalhos forçados: Incesto: (intra-familiar; Prostituição Infantil: (intraextra-familiar e/ou que põem em causa a tradicional/cultural). familiar; extra-familiar e/ou comunitária; saúde física e mental comunitária; tradicional/cultural; tradicional/cultural; nacional). das crianças. Internacional). Abuso não fatal: negligências; Crianças Talibés abuso físico; abuso emocional. Censuras e castigos: Homicídio de crianças: Tráfico de Criança: (intradomésticos (intra-familiar; como consequências da familiar; extra-familiar e/ou Comunitário; violência sexual comunitária; tradicional/cultural; tradicional/cultural). Internacional). Mutilação Genital Feminina: Mutilação Genital Mutilação Genital Venda (Objectos) (intra-familiar; Comunitário; Feminina: (intraFeminina: (intra-familiar; Pornográficos: (familiar; tradicional/cultural). familiar; Comunitário; Comunitário; comunitária; internacional). tradicional/cultural). tradicional/cultural). Crianças de Conflitos Casamento Precoce: Casamento Precoce: (intra- Pornografia Infantil na armados: (intra-familiar; familiar; Comunitário; Internet: (familiar; comunitária; Participação em conflitos que Comunitário; tradicional/cultural). internacional). envolvem o uso de armas. tradicional/cultural). Homicídio de crianças: Maus-Tratos: (produto e (considerados de feiticeiros); e consequência de actos de como consequência da exploração sexual). violência Pedofilia: (familiar; comunitária; internacional). de nascimento. Capítulo III – A descrição demográfica dos actores envolvidos no abuso e na exploração sexual A violação e/ou abuso sexual é uma realidade que se encontra enraizada em todo o país, tanto nas zonas urbanas, semi-urbanas como nas rurais. Tem enquadramento diferente tendo em conta a situação e o contexto em que a prática se ocorre. Nas zonas urbanas, há uma maior percepção das causas e consequências do fenómeno. Por isso, as violações são facilmente denunciadas pela vítima ou sua família, embora permaneçam alguns casos ocultos. Nas zonas semi-urbanas ou rurais o encobrimento é quase total, sendo a violação muitas das vezes considerada como destino (ainda que fatal) da criança. A gravidez resultante deste acto é tolerável e as vezes é tida com algo normal para a família da rapariga. 1. A produção de bens para o consumo como elementos a considerar A produção de bens para o consumo humano sempre foi norma de vida desde os primórdios da civilização humana. Neste quadro, a educação nas sociedades africanas permite os rapazes tomarem a consciência de certas responsabilidades de actividade de produção económica a partir dos 9 anos; por seu lado, as meninas nesta faixa etária começam a cooperar nas actividades domésticas ajudando nos trabalhos domésticos que implicam menor esforço físico. Apanham água nos poços, procuram lenhas para a cozinha e fazem outros trabalhos de limpeza, enquanto esperam o casamento. Dos 12 aos 15 anos, ou seja, na faixa etária a seguir, os rapazes começam a assumir o comando de certos trabalhos de produção de actividades de consumo familiar, cooperam com os mais velhos e enfrentam algumas práticas de transição para a maturidade como o Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. fanado (circuncisão). As meninas (nessa fase) são responsáveis pela maior parte de actividades domésticas, substituindo as suas mães no desempenho de algumas actividades. No que se refere as duas fases de vida, acima referidas, podemos identificar duas componentes. Por um lado encontramos a da educação instrumental, que tem a ver com educação oficial ou convencional instituída pelo Estado (onde as crianças aprendem a ler e a escrever, conhecem os seus direitos e deveres). Por outro, a da educação informal que é umbilical a valores tradicionais e valores sócio-culturais de cada grupo étnico ou comunitário (valores, normas, concepções e imagens aprovadas na vida dos seus membros etc., e que se transmite de geração em geração, servindo para manutenção e sustentação cultural de cada povo) (Datta, s/d). Nesta perspectiva, estas duas componentes podem estar sempre em conflitos, uma vez que os interesses são opostos. Exemplo deste conflito na realidade guineense é expressa nas escolas corânicas praticadas pelas crianças Talibés (que é identitária de cultura muçulmana) em detrimento da escola convencional oficial do Estado. No entanto, a realidade que relata o envolvimento de crianças e consequente abuso e exploração sexual suscita algumas correlações entre as variáveis onde a pobreza é uma das mais importantes. O nível de pobreza que afecta muitas ou a maior parte das famílias guineenses, obriga-as enfrentar alguns condicionalismos e a necessidade de reinvenção de estratégias de sobrevivência no quadro familiar e comunitário, o que envolve muitas crianças no acompanhamento e em actividades de contribuição da produção alimentar familiar. A participação activa das crianças na produção familiar está associada a participação permanente e activa da mulher, sendo aquelas cada vez mais solicitadas (ainda que precoce) para dar sua contribuição. Segundo os dados do MICS (2000) 65,4% das crianças inqueridas dizem ser trabalhadoras e 5,1% destas confirma efectuar trabalhos pagos. A propósito do trabalho disse uma senhora: “custou-me muito educar e criar a minha filho. Por isso, quanto mais cedo ela começar a contribuir, ajudando-me a descansar melhor. Vocês (jovens educadores e de protecção de menores) são uns mentirosos e gostam de mentir e meter-se na vida dos outros, a minha filha já é maior e até está preparada para o casamento”25. Esta tendência não favorece o desenvolvimento normal das crianças na sua vida quotidiana, muita das vezes obrigam-nas a deixar a escola em detrimento de co-responsabilidade familiar. Os dados de 1995 a 1999 referentes à Guiné-Bissau, mostram que somente 20% de crianças matriculadas é que chega ou termina a 5ª classe, e 80% acaba por desistir, dados distantes (em comparação) dos 60% referente a África Sub-sahariana e 62% para países menos desenvolvidos (ODM, 2005). A pobreza que atinge cada vez mais famílias contribui fortemente para inversão de alguns valores e condiciona as boas tradições, de maneira que, cada vez mais a família se vê atormentada pelos dissabores da vida e procura formas e estratégicas de sobrevivência. Ela (família) representa um marco importante para a compreensão do fenómeno da violação sexual e pode ser elemento de contribuição passiva (em certos caso de incesto ela é activa) em relação aos co-factores do abuso e exploração sexual. É notório ver crianças vendedoras ambulantes que trepam as ruas, as estradas, os cantos das casas, usando não só os seus percursos naturais e normais como a imaginação de onde podem encontrar um comprador do produto que trazem consigo, uma vez que, precisam de levar para casa o dinheiro desejado pelos pais ou educadores. É caso para dizer que a pobreza não só mata todos os anos nove milhões de pessoas como afecta e faz sofrer mais de novecentos milhões de pessoas em todo mundo. As crianças ocultamente sofrem da pobreza 25 Declaração de uma senhora de etnia Papel identificada como Apili, dirigida aos elementos da REJE quando denunciaram a tentativa de dar em casamento a filha de 15 anos, tendo o caso parado ao Comissariado de Ordem Pública. Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. em todas as suas linhas de interpretação, como prova o caso de uma criança de 11 anos encontrada de madrugada a dormir numa escola primária em Gabú. Ela foi vender mangas, tendo sido vítima de roubo numa quantia de 1700 FCFA. Com o medo de represália, não voltou para casa, tendo decidido escolher a escola (que tanto podia usar para estudar) como refúgio. Felizmente foi descoberta por uma senhora que a encaminhou-a para sua casa. Os seus educadores, amigos dos pais (já falecidos) quando foram contactados e informados sobre a situação disseram desconhecer esta possível prática e que eles são bons educadores. Contudo, depois de serem notificados pela esquadra simplesmente decidiram mudar do local de habitação, sem deixar rastos. Contudo imagina-se que o pavor da criança continua, enquanto está presente a sua escravidão, ou o seu papel importante na estratégia de sobrevivência desta família. 2- Os factores sociais e culturais e religiosos como determinantes Os diferentes grupos étnicos guineenses (tanto animistas como muçulmanos) aceitam a poligamia como normal na formação da instituição familiar (que é normalmente extensa). Num agregado familiar convivem avós, netos, tios e primos. Esta realidade está a ser substituída progressivamente, por uma outra, de tipo família nuclear (de tipo ocidental), onde convivem apenas, pais e filhos, desconsagrando os valores tradicionais honrados. Esta mudança pode facilitar o envolvimento sexual entre os próximos (familiarmente), mesmo entre pais e filhos. Esta verdade aumenta (na sua probabilidade) quanto mais existirem famílias mono parentais, ou mesmo nas famílias nucleares onde a mãe por uma ou outras razões não permanece sempre em casa. Tradicionalmente o casamento representa a dignidade, o respeito e maioridade. Uma adolescente que opte por não se casar será sempre considerada de irresponsável. O chefe de família normalmente é o homem e quando este morre, quem assume a liderança pode ser um dos seus irmãos, dependendo das situações e/ou na ausência destes sucede-lhe o parente mais próximo. Os factores de poderio económico do homem (seja de que idade for desde que tenha maturidade) e maturidade feminina (desde que apresentam sinais aceitáveis de puberdade) representam elementos essenciais na concretização do matrimónio e normalmente são os pais e/ou familiares que tratam da concretização do mesmo: os noivos simplesmente acatam a decisão. O período que vai do noivado ao casamento é sempre longo e envolve ofertas materiais e compromisso moral, entre as famílias, condicionando quase a obrigatoriedade da aceitação do casamento pelos noivos. E desta forma, a rejeição pode ter consequências graves não só a nível da devolução dos bens materiais (já aceites) ao longo do período, mas também pode constituir a desonra familiar e pode chegar a perdas de vidas (morte) por parte da noiva (e seus familiares) que rejeitar o casamento. Em todos os grupos étnicos não há questões de limite da idade de casamento, o que conta é o estado de puberdade da rapariga e os interesses que pode despertar aos olhos de qualquer homem, assim como o aval dado por parte dos seus familiares. Contudo há uma particularidade em alguns grupos animistas, caso dos Manjacos quanto à questões de idade de casamento. Por exemplo, as pessoas da mesma faixa etária (uran) casavam-se no mesmo ano obrigatoriamente, o que representa uma festa comunitária e geracional independentemente de que idade for, nestas condições o interesse e entusiasmo no casamento por parte de uma menina, pode condicionar as outras rumo ao matrimónio. Há também outra particularidade de as meninas que completam 15 anos casarem-se obrigatoriamente se coincidir com o período da realização do fanado dos homens, uma vez Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. que estes precisam de mulheres para a constituição da instituição familiar. Nos Felupes (por exemplo) o rapaz ao atingir (mais ou menos) 18 anos e a menina ainda com 7, 8 ou 10 anos concretizam o noivado através da cerimónia de “ecoinai. Em todo o caso pode-se considerar normal para casamento idades entre 13 a 15 anos destas duas comunidades (animista e muçulmana). O fanado (masculino) é obrigatório em todos os grupos animistas e muçulmanos guineenses, sendo variável a idade para a sua submissão, de grupo étnico para grupo. Nos animistas, esta prática acontece mais tarde, quando normalmente os indivíduos são quase adultos, apesar de alguma presença de adolescentes; enquanto que nos grupos étnicos muçulmanos ela ocorre, sobretudo na fase de adolescência. Em paralelo nestes últimos, pode-se encontrar a prática da excisão feminina, servindo de condição feminina e de elegibilidade de uma mulher para o casamento. Ela é obrigatória no seio dos grupos étnicos muçulmanos apesar de alguns indivíduos de outras etnias, por liberdade individual ou osmose cultural, experimentarem-na. As meninas Fulas, Mandingas, Beafadas, Balanta-Manés normalmente são excisadas em quando têm 7 anos. Estas etnias representam no seu conjunto 83% dos excisados na GuinéBissau, seguido de Papeis com 2% (Jakobsen et al, 2002). É uma prática muito divulgada na comunidade muçulmana na Guiné-Bissau mas a sensibilização a favor da sua erradicação não é vista com bons olhos nestas comunidades. Nota-se que desde que a ONG “Sinimira Nassequê” deixou de actuar neste aspecto, esta prática ganhou uma nova dimensão. Muitas fanatécas tinham entregue as suas facas e tinham prometido não voltar a pegar nelas, mas infelizmente continua a excisão das meninas. O que testemunha a obrigatoriedade cultural desta prática na comunidade muçulmana, visto que a passagem de uma menina por esta praxis confere-lhe o privilégio de poder ser escolhida para o casamento. Uma mulher não excisada é considerada suja e não pode preparar refeições para o marido. A indispensabilidade desta prática é realçada num caso em que uma mulher de etnia Balanta, casada com um homem de etnia Fula, foi obrigada pela sogra a fazer excisão depois do nascimento do seu primeiro filho. Caso negasse, perderia o marido. Um dos aspectos a considerar também no campo do sócio-cultural é a sexualidade e sua evolução no contexto social guineense. Em relação aos jovens, estes tendem a iniciar as relações sexuais bastantes cedo. Um estudo realizado em Bissau mostra que a idade média para o primeiro acto sexual é de 15 anos para rapazes e 16 para as raparigas Jakobsen et al (2002), ou seja ambos os sexos começam as relações sexuais antes dos 18 anos (idade considerada para a maioridade). É normal e socialmente aceite hoje em dia o envolvimento sexual gerontofilico, ou seja, entre os velhos e adolescentes com consentimento mútuo e familiar como estratégia de sobrevivência, onde a adolescente aproveita das ofertas materiais do adulto e este das ofertas sexuais (mesmo que parafilicas) da adolescente. Por isso, algumas violações e/ou abusos/exploração sexuais denotados na relação entre os adultos e adolescentes, e mesmo entre adolescentes, assumem por um lado carácter de dominação sexual perversa e de atracção a libido. Por outro lado, algum consentimento entre as partes, uma vez que há um envolvimento entre adultos e algumas adolescentes de carácter parafilico onde os adultos abusam forçosamente das crianças/adolescentes com vontade de tirar o prazer ou o gozo do mesmo. Na realidade pode-se encontrar relações destas de atracção a libido sustentada pela necessidade ou estratégias de vida para as adolescentes