Cooperação, integração e desenvolvimento: as ferramentas da
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Cooperação, integração e desenvolvimento: as ferramentas da
ALACIP 2015 Grupo de Relações Internacionais Painel: Cooperação, integração e desenvolvimento: as ferramentas da política externa brasileira para o sul (Grupo GRI) Organizadora: Maria Caramez Carlotto (UFABC) [email protected] Comentador: Pedro Barros (IPEA) [email protected]. Ponencias: Sumário Neodesenvolvimentismo ou neoliberalismo: integração regional sul-americana e ideologia ........................................................................................................................... 2 O Atlântico Sul e a Integração Sul-americana: uma aproximação geopolítica ...... 14 A Agenda do Brasil para a Ilha das Guianas: integração física, cooperação e novos aspectos do regionalismo no norte da América do Sul .............................................. 29 A cooperação técnica brasileira e a busca pela inserção na “sociedade do conhecimento”: da subordinação norte-sul à aliança estratégica sul-sul? .............. 46 1 Neodesenvolvimentismo ou neoliberalismo: integração regional sulamericana e ideologia1 Fabio Luis Barbosa dos Santos, Doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo Professor do Curso de Relações Internacionais da UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo) Prof. Dr. Relações Internacionais Universidade Federal de São Paulo [email protected] Resumo: Este texto objetiva contribuir para com o debate em torno do sentido da integração regional sul-americana em curso protagonizada pelo Brasil. Nossa hipótese é que existe uma correspondência ideológica entre a proposição de que as gestões petistas avançam um projeto neodesenvolvimentista para o país, e o diagnóstico de que está em curso uma integração regional “desenvolvimentista” ou “pós-liberal”, cuja premissa comum é uma minimização das continuidades estruturais determinadas pela política macroeconômica neoliberal praticada pelas gestões petistas desde 2003. Palavras-chave: Integração Sul-americana; neodesenvolvimentismo; neoliberalismo. 1. Introdução Em um movimento que se confunde com a própria globalização, a aceleração das tendências à financeirização do capitalismo pressionou por uma abertura econômica multilateral no contexto do colapso soviético, associada à difusão da agenda política identificada com o neoliberalismo, em um processo cuja racionalidade reforçou a liderança geopolítica dos Estados Unidos e culminou com a institucionalização de um regime multilateral de comércio referido a Organização Mundial do Comércio (OMC), em 19942. Projetos de integração regional voltaram ao debate político nesta conjuntura, que assistiu a formação de blocos econômicos nos marcos da concorrência intracapitalista, como a APEC (Asia- Pacific Economic Cooperation - 1989) e a União Europeia (1992). Expressão regional deste movimento, a implementação de um acordo de livre comércio entre Estados Unidos, México e Canadá em 1994 (NAFTA - North American Free Trade Agreement) selou o atrelamento da política externa mexicana aos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que a administração Bush lançou na 1ª Cúpula das Américas em Miami o projeto da ALCA (Área de Livre-Comércio das Américas). Diante deste cenário, a diplomacia brasileira visualizou progressivamente a América do Sul como referência geográfica de um projeto de liderança regional, perspectiva que se materializou 1 Trabajo preparado para su presentación en el VIII Congreso Latinoamericano de Ciencia Política, organizado por la Asociación Latinoamericana de Ciencia Política (ALACIP). Pontificia Universidad Católica del Perú, Lima, 22 al 24 de julio de 2015. Integra o projeto de pesquisa: “Neodesenvolvimentismo ou neoliberalismo: o sentido do projeto de integração sul-americana liderado pelo Brasil”, pela Fapesp. 2 Ver a respeito: BRENNER, Robert. O boom e a bolha. Os Estados Unidos na economia mundial. Rio de Janeiro: Record, 2003; GOWAN, Peter. A roleta global. Rio de Janeiro: Record, 2003; PANITCH, Leo; GINDIN, Sam. ‘Capitalismo global e império norte-americano’. IN:________. Socialist register 2004: O novo desafio imperial. PANITCH, Leo; LEYS, Colin (ed.). Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO), 2006, ps. 19-70. 2 em uma aproximação entre o Mercosul e a CAN (Comunidade Andina das Nações), como uma estratégia para a constituição de um bloco econômico alternativo no espaço sulamericano3. É neste contexto que surgiu, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, a proposta da IIRSA (Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana), constituída como um mecanismo institucional de coordenação de ações dos doze países da América do Sul, com o objetivo de construir uma agenda comum de infraestrutura nas áreas de transportes, energia e comunicações4. Proposta em uma cúpula de presidentes sul-americanos em Brasília em 2000, originalmente pensada como a dimensão de infraestrutura de um projeto de integração regional referenciada no regionalismo aberto, a IIRSA foi retomada pelo governo Lula, a despeito de mudanças na política externa proposta por esta gestão. Com a constituição da UNASUL em 2008, a iniciativa foi incorporada ao Conselho de Infraestrutura e Planejamento (COSIPLAN) desta organização no ano seguinte, consumando uma situação paradoxal, na medida em que a iniciativa converteu-se no esteio material de uma organização identificada com um projeto de integração regional que postulava uma inversão das premissas que orientaram sua constituição original. Autores identificam no contexto em que foi proposta a IIRSA, ainda na gestão Cardoso, um reconhecimento da necessidade de reorientar os parâmetros da política externa até então prevalente. Embora sinalizando para uma integração sul-americana referenciada no que a CEPAL descreveu neste momento como um “regionalismo aberto” – uma modalidade de integração regional orientada à abertura comercial multilateral -, a ênfase em uma agenda para a América do Sul nos dois últimos anos deste governo emergiu, simultaneamente, como uma forma de contornar a crise do Mercosul e avançar no processo de integração regional, entendida como premissa para recuperar autonomia diante dos Estados Unidos no contexto da administração Bush5. Segundo Cervo, três fatores confluíram para este movimento, que seria consolidado na gestão seguinte: a constatação do malogro das experiências neoliberais nos anos 1990 na América Latina, atestado por dados da CEPAL; a percepção de que os países do centro não aplicavam as medidas que recomendavam aos países do subcontinente; e a subsistência de um pensamento crítico no Brasil e na América Latina, que serviu como substrato para a formulação de um norte alternativo para a diplomacia no país e na região6. 3 IPEA. Inserção internacional brasileira: temas de política externa. Brasília: IPEA, 2010. FUNAG. A América do Sul e a integração regional. FUNAG: Brasília, 2012. LIMA, Maria Regina Soares de; COUTINHO, Marcelo Vasconcelos (orgs.). Agenda sul-americana : mudanças e desafios no início do Século XXI. Brasília : FUNAG, 2007. 4 A IIRSA se materializa em um conjunto de projetos de integração da infraestrutura regional, projetados a partir de 9 Eixos de Integração e Desenvolvimento, segundo uma lógica de integração da infraestrutura orientada à circulação de mercadorias. O relatório de 10 anos da iniciativa, publicado em 2011, enumerava 524 projetos, com investimento estimado em 96 bilhões de dólares distribuídos em 47 grupos vinculados aos diferentes Eixos de Integração e Desenvolvimento. As obras são financiadas por órgãos de financiamento multilateral como o Banco do Sul, CAF (Corporação Andina de Fomento), BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), e são executadas, na maior parte, por empreiteiras brasileiras de atuação internacional. Dados extraídos de: IIRSA 10 anos depois: Suas conquistas e desafíos. Buenos Aires: BID – INTAL, 2011. 5 VIZENTINI, Paulo. ‘O Brasil e o mundo, do apogeu à crise do neoliberalismo: a política externa de FHC a Lula’. Ciências e Letras, n 37, 2005, p. 317-331. 6 CERVO, Amado Luiz. ‘Política exterior e relações internacionais do Brasil: enfoque paradigmático’. Rev. bras. polít. int., Brasília , v. 46, n. 2, Dec. 2003 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S003473292003000200001&lng=en&nrm=iso>. access on 21 June 2014. http://dx.doi.org/10.1590/S003473292003000200001. 3 Para se diferenciarem em relação a política externa anterior, os simpatizantes da política externa petista referem o projeto de integração regional em curso a uma inflexão na diplomacia brasileira, em sintonia com a ascensão de governos progressistas de diferentes matizes entre o final dos anos 1990 e o início do século XXI no continente, questionando as políticas neoliberais domésticas e regionais prevalentes7. Neste contexto, o Estado brasileiro teria abandonado o regionalismo aberto característico dos anos anteriores em nome de uma política que enfatiza a integração sul-americana como estratégia de inserção internacional soberana, descrita como “regionalismo desenvolvimentista” ou “pósneoliberal”8. Nesta perspectiva, sugere-se que esta modalidade de integração promoverá “a integração física entre os interiores dos países, passo fundamental para a integração de cadeias produtivas de fornecedores e produtores relacionados, objetivando a formação de economias de escala e a própria integração das sociedades sul-americanas9”. No entanto, os argumentos que sustentam esta leitura não se mostram convincentes10, e esta proposição tem sido problematizada por diversas evidências políticas, que incluem o paradoxo vivenciado pela diplomacia brasileira na crise que culminou na deposição do presidente Fernando Lugo no Paraguai em 201111, além dos numerosos conflitos socioambientais envolvendo a expansão das empreiteiras brasileiras no continente, apoiada na atuação controversa do BNDES12, o que levou um analista a descrever a IIRSA como uma espécie de PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) para a América do Sul, sugerindo que esta cooperação responde aos interesses de internacionalização destas empresas. Nesta perspectiva, esta modalidade de integração é vista como um processo de organização do território em unidades de negócio, no qual a IIRSA constitui “uma metodologia de repasse de recursos naturais, mercados potenciais e soberania a investidores privados, em escala continental, com respaldo político e 7 Os trabalhos organizados ou de autoria de Darc Costa são referências desta posição. COSTA, Darc (org.). América do Sul: integração e infraestrutura. Rio de Janeiro: Capax Dei, 2011.____. ‘Integrar é desenvolver a América do Sul” In: Integração da América do Sul. Brasília: FUNAG, 2010, ps 47-70. As posições de Costa são explicitamente questionadas por: GUDYNAS, Eduardo. ‘As instituições financeiras e a integração na América do Sul’. In: VERDUM, Ricardo (org.). Financiamento e Megaprojetos. Uma interpretação Da dinâmica regional sul-americana.Brasília: Inesc, 2008, p. 21-47. 8 Um conjunto representativo de textos afinados com esta perspectiva se encontra em: SERBIN, Andrés; MARTÍNEZ, Laneydi; RAMANZINI JÚNIOR, Haroldo; El regionalismo “post–liberal” en América Latina y el Caribe: Nuevos actores, nuevos temas, nuevos desafíos. Anuario de la Integración Regional de América Latina y el Gran Caribe 2012. Buenos Aires: Coordinadora Regional de Investigaciones Económicas y Sociales, 2012. 9 DESIDERA NETO, Walter; TEIXEIRA, Rodrigo. “La recuperación del Desarrollismo en el Regionalismo Latinoamericano”. In:_____. Perspectivas para la integración de América Latina. Brasília: IPEA, 2012, p. 32. 10 Referindo-se à incorporação da IIRSA pelo Cosiplan em uma perspectiva de apoio crítico, Padulla e Couto reconhecem importantes elementos de continuidade: “A carteira geral seguiu os critérios da Carteira IIRSA, e não foi apresentada nenhuma metodologia (nova ou avanço metodológico) que considere a priorização da lógica integracionista (impactos à integração intra-regional) sobre a lógica geoeconômica de corredores de exportação.” PADULLA, Raphael; COUTO, Leandro. ‘Integração da infraestrutura na América do Sul nos anos 2000: Do regionalismo aberto às perspectivas de mudança.’ In: SERBIN; MARTÍNEZ; RAMANZINI JR, Op. cit, p. 465. 11 SANTOS, Fabio Luis Barbosa dos. ‘A deposição de Lugo e os limites da democracia na América Latina’. Cadernos PROLAM/USP, v. 22, p. 25-37, 2013. 12 Consultar a respeito: FUNDAÇÃO ROSA LUXEMBURGO. Empresas transnacionais brasileiras na América Latina: um debate necessário. São Paulo: Expressão Popular, 2009. 4 segurança jurídica.13” No plano teórico, ressurgem reflexões que resgatam, de modo explícito ou não, as proposições de Rui Mauro Marini nos anos 1970, apontando para o que este autor descreveu como um “subimperialismo brasileiro14”. Em última análise, a polêmica em torno do caráter da IIRSA e o projeto de integração regional em curso no subcontinente remete a uma apreciação sobre o sentido das gestões presidenciais petistas no Brasil. De modo geral, observa-se uma tendência em estabelecer uma correspondência entre “regionalismo desenvolvimentista” ou “pósneoliberal”, e um projeto nacional “neodesenvolvimentista”, ou “pós-neoliberal”15. 2. Neodesenvolvimentismo e integração regional O caráter ideológico da proposição neodesenvolvimentista foi explicitado em numerosos trabalhos que explicitam o caráter conservador da política econômica dos governos petistas. O sentido geral do movimento foi sugerido por Leda Paulani, ao mostrar como se consumou no governo Lula um processo iniciado durante as gestões Cardoso, orientado a fazer do Brasil uma “plataforma de valorização financeira internacional”. A abertura do mercado brasileiro de títulos públicos e a abertura financeira do país por meio de alterações nas contas CC5 entre 1992 e 1994 criaram “a forma e a substância” da inserção do Brasil nas finanças mundializadas, confirmando seu papel como emissor de capital fictício, e criando assim as condições para a implementação do Plano Real. Nos marcos deste movimento, a promulgação da lei de responsabilidade fiscal (2000) sinalizou para os fundamentos jurídicos e políticos da almejada “credibilidade” internacional, convertida em eufemismo do que Paulani descreve como “servidão financeira”, uma vez que a manutenção da “confiança dos mercados” supõe a permanente subordinação da política econômica a estes interesses. A inscrição deliberada do governo Lula nesta lógica, que se evidenciou na continuidade macroeconômica mas também nas reformas da previdência e na nova lei de falências aprovadas em seu primeiro mandato, lastreiam a avaliação de que suas gestões constituem “a mais completa encarnação” do neoliberalismo (Paulani, 2008: 10). No plano ideológico, a política econômica conservadora praticada por um partido identificado com aspirações progressistas ensejou uma redução do debate político aos parâmetros liberais da gestão responsável e portanto, da microeconomia. É neste contexto que prosperou a ideologia neodesenvolvimentista. O denominador comum entre as diferentes formulações neste campo é o diagnóstico de que o país deve buscar uma via alternativa entre a financeirização que caracteriza o neoliberalismo e o nacionalismo 13 NOVOA GARZÓN, Luis Fernando. ‘Brasil, via BNDES reforça caráter regressivo da integração latino-americana’. Entrevista ao Correio da Cidadania, 19/11/2011. Uma síntese crítica a IIRSA sob esta perspectiva em: CECEÑA, Ana Ester; AGUILAR, Paula; MOTTO, Paulo. IIRSA: territorialidad de la dominación. Buenos Aires: Observatorio Latinoamericano de Geopolitica, 2007. 14 MARINI, Ruy Mauro. Dialética da dependência. Petrópolis: Vozes, 2000. FONTES, Virgínia. O Brasil e o capital-imperialismo. Teoria e história. 3ed., Rio de Janeiro: UERJ, 2012. LUCE, M. S. O subimperialismo brasileiro revisitado: a política de integração regional do governo Lula (2003-2007). Dissertação de Mestrado em Relações Internacionais, Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2007. 15 Por exemplo: “Identificamos, portanto, no discurso durante os dois governos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, uma clara coerência entre a busca de uma maior inserção soberana na globalização, a retomada da estratégia de um projeto nacional de desenvolvimento e a nova agenda de ativismo estatal”. SCHUTTE, Giorgio Romano. ‘Neodesenvolvimentismo e a busca de uma nova inserção internacional’. Austral: Revista Brasileira de Estratégia e Relações Internacionais, v.1, n.2, Jul-Dez 2012, p.63-4. Também: SADER, Emir. A nova toupeira. Os caminhos da esquerda latino-americana. São Paulo: Boitempo, 2010. 5 associado ao desenvolvimentismo, recuperando a ênfase nas atividades produtivas em detrimento do rentismo, mas sem incorrer em inflação, populismo fiscal e outras mazelas que remetem ao nacional-desenvolvimentismo. Em suma, Sampaio Junior aponta que o desafio do neodesenvolvimentismo consiste em conciliar (...) os aspectos “positivos” do neoliberalismo — compromisso incondicional com a estabilidade da moeda, austeridade fiscal, busca de competitividade internacional, ausência de qualquer tipo de discriminação contra o capital internacional — com os aspectos “positivos” do velho desenvolvimentismo — comprometimento com o crescimento econômico, industrialização, papel regulador do Estado, sensibilidade social.8 Este enfoque releva as contradições entre a inserção internacional brasileira como plataforma de valorização do capital financeiro internacional e a afirmação das bases sociais, econômicas, políticas e culturais do estado nacional, instrumento imprescindível para qualquer projeto de nação. Nesta perspectiva, o ideário neodesenvolvimentista cumpriria uma dupla função política: “diferencia o governo Lula do governo FHC, lançando sobre este último a pecha de ‘neoliberal’ e reforça o mito do crescimento como solução para os problemas do país, iludindo as massas.” O ideário neodesenvolvimentista encontra correspondência no campo das relações internacionais nas diversas formulações que reconhecem uma inflexão na política externa praticada pelos governos Lula (2003-2010) em relação à dinâmica prevalente nos governos anteriores, sob a presidência de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). De modo análogo ao que ocorre na economia, esta leitura é dominante entre os simpatizantes dos governos petistas, apesar do reconhecimento de linhas continuidade entre as gestões e que a prioridade em relação à América do Sul antecede a eleição de Lula em 2002 16. Segundo Amorim, em um texto referente desta guinada, a política externa praticada a partir de então enfatiza: o aprofundamento da integração regional, balizada por uma “aguda consciência da interdependência entre os destinos do Brasil e de nossos vizinhos sul-americanos”; a retomada da tradição multilateral do Brasil, envolvendo parcerias estratégicas com países afins em todos os continentes e em particular, uma reaproximação com os continentes asiático e africano, embora sem prejuízo das relações harmônicas com os países desenvolvidos; por fim, a inclusão da temática social, expressa na proposição de “uma ação internacional voltada para o combate à fome e à pobreza17”. Referenciada a estas diretrizes, a política externa do governo Lula foi analisada sob distintos prismas, e descrita alternativamente como “desenvolvimento temperado” por Vizentini18; como “autonomia pela diversificação” por Vigevani e Cepaluni19; analisada em referência a “eixos combinados” por Pecequilo20. Subjacente às diferenças de ordem teórica e política que informam estas análises, observa-se um esforço comum SILVA, André Luiz Reis da . ‘As transformações matriciais da política externa brasileira recente (2000-2010)’. Meridiano 47 (UnB), v. 120, p. 1-10, 2010. 17 AMORIM, Celso. ‘Conceitos e estratégias da diplomacia do governo Lula’. DEP- Diplomacia, Estratégia e Política. Ano 1, n. 1, outubro/Dezembro 2004, p. 41-48. 18 VIZENTINI, Paulo F. Relações internacionais do Brasil – De Vargas a Lula. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2008. 19 VIGEVANI, Tullo; CEPALUNI, Gabriel. ‘Política externa de Lula: a busca de autonomia pela diversificação’.In:______. A política externa brasileira: a busca de autonomia, de Sarney a Lula. São Paulo: Ed. UNESP, 2011. 20 PECEQUILO, Cristina S. “A política externa do Brasil no século XXI: os eixos combinados de cooperação horizontal e vertical”. Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, 51 (2), 2008, p. 136-153. 16 6 para conceder um sentido progressista à política externa de um governo neoliberal, endossando a intenção enunciada pelo ministro Celso Amorim de combinar “a promoção da liberalização comercial e da justiça social”. Assim, a associação espúria entre liberalismo e nacionalismo que caracteriza a ideologia neodesenvolvimentista é replicada, entre outras, na influente análise de Amado Cervo, sugerindo uma mudança de paradigma entre o “Estado normal”, que caracterizaria a gestão FHC e o “Estado logístico”, afirmado pelos governos subsequentes: A ideologia subjacente ao paradigma do Estado logístico associa um elemento externo, o liberalismo, a outro interno, o desenvolvimentismo brasileiro. Funde a doutrina clássica do capitalismo com o estruturalismo latino-americano. Admite, portanto, manter-se na ordem do sistema ocidental, recentemente globalizado21. Por outro lado, as críticas de maior circulação à orientação da política externa das gestões petistas denunciam seu suposto caráter ideológico, procurando associá-la a uma emanação extemporânea do terceiro-mundismo dos anos 1960; a um apoio equivocado a regimes considerados autoritários22; e a uma expressão infantil de antiamericanismo23. Em uma resenha das interpretações sobre a política externa do primeiro governo Lula, Almeida indica que análises neste diapasão encontram ampla acolhida em grandes veículos da imprensa nacional a partir de textos produzidos por jornalistas, mas também se evidenciam nos escritos de professores como Marcelo de Paiva Abreu, do departamento de economia da PUC-Rio, e Eduardo Viola, do IREL-UnB. Escrevendo em 2006, o diplomata opina que: (...) não existe ainda uma “interpretação tory” (isto é, conservadora, ou de direita) da política externa brasileira, cujos fundamentos conceituais continuam solidamente ancorados no desenvolvimentismo e no nacionalismo. Esse fator analítico-interpretativo não permite construir os fundamentos políticos de uma eventual crítica de “direita” (ou “liberal”) à atual política externa, que continuará gozando, aparentemente, de amplo apoio em diferentes segmentos da sociedade24. No que tange especificamente à projeção regional brasileira, escritos recentes sob esta ótica enfatizam os óbices encontrados pelas gestões petistas para a realização dos objetivos propostos, apontando problemas de liderança e confiabilidade; ausência de uma estratégia de longo prazo; contradições entre os interesses dos países envolvidos, referidos às diferenças na estrutura produtiva; reticências entre os vizinhos em relação a um protagonismo regional brasileiro25. Embora estes e outros problemas sejam reconhecidos por autores de tendência diversa, a reflexão de viés liberal indica um CERVO, Amado Luiz. ‘Política exterior e relações internacionais do Brasil: enfoque paradigmático’. Rev. bras. polít. int., Brasília , v. 46, n. 2, Dec. 2003 . 21 LAMPRÉIA, Luiz Felipe. ‘Os desafios do Brasil’. In: PAZ, Leonardo (org.). O CEBRI e as Relações Internacionais no Brasil. São Paulo: SENAC, 2013. 23 Por exemplo, José Botafogo Gonçalves menciona “o antiamericanismo junvenil e anacrônico do Itamaraty” GONÇALVES, José Botafogo. ‘Por que a ALCA fracassou”? In. PAZ, Op. cit., p. 106. 24 ALMEIDA, Paulo Roberto de. ‘Uma nova 'arquitetura' diplomática? - Interpretações divergentes sobre a política externa do governo Lula (2003-2006)’. Rev. bras. polít. int., Brasília , v. 49, n. 1, June 2006 . 