Untitled - Fundação D. Pedro IV

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Untitled - Fundação D. Pedro IV
A CIPPE - Conferência Internacional sobre Políticas Públicas de Envelhecimento é coorganizada pelo Instituto Superior
de Ciências Sociais e Políticas, da Universidade de Lisboa, e pela Fundação D. Pedro IV, com o objetivo de promover
a investigação no domínio das ciências sociais e políticas sobre a temática do Envelhecimento.
Num contexto de reforma do Estado Social, o tema “A Reforma do Estado Social, Sustentabilidade e Envelhecimento", constitui proposta para o debate sobre os desafios das políticas públicas num cenário de envelhecimento demográfico.
Com a CIPPE 2013 pretendemos promover o debate ao equacionamento de perspetivas para o futuro do Estado
Social e a avaliação da matriz da mudança, face ao pressuposto de uma população cada vez mais envelhecida.
Sendo o envelhecimento uma questão social que exige uma atuação integrada e intersectorial, considera-se que a
promoção da sustentabilidade requer a avaliação e a formulação de políticas públicas para o desenvolvimento
económico, a saúde, a educação e a segurança social. O desafio coloca-se também sobre o estudo de modelos de
matriz territorial que congregam a participação de múltiplos atores (sociedade civil, mercado e Estado) e que relacionam também diferentes papéis para os diversos níveis de governança.
É neste contexto de debate que promovemos a CIPPE 2013, bem como o convite internacional à apresentação de
Comunicações, sob a coordenação científica do ISCSP, com destaque para a oportunidade de candidatura ao prémio de mérito Fundação D. Pedro IV que visa distinguir a prática de investigação científica no envelhecimento.
A CIPPE 2013 realizou-se no dia 8 de Novembro com a participação dos Professores Adriano Moreira (Professor Emérito do ISCSP), Fausto Amaro (ISCSP), Ana Alexandre Fernandes (ISCSP), Pedro Moura Ferreira (ICS), Maria do Céu Machado (ISCSP) e Maria Engrácia Cardim (ISCSP), entre outros de renome nacional e internacional.
Muito bom dia a todos, bem-vindos ao ISCSP e à Universidade de Lisboa. É com muito gosto que vos recebo neste
auditório, que já tem assistido a mais do que uma conferência onde a colaboração entre a Fundação D. Pedro IV e
o ISCSP, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, se tem realizado.
Estas colaborações que existem entre diversas organizações da nossa sociedade civil e o nosso Instituto dão-nos o
maior gosto e contribuem para a nossa reflexão e progressão académica sobre os mais variados assuntos.
Começaria então por saudar de uma forma muito especial o meu companheiro da mesa, o Senhor Eng. Vasco do
Canto Moniz, um conhecedor desta casa, além de representante aqui da Fundação D. Pedro IV, na medida em que
foi durante 25 anos docente desta casa, o que nos muito alegra.
Na nossa audiência temos os participantes que de novo saúdo e naturalmente também uma figura de proa do nosso
Instituto, o Senhor Professor Adriano Moreira que nos dará, após o início da sessão de abertura, o prazer de fazer a
sua comunicação.
Quanto ao tema desta jornada de trabalho que agora se inicia, diria que no momento presente as questões relacionadas com o envelhecimento constituem um desafio importante para toda a nossa sociedade.
A nossa pirâmide etária tem alguns problemas neste momento, em termos de equilíbrio e os desafios que se lançam
a toda a sociedade são grandes. Dentro do Instituto e com o apoio do CAPP, o Centro de Administração e Políticas
Públicas aqui representado pelo Presidente, o Senhor Professor Fausto Amaro, também irá participar nesta jornada a
Senhora Professora Ana Fernandes que se dedica muito em particular a esta área da investigação.
Todos os presentes estão envolvidos também neste trabalho conjunto, trabalho que certamente após a sessão de
hoje será enriquecido por mais contribuições, mais possibilidades de concretização, pois a reflexão naturalmente deverá ser sempre acompanhada da concretização das ideias que são levantadas.
Muito obrigada e uma boa jornada de trabalho.
Senhor Professor Adriano Moreira, ilustre Professor Emérito da Universidade de Lisboa
Senhora Vice-Presidente do Instituto, Professora Alice Trindade
Senhor Professor Fausto Amaro
Senhores Professores
Minhas Senhoras e meus Senhores
Para a edição da Conferência Internacional de Políticas Públicas de 2013 escolhemos um tema de debate relativo às
condições que o País enfrenta, não só pela grave crise económica, que sabemos perdurará nos seus efeitos, como
designadamente por sermos um país envelhecido, onde emerge uma nova dimensão de riscos sociais com uma expectável implicação no âmbito da segurança social, educação e saúde, funções sociais do Estado.
É, assim, natural e oportuno que contribuamos com a nossa iniciativa para o debate público dos problemas e soluções que a todos dizem respeito.
Desejamos que esta 2.ª edição da conferência contribua para o enriquecimento desse debate, maximizando a identificação dos problemas e a procura de soluções adequadas no domínio das políticas sociais destinadas a enquadrar o problema que constitui o envelhecimento na atual situação do nosso País.
Neste sentido, permitam-me algumas breves referências de contextualização de questões atuais e de algumas das
suas condicionantes que se consideram relevantes.
O ENVELHECIMENTO, UMA CRISE ECONÓMICA GLOBAL E A INDISPENSÁVEL REFORMA DO ESTADO SOCIAL
Como chegámos à presente situação?
Na década de 80 do século passado, as condicionantes financeiras obrigaram a maioria dos países do Ocidente a
tornar o setor público mais competitivo. A pressão social, exigindo respostas adequadas à situação vivida, conduziu a
Administração Pública a uma maior recetividade às necessidades dos cidadãos, a oferecer mais eficiência, flexibilidade de escolha e transparência.
Neste enquadramento, a reforma do Estado tornou-se então um assunto obrigatório nas agendas dos Governos.
E Portugal, nas últimas décadas, tomou iniciativas de modernização agrupadas em três categorias de conjuntos: reorganização da Administração Pública; gestão e avaliação dos recursos humanos; e simplificação administrativa e
desburocratização.
Modernização essa ocorrida num ambiente de condicionamentos culturais, sociais, económicos e políticos que naturalmente a moldaram.
Todavia, o processo de reforma do Estado não consiste só em equacionar que este processo se desenvolve consubstanciado em orientações, políticas públicas, programas e medidas no campo da Administração, mas também atender a que as alterações a introduzir ocorrem num contexto de modernização da sociedade e das instituições, com
mudanças nas formas de exercício das funções do próprio Estado, garantindo a sua tutela mas não a sua execução,
contexto este em que os condicionamentos económicos globais assumem um papel necessariamente relevante.
O Modelo Social Europeu, criado há mais de meio século, preconizava os princípios da solidariedade e do acesso
universal a bens sociais (designadamente saúde, educação e ação social), bem como políticas públicas que permitissem que fossem alcançados os objetivos de uma mais justa redistribuição de recursos, da gestão de riscos sociais e
da inclusão dos grupos mais desfavorecidos.
Contudo, da impossibilidade de promover constantemente a melhoria das condições de vida de todos os cidadãos,
especialmente condicionada em situações de abrandamento ou mesmo regressão do crescimento económico, resulta um duplo efeito: o esgotamento do Estado Providência e o desencanto dos cidadãos para com as suas políticas, fruto da discrepância entre as expetativas criadas e a realidade das condições de vida.
Finalmente, nas décadas mais recentes, o acelerar do envelhecimento da população conjugado com a incapacidade da economia em crescer a taxas adequadas à situação, levaram entre nós ao desequilíbrio do processo de
transferências em que se baseia o Modelo Social, agravando a já sentida desproporção entre quem contribui e
quem recebe, o que exigia medidas inovadoras não apenas para atender às circunstâncias do momento mas, em
especial, que fossem sustentáveis nos contextos futuros a que teriam de dar reposta adequada.
Em 2008, a crise financeira mundial e a subsequente recessão económica afetaram o crescimento económico global
e a estabilidade financeira, em especial nos países com vulnerabilidades de diversa ordem, levando ao acentuar da
deterioração das situações do défice e da dívida de vários dos Estados-Membros da União Europeia.
Decorrendo da crise global e das fragilidades acumuladas por ausência de reformas adequadas com políticas para
uma nova realidade, em 2011, o Estado Português viu-se obrigado a contratualizar com instituições financeiras e a
Comissão Europeia um conjunto de medidas tendentes à normalização do seu financiamento, com consequências
inevitáveis na sua organização e gestão futura de longo prazo.
Que consequências para o nosso presente coletivo?
Com a aceitação das condições do financiamento e das inerentes medidas para garantir o seu cumprimento, adensou-se a necessidade da discussão sobre as funções do Estado no geral, e, no particular que agora nos interessa,
também das funções sociais do Estado, designadamente sobre o modo de as efetivar, isto é, do modelo do Estado
Social a promover no atual contexto, fortemente condicionado por questões económicas e financeiras adversas,
que se sabe serão duradouras.
Parece hoje claro que as condições financeiras, em que teremos de viver longos anos, vão exigir um largo período
em que teremos de abdicar do nível de direitos usufruídos no passado para viabilizar o seu crescimento sustentado
no futuro.
Que realidades enquadram a reforma do Estado Social?
Questão central é a da criação das condições para o crescimento e a sustentabilidade dos sistemas de saúde, ensino e segurança social.
Sabemos que é no médio prazo, e externamente a estes sistemas, especialmente pela dinâmica do crescimento
económico de base empresarial, que se geram os recursos que, redistribuídos também pelos sistemas, possibilitam o
atenuar dos desequilíbrios em que estes têm vivido, permitindo o seu continuado desenvolvimento e sustentabilidade.
Crescimento económico este que apenas pode vir de uma racional e realista afetação dos escassos recursos disponíveis, afetação virtuosa no médio prazo, com a inevitável alteração das prioridades da despesa pública bem como
da sua efetiva redução para níveis que não afetem o normal funcionamento da economia, viabilizando o seu crescimento, o que exige o reduzir da dimensão do Estado.
Redução de dimensão esta que implica a consequente extinção de serviços públicos em áreas não sociais, mas
também nestas, onde seja viável a sua concessão à iniciativa privada e à iniciativa social, em especial naquelas
áreas em que se verificam défices crónicos por políticas irrealistas e incapacidades gestionárias de empresas públicas, de que a crise financeira atual tem revelado uma dimensão julgada impossível, com consequências inevitáveis
de longo prazo nas funções sociais do Estado, como agora se verifica.
Redução de dimensão do Estado que, sem afetar a disponibilização de diversos bens sociais, passa pela reforma do
modelo de produção dos mesmos, em ordem a uma indispensável maior eficiência, e também, em vários setores,
por atribuir a sua produção direta a novos atores, existentes ou embrionários, libertando a iniciativa de grupos de cidadãos conhecedores que trabalham nos sistemas, reservando-se para o Estado designadamente as funções de
regulação, avaliação e garante dos equilíbrios de interesse coletivo.