e seus familiares 3. As identidades do violador e da vitima: uma realidade com duas caras Normalmente, os abusadores parafilicos são sempre pessoas conscientes com alguma experiência e representação social no meio em que vivem. As vítimas são sempre indivíduos Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. inocentes simulados e traídos pela confiança que têm dos abusadores e vivem oprimidos, devido aos espectros malignos de violação. Há situações graves onde as crianças ainda menores de 12 anos (idade do início da puberdade) serem atacadas e violentadas pelos adultos perversos sexuais. Estas relações parafilicas podem ser encontradas no seio familiar entre pais e filhos e/ou enteadas, entre elementos da mesma família extensa (tios e sobrinhas), entre vizinhos e elementos da mesma comunidade ou bairro. Também podem ser encontradas nos locais de trabalho, nas escolas; nos lugares onde possa haver possibilidade de passagem e isolamento. O IMC tem recebido vários casos de queixas e pedidos de ajuda e tem os encaminhados para instituições com esta avocação. Por exemplo, de um pai que vivia com a filha (menor) e mantinha relações sexuais constantes com ela, até esta dar a luz. A criança depois de ter dado a luz fugiu para casa da tia, uma vez que estava a ser torturada sexualmente pelo pai, e por conseguinte foi dar conhecimentos as instalações do IMC, relatando a situação. Contudo o pai depois de alguns dias sem a filha e sem satiríase (estado patológico de sobreexcitação sexual masculina) das suas sevícias, desabafou que a filha pode sair da sua casa mas que, lhe entregasse o bebé, porque este lhe pertence. Assistimos neste episódio, uma relação de pai e avô ao mesmo tempo. As famílias mais caracterizadas com este tipo de casos de pai-avô são normalmente o caso das famílias mono parentais. Por outro lado, as mulheres solteiras, divorciadas, ou viúvas que de uma maneira ou outra vivem a sós com as filhas menores (da antiga relação) e têm um parceiro ou vários como marido e/ou namorados. Todavia, o abuso e exploração sexual são duas categorias de violação de crianças paralelas e consequentes que, apesar de se diferenciarem na natureza do acto, constituem fronteiras comuns. Os dados apresentados nesta secção sobre o abuso e outras formas de violação representam realidades testemunhadas nas diferentes esquadras do Comissariado da Polícia da Ordem Pública desde 2004 a Outubro de 2006. Estes casos constituem processos através da identificação dos actores envolvidos em diferentes tipos de violação(abuso sexual, violência físicas, raptos, homicídios, abandonos) como demonstra o quadroNº1. Gráfico n.º 1 – Tipos de violação mais frequentes Rapto 3,1% Homicídio 3,1% Abandono 3,1% Violência 9,2% Abuso sexual 81,5% Fonte: esquadras de polícia O abuso sexual, definido como sendo acto de relação sexual de coito ou proveito que se possa tirar através do contacto com órgãos genitais de crianças, pelo uso de força e/ou poder constitui a maior ocorrência. Dos 65 casos identificados como sendo de violação de direitos Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. de menores, o abuso sexual representa quase 81,5 % do total. A consideração elevada deste caso em relação a outros pode estar ligado a tomada de consciência da sociedade em geral, e das comunidades locais em particular, da extensão e da crueldade deste acto (violação). Gráfico n.º 2 – Frequência de violação nas Regiões 70 61,5 60 50 Peso relativo (em%) 30 20 10 40 Frequência 40 7 13,8 10,8 9 5 1 1,5 7,7 3 4,6 0 Bafatá Cacheu Gabú Oio Quínara SAB Fonte: esquadras de polícia A situação da tomada de consciência é um aspecto importante na identificação e na denúncia do fenómeno de abuso de crianças. Talvez, por isso é que, Bissau representa a maior percentagem de casos com 61,5% do total dos casos identificados nas esquadras sendo que, as duas maiores cidades a seguir são Gabú e Bafatá respectivamente. Cacheu representa a última nas cidades representadas na amostra do estudo. Pode-se considerar natural a percentagem elevada de Bissau se considerarmos o número da população residente na capital e nível de instrução da sua população em relação as demais regiões, acresce-se que o fenómeno de abuso refere-se aos actores violadores com uma cultura sexual desenvolvida e com um nível de vida normalmente elevada em relação ao padrão normal dos demais nos bairros, locais onde esta violação acontece. Quadro n.º 3 – Correlação entre tipos de abuso e diferentes grupos étnicos 14 12 12 10 10 9 8 6 5 4 2 0 3 11 1 2 1 1 1 Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. Fonte: esquadras de polícia Se fizermos a correlação entre o tipo de abuso e grupo étnico, numa primeira abordagem, os Fulas representam a maior frequência com 12 casos de abuso sexual, seguido dos Papeis com 10, dos Mandingas com 9, dos Manjacos com 5 e por fim Beafadas com apenas 1 caso. Contudo, coloca-se a questão da denúncia dos casos de abuso sexual nas diferentes comunidades visitadas. Na maioria, ou quase, em todas elas a questão de comunicação perversa é patente sendo que o objecto é latente, mas não partilhado por todos membros da colectividade. Ele é restrito apenas a comunidade familiar afectada ou simplesmente a vitima através do pacto de silêncio. Numa segunda abordagem, pode-se denotar maioria de casos identificados foram-no nas etnias muçulmanas, como evidencia o Gráfico Nº3 em relação a Fulas e Mandingas contra Manjacos e Balantas e, consequentemente nas suas respectivas regiões Gabú Bafatá contra Oio e Cacheu. É de sublinhar o tradicional conto entre os Fulas do lado muçulmano e os Balantas do lado animistas como aqueles que possuem maior liberdades sexuais mas, estes últimos (Balantas) não aprecem significativamente em dados estatísticos como violadores apesar da comunidade de investigação ter visitado a região de Oio, o que realça mais uma vez a questão de denúncias dos casos de violação ou em concreto abuso e exploração sexual. Importa realçar que na Região de Cacheu, embora apareçam poucos registos de casos de abuso e exploração sexual, mas as crianças Felupes e Manjacas oriundas desta Região como têm a prática de se deslocarem para o Senegal a fim de desempenhar actividades de lide doméstica ficam expostas ao abuso e exploração sexual. Gráfico n.º 4 – A religião das vítimas Animista 8% Cristã 44% Muçulmana 48% Fonte: esquadras de polícia Se olharmos para a religião das vítimas, notamos que esta é concentrada entre os muçulmanos e cristãos com 48 e 44% respectivamente. O que demonstra que a etnia ou a religião da vítima não é relevante, interessando apenas que ela esteja em condições de ser uma “presa”. O que conta são atributos físicos, sua liberdade (estar exposta, andar isolada) e que possam a qualquer momento proporcionar oportunidade ao violador. Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. Quadro n.º 5 – A correlação entre o tipo de violação e a nacionalidade do violador 60 50 7 40 30 48 20 10 4 0 Abuso sexual violência física Guineense 2 Rapto Homicidio Estrangeira Fonte: esquadras de polícia A análise de violadores por nacionalidade mostra que no total de casos de abuso sexual 48 são de feitos pelos guineenses e 7 por estrangeiros. É de salientar que a violação por estrangeiros está representada apenas no quadro do abuso sexual de relações parafilicas e de pedofilia, onde se enquadra também crianças de sexo masculino, diferente dos desejos hiperotismo guineense que é mais de linha heterossexual, como reportaram algumas testemunhas durante o estudo. Apesar de não se constar os dados estatísticos, pode-se testemunhar um caso em que uma mulher (adulta) estrangeira obteve em cárcere privado (para relações sexuais) um jovem com idade menor. Porém, é de associar ou pelo menos relembrar que o fenómeno Talibés nas suas formas de manifestação engloba crianças que durante os seus percursos no estrangeiro ganham outros destinos e onde acabam simplesmente por perder contactos com as suas famílias, havendo casos de vítimas que testemunharam o desaparecimento dos colegas (rapazes) sem explicações, ou mortes por razões de dificuldades na sustentação da vida e do sacrifício do dia a dia. Estes desaparecimentos (apesar de não haver explicações nas declarações) podem estar associados aos raptos, tráficos e exploração sexual no quadro das redes internacionais de pedofilia. Quadro n.º 6 - Correlação entre tipo de violação e a idade do violador Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. 35 29 30 25 20 17 15 10 7 5 1 2 3 1 0 13 a17 anos Abuso sexual 18 a 25 anos Violência Física 26 a 45 anos Rapto 46 e mais anos Homicidio Fonte: esquadras de polícia A denúncia do abuso sexual de crianças não só se refere aos adultos como também as crianças, menores ou seja, o violador enquadra-se em todas as faixas etárias. A correlação entre tipo de violação e a idade do violador mostra que 29 dos casos de abuso referem-se a indivíduos com a idade situada entre os 18 e os 25 anos, sendo esta faixa, segundo os dados estatísticos a mais perversa, seguida da faixa dos 26 aos 45 anos, registando-se apenas 3 casos de violadores acima dos 46 e mais anos. A leitura dos dados que constam do quadro acima, reforça a ideia de que qualquer homem na sua fase de reprodução sexual activa, pode constituir elemento de pretensão a violação sexual (até de menor) se não for devidamente controlada pela sociedade nas suas normas de vigilância. Contudo, é de sublinhar a percentagem de menores que abusam sexualmente de outros menores, representando uma frequência de 7 casos do total. Esta última consideração põe em evidencia a liberdade sexual e amorosa crescente na realidade social guineense, sendo só contestada quando é traída pela gravidez das meninas (menores). Durante a pesquisa de terreno, podemos testemunhar muitos casos destes, onde o violador acaba por aceitar a vítima como sua companheira, depois da reacção impetuosa dos pais desta. São casos difíceis de tratar legalmente em termos de punições tanto nas esquadras de polícia como nos tribunais. 4. A perversão sexual na comunidade silenciosa O silêncio das vítimas é propiciado pela crueldade das violações de que sofrem e pelas ameaças do violador, tendo em conta o seu poder e a sua força. As sequelas são tão profundas que as crianças preferem a todo o custo não partilhar a mágoa com ninguém. Testemunhamos casos em que a comunicação perversa (silêncio) conduz a uma tortura redobrada à vitima por parte da família afim de obter as declarações da criança. Vejamos o caso de “Susana”, 13 anos vítima de violação declara: “um dia, a minha tia com quem eu vivia pediu-me para lhe levar o telemóvel para carregar na rádio de Mansôa. Ao passar pelo “Dembo”, nosso vizinho, ele chamou-me e, quando me aproximei dele puxou-me para o quarto e tapou-me a boca para não gritar. Puxou as cuecas para o lado e começou a introduzir o pénis até ejacular dentro de mim. A seguir fui carregar o telemóvel e depois voltei a casa guardando o segredo comigo própria não dizendo nada a ninguém. Um dia Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. destes quando a minha tia viajou para Kolda e fiquei a cargo de uma segunda tia e ia a passar pelo “Quieta”, também nosso vizinho,ele pediu-me para lhe apanhar água no poço, quando entrei no quarto para pegar no balde ele puxou-me para a cama e tapou-me a boca e fez a mesma coisa que o “Dembo. Só que, uma vizinha me viu a entrar no quarto e avisou a minha tia. Ao regressar a casa, ela perguntou--me sobre a entrada no quarto tive medo de dize, e a minha tia acabou por me pôr malagueta na vagina e ai tive que confessar dizendo a verdade”. Os violadores (de 29 e 21 anos respectivamente) ficaram em prisão preventiva. Após a denúncia por parte da tia a família ficou abalada com a situação mas, durante este período foi recebendo visitas de pessoas influentes de Mansôa, homens grandes, incluindo Almamis, para desistir do caso no tribunal. Este (caso) acabou por morrer no silêncio e na dor do sofrimento da vítima, que considera acima de tudo perdoar os violadores e esquecer a situação (será?). Todavia, é um episódio que testemunha como o silêncio reina na comunidade quando se trata de abuso e exploração sexual. É de salientar, que as meninas são quase as únicas vítimas deste crime. Contudo a AMIC viveu, há alguns anos atrás, uma experiência da violação de rapaz em Quinhamel (região de Biombo) por uma senhora estrangeira (de aparentemente 50 anos). Trata-se de uma senhora que ostentava ser da classe alta da sociedade e que mantinha uma relação de abuso sexual (não parafilica) com uma criança (rapaz) de 14 anos de idade, tratando a criança (ou jovem) de “Pajem”, ou escravo sexual, nos seus momentos de gozo sexual. A AMIC quando descobriu o caso tentou mostrar que ele representava uma prática de violação de direitos de crianças mas, encontrou a oposição da criança replicando desta forma: “ela (senhora) é como uma mãe para mim. Dá-me tudo o que quero e tenho e dá-me o sexo também”. E assim se sublinha que a pedofilia é uma realidade na Guiné-Bissau incluindo o quadro masculino. Outra experiência vivida por esta instituição é de um estrangeiro (de origem Francesa) que era alto funcionário da Organização das Nações Unidas na Guiné-Bissau em 1996, que terá violado sexualmente dezenas de crianças de sexo masculino em Mansôa. O caso teve o procedimento ligeiro, acabando por ser abafado por se tratar de um alto funcionário desta magna instituição. A pedofilia é uma realidade visível na Guiné-Bissau, os casos acima descritos testemunham a sua existência. É importante realçar neste trabalho que por questão cultural machista, muita das vezes, os casos referente a rapazes ficam escondidos, parecendo que o fenómeno se restringe apenas as meninas. Outras experiências da comunicação perversa ou silenciosa, acontece na prática de casamento precoce (estes são associados a exploração sexual) e muita das vezes encontram pelo caminho o abuso sexual, onde a criança é reservada ao destino da sorte que a família lhe der. A entrega de crianças em casamento muito cedo sem que (elas) tivessem capacidade de pronunciar é uma realidade silênciosa gritante. “Mariato Sane” de 11 anos de idade de etnia Fula é uma menina tradicionalmente comprometida em casamento pelos seus familiares. Já tem um homem adulto que lhe segue, esperando que chegue a maturidade para casar. Os familiares dela envolverem-se com o futuro marido em todas as linhas de recepção de dotes (como bens essenciais em troca de uma noiva) para o casamento, comprometeramse em educa-la para que venha a ser uma mulher digna que possa servir o seu marido devidamente, segundo a tradição. Mas, pelo azar do destino declara a criança: “fui perseguida por “Suleimane” (aparentemente de 40 anos) por três vezes e sempre fugi dele, acontece que um dia destes, o nosso vizinho “Bamba” convenceu-me a aceitar o Suleimane e durante seis vezes tivemos relações sexuais no quarto do nosso vizinho. Quando reparei que estava grávida ele fugiu de mim, mas foi ele quem me engravidou, não tive contactos com ninguém a não ser ele. O Suleimane por sua vez nega tudo, considera-se simplesmente amigo da criança e não violador”. Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. Este caso reflecte a inocência das crianças em desconhecer o estado de sua maturidade física e mental, e por outro lado mostra a liberdade sexual precoce e perversa nas sociedades ou nas comunidades. A vítima declara que por três vezes foi perseguida pelo violador (mas não testemunhou a ninguém) e a quarta decidiu aceitar o violador e por seis vezes tiveram relações sexuais, ou seja, a vítima considerava-se pela sua inocência namorada do cruel e perverso violador. Este de forma doentia mantinha relações sexuais com uma criança de onze (11) anos de idade até a sua gravidez. Este episódio relata o estado da comunicação perversa (oculta) quando acontecem factos de abuso ou de exploração sexual nas comunidades, uma vês que a criança para além da violação sofrida já era comprometida em casamento e representava objecto de rendimento familiar devido os dotes pagos pelo pretendente. O testemunho da mãe da criança ilustra o estado de desespero em que se encontra a família: “a criança (minha filha) só tem 11 anos de idade, não pode dar a luz, pretendo recorrer ao aborto e, o “Suleimane” (violador) terá que pagar todas as despesas do aborto, além de mais, a minha filha já está comprometida com um senhor que só está a espera da maturidade dela para o casamento, caso este venha a rejeitar a criança (noiva) o “Suleimane” terá que pagar todas as despesas que o prometido marido já fez para a nossa família até agora”. Esta situação espelha como a tradição, tão cedo inibe as crianças obrigando-as a um destino único e na maior parte das vezes, violento. O silêncio é mais emudecido quando a relação é de natureza incestuosa. Neste caso, já não só os envolvidos (violador e vítima) mas toda a família, familiares e membros da comunidade sentem-se afectados e reservados ao silêncio consagrado. Segundo a animadora de AMIC em Gabú, “existe um caso de um homem que começou a abusar sexualmente da enteada quando esta ainda tinha 12 (hoje já tem 15 anos. É um caso conhecido pela família. A mãe pede sempre a filha para ir ao local de serviço do marido a fim de receber o dinheiro para as compras diária. O marido, por sua vez, antes de entregar o dinheiro a enteada usa e abusa sexualmente da mesma. Ela chegou a contar a mãe, mas esta, simplesmente rejeita ouvi-la ameaçando-a e obrigando-a a calar-se ou a consentir. O caso é conhecido por mim (animadora) porque a criança no seu desespero e sabendo que sou animadora contou-me tudo o que se passava. Até me mostrou o quarto onde o acto é praticado, eu gostava de poder filmar com a colaboração da vítima mas não temos meios/materiais. Porém, cheguei a falar com a mãe à frente da vítima sobre o assunto e ela pediu desculpas, confirmou o seu conhecimento da prática perversa do marido mas, sublinha temer pôr em risco o seu (segundo) casamento. O marido é guarda-florestal, tem arma não terá qualquer receio em usa-la caso seja confrontado com o problema. Desta forma a criança continua a servir de objecto sexual do padrasto, até quando … não sei…mas gostaria de pode resolver este caso…pena a lei não permite, porque quem tem que fazer a queixa à policia, aceita e vive no silêncio com a crueldade”. Capitulo IV – O abuso e a exploração sexual de menores – amplitude e impactos na comunidade e na família 1. A dimensão do fenómeno na comunidade O fenómeno de abuso e da exploração sexual existe na comunidade guineense a diversos níveis, envolvendo vários tipos de actores. Ele constitui um tabu em diálogo, mas corrente nas práticas diárias, onde o silêncio e as imagens testemunham angústia das vítimas e o hiperotismo dos violadores. Esta realidade é oculta e considerada tabu comunitário devido aos seus efeitos, ás suas causas e às suas entranhas nas estruturas familiares e comunitárias. Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. Encontramo-lo dentro e fora da família; nos locais de trabalhos, nas zonas comerciais, em lugares isolados onde só persistem guardas de grandes e pequenos estabelecimentos, nos sítios isolados, de passagem mais frequentes das crianças vendedoras. Numa outra linha, ligada a prostituição encontra-se o fenómeno manifestado por crianças prostitutas e/ou prostituídas, havendo neste caso o consentimento da própria devido à pobreza. As crianças aceitam e entregam-se como prostitutas em lugares de cabarés, em nithg-club, em certos bares, em certos dormitórios e em zonas de cafetarias. Esta realidade, as vezes é bem visível, mas muitas vezes ela é bem escondida ou disfarçada aos olhos do cidadão comum. É uma realidade que envolve o sofrimento de muitas meninas (menores) e rapazes, que apesar de não aparecer tão evidente eles também são vítimas de abuso e de exploração sexual. É de salientar que, as crianças vítimas destas práticas, apresentam depois sintomas de infecção, lesões genitais, dores abdominais, constipação, infecções crónicas ou recorrentes do trato urinário ou problemas comportamentais, devido aos maus cuidados sanitários (OMS, 2002). Muitos os indivíduos observam (detectam) o fenómeno no seu meio familiar ou no lugar da sua ocorrência, mas continuam impotentes para colaborar na detenção dos abusadores, assim como na denúncia dos casos aos tribunais ou agentes legais de punição. Contudo, o fenómeno continua a ser algo tabu, pertencente à família dos envolvidos, ignorado ou mal tratado pelas leis nacionais (legislação) que o dizem querer erradicar. Assistimos á fragilidade judicial do seu enquadramento (como testemunha o capítulo a seguir). Por exemplo, a falta de enquadramento do consentimento da vítima, dificuldade de manter em prisões os violadores, considerando os seus estatutos que é sempre mais elevado do que o da vítima, sendo alguns violadores indivíduos da alta autoridade. Assistimos a uma pressão social comunitária forte em silenciar o fenómeno. Por outro lado, não é aceitável socialmente a exposição de uma relação sexual, seja de que natureza for e a virgindade é algo a preservar, mesmo que simbolicamente. Contudo, podemos considerar três dimensões de abuso e exploração sexual. As crianças violentadas nas suas casas (intra-familiar) ora por pais ora por outros elementos da família; as crianças vendedoras ambulantes que sacrificam o seu tempo para ajudarem a família mas com riscos de serem estupro de fantasia sexual de certos perversos; e por fim aquelas que andam na rua devido a miséria familiar e tendo a necessidade de expor as suas partes íntimas para os perversos que as usam por uns trocados 500 ou 1000 FCFA. Estas estão associadas (muitas das vezes) aos intermediários ou alcoviteiros, que as põe em contacto com os adultos, para a satisfação sexual destes últimos sobretudo nos cabarés ou bordéis. Assistimos a existência hoje de bares e discotecas estruturados com condições para dormidas, quartos com saídas e entradas ligadas às discotecas onde encontramos menores nas horas impróprias; assistimos a Pubs estilo cabarés com danças e “passagens de modelos”de menores que exibem os seus imaturos corpos, expostos aos abusadores. Gráfico n.º 7 – relação de parentesco e de proximidade entre actores envolvidos na violação Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. Filhos 4% Vizinhos 96% Fonte: esquadras de polícia A análise de dados estatísticos com base no SPSS, permite constatar que o abusador não mora longe e tem uma relação consanguínea com a vítima. O quadro da relação de proximidade ou de parentesco entre o violador e a vítima demonstra que 4% dos casos são entre pais e filhos. Todavia, o caso de relação sexual parafilica entre pais e filhos é difícil de se observar nas estatísticas da Policia de Ordem Pública, visto que, os crimes destes só dão liberdade e iniciativas aos familiares (pais e/ou educadores) em fazer as devidas queixas. O que permite a ocultação de casos que envolvem pais, a não ser que a mãe da criança saiba e tome a ousadia de fazer a queixa. Como sublinha o gráfico n.º7, 65 dos casos apresentados como queixa foram de iniciativas dos pais, o que permite perceber a ideia de que quando acontecem casos intra-familiares, estes são ocultados no seio familiar, isto para não falar na legislação que invoca o abuso sexual como crime semi-público sendo que só os pais e/ou encarregados de educação os únicos tutores e responsáveis para fazer a denúncia. Contudo a nossa equipa de investigação pôde testemunhar alguns episódios desta realidade vivida e conservada no silêncio, devido á tradição de manter intacta a instituição familiar. As relações extra-familiares são mais propensas a violação sexual (abuso sexual) e às denúncias. A vizinhança constitui um dos perigos da violação (sexual), pois mais de 96% dos casos referem-se as relações de vizinhança. A proximidade física e a confiança (ameaçada) que as crianças depositam nos adultos vizinhos devido à familiaridade do agregado, a facilidade que estes últimos têm em se aproximar das crianças e poder aliciá-las com objectos e recompensas monetárias, são alguns dos elementos que justificam elevado indicador de violação. Os pais vivem aterrorizados em fazer queixas que depois se desfazem com o tempo. Quadro n.º 8 – A correlação entre o tipo de violação e a idade da vítima Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. 100% 90% 80% 1 70% 60% 33 1 50% 1 40% 30% 1 20% 10% 4 0% Abuso sexual Violência física Rapto 0-12 anos 13-17anos Homicídio 18-25anos Abandono Fonte: esquadras de polícia Entre as faixas etárias das vítimas a considerar, 33 dos casos de abuso sexual são registados na faixa etária compreendida entre 13 a 17 anos, contra 4 dos casos entre 0 a 12 anos. Esta amostra estatística permite-nos relacionar a probabilidade dos casos parafilicos com a idade e (consequentemente) degeneração corporal de menores. Na maioria dos casos, os perversos sentem-se atraídos pelas formas de manifestação da puberdade das crianças. Este primeiro contacto é importante na medida em que pode provocar a chamada compulsão sexual do adulto e por consequência a obrigação sexual por parte deste ao menor. Por outro lado, a perversão do estupro, por parte de certos adultos em serem os primeiros a iniciar sexualmente uma rapariga é muitas das vezes um desejo imensurável dos violadores, levando-os a comportamentos sexual que podemos designar, de escândalo público. Todavia, é importante sublinhar a liberdade sexual cada vez maior dos menores, associada à sua inocência e que, em muitas das ocasiões se encontram em situações sem saída e acabam por dar em oferta o seu corpo, em troca de bens materiais. Grafico n.º 9 – Com quem vive a vítima no período da ocorrência da violação Avôs 5% Familiares 3% Outros 5% Tios 15% Pais 72% Fonte: esquadras de polícia Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. As vítimas na maioria dos casos vivem com os pais no momento da ocorrência da violação, como indica os 72% dos casos de violação, seguido dos tios com 15%, e 3% testemunha ser simples familiares. Na situação da vivência com os pais, apesar de ser em número considerado, há uma realidade escondida atrás destes pormenores estatísticos. Trata-se do facto de muitas das vítimas serem das famílias mono-parentais, ou seja, vivem simplesmente com um dos pais, na maior parte dos casos com a mãe. Os casos de abuso sexual e de parafilia afectam também famílias nucleares, normalmente quando a mulher assume o papel de produtora dos bens de consumo para família. A mulher casada deixa muito das vezes a sua casa, em busca de condições que permitam a sustentação familiar. Nesta situação, o homem (muitas vezes) passa a ficar mais tempo em casa com os filhos e normalmente se for uma família de filha única e menor, o perigo torna-se iminente. O estado natural e imaturo que a adolescente representa junto do pai e o ambiente onde vivem, podem favorecer clima de contactos sexuais permanentes. Esta realidade acontece no seio de algumas famílias guineenses, sobretudo entre padrastos e enteadas e/ou quando padece de perturbações psíquicas. Muita das vezes as crianças são enganadas e raptadas por um período indeterminado servindo de objectos sexuais como testimunha o caso da “Cadijatu” de quinze anos: “sai da minha residência para um passeio por volta das 20 horas , encontrei-me com o “Bubucar Sila” que me solicitou para lhe acompanhar à sua residência. Depois de algumas conversas e diversão disse-me que já era tarde para eu regressar a minha casa, fiquei e tivemos relações sexuais. Na segunda vez fiquei privada no quarto dele durante quatro dias, a minha família não sabia de mim e quando tive a oportunidade fugi”. A questão da pobreza é também evidenciada havendo casos em que a família da vitima faz “vista grossa” das saídas da mesma em troca de algumas notas (dinheiro) de forma implícita ou explicita. Justino Embalo de 51 anos de idade encarregado de uma criança de 15 anos, violada por um maior e tendo como consequência a gravidez da menor declara: “na qualidade de encarregado da criança de 15 anos violada sexualmente não vou avançar com o caso para o tribunal mas espero que o violador me recompense as despesas feitas no tratamento médico que andam a volta dos 29 500 F CFA”. 