25 Uma síntese destes argumentos em: SORJ, Bernardo; FAUSTO, Sergio. ‘O papel do Brasil na América do Sul: estratégias e percepções mútuas.’ Plataforma Democrática, Working Paper nº 12, julho de 2011. 22 7 potencial esvaziamento, ou quando menos uma revisão do sentido e alcance do projeto de integração sul-americana proposto nos marcos da UNASUL26, embora a importância da região para o Brasil não seja subestimada27: A despeito da diferença de enfoque, observa-se uma convergência em ambos polos do espectro político em relação à importância de avançar obras de infraestrutura promovendo a integração continental. Neste contexto, a consecução da IIRSA é defendida por autores que se situam nos marcos do regionalismo aberto, como José Gonçalves Botafogo, quem se queixa de que a iniciativa “tem sido pouco prestigiada, quando talvez seja a instituição que mais dinamismo possa dar a integração sul-americana”, e defende a prática de uma “diplomacia infraestrutural”28. 3.Crítica ao regionalismo desenvolvimentista Assim, as posições associadas às polaridades da política brasileira contemporânea revelam uma concordância fundamental em relação ao padrão de desenvolvimento que se projeta para o país, baseado na exportação de gêneros primários, e que exige uma integração da infraestrutura regional para avançar. Subjacente a ambas leituras está o que Celso Furtado descreveu como “mito do crescimento econômico” como horizonte político. As diferenças entre os enfoques estão referidas aos meios propostos para alcançar este objetivo: enquanto os tucanos apostam na liberalização radical como via para a competitividade internacional, os petistas mobilizam a integração regional para este mesmo propósito, associado ao desígnio de fortalecer o prestígio internacional do país, sob a égide de um mal-disfarçado nacionalismo. No entanto, analisado do ponto de vista de sua própria racionalidade, este projeto apresenta uma debilidade incontornável, pois supõe uma burguesia identificada com um projeto nacionalista espúrio, baseado em um protagonismo regional que reproduz as assimetrias na divisão internacional do trabalho que caracterizam historicamente a região. No campo das relações internacionais, este dilema foi observado por Vigevani em sua análise sobre a evolução do Mercosul, em que constatou tensões entre a tradição autonomista e universalista da diplomacia brasileira, e os requisitos necessários para aprofundar a integração regional. Em última análise, este autor identifica ambiguidades no comportamento do estrato social que identifica como “elites”, em que o desígnio de liderar a integração regional confronta-se com receios em arcar com os custos políticos e econômicos que este compromisso implica, resultando em limitações no escopo e alcance 26 “Nesta visão, que se apoia em evoluções estruturais da economia brasileira e no crescente protagonismo doBrasil em arenas de negociação globais e multilaterais, um investimento significativo do país na região não é inevitável e nem necessariamente desejável. A integração regional não é vista como elemento essencial da política externa brasileira e a importância atribuída à região deveria ser relativizada à luz dos interesses crescentemente diversificados do país, em termos geográficos . O aumento da integração do Brasil com a economia mundial seria o principal objetivo da estratégia de inserção internacional do Brasil, balizando a sua política regional”. RIOS, Sandra Polónia; VEIGA, Pedro da Motta. ‘O Brasil como vetor da integração regional sul-americana: possibilidades e limites”. Plataforma Democrática, Working Paper nº 17, julho de 2011. 27 RICUPERO, Rubens. ‘A sempre anunciada, mas cada vez mais improvável integração latinoamericana”. Revista Política Externa, V. 18 Nº3, 2009. A posição de Ricupero é matizada por Sorj e Fausto: “Acreditamos que a integração regional fundamentada em sólidas bases institucionais comuns não deveria ser abandonada como aspiração. “ SORJ & FAUSTO, Op. Cit. 28 BOTAFOGO, José Gonçalves. ’Prioridades da política externa brasileira à luz do interesse nacional’ In: PAZ, Op. Cit., 267-8. 8 deste processo29. É possível constatar uma dinâmica similar condicionando o processo de integração regional sob a égide da UNASUL, cujas ambiguidades estão referidas, em última análise, aos constrangimentos objetivos para conciliar “um elemento externo, o liberalismo, a outro interno, o desenvolvimentismo brasileiro”30, nos marcos de uma política econômica ortodoxa. Os óbices para modificar a política econômica brasileira incidem sobre a orientação do processo de integração regional em curso, limitando seu alcance e profundidade. Como decorrência, vislumbra-se uma política que tem como principal vetor econômico a internacionalização de negócios de capital brasileiro, e como principal limite político, os constrangimentos para conciliar um horizonte de integração pautado por um “regionalismo desenvolvimentista”, aos interesses locais vinculados ao capital internacional - tensão que se expressa na reivindicação da tradição universalista da diplomacia brasileira. Longe de ser uma peculiaridade brasileira, dificuldades de natureza similar atravessam a política dos demais países do subcontinente, resultando em pressões que corroboram para restringir a dimensão econômica da integração, relegando o processo, em grande medida, à sua dimensão política31. Esta restrição problematiza os alegados nexos entre neodesenvolvimentismo e regionalismo desenvolvimentista. Uma vez que a dimensão econômica do processo limita-se às obras de infraestrutura nos marcos da IIRSA, iniciativa incubada no âmbito do regionalismo aberto, a proposição de um regionalismo desenvolvimentista envolve uma manobra retórica, evocando uma inflexão de sentido em um projeto que, na sua substância, permanece o mesmo. Sob esta perspectiva, a associação entre o conjunto de obras associadas à IIRSA e um horizonte neodesenvolvimentista está revestida de um caráter duplamente ideológico, pois identifica a expansão de negócios oligopólicos brasileiros com o novo desenvolvimentismo, e na sequência, identifica este novo desenvolvimentismo com uma integração regional pós-neoliberal. Nesta operação, confunde-se interconexão com integração; crescimento com desenvolvimento; interesses oligopólicos com interesse nacional; e a internacionalização de negócios brasileiros com integração pós-neoliberal. Por fim, confunde-se a gestão de conflitos regionais, principal virtude atribuída a UNASUL, com soberania. Segundo esta chave de leitura, a constituição de organizações regionais que não são conduzidas pelos Estados Unidos é interpretada como um movimento que se opõe aos interesses desta potência, avançando na direção de um mundo multipolar. No entanto, não é esta a visão emanada do Departamento de Estado deste país (Santos, 2013). Às vésperas da formalização da UNASUL por exemplo, Condoleeza Rice expressou o apoio estadunidense ao protagonismo brasileiro nos marcos de um projeto de integração regional. Questionada sobre a iniciativa brasileira de criar um Conselho de Defesa Sul-Americano, instância relacionada aos assuntos de segurança no âmbito esta organização, a então secretária de Estado declarou: Bem, eu sou completamente a favor da cooperação regional em nível regional, subregional ou em qualquer nível que possamos atingir. (...) Assim, eu não apenas não tenho um problema com isso (criação de um Conselho de Defesa Sul-Americano) como eu confio na liderança brasileira e anseio em coordenar com ela. O que nós não queremos, “Nossa análise sugere de forma clara não existir adequada densidade na sociedade brasileira que estimule o aprofundamento da integração. Consideramos que, por mais que o Mercosul figure no alto das prioridades do Estado, do governo, do ministério das Relações Exteriores, de fato, há hesitação em arcar com os custos e enfrentar as assimetrias existentes.” . VIGEVANI, Tullo et al . O papel da integração regional para o Brasil: universalismo, soberania e percepção das elites. Rev. bras. polít. int., Brasília , v. 51, n. 1, 2008. 30 CERVO, Op. cit. 31 SANAHUJA, Op. cit., p. 38. 29 9 é claro, é que o hemisfério como um todo não possa cooperar. Mas eu acho que nós temos muitos meios pelos quais isso pode acontecer. E eu deixarei ao Brasil e aos outros quem devem ser os membros deste esforço (RICE, 2008) . Nesta perspectiva, a liderança brasileira pode ser vista como funcional à ordem mundial sob a égide estadunidense. Até o momento, não houve ocorrências em que a intercessão brasileira contrariou os desígnios deste país. A recente mediação da UNASUL na crise venezuelana foi interpretada por alguns como um trunfo regional, em que a intervenção da organização preveniu uma ulterior desestabilização do governo Maduro. Embora esta análise provavelmente seja correta, poucos na Venezuela acreditam que interesse aos Estados Unidos um aguçamento das tensões no país, a despeito da hostilidade militante ao processo bolivariano. Sob este ângulo, observa-se uma ambiguidade na liderança regional do Brasil sob as gestões petistas, uma vez que Mercosul e Unasul abriram um importante espaço internacional para a Venezuela, ao mesmo tempo em que condenaram iniciativas de maior potencial inovador, como a Alba, a uma relativa marginalidade. Assim, é possível interpretar que o papel brasileiro tem sido neutralizar as expressões mais radicais do bolivarianismo, um processo dinâmico cujo sentido está em permanente disputa, ao mesmo tempo em que multiplicam-se os negócios brasileiros no país. De modo análogo, o Brasil interveio em direção contrária aos interesses golpistas endossados pelos Estados Unidos nas recentes crises políticas em Honduras (2009) e no Paraguai (2012). No entanto, em ambos casos esta atuação foi impotente para reverter o curso dos acontecimentos, a despeito de um esforço ostensivo na situação paraguaia. Neste país, explicitou-se um dilema que evidencia as contradições inerentes ao caráter da hegemonia brasileira na região, uma vez que o consistente apoio do governo brasileiro ao empresariado rural brasiguaio enrijeceu os óbices enfrentados pelo governo Lugo para avançar ações mínimas de democratização do acesso à terra, enfraquecendo sua posição diante dos interesses que desencadearam o processo de impeachment que a diplomacia brasileira foi então, impotente para frear32. Consumada a destituição, o Paraguai foi suspenso temporariamente do Mercosul, viabilizando o ingresso efetivo da Venezuela. Poucos meses depois, o articulador do golpe elegeuse presidente, o país voltou ao Mercosul e os negócios prosseguiram como sempre. Este episódio revela os estreitos limites do progressismo atribuído à diplomacia petista, uma vez que o apoio a Lugo nunca contrariou os interesses do agronegócio protagonizado por empresários brasileiros, elo mais fraco de um negócio comandado por conglomerados transnacionais. Ao contrário, há indícios de que a afinidade política lubrifica as cadeias mercantis, facilitando a expansão de negócios brasileiros em países com governos considerados progressistas. O maior empresário rural brasileiro na Bolívia, referiu-se a esta facilidade em uma entrevista: Agora, nós, Heloisa, temos a garantia do governo brasileiro, sabe, eu acho que, assim como os “brasiguaios” têm a garantia do governo brasileiro, quando acontece alguma coisa lá existe uma intervenção, eu acredito que nós vamos ter a mesma atenção. O governo, o Celso Amorim, ele veio exclusivamente pra falar com a gente; o Celso Amorim, que eu acho um espetáculo o Celso Amorim, então, eu acho que, se acontecer alguma coisa aqui na Bolívia, o governo imediatamente vai intervir, e aí o Lula chama o Evo e fala: “Olha, a propriedade do Nilson Medina foi invadida, ele tem tudo certo, ele cumpre a função social e tudo…” (GIMENEZ, 2010, ANEXO). 32 SANTOS, Fabio Luis Barbosa dos. “A problemática brasiguaia e os dilemas da projeção regional brasileira.” In. DESIDERÁ NETO, Walter Antonio (org.). O Brasil e Novas Dimensões da Integração Regional. Brasília: IPEA, 2014 (no prelo). 10 Em suma, o papel atribuído ao protagonismo regional brasileiro, circunscrito a negócios que se harmonizam com a divisão internacional do trabalho prevalente, como o agronegócio e a construção civil, e a gestão de conflitos regionais, pode ser interpretado como funcional à reprodução capitalista e aos interesses estadunidenses na região. Conclusão Existe uma correspondência entre o neodesenvolvimentismo como ideologia da política econômica das gestões presidenciais petistas e a noção de um regionalismo desenvolvimentista, ou pós-neoliberal, como ideologia da política externa praticada por estes governos. A função política em ambos os casos é estabelecer uma clivagem em relação às administrações precedentes pretendendo diferenciar-se em relação à ortodoxia neoliberal, sem que este movimento corresponda a qualquer mudança substantiva, seja na política macroeconômica fundada pelo Plano Real, seja no projeto de integração regional que tem como esteio as obras associadas à IIRSA. Ambos polos do debate tem um fundamento comum remetendo, em última análise, ao mito do crescimento econômico. Esta polarização postiça cumpre uma segunda função política, que é balizar o debate por alternativas que elidem as conexões entre crescimento econômico e o aprofundamento da dependência externa e da assimetria social, que caracterizam o subdesenvolvimento. Proposições que apontam para um padrão civilizatório alternativo, seja em torno do Sumak Kawsay, do bolivarianismo ou do socialismo, não tem voz no país. Na economia o debate é restringido à microeconomia, discutindo-se, em última análise, o ritmo e a intensidade do aprofundamento da agenda associada ao neoliberalismo. No terreno das relações internacionais, disputa-se a relevância concedida ao Sul em geral e à América do Sul em particular, como espaço privilegiado de expansão de negócios brasileiros. Os parâmetros do debate são estabelecidos por uma ponderação entre ônus e bônus da integração regional, segundo uma racionalidade mercantil. O contraponto à posição petista, que sustenta a importância estratégica da região, foi sintetizado de modo lapidar pela ex-assessora da missão brasileira na OMC, Vera Thorstensen, em sua crítica ao Mercosul: “não adianta casar com pobre”. A despeito das diferenças de enfoque, a finalidade comum às duas posições é a inserção do espaço econômico brasileiro nos movimentos do capitalismo contemporâneo, como exportador de matérias-primas e plataforma de valorização do capital financeiro. Sob esta perspectiva, a política é sempre instrumentalizada pela economia. Assim, ao contrário do que a retórica do regionalismo pós-neoliberal prega, o sentido do processo integracionista não modificou-se a partir da eleição de governos progressistas imbuídos de um horizonte neodesenvolvimentista, mas há indícios de que a interconexão do subcontinente como um imperativo mercantil ensejou uma instrumentalização da afinidade política entre estes governos em favor de negócios locais e internacionais. Sob esta ótica, a incógnita analítica que desafia as leituras ancoradas neste campo, procurando explicar como um governo politicamente convencional, socialmente conservador e economicamente neoliberal praticaria uma política externa inovadora, perturbadora dos interesses estadunidenses na região, se desfaz. Explicitado o caráter ideológico da articulação entre neodesenvolvimentismo e regionalismo pós-neoliberal, a política das gestões petistas para a América do Sul emerge como o que ela é, e não mais como o que gostaria de ser: uma instrumentalização da integração regional em favor da internacionalização de negócios brasileiros oligopolizados consonante com a divisão internacional do trabalho prevalente, garantindo ao país uma posição de liderança no subcontinente circunscrita à esfera política, a ser exercida em momentos de crise segundo os estreitos limites tolerados pela potência hegemônica. 11 7) Referências Bibliográficas ACOSTA, Alberto. 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O Atlântico Sul e a Integração Sul-americana: uma aproximação geopolítica33 Fernanda Pacheco de Campos Brozoski [email protected] Alumna de doctorado del Programa de Pós-graduação em Economia Política Internacional de la Universidade Federal de Rio de Janeiro (UFRJ) Resumo Na visão predominante da política externa brasileira, a integração sul-americana e o aprofundamento das Relações Sul-Sul são veículos para alcançar uma inserção mais ativa e autônoma no sistema internacional. Esta perspectiva esbarra na resistência que alguns países têm em enxergar a viabilidade, ou em aventar vantagens, de uma participação menos subordinada à dinâmica política e econômica ditada pelo centro do Sistema Mundial. O projeto de integração da América do Sul sente este impasse refletindo agendas regionais divergentes: uma, com foco no desenvolvimento; e outra, na liberalização comercial. Os países que sustentam uma visão oposta à do atual governo brasileiro estão, maiormente, associados aos interesses externos que se projetam na América do Sul via Bacia do Pacífico. Neste trabalho, pretendemos salientar alguns 33 Trabajo preparado para su presentación en el VIII Congreso Latinoamericano de Ciencia Política, organizado por la Asociación Latinoamericana de Ciencia Política (ALACIP). Pontificia Universidad Católica del Perú, Lima, 22 al 24 de julio de 2015. 14 fatores geopolíticos do Atlântico Sul que, a nosso entender, devem compor uma estratégia de aproximação dos diferentes interesses no subcontinente e contribuir para uma maior convergência nas pautas de integração sul-americana. Áreas temáticas: Integração regional, Geopolítica, Economia Política Internacional Introdução Inicialmente, convém expor que o presente trabalho não tem por objeto de análise as diferentes concepções e práticas de integração vigentes na América do Sul. Na última década, este tema vem sendo explorado pela academia de forma bastante disseminada e consistente e hoje podemos dispor de uma farta gama de estudos sobre o assunto – que, naturalmente, ainda está longe de ser esgotado. No entanto, nosso intuito aqui é contribuir mais pontualmente com o debate, destacando aspectos da geopolítica do Atlântico Sul e dos oceanos em geral que reforçam os argumentos do chamado eixo revisionista de integração. Para tanto, organizamos este artigo em quatro tópicos. No primeiro, exploraremos algumas análises sobre as características da heterogeneidade e da fragmentação do processo de integração sul-americano. Com isso, buscaremos localizar em que ângulo da integração se inserem as reflexões que aqui levantamos. No segundo tópico, trataremos dos fenômenos mais relevantes da geopolítica mundial entorno dos recursos oceânicos e energéticos e seus efeitos nas políticas continentais. No terceiro, destacaremos os fatores geopolíticos presentes no Atlântico Sul que repercutem no avanço da integração regional e apontaremos algumas potencialidades ainda não exploradas. E por fim, no quarto tópico, concluiremos com algumas reflexões sobre a necessidade de o elemento geopolítico estratégico vir a ser uma variante de maior peso na agenda regional. A integração sul-americana e a geopolítica global Para sermos mais objetivo em nosso propósito e não nos estendermos no polêmico tema sobre os tipos de integração, neste trabalho tomaremos como base a classificação sugerida pelo economista venezuelano José Briceño Ruiz (2013). Segundo o autor, desde 2003, a nova fase do regionalismo latino-americano se caracteriza fundamentalmente pela heterogeneidade e pela fragmentação. Para o acadêmico, hoje coexistem três eixos de integração – o do regionalismo aberto, o anti-sistêmico e o revisionista. Estes eixos adotam, em maior ou menor grau, os lineamentos de três modelos econômicos de integração: o estratégico34, o social e o produtivo. Com um viés neoliberal e centrado no livre-comércio, o modelo estratégico busca integrar a região aos mercados globais por meio da abertura comercial e da eliminação de barreiras ao livre mercado. O modelo social procura, através da cooperação, coordenar uma política social regional que fomente políticas redistributivas e diminua os efeitos sociais negativos produzidos pelo regionalismo aberto. E o modelo produtivo vê a integração como instrumento de Apesar de serem mais usuais os termos “regionalismo aberto” (CEPAL) ou “novo regionalismo” (BID), Briceño Ruiz adota a expressão “regionalismo estratégico” em referência às recomendações da “política comercial estratégica”, derivada das novas teorias do comércio. 34 15 desenvolvimento regional, que se materializaria com a industrialização, a conexão cadeias produtivas e a complementaridade econômica. Olhando para o quadro atual, Briceño Ruiz (2013, p.35) detalha a natureza de cada eixo de integração: Mientras el Mercosur revisa su modelo de regionalismo estratégico plasmado en el Tratado de Asunción y lo amplia con políticas de regionalismo social y regionalismo productivo, el ALBA pretende ser un nuevo modelo de integración no basado en el comercio y la ganancia mercantil sino en la solidaridad la complementación y la cooperación. La Alianza del Pacífico, por su parte, reivindica las políticas de regionalismo abierto, incluso apoyando una estrategia de integración que favorece una agenda más propia de iniciativas de tipo norte-sur. Ainda que com visões distintas, o projeto anti-sistêmico e o revisionista não se contrapõem de forma antagônica no processo de integração da América do Sul. Inclusive, é possível afirmar que exercem mutuamente influências que diversificam suas agendas sem anular suas orientações centrais: a ALBA, por exemplo, trouxe para dentro do Mercosul a pauta social e vem reforçando de forma propositiva a necessidade de se buscar mecanismos para diminuir as assimetrias econômicas regionais. Por outro lado, notamos claramente a configuração de um antagonismo na relação entre o eixo estratégico e o revisionista, ainda que este último não represente uma ruptura completa com o projeto comercialista. Briceño Ruiz (2013, p.15) indiretamente também estabelece este contraste colocando a Aliança do Pacífico como um projeto que faz oposição tanto à ALBA, quanto ao Mercosul. La Alianza del Pacífico representa una respuesta política de los gobiernos latinoamericanos que todavía apoyan el modelo de integración abierta, es una reacción al creciente protagonismo del eje del ALBA y del gobierno de Hugo Chávez en el escenario de la integración económica en América Latina. El nuevo bloque se propone buscar también ser un factor de equilibrio frente al cada vez mayor liderazgo brasilero en América del Sur, sea en su accionar unilateral o en el marco del Mercosur. Neste ponto, é interessante trazer para nosso estudo uma visão mais ampla que localiza a integração sul-americana dentro da dinâmica geopolítica global e não a restringe ao contexto regional. Na perspectiva do professor Raphael Padula, a Aliança do Pacífico, mais que a expressão de uma variante local da integração, corporifica interesses de potências externas que hoje estão no centro da disputa pelo poder mundial. Para o autor, apesar de não representar uma ameaça econômica efetiva para o modelo de integração revisionista encabeçado pelo Brasil, o projeto liberal do Pacífico divide a região e a torna mais vulnerável às pressões externas, diminuindo, assim, seu grau de autonomia no processo de regionalização e inserção internacional. Aliança do Pacífico é um instrumento da disputa expansiva por influência política e econômica de grandes potências e de suas grandes corporações transnacionais na região, possibilitando assim maior influência de potências externas, e maior fraqueza política e vulnerabilidade aos países da região. Seu peso em termos econômicos, de população e de mercados, não desafia o Brasil ou o Mercosul, mas a simbologia e as repercussões geopolíticas de tal acordo tendem a fraturar a região e suas possibilidades de inserção autônoma. (PADULA, 2013, p.40) Não podemos desconsiderar o fato de que a América do Sul é uma área relevante de projeção externa de poderosos players globais e que a competição no tabuleiro geopolítico mundial inevitavelmente tem ressonância no processo de integração regional. Sob este prisma, assumimos uma posição crítica em relação às visões que acentuam o caráter autônomo do processo de integração e dão pouca importância aos fatores externos. 