Julgamos que, no sentido de desenvolver um Novo Modelo para a efetivação das funções sociais do Estado, será de
muita utilidade aprofundar uma reflexão sobre as virtualidades do modelo há longas décadas adotado para a ação
social, que goza de um reconhecimento geral quanto ao seu eficiente e económico funcionamento, onde o setor
social detem 70% da produção, o setor privado 27% e o setor público apenas 3%.
Há um longo caminho a percorrer no desenvolvimento da contratualização da gestão de equipamentos de saúde
em cuidados primários de proximidade e de hospitais de menor dimensão, tal como em estabelecimentos de ensino
não superior.
E existe disseminada pelo País a capacidade para a sua gestão, seja com instituições não lucrativas com créditos
firmados nas comunidades locais, ou com grupos profissionais experientes capazes de se organizarem em entidades
cooperativas ou empresas de pequena ou média dimensão vocacionadas para a gestão de equipamentos.
Trata-se, afinal, de trazer para a reforma a valorização do capital humano de que o País dispõe.
O que é indispensável é que ao nível do Estado se defina a política de contratualização necessária e se aplique de
modo sistemático, manifestando àqueles a quem se destina a vontade real de a concretizar.
A realidade histórica mostra-nos que as soluções para os problemas, para serem sustentáveis, têm de estar adaptadas às condições económicas de cada época tanto quanto às necessidades sociais prevalecentes.
É, assim, neste sentido, que as reformas possíveis têm de conter a arte de equilibrar o futuro desejado com os condicionamentos de contexto em que são concebidas, numa lógica integradora das limitações existentes com as aspirações que são próprias à natureza humana.
Muito obrigado.
Para responder a tema que me foi dado para este encontro, ocorreu-me revisitar as Cartas Morais de Lúcio Anneo
Séneca, quando se ocupa das Vantagens da Velhice (Carta XII) e da chamada de atenção para o facto de que A
vida é breve (Carta XLIX). No que toca a esta mais advertência do que conceito, dirige ao seu “querido Lucílio, estas
palavras: “O que vivemos é um ponto, e ainda menos que um ponto, e ainda por cima, esta coisa tão pequena,
para maior engano, a Natureza a dividiu a fim de dar-lhe aparência de um prolongado espaço de tempo; de uma
porção faz a infância, de outra a mocidade, de outra a adolescência, de outra uma certa descida da adolescência
à velhice, e de outra a própria velhice”.
Mas por outro lado anotava, na primeira carta, as vantagens da velhice, visitando a sua casa velha e a desmoronarse, apesar dos cuidados, mas ressuscitando-lhe recordações de cada um dos tempos já vividos, concordando em
que “a vida é mais agradável quando já começa a decair mas ainda não chegou à decrepitude, e também quando está a ponto de findar creio que tem os seus prazeres, ou, pelo menos, nessa estação, em lugar de tais prazeres
nos satisfazemos de não necessitar de qualquer deles”.
Este discurso individualista, que tem o corolário de recomendar lonjuras em relação à multidão, não insiste no serviço
aos valores, que por exemplo Vieira, no Sermão da Quarta-Feira da Quaresma, pregado no ano de 1669, subordinou
a este conceito – Quod debuimus facere, fecimus: “quem fez o que devia, devia o que fez: e ninguém espere paga
de pagar o que deve. Se servi, se pelejei, se trabalhei, se venci, fiz o que devia ao rei, fiz o que devia à Pátria, fiz o
que me devia a mim mesmo: e quem se desempenhou de tamanhas dívidas, não há-de esperar outra paga”.
Este gastar do tempo, tão dividido em épocas, foi visivelmente avaliado como um património imaterial legado às
gerações futuras, e a lei evangélica estabelece o mandamento de os filhos honrarem pai e mãe, sem necessidade
de ter explicado o dever de os pais honrarem filho e filha, porque isso não precisa de ser lembrado.
Na cultura africana aprende-se que quando morre um velho, desaparece uma biblioteca, e muitos homens generosos, como Cornelio Nepote, cuidaram de registar as Vidas dos Varões Ilustres, sem que si próprio tenha ficado certeza
do lugar e data do nascimento.
Esta cultura dos maiores, foi a definição estruturante das comunidades, sobretudo ocidentais, até que a mundialização iniciada pelas navegações e descobertas evoluiu, apoiada na ciência e na técnica, para finalmente dar origem ao globalismo do nosso século XXI.
Tal globalismo traduz-se não apenas em erros graves, deslumbramentos de usos e costumes novos que fascinam a
juventude, mas numa interdependência que teve pelo menos três efeitos poderosos no fenómeno da relação das
gerações: primeiro, o avenço da longevidade, a tornar mais complexa a relação entre essas gerações, que hoje já
exibem a categoria de quarta idade; depois, o facto de o avanço da ciência e da técnica exigir cada vez mais
gente altamente qualificada, e menos gente para o desempenho das tarefas; finalmente, esta longa cadeia viva de
gerações, torna progressivamente distintas as concepções do mundo e da vida de cada uma delas, cada uma recordando ou vivendo o seu tempo, com valorações contraditórias entre os que veneram as concepções dos passados já diferentes de cada uma, e frequentemente conflituosas com as concepções de futuro dos mais jovens.
A mistura inevitável, pela coincidência de viveram algum tempo comum, encaminha ao mesmo tempo para um
relativismo que não presta atenção ao facto de não existirem árvores sem raízes, nem futuros sem alicerces, e que,
confrontada com o multiculturalismo em liberdade política soberana, ou circulando livre pelas áreas dos antigos dominadores ocidentais, considera alternativas todas as formas de viver e conviver, transformando a antiga sociedade
civil em multidão.
Uma multidão que, de algum modo visionários, analistas como Michael Hardt e António Negri (Rio de Janeiro, Record, 2005) pensam estar a evoluir para uma “ordem mundial acêntrica”, uma verdadeira democracia que ultrapassa o debate entre o sovietismo e as democracias capitalistas, desenvolvendo entre si o que chamaram Império, uma
tarefa ultrapassada, para agora designar a espécie e anarquia mundial com que finalmente chegamos à brutal cri-
se económica e financeira desta entrada do Milénio, em que consideram o poder concentrado em Estados – Nação
Ricos, corporações multinacionais, supranacionais como a ONU e o FMI, impondo uma falsa democracia que cria
exclusões dos amavelmente chamados Estados em desenvolvimento, mas de facto impedidos de chegar à afluência e consumismo dos poderes que monopolizam a supremacia.
Fixando-nos sobretudo nesta última visão de crise em que nos encontramos, julgo que primeiro devemos sublinhar,
em consequência de muitas das causas antes sumariamente sublinhadas, a urgência de nos fixarmos no Ocidente
que perdeu, em duas guerras mundiais, a supremacia política, e a questão dos valores.
A UNESCO lançou o debate sobre o património imaterial da humanidade, para identificar e salvaguardar os valores,
sobretudo os que se admite serem comuns a todas as áreas culturais. Mas a verificação inquietante neste ocidente,
que recusou a referência às raízes cristãs, quando tentou constitucionalizar a Europa, ficando-se pelo Tratado de Lisboa, aquilo que conseguiu tornar dominante, em todo o espaço ocidental, foi o credo do mercado, a troca do valor
das coisas pelo preço das coisas, transformando a ganância em virtude. O Prof. Diego Gracia Guillén (La Cuestión
del valor, Real Academia de Ciencias Morales y Politicas, Madrid, 2010), descreve muito bem esta mudança quando
escreve: “não deixa de ser surpreendente que tenha sido a cultura ocidental a única que concedeu à eficiência um
lugar tão proeminente, e que além disso o tenha feito em época tão tardia como o século XVIII, em consequência
do auge da teoria económica”. Não deixa de notar que também concorreu para este facto aquilo que chama a
“reacção idealista”, não reconhecendo a articulação entre valores instrumentais e valores intrínsecos. O resultado
visível é que a opção pelo que chama valores instrumentais, afasta os saberes técnicos dos saberes humanistas, e
agrava a contradição das gerações em função do peso relativo dos valores adoptados.
Uma das graves consequências é que o progresso da técnica, exigindo, como dissemos, gente mais qualificada e
menos gente, apressa socialmente o envelhecimento dispensando em idades não avançadas os homens que viverão mais tempo, faz da visão social de idade um fardo financeiro e não produtivo, avança na adopção das conclusões da ciência sobre a vida para desvalorizar a vida, quer no que respeita ao início, que no que respeita ao fim dela. Uma linha média tende para armazenar os velhos em depósitos chamados lares, por abuso da semântica.
A ameaça social contra o envelhecimento anima a indústria da defesa no sentido de manter as aparências da juventude, e de novo, por tal caminho, o valor das coisas é vencido pelo preço das coisas.
Do ponto de vista individual, o efeito mais severo da longevidade é a sobrevivência, é ser o que ainda está vivo, e
não tem já companhias de infância, parceiros da juventude, amigos dos tempos de intervenção ativa na vida do
agregado. Realmente, habitante de um mundo que já não é seu mundo.
É por isso que, sempre que os governos, para responderem ao dever político da integração dos jovens, não deixam
de apelar ao papel integrador das famílias, a pergunta que logo ocorre é pedir a definição de família a que apelam:
à família sacramentada, à civil, à do pedaço do caminho, à de facto, à de nome, ou àquela que parece defrontar
ataques sucessivos em que a solidariedade se baseava na geração sabida e vivida, e não era quebrada pela longevidade dos seus membros?
O que continua a verificar-se é o progresso da afirmação do direito em favor da liberdade do corpo, a utilização das
células estaminais em favor da vida, a morte assistida ou a eutanásia em favor da morte libertadora, tudo confrontos
éticos, e não com a ciência, mas sobretudo, com raras excepções, com o credo do mercado.
Os próprios EUA, que possuem o avanço em praticamente todos os ramos da ciência, recompensados pelos numerosos Prémios Nobel, viveram em conflito interno severo, quando o Presidente George W. Bush decidiu manifestar-se
contro o aborto e não autorizar a morte de embriões, porque, escreveu, sentia a responsabilidade de divulgar as suas convicções pró-vida e de levar o país na direcção daquilo que o Papa João Paulo II chamou uma “cultura de
vida”.
De facto, tanto quando julgo entender, é uma grave questão entre o credo do mercado e os valores, que nesta
época de anarquia, isto é, sem directivas seguras visíveis, se encontra no centro desta problemática em que a narrativa relativista vai ganhando espaço. Por consequência, ao mesmo tempo que a ciência e a técnica precisam de
gente altamente qualificada, mas menos gente, também isso traz o envelhecimento para mais cedo, para a idade
da reforma precoce quando as finanças o consentem, para o desemprego definitivo para os longos anos que a longevidade permite. E também para a crescente distância entre as gerações vivas da mesma linhagem, para a avaliação estatística da circunstância, para a decisão económica dos problemas, para a supremacia da contabilidade
sobre a Declaração dos Deveres do Homem que, já formulada, não consegue a aprovação que teve a dos Direitos
do Homem da ONU.
O multiculturalismo sem ordem, que anda confundido nas ideologias de governo com o cosmopolitismo de outros
tempos, agrava este conflito de valores, prolonga a época de incerteza ética que vivemos para lonjuras temporais
imprevisíveis.