2. O caso entre os jovens: entre a violação e o consentimento O consentimento da vítima nas questões de violação é um aspecto que requer uma interpretação profunda, tanto ao nível legislativo como ao nível das inter-relações pessoais que possibilitam as práticas de violação. Há casos de abuso sexual entre os indivíduos de idades menores por terem uma liberdade sexual muito cedo, e que se manifesta no comportamento degenerado (de conhecimentos sexuais). O ambiente de diversão entre ambos favorece estas oportunidades e ás vezes acontecem casos onde a idade é diferenciada mas o ambiente social e a intimidade são comuns e possibilitam relações sexuais de consentimento mútuo. Nestes casos só a gravidez as podem expor aos olhos dos pais e da comunidade e consequentemente das instâncias judiciais. Estas relações são frequentes nas zonas urbanas sendo manifestadas pela expressão idiomática crioula de “Sub-17”. Nas zonas rurais elas representam, em parte, produtos de uma rejeição psicológica e absoluta ao casamento precoce onde as meninas ainda novas procuram por suas liberdades, seus parceiros e experimentam relações sexuais. Esta pressão psicológica é também associada ao facto de muitas das meninas nas zonas rurais não possuírem registos à nascença ou quando o possuem as idades registadas não correspondem às degenerações físicas e mentais. “Sanha” jovem de 19 anos acusado de violação pelos pais de uma menina considera ter 14 anos e declara: “sou vizinha da “Maria”, vi-lhe e tive interesse nela já algum tempo e, um dia Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. destes pude explicar-lhe a minha intenção em namorar com ela. Contudo levou algum tempo para ela aceitar a minha proposta. Depois de aceitar, tivemos alguns contactos sexuais ela ficou grávida, aceito tudo porque sou eu o pai da criança por ser namorado dela”. Estes casos acontecem com naturalidade na sociedade guineense tanto nas zonas urbanas como rurais, devido a liberdade sexual e inversão de valores tradicionais que conservam a família e dão-lhe uma linha de conduta bem definida. Por isso, é normal, ver nas zonas urbanas algumas crianças serem adulteramente mães, e nas zonas rurais já estarem a viver com os seus parceiros (mesmo que estes tenham também idade menor). Por outro lado, há casos perversos e de parafilia entre crianças. Testemunha-se menores, mas já na fase final de adolescência, abusarem sexualmente de crianças, o que representa crueldade e estupro apesar de os dois actores envolvidos terem a idade menores. “Turé” de 15 anos foi acusado de ter violado uma criança de 9 anos de idade, o que deixou a mãe furiosa e violentada psiquicamente pelo que aconteceu à sua filha de apenas 9 anos. A criança vítima disse que “ia a passar perto da porta do Turé para ir ao mercado cumprir a solicitação da minha mãe, quando este me chamou. Por estar a chover fui ter com ele. Então puxou-me para dentro do seu quarto empurra-me para o chão e agarrou-me presa começando de imediato a ter relações sexuais comigo. (…) Eu nem esperava que isso iria acontecer quando ele me chamou”. 3. Os movimentos pendulares das crianças Talibés: trafico e/ou exploração sexual Uma boa franja de indivíduos, de origem muçulmana, pode estar ligada a redes de tráfico e exploração (ainda que não se possa confirmar in loco a exploração sexual) de menores. Estas crianças, são alvos de redes de exploração entre a Guiné-Bissau e o Senegal e em alguns casos a Guiné-Conakry. São os chamados crianças Talibés. Este fenómeno, consiste numa dinâmica pendular de recrutamento das crianças para “eventuais” escolas corânicas no estrangeiro, essencialmente no Senegal, como também acontece o inverso de Senegal para a Guiné-Bissau. Normalmente existem intermediários que contactam e recrutam as crianças, mesmo juntos dos pais ou dos encarregados de educação. Esta solicitação é mais direccionada às crianças do sexo masculino. Contudo, já se identificou um caso de uma menina de 9 anos de idade que esteve na Guiné-Conacry e que terá fugido, tendo regressado a Guiné-Bissau. Geralmente as crianças quando regressam são observadas por médicos de forma a identificar possíveis abusos sexuais, mas até agora ainda não se identificou nada, apesar da existência de outros tipos de abusos não parafilicos (segundo a animadora da AMIC - Gabú). As crianças numa primeira fase de recrutamento são aliciadas (juntamente com os pais) com boas promessas e possibilidades únicas de aprendizagem do alcorão no estrangeiro. Assim, as famílias confiam-nas aos intermediários que as levam para o estrangeiro, onde durante a estadia praticam outros trabalhos de exploração que só beneficiam aos seus mestres. É de sublinhar que aprendizagem do alcorão por essas crianças representa em parte a manutenção da cultura islâmica, porque permite a aprendizagem e a transmissão dos seus valores culturais sagrados. Todavia, estas escolas não possuem condições, aliás as visitas ás escolas corânicas demonstram o mesmo. E longe das escolas corânicas, as crianças transformam-se em escravos, fazendo trabalhos diários árduos e longos para as suas idades. O diagnóstico feito ao perfil destas crianças comprova que, normalmente são crianças órfãs a cuidados de outrem, ou de famílias mono parentais, ou de mães herdadas no casamento (efeito levirato). Igualmente razões de ordem religiosa estão por detrás desta situação. Com efeito, na religião muçulmana é preciso sacrificar um dos elementos da família para salvaguardar a saúde dos demais. Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. Nesta perspectiva, muitos dos “pais” ou encarregados de educação têm conhecimento do que se passa na realidade (sacrifício) com as crianças Talibés, mas não tomam medidas achando normal o sacrifício. Inclusive manifestam-se contra os programas radiofónicos que denunciam casos de tráfico, exploração de crianças, alegando a difamação em detrimento da aprendizagem e da difusão da cultura muçulmana. Contudo, as crianças testemunham que passam sacrifícios e miséria e houve casos de mortes de alguns de seus colegas, que nem se quer chegaram a ter algum contacto com a escola corânica. Afirmam que passam a vida a pedir dinheiro nas ruas, para entregar aos adultos e a fazer trabalhos forçados. Este fenómeno é diferente do dos engraxadores de sapatos que encontramos nos centros urbanos do país. As crianças Talibés representam um fenómeno de tráfico, trabalho infantil, exploração e representam riscos de abuso e exploração sexual. O tráfico de crianças tem constituído uma preocupação das autoridades, podendo estar associado ao abuso e exploração sexual de crianças. É uma prática bastante disseminada na Guiné-Bissau, sendo o fenómeno de crianças talibés uma das suas manifestações. É uma praxe cujas raízes se fundamenta na necessidade de aprendizagem do alcorão e da manutenção da cultura muçulmana. A sua dinâmica pode concretizar no sentido bidirecional entre a Guiné-Bissau e o Senegal ou na dinâmica interna (deslocação de crianças para outras cidades). As crianças envolvidas nesta prática são na sua maioria (ou quase totalidade) rapazes. Os pais autorizam a deslocação dos seus filhos para fora da sua residência habitual com o objectivo de procurar conhecimentos da tradição (escola) muçulmana. Todavia, pelo caminho, acabam por encontram sacrifícios físicos e psíquicos não esperados. Por vezes, dedicam-se horas a fio a trabalhos árduos, que não se compadecem com as suas idades, podendo-se transformar em escravos dos seus mestres. Esta foto (ao lado) de uma criança de 9 anos de idade vinda de Kolda (Senegal) é um exemplo do retrato de crianças Talibés. Em princípio, esta criança deveria estar a aprender alcorão, mas encontra-se a desenvolver actividades para a sustentação do mestre. Foi apanhar a lenha numa zona distante da aldeia e aproveitou um bocado de tempo para descansar. O seu olhar sem horizonte, a incapacidade de se comunicar (por não saber crioulo), o medo e a obrigação de cumprir o dever para com o mestre, afastam-no das promessas de aprendizagem do alcorão e de vir a ser (também) mestre. O cansaço e a má nutrição são elementos patentes no seu olhar. Uma varanda improvisada (foto em baixo) representa uma escola corânica e um mestre deficiente (sinal de alguma incapacidade produtiva), onde os “mestrandos” precisam de uma forma ou de outra de colaborar na reprodução material dos seus mestres. Fonte: Fotos tiradas pelo Coordenador do estudo – João Có. Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. 4. As diferentes práticas culturais da dissimulação do abuso e da exploração sexual de menores O casamento precoce e forçado é uma forma de dissimulação da exploração sexual e de abuso sexual, uma vez que as crianças são dadas em casamento muito cedo e em troca de bens materiais que os seus pais e/ou educadores recebem como dotes de casamentos. O casamento forçado e a gravidez precoce andam de maus dadas na tradição de muitas culturas étnicas guineenses. Representa um fenómeno que se verifica com frequência no país, apesar de social e tradicionalmente em muitas etnias do país a gravidez precoce e fora do casamento representar a desonra, ao ponto de provocar repulsões e intimidações profundas por parte da família. Durante o trabalho de campo, confrontámo-nos com muitos casos de gravidezes precoces. No meio rural, uma das principais causa deste fenómeno é o casamento precoce e forçado; enquanto que na cidade a sua causa (parece) estar ligado à deterioração dos valores éticos/morais e à pobreza. Contudo, a variável degeneração sexual está presente em todos os casos, uma vez que as relações amorosas, devido a liberdade sexual, são assumidas cada vez mais cedo, o que aumenta a probabilidades de gravidez. Na realidade, o casamento forçado tem implicações a vários níveis. Quando envolve recursos económicos, nomeadamente a oferta de bens aos pais pelo noivo ou seus familiares, a noiva é obrigada a casar-se mesmo contra a sua vontade. Segundo a estratégia dos pais ou chefes de família a doação em casamento previamente, constitui formas de evitar a gravidez antes do casamento, sendo a puberdade da criança, que pode acontecer a partir dos onze anos, um sinal da sua maturidade física e psicológica para o casamento. O caso de uma menina que ficou grávida aos 13 anos ilustrador desta realidade: “a minha irmã (mãe da menina) já tinha reparado no namorisco da filha e avisou o namorado para não a engravidar. Um dia deu conta que a filha estava grávida e, esta com medo de ser repreendida pela mãe saiu de Gabú e veio para a tabanca onde estamos. O rapaz que a engravidou tem apenas 17 anos, por isso nós (tios dela), achamos por bem dela e também para a salvaguarda da honra familiar, dar-lhe em casamento. Se aparecer alguém que queira casar com ela e acharmos que essa pessoa é digna, aceitaremos e eles casarão logo depois da rapariga ter o bebé. O casamento só se pode realizar a seguir ao nascimento do bebé porque o alcorão não permite dar a rapariga em casamento no período de gestação (…). A possibilidade que o namorado tinha para poder se casar com a rapariga foi ignorada, porque segundo o alcorão logo que a rapariga ficou grávida, o namorado deveria ter levado “cola” aos garandis (educadores) dela para pedir perdão. E tinham que se separar durante três meses marcando um reencontro para simular que estavam a conhecer-se pela primeira vez, e dai seriam aceites e autorizados a casar com a devida bênção da tradição do alcorão. Uma vez que esta norma não foi cumprida, então vamos arranjar homem para a nossa rapariga”. Este exemplo demonstra como a tradição (mesmo que nefasta) condena culturalmente e socialmente as crianças e estas, por não conhecerem os seus direitos, vivem a mercê dos caprichos da tradição. Porém, há casos de resistência dos próprios menores, ao ponto de assumirem desafiar os seus pais como nos testemunhou a “Maria”: “quando tinha 14 anos o meu pai escolheu um homem de 40 anos para ser meu marido, mas recusei casar com ele porque não gostava dele. Actualmente tenho 23 anos de idade e o meu pai voltou a escolher um outro (homem) de 47 anos para ser meu marido., Já fizeram a cerimónia de mara cassamenti (noivado) e agora sou a noiva dele. Não o amo, mas o meu pai está a pressionar-me todos os dias, para marcar a data de casamento mas não estou preparada e nem quero este homem uma vez que namoro um rapaz da minha geração que eu amo bastante. Ele fez 11ª classe e está a espera de uma bolsa de estudo. Eu também estou a estudar a 11ª classe e espero conseguir uma bolsa de estudos, para poder realizar o meu grande sonho que é tirar a licenciatura em Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. jornalismo. Psicologicamente estou muito abalada, não consigo dormir. Se tivesse meios sairia desta cidade (Mansôa) e do país também. Eu choro quase todos os dias, o meu namorado já me pediu para fugir com ele mas não posso. Estou a tentar convencer o meu pai para me deixa em paz. No entanto, eu e o meu namorado temos planos de sair do país quem sabe”. E quando a resistência é vencida pelos pais a realidade pode provocar efeitos híbridos nefastas, ao ponto dos inocentes sucessores (bebés nascidos) correrem riscos de vida ou de abandono nas ruas. O caso de “Mariama” em Bafata é sintomático, “ela casara aos 16 anos de idade com o “Mamadu”, teve, dois bebés que infelizmente faleceram. Por razões de pobreza Mamadu emigrou para Cabo-Verde afim de procurar melhores condições de vida para a sua família. Durante a sua ausência de mais de dois anos a Mariama (agora com 23 anos) ficou junto aos pais do marido, mas decidiu ter uma relação secreta com outro senhor (já casado) da idade do seu pai. Durante esta relação, ela ficou grávida mas sempre escondeu dos familiares (tanto dela como do marido). Acontece que, no dia do parto fugiu e quase dava a luz pela a rua andando. Felizmente, foi amparada por uma senhora que a ajudou a dar a luz na sua casa. Contudo, voltou para casa dos familiares do marido sem o bebe e estes desconfiaram que ela teria deitado fora o bebé e pressionaram-lhe. Ela reagiu que tinha o bebé junto à senhora que a ajudou a dar a luz, mas já tinha deixado a casa desta senhora e está agora junto da outra que lhe amparou uma vez que o marido mandou expulsa-la de casa. Os familiares do marido revoltados com o episódio foram dar ocorrência a esquadra, alegando tentativa de abandono que é hoje frequente na sociedade guineense”. E assim a Mariama foi para a esquadra sem o bebé e espera de ser punida. Tivemos a oportunidade de falar com ela, mas quando perguntamos a “Mariama” o que faz na vida, ela chora e diz não faz nada. Apenas vive a custa da bondade dos familiares do marido e da tia dela, porque o marido desde que foi para Cabo-Verde nunca lhe enviou nada, nem lhe telefona a não ser quando mandou expulsa-la da casa dos seus familiares. Porém, uma boa campanha de sensibilização poderá ter efeitos positivos como testemunha o caso de uma menina de 12 anos que estava a estudar a 5ª classe em Bissau e que o pai deu em casamento a um jovem na aldeia por este ter muitas vacas. A criança teve iniciativa de ir à polícia e consequentemente, os pais foram ouvidos pela polícia e o casamento ficou sem efeito, pelo menos até a data. Finalmente, a mutilação genital representa uma outra forma de abuso sexual e exploração sexual (ainda que não parafilica) uma vez que há contactos e uso do órgão genital feminino através da corte do clítoris da criança e, normalmente esta prática é realizada numa fase de vida em que a criança não tem maturidade suficiente para tomar uma decisão a respeito do uso do seu corpo (sobre estes aspecto ver capítulo III, ponto 2). É uma prática corrente no país e chega a envolver conflitos entre o Estado (através da Policia de Ordem Pública – agentes PJ) e as famílias das vítimas e/ou as fanatécas. Todavia, pergunta-se como é que tanto o Estado como os chefes tradicionais muçulmanos acordaram acabar com a mesma e ela continua, ao ponto de algumas vezes as fanatécas dizerem ter autorização por parte do Estado para a prática. Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. Capítulo V - As instituições e instrumentos jurídicos nacionais de protecção de menores 1. As instituições ligadas à protecção e a defesa de crianças A dimensão da realidade do abuso e da exploração sexual na Guiné-Bissau tem merecido a preocupação de várias instituições ao nível de representações internacionais (UNICEF, SOS crianças, OMS, UNPFA, PLAN Guine-Bissau), no quadro estatal (O Ministério de Solidariedade Social Família e luta contra a Pobreza através do IMC, Ministério da Justiça e Ministério da Interior, Ministério de Saúde e o Ministério de Educação) e ao nível das diferentes ONGs nacionais. Estas preocupações manifestam-se por um lado, nos programas de várias ONGs e, por outro, na tentativa de reenquadramento legislativo do fenómeno por parte do Estado. O UNICEF é de longe o maior parceiro do Estado da Guiné-Bissau na representação e no financiamento da protecção e da defesa das crianças ao nível nacional. Ao lado desta agência das Nações Unidas, existem também outras instituições, tais como o Plan Guiné-Bissau, AMIC, REJE, RENLUV entre outras, cujas actividades se destinam a protecção de crianças. O fenómeno do abuso e da exploração sexual de criança sempre existiu na Guiné-Bissau. Todavia, comparando com os tempos mais remotos, quando não existia instituições e organizações locais que denunciavam o fenómeno e suas consequências ele terá diminuído. Os trabalhos de sensibilização, de educação e de formação levados a cabo tiveram efeitos positivos. Contudo, algum trabalho resta por fazer neste contexto, por parte de diferentes instituições engajadas nesta área que a seguir passamos apresentar. a) OMS Os contactos realizados pela equipa de investigação na Organização Mundial de Saúde (OMS) na Guiné-Bissau, revelam alguma preocupação por parte desta instituição na matéria de violação de direitos de menores, muito embora não constitua o objecto central das acções da sua intervenção. As diligências e contactos realizados por parte da OMS junto ao Instituto da Mulher e da Criança (IMC) de modo a realizar um trabalho referente à MGF/E, destacam a inquietação, apesar da não concretização do projecto devido a dificuldades financeiras e institucionais. b) IMC Por sua vez, o IMC a instituição estatal de defesa e protecção de crianças dizem que na sua política implementada, privilegia a colaboração com muitas ONG´s e Associações Nacionais, mas não há um acordo de parceria entre as mesmas, excepto com o UNICEF, através do plano de cooperação quinquenal(Programa de Protecção e Participação) entre o Governo da Guiné-Bissau e esta agência das Nações Unidas. As áreas de intervenção e apoio não se limitam à protecção e participação mas igualmente ao desenvolvimento Integrado de Pequena Infância, nomeadamente (a Promoção de Direitos de Criança e de Mulheres, e a Protecção e a participação de Crianças). Neste âmbito muitas ONG´s beneficiam de financiamento para a implementação dos seus planos de acção. c) SOS Crianças A SOS – Crianças é uma instituição filantrópica internacional que acolhe crianças órfãs (parciais e/ou totais), dando-lhes um novo lar, nova família. Abriu em 1994 em Bissau e posteriormente em Gabú e agora em construção em Canchungo. A estrutura é formada por Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. aldeias (centro social, jardim normal, lar juvenil), escolas primárias de Hermamn Gmairer e liceu experimental, tendo um coordenador nacional do projecto. O recrutamento de crianças faz-se através de um diagnóstico no terreno e depois a absorção daqueles que melhor se enquadram na filosofia da instituição. As crianças são seguidas durante a sua estadia no lar e depois da sua saída ao completarem 18 anos (quando maiores), dispondo de uma bolsa de inserção social (designada inserção parcial). Caso eventualmente venham a conseguir um emprego considera-se inserção total e a instituição deixa de os atribuir a referida bolsa. d)AMIC A AMIC é a primeira ONG da protecção e defesa de crianças ao nível nacional, possuindo uma longa tradição neste quadro. Muito cedo enquadrou a questão do abuso e da exploração sexual nas suas preocupações, tendo desenvolvido programas (de sensibilização, denúncias e seguimento das vítimas) e acompanhando alguns casos e nomeadamente o caso de um estrangeiro que terá abusado sexualmente de mais de uma dezena de rapazes em Mansôa. Porém, à semelhança de todas as instituições do país, após o conflito armado de 1998, a AMIC tem passado por dificuldades financeiras, porque os principais parceiros se retiraram do país, o que afectou o seu trabalho e consequentemente das suas antenas regionais, reservando-lhe apenas o esforço de trabalhar mais nas áreas de educação e prevenção/sensibilização em todo o país. Actualmente, trabalha por financiamento do Fundo Canadiano de Iniciativas Locais, na área de formação e também em parcerias com o UNICEF, que visa à formação dos Agentes da Policia da Ordem Pública nas diferentes regiões (Bafata, Gabu, Quinará, Tombali, Cacheu,): Todavia, a instituição continua a receber denúncias de abuso e da exploração sexuais mas tem tido dificuldades na actuação, no seguimento e no apoio psicossocial às vítimas, devido a falta de financiamento e dificuldades impostas pela legislação nacional. e) Rede de Jovens Educadores (REJE) A REJE que teve a sua criação a partir da ENDA-Senegal, inicialmente era de natureza inter-regional em matéria de formação sobre direitos e a protecção das crianças. Contudo, a nova REJE vai ao encontro dos problemas da comunidade em matéria de educação (através de diagnósticos e inserção escolar), na saúde (dando cuidados e tratamentos médicos), na protecção jurídica (onde sensibiliza e informa sobre os perigos dos castigos corporais leves, cruéis, violação sexual e na instrução do processo). Igualmente trabalha com crianças e jovens trabalhadores (vendedores ambulantes dando apoio familiar e sensibilização das mesmas e suas famílias sobre os perigos que os podem interpelar nas suas vidas quotidianas. Com efeito, em parceria com o IMC e o UNICEF, a Reje levou a cabo a formação dos agentes da Polícia da Ordem Pública, munindo-os de instrumentos que permitem descrever e recensear crimes de abusos e de exploração sexuais nas suas deferentes vertentes de crueldade. Na mesma linha de preocupação, de protecção de crianças, esta rede desenvolve parcerias de trabalho com a INDE, a AMIC e a colabora com o Ministério do Interior, o Ministério da Justiça, o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação. f) Inter-cooperação e Desenvolvimento (INDE) A INDE trabalha ligada a problemática do trabalho infantil num sentido transversal (educação - alfabetização, saúde – VIH/SIDA entre outras.,). A dimensão invisível do abuso e da exploração sexuais de crianças despertou o interesse desta instituição. Colabora com as diferentes ONGs nacionais e internacionais, designadamente a AMIC, a REJE, a SAVE THE CHILDREN SUED. INDE actua nas áreas de educação e de sensibilização de crianças vendedoras, que representam a categoria mais vulnerável de abuso e exploração sexuais. Contudo, a semelhança de outras instituições, esta ONG enfrenta dificuldade na execução do seu trabalho de protecção das crianças devido às controvérsias da legislação nacional. Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. g) Rede Nacional de Luta Contra Violência (RENLUV) A RENLUV é uma ONGs que está a desenvolver programas nas seguintes áreas: Educação e Cidadania, Protecção e Vigilância, Reinserção Sócio-económica, Práticas Nefastas, IST e VIH/SIDA. A sua actividade por região podia ser descriminada como se segue: na região de Cacheu está a implementar um grupo temático dedicado as infecções sexualmente transmissíveis (IST) e VIH/SIDA, na região de Gabú, o programa de protecção, vigilância e reinserção sócio-económica, na região de Oio dedica-se às práticas nefastas, no Sector Autónomo de Bissau, à educação e a cidadania. A RENLUV é uma ONG constituída por 40 organizações de bases. Cada uma destas organizações de base é autónoma e tem o seu coordenador. Com efeito, fazem programas independentes que normalmente são encaminhados para o secretariado que os submete às outras organizações para o financiamento. No âmbito da sua actividade, desenvolve parcerias e colaboração com a SWISSAD, SNV, UNPFA, PNUD, IMC, STJ, PJ, SOS, Action aid , entre outras instituições. Está em via de celebrar acordos de cooperação com o Ministério do Interior e o Ministério da Saúde Pública. 2. Instrumentos jurídicos de protecção contra o abuso e exploração sexual de menores A exploração sexual de menores abarca todas as práticas que, em aproveitamento da incapacidade intelectual, mental e física de uma pessoa, visam a obtenção de vantagens patrimoniais por parte de um terceiro em troca de uso para fins de obtenção de prazeres sexuais do corpo de um menor. Sendo a criança uma presa fácil para os seus predadores, ela pode ser usada de várias formas que vão desde o seu uso directo na prostituição ou na indústria de pornografia até o cumprimento de determinados rituais. Os instrumentos jurídicos de prevenção e de combate a estas práticas podem dividir-se em internacionais e nacionais. 2.1- Instrumentos jurídicos internacionais a) Declaração Universal de Direitos Humanos/Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos A Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) e a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (CADHP) são instrumentos jurídicos de grande importância, nos quais se pode enquadrar a protecção da criança no âmbito da protecção do ser humano em geral e que permitem a responsabilização dos Estados Partes pela promoção e defesa dos direitos humanos. Apesar destes documentos internacionais forjados na base de compromissos entre Estados com sistemas políticos e concepções dos direitos humanos diferentes, limitarem a sua eficácia jurídica, eles não toleram as práticas degradantes que ofendam física e/ou moralmente as pessoas, principalmente as camadas mais vulneráveis, entre as quais as crianças. Consciente da inoperacionalidade daqueles instrumentos jurídicos, a comunidade internacional adoptou bases jurídicas específicas, nomeadamente a Convenção de Direitos Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. de Criança, com vista a descrever pormenorizadamente os aspectos importantes na protecção da infância. b) Convenção dos Direitos das Crianças A ampla aceitação que a Convenção dos Direitos das Crianças (CDC) tem no mundo, revelada pela sua ratificação em quase todos os Estados membros das Nações Unidas26, demonstra um amplo consenso sobre a questão da infância. A CDC estabeleceu no seu Artigo 34 que os Estados Partes devem adoptar medidas que visam o combate a todas as formas de exploração e abuso sexuais, incluindo no âmbito da exploração sexual, o incentivo ou a coação da criança a prática de actividade sexual ilegal, a prostituição ou o seu incentivo e a sua utilização na indústria pornográfica. Contudo, a Convenção não procedeu a tipificação das práticas sexuais ilegais, deixando esta tarefa de pormenorização às leis nacionais. Importa realçar que para além da protecção especificada no Artigo 34º e Artigo 35ºda CDC, a protecção contra a violação da integridade física e moral da criança, principalmente a do sexo feminino está consignada nos artigos 1º e 2º da CEDAW (Convenção contra a Eliminação de todas a formas de Descriminação Contra a Mulher). Nestes artigos constam uma forte recomendação para a condenação de práticas que vão no sentido de exclusão ou restrição da capacidade de mulher gozar plena e livremente das suas capacidades física e mental, incluindo a liberdade de prática de actividades sexuais. Para além das considerações feitas sobre a base principal da protecção das crianças, patente no Artigo 34 da CDC, pode-se encontrar, outras bases que fundamentam a obrigação da protecção das crianças, nomeadamente Artigo 2º, que faz uma proibição genérica da descriminação contra as crianças em função do sexo e o Nº 1 do Artigo 19º, que realça a necessidade da protecção da criança contra a violência física e moral. 2.2- Instrumentos jurídicos nacionais a) Constituição da República A Constituição da República da Guiné-Bissau (CRGB) é um importante instrumento jurídico de protecção das pessoas contra a violação dos seus direitos. O legislador constituinte nacional, conhecendo as eventualidades das falhas em algumas previsões, utilizou uma técnica legislativa aberta que permite uma aplicação imediata dos preceitos normativos relativos aos direitos fundamentais constantes nos instrumentos internacionais, através do seu Artigo 29º. Nos termos deste artigo, “ os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes nas demais leis da República e das regras aplicáveis no direito internacional”. Agora é necessário ver se a legislação ordinária (as leis infra constitucionais: o código penal; código civil etc.) garante o cumprimento do que está estabelecido no Artigo 34º da CDC, em termos da punição de violação sexual e dos casamentos de menores. 26 Apenas os EUA e a Somália não aderiram a Convenção Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. b) Código Penal O Código Penal da Guiné-Bissau prevê a punição do crime de abuso sexual de menores com uma moldura penal que vai até os cinco anos, se dele não resultar outras consequências, tais como ofensas à integridade física da vítima, ou não lhe provocam alguma doença, caso contrário, a moldura penal sofre um agravamento de um terço. Nesta linha, a lei penal nacional tem em conta o caso de exploração sexual cometida por um terceiro, com intenções de tirar vantagens económicas para si próprio, punindo estes comportamentos com penas mais graves, isto é, de três a dez anos de prisão. O problema do nosso sistema jurídico é que ele considera os crimes previstos nos Artigos 133º (violação), 134º (abuso sexual) e 136º (exploração sexual de terceiros), como crimes semi-públicos, cujos procedimentos criminais dependem das queixas das vítimas. Agora se levarmos em conta as características das nossas sociedades, em que muitas das vezes os próprios membros da família são cúmplices, não obstante a lei ter ressalvado os casos de menores sob tutela dos agentes violadores, os próprios costumes obstaculizam a denúncia e a consequente punição. Tirando os aspectos de classificação que podem beneficiar eventualmente os agentes, mas que podem ser objecto de um tratamento mais cuidado, o nosso sistema jurídico prevê sanções para todas as formas de abuso e exploração sexual das crianças, assim como os efeitos resultantes dos mesmos, como as ofensas corporais (previstos de forma a reprimir os agentes) e os métodos mais frequentes utilizados na sua realização (ameaça e coação). c) Lei Orgânica do Tribunal de Sector A organização judiciária admite na sua estrutura os tribunais de pequenas causas designados de tribunais de sector. A importância destes órgãos assenta no facto de que, para além de serem instituições judiciárias mais próximas da população, a sua lei orgânica permite-lhes resolver as causas que lhe são submetidas de acordo com os usos e os costumes locais, ou segundo a equidade. Neste contexto estes tribunais são estâncias privilegiadas no tratamento destas questões, pois que muitas das violações dos direitos das crianças são feitas a pretexto de observância de normas costumeiras, como são os casos dos casamentos precoces e forçado, das jovens raparigas. Nas questões relacionadas com os direitos fundamentais em geral, recomenda-se que estas normas do direito positivo se sobreponham as normas da tradição, fundamentalmente devido a sua actualidade e que reforça a ideia de que os juízes devem aplicar as penas independentemente das solicitações de pessoas influentes. O acervo de normas jurídicas internacionais e nacionais garante uma promoção da defesa da criança, não só contra os agentes violadores, mas também contra os silêncios e as indiferenças das autoridades públicas, sobretudo o Governo e a Assembleia Nacional Popular. Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. 3. Entre a legislação e os imperativos culturais e sociais: o efeito “Djocorenda”27 A legislação é um dos aspectos mais crucial a ter em conta na defesa dos direitos de crianças. No entanto, todas as instituições de protecção e defesa de crianças defendem uma necessidade de revisão da legislação nacional na matéria de direitos de menores, essencialmente do código civil e penal. Não obstante as deficiências da legislação nacional, há por outro lado o efeito “Djocorenda” que representa os pactos obtidos na comunidade e que obriga a família da vítima desistir do processo, limitando assim o funcionamento dos tribunais. Por outro lado, mesmo quando os tribunais actuam, é indisfarçável a ligeireza no tratamento dos processos. A pobreza e a diferença de estatuto entre o violador e a vítima são elementos a considerar nas manipulações constantes do processo. Assim quando as vítimas são indivíduos pobres, sem recursos para sustentar e acompanhar os seus processos, estes acabam por não seguir para frente. Nesta linha, testemunha-se várias peripécias relativas ao abuso e exploração sexual de crianças. Há casos em que o tribunal aceita o relato do agressor e também casos em que o Ministério Público simplesmente não se pronuncia. Em outros casos, os depoimentos, mesmos os dos médicos, quando entram no tribunal são diferentes dos inicialmente testemunhados. O processo até chegar ao tribunal perde as suas evidências e clareza e é facilmente manipulado. As redes sócio-familiares sustentadas na tradição e na defesa da comunidade são também um dos obstáculos no combate à violação sexual (abuso e exploração sexuais). A comunicação perversa, baseada no silêncio e no disfarçar da dor das crueldades, a identificação dos pactos intra-familiares e extra-familiares, comunitários e societários são em parte, ainda que não directamente defensores, instigadores da continuidade do abuso e exploração sexuais. Da mesma forma a pobreza, que leva a família lesada a aceitar receber uma quantia modesta de dinheiro em troca do comodismo e silêncio favorece a continuação do fenómino. Neste contexto tradicional, os chefes tradicionais, os imames, muros, curandeiros e balobeiros, são agentes (ainda que indirecta) de coabitação da violação sexual e funcionam como instituições de permissão e legitimação da violação sexual. O quadro abaixo descreve a situação dos processos submetidos aos tribunais relacionados com a violação de direitos das crianças. 27 Djocorenda significa na etnia Fula resolver casos em conflito de acordo com princípios de harmonia, parentesco e solidariedade. Esta situação não acontece apenas na etnia Fula, mas também noutras etnias da Guiné-Bissau. Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. Gráfico n.º 10 - Situação actual do processo 70,0% 59,3% Percentagem 60,0% 50,0% 39,0% 40,0% 30,0% 20,0% 10,0% 1,7% 0,0% condenado processo em aberto Desistência familiar Situação de Processo Fonte: esquadra de polícia Não obstante a ocultação do fenómeno, os casos denunciados junto das esquadras policiais, que aí não encontram o seu destino final, são encaminhados para o tribunal para o julgamento. Normalmente, as famílias desistem depois de terem feito a queixa nas esquadras, ou mais a frente nos tribunais, alegando dois aspectos. O primeiro tem a ver com o perdão, devido aos efeitos “djocorendas” ou reconciliação alegando as linhas tradicionais e consanguíneas comunitárias. O segundo está ligado a morosidade e custos financeiros na instrução do processo no qual, muitas das vezes a família acabam por ser culpada pela decisão final do juiz. Muitas das vezes, quando os violadores são culpados acabam por não cumprir a pena atribuída por pertencerem a uma posição na escala social superior a da vítima e regressam ás suas casas, voltando a conviver com as vítimas. Apenas em 1,7% dos casos o violador é punido por uma pena de prisão e 59,3% encontra-se em fases (perpetuas) de instrução. Estas instruções que duram longos meses acabam por condicionar a desistências em 39%. Conclusão O abuso e a exploração sexual constituem um fenómeno real em todo o mundo e na GuinéBissau. Muitas das definições acordam o abuso sexual e exploração sexual como as variáveis da categoria da violação sexual e da violação dos Direitos do Homem, essencialmente das crianças. Assim, o abuso sexual de menores é considerado qualquer tipo de comportamento e actividade sexual onde haja a participação de menor de 18 anos por ser incapaz. Esta incapacidade prende-se com as razões da idade, associada ao seu desenvolvimento psicológico e físico. Por outro lado, este comportamento ou actividade sexual acarreta normalmente o uso de força, da coação e da dominação por parte do violador sobre a vítima, podendo também constituir violação das normas sociais e/ou tradicionais vigentes numa sociedade ou colectividade. Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. O conceito de exploração sexual é, na sua natureza e intenção um acto comercial e as vezes associado às manobras de sobrevivência dos seres humanos. Define-se como uma prática sexual que envolve criança, mas com fins comerciais e/ou ou de proveito próprio do adulto ou de outrem, havendo ganhos em troca do uso do corpo (sexo) da criança. Por envolver criança, estes actos constituem um crime, sendo considerado explorador, todo tipo de cliente que paga pelos serviços sexuais que envolvem crianças, assim como os seus intermediários, ou seja, aqueles que induzem, facilitam ou obrigam crianças e/ou adolescentes a prostituir-se. Todavia, o fenómeno da exploração sexual estar também associado a actividades sexuais (disfarçadas) que as crianças são passíveis, em varias culturas, nomeadamente participações em shows, casamentos forçados e precoces, e entregas sexuais de natureza donjuanista etc. No contexto guineense, encontramos várias formas de violação sexual que dividimos em duas grandes categorias. A primeira categoria agrupa-se as formas correntes e cruéis de violação (física e mental), que não pressupõe a obrigatoriedade do uso ou o contacto com os órgãos genitais da criança, tratam-se de violações, violências, abusos, explorações, agressões que vão desde as simples negligências dos pais, dos simples castigos domésticos (considerados correntes numa sociedade) aos actos de crueldade condenadas pela sociedade. Por exemplo, o não registo da criança à nascença representa uma das formas mais correntes da violação; enquanto que a mutilação genital e o homicídio de crianças por alegações de feiticeira representam as formas mais cruéis nesta categoria de violação. Contudo estas formas apesar de directamente não se associarem ao abuso e a exploração sexuais representam co-factores dos mesmos, como correlacionamos ao longo do texto. A segunda categoria agrupa as formas parafilicas e cruéis de sexualidade, que consistem no uso ou contacto com os órgãos genitais de menores para satisfação sexual do violador. Como sublinha Cohen, são crimes sexuais parafílicos porque implicam uma imposição dos desejos sexuais a outrem e sem que este esteja pronto ou em condições de perceber o que vai e/ou está a acontecer. Nestas circunstâncias são sempre dirigidos à criança devido à sua inocência e vulnerabilidade. Contudo, podemos considerar o casamento precoce no âmbito das formas parafilicas. Por outro lado, as relações sexuais incestuosas nos seios familiares e a prostituição (comercializada) são também exemplos desta prática cruel. O fenómeno do abuso e exploração sexuais existe na comunidade guineense a diversos níveis, envolvendo vários tipos de actores. Constitui um tabú, mas corrente nas práticas diárias. Esta realidade é oculta, devido aos seus efeitos, as suas causas e suas entranhas nas estruturas familiares e comunitárias consagradas pelas tradições e valores sociais na família e noutros locais nomeadamente no emprego, nos locais por onde passa os menores vendedores. Devido à pobreza encontram-se crianças prostituídas e crianças prostitutas em lugares de cabarés, em certos bares de vida nocturna e até diurna, certos dormitórios e zonas de cafetarias. O fenómeno do abuso e exploração sexuais é uma realidade que envolve crianças na sua maioria de sexo feminino, apesar de existir casos de criança de sexo masculino, relacionados com violadores estrangeiros. As consequências deste fenómeno podem ser várias, desde a apresentação de sintomas de infecção, lesões genitais, dores abdominais, infecções crónicas ou recorrentes do trato urinário ou problemas comportamentais na linha da saúde física. Como no campo social e inter-relacional as crianças podem ganhar degeneração sexual e consequentemente assumirem-se socialmente como prostitutas ou terem comportamento ninfomanias. Não obstante estas informações, várias práticas culturais, de vários grupos étnicos continuam a ser co-factores destes actos cruéis e desumanas, designadamente a mutilação genital e o casamento precoce. A família é considerada vítima, mas também pertence ao grupo dos co-factores, uma vez que ela colabora na consagração de valores tradicionais que ocultam fortemente as práticas desumanas, ao ponto de participar nos alegados “djocorenda” Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. que representa a mão invisível dos representantes tradicionais, chefes religiosos e notáveis comunitários para possíveis entendimento nos conflitos que afectam elementos da mesma comunidade. Existem várias instituições intermédias ONGs e associações de base no combate ao fenómeno. Muitos delas e mesmos o cidadão comum observam o fenómeno no seu meio familiar ou no lugar da sua ocorrência, mas continuam impotentes na desejada colaboração, detenção dos abusadores, assim como, na denúncia do caso às estâncias competentes. Por isso, o fenómeno continua a ser algo tabu, pertencente à família dos envolvidos, ignorado pelas leis nacionais devido à fragilidade das mesmas. Podemos considerar três frentes de abuso e exploração sexuais de crianças: As crianças violentadas nas suas casas ora por pais ora por outro elemento superior da família (intrafamiliar); as crianças vendedoras ambulantes que sacrificam o seu tempo para ajudar as mães, mas onde as vezes são abordadas por simulacros em troca de pequenas notas para relações de abuso sexual (de estupro); e por fim aquelas que andam na rua devido à miséria familiar, prostituindo à custo de 500 ou 1000 FCFA, por cada acto sexual. Neste quadro negro, não podemos esquecer casos de abuso sexual entre os indivíduos de idades menores devido a liberdade sexual, associado ao comportamento degenerado de conhecimentos sexuais. Por outro lado, e nas zonas rurais os efeitos de rejeição psicológica ao casamento forçado e precoce têm sido co-actores para aumento de casos entre adolescentes. Este aumento tem provocado reacção negativa por parte dos pais obrigando as filhas a casarem-se mais cedo, de modo a protege-las da gravidez precoce. Isso porque muitas das vezes as meninas procuram por sua liberdade escolher seus parceiros e experimentar relações sexuais devido a pressão psicológicas. Nos últimos tempos um novo fenómeno tem preocupado os defensores dos direitos dos menores. Trata-se do fenómeno de crianças “talibés” que representa tráfico, trabalho infantil, exploração e podendo representar o abuso e a exploração sexuais. Ele consiste em recrutar as crianças através do aliciamento com boas promessas e possibilidades de aprendizagem do alcorão no estrangeiro. Nesta base, as famílias confiam-nas aos intermediários que as levam para o estrangeiro, onde durante a estadia ficam sujeitos a condições degradantes, nomeadamente trabalho infantil. Não obstante os esforços realizados até agora, há ainda muito por fazer na defesa dos direitos das crianças. A verdade é que a sociedade guineense possui imperativos sociais que requer um trabalho de sensibilização profunda para fazer funcionar as leis do nosso sistema jurídico. 