16 Em outras palavras, nos posicionamos de forma contrária à perspectiva que alça os fatores de ordem interna – como a falta de consensos entre os interesses locais, a inabilidade de gestão ou ausência de institucionalidade adequada – à condição de determinantes únicos da regionalização. Sem pretender menosprezar a relevância destes fatores, neste artigo procuraremos deslocar o elemento geopolítico da posição de condicionante menor para um lugar de destaque nos rumos da integração sul-americana. A pressão externa que incide com maior força no processo de integração da América do Sul são as projeções dos Estados Unidos e da China sobre o subcontinente. As políticas de expansão destas potências, conforme argumentamos anteriormente, encontram no projeto comercialista, hoje representado pela Aliança do Pacífico, seu veículo de promoção. Por este motivo, mais adiante, exploraremos com mais detalhe os impactos recentes das estratégias internacionais norte-americanas e chinesas nas escolhas regionais de inserção no Sistema Mundial. No entanto, antes, faz-se necessário abordar alguns fenômenos fazem parte do núcleo duro da dinâmica de competição pela hegemonia de poder global. A energia e os oceanos no coração da geopolítica mundial A conjuntura atual de mudanças geopolíticas no cenário internacional indica que, nas próximas décadas, uma das tendências históricas do sistema interestatal capitalista se tornará ainda mais intensa: a disputa pelo controle de áreas ricas em recursos naturais estratégicos. De acordo com alguns analistas35, hoje é possível identificar dois movimentos essenciais e determinantes da dinâmica da geopolítica mundial. O primeiro, que vem se verificando desde a segunda metade do século XX, consiste na adoção, por parte dos países centrais, de uma política externa voltada especialmente para o controle de áreas ricas em recursos naturais estratégicos, tornando a política de segurança energética seu principal determinante. O segundo movimento corresponde à recente ação de grandes potências e alguns países emergentes no sentido de assegurar o domínio de zonas mineiras oceânicas. Documentos estratégicos, como os planos quinquenais do Estado chinês e os estudos do US Geological Survey, são importantes fontes reveladoras da ascensão do interesse mundial pelos recursos dos fundos marinhos. Conforme aponta o cientista político americano Michael Klare, há mais de meio século, o núcleo da produção petrolífera mundial vem se deslocando do norte para o sul, de países industrializados para países subdesenvolvidos. Esta mudança se deve à progressiva diminuição de recursos energéticos nos países centrais e às novas oportunidades de exploração de reservas offshore que os recentes avanços tecnológicos em águas profundas proporcionaram. Nas últimas décadas, a comprovação contínua de reservas offshore minorou o prognóstico bastante negativo de esgotamento das reservas mundiais de petróleo. No entanto, grande parte das novas descobertas está localizada em zonas periféricas onde há alguma resistência ou atrito em relação aos países centrais. Este fato vem gerando conflitos e transformações na ordem de poder do sistema internacional que têm importantes implicações para a América do Sul e a África Subsaariana ocidental. Neste trabalho, partimos do pressuposto de que o petróleo não está perdendo relevância na matriz energética mundial. De acordo com Klare (2008), desde os anos 1970, em paralelo à diminuição das reservas petrolíferas norte-americanas, houve um aumento substancial do poder militar estadunidense no mundo. Com a redução da 35 Michael Klare, Philipe Le Billon, Gal Luft, Donna J. Nincic, José Luis Fiori, Moniz Bandeira, etc. 17 produção e, ao mesmo tempo, o aumento da demanda por petróleo, os Estados Unidos se tornaram mais dependentes da importação desse bem36. O imenso aparato bélico norteamericano, o único verdadeiramente global, segundo Klare, é praticamente todo alimentado por petróleo. Sendo assim, para o autor, a disputa por fontes que garantam a oferta abundante deste combustível continuará sendo a tônica da política externa norteamericana, manifestada explicitamente na Doutrina Carter. Há que se considerar também que a acentuada ampliação da demanda por petróleo não é resultado somente do esgotamento das reservas e do fortalecimento militar dos países desenvolvidos. Países com alto crescimento econômico e demográfico, como a China e a Índia, e países historicamente dependentes da importação de petróleo, como Japão e Coréia, também representam um papel relevante na competição mundial pelas fontes de energia. Ademais, a Rússia, com as recentes descobertas de petróleo e gás na Sibéria e no Mar Cáspio, reaparece como importante player no jogo geopolítico dos recursos energéticos no mundo. De acordo com a British Petroleum (2014), o país manteve, em 2013, o posto de segundo maior produtor mundial de petróleo e de gás (no primeiro caso, pouco atrás da Arábia Saudita e, no segundo, atrás dos Estados Unidos). Para Klare (2014), The continued availability of energy and mineral supplies is also essential for political and military survival. No nation can maintain a robust military defense without a wide array of modern weapon systems, and most such systems—from warships to fighter jets—are fueled by oil. The U.S. military, with multiple overseas commitments and a significant combat presence in Southwest Asia, is especially dependent on petroleum, consuming as much oil every day as the entire nation of Sweden. Other nations that seek to project military power beyond their immediate territory, such as Britain, China, France, and Russia, also require substantial petroleum supplies. Além do petróleo há outros recursos naturais estratégicos dos fundos marinhos que vêm atraindo a atenção de diversos países. Atualmente, muitos Estados vêm fazendo altos investimentos em pesquisa e tecnologias de exploração em águas profundas e aplicando grandes esforços para assegurar o direito de mineração de crostas ferromanganesíferas (formações rochosas ricas em cobalto e níquel); nódulos polimetálicos (ricos em níquel, cobalto, cobre, ferro e manganês); e sulfetos polimetálicos (ricos em ferro, zinco, prata, cobre e ouro) presentes na Área37. Nos anos 60, começou a crescer o interesse pela exploração de recursos situados no leito do mar e no subsolo dessa zona. No entanto, após a década de 70, devido à falta de tecnologia adequada e de a atividade de extração mineira em terra ainda apresentar forte potencial, o interesse pela mineração de recursos dos fundos marinhos diminuiu consideravelmente. Hoje, diante de um horizonte de esgotamento cada vez mais evidente das reservas minerais em terra firme e do expressivo desenvolvimento tecnológico em águas profundas alcançado em vários países, os fundos oceânicos são considerados a nova fronteira da mineração mundial. Os minerais situados na Área têm um significado importante na agenda de desenvolvimento de diversas potências – como Estados Unidos, Alemanha, China, Rússia e Índia. Os metais encontrados nestas reservas podem suprir a demanda de indústrias estratégicas de importantes economias mundiais, lembrando que esta demanda vem crescendo substancialmente devido ao intenso processo de industrialização de países como a China e a Índia. O cobre, o cobalto, o manganês e o níquel, por exemplo, são 36 Apesar de que o quadro de dependência da importação de petróleo diminuiu significativamente com exploração de enormes reservas de shale gas descobertas recentemente. 37 A Área corresponde aos fundos oceânicos que se situam além dos limites de qualquer jurisdição nacional. 18 componentes de grande aplicação em diversas operações metalúrgicas, como a produção de diferentes tipos de ligas metálicas utilizadas na fabricação de turbinas de avião, motores marítimos e na indústria automobilística e química. Também são matériasprimas valiosas para a produção de aço e ferro e na fabricação baterias. Além disso, Klare (2014)38 ressalta a importância destes recursos para a indústria armamentista e o poder bélico das nações. Any nation that seeks to sustain a significant arms-making capability, moreover, must possess ensured supplies of iron, cobalt, nickel, titanium, and various specialty metals. And, of course, any country seeking to join the “nuclear club”—whether for political or for military reasons, or a combination of both—must have a reliable supply of uranium. A expectativa de vida de grande parte das reservas mundiais de Petróleo e minérios não é muito promissora frente ao vertiginoso crescimento da demanda global por estes bens. Por conseguinte, de acordo com Klare (2014), assistiremos de hoje em diante uma disputa cada vez mais acirrada pelo controle de recursos localizados em zonas até então pouco exploradas – como algumas áreas inóspitas da África e os fundos oceânicos. Virtually all accessible resource zones are now in production; except for the extreme areas such as the Arctic, the Congo, the ocean bottom, and unyielding rock formations, there is nowhere else to go. For this reason, the invasion of the world’s final frontiers has unique significance. What we expropriate from these areas represents all that remains of the planet’s once abundant resource bounty. In all likelihood, we are looking at the last oil fields, the last uranium deposits, the last copper mines, and the last reserves of many other vital resources. These materials will not all disappear at once, of course, and some as-yet-undeveloped reserves may prove more prolific than expected. Gradually, though, we will see the complete disappearance of many key resources upon which modern industrial civilization has long relied. A busca de novas fontes energéticas e minerais em zonas remotas é, segundo Klare (2014), parte de um fenômeno maior da conjuntura geopolítica mundial. Para o autor, o que assistimos hoje é uma manobra concertada entre governos e grandes corporações para garantir o acesso e o domínio sobre as reservas de matérias-primas que ainda restam no mundo. Para o autor, Governments and giant corporations—or the two acting in conjunction—have adopted ambitious plans to explore uncharted areas, pursue legal claims to disputed territories, acquire exploration and drilling rights in promising resource zones, introduce new technologies for extractive operations in extreme and hazardous environments, and develop military forces that can operate in these regions. Donna J. Nincic destaca que grande parte das reservas de petróleo e gás mais promissoras do mundo se encontra em territórios marítimos cujas as fronteiras ainda não foram definidas. A disputa pelo controle destas áreas tem inspirado fortes pleitos junto às organizações internacionais competentes e tem sido fonte de uma parcela significativa dos conflitos armados mundiais em torno dos recursos energéticos. Desta forma, na opinião da autora não se pode evadir a necessidade de inscrever a questão da segurança energética no contexto da segurança marítima. With the future of energy exploration lying largely in the world’s oceans, and with so many known and potential oil and natural gas reserves lying in areas 38 Livro virtual sem paginação. 19 with disputed maritime boundaries, confl ict over access to these resources is bound to continue. The conflicts in the South China Sea and elsewhere, and the potential for conflict in the Arctic, show how willing nations are to take risks over access to energy resources. (NINCIC, 2009, p.41) Neste contexto, as riquezas minerais presentes no Atlântico Sul vêm valorizando a região como importante zona de projeção de poder principalmente de grandes potências mundiais. O Atlântico Sul e seu entorno na competição sino-americana por recursos naturais Como sabemos, a ambição dos Estados Unidos pela supremacia no continente Americano é de longa data, porém se consolida como política de Estado, no início do século XX, tomando por base as formulações de Nicholas Spykman. Na concepção do geoestrategista, a América Latina como um todo devia ser encarada como uma zona estratégica de contenção, onde o domínio dos Estados Unidos devia ser inquestionável. Ao longo século, principalmente durante a Guerra Fria, esta visão se consolidou na América do Sul através do enquadramento dos países da região à doutrina de segurança nacional norte-americana. Até hoje, do ponto de vista de poder bélico, não há ator, interno ou externo, com força suficiente para contestar a superioridade de projeção regional dos Estados Unidos. Entretanto, na esfera econômica, neste novo milênio, a ascendência estadunidense sobre os países sul-americanos começa a dar sinais de claro enfraquecimento com a notável expansão chinesa sobre região. Para isto, também tem contribuído de forma significativa a reação, quase generalizada dos governos latinoamericanos, ao neoliberalismo desde princípios dos anos 2000. Durante a década de 1990, a incorporação dos países sul-americanos ao modelo neoliberal se realizou pela implementação do “Consenso de Washington”, um pacote de medidas econômicas que tinha como objetivo enquadrar os países latino-americanos no processo de globalização. Os problemas dos países periféricos supostamente seriam resolvidos através da aplicação de medidas como: abertura econômica, com forte redução das barreiras protecionistas; privatização das empresas estatais e de serviços públicos; desregulamentação das finanças, isto é, eliminação dos limites para os movimentos de capital; e flexibilização das relações de trabalho, entre outros. Na América do Sul, estas medidas resultaram em desindustrialização, aumento do desemprego e da pobreza e aprofundamento da vulnerabilidade externa. Em consequência, em diversos países estourou uma grande onda de contestação ao neoliberalismo que propiciou a ascensão de novas forças políticas ao poder. Vários governos que se instalaram a princípios do século XXI procuraram resgatar projetos nacionais que propunham medidas contrárias às orientações de Washington. Neste contexto, por exemplo, é que sucumbe o projeto estadunidense de criar a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas). A perda da capacidade de influência ideológica sobre os governos sul-americanos levou os Estados Unidos a adotar, nos anos 2000, uma atitude militar, no geral, passiva frente aos assuntos regionais. Entretanto, ao finalizar a década, esta postura começou a mudar. Sob a administração de Barak Obana, o governo norte-americano firmou novo acordo que dava acesso a sete bases aéreas e navais no território colombiano; reativou sua IV Frota (U.S. South Atlantic Force), intensificou as operações e exercícios navais no 20 Atlântico Sul39, etc. Certamente tamanha vantagem no campo bélico é um fator de forte intimidação que põe em cheque a autonomia que a região tem sob seu destino. Entretanto, a história é diferente no que tange a área econômica, hoje, a América do Sul se configura como um espaço de disputa importante, onde o domínio dos Estados Unidos começa a declinar em razão da ascensão da presença China. O confronto entre estas duas potências não ficou restrito a este lado do Atlântico Sul: chineses e norte-americanos também vêm competindo por ampliar seu poder de influência sobre os países africanos da costa atlântica. Vale a ressalva de que, atualmente, do lado de lá, o número de agendas conflitantes é maior. Até meados do século XX, os Estados Unidos pouca atenção dedicou ao lado africano do Atlântico Sul. Ao longo do século, este quadro começou a se alterar em razão da intervenção soviética e do processo de descolonização na África. Mas o estreitamento dos laços comerciais com fração ocidental do continente africano é um fenômeno mais recente. Nas últimas décadas, houve um substancial aumento do volume da participação dos minerais energéticos na pauta de importações dos Estados Unidos. Hoje a Angola e a Nigéria aparecem nas análises do EIA (2014) em 5º e 10º lugar, respectivamente, como fornecedores de óleo bruto para os Estados Unidos. Na última década, de modo semelhante ao sucedido na América do Sul, também houve um expressivo aumento da presença chinesa na África, evidenciado no estrondoso incremento das cifras de intercâmbio comercial e de investimentos no continente. No lapso de dez anos, entre 2002-2012, as importações chinesas da África passaram de, aproximadamente, U$ 500 milhões para U$ 14 bilhões; isto significa uma ampliação, em valores brutos, de mais de 2000%. Em 2002, a China que representava apenas 1% no total de exportações africanas, passou a representar 6,6%, em 2012. Junto com petróleo, os recursos minerais são os produtos africanos que ocupam o maior destaque na pauta de importação chinesa. Lembrando que, além das gigantescas reservas terrestres, há significativas jazidas de minerais offshore, sem contar os recursos da Área40. Vale lembrar que, a China – junto com o Japão, os Estados Unidos e a Alemanha – está entre os países que detêm a tecnologia mais avançada para realizar pesquisa e exploração destes recursos. A demanda chinesa por minerais de base tem crescido mais de 10% ao ano desde 1990. Hoje, a China é o maior consumidor mundial de alumínio, minério de ferro, chumbo e zinco, além de participações consideráveis na demanda de outros minerais. Como reflexo, as importações da China de recursos minerais não combustíveis provenientes dos países africanos da costa atlântica aumentaram significativamente nas últimas décadas. A África do Sul é o país responsável pela maior participação nas importações chinesas (5,5%). Mais de 80% do cobalto importado pela China e 40% do manganês provêm da República Democrática do Congo e do Gabão, respectivamente. Vale destacar que a 39 Os Estados Unidos possuem instalações militares de grande porte na Ilha de Ascensão e dois comandos militares para atuar na região: o USSOUTHCOM, criado em 1963; e o AFRICOM, constituído em 2007. O poderio militar estadunidense se faz presente na América Latina através do controle de bases e centros de operações e treinamento. Os norte-americanos, além de disporem de Ascensão e das bases onde a OTAN tem acesso no Atlântico Sul, também contam com suportes fixos em diversas regiões do continente americano: Guantánamo (Cuba), Honduras, Aruba, Curaçao, El Salvador, Colômbia, Chile, Peru, Guiana e Suriname. 40 Considerando que a extensão da plataforma continental da África é estreita – e, por conseguinte as regiões abissais estão relativamente perto da costa – é provável que as riquezas minerais da Área estejam mais próximos da costa atlântica africana. Além disso, a Dorsal Meso-atlântica – cadeia montanhosa submarina onde já encontraram incidências de sulfetos polimetálicos – se encontra a uma distância menor da costa africana, em comparação com a costa americana. 21 China é o destino de cerca de 62% da exportação de minérios da África do Sul e 95%, da Nigéria (COMTRADE). O aumento da intensidade dos fluxos recentes ilustra a forte complementaridade entre os recursos naturais africanos e a economia chinesa. Para Fiori (2014, p.251), “a África é, hoje, o grande espaço de acumulação primitiva asiática e uma das principais fronteiras de expansão econômica e política da China e da Índia”. Passando ao cenário marítimo, o crescimento da importância do petróleo e do gás na economia mundial dá especial relevo às recentes descobertas petrolíferas na costa dos países banhados pelo Atlântico Sul. No Brasil, desde 2001, os novos campos encontrados, incluindo o pré-sal, incrementaram as reservas nacionais em aproximadamente 67% e possibilitaram que o Brasil aumentasse em 60% sua produção petrolífera. Hoje, o Brasil ocupa o 13º lugar no ranking dos países produtores de petróleo (BP, 2014). Deste lado do Atlântico Sul, além do Brasil, também se constatou novas reservas na plataforma continental argentina, que abrangem as ilhas Malvinas e a zona antártica em disputa com a Inglaterra. Na costa atlântica sul-americana, se encontram, aproximadamente 1,1% das reservas mundiais de petróleo provadas e 0,4% das reservas de gás. Estas cifras são bem pouco expressivas no cenário mundial, porém há que se considerar o grande potencial ainda inexplorado da enorme reserva do “pré-sal” e, provavelmente, da plataforma continental argentina. Além disso, se somamos aos países atlânticos as reservas de petróleo e gás dos demais países sul-americanos, a porcentagem em relação às reservas mundiais se aproxima de 18 % no caso do petróleo e de 3,5%, do gás. Na costa atlântica africana, a Angola e a Nigéria se destacam entre os cinco maiores produtores de petróleo do continente e são responsáveis por mais da metade da produção africana (EIA, 2011). Também são deles as cifras que indicam os maiores crescimentos de depósitos petrolíferos nos últimos vinte anos. As reservas comprovadas angolanas aumentaram em quase 5 vezes, passando de 2 bilhões de barris, em 1990, para 9 bilhões, em 2014. Já as reservas nigerianas mais que dobraram, subiram de 16 bilhões para 37 bilhões de barris, nos mesmos anos. Hoje, a Angola ocupa o 16º lugar no ranking mundial de produção de petróleo e a Nigéria, o 12º lugar (BP, 2014). Vale lembrar que recentemente também foram comprovadas expressivas reservas offshore em outros países do Golfo da Guiné. Além do petróleo, o Atlântico Sul está dotado de recursos minerais presentes na Área. Apesar da escassez de estudos sobre o leito marinho sul-atlântico, se constatou a existência de recursos de elevado valor econômico e estratégico como crostas ferromanganesíferas, nódulos e sulfetos polimetálicos. Os depósitos mais promissores dos três compostos minerais citados estão localizados nos oceanos Pacífico e Índico, isso se deve, principalmente, a existência de maiores investimentos em pesquisa nesta região. Entretanto, as pesquisas já realizadas apontam a presença de nódulos polimetálicos nas bacias oceânicas ao redor da Ilha de Trindade; de crostas ferro-manganesíferas, na Elevação de Rio Grande; e de sulfetos polimetálicos próximos ao arquipélago de São Pedro e São Paulo. Uma vez dimensionada a importância dos recursos do Atlântico Sul e suas regiões continentais lindeiras, a continuação pretendemos sublinhar alguns aspectos específicos das mais recentes projeções externas na América do Sul, em especial da China, que podem ser determinantes no curso da integração regional. Atlântico Sul, desenvolvimento e integração regional 22 Como é sabido, para os chineses, a continuidade do crescimento do país e o cumprimento de suas metas de desenvolvimento depende, inexoravelmente, da garantia de acesso seguro a recursos energéticos. A China vê a escassez de energia como uma de suas maiores ameaças potenciais. O aumento substancial da dependência da importação de petróleo demandou do governo chinês uma reestruturação de sua estratégia de segurança energética. Segundo Klare (2008, p.75), desde que a China passou importar petróleo, é possível perceber três orientações prioritárias em sua política de segurança energética: 1) diversificar fontes de suprimento de energia importada; 2) ampliar as possibilidades de fornecimento por meios terrestres e diminuir a dependência do petróleo transportado por via marítima; e 3) delegar a aquisição de suprimentos de energia estrangeiros às empresas estatais. Em relação às intenções econômicas da projeção chinesa sobre a América do Sul duas são motivações principais, a saber: o acesso facilitado a recursos naturais estratégicos e a