O próprio conceito europeu, devido ao ilustre Delors, que orienta os europeus para uma sociedade da informação, e
do conhecimento, esqueceu-se de acrescentar – e da sabedoria, porque ou regressamos ao predomínio da ética,
dos valores, de um paradigma que sirva de limite às diferenças, entre as culturas diferentes, entre as etnias diferentes,
entre as gerações diferenciadas, ou a situação dos velhos, cada vez mais severamente obrigados a ostentar a situação de ainda novos pelos efeitos dos avanços da técnica, e cada vez mais velhos pelos apoios dos que conseguem
recorrer aos avanços da ciência, mais frequentemente têm de orar à Nossa Senhora da Boa Morte.
Um dos últimos Relatórios do PNUD, Plano das Nações Unidas para o Desenvolvimento, concluía que havia no globalismo mundial 15 milhões de avós a tomar conta dos netos. Os lares para velhos confirmam que a ética exige o recurso à lembrança do imperativo de honrar pai e mãe. Descreve, sem reservas, o apelo à transcendência, exige o regresso aos valores, à salvaguarda do património comum da humanidade, que, entre nós, e no mundialismo que iniciamos, tem os valores cristãos nos alicerces. Trata-se de confrontar o credo do mercado com os valores esquecidos,
de regressar ao vigor das comunidades, à responsabilidade ética intergeracional, ao respeito pela vida, vivida, enriquecida pela experiência, debilitada pela natureza, apoiada na generosidade dos valores se chegar à época temível do isolamento da sobrevivência, porque não envelhece quem envelhece ao nosso lado, no rosto dos seres amados reaparece sempre um sorriso da juventude, nas mãos calosas dos dispensados permanece o calor da amizade.
No isolamento da sobrevivência, que é uma dor terminal, não é a estatística, é então o amor ao próximo que tem o
seu dever.
Foi o Padre António Vieira o conceito de que Deus “fez o homem para a eternidade e não para o tempo”. Mas esta
conclusão da fé, que orienta no sentido de aceitar que o Deus cristão “não é uma divindade da natureza mas sim o
Deus da história, assumindo-se o cristianismo como religião em que Deus se revela no tempo” (P. Calafate), fez da
vida de cada ser uma experiência limitada, um tempo breve que procura articular com um tempo longo das gerações que alongam a recusa dos tempos breves, dos quais disse Santo Agostinho: “se dissera estou aqui, entre a primeira sílaba e a segunda já o estou não seria estou, nem o aqui seria o mesmo lugar, porque como tudo está passando, tudo se teria mudado”.
É por tudo isto que o tema da morte chama à contínua precariedade do tempo breve, porque apenas Deus é o que
é – Ego sum qui sum1, eternamente idêntico a si próprio1.
Mas é a questão do tempo breve, que a graça da fé modela diferentemente da falta dela, que inspira uma atitude
de luta pela perenidade da memória desse tempo breve, no tempo que surge longo na imaginada soma da atenção das gerações futuras às marcas futuras às marcas dos passos dados pelas antecessoras.
Um dos nossos mais notados cronistas, João de Barros, definindo a sua própria missão de cronista, deixou este comentário: “…têm (os homens) tanto amor à conservação do seu próprio ser que quanto lhes é possível trabalham em seu
modo para se fazerem perpétuos”; e depois de salientar que as coisas da natureza se renovam, acrescenta que “as
outras coisas que não são obra da natureza, mas feitos e actos humanos, estes, porque não tinham virtude animada
de gerar outros semelhantes a si, e por a brevidade da vida do homem, acabam em seus autores. Os mesmos homens, por conservar o seu nome em memória deles, buscaram um divino artifício que representasse no futuro o que
eles obravam em presente” (Década I).
A luta para ultrapassar o tempo breve, do qual há consciência com a certeza da morte, recorre a construções nas
quais se destacam as instituições, no sentido rigoroso que lhe deram os juristas: ideias de obra ou de empresa que se
perpetuam e duram apoiadas nas organizações em que os titulares participantes assumem a herança por tradição,
que as fazem durar na articulação dos tempos breves. É o que se passa com as religiões institucionalizadas, com as
universidades, com as academias, e também com as Nações que se organizam politicamente para enfrentarem os
futuros apoiadas na memória do passado.
Forma-se um tecido cultural, de valores, de modelos de comportamento, de memória de exemplos, e da tradição
que se traduz na passagem, de mão em mão, aos que nos sucedem, do património imaterial construído, o qual eles
conservam e dinamizam. De facto, trata-se de compreender e assumir que a vocação da eternidade na terra está
inscrita na cultura, obra dos homens, mas não na vida breve de cada um.
E todavia a narração da história dessas realizações humanas também mostra que estas se organizam por diferenciadas civilizações, as quais igualmente nascem, desenvolvem-se, atingem eventualmente um pico de exuberância, e
depois definham, e finalmente morrem.
O ilustre Toynbee foi um dos autores que nos advertiu desse trajecto que reproduz com maior duração a brevidade
da vida dos fundadores e dos que aceitaram articular a soma das vidas breves até ao limite de um futuro de percurso sempre imprevisível.
Voltando ao Padre António Viera, foi com a famosa História do Futuro, na qual, convicto de que Deus “fez o homem
para a eternidade e não para o tempo”, se ocupa todavia com minúcia da “distinção dos tempos”, entendendo
que, no que respeita às leis da história, “o tempo é a operação de coordenação reversível dos acontecimentos” (Calafate), afirmando, ao tratar das profecias, que no tempo altera a leitura em termos que os antigos não alcançaram, exercendo uma sabedoria que o tempo molda de tal modo que é natural a mudança de pareceres,
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Pedro Calafate, Expressões de temporalidade em António Vieira, in Vieira Escritor (Org. de Margarida Vieira Mendes, et all.) Edições Cosmos, Lisboa
1997
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assim como a prudência é no tempo que encontra a sua raiz. A própria noção de milagre a relaciona com o tempo,
considerando que o milagre existe quando, como Cristo fez multiplicando os pães, é suprimido o tempo necessário à
produção dos factos.
Temos assim que a brevidade do tempo humano, facto que levou Santo Agostinho a afirmar, como recordei, que “se
dissera estou aqui, entre a primeira sílaba e a segunda já o estou não seria estou, nem o aqui seria o mesmo lugar,
porque como tudo está passando, tudo se teria mudado”, faz do tempo de cada homem um valor que se esgota,
sem reposição possível, breve na duração, sempre mais próximo do total esgotamento.
Esta realidade assumida do tempo breve tem como característica inelutável que a reflexão sobre a morte acompanha cada relação entre o estou/estive, como sou/fui, e o aqui/outro lugar, com adesão pela fé na sobrevivência do
espírito no além sem tempo, ou com resignada adesão à natureza efémera da oportunidade de intervir no mundo
sem repetição possível, e ainda assim procurando contribuir para que o tempo breve seja alargado pela soma das
parcelas que são as de cada geração.
Neste ponto nos surge a interrogação sobre qual é a natureza existencial do tempo para cada homem vivo, cada
um desejavelmente consciente de que é um fenómeno que não se repete na história da humanidade. Por um lado
exercendo a tendência, que lhe é natural, para, à medida que a informação, o saber, a experiência, enriquecem o
espírito, tentar racionalizar a sua circunstância com qualificações e estruturações dos tempos em que se envolve, o
seu breve tempo, e o breve tempo dos outros; por outro lado, usando a soma articulada de patrimónios culturais que
nascem, crescem e morrem, agregando marcas das realidades circundantes de cada homem vivo, mais a herança
dos tempos dos judeus, dos gregos, dos romanos, dos bárbaros; aplicando igual metodologia aos tempos da sua experiência de vida, tempos da juventude, tempos da maior idade, tempo da dependência crescente das terceira e
quarta idades; e depois adjectivando os tempos felizes, tempos de incertezas, tempos de dores, tempos de esperanças, tempos de vitórias, tempos de derrotas, tempos de desistência, tempos para esquecer, tempos para lembrar,
tempos de vésperas, tempos de solidão, tempos de amores, tempos de ódios, tempos de perdão.
Mas em todas estas circunstâncias, que rodeiam a vida breve, tomando a circunstância no sentido de Ortega, é
também uma inquietação permanente, com alegria ou ausência dela, o facto de que esse tempo se gasta, se perde, se esgota.
A angústia ou a excitação da longa espera, a dor ou a alegria do milagre da rapidez que surpreende com a dispensa do tempo longo, o filho que deixou de ser menino, o corpo que não reponde aos impulsos da imaginação, da
vontade, ou da vida habitual, tudo corresponde a uma contagem do tempo que passa: uma contagem com instrumentos que levam a súplica da ajuda às estrelas, ou à lentidão da clepsidra, ou à precisão dos relógios, ao serviço
de uma igual exigência de os homens e as instituições terem igual medida do esgotar do tempo da sua circunstância.
Uma regularidade equívoca que ora serve para atribuir uma liberdade inviolada ao uso do tempo breve de cada
um, ora serve a regularidade da submissão à cultura circundante herdada das gerações, ora serve a ideologia imposta pela violência que suprime a liberdade do projecto de gastar a vida.
Talvez aquilo que mede o tempo breve de cada ser vivo, seja diferente de todas as medidas relacionadas com o
tempo da circunstância que o rodeia, e que tem tão variadas origens, sinais, e constrangimentos: talvez esse tempo
seja medido, pelo espirito vigilante, em unidades de vida, de que uma clepsidra interior o vai informando num diálogo com formatos alternados de boa leitura e de falta de transparência.
Mas uma informação constante do tempo feliz, do tempo de dores, do tempo de esperança, do tempo de angústia,
do tempo perdido, do tempo sonhado, mas sempre das unidades de vida que a clepsidra vai contando em ritmo
esgotante das reservas: e sempre em relação com os projectos de vida, numa avaliação de objectivos cumpridos
em tempo bem gasto, ou de luta para estender o tempo, para moderar o dispêndio do tempo, para acelerar o
aproveitamento do tempo, porque as metas estão longe, os riscos não foram eliminados, a mão estendida cai sem
atingir a meta porque o tempo se esgotou.
Esta dialéctica entre as unidades de vida disponíveis, e os projectos de intervenção com esse capital de tempo breve, com a certeza da morte que esgota o tempo, mobiliza o saber e o saber fazer no sentido de ajudar a manter o
ritmo da resposta, entre mais objectivos para que a morte não seja uma desistência antes de ser um ponto final ditado pela circunstância.
Uma circunstância em que progressivamente entra em exercício um tempo tríbulo social; uma parte dos vivos a ler
um passado mais longo do que a perspectiva de mais intervenção; uma parte dos vivos a gerir o presente de todos,
reformulando a circunstância dos outros; uma parte dos vivos animados por um sentimento de futuro urgente, a exigir
que a circunstância tenha uma leitura acolhedora da criatividade pessoal.