1. Recomendações para a implementação de um programa nacional de combate ao abuso e exploração sexual de menores na Guiné-Bissau. Tanto a maior instituição internacional de defesa de crianças (o UNICEF) como as instituições estatais nacionais e as ONGs, têm tido uma dinâmica de identificação e mobilização de esforços através dos programas relacionados com o abuso e a exploração sexuais de crianças. As grandes dificuldades residem nas formas de identificação e apreensão do fenómeno, nos recursos (financeiros e humanos) para suster os trabalhos em algumas resistências tradicionais culturais (dos diferentes grupos étnicos), assim como nas Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. limitações impostas pela legislação nacional (a não conformidade com as recomendações internacionais constantes da CDC e da CEDAW), apesar do Estado ter demonstrado a sua disponibilidade (através dos órgãos criados). Na verdade, é preciso um envolvimento comunitário intenso e sustentado, incluindo as entidades religiosas, as igrejas (cristã e muçulmana) e seus representantes, os régulos tradicionais, os chefes de tabanca, comités de tabanca – chefes de famílias e as vitimas no combate à violação. Assim a legislação constitui a primeira necessidade de revisão e por outro lado, a necessidade de criação/legitimação de redes sociais de denúncia, que identificam e denunciam as violações, os pactos e acordos comunitários. É preciso também uma opinião pública bem informada para proceder à sensibilização e à mobilização da sociedade em geral. Para uma melhor defesa dos direitos dos menores na Guiné-Bissau, as seguintes recomendações podem ser feitas: Criação de um Plano Nacional de protecção e defesa de abuso das crianças que será elaborado e orientado por um comité nacional constituído por instituições sociais jurídicas estatais legítimas, nomeadamente representantes e/ou actores do Estado (IMC, ANP, Ministério de Solidariedade Social, Família e Luta contra Pobreza, Ministério da Educação, Ministério da Saúde, Ministério do Interior, Tribunais, Comissariados de Ordem Pública) – os actores Intermediários (Associações de Jovens; ONGs nacionais e locais; Universidades; Faculdade Direito de Bissau) e actores Comunitários (associações, os medias nacionais, locais, chefes e notáveis tradicionais). Elaboração e implementação de uma política nacional de protecção às mulheres e crianças, envolvendo todos os actores do Estado (IMC, ANP, Tribunais, Comissariados de Ordem Pública) – os actores Intermediários (caso de ONGs e nacionais e locais) – os actores Comunitários (associações, os medias nacionais, locais). Isso porque as mulheres e crianças representam geralmente na sociedade guineense e particularmente nas tradições de muitas étnicas a camada social mais vulnerável, sendo deste modo, passíveis de abuso e exploração sexuais. Acompanhar e supervisionar politica nacional de protecção às mulheres e crianças: seguimento e avaliação das mesmas. Finalizar a harmonização ao nível da legislação nacional no que se refere as crianças – de modo a aproximar-se das recomendações da CDC Estabelecer a correlação positiva entre o tipo de violação e a pena a considerar. Articulação e coordenação entre o Estado (através das suas instituições representativas), o UNICEF , as ONGs e os medias locais. Permitir que outros agentes (não só a família envolvida) possam denunciar as piores formas de violação de mulheres e crianças junto das autoridades competentes, criando linha verde junto do IMC e Polícia de Protecção Pública. Uma vez que esta recomendação baseia no facto da maior parte das práticas de abuso e de exploração sexual provierem da própria família, podendo ser considerada ao mesmo tempo actor passivo e activo. Estabelecimentos de uma linha de cooperação e apoio técnico entre os actores envolvidos nas denúncias. Dar o apoio técnico-financeiro para implantação e implementação das acções de atendimento em rede. Contribuir no processo de formação/capacitação dos profissionais envolvidos na rede de protecção e defesa das mulheres e das crianças. Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. Aposta nas campanhas de vulgarização dos direitos de mulheres e de crianças, das práticas de violação de direitos no contexto da moderação psicológica e consideração cultural – com enfoque sempre na defesa e protecção da vida humana essencialmente das crianças. Procurar demonstrar acções mais agressivas (evitando o moralismo) que permite alertar o cidadão comum das consequências e das piores formas de violação. Anexos Convenções Internacionais Direitos de Homem Tendo em conta que a necessidade de proporcionar a criança imã protecção especial foi enunciada na Declaração de Genebra de 1924 sobre os Direitos da Criança e na Declaração dos Direitos da Criança adoptada pela Assembleia-geral em 20 de Novembro de 1959, e reconhecida na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (em particular nos artigos 23 e 24), no Pacto Internacional de Direitos Económicos, Sociais e Culturais (em particular no artigo 10) e nos estatutos e instrumentos pertinentes das Agenciais Especializadas e das Organizações Internacionais que se interessaram pelo bem-estar da criança. Tendo em conta que, conforme assinalado na Declaração dos Direitos da Criança, “a criança, em virtude de sua falta de maturidade física e mental, necessita de protecção e cuidados especiais, inclusive a devida protecção legal, tanto antes quanto após o seu nascimento”. E entre outros considerandos acordaram-se vários artigos sobre a protecção da criança. Direitos de Homem (a violência a respeito das menores) As Convenções 138 (1973) e 182 (1999) da Organização Internacional do Trabalho (OIT) incluem na categoria de crianças trabalhadoras todas as crianças de menos de 12 anos em actividades económicas, e qual que seja a criança de 12 a 14 anos efectuando mais trabalhos ligeiros e todas as crianças submetidas a piores formas de trabalho infantil, a escravidão, recrutamento forçado, prostituição, trafico, actividades ilícitas de coacção ou actividades perigosas. Direitos de Homem (sobre a protecção de menores) O artigo 32 (1) da Convenção relativo aos direitos de crianças (1989) defende “ o direito de a criança ser protegida contra a exploração económica e de não ser sujeito a qualquer trabalho de risco ou susceptível de comprometer sua educação ou de prejudicar a sua saúde, seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social, de estar protegida contra todas as formas de exploração sexual violência sexual e de não se separar da sua família contra sua vontade. Estes direitos soa defendidos precisamente nos dois Protocolos facultativos, um sobre a venda de crianças, a prostituição de crianças e a pornografia relacionada as crianças, e o outro sobre a implicação de crianças nos conflitos armados. Direitos de Homem (sobre a violência de menores) O artigo 19 da Convenção relativa aos direitos de criança (1989) estipula que os Estados que fazem parte devem tomar todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educativas apropriadas para proteger a criança contra toda a forma de violência e de maus-tratos. Outros instrumentos como, os Protocolos Facultativos da Convenção relativo aos direitos de criança e a Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) concernente a interdição das piores formas de trabalho de crianças e a acção imediata para a sua eliminação (1999) comporta medida que visam especificamente diferentes tipos de violência e exploração. Ao 1º de Março de 2006, 143 países ratificaram a Convenção de 138, que estabelece a idade mínima para o trabalho nobre, ligeiro e comportamentos de riscos, e 158 países ratificaram a Convenção n.º 182 de OIT sobre as piores formas de trabalho de crianças. Direitos de Homem (sobre a protecção das crianças em períodos de conflitos armados) Os princípios e dispositivos que protegem as crianças em períodos de conflitos armados são anunciados na Convenção de Genebra (1949) e seus Protocolos Adicionais (1977), a Convenção relativa aos direitos de criança (1989) e seu Protocolo Facultativo concernente a implicação de crianças nos conflitos armados (2000), e o Estatuto de Roma (1998) o Tribunal Penal Internacional (TPI). Direitos de Homem (sobre as crianças associadas a grupos armados) O protocolo facultativo a Convenção relativa aos direitos das crianças concernentes a implicação de crianças nos conflitos armados (2000) defende entre 15 a 18 anos mínimo para participar directamente nas hostilidades Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. (artigo 1) e interdito o recrutamento e/ou obrigatório de menos de 18 anos (artigo 2). O estatuto do TPI (1998) considera como crime de guerra o recrutamento de menos de 15 anos nas forças armadas nacionais e seu emprego para participar activamente nas hostilidades no quadro de conflitos armados internacionais ou internas. A Convenção n.º 182 (1999) da Organização Internacional do Trabalho inclui o recrutamento forçado e obrigatório de crianças na categoria de piores formas de trabalho. Direitos de Homem (sobre as crianças infectadas pelo VIH/SIDA) Na Convenção relativa aos direitos de crianças (1989), os Estados partes reconheceram o direito de criança de gozar o melhor estado de saúde possível (artigo 24). Comprometem-se a respeitar os direitos que são anunciados na Convenção e as garantias a todas crianças referente a sua jurisdição, sem distinção nenhuma (artigo 2). Direitos de Homem (sobre o registo de nascimento de menores) A Convenção relativa aos direitos de crianças (1989), estipula que a criança deve ser registada logo a nascença (artigo 7). Direitos de Homem (sobre o trabalho de menores) As Convenções 138 (1973) e 182 (1999) da Organização Internacional do Trabalho (OIT) incluem nas categorias de crianças trabalhadores todas as crianças de menos de 12 anos que realizam uma actividade económica, qualquer que seja, as crianças de 12 a 14 anos que efectuam mais que os trabalhos ligeiros e todas as crianças que submetem as piores formas de trabalho de crianças – escravatura, recrutamento forçado, prostituição, tráfico, actividades ilícitas de coação ou actividades perigosas. O artigo 32 (1) da Convenção relativo aos direitos de crianças (1989) reconhece o direito da criança ser protegida contra a exploração económica e de não ser sujeitada a qualquer trabalho de risco ou susceptível de comprometer sua educação ou de prejudicar sua saúde ou seu desenvolvimento psíquico, mental, espiritual, moral ou social. Ao 1º de Março de 2006, e 143 países ratificaram a Convenção de 138, que estabelece a idade mínima para o trabalho nobre, ligeiro e comportamentos de riscos, e 158 países ratificaram a Convenção n.º 182 de OIT sobre as piores formas de trabalho de crianças. Direito de Homem (sobre o casamento de menores) O direito a livre e pleno consentimento ao casamento é reconhecido na Declaração universal de direitos de homem (1948). A Convenção para eliminação de todas as formas de discriminação a respeito das mulheres (1979) estipula que os noivados e os casamentos de crianças não têm efeito jurídico e que todas as medidas necessárias e dispositivos legislativos, devem ser consideradas afim de fixar a idade mínima para o casamento. O Comité para a eliminação da descriminação a respeito de mulheres recomenda que se fixe a idade em 18 anos. Direito de Homem (sobre as crianças e os problemas com a justiça) Após o artigo 37 e 40 da Convenção relativa aos direitos de crianças (1989), toda a criança que tenha problemas com a justiça tem o direito a um tratamento que seja de natureza a favorecer o sentido da sua dignidade e o valor pessoal, tendo em conta a sua idade assim como facilitar a sua integração na sociedade. Um outro, é a privação da liberdade de uma criança que tenha problemas com a justiça (que esteja numa prisão, um centro de detenção, um centro de reeducação ou qualquer outra instituição privativo de liberdade) devem ser uma medida de último recurso, a evitar na medida do possível. A Convenção interdita a pronunciação de pena capital ou prisão perpetua para a infracção cometida por pessoas de menos de menos de 18 anos. Direito de Homem (sobre as crianças privadas dos seus pais) Se a criança tem o direito de serem educados pelos seus pais, uma criança que não tem família, separada dela por esta pôr a sua saúde em perigo ou seu desenvolvimento tem o direito a outras formas de protecção. Quatro tipos de responsabilidades são indicados no artigo 20 da Convenção relativa aos direitos de crianças: mudança de família, kafalah de direito islâmico, a adopção por outra família ou, em caso de necessidade colocação num estabelecimento ou instituição de protecção de crianças. Direito de Homem (sobre a exploração sexual a fins comerciais) Os Estados partes da Convenção relativa aos direitos de crianças (1989) engajam-se a proteger a criança contra todas as formas de exploração sexual e de violência sexual, incluindo a exploração para fins de prostituição ou de produção de material pornográfico (artigo n.º 34), que a Protecção facultativo da Convenção relativo aos direitos de criança, concernente a venda de crianças, a prostituição de crianças e a pornografia de crianças (2000) define de forma mais precisa. A Convenção 182 (1999) da Organização Internacional do Trabalho inclui exploração sexual na categoria de piores formas de trabalho de crianças. Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. Direitos de Homem (sobre as mutilações genitais femininas/excisões Numerosos tratados e convenções internacionais condenam as práticas prejudiciais. Citam-se a Convenção relativo aos direitos de criança (1989), a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação em relação as mulheres (1979) e a carta africana dos direitos e bem-estar de crianças (1990). A resolução 56/128 de Assembleia-geral das Nações Unidas sobre as práticas tradicionais ou costumeiras prejudiciais a saúde de mulheres e das crianças e de raparigas (2001) e o Protocolo sobre os direitos de mulheres em Africa, ou Protocolo de Maputo (2003) tratando especificamente de mutilações genitais femininas/excisão. Direito de Homem (sobre o tráfico de menores) A Convenção relativa aos direitos de criança (1989) demanda aos Estados partes de “tomas todas as medidas apropriadas sobre os planos nacional, bilateral e multilateral para impedir o rapto, a venda ou o tráfico a qualquer fim que seja e sobre qualquer forma que seja (artigo 35), e facilitar a readaptação física e psicológica e a reinserção social de toda a criança vitima (artigo 39). O Protocolo facultativo a Convenção relativa aos direitos de criança, concernente a venda de crianças, a prostituição de crianças e a pornografia de crianças (2000) define estas normas de forma precisa. O Protocolo facultativo a Convenção das Nações Unidas contra a criminalidade transnacional organizada (2000), ou Protocolo de Palerma, define pela primeira vez o tráfico de seres humanas. A Convenção 182 (1999) da Organização Internacional do Trabalho trata entre outros do tráfico de crianças. Objectivo do Milénio para o Desenvolvimento As questões relativas a protecção de crianças são directamente ligadas aos Objectivos do Milénio para o Desenvolvimento (OMD), da redução da pobreza a escolarização das crianças, de eliminação de desigualdades entre os sexos à redução da mortalidade de crianças. O trabalho de crianças delapida o capital humano de um país e faz obstáculo a eliminação da pobreza (OMD n.º1); os conflitos armados impedem a realização do ensino primário para todos (OMD n.º 2); o casamento das crianças conduz ao abandono escolar das raparigas e impede assim a igualdade entre os sexos (OMD n.º3); as crianças separadas das suas mães correm mais riscos, sobretudo quando vão para instituições, de morrer prematuras, isso trava os esforços da redução da mortalidade infantil (OMD n.º4); a mutilação genital feminina/excisão prejudicam os esforços de melhoramento da saúde materna (OMD n.º5); e a exploração sexual e os maus-tratos são obstáculos na luta contra o VIH/SIDA (OMD n.º6); as catástrofes do meio ambiente aumentam a vulnerabilidade de crianças a exploração e maus-tratos, solicitando a necessidade de garantir a viabilidade do meio ambiente (OMD n.º 7); Neste contexto a protecção de crianças necessita de uma cooperação de diferentes parcerias, que reforçam a necessidade de uma parceria mundial para o desenvolvimento (OMD n.