ampliação de mercado para seus produtos de maior valor agregado. De acordo com Samuel Pinheiro Guimarães (2012), A política econômica externa da China (à semelhança da política americana) tem como grande objetivo assegurar o acesso a fontes de matérias primas minerais, energéticas e agrícolas em todo o mundo, mas, como não poderia deixar de ser, em especial no mundo periférico da África e da América Latina. Esta demanda, que continuará a existir em grande escala, mesmo que haja uma crescente ênfase da China no desenvolvimento de seu mercado interno, tem impacto direto para a economia do Mercosul, em seu conjunto e para cada Estado-Parte, em especial para o Brasil. E, realmente, as cifras que atestam o extraordinário crescimento da participação da China no comércio e nos investimentos da América do Sul41 certificam a contundência de sua expansão no subcontinente. No entanto, é também necessário atentar para outros possíveis reflexos da política externa e de segurança energética da China e da disputa mundial pela energia. Considerando que a maior parte dos investimentos destinados a América do Sul estão relacionados ao setor de energia e metais, sem dificuldades, podemos localizar a ampliação da projeção do capital chinês na América do Sul na primeira diretriz mencionada por Klare. Entretanto, gostaríamos de chamar a atenção para alguns possíveis efeitos das ações chinesas dedicadas a cumprir sua segunda orientação. A China, para ampliar a margem de proteção de abastecimento de energia tem buscado diminuir sua dependência dos suprimentos energéticos transportados por via marítima. De acordo com dados do COMTRADE (2013), mais de 40% das importações chinesas de petróleo provêm do Oriente Médio. Este carregamento atravessa o estreito de Ormuz e passa pelo estreito de Malaca até alcançar a costa oriental chinesa. Esta é uma das mais importantes rotas comerciais do petróleo e é controlada pelos americanos. Desta forma, como medida de segurança, a China tem feito avançar diversos projetos com países vizinhos de construção de oleodutos e gasodutos que possibilitariam desviar parte da circulação do petróleo para rotas terrestres e facilitariam seu acesso aos recursos energéticos e minerais comercializados no mundo. Levantamos aqui uma hipótese que, para ser comprovada, ainda requer maiores estudos. A nosso ver, é seguindo a linha estratégica acima mencionada que a China tem dado especial atenção aos projetos de construção de corredores bioceânicos na América do Sul. Tais projetos, nos anos 1990, já compunham a carteira de projetos da Iniciativa 41 Em 2002, a China representava apenas 4,3% no total de exportações sul-americanas; já em 2012, passou a representar 15,3% (CONTRADE, 2013) 23 para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana (IIRSA). Este órgão foi criado com o objetivo de fomentar a ampliação de uma infraestrutura de transportes que desse suporte a formação de uma área de livre-comércio regional. Isto é, os corredores foram concebidos dentro da lógica do modelo neoliberal de integração do regionalismo aberto, que, conforme explica Padula (2014, p.14), se propõe a ser: Um modelo onde, de forma pacífica através da abertura de mercados, os países sul-americanos facilitariam o acesso aos recursos naturais da região às empresas transnacionais e seus Estados matrizes patrocinadores, através de fluxos de comércio e investimentos, não só em atividades produtivas exploratórias, mas também na construção logística de corredores de exportação. Como já foi abordado no início deste artigo, nos anos 2000, os novos governos eleitos na América Latina, refutando o projeto neoliberal, empreendem uma série de ações com o propósito de revisar o modelo estratégico de integração regional. Neste contexto, em 2008, surge a UNASUL e, em 2009, subordinado a ela, foi instituído o Conselho de Infraestrutura e Planejamento (Cosiplan), criado para funcionar como órgão executivo da IIRSA. Buscava-se, com isso, garantir que a IIRSA seguisse as diretrizes ditadas pelos governos da UNASUL. Estes tinham como meta edificar uma estrutura de integração física regional que favorecesse o desenvolvimento interno e possibilitasse a conexão de cadeias produtivas de maior valor agregado na região. Assim sendo, os corredores bioceânicos podem viabilizar diferentes planos de integração, inclusive projetos antagônicos como o “estratégico” e o “revisionista”. De acordo com consultores42 do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE, 2013, p.66): Afinal de contas, qual papel a construção de vias de transportes e as conexões bioceânicas podem ter no processo de integração regional? Podem atuar tanto em favor do desenvolvimento socioeconômico, autonomia estratégica e domínio político dos espaços geográficos do continente por parte dos países da região, quanto articular de forma eficiente os recursos naturais estratégicos da região ao mercado internacional, atendendo a interesses de internacionalização de recursos para potências externas e empresas multinacionais. (...) Tais corredores podem funcionar como corredores de exportação de recursos naturais e de bens de baixo valor agregado, e como corredores de importação de bens industriais de maior valor agregado e intensidade tecnológica de outros países e continentes. Ainda, podem servir para a penetração política de potências externas à região, buscando acessar, influenciar e controlar territórios e recursos estratégicos dos países da região. E é neste último ponto que queremos retomar a nossa hipótese. A questão é: será que o grande interesse da China nos corredores bioceânicos consiste apenas em uma estratégia para garantir futuros suprimentos energéticos e minerais provenientes da América do Sul? Há quem defenda que “bioceânico” não é o termo apropriado para os projetos sulamericanos, visto que não têm por objetivo principal utilizar o subcontinente como viabilizador da continuidade de um fluxo de comércio entre dois oceanos43. Efetivamente, nos dias atuais, não há um intercâmbio marítimo tão forte no hemisfério sul que justifique a necessidade de implantação de tais corredores de transporte. Como já colocamos, tais vias de comunicação estão concebidas, inicialmente, para otimizar o escoamento da 42 43 José Luis Fiori, Maria Claudia Vater, Raphael Padula e Samuel Pinheiro Guimarães Neto. Alguns especialistas sugerem que a expressão "corredores transversais de carga” seria mais condizente. 24 produção (em sua maior parte de produtos primários) para os mercados internacionais, principalmente para a Ásia44. Porém, os dados expostos no tópico anterior, nos oferecem indícios de que pode haver na atração da China pelos futuros corredores sul-americanos um interesse mais amplo que o de apenas facilitar o acesso às commodities da região. Primeiro, além dos recursos naturais da América do Sul, as riquezas energéticas e minerais da África atlântica e do Atlântico Sul também vêm assumindo um lugar de destaque nos projetos de expansão econômica dos Estados Unidos e da China. Desta forma, pelos corredores bioceânicos, haveria também um potencial para a circulação de bens provenientes destas áreas. Segundo, as ações da China no subcontinente podem fazer parte de uma estratégia maior, que envolve outros norteamentos de sua política externa. Como já mencionamos, a procura de vias de comunicação alternativas para a circulação de bens estratégicos está no centro da política de segurança energética da China e uma rota terrestre que conecte o Atlântico Sul e o Pacífico pode vir a ser bastante conveniente. Isto é, para a China, além dos ganhos com o comércio, o aumento de sua presença na América do Sul envolve também uma questão de ordem geoestratégica. Em nossa opinião, esta percepção pode ampliar nossa visão sobre os significados do processo de integração regional. As relações com a china têm representado uma saída para os países sul-americanos contornarem os efeitos da crise de 2008. No entanto, no que tange ao avanço da regionalização, se continuarmos atados a uma perspectiva curto-prazista, não conseguiremos visualizar na China oportunidades mais vantajosas em comparação com as que podemos obter com os Estados Unidos ou outra potência. Restritos ao comercialismo, poucas possibilidades podemos enxergar além de ampliar nossa condição de região primário-exportadora. Para Fiori, Após a crise de 2008, (...) a América do Sul se recuperou rapidamente pelo crescimento chinês, mas esse sucesso de curto prazo trouxe de volta, e vem aprofundando, algumas características seculares da economia sul-americana que quase sempre obstaculizaram e dificultaram o projeto de integração, a saber, o fato de ser uma somatória de economias primário-exportadoras, orientadas para mercados externos. (FIORI, 2014, p.259) Não obstante, esta não é uma via de sentido obrigatório. O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães (2012), analisando os impactos recentes do fator China no Mercosul, argumenta que a nova conjuntura, comercialmente favorável aos países da América do Sul, pode ser explorada em favor do desenvolvimento industrial e tecnológico da região. A crise da economia mundial, que durará pelo menos mais uma década, e a maior liberdade de políticas econômicas na área externa, decorrente do enfraquecimento do pensamento e da prática neoliberal que a provocou e das ações protecionistas dos países desenvolvidos, fazem com que os países do Mercosul possam aproveitar essa rara oportunidade no decurso da sua história para aproveitar a extraordinária demanda chinesa por produtos primários e torná-la um fator de seu desenvolvimento econômico, isto é do seu desenvolvimento industrial. Assim, em conjunto com estratégia de transformação do Mercosul, seria de extraordinária importância a celebração de acordos de comércio e indústria com a China para o processamento 44 Este foco é bastante evidente em documentos e estudos promovidos pelos governos da região. Para citar um exemplo, o informe técnico “Avaliação dos corredores bioceânicos”, realizado pelo BNDES, deixa explícito que a estimação do potencial de fluxo comercial que transitaria pelos corredores leva em consideração apenas a importação e a exportação dos países sul-americanos: “Deve-se ressaltar que a abordagem adotada para estimar a demanda potencial no modelo de simulação considera todos os fluxos com origem ou destino na América do Sul (BNDES, 2010, p.220). 25 industrial das matérias primas (...). Esta alternativa estaria em perfeita consonância com o objetivo do desenvolvimento da economia que é a capacidade de transformar seus recursos naturais, de agregar valor à produção, de criar empregos melhor remunerados, de elevar seu nível tecnológico e de integração vertical de setores de suas economias. No trecho a seguir, o economista Carlos Aguiar de Medeiros destaca alguns aspectos estruturais do Mercosul que obstaculizam a integração produtiva regional, dentre eles, a concentração do comércio em commodities primárias e recursos naturais. O autor aponta que o esforço dedicado a desenvolver a indústria e a infraestrutura na região contribuiria para diversificar as exportações das economias menores, possibilitando, assim, uma maior complementação regional. O predomínio de commodities primárias e atividades intensivas em recursos naturais, a desregulação e vulnerabilidade financeira, o atraso nas indústrias de máquinas elétricas e eletrônicas, a inexistência de produtores especializados de OEM [Original Equipment Manufacturer], o predomínio de subsidiárias de empresas multinacionais sediadas fora da região, a inexistência de uma gradiente de conteúdos tecnológicos articulada com a do custo do trabalho entre países, e os elevados custos de transportes são evidentes explicações de corte macro estrutural. Entretanto, e a despeito destes fatores houve em alguns segmentos industriais um crescente comércio intra-industrial sinalizando uma importante possibilidade de aprofundamento da integração produtiva e da diversificação setorial. Esta internalização geográfica dos benefícios da integração, depende, entretanto, do grau em que a expansão do mercado da economia brasileira permita articular um conjunto de iniciativas industriais e de investimento em infra-estrutura favorecedoras à diversificação das exportações dos países de menor grau de desenvolvimento tornando a expansão da corrente do comércio do bloco regional uma forma simultânea de obtenção de uma maior sustentabilidade externa das economias. Neste sentido, os recursos naturais economicamente aproveitáveis e as potencialidades geoestratégicas do Atlântico Sul podem ser importantes catalisadores da industrialização e da integração produtiva. Existe um potencial de exploração de tais recursos que envolve setores industriais mais dinâmicos (de produtos com maior valor agregado e de alto conteúdo tecnológico), que poderiam ser incluídos na agenda de negociações com a China. Nos últimos anos, os chineses investiram pesadamente no desenvolvimento de tecnologias para uso em alto-mar e, assim como o Brasil, está entre os poucos países habilitados a exercer atividades de exploração na Área. Pode-se objetar que as riquezas energéticas e minerais do Atlântico Sul representam apenas uma oportunidade futura de incrementar de forma significativa as reservas de bens primários exportáveis. Desta forma, estes recursos acabariam estimulando a especialização primário-exportadora da região e, assim, não contribuiria para a industrialização, tão necessária para o avanço do processo de integração produtiva. Argumentando em favor de que podemos extrair outras oportunidades das atividades implicadas na defesa e exploração dos recursos do Atlântico Sul, abaixo selecionamos outro fragmento do estudo realizado pelo Centro de gestão e estudos estratégicos. As encomendas e o apoio do Estado garantem que o setor de defesa pode ser um bom negócio e gerar tecnologias e produção próprias (nacionais) neste setor sensível e estratégico. A Amazônia Azul Tecnologias de Defesa (Amazul), criada em 2012 e vinculada ao Ministério da Defesa, e o Conselho de Defesa Sul-Americano podem articular, respectivamente, uma base industrial de defesa brasileira e sul-americana. Uma política de exigência de maior participação de conteúdo nacional, ou de empresas sul-americanas, nas encomendas contratadas junto às empresas estrangeiras, pode impulsionar inicialmente mudanças importantes. (CGEE, p.129) 26 No ano passado, 2014, a Petrobras foi premiada, pela terceira vez45, pelo desenvolvimento de tecnologias voltadas a exploração de petróleo offshore. Hoje, a empresa é uma referência internacional na área e considerada líder mundial deste setor. Este segmento é o motor principal da indústria naval brasileira, que vem ganhando um forte estímulo nos últimos anos. A defesa das águas sul-atlânticas e a mineração de recursos offshore demandam intensos esforços da indústria naval e requerem grandes investimentos no desenvolvimento de tecnologias para a exploração em águas profundas. Em nossa opinião, a possível convergência entre Brasil e China em relação aos recursos oceânicos não deve ser entendida apenas com uma oportunidade benéfica para o crescimento brasileiro. As áreas industriais impulsionadas por uma eventual cooperação nesse segmento com a China devem ser encaradas pelos países sul-americanos, e principalmente pelo Brasil, como possibilidades de fortalecer a integração produtiva da região. O Atlântico Sul representa também uma possibilidade para o desenvolvimento industrial da América do Sul. Mas para que isto se torne realidade, os Estados da região, incluindo o Brasil, precisam abdicar parcialmente dos benefícios que podem ser obtidos no curto prazo com a ampliação do comércio e destacar de forma mais consistente uma visão geopolítica estratégica dentro do projeto de integração regional. Referências bibliográficas BNDES (2010). Avaliação dos corredores bioceânicos. Disponível em: <http://www.bndes.gov.br/arqs/corredor_bioceanico/Produto%202.pdf> Acessado em: 02/02/15. BRICEÑO RUIZ, José. (2013) Ejes y modelos en la etapa actual de la integración económica regional en América Latina. In: Estudios Internacionales, vol. 45, no. 175, pp. 9-39. BRITISH PETROLEUM. Statistical Review of World Energy June 2014. Disponível em: <http://www.bp.com/content/dam/bp/pdf/Energy-economics/statistical-review2014/BP-statistical-review-of-world-energy-2014-full-report.pdf> Acessado em: 25/01/15. CGEE (2013). 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O artigo pretende apresentar as posições históricas do Brasil em relação ao extremo norte da América do Sul, avaliar as novas iniciativas brasileiras e regionais (Conselho de Infraestrutura e Planejamento da Unasul, BID e CAF) de cooperação e integração física para essa região e debater a pertinência do relançamento de propostas formuladas em meados do século XX sob esse novo contexto. Introdução A UNASUL (União Sul-Americana de Nações), datada de 2008 e precedida pela Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA), é um acordo regional entre as 12 economias sul-americanas que não se limita a estabelecer medidas de incremento das trocas comerciais regionais47, ampliando essa questão ao trazer fundamentos claros em direção a investimentos em integração física, para ficarmos no objeto deste trabalho. Representa a atual estratégia regional de inserção internacional. Desde seu início, suas estratégias de inserção externa foram nacionais, ou melhor, dependentes dos compromissos assumidos pelos tomadores de decisões (policy makers) com dados grupos domésticos. Comini e Frenkel (2014) identificam o modelo poligâmico para o acordo de integração regional no qual cada país prioriza relações multilaterais, negociando simultaneamente com diferentes atores; são cenários múltiplos abertos em escalas diferentes, isto é, sem coordenação com os países vizinhos. Esse modelo se contrapõe ao concêntrico pelo qual a estratégia de inserção prioriza os mercados regionais, isto é, assumindo reduzido ‘poder de barganha’ em escala mais ampla, os países vizinhos somam forças regionalmente para negociar com terceiros. Argentina, Bolívia, Brasil, Equador, Paraguai e Venezuela se enquadrariam na via concêntrica ou poligâmica enquanto Peru, Chile e Colômbia tratariam a integração regional de forma poligâmica. Dessa forma, as articulações entre os Poderes Executivos nacionais em prol da união sul- 46 Trabajo preparado para su presentación en el VIII Congreso Latinoamericano de Ciencia Política, organizado por la Asociación Latinoamericana de Ciencia Política (ALACIP). Pontificia Universidad Católica del Perú, Lima, 22 al 24 de julio de 2015. No es la versión final, todavía hace falta la revisión. 47 Negociação em torno de tarifas de importação não são da alçada dos países membros da UNASUL, por exemplo. 29 americana seguiram a orientação de ‘denominadores comuns’48 para que fossem definidas metas em acordo com as realidades de cada país – daí a formação de conselhos como o Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento (COSIPLAN) 49. Nesse sentido, Suriname, Guiana e Venezuela detêm uma aproximação relativamente mais concêntrica em relação à maior economia sul-americana, o Brasil. O contexto histórico e econômico dessa aproximação tem variado de acordo com o momento da estratégia de desenvolvimento do Brasil e do alinhamento comercial e ideológico desses países. A chamada Ilha das Guianas constitui território único que conforma a maior ilha marítimo-fluvial do planeta. Localizada no extremo norte da América do Sul, é atlântica, caribenha e amazônica, tendo como principais demarcações os dois principais rios do subcontinente, Amazonas e Orinoco, e a interconexão natural entre eles pelo Cassiquiare e o rio Negro; sua parte setentrional é dividida ao meio pelo rio Essequibo. Além de Suriname e Guiana, esse território é compartilhado por Brasil – via os estados de Amapá, Roraima e a calha norte do Amazonas de todo o estado do Pará e do Amazonas até o rio Negro –, Venezuela – estados de Delta Amacuro, Bolívar e Amazonas – e a França – território ultramarino da Guiana. Conforma uma área de 1,7 milhões de Km2 e quase 7 milhões de habitantes com cidades industriais como Manaus, Puerto Ordaz, Ciudad Guayana e Linden, além de polos regionais como Boa Vista, Macapá, Caiena, Puerto Ayacucho e São Gabriel da Cachoeira. Para o Brasil, essa região ao norte da América do Sul foi encarada como estratégia em níveis geopolíticos e geoeconômicos em diferentes momentos a contar do século XIX. A partir de meados da década de 1980, o debate se direciona para uma aproximação do Brasil com a Ilha das Guianas do ponto de vista econômico-estratégico: provisão de conexões físicas e de intercâmbio comercial, sem contar o potencial energético da mesma. Além disso, são países que têm firmado maior número de acordos comerciais com o Brasil e que não pertencem à Aliança do Pacífico que é considerada enfraquecedora da UNASUL. Na primeira década do século XXI a firma de acordos comerciais entre Brasil e Guiana, Suriname e Venezuela foi estabelecida. Com a Guiana foi estabelecido um acordo de preferências comerciais em vários setores, com o Suriname um acordo específico para aumentar o intercâmbio comercial de arroz e com a Venezuela, dentre outros, um acordo de complementação econômica. Na última década as iniciativas para aprofundar a integração regional sulamericana em frentes como infraestrutura, produção, energia, defesa e socioeconômica Para que as estratégias não se pertubassem, os ‘mínimos denominadores comuns’ foram adotados para dar à UNASUL gradualidade e flexibilidade, assegurando a cada Estado a assunção de compromissos de acordo com as realidades. Conselhos foram estabelecidos, então, e planos de ação foram sendo desenhados tanto para curto quanto para longo prazo. Essa opção foi fundamental para o êxito desta união em seus primeiros anos (COMINI; FRENKEL, 2014). 49 A União Sul-Americana de Nações (UNASUL) é de 2007, posterior à criação da Iniciativa para Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) – que se deu em 2000 sob liderança do Brasil – porém manteve essa Iniciativa em sua agenda ainda que, em 2009, tenha alinhavado por meio do Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento (COSIPLAN) a maior articulação de projetos nacionais com os projetos de investimento de infraestrutura da integração que eram até então coordenados pelas instituições financeiras, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) e Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da bacia do rio da Prata (Fonplata). Manteve-se a IIRSA como organismo técnico para gestão dos projetos de investimento – incluindo a metodologia de planificação territorial, portanto –, foram adicionados projetos à carteira e foi reforçada a Agenda de Projetos Prioritários para Integração (API 49). Os eixos de integração e desenvolvimento (EID) são Amazonas, Andino, Capricórnio, Escudo Guianense, Hidrovia Paraguai-Paraná, Interoceânico Central, Mercosul-Chile e Peru-Brasil-Bolívia. Estes eixos contemplam investimentos de infraestrutura existentes antes da criação da IIRSA, caso da Hidrovia Paraguai-Paraná, por exemplo e outros que foram sendo desenhados para apoiar logisticamente o comércio exterior destes países. 