Mas é seguramente a evolução da circunstância, caracterizada pela submissão aos sistemas organizados pela ciência e pela técnica, que acrescenta um desafio sem precedentes e alienante à criatividade pessoal, à programação
do dispêndio das unidades de vida, e ao mesmo tempo desenvolvendo as capacidades de intervenção para assegurar o prolongamento da vida até ao ponto incerto de a chama animadora do espírito se apagar, impondo por
vezes passagem pela condição vegetativa até à dissolução, um trajecto no qual a liberdade de renunciar, a piedade alheia de intervir para acelerar o fim, ou a submissão ao mistério da criação, disputam a opção entre directivas
incompatíveis, e que apenas os valores resolvem, e a fé orienta.
Adriano José Alves Moreira licenciou-se em Direito pela Universidade de Lisboa e doutorou-se pela Universidade
Complutense de Madrid e pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP).
Professor emérito do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, destaca-se pelo seu percurso académico e pela
sua ação na qualidade de Ministro do Ultramar durante o Estado Novo. No atual regime democrático, foi também
Presidente do CDS.
Adriano Moreira contribuiu largamente para a reforma do ISCSP e para o início do estudo de ciências como a Sociologia, a Ciência Política, as Relações Internacionais e ciências associadas a estas, como a Estratégia e a Geopolítica.
Desempenha e destacou-se nas funções de Professor no Instituto Superior Naval de Guerra, na Escola de Comando e
Estado-Maior do Exército, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, na Universidade Aberta, na Universidade Católica Portuguesa, bem como Professor Honorário da Universidade de Santa Maria.
Adriano Moreira é também Doutor Honoris Causa pela Universidade Aberta, Universidade da Beira Interior, Universidade de Manaus, Universidade de Brasília, Universidade de São Paulo, Universidade do Rio de Janeiro, Universidade da
Bahía e Universidade Federal de Pernambuco.
É membro da Academia Brasileira de Letras, da Academia Pernambucana de Letras, da Academia Internacional de
Direito e Economia de São Paulo, da Academia Internacional da Cultura Portuguesa, da Academia das Ciências de
Lisboa, da Academia de Marinha, da Academia de Ciências Morales y Políticas de Madrid e da Academia Portuguesa da História.
Presidente honorário da Sociedade de Geografia de Lisboa, preside e fundou a Academia Internacional da Cultura
Portuguesa, preside internacionalmente o Centro Europeu de Informação e Documentação (CEDI), preside o Conselho de Fundadores do Instituto D. João de Castro, preside a assembleia-geral da Associação Portuguesa de Ciência
Política e o Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior (desde 1998).
Adriano Moreira foi diversas vezes distinguido com prémios e condecorações, nomeadamente:
 Prémio Abílio Lopes do Rego, da Academia das Ciências de Lisboa pelo seu estudo O Problema Prisional do
Ultramar em 1953;
 Medalha de Mérito Cultural, a Medalha da Defesa Nacional de 1.ª Classe e a Medalha do Exército de D. Afonso Henriques de 1.ª classe;
 Medalha de Mérito Aeronáutico;
 Medalha de Ouro de Serviços Distintos da Marinha;
 Comendador da Ordem Militar de Cristo (5 de Setembro de 1957);
 Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique (3 de Janeiro de 1961);
 Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo (19 de Dezembro de 1962);
 Royal Victorian Order da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte;
 Grã-Cruz da Ordem de Isabel a Católica de Espanha;
 Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul do Brasil;
 Grã-Cruz da Ordem de São Silvestre Magno da Santa Sé;
 Cavaleiro Grã-Cruz da Ordem de África;
 Comendador da Ordem de Ouissam Alaoui de Marrocos (6 de Fevereiro de 1992);
 Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada (10 de Junho de 1992).
Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas
Universidade de Lisboa
Rua Almerindo Lessa, 1300-663 Lisboa
Portugal
Tel.: (+351) 21 361 94 30
Fax: (+351) 21 361 94 42
A crise demográfica portuguesa, definida por um Índice Sintético de Fecundidade (ISF) decrescente, e que há muito
– i.e., desde o início dos anos 80 do século passado - não viabiliza a renovação de gerações, põe em evidência uma
realidade social que deixou de ser explicável apenas pela teoria da transição demográfica. Com efeito, a mesma
ignição (acontecimentos históricos) e combustível (dinâmicas sociais) vieram a determinar, entre nós, resultados substancialmente distintos de muitos outras sociedades ocidentais. O facto é que em mutas delas se assiste, desde há
algum tempo, a retomas moderadas mas continuadas do número de filhos por mulher, enquanto em Portugal a tendência para o declínio se mantém, ainda que com algumas oscilações.
Entre a comunidade científica que se dedica ao estudo da demografia contemporânea cresce a expectativa sobre
os dados do (novo) Inquérito à Fecundidade – que se esperam para final do corrente ano -, justamente porque as
novas evidências empíricas resultantes desse inquérito poderão reforçar um quadro explicativo, que os dados do
último Inquérito à Fecundidade e Família (de 1997) deixavam antever, a saber: um complexo sistema de atitudes e
valores sociais, com elevada transversalidade na sociedade portuguesa, contribuiu para a diminuição muito significativa do número de nascimentos em Portugal e impede qualquer retoma significativa e durável.
Ora, a questão que se pretende explorar, com recurso a um significativo número de variáveis sociais e físicas
(relacionadas com o habitat), e a uma escala territorial agregada (NUT III), corresponde a pôr em evidência correlações relevantes entre o momentum económico português desfavorável – cujo marcador temporal situamos no início
de 2000 - e o adiamento da reprodução. Todavia, não se perde de vista – com recurso a uma análise de componentes principais - um conjunto de dimensões sociais (morfológicas e de dinâmica social) que justificam um enfoque teórico centrado nas implicações da inexistência de uma política de natalidade multilevel. Este tipo de política, como se
discutirá, teria em conta as dimensões habitacional, económica, profissional, fiscal, sanitária, educativa, de segurança social, cultural, que se entrecruzam e influenciam a decisão de ser mãe e pai no Portugal contemporâneo.
Significa, por conseguinte, que se pretende partir de uma evidência empírica sobre a redução do número de filhos
por mulher, sustentada numa análise estatística multivariada, como expressão de um (falso) livre arbítrio das parelhas
reprodutivas que decorre da ausência de uma política natalista que motive e permita aos casais portugueses em
idade de procriar, fazê-lo. O entendimento de que se trata de um falso livre arbítrio decorre da demonstração dos
constrangimentos sociais que não permitem pensar, em rigor, em vontade do agente segundo o seu próprio desejo e
crenças, pelo que se pode falar de uma natalidade constrangida e insuficiente.
Por último, a análise de conteúdo de alguma legislação e texto político-partidário recente, sobretudo produzido na
última década e meia, parece permitir confirmar a hipótese da descontinuidade entre o discursividade propositiva
da classe política e a realidade social sobre a qual, em princípio, tal discursividade pretende atuar.
Paulo Machado - doutorado em Sociologia do Desenvolvimento e da Mudança Social, pela FCSH |UNL, docente de
Teoria e Análise Demográfica, Prospetiva Demográfica e Políticas Demográficas na licenciatura em Sociologia nesta
Faculdade, colaborando também no mestrado e doutoramento em Ecologia Humana. Colabora, ainda, com outras
instituições universitárias portuguesas, através da participação em formações pós-graduadas. É investigador integrado do CESNOVA, trabalhando maioritariamente no GT3 - Mundos sociais, trajectórias e mobilidades.
Paulo Machado
[email protected]
Resumo: Este trabalho foi elaborado no âmbito da Tese de Mestrado em Gestão e Políticas Públicas, com o mesmo
título, que teve como orientador o Professor Doutor Hermano Carmo e a Coorientação da Professora Doutora Vanessa Cunha.
Se por um lado se torna inadiável uma reforma estrutural dos sistemas de proteção social e do velho Estado Providência, devido ao crescente desequilíbrio entre população ativa e inativa, por outro as projeções colocam alguma expetativa na retoma dos nascimentos.
O problema da baixa fecundidade e a criação de políticas que favoreçam a inversão desta tendência faz parte da
Agenda Política Europeia, não reagir e não adotar uma atitude firme e coesa vai enfraquecer esta capacidade de
adaptação às necessidades futuras.
Desenvolvemos um estudo exploratório junto de jovens universitários e concluiu-se que os jovens pretendem ter filhos
mas consideram crucial que exista suporte de políticas de família e uma alteração à sua precariedade laboral, impeditiva da uma emancipação para a vida adulta. Paralelamente são elencadas as principais políticas públicas que os
jovens consideram fundamentais para que o seu ideal de fecundidade possa ser o mais aproximado possível do por
si esperado.
O problema a ser investigado e objetivos: Observa-se que, ao longo da história, o posicionamento sobre as diferentes
correntes populacionais têm sido demasiado alarmistas no que ao receio do aumento populacional na Europa se
refere e, paralelamente, com uma eficácia menor das políticas ao nível dos países em desenvolvimento, uma vez
que é nesses que continua a registar-se uma elevada fecundidade. No continente europeu constata-se que o desenvolvimento de políticas amigas da família não tem sido acarinhado por todos os Estados, não se tendo conseguido até ao momento uma uniformização de políticas públicas de família. Dado que os jovens são os responsáveis futuros pela fecundidade portuguesa, decidimos que o estudo incidiria sobre o modo como os estudantes universitários
encaram o futuro e a vida familiar.
Quais são os projetos dos jovens em relação à vida familiar e à parentalidade? Como perspetivam o seu futuro próximo? Em que medida consideram que as políticas públicas podem facilitar o processo de transição para a vida adulta? Em que medida o fato de os jovens não pensarem vir a ter o número de filhos que desejam depende das políticas públicas passadas, presentes e “futuras”.
Estado de arte: Observa-se que, ao longo da história, o posicionamento sobre as diferentes correntes populacionais
têm sido demasiado alarmistas no que à Europa se refere e, paralelamente, com uma eficácia menor ao nível dos
países em desenvolvimento, uma vez que é nesses que continua a registar-se uma elevada fecundidade. No continente europeu a situação difere e constata-se que o desenvolvimento de políticas amigas da família não tem sido
acarinhado por todos os Estados, não se tendo conseguido até ao momento uma uniformização de políticas públicas de família.
Na Europa têm vindo a ser privilegiadas as políticas que fomentam a natalidade, uma vez que nestas regiões o Índice Sintético de Fecundidade (ISF) é muito baixo. As medidas natalistas que visam o fomento dos nascimentos podem
traduzir-se por benefícios fiscais, criação de infraestruturas locais de apoio às famílias, apoio à maternidade, concilia-
ção entre a vida familiar e a vida profissional e medidas legislativas nomeadamente na área da saúde sexual e reprodutiva (António, 2002).
Atualmente o continente europeu enfrenta desafios demográficos novos, consubstanciados em alterações que se
têm vindo a fazer sentir ao longo das últimas décadas. “Nas atuais sociedades europeias persistem fenómenos como
sejam o desemprego e exclusão social, as dificuldades de assegurar um crescimento económico regular e um desenvolvimento integrado, o constrangimento fiscal dos cidadãos.” (Mozzicafredo, 1994:11). A par de um conjunto de
“tendências demográficas simultâneas: o número médio de filhos por mulher é 1,5 filhos na UE em 2006, enquanto o
limiar de renovação das gerações é 2,1.
