Do Lobo Ao Cão
Transcrição
Do Lobo Ao Cão
Antologia Canina Do Lobo Ao Cão Pelo Dr. Henrique Pereira de Morais Tendo lido com muito interesse mais um número de «O Mundo Canino» (16) venho fazer algumas considerações sobre um pequeno artigo da pág. 5: -«Ancestralidade». Em que medida será o lobo ascendente do cão? Há quem pretenda pura e simplesmente que do tomarctus, possível antepassado de todos os canídeos, teria derivado primeiro o lobo e deste o cão. Assim o cão não seria mais que um lobo modificado, modificações impostas por vários factores entre eles a domesticação. Porém, outra teoria sugere que as espécies a que pertencem o lobo, o cão, o chacal, o coiote e a raposa, são de origem independente, não sendo nenhuma delas precursora das outras. Neste caso, do tomarctus teriam derivado várias linhas que evoluindo paralela e separadamente, deram origem às diferentes espécies. Do tomarctus derivaria o cão mas sem passar pelo lobo. Os lobos sob influência de diferentes regiões, climas e domesticação não originariam cães, quer selvagens, quer domésticos mas sim lobos de tipo diferente. Estes não seriam senão os que se vêem actualmente por todo o mundo. No primeiro caso o lobo seria antepassado do cão por ser um elo na evolução do nosso companheiro. Na segunda teoria do lobo só poderia descender o cão por cruzamento posterior entre as duas espécies. Este facto sucede frequentes vezes como é do conhecimento geral. Deste cruzamentos, entre cães e lobos, quais características se teriam fixado em determinadas raças? Destas, não há dúvida que muitas têm semelhança com o lobo. Mas será essa parecença imposta pelo cruzamento, ou pelo facto da espécie canina pré doméstica ter sido semelhante aos lobos ? Sem pretender dar uma resposta a estas interrogações, destaco do psiquismo canino duas características, uma que a diferencia dos lobos, outra que a assemelha. Como diferença, a facilidade de domesticação. O homem primitivo encontrou o cão selvagem representado por uma ou mais espécies, as quais, através das idades, domesticou na totalidade. Em consequência desse facto, os actuais cães selvagens não seriam mais do que cães domésticos que ao azar se separaram do homem. Como semelhança, a agressevidade para com os rebanhos, agressividade muito atenuada, que por ser em pequeno grau não leva a matar. É por simulacro de agressão que os cães de pastor impõem respeito e fazem cumprir ordens. Da sua anatomia igualmente uma caracteristica diferente, outra semelhante. Da primeira as orelhas caídas. E agora outra pergunta surge. As orelhas caídas seriam características das espécies caninas remotas, ou teriam aparecido por mutações ou variações? A conseguir-se demonstrar que eram exclusivas dos primeiros cães, seria um argumento importante a favor da independência entre a espécie canina e a dos lobos. De qualquer maneira não encontro explicação para que nos lobos e outras espécies não se dêem tais variações. As orelhas erectas, denominador comum de quase todos os canídeos, são característica importante em muitas raças de cães. Não custa a crer que também algumas espécies caninas remotas as tivessem. Mas não teriam sido fixadas em algumas raças actuais, por cruzamento quer com o lobo, quer com o chacal? Quantas semelhanças anatómicas entre alguns cães de pastor e os lobos, para além das orelhas ! E os podengos mediterrânicos (do que o nosso é uma variedade) são tão parecidos com os chacais, que alguns autores supõem serem seus descendentes. Quanto à razão das voltas que os câes dão ao deitar-se tenho observado o seguinte: O cão em tempo quente deita-se esticado ou mesmo de «barriga para o ar». Os cães nórdicos e mesmo os nossos cães das serras, dormem muitas vezes na neve, preparando a sua cama de maneira a ficarem parcialmente enterrados, cobrindo-Ihes a geada ou mesmo a neve, a região do corpo descoberta, servindo essa camada de isolamento. Ao preparar a cova o cão poderia com toda a facilidade cavar a neve a uma prolfundidade de poucos centimetros, mas esta neve ficaria revolta, meia derretida, ficando uma camada mole mas sem as melhores condições de isolamento e muito principalmente seria dificil arranjar a cova com as medidas precisas do formato do animal, condição indispensável para as paredes do pequeno buraco não permitirem a irradiação do calor do seu corpo. O animal dando voltas sobre um eixo, constrói uma cama à sua medida, tornando a neve mais dura e por isso com menos facilidade para derreter e com maior capacidade para reflectir o calor, já que a superfície se torna mais lisa. A domesticação trouxe alguns cães para locais aonde não se torna necessário preparar a cama, mas o instinto mantém-se, sem utilidade aparente. In Jornal “O Mundo Canino” – Setembro de 1971