48 30 foram notáveis e o Brasil se posicionou ativamente nesse processo. Em recente reunião entre os países sul-americanos, bem como os BRICS, a presidenta Dilma Roussef assinalou o caráter histórico e estratégico do avanço da integração econômica regional em relação a consolidação do modelo democrático e ela ressaltou que ambos esses processos não podem prescindir da construção de consensos a partir de diálogos respeitosamente estabelecidos50. A intenção do Brasil em amalgamar a integração econômica sul-americana é sempre reforçada em foros sul-americanos. Ao passo que a conexão física, sobretudo desde 2007, tem sido um dos aspectos mais significativos do processo integracionista sul-americano. Sob impulso do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)51 foi estruturada, neste mesmo ano, uma primeira carteira de projetos de investimento em transportes, energia e telecomunicações distribuídos pela América do Sul em eixos de desenvolvimento e integração, ao longo dos quais, defendia-se que a execução daqueles projetos traria melhorias globais. Em 2009, a União Sul-Americana das Nações por meio do Conselho Sul-Americano de Infraestrutura se tornou a coordenadora da carteira de projetos para integração física sulamericana. Essa mudança representou certa alteração quantitativa. Desde 2007 até 2014, 85 projetos foram concluídos e de 2007 até 2010, apenas 02; vale considerar que a primeira carteira de investimentos, desenhada em 2004 no âmbito da IIRSA, tinha 335 projetos de infraestrutura com US$ 37 bilhões; em 2010, ela foi atualizada para 524 projetos a US$ 96 bilhões e em 2011 a carteira aumentou para 531 projetos com investimento de US$ 116 bilhões. Dentre esses projetos está o eixo de integração e desenvolvimento Escudo Guianense – equivalente à Ilha das Guianas – que contempla o provimento de conectividade entre Brasil e esses países. Os projetos elaborados podem facilitar o fluxo de comércio e investimento do Brasil com Suriname, Guiana e Venezuela, porém, também há que se pensar nas dificuldades de uma efetiva integração produtiva entre eles – em função do padrão de comércio e das diferenças de desenvolvimento – e a complexidade do impacto desses investimentos no meio ambiente e a desequilíbrios sociais que possam ser causados pela imigração, por exemplo. Este artigo pretende apresentar as posições históricas do Brasil em relação ao extremo norte da América do Sul, avaliar as novas iniciativas brasileiras e regionais de cooperação e integração física para essa região. Na primeira seção, apresentamos a Ilha das Guianas e sistematizamos alguns pontos da sua relação comercial com o Brasil. Na seção seguinte, trataremos de analisar os acordos regionais nos quais a Ilha das Guianas tem sido inserida, destacando a atuação brasileira nesse empreendimento. 1. Caracterização socioeconômica da unidade de análise: Ilha das Guianas Entre o Brasil e Suriname, Guiana e Venezuela a aproximação é imediatamente geográfica. A região norte brasileira – Acre, Tocantins, Pará, Rondônia, Amazonas, 50 Segunda Sessão de Trabalho da Cúpula do Brics e de países da América do Sul - Brasília, 16 de julho de 2014. O trecho: “Reitero absoluta prioridade que o Brasil atribui à integração da América do Sul. A integração regional, para nós, é uma política de Estado, uma política permanente do Brasil, inscrita na nossa Constituição. O processo de redemocratização em nossa região coincide, em grande medida, com nosso esforço de aproximação e integração com os países vizinhos. Superaram-se, assim, as desconfianças artificiais gestadas em ambientes não democráticos; ditatoriais. A integração da nossa região representa um reencontro para o Brasil com a sua região, mas também consigo mesmo. A América do Sul é uma região de extraordinária pluralidade e extraordinária riqueza. Nós, de fato, optamos por modelos políticos e econômicos diversificados, o que sempre faz com que tenhamos de exigir diálogo respeitoso e consensos cuidadosamente construídos. ” 51 A IIRSA era coordenada instituições financeiras, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) e Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da bacia do rio da Prata (FONPLATA). 31 Roraima e Amapá – está localizada entre o maciço das Guianas do Norte52, o planalto central ao sul, a cordilheira dos Andes a oeste e o oceano Atlântico a noroeste, sendo o rio Amazonas comum a ambas. Consideramos neste artigo esse espaço como Ilha das Guianas. Entre a região norte brasileira e os demais países da Ilha das Guianas, há similaridade de base econômica, isto é, suas atividades econômicas principais são o extrativismo vegetal e o mineral. Dentre muitas singularidades dessa região, Guiana e Suriname são os países sul-americanos com menor extensão territorial, menos povoados (Tab.1), bem como os mais novos (VISENTINI, 2008). Representam fatores básicos para firmar iniciativas de aprofundamento da integração entre esses países, além da proximidade geográfica, sua dotação em recursos naturais e recursos energéticos, o potencial para explorar o desenvolvimento de complexos industriais, se considerarmos, como o fazem Mercado, Araújo e Barros (2015), o papel da Zona Franca de Manaus (ZFM) e a existência de indústrias básicas em Puerto Ordaz, na Venezuela. Persistem, no entanto, cadeias produtivas sem articulação e o comércio é de baixa intensidade. Ainda que as bases para a aproximação política estejam dadas, a precariedade da infraestrutura limita muito a integração econômica. Podemos caracterizar um ponto realístico de interesse comum a todos os países da Ilha das Guianas como sendo aumentar e diversificar os fluxos comerciais entre eles a partir da melhoria e construção de novos portos. Guiana e Suriname têm maior produtividade no setor primário, sendo que a economia da Guiana tem base exportadora distribuída entre alumínio/bauxita, diamante, arroz, cana de açúcar e camarões (pesca). Guiana se vale de potencial energético tal, que a colocaria como o país com o maior excedente energético do mundo. A economia surinamesa não se distingue muito desse quadro, exceto por se valer de produção significativa de petróleo, que em 2011, atingiu mais de 7 milhões de barris (WEGNER; BARROS, 2013). Brasil e Venezuela são de longe as maiores economias em termos de PIB per capita e de população, embora possamos afirmar que Guiana e Suriname venham apresentando crescimento econômico relativo acelerado nos últimos anos (Tab.1); CEPAL (2014). Em 2013, a Guiana, por exemplo, teve expansão econômica de 5,1% graças ao desempenho de setores como ouro, arroz, construção civil e dos investimentos públicos em infraestrutura de telecomunicações. Da mesma forma, a economia surinamesa se expandiu 4,5% graças à construção civil e ao comércio varejista e atacadista e do turismo, ou melhor, de hotéis e restaurantes (CEPAL, 2014). Nas eleições presidenciais de 2015, a promessa de um dos candidatos mais fortes se assentava em expandir os empregos nas áreas de agricultura e turismo53, tendo em visto um período de elevadas taxas de desemprego enfrentado pela população do Suriname. Tabela 1. Ilha das Guianas: nível de atividade e indicadores sociais (2012)54 População (mil) Brasil Guiana Suriname Venezuela 201.497 804 544 30.831 PIB per capita a preços correntes 11.335 3.585 9.182 12.734 PIB industrial 13% 6,1% 26,1% 13,6% PIB atividade mineradora 4,3% 20,5% 7,3% 28,4% PIB oferta de eletricidade 3,1% 1,2% 2,3% 0,4% Formação Bruta de Capital Fixo 17,5% 24,9% 36,2% 26,6% Taxa de desemprego 5,5% -14%(*) 8,1% 52 Escudo Guianês ou planalto das Guianas é uma região do relevo do norte da América do Sul que está ao norte da planície amazônica. Ele inicia no Brasil e se prolonga Venezuela e Guianas, incluído o Suriname. 53 Em The Economist: http://www.economist.com/news/americas/21654117-voters-overlooked-desibouterses-dodgy-past-hoping-better-future-presidential-pardon . 54 Mantivemos o ano de 2012, porque não possuíamos informações para todos os países e para todas as variáveis nos anos recentes. 32 Fonte: CepalStat, perfis nacionais. * Dados de 1999. As relações comerciais do Brasil com os demais países da Ilha das Guianas (Escudo Guianense, na IIRSA-COSIPLAN) têm crescido anualmente desde 2003 e em diferentes setores, sendo que a saída dos produtos só recentemente tem ocorrido via portos do norte do Brasil. O valor das exportações brasileiras para Guiana, Suriname e Venezuela foi, em 2013, 34% maior do que em 2007 e mais de 600% maior em relação a 2003; o valor das importações brasileiras destes países são ainda maiores: entre 2003 e 2013, o valor de importações aumentou mais de 2.000%. Mercado, Araújo e Barros (2015) ressaltam ainda que as relações comerciais entre Brasil e Venezuela no ano de 2014 se concentraram em produtos derivados do petróleo – como nafta, coque não calcinado, hulha betuminosa, outras naftas e fumo negro – correspondentes a três quartos das exportações totais. Produtos industriais participam muito pouco ou quase nada, tendo ocorrido, ainda com base em Mercado, Araújo e Barros (2015), um deslocamento da pauta de bens industriais para bens primários, nesses últimos anos. Estreitar a cooperação econômica entre Brasil e Venezuela – entendemos que faz sentido ampliarmos essa solução para Guiana e Suriname – para fortalecer intercâmbio comercial em bens industriais a partir de produtos primários, como os agrícolas, representaria uma solução, além de contribuir para o desenvolvimento dos estados brasileiros limítrofes com esses países. As exportações brasileiras para os demais países da Ilha das Guianas experimentou notável entre 2006 e 2013, mantendo-se a Venezuela como parceiro principal, embora o saldo comércial daqueles países com o Brasil seja negativo (Tab.2). Tomando o contexto regional, Venezuela tem mantido saldo negativo de comércio com a região nos últimos anosSuriname e Guiana quase nada comercializaram entre 2000 e 2012 com os demais países da América do Sul e Guiana e Suriname, não foram superavitários nem com a região nem com o resto do mundo. O relativo e recente aumento do comércio entre o Brasil e esses países é resultado de acordos e das intenções de estreitamento de relações econômicas e comerciais. Tabela 2. Evolução do comércio exterior do Brasil com os demais países da Ilha das Guianas, em US$ mil. Período 20002006 20072012 2013 Guiana Exportações Suriname Venezuela 81.657 139.154 10.514.311 154.821 321.432 32.263 60.577 Guiana Importações Suriname Venezuela Corrente de Comércio Guiana Suriname Venezuela 148 24.119 4.029.112 81.805 163.273 14.543.423 39.986.312 3.562 57.074 4.562.151 158.383 378.506 44.548.463 4.849.840 25.757 2.415 1.180.740 58.020 62.992 6.030.580 Fonte: Elaboração própria com base nos dados AliceWeb-MDIC. Os principais produtos importados do Brasil, em 2013, por Suriname foram cereais (75,42%) e produtos químicos inorgânicos (22,18%); houve uma alteração na composição desta pauta importadora no período analisado, tendo em vista que em 20002006, ambos representavam respectivamente 6,81% e 92,68%. Guiana, em 2013, importou cereais (45,04%), ferro fundido, ferro ou aço (54,82%), pauta que de 2000 a 2006 era mais diversificada com produtos como bebidas, líquidos alcoólicos e vinagres (15,67%), peles exceto peleteria (28,7%), ferramentas, artefatos de cutelaria etc (11,24%) e máquinas, aparelhos e materiais elétricos (33,1%). Venezuela, em 2013, importou basicamente combustíveis minerais, óleos minerais e produtos da sua destilação (83,31%), produtos químicos inorgânicos (6%) e ferro fundido, ferro e aço (4,18%); combustíveis minerais aumentaram sua representatividade ao longo do período em tela, 33 dado que de 2000-2006, respondiam por 65,5% das importações do Brasil pela Venezuela. Quanto à exportação brasileira para esses países, alimentos são o principal componente. Para Venezuela, em 2013, animais vivos (11,44%) e carnes e miudezas (25,17%) foram os mais expressivos ao lado de outros como aeronaves e aparelhos espaciais (7,8%) e veículos automóveis, tratores (5,14%). Para Suriname, neste mesmo ano, animais vivos (5,34%) e carnes e miudezas (12,37%), gorduras e óleos animais ou vegetais (5,62%), preparações alimentícias diversas (3,69%) ao lado de outros como produtos diversos das indústrias químicas com 3,41% e outros artefatos têxteis confeccionados (6,43%) e obras diversas de metais comuns (18,8%). Na pauta exportadora do Brasil com esses países, há maior diversificação inclusive para produtos industrializados.55 Sobre o investimento externo: em 2013, o IED recebido por Suriname aumentou de US$ 62 milhões a US$ 112 milhões enquanto que na Guiana caiu de US$ 294 milhões para US$ 214 milhões. A empresa canadense Newmont Mining Corporation foi autorizada pelo departamento de Suriname a explorar a mina de ouro Merian e também a empresa Apache Corporation (EUA) anunciou o investimento de US$ 230 milhões na prospecção de petróleo e gás neste pais. Na Guiana, também os investimentos externos são direcionados a setores de recursos naturais e na exploração de recursos energéticos. São nichos que o Brasil pode estar perdendo espaço na concorrência com grandes corporações internacionais por ter intensificado e proposto medidas amplas nesse processo de estreitamento das relações econômicas nessa região, somente neste século. Pressupor os investimentos em infraestrutura na Ilha das Guianas, concluídos e/ou em execução como instrumentos catalisadores, pelo menos no aspecto logístico, da integração produtiva nessa região pode fazer mais sentido se se analisar vias de escoamento de importação e exportação entre eles. As exportações brasileiras e as importações para/dos demais países da Ilha das Guianas ocorrem por via marítima, embora, de 2000 a 2005, a via aérea fosse mais expressiva em relação à rodoviária (Tab.3). O escoamento das mercadorias ocorre sobretudo pela via marítima, ainda que a via rodoviária tenha aumentado sua participação em 2013 em relação aos demais períodos analisados. Tabela 3. Comércio exterior do Brasil para o restante da Ilha das Guianas por via, em % do valor total Guiana Suriname Venezuela Guiana Suriname Venezuela 2000-2005 Rodoviária Marítima 0,35 94,2 0 89,7 4,5 80,5 0 1,4 0,5 67 97,7 98,7 Aérea 3,2 5,2 14,6 33,2 0,9 0,8 Exportações 2006-2012 Rodoviária Marítima 0,8 96,2 0 91,1 2,31 84,6 Importações 0 98,5 0 99,7 0,6 92,2 Aérea 3 3,1 12,5 0,1 0,3 0,82 7 0,18 5,3 2013 Marítima 90,9 96,4 79,1 Aérea 2,1 2,3 7,7 45,4 0 0,07 54,8 99,8 94,8 0,1 0,2 0,3 Rodoviária Fonte: Elaboração própria com base nos dados AliceWeb-MDIC O principal porto pelo qual são escoadas as mercadorias brasileiras para esses países é o de Santos: de 2006 a 2012 representou em direção à Guiana, 38% e em 20002005, representava 51%; Suriname, de 2000 a 2005 teve 37% das importações do Brasil escoadas por esse porto e 18% por Itajaí-SC, em 2006 a 2012, esse padrão não se alterou sendo que é porto de Rio Grande a segunda principal via, para a Venezuela, entre 2006 e 2012, 42% das exportações saíram por Santos e 6% por Paranaguá-PR e nos primeiros 55 Ambos os parágrafos foram elaborados com dados AliceWeb-MDIC com base na classificação NCM, mas de dois dígitos (SH) dados os totais de exportação e importação apresentados na tabela imediatamente anterior. 34 anos da década de 2000, esse padrão não se alterou, 45% era a participação do porto de Santos. Vale destacar que em 2013, esse cenário não sofre alterações. As importações, Santos segue liderando em todos os países, mas portos da região nordeste alcançam participações eficientes, como 34,% da Guiana saindo por São Luís, Maranhão, entre 2006-2012. Aliás, esse foi o porto pelo qual 75% das mercadorias importadas do Suriname saíram, em 201356. De acordo com os dados da Comtrade, a re-exportação representou, de 2000 a 2012, 3,63% do total das exportações surinamesas para a América do Sul e a re-importação da Guiana, 1,1%. A maioria dos projetos de investimento da carteira IIRSA-COSIPLAN prevê a construção, bem como melhorias, no setor de transporte rodoviário, o que pode indicar a busca da vinculação de territórios de modo a facilitar também o trânsito de pessoas, bem como dinamizar o transporte das mercadorias até os portos para o escoamento efetivo. O adensamento da cadeia produtiva entre esses países – e no contexto sul-americano, de modo geral, seria facilitado pelo também adensamento das vias de transporte (Fig.1). Figura 1. Escudo Guianense: Grupos de projetos da carteira IIRSA-COSIPLAN de investimento Grupo 1: Venezuela-Brasil Grupo 2: Brasil-Guiana Grupo 3: Venezuela-GuianaSuriname Grupo 4: Guiana-SurinameGuiana Francesa-Brasil Para Senhoras, Moreira e Vitte (2008), o tratamento da integração física sulamericana pela planificação territorial indicativa em eixos de integração e desenvolvimento seguiu uma lógica multinacional de identificação de semelhanças quanto a recursos naturais e fluxos comerciais e bases produtivas, o que indicaria um tratamento geoeconômico do processo de integração da sub-região. O caminho para a construção da amizade ‘guianense-brasileira’ deveria passar por um conjunto de medidas unilaterais e outras assentadas em acordos bilaterais. Seriam medidas que tratariam de melhorias de estradas na Amazônia brasileira – entre Manaus, Boa Vista e Macapá – bem como das trocas acadêmico-científicas entre universidades desses estados e de outras que envolveriam os demais países em aspectos físicos (rodovias entre Manaus, Oiapoque, Boa Vista e Georgetown, melhoria e uso do porto de Georgetown) e econômicos (aumento do fluxo comercial), além do intercambio cultural. 56 Com base em dados AliceWeb-MDIC. 35 São recomendações que reconhecem o potencial desta integração em termos econômicos – comercio e aproveitamento de recursos naturais – e culturais. Sua inclusão na Comunidade Sul-Americana de nações instrumentalizou a desafiadora perspectiva de ampliar mercados de bens e serviços, dividir recursos e desenvolver uma infraestrutura comum, ou seja, as recomendações de caráter bilateral. Constituem, ainda, um canal de comércio do Brasil com os países do CARICOM. Para ilustrar, entre 2000 e 2007, as exportações brasileiras para o CARICOM foram em torno de 9 vezes maior e entre 2000 e 2013, foi 4 vezes maior. Existem iniciativas diferentes e com perspectivas diferentes – além da IIRSACOSIPLAN, há MERCOSUL e PETROCARIBE-ALBA e em gestação Arco Norte – quanto a objetivos e países envolvidos. A determinação de ordem energética regional requer combinar a forma como se dá o desenvolvimento das forças produtivas e necessidades energéticas dos países. Então, no cenário energético de dicotomia entre consumidores e produtores, a América do Sul somaria forças se pusesse incremento da oferta de energia, crescimento econômico e distribuição da riqueza em mesmo nível. Por outro lado, há uma profusão de acordos regionais entre os países sul-americanos que tratam questões semelhantes de formas diferentes, por exemplo, a questão energética entre os países da UNASUL que por sua vez não são convergentes sobre a condução desse acordo passa por um conselho específico57 aparece nos investimentos planejados em infraestrutura e em decisões arregimentadas no Conselho Energético da América do Sul (CES) que é coordenado pela Organização Latino-Americana de Energia (OLADE) – criada na década de 1970 para realizar estudos e cooperação no setor. Essa mesma questão é tratada em outro acordo, Aliança Bolivariana das Américas (ALBA) na chancela do acordo firmado em 2005, o PETROCARIBE58. Trata-se de um acordo entre Venezuela e os países da América Central e do Caribe para segurança energética orientado por um modelo de cooperação energética sob solidariedade e tratamento especial, isto é, preços subsidiados e desenvolvimento de empresas mistas. O financiamento é mais bem estruturado nos investimentos da IIRSA-COSIPLAN. 2. Ilha das Guianas e integração econômica sul-americana e a atuação brasileira A busca de complementaridades produtivas entre países de uma dada regionalização não é algo novo na literatura específica. Prebisch já assinalava que o padrão de especialização comercial centrado em bens primários de demanda mundial impedia essa integração, somando-se a isso o desenho da infraestrutura. De fato, naquele momento os países latino-americanos almejavam a industrialização e acordos regionais eram encarados como um dos instrumentos possíveis. No atual processo de comércio intrafirma, pelo qual a cadeia de valor adicionado é fragmentada não são as exportações de bens industriais – ou a busca dos países periféricos, como os sul-americanos pela articulação em estágios hierárquicos superiores – que promoverão o crescimento econômico, mas política industrial ativa (industrialização) combinada à coordenação dos instrumentos de política macro quanto a limitações da vulnerabilidade sobre o 57 Seus doze países membros têm conferido pelo menos dois tipos de pesos à inserção internacional: a via regional – países como Argentina, Brasil, Venezuela, Bolívia – e a via de terceiros mercados – tais como Peru, Chile e Colômbia. As articulações entre os Poderes Executivos nacionais em prol da união sulamericana seguiu a orientação de ‘denominadores comuns’ para que fossem definidas metas em acordo com as realidades de cada país – daí a formação de conselhos como o COSIPLAN, por exemplo (COMINI; FRENKEL, 2014). 58 Conforme a Declaração de Margarida, de 2007, a integração energética em petróleo e gás deve ocorrer por cooperação entre as respectivas empresas nacionais de petróleo e em iniciativas de solidariedade com países mais pobres que dependem da importação de combustíveis, tendo a Venezuela iniciativas deste teor via PDVSA. 36 crescimento econômico. No debate em torno da integração produtiva, pode ser mantida a noção já presente no ‘velho’ desenvolvimentismo de que acordos regionais trazem benefícios comuns quando as estruturas produtivas dos países são semelhantes. Então, mais do que definir regras claras, os países coordenariam ações para reduzir o fosso tecnológico entre eles dado pela liberalização comercial e cooperação entre eles para estabelecimento de políticas comuns, além de investimentos em infraestrutura. Regionalizar estes países por investimentos em conexão física pode ser um meio de inclusão de territórios produtivos. De fato, entre as regiões, no Escudo Guianense, mais expressivas economicamente – oriental da Venezuela e norte-oriental do Amazonas – há infraestrutura rodoviária com redes primárias e secundárias articuladas entre si e com as redes de suas regiões e países. A questão é que as regiões com menor desenvolvimento econômico relativo – Suriname, Guiana, Amapá e Roraima – a infraestrutura de transportes é escassa e falha na articulação entre os países, não existindo conexão terrestre da Guiana com Brasil e Venezuela (ANTUNES, 2007). (ANEXOS 1 e 2) Conexão física representa vinculação por transporte, telecomunicações ou setor energético entre pelo menos dois países, analisar o peso de projetos de investimento binacionais pode indicar a ‘eficácia’ deste objetivo (conexão física) no regionalismo. A despeito de o setor transportes ser predominante, os projetos binacionais são exíguos, havendo países que nem mesmo terão obras que envolvam outro país, como no setor ferroviário, fluvial, interconexão energética e ‘pasos’ de fronteira (Tab.4). Os 59 projetos binacionais rodoviários representam somente 10,19% dos projetos deste setor, que é o mais expressivo neste regionalismo (Tab.4). Obras do tipo ‘pasos’ de fronteira estão também relacionadas à celeridade das alfândegas dos países, à modernização e controle nas fronteiras da América do Sul, mas não parecem se voltar primordialmente para a própria AS, pois os projetos binacionais representam 5,56% do total. No eixo Escudo Guianense/Ilha das Guianas, está em execução, no montante de US$ 5,8 milhões, o Centro Integrado de Controle Fronteiriço Oyapock, no Brasil, que pertence ao grupo de projetos que busca a interconexão entre Guiana, Suriname, Guiana Francesa e Brasil. Guiana, Suriname e Venezuela são países nos quais estão previstos maior número de projetos binacionais relativamente (e nas devidas proporções, ANEXO 1) aos demais países, no setor de transportes. Tabela 4. América do Sul: evidências de conexão física entre os países (2014) Interconexão Pasos de Ferrovia Rodovia Fluvial Energética Fronteira Países Total (%) Bi Argentina Brasil Chile Colômbia Equador Guiana Peru Suriname Venezuela Total 2 2 1 0 0 0 1 0 0 8 Bi Total (%) Bi 1,11% 12,00 6,67% 5,00 1,89% 11,00 10,38% 2,00 1,72% 1,00 1,72% 0,00 0,00% 5,00 13,89% 0,00 0,00% 4,00 10,00% 2,00 0,00% 2,00 25,00% 0,00 1,37% 5,00 6,85% 2,00 0,00% 5,00 71,43% 0,00 0,00% 4,00 18,18% 0,00 1,38% 59,00 10,19% 20,00 Total (%) Bi Total (%) 2,78% 1,89% 0,00% 0,00% 5,00% 0,00% 2,74% 0,00% 0,00% 3,45% 0 0,00% 1 0,94% 0 0,00% 4 11,11% 4 10,00% 0 0,00% 2 2,74% 0 0,00% 2 9,09% 18 3,11% Bi Total (%) 10 3 10 4 9 0 11 0 1 61 5,56% 2,83% 17,24% 11,11% 22,50% 0,00% 15,07% 0,00% 4,55% 5,56% Bi = Projetos Binacionais. 