A UE prevê para 2030 uma taxa de 1,6; o declínio da fecundidade (“baby crash”) seguiu-se ao “baby-boom” que
está na origem da grande parte das pessoas dos 45-65 anos na população europeia, o que coloca alguns problemas
em termos de financiamento das reformas; a esperança de vida poderá ainda aumentar 5 anos (...) entre 2006 e
2050, fazendo assim aumentar a proporção de pessoas com idades de 80 e 90 anos, pessoas essas que estão frequentemente em situação de fragilidade (...).” (COM, 2006). Estes desafios são muito diferentes dos sentidos no séc.
XIX e que deram origem à explanação de teorias diversas sobre a população e os limites do seu crescimento, sendo
que as realidades entre os diferentes pontos do mundo são muito diversas.
Políticas públicas de família – a sua relevância, o contexto nacional e europeu
Existe um contexto europeu e nacional de baixa fecundidade que poderá conduzir à alteração da generalidade
dos sistemas de proteção social vigentes, nomeadamente do sistema de segurança social português.
Verifica-se que quando as políticas adotadas pelos Estados são políticas denominadas como amigas da família, as
mesmas se traduzem num aumento dos níveis de fecundidade. Nesse sentido, poder-se-á supor que se as famílias
não realizam este ideal é porque não sentem condições ambientais e societais para tal. O caso da França, da Noruega e da Finlândia são três exemplos de uma fecundidade mais elevada, face à média europeia, que em muito se
sustenta na aposta dos sucessivos governos em políticas favoráveis à natalidade, sem que os pais sintam que essa
opção vai constituir um sacrifício para as suas vidas privadas e profissionais.
Como refere Sullerot “ Ela (família) não é meramente o cenário da reprodução da espécie. É um espaço de cultura e
um veículo da civilização. Porque a família faz parte da esfera privada e da esfera pública. Situa-se no domínio da
esfera privada de cada um, mas é objeto da política pública.” (Sullerot, 1997)
Thevénon, na sua análise a diversas politicas desenvolvidas nos países da OCDE, verificou que o aumento das taxas
de fertilidade registados em alguns países se relacionam diretamente com o aumento de políticas de apoio à família
iniciado anteriormente nos respetivos países. Verificou ainda que Portugal, relativamente ao seu PIB, ainda possui um
montante relativamente baixo de transferências para estas políticas. O investigador apresenta três tipo de instrumentos de políticas de apoio à família: licenças parentais, prestações pecuniárias e os serviços de apoio à infância.
Sobre o papel das políticas públicas, Mendes coloca a questão que muitos de nós fazem: “o Estado deve ou não ter
um papel ativo, através de políticas públicas, na alteração da decisão de fecundidade dos casais e dos indivíduos?!” (Mendes, 2012)
Generalizou-se a noção fundada no Estado Providência, que o Estado efetivamente tem um dever para com os seus
cidadãos, e em especial com as famílias, e que no caso destas a sua fecundidade se relaciona com os maiores ou
menores apoios sentidos para esta decisão. Contudo, atualmente, assiste-se não só a uma redução do número de
filhos como a um adiamento dessa decisão, muito centrada no ideal dos dois filhos. Surge então novo questionamento de Mendes: caso as políticas públicas adotadas a curto prazo fossem amigas da família conseguiríamos repor os
níveis de fecundidade? Num estudo recente foi percebido que as políticas no sentido do aumento do rendimentos
médio das famílias na decisão do primeiro para o segundo filho não tem um impacto significativo, contudo, quando
se trata de decidir pelo terceiro filho esta medida é crucial, e apenas um aumento significativo do rendimento tem
implicação direta na tomada de atitude. Um ambiente amigo da família torna-se decisivo para a tomada de decisão dos casais. (Mendes, 2012)
Não obstante ser verificável que a adoção de medidas políticas que os cidadãos considerem favoráveis à constituição da família desejada impulsionam, ainda que ligeiramente, a fecundidade, certos autores, como Rosa (2012),
consideram que embora não negando esse efeito, os dados de diversos países da Europa serão desanimadores porque não tem existido um regresso à situação em que os casais tinham uma descendência numerosa, ou em que se
ultrapassou o patamar mínimo de 2,1 filhos por mulher. Rosa chega a associar que tal regresso constituiria um retrocesso social, na medida em que “são os progressos sociais e económicos que explicam em larga medida o sucedido,
através da escolarização, da maior participação das mulheres no mercado de trabalho, a maior capacidade técnica de controlar os nascimentos, a urbanização, a terciarização da economia, a perda do valor económico da criança associada ao reforço do papel do estado Social, entre outros”.
No entanto, permite-nos pensar que o ideal é que os casais possam ter o número de filhos que desejam, e é isso que
não está a acontecer, não tanto que se apologize um regresso às famílias numerosas, mas que se obtenham níveis
de fecundidade próximos da renovação das gerações, pois, no que ao nosso país se refere, os estudos realizados
constatam que as pessoas em média desejam ter 2 filhos (INE, 2001; APFN, 2009; Cunha, 2005, 2007). Os níveis de fecundidade em Portugal situavam-se no ano de 2012 em 1,28 filhos por mulher. (PORDATA, 2013)
De acordo com Wall (2002:6), “o termo “políticas de família” refere-se, genericamente, às ações governamentais
dirigidas às famílias, isto é, a tudo o que os governos fazem para regular e apoiar a vida familiar. Trata-se da legislação, das resoluções, dos subsídios e dos programas delineados e concebidos para atingir determinados objetivos
para os indivíduos nos seus papéis familiares, ou para o núcleo familiar no seu conjunto. As políticas de família podem
ser mais ou menos explícitas. Podemos considerar que são “implícitas” quando as ações governamentais são concebidas no interior de outras políticas públicas (por exemplo, no interior de políticas de habitação ou de proteção social) e, sobretudo, quando não se pretende atingir objectivos específicos para a família. Considera-se que são explícitas quando, por um lado, propõem de forma deliberada certos objectivos específicos para a família (por exemplo:
proteger a paternidade, aumentar a redistribuição vertical, promover a natalidade, proteger certo tipo de família
mais vulnerável à pobreza) e, por outro lado, quando se procura institucionalizar a política de família, ou seja, sempre
que se procura criar, no interior dos poderes políticos, organismos ou instituições responsáveis por esta problemática
(uma Direção-eral, uma Secretaria de Estado, uma agência). Por último, é importante não esquecer que a ação do
Estado neste domínio tem três principais instrumentos à sua disposição: o apoio económico, através dos subsídios e
da política fiscal; a regulação jurídica em diversos domínios (relações conjugais, divórcio, relações pais-filhos, conciliação entre vida profissional e vida familiar, adoção, contraceção e aborto, sucessão e transmissão de património,
violência doméstica); e o apoio em serviços e equipamentos, como creches, infantários, centros de dia e lares.”
Será de referir que a lei de bases da família foi apresentada pela 1ª vez como projeto de lei no ano de 1982, sendo
então a família definida como: “a instituição social básica, constituindo o quadro natural de geração e desenvolvimento da vida humana e da convivência e o meio privilegiado de realização pessoal e de integração na sociedade” (DR II série A Nº.32/X/1 2005.07.07) contudo esta Lei nunca foi debatida na Assembleia da República, tendo sido
rejeitada aquando da votação na generalidade, não obstante ser a base de diversas opções a favor da família.
(Neves, 1996:100) Verifica-se que foram apresentadas 15 iniciativas sobre o assunto entre II e a X legislaturas, não tendo nenhuma merecido aprovação da AR.
Ao longo de mais de duas décadas o ISF tem-se situado permanentemente abaixo do nível de nascimentos desejável para a renovação das gerações, não obstante analisando os Programas apresentados pelos diferentes GC que
têm sido responsáveis pela governação o desejo de definição de medidas relacionadas com a família ser uma constante.
A família está sempre presente no discurso político mas é sugerido que as políticas desenvolvidas não são vigorosas,
nem prolongadas no tempo, e que algumas não chegam sequer a ser implementas ou são de baixa implementação, como seja o caso mais recente do Governo atual sobre a necessidade de um Visto Familiar para cada medida
que tenha impacto nas famílias, ou a Conta Poupança-Futuro do XVIII GC. Paralelamente denota-se que o estado
tende a intervir de forma específica para determinadas famílias, sobretudo as que estão mais fragilizadas socialmente.
De qualquer modo, contrapondo com as políticas emanadas pelos governos dos anos 80, as políticas mais recentes
apresentam novidade quanto às preocupações na igualdade de género, na conciliação entre família e trabalho, no
reconhecimento da violência doméstica como um crime público, na criação de centros de apoio à grávida, no alargamento da rede de equipamentos sócio educativos e na instituição de apoios pecuniários aos mais desfavorecidos,
como seja o RSI entre outros, não podendo deixar de referir o alargamento das licenças de maternidade em tempo
e as licenças a ser gozadas pelos progenitores.
A família é e continuará a ser um tema de debate político pela baixa fecundidade, a par de um envelhecimento
que apela a uma solidariedade intergeracional, pelas alterações que se têm vindo a impor ao nível da segurança
social e esquemas de proteção, incluindo as reformas, e pelas questões associadas aos jovens, filhos dessas famílias,
associadas à sua formação e ao seu futuro, tal como na transversalidade na área da saúde.
Como refere Rosa a Lei de Bases da Segurança Social, aprovada no ano de 1984, vem materializar o preconizado
pela Constituição da República Portuguesa no que refere à incumbência do Estado em “organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social”, sistema este baseado na solidariedade intergeracional (artº 14º), uma vez
que são as gerações no ativo que garantem as reformas daqueles que se encontram na reforma, no sentido em que
quando estas gerações atingirem elas próprias a idade de reforma, aqueles que forem os ativos também irão contribuir para as suas próprias reformas.
Esta solidariedade é baseada no pressuposto de que existe um equilíbrio entre o número dos que se encontram no
ativo e aqueles que já passaram à idade de reforma, no entanto, este pressuposto começa a ficar comprometido
em Portugal na década de 80, do séc. XX, dado o envelhecimento demográfico da sociedade portuguesa dada a
não renovação das gerações.
O modelo de proteção social vigente tem que ser repensado à luz da atual realidade em que os modelos de fecundidade apontam para um número de filhos muito inferior aos 2,1 filhos por mulher que seriam necessários.
Jovens Universitários e transição para a Vida Adulta: O Futuro em Perspetiva
Assistimos a diferentes mudanças na vida dos jovens pelo prolongamento que esta fase da vida tem atualmente. Os
desejos de independência e de uma vida autónoma contrastam com um percurso escolar longo, sobretudo no caso
dos jovens universitários, o qual por si próprio deixou de ser um garante para a tão desejada emancipação. A casa
dos pais é atualmente um ponto de partida e de estabilidade, até que se considerem reunidas as condições para
uma mudança para residência autónoma, mas também passou a ser vulgar que a casa dos pais se torne em pontos
de chegada devido à precaridade sócio-profissional vivida, que por vezes ocasiona esse retorno.