º8). A declaração do Milénio Adoptando a declaração do milénio os países do mundo comprometeram-se: • Assegurar a protecção e a promoção dos direitos civis, políticos, económicos, sociais e culturais para todos. • Combater todas as formas de violência contra as mulheres a fazer aplicar a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação a respeito das mulheres. • Encorajar a ratificação e aplicação integral de todos os dispositivos da Convenção relativo aos direitos da criança e dos Protocolos facultativos sobre a implicação de crianças nos conflitos armados e sobre a venda de crianças, a prostituição das crianças e a pornografia relacionadas as crianças. Bibliografia ABC do Corpo Humano (1989) Selecções do Reader´s Digest – Edições ASA – Lisboa. ALBARELLO, Luc et al (1997), Práticas e Métodos de Investigação em Ciências Sociais, Grádiva – Publicações Lda. ADLER, Nancy, J. 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COGHLAN Benjamin, et al (2006) Mortality in the Democratic Republic of Congo: a nationwide survey - Centre for International Health, Burnet Institute, Melbourne, Australia. COMITÉ DES DROITS DE L’ENFANT (2003) Droits de l’enfant en Haïti : Rapport sur l’application de la Convention relative aux droits de l’enfant par la République d’Haïti 32e session - Genève, 13-31 Janvier 2003. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DA GUINÉ-BISSAU. CORBIN, Juliet et al (2004) Les Fondements de la Recherche Qualitative – Conseil de L’Université de Fribourg Suisse, Editions Saint-Paul, Fribourg Suisse. DATTA, Ansu (s/d) Education and Society: Sociology of African Education – MACMILLAN. ECPAT (2000) Looking Back, Thinking Forward – ECPAT - Copyright International. ECPAT (2001) Questions et Réponses sur L’Exploitation Sexuelle des Enfants a Des Fins Commerciales – ECPAT International, Thailand. 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Outros documentos consultados: • Synthèse et recommandation de la conférence Arabo-Africaine contre l’exploitation, la violence et l’abus sexuels des enfants. • Exploitation sexuelle des enfants (Rapport de la Guinée-Bissau) – Institut de la Femme et de L’enfant, Ministère de la Solidarité Sociale, de la Famille et de la Lutte contre la Pauvreté – Avec l’appui UNICEF Bissau. • Relatório sobre a protecção da criança na Guiné-Bissau – Revisão de Pares sobre a situação das crianças no espaço CEDEAO – Reunião Ministerial, Dakar, Setembro de 2003. Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. • Casos de violação flagrante dos direitos das crianças – dados recolhidos nas esquadras de policia de Bissau (Agosto de 2003 a Novembro de 2004) – Rede de Jovens Educadores (REJE), Guiné-Bissau. • Étude du Secrétaire Général de L’organisation des Nations Unies sue la Violence contre les Enfants – Questionnaires à l’intention des gouvernements – Guinée-Bissau. • Sexual abuse, exploitation and violence against children in schools Assessment questionnaires: WCARO 2006 – Country: Guinea – Bissau. • Information requested for the regional Strategy Paper on Child Protection – UNICEF, Guinea-Bissau. • Informações essenciais sobre o abuso e a exploração sexual de menores – organização de Sónia Polónio (UNICEF, Bissau). • Relatório de Violação Sexual de Menores em Mansoa – Rede de Jovens Educadores (REJE) – organização Carlos Cá. • Protocolo Facultativo para Convenção sobre os Direitos da Criança relativo à venda de crianças, prostituição e pornografia infantis. • Proibição das piores formas de trabalho infantil e a acção imediata para sua eliminação convenção n.º 182 e recomendação n.º 190 – OIT. • Idade mínima para Admissão em emprego convenção n.º 138 – organização internacional do trabalho. • Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres. • Instrumentos jurídicos sobre a protecção da violência (VBSG) – Fodé Abulai Mané (Jurista INEP). Web - Site (consultados) ligados a crianças www.unicef.org www.kidsbehindbars.org www.ilo.org/childlabour www.unfpa.org www.jubileeaction.co.uk http://ceecis.org http://ceecis.org/child_protection www.childinfo.org www.childinfo.org/areas/fgmc/profiles.php World Congress against Commercial Sexual Exploitation of Children http://www.csecworldcongress.org/. ECPAT International (End Child Prostitution, Child Pornography and Trafficking of Children for Sexual Purposes) Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. http://www.ecpat.net/. Focal Point against Sexual Exploitation of Children http://www.focalpointngo.org/Global/English/Home_en.htm. Innocence in Danger http://www.innocenceindanger.org/innocence/index.html. The International Society for Prevention of Child Abuse and Neglect http://www.ispcan.org. Forced and Bonded Labour International Programme on the Elimination of Child Labour http://www.ilo.org/public/english/standards/ipec/index.htm. 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Partnerships against Violence Network http://www.pavnet.org. Unite Nations Crime and Justice Information Network http://www.uncjin.org. Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. IDENTIFICAÇÃO DE ACTO DE ABUSO E EXPLORAÇÂO SEXUAL DE MENORES Questionário n.º ________ Perfil da vitima 1. Tipo (Descrição) de violação: 1. Abuso Sexual 2. Exploração Sexual 3. Casamento Precoce 4. Mutilação Genital 5. Trabalho Forçado 6. Violência Física 7. Rapto 8. Homicídio 9. Abandono 10. Outro (s) ___________________________________________________________. 0. N/S 2. Quem fez a queixa? 1. Pais 2. Tios 3. Avós 4. Familiares 5. Amigos 6. Vizinhos 7. Vitima 8. Outros ________________________________________________________________ 0. N/S Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. 3. Sexo 1. Masculino 2. Feminino 4. Idade 1. De 0 a 12 anos 2. De 13 a 17 anos 3. De 18 a 25 anos 4. De 26 a 45 anos 5. De 46 e mais anos 0. N/S 5. Nível de escolaridade 1. Não sabe ler 2. De 1ª a 4ª classe 3. De 5ª a 6ª classe 4. De 7ª a 9ª classe 5. De 10ª a 11ª classe 6. Outro (s) _____________________________________________________________. 0. N/S 6. Etnia 1. Balanta 2. Fula 3. Mandinga 4. Manjaco 5. Papel 6. Mancanha 7. Beafada 8. Outra (s)______________________________________________________________ 0. N/R 7. Religião 1. Cristã 2. Muçulmana 3. Animista 4. Outra (s) _____________________________________________________________ 0. N/S 8. Nacionalidade 1. Guineense 2. Outra (s) _____________________________________________________________ 0. N/S 9. Situação de registo ou de identificação 1. Tem 2. Não 0. N/S 10. Lugar (bairro/tabanca) de habitação ________________________________________________________________________ 11. Região 1. SAB 2. Bafatá 3. Gabú 4. Oio 5. Cacheu 6. Tombali 7. Bolama 8. Quinará 9. Biombo 10. Outro ____________________________________________________________ Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. 0. N/S 12. Hora de ocorrência 1. De 8 a 18 Horas 2. De 19 a 21 Horas 3. De 22 e mais horas 0. N/S 13. Lugar de ocorrência 1. No espaço do violador 2. No espaço da vitima 3. Na rua/espaço oportuno 4. Nos espaços dos vizinhos 5. Outro (s) ______________________________________________________________ 0. N/S 14. Actividade de ocupação corrente 1. Não faz nada 2. Vendedor (a) ambulante 3. Outra ________________________________________________________________ 0. N/S 15. Com quem vivia a vitima no período da ocorrência 1. Pais 2. Tios 3. Avós 4. Familiares 5. Amigos 6. Vizinhos 7. Outro (s) ______________________________________________________________ 0. N/S 16. Situação familiar de com quem vive 1. União de facto 2. Casado (a) 3. Solteiro (a) 4. Viúvo (a) 5. Divorciado (a) 6. Outra (s) _____________________________________________________________ 0. N/S 17. Situação sócio-profissional de com quem vive 1. Desempregado sem ocupação 2. Desempregado com alguma ocupação 3. Empregado 4. Estudante 5. Outra (s) ______________________________________________________________ 0. N/S 18. Situação sócio-familiar dos pais 1. Vivem separados 2. Vivem juntos 3. Vivem em família nuclear 4. Vivem em família extensa 5. Outra (s) ______________________________________________________________ 0. N/S 19. Relação de proximidade e/ou de parentesco com o violador(a) 1. Pais 2. Tios 3. Avós 4. Familiares 5. Amigos 6. Vizinhos Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. 7. Outra (s) ______________________________________________________________ 0. N/S 20. Com quem vive a vitima neste momento 1. Pais 2. Tios 3. Avós 4. Familiares 5. Amigos 6. Vizinhos 7. Violador 8. Outra (s) ______________________________________________________________ 0. N/S 21. Situação actual/acompanhamento da vitima 1. Com acompanhamento 2. Sem acompanhamento 3. Outra (s) ______________________________________________________________ 0. N/S 22. Situação sócio-psicológica da vitima 1. Muito perturbadora 2. Pouco perturbadora 3. Indiferente 4. Outro (a) ______________________________________________________________ 0. N/S 23. Situação sócio-psicológica dos familiares 1. Muito perturbadora 2. Pouco perturbadora 3. Indiferente 4. Outra (s) ______________________________________________________________ 0. N/S 24. Situação do processo 1. Violador condenado 2. Processo em aberto tribunal 3. Desistência por pedido dos familiares 4. Outra (s) ______________________________________________________________ 0. N/S Perfil do violador(a) 1. Tipo (Descrição) de violação: 1. Abuso Sexual 2. Exploração Sexual 3. Casamento Precoce 4. Mutilação Genital 5. Trabalho Forçado 6. Violência Física 7. Rapto 8. Homicídio 9. Abandono 10. Outra (s) _______________________________________________________ 0. N/S 2. Como reagiu a queixa 1. Aceitou a queixa 2. Rejeitou a queixa 3. Indiferente 4. Fugiu 5. Outra ________________________________________________________________ Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. 0. N/S 3. Sexo 1.Masculino 2.Feminino 4. Idade 1. De 0 a 12 anos 2. De 13 a 17 anos 3. De 18 a 25 anos 4. De 26 a 45 anos 5. De 46 e mais anos 0. N/S 5. Etnia 1. -Balanta 2. Fula 3. Mandinga 4. Manjaco 5. Papel 6. Mancanha 7. Beafada 8. Outra (s)______________________________________________________________ 0. N/R 6. Estado civil/situação marital 1. União de facto 2. Casado (a) 3. Solteiro (a) 4. Viúvo (a) 5. Divorciado (a) 6. Outro (s) _____________________________________________________________ 0. N/S 7. Que documento de identidade apresentou 1. Sem documento 2. Documento nacional 3. Documento estrangeiro 4. Outro ________________________________________________________________ 0. N/S 8. Religião 1. Cristã 2. Muçulmana 3. Animista 4. Outra ________________________________________________________________ 0. N/S 9. Nacionalidade 1. Guineense 2. Estrangeira 3. Outra (s) ______________________________________________________________ 0. N/S 10. Lugar de habitação _______________________________________________________________________ 11. Região 1. SAB 2. Bafatá 3. Gabú 4. Oio 5. Cacheu 6. Tombali Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. 7. Bolama 8. Quinará 9. Biombo 10. Outro _______________________________________________________________ 0. N/S 12. Hora de ocorrência 1. De 8 a 18 Horas 2. De 19 a 21 Horas 3. De 22 a mais horas 0. N/S 13. Situação socioprofissional 6. Desempregado sem ocupação 7. Desempregado com alguma ocupação 8. Empregado 9. Estudante 10. Outra (s) __________________________________________________________ 0. N/S 14. Com quem vivia o violador no período da ocorrência 1. Só 2. Família 3. Pais 4. Familiares 5. Amigos 6. Outro (s) ______________________________________________________________ 0. N/R 15. Com quem vive o violador neste momento 1. Só 2. Família 3. Pais 4. Familiares 5. Amigos 6. Vitima 7. Outro (s) _____________________________________________________________ 0. N/R 16. Situação sócio-familiar 1. Vive só 2. Vive em família 3. Vive com familiares 4. Vive com amigos 5. Outra (s) ______________________________________________________________ 0. N/S 17. Relação de proximidade e/ou de parentesco com a vitima 1. Filho (s) 2. Sobrinho (s) 3. Netos 4. Familiares 5. Vizinhos 6. Amigos 7. Outra (s) ______________________________________________________________ 0. N/S 18. Situação actual/acompanhamento do violador 1. Com acompanhamento 2. Sem acompanhamento 3. Outra (s) ______________________________________________________________ 0. N/S 19. Situação sócio-psicológica dos familiares do violador Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. 1. Muito perturbadora 2. Pouco perturbadora 3. Indiferente 4. Outra (s) ____________________________________________________________ 0. N/S 20. Situação sócio-psicológica dos familiares do violador 1. Muito perturbadora 2. Pouco perturbadora 3. Indiferente 4. Outra (s) ______________________________________________________________ 0. N/S 21. Situação do processo 1. Violador condenado 2. Processo em aberto tribunal 3. Desistência por pedido dos familiares 4. Outro (s) ______________________________________________________________ 0. N/S População (em milhares) por faixa etária, de todos os Estados Membros da OMS, 2000 Países Angola Cabo Verde Guiné-Bissau Moçambique Senegal Total H/M Total homens Só homens de todas as idades De 0 – 4 De 5 – De 15 – De 30 – anos 14 anos 29 anos 44 anos De 45 – 59 anos 13134 427 1199 18292 9421 6499 199 591 9042 4697 1300 31 105 1589 805 493 5 53 753 385 1867 54 156 2426 1303 1683 62 154 2475 1296 888 38 93 1377 731 De 60 e mais anos 269 9 31 421 178 Fonte: OMS, 2002. Quadro Percentagem de crianças com idade entre 5 - 14 anos que trabalham actuamente na Guiné-Bissau, 2000 Sexo Região Zona Idade Homem Mulher Tombali Quinará Oio Biombo Bolama/Bijagós Bafatá Gabú Cacheu SAB Urbano Rural 5 - 9 anos 10 - 14 anos Total trabalho pago 5,8 4,5 11,8 11,6 1 2 0,3 17,2 4,1 4,6 1,8 2,5 6,7 3,7 6,9 5,1 trabalho não pago 9,3 10,1 26,2 29,9 2 6,9 10 1,7 3,4 5,7 15,1 11,5 8,6 7,8 12,1 9,7 menos de 4 horas/dia 63,1 80,7 90,6 89,8 64,6 72,9 38,2 66,9 57,6 73 79,5 75,1 69,8 66,9 77,9 71,8 4 ou mais horas/dia 2,5 4,9 0 0,2 3,3 1,9 0,6 4 12,2 2,9 3,8 3,8 3,6 3,2 4,3 3,7 Trabalho actualmente 65,2 65,6 84,9 88,1 82,4 85,7 51,8 77,7 64 76,2 27 39,7 80,4 61,4 70,4 65,4 Efectivos crianças 4904 4758 724 498 1743 609 371 1032 932 1421 2333 3568 6094 5377 4285 9662 Fonte: MICS, 2000 Tabela 1: Taxa de escolarização no ensino primário País/Território Ratio de inscrição na primária Taxa de frequência Taxa de crianças que chegam a 5ta classe Documento Draf de circulação reservado ao INEP e ao UNICEF – Novembro 2006. 99 (bruto) 99 (liq.) 92-01 M F M F M F Guiné-Bissau 99 66 63 45 44 38 África sub-sahariana 85 74 54 49 55 52 Países menos avançados 88 74 62 57 57 52 M: Masculino – F: Feminino Fonte : UNICEF – Evolução dos principais indicadores, 2003 95-99 20 61 62