37 Fonte: Elaboração própria com base em dados IIRSA. Os projetos de conexão física previstos na carteira IIRSA-COSIPLAN visam sustentar o incremento das relações econômicas entre os países por meio de obras que vinculem seus territórios por rodovias, basicamente. O projeto Rodovia Boa Vista – Bonfim – Lethem – Linden – Georgetown, de abrangência binacional, é colocado como prioridade nos documentos técnicos da IIRSA, dado que a construção dessa rodovia é a mais importante forma de conexão física entre norte e sul do subcontinente. Ademais, preveem melhorar a rodovia que inicia em Boa Vista – município localizado em Roraima, no Brasil – até a capital de Guiana, Georgetown. O trecho de 438Km que conecta Lethem a Linden não é pavimentado, possui várias pontes de madeira e o rio Essequibo é transposto apenas por balsa, constituindo o maior desafio para consolidar essa interconexão. A partir dela, se espera o aumento do comércio entre Guiana e Brasil, bem como que o maior acesso aos mercados da América do Norte, da América Central e do Caribe via porto de Guiana represente estímulo ao desenvolvimento econômico entre Guiana e o estado brasileiro de Roraima. é significativa não apenas pelo aspecto da integração brasileira com Guiana, como também para a competitividade do extremo norte do Brasil, uma vez que Roraima e mesmo o Amazonas poderá substituir a custosa logística de abastecimento a partir do centro-sul do País pelo acesso ao mar via o porto de Georgetown. Ao mesmo tempo que Manaus – metrópole da região norte – ganharia acesso ao mar do Caribe por onde exportaria os produtos industrializados da Zona Franca (REIS e LINHARES, 2012). Tanto Suriname quanto Guiana disputam para se tornar a ponte entre América do Sul e Caribe escolhida pelos chineses (ELLIS, 2011). Embora o Brasil mantenha presença econômica e financeira relativamente parecida em Suriname, Guiana e Venezuela, a estratégia de expansão chinesa nestes países tem sido de espectro maior também pela capacidade de garantir facilidades nos financiamentos – muito atraentes para esses países que detêm um sistema financeiro muito pouco desenvolvido – e possibilidade de aumento de transações comerciais. Nesta perspectiva se enquadra o projeto Rodovias de Conexão entre Venezuela, Guiana e Suriname envolve Venezuela, Guiana e Brasil no setor transporte e sub-setor rodoviário. Pautado em dois projetos individuais ao valor total de US$ 300,8 milhões. Os projetos individuais Rodovias de Conexão entre Venezuela (Ciudad Guayana) – Guiana (Georgetown) – Suriname (Apura – Zanderij – Paramaribo) e Construção da ponte sobre o rio Corentyne são complementares e permitirão configurar um corredor viário de integração entre esses países. Elas possibilitariam que os mercados da região oriental da Venezuela se interconectem à Guiana e Suriname ao mesmo tempo em que será possível articulação com o estado brasileiro do Amapá por meio da Guiana Francesa. Estaria em execução o trecho Drain Sul – Apura – Zanderij, em Suriname, ao investimento de US$ 18 milhões financiado integralmente pelo China Eximbank. O eixo Escudo Guianense apresenta, na carteira de investimentos COSIPLAN, 04 grupos com 18 projetos a um investimento total estimado em US$ 4.540 milhões – o equivalente a 3,5% e 3,9%, respectivamente; foram concluídos 04 projetos, restando 06 em execução, 02 em pré-execução e 06 projetos em análise. O projeto Expansão da atual linha de transmissão de Guri – Boa vista visa à construção de novas vias de interconexão energética, dado que se objetiva que aproveitamento do potencial hidrelétrico suporte o desenvolvimento industrial a partir dos setores de celulose e agroindústria. O custo desse investimento está estimado em US$ 3 milhões a cargo do Tesouro Nacional e ainda não foi iniciado. A esse projeto tem se destinado considerável vontade política expressa nas reuniões do Grupo de Trabalho Brasil-Guiana – realizada em fevereiro de 2013 – e do Plano brasileiro de Desenvolvimento e Integração da Faixa de Fronteira – realizada em 2012. 38 Os grupos de projetos da carteira IIRSA-COSIPLAN (ANEXO 1) ainda que contemplem aspectos importantes, como a ligação rodoviária entre o Brasil e Venezuela e também o Suriname – interligando o País a áreas estratégicas em relação ao fortalecimento da acumulação de capital brasileira – têm experimentado com a concorrência de investimentos chineses nesta região (ABDENUR, 2013). Tanto Suriname quanto Guiana disputam para se tornar a ponte entre América do Sul e Caribe e Atlântico norte escolhida pelos chineses (ELLIS, 2011). Embora o Brasil mantenha presença econômica e financeira relativamente parecida em Suriname, Guiana e Venezuela, a estratégia de expansão chinesa nestes países tem sido de espectro maior também pela capacidade de garantir facilidades nos financiamentos – muito atraentes para esses países que detêm um sistema financeiro muito pouco desenvolvido – e possibilidade de aumento de transações comerciais. Como assinalam Abdenur (2013) e Abdenur e Souza Neto (2013) em Suriname, empresas chinesas construíram um novo porto, em Guiana, o Guyana Shield Hub que é também uma interligação entre Manaus e Caracas, ampliaram o porto Cabellos, na Venezuela, a esse país, garantiu US$ 20 bilhões nos últimos anos em forma de crédito e cooperação (PDVSA), acordos bilaterais de comércio com Suriname foram assinados, além da presença crescente de empresas chinesas na exploração de minérios e telecomunicações, como SINOPEC, China State Grid Corporation (CINTRA, 2013). Seus capitais se expandem nestes países para ampliar a capacidade portuária e de aeroportos, integração logística, bem como investe em futuras prospecções e direitos de perfuração. Nessa perspectiva, podemos considerar essa região como estratégica também para o Brasil fortalecer sua posição geopolítica na América do Sul em relação à China. Diante do exposto, podemos estabelecer pontos principais da relação entre investimentos em infraestrutura da integração na Ilha das Guianas e direcionamentos da integração produtiva: Setor predominante dos investimentos: transporte. Abrangência: no setor rodoviário, Guiana, Suriname e Venezuela detêm participação relativamente alta. Vale ressaltar que para Guiana e Suriname a conexão física se dará somente pelo eixo escudo Guianense. É o único eixo com mais de um projeto de abrangência trinacional previsto-em execução. Participação na carteira total IIRSA-COSIPLAN: 3,41% em valor (US$) Projetos com objetivo de melhorar a logística de comércio internacional: apenas um (1). Número de projetos dos quais o Brasil participa no Escudo Guianense: em 6 projetos no montante total aproximado de US$ 1 bilhão (dos investimentos). Relação entre agenda diplomática entre os países e os projetos incluídos na carteira IIRSA-COSIPLAN: elevada. Respaldo desses projetos para posicionamento competitivo do Brasil com os demais países da Ilha das Guianas em relação a investimentos chineses: parece constituir um desafio de agenda da política externa brasileira e que passa por definir elementos que não somente logísticos e de conexão física. Também cabe reflexão sobre o espaço para os investimentos externos brasileiros nestes países. Quanto ao comércio: de fato, o fluxo comercial do Brasil com Guiana, Suriname e Venezuela cresceu marcadamente entre 2000 e 2013, sobretudo, desde 2007, quando iniciou a operacionalização da carteira, então IIRSA. Pontos de escoamento, no entanto, se concentram na região sudeste. E o padrão do comércio é tradicional, ou seja, bens primários predominam na pauta de exportaçãoimportação daqueles países em relação ao Brasil (relacionados a alimentos, minérios, respectivamente). 39 Brasil e Venezuela estabeleceram acordos para realizar investimentos conjuntos centrados na PETROBRÁS e PDVSA para realizar investimentos estimados em US$ 4,7 bilhões dos quais US$ 2,5 bilhões foram para a refinaria Abreu e Lima, em PernambucoBrasil. No entanto, o custo total desta refinaria teria passado para US$ 20 bilhões em função principalmente de atrasos da entrega de petróleo pela PDVSA, o que teria provocado um erro de estimativa59 e a falta de coordenação entre ambas as empresas levou à incorporação de Abreu e Lima pela PETROBRÁS60, expondo assim a dificuldade de entendimento, em vista de possíveis assimetrias das economias envolvidas, quanto a integração energética regional. De fato, não apenas os recursos energéticos existentes são capazes de assegurar a integração energética. Então há possibilidades pelo lado de hidrocarbonetos e de hidroeletricidade. Naquele, pesa a correlação de forças geopolíticas para determinação de seu preço. No último, pesam fatores principalmente regionais – como barreiras técnicas, físicas e institucionais, o que indica a reduzida profundidade dos acordos regionais de modo geral – para interligar sistemas elétricos nacionais. Ao sul do subcontinente, onde se encontram empreendimentos binacionais de monta e com maior número de projetos na carteira IIRSA-COSIPLAN61, como hidrelétricas de Salto Grande (Uruguai-Argentina), de Itaipu62 (Brasil - Paraguai) e de Yaciretá (Argentina-Paraguai), caberiam aprofundamentos regulatórios ou bem uma política energética comum. Ao norte, países como Suriname e Guiana apresentam fronteiras sobre a floresta Amazônica, estando separados de seus vizinhos por obstáculos geográficos, bem como vazios demográficos de grande extensão. Projetos específicos para viabilizar não somente a interconexão energética, mas também a compatibilização de frequência para distribuir eletricidade são um passo inicial. Além disso, o desenho de política de política energética comum centrada em pontos como garantia do suprimento, competitividade de custos e sustentabilidade ambiental deve acompanhar o processo de interligação energética – de acordo com Castro et al (2013), esses são aspectos buscados pela política energética brasileira. A construção de uma ordem energética sul-americana não depende de infraestrutura e de regulamentações comuns, uma vez que a energia, mesmo que novas fontes venham sendo usadas, define-se pela correlação de forças internacionais. Base energética ancorada em recursos fósseis, como o petróleo e o gás, é questão geopolítica na medida em que países desenvolvidos, notadamente EUA e União Européia (UE) 59 De acordo com o ex-diretor da PETROBRÁS. Em: http://economia.estadao.com.br/noticias/negocios,problemas-com-pdvsa-elevaram-custo-de-abreu-e-limadiz-ex-diretor-da-petrobras,1509406 60 A PDVSA jamais teria ingressado na sociedade e nunca teve quaisquer direitos de deliberação na Refinaria Abreu e Lima. Em: http://www.petrobras.com.br/fatos-e-dados/abreu-e-lima-nota-deesclarecimento.htm 61 São 43 projetos de investimento com montante de US$ 54 bilhões, considerando Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, apenas. 62 O projeto Sistema de 500kV, entre Brasil e Paraguai, pertence à Itaipu Nacional foi aprovado em julho de 2010 pelo Conselho do MERCOSUL – após aprovação da Unidade Técnica e do Grupo Mercado Comum –, sobretudo, como forma de incorporar os entendimentos firmados, em maio de 2010, entre os chefes de Estado da UNASUL é o mais significativo dos projetos que financia no COSIPLAN. Itaipu Binacional foi criada por esses países em 1973, quando eles concordaram, via Tratado Internacional, realizar o aproveitamento hidrelétrico dos recursos hídricos do rio Paraná, desde Salto Grande de Sete Quedas até Foz do rio Iguaçu. Foi criada baseada na igualdade de direitos e de obrigações, cabendo participação igualitária entre a empresa estatal brasileira Eletrobrás (Centrais Elétricas Brasileiras S.A.) e ANDE (Administración Nacional de Eletricidad), bem como um Conselho de Administração comum, sem ‘prevalência hierárquica’. 40 buscam conduzir terceiros países, aqueles em desenvolvimento, a promover novas fontes energéticas, como o agrocombustível63, por exemplo. Arco Norte, em processo de consolidação, visa principalmente aproveitar o potencial energético do norte do Brasil, Suriname, Guiana, Venezuela e Guiana Francesa64 para melhorar o perfil da matriz energética e acabar com a pobreza neste setor – em termos de acesso e geração – na América Latina e Caribe. Nesse acordo, está em andamento a internacionalização da empresa brasileira de eletricidade, a Eletrobrás, sendo que o Brasil teria como benefícios possíveis a redução da dependência do fornecimento da Venezuela, venda de energia, canalização para corredores de acesso a portos do Pacífico e interconexão com cabos ópticos submarinos em Cayenne e Paramaribo, no Suriname (CASTRO ET AL, 2013). O Brasil tem planos de aumentar sua capacidade de geração de energia65, além disso, essa região também representa potencial em recursos naturais e comercial para o Brasil. Esse acordo envolve o norte da América do Sul que na IIRSA-COSIPLAN formam o eixo Escudo Guianense. O reconhecido potencial energético da região e especialmente quanto à interconexão deste setor, aproveitando hidroeletricidade – como ocorre no Cone Sul, entre Brasil e Paraguai, com Itaipu – no Escudo Guianense, há somente previsão (sem valor estimado) de 01 projeto de construção de gasoduto entre Venezuela, Guiana e Suriname. Ao passo que investimentos chineses neste setor têm aumentado66 na última década. IIRSA-COSIPLAN, a sua vez, estipula para esses países investimentos que comparativamente, são limitados. Por exemplo, não projetos de investimentos melhorias de portos marítimos, nem de novos aeroportos, há um projeto de construção de novos portos fluviais na Amazônia brasileira somente com montante estimado de US$ 185 milhões e que prevê melhorias de transporte e abastecimento da população local. Entre Venezuela e Colômbia se fortaleceu interconexão energética entre Corozo e San Mateo ao montante de US$ 125 milhões e com capacidade de intercâmbio de 140MW. Há, por outro lado, o projeto para construção de um porto de águas profundas na Guiana que permitirá acesso ao oceano Atlântico, bem como ampliar a sua capacidade de exportação de minérios, mas não tem montante e nem fonte de financiamento previstos. A interligação Lethem-Linden, que está em pré-execução, entre Brasil e Guiana via rodovia Boa Vista-Bonfim-Lethem-Linden-Georgetown, representará aumento de transações comerciais entre esses países, bem como ampliar o acesso a mercados da América Central e do Norte. O gasoduto Venezuela-Guiana-Suriname é também projeto que não possui previsão de custo, nem de fonte de financiadora, porém sinaliza a busca de uma estratégia Com base em Terán (2008), é destacável a “Alianza para el Uso Sustenible de La Energía” (AUSE), que visava tratar de temas como aumento dos investimentos, da promoção de energias limpas e diversificação de energias renováveis e os interesses dos EUA nessa aliança eram respaldados pelo BID, Cepal, ONU e Banco Mundial. Essa aliança não logrou êxito e obrigou os EUA a lançar mão do Plan Pubela-Panamá (PPP) no âmbito do Tratado de livre comércio da América do Norte (TLCAN). É notável desde então o empenho de organismos multilaterais, como o Banco Mundial, para articular os interesses de busca de diversificação de energia dos EUA com os países latino-americanos, sobretudo os centro-americanos. Cabe destacar que esses objetivos são assim expressos também pelo G8 junto aos países latino-americanos sob respaldo do Banco Mundial. 64 É uma colônia francesa e não será analisada neste trabalho em função da inexistência de alguns indicadores e de não pertencer à UNASUL. 65 Em meados dos 2000s essa meta era de 30.000 MW em 10 anos, o equivalente a 50% da capacidade brasileira à época. 66 O Brasil se tornou o principal destino do IED chinês, em 2010, com US$ 13,7 bilhões: 45% para energia, 20% para agronegócio, 20% para mineração, 10% para siderurgia, 3% para energia elétrica e 2% para manufatura (CINTRA, 2013). 63 41 comum, que não pode, por outro lado, se desvencilhar da integração à divisão internacional do trabalho pela exportação de bens primários. Considerações Finais Estabelecer uma área de pesquisa centrada na análise e na descrição das relações econômicas e políticas entre a economia considerada motriz do processo de integração econômica sul-americana, o Brasil, com países que não são tradicionalmente – quer na imprensa, quer na academia – apontados como parceiros estratégicos para esse o Brasil. Soma a essa superficial suposição, esses países – Venezuela, Guiana e Suriname – serem limítrofes de estados brasileiros com nível baixo de desenvolvimento relativo, bem como não concentrarem empreendimentos industriais significativos. Porém, como procuramos expor neste artigo, a vontade política constitui também um fator determinante para impulsionar acordos de integração que estejam assentados nas relações comerciais, mas também de infraestrutura e energética, que foram os aspectos que intensificamos nossa atenção. Vale ressaltar também o potencial, por certo tempo pouco explorado, em termos de recursos naturais da região da Ilha das Guianas. Duas diretivas para integração na área energética foram apresentadas e comparadas; uma delas – da IIRSA-COSIPLAN – mais apoiada na aderência deste setor ao dinamismo comercial e industrial dos países envolvidos a partir da construção de interconexões físicas destinadas a suprir demanda por energia ou canalizar o potencial energético da Ilha das Guianas. O Arco Norte tem apresentado objetivos mais abrangentes em relação ao setor energético – centrado na hidroeletricidade –, valendo-se de projetos de maior extensão para conectar linhas de transmissão entre os países. Ademais, o papel do Brasil fica mais evidente ao viabilizar financiamentos e operacionalizá-lo via Eletrobrás. Embora reconheçamos que o governo brasileiro ter colocado essa região em sua agenda de política externa represente um avanço em termos de um projeto brasileiro na América do Sul, reconhecemos também que há ainda amplo espaço de atuação nas áreas industriais, como petroquímica e extrativa mineral, sem contar que as iniciativas já em curso – IIRSA-COSIPLAN e Arco Norte – padecem de limitações financeiras e especialmente a IIRSA-COSIPLAN conceituais quanto ao objetivo amplo de um acordo de integração econômica. Referências Bibliográficas ABDENUR, A. E.; SOUZA NETO, D. M. O Brasil e a cooperação em defesa: a construção de uma identidade regional no Atlântico Sul. Revista Brasileira de Política Internacional (Impresso), v. 57, p. 1, 2014. ABDENUR, Adriana Erthal. A China na América Latina: investimento em infraestrutura portuária'. Revista Pontes, v. 9, p. 16, 2013. CASTRO, Augusto César Batista de. 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Seminário América do Sul. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão. 2008. WEGNER, Rubia Cristina; BARROS, Pedro Silva. Regionalismo sul-americano com base no investimento em infraestrutura: análise da integração na Ilha das Guianas. Cadernos do Desenvolvimento, v. 8, p. 103-124, 2013. Anexos Anexo 1. América do Sul: Investimentos em infraestrutura da integração (IIRSACOSIPLAN) por país (2014) Total Países Projetos (no) Investim ento Concluídos Investime Projetos nto (%) (%) Execução Logística (portos) Investime Projetos Marítimo Fluviais Adequaç nto (%) s novos novos ão (%) 43 (US$ milhões) Argentina 180 43.869 15,70 24,02 21,24 9,48 - Bolívia 53 163.108 2,48 0,07 8,29 3,10 - 01 19 - Brasil 106 79.054 23,14 41,17 21,76 63,94 01 01 01 Chile 58 12.816 13,22 2,29 9,84 3,69 - Colômbia 36 5.301 7,44 2,54 6,74 5,71 - Equador 40 1.431 9,09 2,74 3,11 0,60 - 03 Guiana 8 912 1,65 0,05 0,52 0,47 01 - Paraguai 67 15.621 6,61 8,82 7,77 1,72 - 03 04 Peru 03 01 01 01 73 11.333 12,40 15,25 11,40 7,03 01 Suriname 7 3.832 0,00 0,00 1,04 0,62 - Uruguai 42 7.318 6,61 2,49 4,15 2,24 01 Venezuela 22 2.063 1,65 0,57 4,15 1,40 01 Total 579 163.109 100 100 100 100 05 11 Fonte Situação Setor Tesour o Nacion al Em execuçã o Transpor te Fonte: Base de dados IIRSA. Anexo 2. Carteira COSIPLAN: Escudo Guianense Inversão Tipo de Projetos Países (US$ milhõe financiamen s) to Recuperaç ão da Venezue 350 Rodovia la e Público (Aprovado) Caracas – Brasil Manaus 02 05 34 Expansão da atual linha de transmissão De Guri Boa Vista Brasil e Venezue la 3 (A definir) Público - Não iniciado Energéti co Rodovia Boa Vista - Bonfim Lethem Linden – Georgetow n Brasil e Guiana 250 Públicoprivado A definir Solicitad o Transpor te Concluíd o Transpor te Finaliza do Transpor te Execução Transporte Ponte sobre o rio Arraya Brasil 1,5 Público Ponte sobre o rio Takutu Brasil e Guiana 10 Público Rodovias de conexão entre Venezuela (Ciudad Guayana) - Guiana, Suriname e Venezuela 300,8 Público Tesour o Nacion al Tesour o Nacion al CAF (0,27%) Bancos Privados (5,98%) 44 Guiana (Georgetown) - Suriname (Apura Zanderij Paramaribo) Melhorias da Rodovia Georgetown Albina; Carretera de Macapá a Oyapock: trecho Ferreira Gomes – Oyapock Melhorias do cruzamento internacional sobre o rio Marowijne Rodovia Apura - Nieuw Nickeriie Ponte Internacional sobre o rio Oyapock A definir (93,75%) Público BID (45%) Tesouro Nacional (55%) Execução Transporte 50 - - Sob análise Transporte Suriname 70 - - Não iniciado Transporte Brasil 60 Público - Execução Transporte Brasil Guiana Suriname 350,1 Suriname Fonte: Base de dados IIRSA. 45 A cooperação técnica brasileira e a busca pela inserção na “sociedade do conhecimento”: da subordinação norte-sul à aliança estratégica sulsul?67 Maria Caramez Carlotto Bacharelado de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (BRI-UFABC) [email protected] Verena Hitner Centro de Estudios del Desarrollo da Univerdiad Central de Venezuela (CENDES-UCV) [email protected] Resumo O objetivo do artigo é analisar as mudanças na cooperação técnica do Brasil a partir do momento em essa se transforma em ferramenta privilegiada da política externa brasileira atual. Para tanto, parte-se de uma comparação entre dois padrões distintos de cooperação técnica com o objetivo de compreender a importância da mudança do conceito de cooperação para a política de desenvolvimento e inserção internacional do Brasil. Analisa-se particularmente a cooperação técnica entre Brasil e Estados Unidos no campo de políticas educacionais nos anos 1950, 1960 e 1970 e no campo de políticas de ciência e tecnologia nos anos 1980 e 1990 comparando-as com a cooperação técnica para transferência de tecnologia agrícola do Brasil com outros países em desenvolvimento nos anos 2000. O objetivo é analisar em que medida o novo modelo de cooperação brasileira pode ser considerado um novo padrão de cooperação técnica relacionado a um novo modelo de inserção internacional. Áreas temáticas: Integração regional, Geopolítica, Economia Política Internacional Introdução Embora alguns autores reconheçam que a cooperação em ciência e tecnologia tem raízes históricas longínquas (cf. Baiardi & Ribeiro, 2011; Brown, 1979; Marinho, 2001; Miceli, 1990), é bastante consensual, no campo das relações internacionais, a percepção de que a institucionalização da cooperação técnica internacional, incluindo a cooperação em ciência e tecnologia68, remonta ao pós-guerra, sendo marcada originalmente pelo 67 Trabajo preparado para su presentación en el VIII Congreso Latinoamericano de Ciencia Política, organizado por la Asociación Latinoamericana de Ciencia Política (ALACIP). Pontificia Universidad Católica del Perú, Lima, 22 al 24 de julio de 2015. 