Esta precaridade inviabiliza projetos. “Esta impossibilidade prospetiva resulta, muitas vezes, de um olhar reflexivo sobre
a realidade, isto é, na problematização da viabilidade desse exercício num contexto cada vez mais marcado pela
incerteza.” (Alves, Cantante e Carmo, 2011)
As sociedades industriais habituaram-nos a um conjunto de etapas integrantes da nossa vida em que após o período
formativo, seguia-se a integração profissional, previsivelmente na área de formação, e com esta a autonomia parental e financeira, proporcionando a aquisição de uma habitação e a constituição de família própria, com descendência assegurada. Este legado fordista tinha como princípio que o indivíduo passava de cidadão beneficiário a cidadão contribuinte e posteriormente, de novo a cidadão beneficiário. Contudo, atualmente, esta ordenação sequencial e previsível da vida não ocorre desta forma, “conferindo uma crescente imprevisibilidade ao processo de transição para a vida adulta”. (Alves et all, 2011)
Guerreiro e Abrantes (2007) referem que a entrada na vida ativa constitui uma etapa decisiva no processo de transição para a vida adulta, a partir do qual é possível perspetivar a saída de casa dos pais, o casamento ou a parentalidade, facto que assume um peso maior em países como Portugal em que “os apoios estatais à transição são reduzidos”. 1
“As sociedades contemporâneas são caracterizadas por uma diversificação dos modos de vida privada. Em vez de
passarem simplesmente da família de origem para a nova família constituída, cada vez mais indivíduos vivem uma
sucessão de configurações temporárias e imprevisíveis, sobretudo no período de transição para a vida adulta. Viver
sozinho ou em coabitação e ter filhos fora do casamento tornam-se, assim, práticas frequentes em toda a Europa” (Galland, 1995b; Prinz, 1995; Furlong e Cartmel, 1997, in Guerreiro e Abrantes (2007).
De acordo com dados do European Social Survey, um projeto de investigação bienal que em Portugal é coordenado por Manuel Villaverde Cabral, com base no inquérito aplicado no ano de 2002, relativamente à caracterização
do tamanho médio das famílias e à sua estrutura familiar veio a verificar-se que na Europa, relativamente ao total de
pessoas que residem sozinhas, é nos países escandinavos que se evidencia a autonomização precoce destes jovens
face aos restantes, razão atribuída a fatores culturais, económicos e associados a apoios sociais para o efeito,
“sustentada por sistemas de bolsas de estudo, rendimento mínimo, subsídios de procura de emprego e outros, que se
baseiam na suposição de que atingidos os 18 anos, os filhos já não devem depender economicamente dos pais (…)
(Saracemo & Naldini, 2003). E mais uma vez é mencionado que de acordo com os dados do Eurostat para o ano
2000, não obstante os países escandinavos possuírem agregados familiares de dimensões mais reduzidas, é nestes
Estados que o índice sintético de fecundidade é mais elevado. Assim depreende-se que os agregados familiares são
de dimensão mais reduzida não pela baixa fecundidade mas por uma autonomização mais precoce dos filhos jovens adultos da casa dos pais, relacionada com aspetos culturais.
Em Portugal este tipo de independência não é verificável, aliás à semelhança dos restantes países da Europa do sul,
onde os índices de fecundidade são mais baixos, contudo, a entrada na vida ativa é mais precoce para os jovens
portugueses. Aboim menciona que “É sem dúvida, entre as camadas mais jovens da população que estas mudanças, muito aceleradas nos últimos dez anos, possuem mais notoriedade, apontando para novas formas, mais tardias
e desinstitucionalizadas, de iniciar e viver a vida familiar. (...) as novas formas de entrar na conjugalidade – ainda uma
condição de grande importância para a conquista da dita independência face à casa paterna – e na parentalidade revelam tendências claras e irrevogáveis de transformação nos modelos familiares” (Aboim, 2011)
A transição dos jovens para a vida adulta, ao realizar-se tardiamente, e perante uma dependência económica face
aos seus progenitores/educadores que se prolonga, veio tornar possível e aceitável a antecipação de comportamentos que noutras épocas só eram admissíveis em idades mais maduras e com situações de autonomia, como o
viver em casal ou ter práticas sexuais (Saraceno &Naldini, 2003).
O inquérito relativo à "Mobilidade Profissional e à Internacionalização do Emprego Jovem" realizado pelas associações de estudantes e apresentado pela Federação Académica do Porto, a 14 de Agosto último, conclui que 69 %
dos universitários inquiridos possui intenção de emigrar após concluírem os seus ciclos de estudos, motivados pelo desejo de encontrar melhores condições laborais. Os universitários inquiridos justificam a crise financeira, bem como os
ajustamentos orçamentais a que o país tem estado sujeito, como razões para a sua opção, reconhecendo no entanto que a mesma não se afigura fácil pela escassez de informação sobre os diferentes estados membros e respetivas
condições de acesso.
_________________________
1
Brannen e Smithson, 1998
Os emigrantes portugueses da década de 60 eram pessoas jovens mas menos qualificadas, sem conhecimentos da
língua, nem do país para onde emigravam, com uma forte ligação a Portugal, onde mantinham o seu investimento
afetivo e familiar, conseguinte que se traduzia no envio regular de remessas para o nosso país.
Atualmente os jovens que vão para fora fazem-no em condições consideravelmente distintas: dominam a língua estrangeira, nomeadamente o inglês, são qualificados e com um elevado nível de facilidade de integração. A acrescer fazem-no geralmente numa fase da vida em que não possuem vínculos conjugais, e por isso anterior à constituição de família, sendo que a probabilidade desses laços se virem a estabelecer no país de acolhimento é muito forte,
o que diminuirá em grande medida as probabilidades destes jovens regressarem a Portugal, bem como, de que façam remessas e investimentos no nosso país.
Nesta perspetiva, o desemprego dos jovens de hoje tem que ser observado com muita preocupação e acuidade,
sob pena de o nosso país perder os jovens e com eles a sua capacidade de investigação, desenvolvimento e inovação (IDI) que é fundamental para que as economias sejam competitivas, e que se torna central face aos “desafios
que se colocam ao nosso País na transição para uma economia baseada no conhecimento”, de acordo com o discurso proferido por Sua Excelência o Presidente da República, em 2010, na sua Intervenção no 4º Encontro Nacional
Inovação promovido pela COTEC Portugal - Associação Empresarial para a Inovação.
De acordo com o relatório da OCDE de 2007 os jovens universitários portugueses são mais afetados pelo desemprego
de longa duração do que a média dos universitários desempregados nos restantes 29 países da OCDE. Os jovens desempregados que não completaram o ensino secundário, segundo o relatório "Education at a Glance", também enfrentam a mesma dificuldade na colocação profissional.
Este é o cenário que enquadra os jovens da atualidade em movimentações de forte significado político e social, às
quais a juventude portuguesa não ficou indiferente, sobretudo e de forma determinante no ano de 2011. “A característica dominante que os une (...) é a mobilização e a manifestação de massas com vista à denúncia e ao protesto
contra as grandes dificuldades que neste momento afetam uma parcela muito significativa dos jovens por todo o
globo”. (Alves et all, 2011)
Concretamente em Portugal estas manifestações concretizaram-se com a manifestação pública ocorrida a 12 de
março de 2011, por via do repto espontâneo lançado nas redes sociais por um grupo de quatro amigos para o Protesto da Geração à Rasca (anexo nº 7), e que teve a adesão de todo o país. A 15 de Abril de 2011 os quatro mentores comunicam a criação de um coletivo informal, sob o nome “Movimento 12 de Março – M12M”, tendo sido adotado como hino do movimento o tema musical “Que parva que sou”. 2
Os protagonistas deste movimento foram “os jovens trabalhadores licenciados”, pois o seu enquadramento profissional pouco se relaciona com a sua formação académica, a relação contratual é instável e as expetativas iniciais são
frustradas por este conjunto de situações que os impedem de planear outras etapas do curso de vida (Pinto, 2011)
como sejam a autonomização financeira, a vida independente dos pais em termos habitacionais, a constituição do
seu próprio agregado familiar e da sua própria descendência.
Metodologia de investigação e sustentação empírica: Optou-se por uma amostra não probabilística, uma vez que o
universo selecionado foi de acordo com um conjunto de critérios previamente definidos pela autora do estudo, tendo em conta o tipo de população que se pretendia inquirir e sobre a qual se pretendia intencionalmente auscultar a
sua posição (Carmo & Ferreira, 1998).
Neste sentido, dada a especificidade do tema a tratar e das questões formuladas a que se pretendia dar resposta,
considerou-se que uma amostra probabilística não serviria os objetivos propostos. Tratando-se de um estudo exploratório, existiu a decisão de uma amostragem de conveniência que nos permitisse avaliar a relevância do problema.
A investigação foi realizada através de um e-Inquérito construído com base nos objetivos que se pretendiam atingir
com o seu desenvolvimento, constituído sobretudo por questões fechadas, incluindo escalas de Likert de concordância com as afirmação propostas ou categorizadas por grau de importância. O recurso às questões fechadas foi uma
opção pelo interesse em categorizar respostas, facilitar o preenchimento e posteriormente a análise de resultados,
uma vez que permite estabelecer correlações que se podem tornar de extremo interesse e fundamentais.
A aplicação do inquérito foi efetuada com a funcionalidade “Google Docs”, que permitiu criar um inquérito online e
em simultâneo partilhá-lo com os inquiridos, sendo a sua resposta realizada em exclusivo por correio eletrónico e registada em tempo real, de forma automática, numa base de dados do programa Excel. Posteriormente a base de
dados obtida foi transferida para o SPSS e analisada, programa adaptado à investigação em ciências humanas e
_________________________
“O tema musical identifica diversos problemas sentidos e vividos pelas gerações mais jovens em Portugal e um pouco por todo o mundo: as circunstâncias económicas que dificultam a integração laboral e a substituem, por vezes, por uma sucessão de estágios não remunerados (…); a impossibilidade de autonomização pessoal pela permanência em casa dos pais e o sucessivo adiamento da geração de filhos; a constatação do conformismo
das vítimas com esta situação que já dura há tempo de mais, constituindo um verdadeiro incitamento à revolta” (Alves et all, 2011:2)
2
sociais.
O Inquérito foi composto por 50 questões, e foi estruturado em seis partes:
I - Caracterização Pessoal (Q1 a Q14)
II - Caracterização da Família de Origem e da Família Atual (Q15 a Q25)
III - Opinião sobre conjugalidade e ter filhos (Q26 a Q38)
IV - Políticas Públicas de Apoio à Família (Q39 a Q45)
V - Opções Religiosas e Politicas (Q46 a Q48)
VI - Perspetivas profissionais a curto/médio prazo (Q49 a Q50)
Refira-se que as partes I e II correspondem a variáveis de caracterização e que as partes III a VI se referem a variáveis
de estudo.