68 Por cooperação técnica internacional estou entendendo a transmissão internacional de conhecimentos e técnicas, o que inclui tanto o que tradicionalmente se entende por cooperação em ciência e tecnologia quanto a cooperação em ciências e tecnologias sociais, em especial as voltadas para a estruturação dos Estados Nacionais, o que a sociologia da globalização chama de “saberes de Estado” (cf. Dezalay & Garth, 2002). Isso significa um esforço ampliar o escopo de análise para incluir não só os acordos formais de 46 esforço de reconstrução das regiões e países afetados pelo conflito mundial, em especial a Europa e o Japão, principalmente através do chamado Plano Marshall (Ayllón, 2013; Cervo, 1994). Não por acaso, já ganhava destaque nesse momento a estratégia de promoção do desenvolvimento econômico em outras regiões como a Ásia, a África e a América Latina, tornadas alvo das disputas geopolíticas que marcariam a Guerra Fria (cf. Garcia, 1998). É justamente nesse contexto, portanto, que surgem as primeiras agências nacionais e multilaterais de cooperação internacional, que passam a liderar a oferta de cooperação técnica internacional a partir da década de 1950. No campo específico das agências multilaterais de cooperação, merecem destaque aquelas criadas no âmbito de acordo de Bretton Woods, em 1944, como o FMI e o Banco Mundial, e aquelas associadas à Organização das Nações Unidas, em especial o PNUD, a Unesco, a FAO e a Unicef. É a também a partir do pós-guerra que surgem as primeiras agências norte-americanas (concentradas na USAID a partir de 1961) e europeias de assistência internacional (tais como a Agência Alemã de Cooperação Técnica, o Instituto Francês de Pesquisa Científica pelo Desenvolvimento em Cooperação, a Direção Geral de Cooperação para o Desenvolvimento da Itália e o Departamento de Desenvolvimento Internacional da Inglaterra), essas últimas voltadas principalmente para a assistência a colônias e excolônias europeias, empenhadas, na época, em construir suas estruturas de Estados. Seguindo a literatura sobre o tema, essa forma original de cooperação técnica internacional caracterizava-se essencialmente por três elementos: “a) transferência nãocomercial de técnicas e conhecimentos; b) desnível quanto ao desenvolvimento alcançado por receptor e prestador; c) execução de projetos em conjunto, envolvendo peritos, treinamento de pessoal, material bibliográfico, equipamentos, estudos e pesquisas” (Cervo, 1994, p. 39). A soma desses três elementos – o caráter geral, assimétrico e assistencialista da cooperação – fazia com que esse modelo tradicional de cooperação técnica internacional fosse antes uma ajuda internacional voltada para a difusão de modelos de organização econômica e social, com sua dimensão ideológica inerente, do que uma cooperação técnica de fato, com intercâmbio efetivo e produção conjunta de conhecimentos, técnicas e tecnologias em prol da promoção do desenvolvimento e da redução das desigualdades nacionais e internacionais69. Não é por acaso, portanto, que a expansão dessa forma específica de cooperação técnica está intrinsecamente associada à atuação cada vez mais sistemática de um conjunto de instituições voltadas à difusão internacional de saberes e práticas – os assim chamados think thanks –, através da transmissão de conhecimentos ligadas à formulação de políticas públicas, especialmente no campo das políticas de desenvolvimento como educação, ciência e tecnologia, dos países do norte para os países do sul. Esse padrão tradicional de circulação internacional de conhecimento, em que a cooperação técnica internacional assume um lugar de destaque, marcou de modo decisivo a cooperação do Brasil com os assim chamados “países desenvolvidos” desde o final da Segunda Guerra Mundial. No entanto, é importante notar que as ressalvas a esse padrão tradicional de cooperação já aparecem de modo contundente na Conferência de Bandung que marca o início de um movimento de afirmação autônoma dos países da África, da cooperação técnica, mas, também, a atuação dos assim chamados think thanks, que desempenham um papel essencial na circulação e legitimação internacional de conhecimento (cf. MacGann& Sabatini, 2011). 69 É interessante notar, dessa perspectiva, que o termo original adotado pela Assembleia da ONU, em 1948, foi “assistência técnica”, termo substituído por “cooperação técnica” apenas em 1959, em resposta às críticas que começavam a surgir no plano internacional. 47 Ásia e, posteriormente, da América Latina70. Esse movimento se desdobra, nos anos 1970, na crítica aos modelos assimétricos e assistencialistas de cooperação técnica impulsionando, internacionalmente, a agenda da cooperação sul-sul. Essa nova agenda em prol de uma cooperação técnica mais horizontal e estratégica, que tinha como horizonte a afirmação de um outro padrão de inserção internacional dos países então chamados “do terceiro mundo”, ganhou expressão no Brasil durante os anos 1970, quando o governo militar a firmar diferentes acordos de cooperação com países da África, Oriente Médio e América Latina. Embora essas iniciativas de cooperação horizontal ensaiadas pelo Brasil durante os anos 1970 sejam bastante relevantes – merecendo, inclusive, mais atenção por parte dos pesquisadores da área –, sua descontinuidade a partir do final dos anos 1980 e a permanência de outras iniciativas de cooperação tradicional e assimétrica no período, nos permite afirmar que o padrão de cooperação predominante no Brasil entre anos 1950 e 1990 foi um padrão tradicional de cooperação assimétrica com países do norte tendo em vista a afirmação de políticas de desenvolvimento. Essa situação só se alterou de modo significativo a partir dos anos 2000, quando a perda de dinamismo econômico dos países chamados “desenvolvidos”, agravada com a crise financeira de 2008 e associada a um crescimento continuo e intenso dos países “em desenvolvimento”, criou condições objetivas para o fortalecimento de iniciativas mais horizontais e estratégias de cooperação técnica. Essas iniciativas foram reforçadas, ainda, por mudanças políticas que ocorreram em alguns desses países, de modo especial na América Latina e Caribe, a partir da eleição de governos de centro-esquerda que assumiram uma visão formalmente distinta do papel da cooperação e do lugar das políticas de integração e desenvolvimento. Como resultado desses processos, países como Brasil, Venezuela, Índia e China tornam-se cada vez mais dispostos a se transformar, segundo Bruno Ayllón, “em global players que contribuem, através do financiamento e execução de programas e projetos, para o desenvolvimento de outros países e para as atividades de organismos internacionais” (Ayllón, 2012, p. 233). Partindo desse enquadramento histórico geral, o objetivo deste artigo é analisar esses dois padrões de cooperação técnica no Brasil – um primeiro predominante entre 1950 e 1990, com foco na redefinição de políticas importantes para o desenvolvimento, e um segundo predominante a partir dos anos 2000, com ênfase na cooperação em ciência e tecnologia entre países em estágios mais semelhantes de desenvolvimento – à luz dos desafios que o Brasil enfrenta para se inserir internacionalmente em uma economia cada vez mais dependente do conhecimento e da tecnologia. Para tanto, o artigo se organiza em três partes: a primeira analisa exemplos relevantes do padrão tradicional de cooperação, que estamos chamando provisoriamente de “padrão dependente”, em especial no campo das políticas de educação e de ciência e tecnologia; a segunda parte volta-se para a análise de um exemplo do que seria o novo padrão de cooperação técnica internacional do Brasil que estamos chamando, por sua vez, de “cooperação estratégica”; a conclusão, além de sintetizar ideias centrais, lança questões para futuras investigações sobre a relação entre cooperação técnica, padrões de circulação internacional de conhecimento e padrões de inserção econômica. O “padrão dependente”: a cooperação técnica norte-sul predominante no Brasil de 1950 a 1990 70 A Conferência de Bandung reuniu 23 países asiáticos e 5 países africanos. Alguns países latinoamericanos, incluindo o Brasil através do embaixador Bezerra de Menezes, participaram com o status de “observadores”. 48 Desde os anos 1960, a perspectiva realista de relações internacionais interroga de modo crítico os efeitos reais da cooperação internacional para o desenvolvimento econômico. Hans Morgenthau, por exemplo, considera que a ajuda internacional dos Estados Unidos no pós-guerra como um instrumento de poder tendo em vista atingir objetivos de política externa que não poderiam ser assegurados por meios militares ou da diplomacia tradicional. A análise cética do autor centra-se na crítica ao Plano Marshall para reconstrução da Europa no imediato pós-guerra, que entrara para a história como receita contra o subdesenvolvimento e garantidor da democracia nos países (Morgenthau, 1962, p. 305). No mesmo sentido caminha a análise de Joseph Nye sobre a estratégia de cooperação dos Estados Unidos, vista por ele como uma forma de soft power essencial para a afirmação da hegemonia política e cultural do país (Nye, 2004). Keohane, do mesmo modo, considera a cooperação como uma das estratégias mobilizadas pelos países para organizar e estruturar o sistema internacional, mantendo através dele uma zona significativa de influência (Keohane, 1969). Dessa perspectiva realista, portanto, a história da cooperação técnica internacional na segunda metade do século XX é inseparável das disputas travadas no âmbito da Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética pela conquista de áreas de hegemonia política e cultural. É nessa chave interpretativa que um dos exemplos paradigmáticos de cooperação internacional – o Plano Marshall para a reconstrução da Europa – ganha uma dimensão nova dimensão, afirmando-se também como um importante instrumento de garantia da hegemonia dos Estados Unidos na Europa Ocidental, haja vista a recusa dos paídes integrantes da União Soviética em integrar o plano. Do ponto de vista que nos interessa neste artigo, o Plano Marshall importa não apenas pelo volume inédito de recursos que mobilizou em ajuda internacional – transferindo para Europa 13 bilhões de dólares em cinco anos (Hobsbawm, 1995) – mas, sobretudo, pela sua ênfase na construção de instituições adequadamente capacitadas, suja ausência constituía, na visão dos formuladores do plano, o principal empecilho para o desenvolvimento. Nessa chave, portanto, a cooperação internacional deveria conceder prioridade à capacitação institucional (“institutional building”). A existência de instituições nacionais capacitadas tecnicamente – particularmente no campo de administração pública, planejamento, ciência e tecnologia, educação e, gestão de programas governamentais – foi trabalhada como condição essencial para que os esforços empreendidos tivessem continuidade posteriormente e para que os países recebedores adquirissem suposta autonomia. É nesse mesmo sentido, então, que apontam as análises do sociólogo Luc Boltanski sobre os efeitos culturais e políticos do Plano Marshall. Segundo ele, no caso da França, para além da dimensão militar e política, a relação com os Estados Unidos, intermediada pelo Plano Marshall, envolvia, desde sempre, “uma dimensão mais fundamental que era aquela da ‘natureza’ da ‘sociedade francesa’ comparada à ‘sociedade americana’, quer dizer, indissociavelmente, seu regime político e sua estrutura social, suas técnicas de gestão econômica, seus modos de controle social e seu regramento dos conflitos sociais” (Boltanski, 1981, p.19). É justamente por isso, portanto, que o autor vai dar tanto destaque à influência do Plano Marshall na importação, pela França, do conhecimento gerencial norte-americano que, mobilizando uma visão específica de organização industrial e institucional, trouxe impactos profundos para a dinâmica cultural e política da sociedade francesa e para a sua estratégia de desenvolvimento econômico. Esse processo, inerentemente ligado à reforma de instituições e políticas, resultou, segundo o autor, de um longo e importante projeto de cooperação entre França e Estados 49 Unidos no âmbito do Plano Marshall cujo resultado maior foi o fortalecimento de uma tendência descrita pela literatura francesa como “americanização” da França. O caso analisado por Bolstanski ajuda a exemplificar o padrão de cooperação técnica internacional que predominou também no Brasil a partir dos anos 1950, pautado justamente na construção e reforma institucional pela difusão de saberes e técnicas político-sociais tidas como imprescindíveis para o desenvolvimento. Insere-se nesse padrão específico, portanto, a cooperação técnica Brasil-Estados Unidos no campo da administração e planejamento nas décadas de 1950 e 1960, levando à rápida e ampla difusão do conhecimento gerencial no país, contribuindo, de um lado, para o isolamento da perspectiva estruturalista de desenvolvimento predominante no período e, de outro, para a reorganização de instituições públicas, em especial no campo educacional, no sentido de uma maior formação técnico-profissional no setor privado em detrimento da formação científico-técnica no setor público (cf. Carlotto, 2014)71. Embora a história da importação do conhecimento gerencial no Brasil remonte a instituições da primeira metade do século XX como o Centro Industrial do Brasil, de 1904, o Instituto de Organização Racional do Trabalho (Idort), de 1931, e, principalmente, o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), de 1938, é bastante consensual na literatura que o passo decisivo para a expansão do conhecimento em gestão no país foi a criação da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em 1944. Idealizada pelo engenheiro Luiz Simões Lopes, enquanto esse ocupava a direção do DASP, a FGV deveria dedicar-se à formação de um “novo profissional” voltado aos “problemas concretos da administração” (Vasconcellos, 1998, p. 63). Enquanto uma instituição de ensino e pesquisa, a FGV foi essencial para a consolidação do saber administrativogerencial no país sobretudo porque constituiu uma porta de entrada dos convênios firmados, a partir do final da Segunda Guerra Mundial, tanto com a Organização das Nações Unidas (ONU) quanto com o governo dos Estados Unidos, “para a disseminação de saberes e modelos administrativos no país” (Barros & Carrieri, 2013, p. 257). Assim, na esteira de um processo mais amplo de racionalização burocrática do Estado brasileiro, que caminhava no sentido de instituir a meritocracia e a universalidade como princípios do serviço público nacional, o conhecimento gerencial expandiu-se no Brasil como um corpo de saberes especializados importado diretamente de centros formuladores, concentrados na Europa e nos Estados Unidos. De fato, como mostra Maurício Roque Oliveira (cf. 1990), a introdução do conhecimento administrativo no país foi, acima de tudo, um processo de importação de procedimentos e conceitos. Na mesma chave, para Isabela Curado, “o processo de evolução do saber administrativo brasileiro está intimamente relacionado à importação de modelos do Hemisfério Norte, principalmente de modelos norte-americanos” (Curado, 2001, p. 66). Amon Barros e Alexandre Carrieri vão além e falam em uma “americanização” do Brasil a partir da importação e difusão do conhecimento em gestão (cf. 2013). Para esses e outros autores (cf. Grün, 1990; Vasconcellos, 1998), a influência norte-americana no Brasil, através da importação de um saber especializado como o management, se intensificou a partir da Segunda Guerra Mundial, quando os Estados Unidos passaram a assumir uma política deliberada de aumento da sua influência na região, através de programas de cooperação técnica. Assim, a partir da Segunda Guerra Mundial, no bojo de uma reconfiguração da cooperação internacional em termos globais, o padrão de cooperação entre Brasil e Estados Unidos se altera e, para além da atuação de agências filantrópicas no incentivo a áreas e padrões específicos de trabalho, os governos dos dois países se engajam diretamente em processos de importação e exportação de saberes e técnicas 50 especializadas. É nesse contexto que surgem os primeiros acordos governamentais de cooperação técnica dos dois países, datados oficialmente de 1945 (cf. Fischer, 1984; Usaid, 1968; Barros & Carrieri, 2013). Uma das principais consequências da mudança no processo de cooperação entre os dois Estados foi a criação, em 1948, da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, cujo objetivo essencial era traçar conjuntamente um plano de desenvolvimento econômico para o Brasil. Esse processo não se deu, porém, sem tensões, uma vez que a pressão dos Estados Unidos para que a economia brasileira se abrisse ao capital internacional, particularmente norte-americano, chocou-se com os esforços do Estado brasileiro na promoção da industrialização nacional (cf. Barros & Carrieri, 2013, p. 259ss; Garcia, 1998). Os anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial foram marcados por uma intensificação da ajuda norte-americana tanto aos países “subdesenvolvidos” quanto às nações “em reconstrução”, ajuda cada vez mais pautada em programas de cooperação técnica (cf. Bourdieu & Wacquant, 1998; Boltanski, 1981; Dezalay & Garth, 2002; Garcia, 1998). Um marco explícito dessa ênfase crescente no papel dos conhecimentos especializados nas políticas de auxílio internacional é o chamado “Ponto IV”, termo que designa uma mensagem enviada pelo presidente dos Estados Unidos, Harry Truman, ao Congresso norte-americano em 1949, explicitando as bases da nova política governamental de assistência aos chamados países subdesenvolvidos. Tratava-se, conforme documento do Departamento de Estado dos Estados Unidos, “de um empreendimento de longo prazo e relativo baixo custo [...] para levar experiência e knowhow americanos diretamente para os outros povos de países subdesenvolvidos” (apud Nogueira, 1998, p.39) Foi no âmbito do Ponto IV que os Estados Unidos estabeleceram uma série de programas de cooperação técnica com países da América Latina que visavam, basicamente, aumentar a influência norte-americana na região via exportação de conhecimentos, procedimentos e técnicas especializados (cf. Barros & Carrieri, 2013). A partir dessa inflexão política, são firmados os principais acordos bilaterais entre o governo brasileiro e o norte-americano que possibilitaram justamente a expansão de acordos de cooperação técnica no campo do ensino de gestão. Primeiro, em 1950, surge o Acordo Técnico de Cooperação Básica entre os Governos do Brasil e dos Estados Unidos, voltado ao “intercâmbio de conhecimentos técnicos e a cooperação em atividades correlatas” (Brasil, 1950, n.p.). Depois, em 1953, esse convênio é complementado pelo Acordo sobre Serviços Técnicos Especiais, pelos quais o governo norte-americano fica responsável por fornecer “serviços técnicos e especializados em qualquer setor de atividades que se relacione com o desenvolvimento econômico do Brasil” (Brasil, 1953, n.p.). Uma das primeiras áreas contempladas por esses acordos bilaterais de cooperação técnica foi, justamente, o “ensino de gestão” (management education), chamado inicialmente no Brasil de “ensino de administração”. E isso não só porque a internacionalização do conhecimento em gestão era uma medida explícita da política externa norte-americana, como apontam as análises que associam a expansão desse saber especializado às estratégias de construção de hegemonia dos Estados Unidos na Europa (cf. Boltanski, 1981)72 e, particularmente, na América Latina (cf. Alcadipani & Bertero, 2012; Barros & Carrieri, 2013; Cooke, 2004, 2010; Cooke; Kelley & Mills, 2006; Vasconcellos, 1998). Mas sobretudo porque havia setores da elite política brasileira que No seu artigo intitulado America, America, le plan Marschall et l’importation du management, Luc Boltanski mostra como a expansão do conhecimento gerencial na Europa também esteve ligada às estratégias da política externa norte-americana (cf. 1981). Essa questão reaparece no seu livro mais recente, escrito com Ève Chiapello intitulado O novo espirito do Capitalismo (cf. Boltanski & Chiapèllo, 1999). 72 51 consideravam a consolidação do conhecimento gerencial uma prioridade, como demonstram a experiência do IDORT, do DASP e especialmente da FGV. Não é coincidência, portanto, que a FGV tenha sido a grande mediadora da importação do conhecimento gerencial no país, especialmente a partir de 1952, quando dá origem às duas primeiras escolas de administração do Brasil: a Escola Brasileira de Administração Pública (EBAP-FGV), com sede no Rio de Janeiro e fundada ainda em 1952, e a Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP-FGV), criada dois anos depois. Ambas foram resultado de “convênios com entidades norte-americanas que transferiram o know-how existente, incluindo currículos, ementas de disciplinas e respectivas bibliografias” (Oliveira, 1990, p. 40), o que permitiu que se constituíssem como modelo e como centro de treinamento para as demais escolas de administração pública e privada no país e na América Latina. Mas a influência norte-americana na introdução sistemática do conhecimento gerencial no Brasil não se limitou à FGV. Na verdade, existem registros de ajuda técnica e financeira, por parte do governo norte-americano, a todos os cursos de administração fundados ou previstos até 1960, incluindo os das Universidades Federais de Pernambuco, Bahia, Minas Gerais e Rio Grande do Sul (cf. Barros & Carrieri, 2013, p. 257). Além disso, sob a égide dos acordos de cooperação técnica firmados no começo da década de 1950, os governos do Brasil e dos Estados Unidos assinam, em 1959, “o programa de cooperação mais decisivo para o desenvolvimento das escolas brasileiras de administração”, pelos quais o governo norte-americano se responsabilizaria por “fornecer os serviços dos professores norte-americanos para prestar assistência no que se refere à elaboração de currículos, métodos e técnicas de ensino, instalações de serviços de biblioteca e de consulta, bem como em pesquisas e outros aspectos da criação de cursos de treinamento em administração pública e de empresas” (Fischer, 1984, p. 112). Na prática, esse acordo resultou no estabelecimento de programas de formação de professores brasileiros de administração não só com a Universidade Estadual de Michigan, mas também com a Universidade Estadual da Califórnia. Os dois convênios foram intermediados pelo governo norte-americano, e elegiam a FGV como centro articulador da seleção de professores e difusão de programas e modelos (cf. Fischer, 1984; Oliveira, 1990; Usaid, 1968). A ajuda norte-americana ao ensino de administração em geral e à FGV em particular continuou ao longo dos anos 1960, via Usaid, por meio de um programa mais amplo da agência intitulado Improvement of Higher Education in Brazil (Usaid, 1968, p. 3). Mas o apoio norte-americano ao desenvolvimento do conhecimento gerencial no Brasil não se limitou ao plano governamental. Como mostra o estudo de Sérgio Miceli, a partir da Revolução Cubana e no âmbito da Aliança para o Progresso, as relações acadêmicas entre instituições brasileiras e norte-americanas se intensificaram, sendo o marco decisivo desse processo, segundo o autor, “a decisão político-institucional tomada pelos dirigentes da Fundação Ford de se envolverem com o estudiosos, cientistas e centros de estudo e pesquisa da região” (1990, p. 17). Assim, corroborando o resultado de outros trabalhos no campo da sociologia da globalização (cf. Alcadipani & Bertero, 2012; Boltanski, 1981; Dezalay, 1993; Dezalay & Garth, 1998, 2002 e 2006; Garcia, 1998; Loureiro, 1998), é possível dizer que a difusão do conhecimento gerencial no Brasil é um exemplo marcante de como, durante a ditatura militar, a cooperação técnica Brasil-Estados Unidos no campo da política educacional e de planejamento, especialmente via USAID, contribuiu para fortalecer internamente grupos e modelos sociais de organização da educação afinados aos padrões e interesses norte-americanos (cf. Carlotto, 2014), expressando uma forma eficiente e complexa de soft power (Nye, 2004). 52 Outro exemplo importante desse modelo de cooperação foi a atuação, na América Latina, dos experts em propriedade intelectual e política científico-tecnológica, sobretudo entre as décadas de 1980 e 1990, que resultou na difusão do diagnóstico de que o recrudescimento da legislação nacional e internacional de propriedade intelectual era benéfica para o desenvolvimento científico-tecnológico (cf. Carlotto, 2013; Pinto & Carlotto, 2015). Esse processo, descrito por Peter Drahos como “um longo trabalho de proselitismo político feito por experts nos países em desenvolvimento, de preferência sob a égide de algum programa de assistência econômica como a US Agency for International Development” (1995, p. 9), pode ser melhor compreendido quando inserido no âmbito do chamado Consenso de Washington, que resulta ele mesmo de um programa cooperação técnica entre os EUA e a América Latina para a definição de políticas de desenvolvimento (cf. Batista, 1994). Assim, é possível dizer que até os anos 1990, os países doadores de cooperação eram, em geral, países altamente industrializados e desenvolvidos, com altos níveis de renda, enquanto os receptores eram, sobretudo, países de renda média ou baixa, que acabavam assumindo uma posição passiva na relação de cooperação, que ocorria no âmbito de relações fortemente verticalizadas – a assim chamada Cooperação Norte-Sul – e segundo padrões de interações muito assimétricos. Além disso, a desigualdade intrínseca entre os doadores e receptores de cooperação no modelo tradicional tornava ainda difícil ignorar o peso do colonialismo e do etnocentrismo nas interações entre esses países fortemente desiguais. O “padrão estratégico”: a cooperação predominante no Brasil a partir dos anos 2000, seus antecedentes e seus desafios Ao se analisar a emergência, a partir dos anos 2000, de um padrão de cooperação técnica internacional que se opõe, ao menos formalmente, ao padrão tradicional apresentado anteriormente, é importante reconhecer que as ressalvas a esse padrão têm uma história um pouco mais longa. De fato, desde a Conferência de Bandung, realizada em abril de 1955 que um novo padrão de cooperação técnica vem sendo reivindicado, associado à “luta anticolonial e anti-imperialista” (Bruckmann & Santos, 2015, p.1) que marca o início de um movimento de afirmação independente dos países do então chamado “terceiro mundo”. Partindo desse cenário, durante os anos 1970 a crítica aos modelos assimétricos e assistencialistas de cooperação técnica ganha novo impulso, levando à afirmação internacional de uma nova agenda de cooperação técnica, a assim nomeada “cooperação sul-sul”. É nesse contexto que surge, por exemplo, a Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD), bem como a agência especial voltada à Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento (CTPD), essa última no âmbito do PNUD e ambas em uma tentativa de responder às críticas emergentes. Uma das principais expressões desse processo de fortalecimento da agenda da cooperação sulsul foi a realização, em 1978, da Conferência das Nações Unidas sobre Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento, que teve suas recomendações sintetizadas no chamado Plano de Ação de Buenos Aires (PABA), que cunhou o termo “cooperação horizontal”, que passou a marcar o debate desde então (cf. Morosini, 2011; Saraiva, 2007). No caso do Brasil, como dito, os anos 1970 marcam um primeiro esforço do país para fortalecer a cooperação internacional sul-sul. Desse modo, entre 1972 e 1979, foram firmados pelo menos 15 acordos de cooperação-técnica com países da África e Oriente 53 Médio73, entre os quais o Egito, o Iraque, o Kuwait e a Nigéria. No entanto, apesar desse esforço inicial, a cooperação sul-sul não adquiriu relevância a ponto de alterar essencialmente a política de cooperação internacional do país, sobretudo porque a crise fiscal dos anos 1980 e a política neoliberal dos anos 1990 contribuíram para enfraquecer as iniciativas de cooperação técnica entre o Brasil e outros países em desenvolvimento, impedindo o fortalecimento interno dessa agenda de da cooperação horizontal. Não por acaso, portanto, ao analisar a história da política de cooperação técnica internacional brasileira, Luiz Amado Cervo enfatiza que a criação da Associação Brasileira de Cooperação (ABC), centralizando a política de cooperação antes dividida entre a Subsecretaria de Cooperação Econômica e Técnica da Secretaria Especial de Planificação da Presidência da República (SEPLAN) e a Divisão de Cooperação Técnica do Ministério das Relações Exteriores (MRE), ocorre justamente no momento em que os esforços de cooperação começam a entrar em decadência em função do projeto liberal de desmonte do Estado (cf. Cervo, 1994, p. 45). Assim, embora desde a redemocratização tenha havido iniciativas importantes de cooperação horizontal, tanto no âmbito da América do Sul quanto da Ásia e da África, foi somente a partir de 2003, com a mudança de governo no país e o relativo enfraquecimento da vertente mais liberal do Itamaraty, que essa a cooperação horizontal sul-sul ganhou o estatuto de prioridade74. Nas palavras de Miriam Gomes Saraiva: A posse do presidente Lula e o reforço da corrente autonomista [do Itamaraty] deu uma nova direção à política externa brasileira, com vistas a construir uma nova estratégia de inserção internacional do país, mais adequada tanto ao seu papel no mundo quanto aos constrangimentos próprios à “inserção periférica dos países em desenvolvimento”. Este movimento deu novo peso à cooperação sul-sul dentro da política externa brasileira, buscando consolidar um multilateralismo mais favorável a estes países (Saraiva, 2007, p. 56) Um dos resultados principais dessa inflexão política foi a ênfase crescente na assinatura de acordos de cooperação técnica não mais em áreas políticas e de planejamento, mas em ciência e tecnologia entre países de renda média. É o caso, por exemplo, do Brasil e da Venezuela que, ao longo dos anos 2000, procuraram cooperar em ciência e tecnológica em áreas consideradas estratégicas para esses países, como segurança alimentar e produção agrícola. É importante notar que, a partir dos anos 2000, é possível observar uma importância crescente dos processos de cooperação nas áreas técnica e científica em todas as regiões, como demonstram projetos de pesquisa como os desenvolvidos no âmbito da Organização Europeia para Pesquisa Nuclear, mais conhecida como CERN75. Mas, para além dessa tendência geral em âmbito internacional, no contexto específico da América Latina, também assume um papel relevante a eleição de governos no geral críticos às políticas neoliberais a partir do final dos anos 1990, que possibilitou a elaboração de um novo paradigma de desenvolvimento, em que a cooperação internacional em áreas estratégicas assume um lugar central. Designado por alguns de neo-desenvolvimentista (Barbosa & Souza, 2010; Schutte, 2012) e por outros de logístico (Cervo, 2008), esse 73 Informações da Associação Brasileira de Cooperação, disponíveis em www.abc.gov.br 74 A autora destaca que, antes de Lula, o governo Itamar Franco também conferiu importância estratégica à cooperação para o desenvolvimento com países emergentes como o Brasil, mas o caráter transitório do seu governo e a inflexão da política externa do governo Fernando Henrique Cardoso impediram que a cooperação sul-sul ganhasse um lugar prioritário na agenda política do MRE (cf. Saraiva, 2007). 75 Organisation Européenne pour la Recherche Nucléaire, mais conhecida como CERN, nome do antigo Conselho Europeu para a Pesquisa Nuclear, Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire. 54 novo paradigma de desenvolvimento se basearia, sobretudo, em uma participação mais ativa do Estado em matéria de política industrial, científico-tecnológica e de comércio exterior, visando, ao menos do ponto de vista formal76, a busca de uma inclusão mais autônoma e estratégica desses países no contexto internacional. É nesse contexto que ganha importância, também, as iniciativas diversas de integração produtiva entre países latino-americanos como apontam as diferentes estratégias conjuntas de desenvolvimento regional como o fortalecimento do Mercosul e da Unasul. No que concerne às relações bilaterais entre Brasil e Venezuela, esse novo paradigma incentivou uma forma de aproximação que não se baseasse apenas no comércio, reconhecendo, também, a importância de uma aproximação geopolítica visando melhorar o desenvolvimento produtivo entre os dois países. Assim, como se sabe, as relações entre Brasil e Venezuela se tornaram mais fortes ao longo da década de 2000, no bojo de uma aproximação comercial e política até que em 2005, os presidentes dos dois países assinaram a denominada “Aliança Estratégica”, e em 2007, assumiram a “diplomacia da solidariedade”, em que a cooperação internacional tornou-se uma ferramenta importante para, segundo o acordo, reduzir as assimetrias entre os dois países. Durante a Reunião Presidencial de 13 de dezembro de 2007, foram assinados nove acordos bilaterais, um programa e um protocolo de intenções sobre a cooperação agrícola, cooperação em saúde, cooperação industrial, petroquímica e energia hidrelétrica. Além disso, foi estabelecido um prazo de três meses para um novo encontro entre os presidentes. Foi nesse sentido que a Venezuela, país com intensas relações comerciais com o Brasil, afirmou-se como um aliado estratégico do país, tornando-se objeto de uma política especial de cooperação internacional. Como resultado disso, os então presidentes do Brasil e da Venezuela, Luiz Inácio Lula da Silva e Hugo Chávez, que até 2005 mantinham acordos apenas em temas tradicionais de comércio, passaram a priorizar novos aspectos como a cooperação em educação, sistema bancário, combate à fome e à pobreza e, o que nos interessa particularmente, em desenvolvimento científico-tecnológico. A complexidade da cooperação internacional nesses temas implicou a mobilização de novos atores, levando diversos órgãos públicos brasileiros como a Caixa Econômica Federal, a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agrícola a utilizaram a sua experiência em ações de cooperação para se engajar na nova política de cooperação e integração desenhada pelo governo brasileiro. No caso específico da relação Brasil-Venezuela, essa tendência, somada à periodicidade dos encontros entre os presidentes, tornou possível a assinatura de acordos entre ministérios e outros institutos e órgãos públicos brasileiros que não apenas a presidência da República e o Ministério das Relações Exteriores. É o caso particular da cooperação no campo agrícola, no qual Brasil e Venezuela, por meio de suas agências específicas, firmaram uma série de acordos importantes, em especial o Acordo sobre o Projeto de Cooperação Técnica para o Fortalecimento Agrícola na República Bolivariana da Venezuela, assinado entre a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias) e a INIA (Instituto Nacional de Investigaciones Agrícolas) no mesmo dia em que os presidentes dos dois países assinaram o acordo geral de cooperação agrícola entre os países. O acordo assegurava que a Embrapa daria continuidade a projetos já em andamento nas áreas de produtos cítricos, café e mandioca, além de buscar a identificação 76 É importante notar que, nesse momento, estamos avaliando apenas o discurso inerente à emergência de um novo paradigma de desenvolvimento, o que explica o cuidado em diferenciar o aspecto formal e efetivo das políticas implementadas. 55 de novas áreas de cooperação agrícola, como o desenvolvimento de uma cadeia produtiva relacionada à criação pecuária bovina, caprina, suína e de aves. Além disso, a experiência e a base tecnológica da Embrapa foram colocadas à disposição da Venezuela para a organização do seu plano nacional de sementes (Comunicado Conjunto, 26/03/2008). Para a execução dos projetos de cooperação industrial e agrícola a Venezuela dispôs de US$ 100 milhões que seriam administrados pela Embrapa e ABDI. No bojo desse processo, em março de 2008, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)77 e a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) abriram escritórios em Caracas, estabelecendo programas de cooperação agrícola e industrial. A participação da ABDI no convênio entre a Embrapa e a INIA já indica a cooperação entre Brasil e Venezuela em matéria agrícola está diretamente relacionada à reestruturação da política industrial e tecnológica brasileira desde 2003 e ao papel que os governos dos dois países assumiram no processo de integração econômica da região. O Brasil, embora tenha organizado o seu desenvolvimento com base em recursos naturais nas últimas décadas, conseguiu agregar tecnologia à produção primária, sobretudo através da atuação da Embrapa. No entanto, a política de desenvolvimento industrial desenhada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva – a assim chamada Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior, PITCE – pretendia ir além do “adicionar tecnologia à produção agrícola”, tornando o Brasil exportador de tecnologia agrícola. Nesse sentido, ao considerar a política de cooperação da Embrapa na Venezuela é preciso olhar, necessariamente, para duas dimensões: a dimensão política e a dimensão técnico-científica. A dimensão política refere-se ao fato que se trata de um modelo de política pública entre países que buscam maior integração na sociedade do conhecimento. A dimensão técnico-científica refere-se ao fato de que essa cooperação envolve diretamente a difusão e apropriação do conhecimento e tecnologia. Além disso, é importante notar que a cooperação entre a Embrapa e a Venezuela não tem nenhuma condicionalidade e usa tecnologias adaptadas que respeitam o uso local, em temas abandonados pelos doadores tradicionais, como é o caso do desenvolvimento agrícola e rural. A Venezuela é um país altamente dependente do petróleo. Nos últimos anos, mais de 90% das exportações se restringiram a esse único produto. Pode-se dizer, portanto, que a Venezuela exporta petróleo e importa o resto, tornando a segurança alimentar especialmente relevante. O petróleo também foi o responsável histórico por tornar a Venezuela, desde a década de 1940, o país mais urbano da América do Sul. Assim, ao longo de sua história, houve um déficit de mão de obra agrícola, o que torna o tema da formação técnica igualmente importante. Outro ponto relevante é que a cooperação entre Brasil e Venezuela não é, como de poderia imaginar, uma cooperação entre um país grande e um pequeno. Pelo contrário, a Venezuela é um dos países que mais coopera no mundo, assumindo um papel importante também como doadora de cooperação, através de programas como o Protocaribe. Segundo o Reality of Aid Project de 2010, estima-se que a Venezuela tenha mobilizado algo entre 1,1 e 2,5 bilhões de dólares em 2008, que corresponde a aproximadamente 0,71 a 1,52% do PIB do país. Valor muito superior ao mobilizado pela Rússia, por exemplo, que, no mesmo ano, atingiu, segundo o mesmo relatório o valor de U$ 800 milhões. Em 77 A Embrapa foi criada em 1973, no contexto político da ditadura militar brasileira, em um período marcado, do ponto de vista do desenvolvimento, por um modelo descrito pela literatura como “desenvolvimento associado”. Quer dizer que nesse momento se acentua um processo de expansão capitalista marcado por uma inserção internacional dependente no sistema internacional. O modelo não supunha, portanto, uma estratégia de autonomia efetiva em relação ao centro do sistema mundial ou mesmo qualquer alternativa ao processo de industrialização baseado na superexploração de mão de obra abundante e pouco qualificada. 56 termos de porcentagem do PIB, só se compara com a Arábia Saudita, que aporta 1,5% do PIB à ajuda ao desenvolvimento sul-sul. O aporte venezuelano corresponde a 18% do total aportado por todos os países à cooperação sul-sul. Apesar de sempre ter destinado uma porcentagem alta de seu PIB para a cooperação, principalmente para o Caribe, esse valor aumentou muito durante o governo Hugo Chávez. Isso porque a Venezuela, assim como o Brasil na década de 2000, assumiu importante papel no sistema internacional. Com a chegada de Chávez ao poder, a política externa se transforma em importante instrumento da política nacional e a legitimidade do mandatário também passou a depender de sua legitimidade perante os vizinhos. Portanto, o projeto de El Tigre, além de sua contribuição interna à Venezuela, ele tem uma característica de aproximar os países em um tema importante para ambos no cenário internacional. O projeto de transferência de tecnologia para o Banco de Sementes é igualmente importante para ambos os países. Do ponto de vista venezuelano, a cooperação agrícola tem por objetivo “garantizar la seguridad y soberanía alimentaria de Venezuela, con un énfasis en la producción familiar de alto valor agregado”, temas caros ao desenvolvimento do país. A experiência e a base tecnológica da Embrapa foram postas à disposição da Venezuela para a organização do Plano Nacional de Sementes, que consiste na produção, armazenamento e processamento de sementes de soja, milho, feijão e hortaliças (Comunicado Conjunto, 26/03/2008)78. Como exposto anteriormente, a Venezuela é uma economia rentista. Isso quer dizer que seus recursos vêm, principalmente da renda do petróleo e o Estado, no caso venezuelano, é o principal beneficiário e tem o protagonismo na distribuição da renda. De maneira geral, em uma economia rentista, a riqueza não tem relação com o trabalho, o aumento da renda não tem a ver com o aumento da produtividade e o crescimento do consumo não tem relação com o aumento da produção interna. Assim, o crescimento do PIB, os gastos governamentais, o salário e as importações não dependem da dinâmica da relação entre capital e trabalho, mas do preço internacional do petróleo. O rentismo tem, portanto, como consequência, o aumento da dependência em relação ao produto exportado (no caso o petróleo), o aumento da desigualdade estrutural da sociedade e o aumento da dependência em relação ao Estado. Por isso, a segurança alimentar do país é tema central do seu desenvolvimento. A Venezuela conta, por isso, com um importante marco institucional, do qual destacam-se duas leis. A primeira delas é a lei de terras de 2005 que regula “el uso de todas las tierras, públicos y privados, con vocación de agricultura uso agrícola”. O passo importante da lei é a explicita proibição do latifúndio, claramente definido como “extensión de tierras que supere el promedio de ocupación de la región o no alcance un rendimiento idóneo del ochenta por ciento (80%)”, e a subcontratação de trabalho no campo. Se é verdade que a produção de soja da cooperação com o Brasil é feita nos moldes da Embrapa, de grandes propriedades, uma vez que, segundo a Embrapa “a soja só é rentável se produzida em larga escala”, a solução encontrada na Venezuela foi a grande propriedade pública, o que evita o problema do latifúndio. Segundo o representante da 78 Do ponto de vista do desenvolvimento, há uma clara distinção entre produzir soja e produzir feijão. A soja, produto cujos estudos estão mais bem desenvolvidos na Embrapa e que a empresa dedicou grande parte do seu tempo e capital gera uma cadeia produtiva up stream e down stream, que pode desencadear um aprimoramento de todo o setor, inclusive do ponto de vista industrial. Outra importante consequência é a possibilidade de existência de uma verdadeira integração produtiva com o Brasil. Isso é diferente de produzir feijão, já que este não envolve outros setores e não é processado, ou agregado de valor, mas serve para o consumo final. A questão que se coloca, portanto, diz respeito a que tipo de semente é produzida e quem se apropria do produto. Ou seja, para que serve esse projeto, do ponto de vista do desenvolvimento do país e da sua segurança alimentar. 57 Embrapa na Venezuela, “(...) no seu projeto inicial, a Embrapa garantiu ao governo venezuelano 50 mil empregos” (Entrevista concedida em 16 de abril de 2012). Outra lei importante é a Lei de Sementes aprovada pelo Congresso Venezuelano em 14 de outubro de 2014. Desde o Plan Nacional de Semillas de abril de 2005 a Venezuela é contra o uso de sementes transgênicas. Em outubro do ano passado a semente transgênica é proibida por lei. A lei inova também ao defender que as sementes são “antipatente”, em seu preambulo. A esse arcabouço institucional venezuelano pode ser acrescido o fato de a Venezuela ter inovado no tema da cooperação técnica, ao assinar com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Brasil (MST), acordos para formação técnica. Foi assinado, por exemplo, acordo para a criação do Instituto Agroecológico Latinoamericano "Paulo Freire" (IALA), responsável pela formação técnica e política de trabalhadores do campo, outra inovação institucional importante, que reforça a ideia de que se trata de uma política de cooperação nova e de caráter estratégico. Conclusão Como se sabe, a assim chamada “nova política externa” brasileira, pautada na defesa formal da redução das assimetrias internacionais (Schutte, 2012), na busca por uma inserção mais autônoma internacional (cf. Rodrigues & Maciel, 2015) e na promoção de um padrão mais horizontal e estratégico de cooperação técnica internacional, em especial entre países em estágios mais próximos de desenvolvimento (Hitner & Carlotto, 2014a e 2014b) vem passando, atualmente, por um processo pouco formalizado de reformulação que põe em questão a sua continuidade. Além disso, a inflexão da política externa dos países latino-americano ocorreu, como dito, em um contexto em que a cooperação tradicional norte-sul dava claros sinais de arrefecimento, em função, sobretudo, da crise financeira internacional que atingiu os tradicionais doadores de cooperação, aprofundando ainda mais as disputas em torno do equilíbrio de poder nos organismos multilaterais, uma vez que países emergentes como o Brasil, a China e a Índia começam a reivindicar maior poder internacional. Assim, é possível dizer que, atualmente, o destino desses dois padrões de cooperação técnica – o tradicional de assistência norte-sul e o estratégico de colaboração sul-sul – está, por diferentes motivos, em suspenso. Essa nova situação torna ainda mais necessária e urgente uma agenda de pesquisa que busque compreender o significado social, político e estratégico desses diferentes padrões de cooperação técnica, pensados enquanto modelos de circulação internacional de conhecimento que são ao mesmo tempo causa e consequência da estrutura social em que se inserem (cf. Garth & Dezalay, 2002). Assim, partindo de abordagens teóricas que pretendam dar conta da complexa relação entre estrutura social e definição de políticas de desenvolvimento em diferentes campos (cf. Carlotto, 2014), é preciso avançar na análise histórica dos padrões de circulação internacional de conhecimento. O objetivo geral do presente artigo foi apresentar dois padrões distintos de cooperação técnica do Brasil buscando compreender como eles se relacionam, de um lado, com a estrutura social do país e as disputas internas que ela engendra e, de outro, com o modelo de inserção internacional e de desenvolvimento econômico que essas mesmas disputas promovem e possibilitam. Isso significa pensar os padrões de circulação internacional de conhecimento, em geral, e de cooperação técnica, em particular, em uma chave essencialmente histórica, enfatizando a estreita relação existente entre as disputas nacionais pela definição de padrões de desenvolvimento e inserção global e os fluxos internacionais de conhecimento e tecnologia a eles correspondentes. 58 Referências ALCADIPANI, Rafael & BERTERO, Carlos Osmar. Guerra Fria e ensino do management no Brasil: o caso da FGV-EAESP. Revista de Administração de Empresas, v. 52, n. 3, p. 284-99, 2012. ARBIX, Glauco. 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