Fundamentação da escolha do Universo: A escolha por alunos a frequentarem o ensino superior baseou-se em diferentes premissas:
1. a noção de que os jovens mais escolarizados são os que eventualmente se encontram em melhores condições
de tomada de decisão face ao futuro;
2. as mulheres mais escolarizadas são as que possuem um ideal de descendências mais numerosas “são, precisamente, as mulheres mais escolarizadas que idealizam, com mais frequência, descendências numerosas, de 3 e
mais filhos” (Bassand & Kellerhals, 1975; Kellerhals et al., 1982 in Cunha, 2007:157);
3. ao invés das mulheres que de uma forma geral não tiveram qualquer tipo de vínculo laboral ao longo da sua
vida e que perante a pergunta sobre os filhos que iriam ter, eram as que não pretendiam ou não sabiam se
viriam a pretender ter filhos, o que vem contradizer a ideia que geralmente associa a atividade profissional das
mulheres ao desejo de não querer ter uma descendência.
4. o futuro das sociedades está dependente dos jovens autónomos, independentes e com potencial para gerar
riqueza e inovação, não dependentes de transferências sociais (na perspetiva que os seus estudos, constituem
uma mais-valia para acesso ao emprego, pelo que nos interessava a sua perceção sobre o que pensavam do
seu futuro;
5. quando estes jovens universitários entrarem no mundo do trabalho, existindo a perceção de que trabalham
muitas horas, e por vezes perante uma fraca remuneração, que expetativas possuem face a uma descendência, sabendo-se que os casais ocupam profissões a tempo inteiro e, em paralelo continuamos com uma rede
pública de guarda de crianças muito deficitária
O universo da nossa investigação foram os 2491 alunos a frequentarem o 1º e o 2º ciclo no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, no ano letivo de 2011/2012, entre os 17 e os 30 anos, residentes em Portugal e que possuissem
endereço eletrónico
Discussão de resultados:
Caracterização da família de origem, da condição individual e das práticas ideais ou esperadas na conjugalidade e
no futuro profissional
A maioria das mães dos nossos respondentes teve 2 filhos. Estas mães, na generalidade, possuem como habilitação
literária o ensino preparatório e secundário. Verifica-se que o peso dos filhos únicos já é expressivo para esta geração
(25%).
Em média estas mulheres tiveram 2,13 filhos, valor que garantia a reposição das gerações. À questão sobre se a mãe
havia tido filhos não biológicos a resposta foi “não” em todos os respondentes.
Dos respondentes, 60% encontram-se a residir com os pais e 18% em casa própria, sua ou do cônjuge/companheiro.
Em 13% dos casos os jovens estão alojados em quarto ou parte de casa e apenas 2% em residência universitária. A
situação de residência não demostra diferenças significativas relativamente aos sexos.
No tocante ao “quem deve contribuir para as despesas de casa”, 92% dos jovens consideram que devem ser assumi-
das em igualdade de circunstância por homens e mulheres. 16% dos homens consideram que o contributo masculino
deve ser superior.
Em termos ideias, 91% dos respondentes consideram que a ocupação profissional deve ser exercida por ambos na
mesma medida, e 9% que deve ser o homem. Nesta resposta nenhum respondente considerou que a ocupação profissional devesse ser desenvolvida maioritariamente pelas mulheres.
Verifica-se que existe a noção, por 48% (122%) dos respondentes, que a dedicação em tempo à família é desenvolvida por ambos os sexos. No entanto, 49% (125) dos inquiridos consideram que esta é uma atividade mais assumida
pela mulher. O valor dos homens que dedicam mais tempo à família foi considerado residual (3%).
Em relação às intenções de empregabilidade ou de continuação de formação académica após a conclusão deste
ciclo de estudos (licenciatura ou bacharelato), 28% (80) dos respondestes pretendem arranjar rapidamente trabalho
na sua área de formação, 22% (63) tencionam fazê-lo ainda que numa área que não corresponda à da sua formação e 28% (79) pensam prosseguir os estudos.
Contudo, perante a pergunta sobre a facilidade com que consideram vir a encontrar emprego na sua área de formação, a expetativa de empregabilidade é baixa: 80% dos inquiridos consideram ser difícil ou muito difícil.
As mais recentes estatísticas do emprego publicadas pelo INE destacam que no segundo trimestre deste ano (2012)
existiam 949 mil trabalhadores empregados com um curso superior completo, o que corresponde a 20% da população empregada. Tal significa que 1 em cada 5 trabalhadores possui uma licenciatura, situação que recuando até
ao ano de 1998 nunca se havia verificado, ano em que os trabalhadores licenciados eram apenas 9% da população
empregada. Este facto associa-se a uma escolaridade que tem vindo a aumentar progressivamente ao nível da população portuguesa, sendo que o desemprego começa a afetar mais a população menos diferenciada, motivo pelo qual as pessoas mais atingidas pelo desemprego possuírem apenas o ensino básico (522 mil). O desemprego total
situou-se em 15%, e de entre os licenciados a taxa é muito inferior à média (10%), o que corresponde a cerca de 108
mil licenciados (menos de um sétimo face ao total de desempregados).
Opinião sobre conjugalidade e ter filhos
Em termos de modelo ideal de relação conjugal 44% (124) respondentes optam pelo casamento, tanto civil como
religioso. No inquérito "Jovens portugueses" esta propensão também tinha sido assinalada. Contudo refira-se a projeção das uniões de facto, com 33% (93) das opções, enquanto dimensão não matrimonializada da família, sendo que
a própria Constituição da República Portuguesa “revaloriza o lado afetivo do casamento em desfavor da sua componente institucional” (Duarte, 1994).
Ainda existem 9% (24) dos jovens que respondem não possuir uma certeza do seu modelo ideal e um número residual
que idealiza as relações afetivas sem coabitação.
A grande maioria dos jovens associa as relações sexuais à existência de amor (160), no entanto, 94 dos inquiridos
também lhes encontram sentido ainda que sem estarem associadas a esse sentimento. Não obstante Vasconcelos
(1998) assinalar que os jovens portugueses vivem a sexualidade como livre para a experimentação, os nossos inquiridos não dissociam a relação sexual da necessidade de existência de amor.
Na questão sobre o entendimento do papel que a família possui na vida dos jovens, a maioria respondeu que se trata “de um grupo de pessoas que se ajuda em todas as circunstâncias” (124), seguida do sentimento de que “são as
nossas raízes” (66). 34 alunos identificam a família como “indispensável para a sua segurança afetiva”.
Filhos desejados
Quanto ao número de filhos que gostariam de ter caso vivessem numa sociedade em que fosse possível assumir essa
vontade sem constrangimentos de qualquer espécie (ideal abstrato) apenas 4% (11) referiram que não idealizam ter
filhos. Dos estudantes que referiram um número de filhos desejados (onde se incluem os já nascidos) a opção pelos 2
filhos é declarada por 36% (96), seguida de 33% (89) que mencionam a opção de 3 filhos, “sendo que o ideal abstracto oscila entre dois e três filhos” na sociedade portuguesa (Cunha, 2007) e 13% (36) que referem que gostariam
de ter 4 filhos. Existem 2% dos alunos que referem não saber quantos filhos desejam e 2% que nunca pensaram no
assunto. 3
Os estudantes que desejam ter filhos indicam, em média, um ideal de 2,83 filhos. Contudo, se acrescentarmos os que
referiram que não desejam ter filhos, temos uma média de 2,65, o que é em muito superior ao Indíce Sintético de Fecundidade (ISF) da sociedade portuguesa (1,3), valor que não permite a renovação das gerações.
Será igualmente interessante destacar que, no Inquérito à Família e Fecundidade (IFF, 2001), os respondentes referiram em média o desejo de 2,1 filhos em todos os grupos etários, pelo que se conclui que os jovens da nossa amostra,
tal como os indivíduos com habilitações superiores em geral, possuem ideais de descendência mais numerosos
(Cunha, 2007), uma vez que o IFF foi aplicado a diferentes grupos de indivíduos e por conseguinte detentores de diferentes níveis escolares.
Em relação a homens e mulheres verifica-se que as mulheres se concentram no ideal dos dois filhos, e dispersam mais
o seu desejo por fratrias mais alargadas, e os homens estão mais concentrados no ideal dos três filhos.
Filhos esperados
Perante a pergunta sobre o número de filhos que efetivamente estes jovens pensam vir a ter, verifica-se que os valores diminuem drasticamente. Os que consideram não vir a ter filhos passam de 11 a 23 (10%), e passamos a observar
o modelo de 2 filhos, tanto para homens como para mulheres, o que corresponde a uma média de 1,57 filhos. Estes
dados fazem transparecer que existe uma elevada discrepância entre os desejos de parentalidade e aquelas que se
consideram ser as possibilidades para efetivar esse mesmo desejo. Paralelamente verifica-se que quando os respondentes pensam em termos concretos, as fratrias julgadas possíveis não ultrapassam os 5 filhos, e quando estão a responder ao nível de ideal existem referências até 10 filhos.
Existem 3% dos jovens que não respondem, e 13% que não sabem ou nunca pensaram no assunto.
Destaca-se a diferença entre o que é idealizado socialmente (primeira pergunta) e o que é perspectivado em termos pessoais (segunda pergunta). Situação que tem vindo a ser sistematicamente apurada nos diversos inquéritos
que têm sido aplicados sobre fecundidade (IFF1997, Sondagem APFN, 2009).
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Por curiosidade, comparámos as descendências das mães destes jovens e os ideais que eles acalentam. Das mães que tiveram 1 filho (72), apenas 12
alunos desejam ter esse mesmo número de filhos. A coincidência dos 2 filhos é comum a mãe e filhos, contudo os filhos têm uma opção mais baixa, 96
alunos deseja 2 filhos e foram 140 as mães que tiveram esse número. No entanto, uma fratria de 3 filhos é desejada por 89 est udantes, sendo que as
mães que fizeram essa opção foram 50.
1
Idade ao nascimento dos filhos: ideal e esperada
Verificamos que a idade desejada para ter o primeiro/próximo filho são os 28 anos, seguida dos 30 anos. No entanto,
em termos concretos também se verifica de novo um desfasamento entre o ideal e a prática, passando os 30 anos a
ser indicados em 24% das respostas, tanto para homens como mulheres.
Filhos: importância, motivos
Seguem-se um conjunto de questões sobre as implicações de ter filhos.
Perante um conjunto de afirmações que variavam entre a importância que os filhos podem ter e as dificuldades que
podem acarretar foi solicitado aos jovens que aferissem o seu grau de concordância com as mesmas.
Assim, a afirmação que revela um elevado grau de concordância para ambos os sexos é a que aponta para o sentido de responsabilidade/maturidade (90,3% e 91,8%) que advém do facto de se ter filhos. No que concerne àquela
que demonstra uma maior importância dada pelo sexo feminino, é a de que ter filhos implica grandes custos, sobretudo quando crescem, ocupando 93,2% de concordância das inquiridas e 88,7% dentro do sexo masculino. Pode-se
ainda constatar que ser feliz, não tendo filhos, é a resposta que tem um menor grau de concordância para ambos os
sexos.
Igual procedimento foi adotado para aferir a importância atribuída pelos respondentes, por sexo, relativamente
àquelas que eles entendiam como mais determinantes para o facto de os casais atuais possuírem menos filhos do
que no passado.
Da análise conclui-se que homens e mulheres estão de acordo que a generalização do trabalho feminino, o desejo
de independência e promoção pessoal, o receio do futuro, o facto de homens e mulheres terem filhos cada vez mais
tarde, as exigências da vida profissional e a dependência económica. Estes são os motivos que pensam determinar a
quebra da fecundidade.
Paralelamente, são mais as mulheres que evocam como fatores marcantes o prolongamento dos estudos, os insuficientes apoios do Estado, a dificuldade em possuírem casa própria, a contraceção, o permitir uma maior qualidade de
vida, os encargos com a educação e a infertilidade.
Os homens referem mais a falta de apoios familiares, ainda que com pouca diferença das mulheres, qua a sociedade é melhor para menos filhos e que homens e mulheres não querem ter tantos filhos.
As variáveis relativas a que uma família menor seja melhor para os filhos, e a que associa o menor número de nascimentos a preocupações com excesso populacional e questões ambientais, não obteve grande concordância por
parte dos respondentes.
Políticas Públicas de Apoio à Família
Solução de guarda das crianças pequenas
Passando à melhor solução para conciliação trabalho/filhos, aquela que revela ser a melhor para ambos os sexos
será as crianças até aos 3 anos de idade contarem com a guarda dos avós ou outros familiares (que não os pais).
Esta resposta atinge 37% de concordância. A ideia de as crianças ficarem à guarda de uma ama, revela ser a resposta onde igualmente, rapazes e raparigas concordam que será a pior solução, tendo sido referida por apenas 3%
dos estudantes.
Será ainda de referir, que poucas são as regiões de Portugal que possuem um serviço de amas licenciado pelo ISS,
pelo que a maioria das existentes não se encontram licenciadas, nomeadamente pela falta de legislação no setor e
ainda pelas condições exigidas na habitação que se prestaria para o funcionamento da atividade. No que respeita
à guarda institucional, a creche é a resposta considerada mais adequada, referida por 35% (100) dos respondentes.
A opção de um dos pais deixar de trabalhar, optarem por teletrabalho ou por part-time não parece ser a solução
que os respondentes idealizam, transparecendo que não pretendem abdicar da sua profissão em detrimento da
guarda aos filhos, pretendendo confiar essa missão a familiares (avós ou outros) ou equipamentos educativos.
Políticas amigas das famílias que podem influenciar a fecundidade
Dos inquiridos, 60% referem desconhecer as medidas políticas de família adotadas pelos Governos da República. Verificamos, assim, que os inquiridos não conhecem medidas políticas que são adotadas pelos Governos de forma a
tornar mais fácil as pessoas cuidarem e criarem os seus filhos, podendo inferir-se que as políticas de família assumidas
pelo Governos têm sido tímidas, ao ponto de não serem reconhecidas pelos eventuais interessados, que até desconhecem a sua existência.
Observa-se que os jovens estão em crer na importância do papel das políticas públicas para apoiar o cuidar e o criar
os seus filhos. Em nenhuma questão as respostas a favor, são abaixo dos 50%, o que podemos verificar que a maioria
dos alunos defende que seria mais fácil educar os filhos, num ambiente em que estas medidas existissem. A resposta
em que se verifica uma maior concordância, é em relação à educação, em que quase 97% do sexo feminino e 93%
do sexo masculino defendem que se devia melhorar as condições e acessos a creches e jardins de infância públicos.
Em contrário, a atribuição de uma pensão/subsídio a pais/mães que não se podem empregar porque querem cuidar
dos filhos enquanto são pequenos, é a alínea em que há menor concordância tanto pelo sexo masculino (51,7%)
como pelo feminino (60,4%).
A dedicação ao trabalho profissional é marcadamente assumida por ambos na mesma medida (39%), existindo uma
diferença residual de 1% a favor dessa ocupação corresponder mais ao homem (40%).
Conclusões:
Os jovens portugueses possuem características tardias de emancipação quanto à saída de casa dos pais semelhantes aos países do sul da Europa, porque tanto cultural como socialmente não são criadas as condições necessárias a
essa autonomização. Quanto ao emprego refira-se que os jovens universitários portugueses, comparativamente a
outros jovens da europa, são os mais afetados pelo desemprego de longa duração.
A juventude portuguesa da atualidade tem dinamizado e integrado movimentos de protesto, fazendo ouvir a sua
voz. A falta de ocupação profissional e a insatisfação pessoal têm sido responsáveis pelo desejo de procura de emprego noutros Estados, sendo que esta saída destes jovens compromete ainda mais a renovação das gerações no
nosso país, bem como a capacidade de investigação e inovação, fundamentais para a competitividade da nossa
economia. Importa que as políticas públicas observem o fenómeno com a acuidade que se impõe.
Verificámos que a maioria dos jovens inquiridos querem ser pais e não acreditam na felicidade sem filhos. Estes jovens
indicaram projetos de parentalidade que traduzem um ISF mais elevado do que os que têm sido observados nas últimas três décadas no nosso país.
No entanto, quando relacionamos os seus ideais com as PPF que podem ser facilitadoras do cumprimento dos mesmos, os jovens referem a necessidade de existirem instrumentos de conciliação trabalho-família, e consta-se que os
seus desejos dependem dessas políticas efetivas de apoio.
Segundo estes jovens, dos motivos importantes para hoje em dia as famílias terem menos filhos destacam-se: os custos associados à sua educação e crescimento, os insuficientes apoios do Estado, a dificuldade em possuírem casa
própria e as limitações na qualidade de vida daí decorrentes.
Em termos de Políticas Públicas de Família (PPF), a existência de equipamentos educativos, como a creches e o jardim-de-infância, são considerados de importância extrema. Trata-se de uma solução de guarda tão valorizada como deixar ao cuidado dos avós. Importa frisar que os pais ficarem em casa com a criança pequena não é o ideal
destes jovens, revelando que não querem prescindir de uma vida profissional ativa.
Da análise das intervenções dos GC (X-XIX) é notório que o tema da família está presente nos seus programas e
agendas, se bem que de forma pouca efetiva e muitas vezes sem continuidade de medidas intergovernamentais. É
comum as medidas iniciadas num Governo serem banidas quando outro executivo toma posse. Talvez por isso grande parte dos jovens afirme desconhecer as PPF.
Mas quando questionados sobre políticas amigas das famílias em concreto, os jovens valorizam: a redução de impostos; o acesso a uma rede pública de equipamentos (rede essa que continua a não assegurar as coberturas regionais
definidas pelas metas de Barcelona); a atribuição de subsídios/pensões para o exercício dos cuidados aos filhos; o
aumento dos valores dos abonos (que neste momento encontram-se suspensos para grande parte das crianças); a
criação de atividades de tempos livres; a adoção de maior flexibilidade nos horários de trabalho; a redução dos custos da habitação e o desenvolvimento de apoios para a autonomia residencial dos jovens; e o aumento das licenças
de maternidade e paternidade.
Conclui-se, então, que uma ligeira retoma dos nascimentos poderá ser uma realidade caso os Estados optem por
desenvolver uma intervenção integrada nesta matéria. Como foi referido no presente trabalho, outros Estados Europeus conseguiram trilhar esses caminhos e manter níveis de fecundidade mais elevados.
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Alexandra Manuela de Sousa Alvarez dos Santos Alexandre - Técnica de Serviço Social, concluiu o mestrado em Gestão e Políticas Públicas no ano de 2012, possuindo Titulação Profissional/ Creditação como Terapeuta Familiar e Interventora Sistémica e Membro Efectivo da Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar desde o ano de 2003.
Atualmente desenvolve funções Administração Regional de Saúde do Algarve, sendo coordenadora do Núcleo para
o Envelhecimento Ativo desta entidade.
Diploma de Especialização em Gestão Pública, com a frequência do Curso de Alta Direção em Administração Pública no ano de 2011.
Membro Fundador e Coordenador da Unidade de Terapia Familiar da Administração Regional de Saúde do Algarve,
criada no ano de 2007.
Membro Efetivo da Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar.
Membro do Observatório das Autarquias Familiarmente Responsáveis.
Formadora com especialização em Igualdade de Género.
Vogal da Direcção da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas entre Março de 2007 e Março de 2012.
Hermano Carmo - Concluiu o Curso de Administração Ultramarina (1970), a Licenciatura em Ciências Sociais e Políticas (1974) e o Mestrado em Ciência Política (1985), no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa. Obteve o grau de Doutor em Ciências da Educação na especialidade de Organização de
Sistemas de Formação (1995) e o título de Agregado em Política e Acção Social (2002), na Universidade Aberta.
Professor Catedrático do ISCSP/UTL, onde tem colaborado desde 1983. Professor Catedrático Convidado da Universidade Aberta, onde foi Pró-Reitor, Director do Departamento de Ciências Sociais e Políticas e do Mestrado em Relações Interculturais.
Desde 1970 desempenhou funções técnicas, docentes e de direção no Centro de Acção Social Universitário, Centro
de Educação Especial de Lisboa, Centro Regional de Segurança Social de Lisboa, e nas Universidades Nova, Técnica, Internacional e Aberta. Colaborou em diversas iniciativas académicas nas Universidades de Girona, Granada,
Internacional de Andalucia (UNIA - Baeza) e Sevilha (Espanha), Florença (Itália), Pernambuco, UNESP - Assis, UF de
Santa Catarina, UVA do Ceará, UF de Brasília e Sistema Universidade Aberta do Brasil (Brasil), e Agostinho Neto
(Angola) e com o ISCE de Cabo Verde.
Tem trabalhos nos domínios das Ciências Sociais, Ciências da Educação e Ciência Política, dos quais, sete dezenas
estão publicados sob a forma de livros (13) artigos ou ensaios (63).
Professora Doutora Vanessa Cunha - socióloga, doutorou-se em 2006 em Sociologia da Família e da Vida Quotidiana
pelo ISCTE. Desde 1997 que se dedica à investigação do lugar dos filhos nas famílias portuguesas contemporâneas,
atividade que tem desenvolvido no Instituto de Ciências Sociais, onde também tem participado em projetos de equipa na área da sociologia da família. Atualmente é investigadora auxiliar (Compromisso com a Ciência 2007), membro da comissão coordenadora do OFAP (Observatório das Famílias e das Políticas de Família) e está envolvida em
vários projetos de investigação sobre baixa fecundidade, a questão do filho único, as decisões reprodutivas e a negociação conjugal da fecundidade. Colabora num projecto internacional sobre casais igualitários, da Prof. Francine
Deutsch (Mount Holyoke College), e desde de 2012 que coordena o projeto de investigação "O duplo adiamento: as
intenções reprodutivas de homens e mulheres depois dos 35 anos".
Alexandra Manuela de Sousa Alvarez dos Santos Alexandre
Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas - Universidade Técnica de Lisboa
Rua Almerindo Lessa - 1300-663 Lisboa
Tel: 21 361 94 30
Fax: 21 361 94 42
[email protected]
A reforma do Estado é uma das medidas de natureza estrutural que consta dos objetivos e medidas do Programa de
Assistência Económica e Financeira a Portugal. O governo, abandonando o termo mal-entendido, de “refundação”
tem proclamado que defende a garantia, o reforço e a modernização do princípio do Estado Social, a convergência e equiparação entre os regimes laborais dos trabalhadores do setor público e do setor privado, e a equidade
entre o regime da Caixa Geral de Aposentações e o regime geral da Segurança Social. Esta comunicação tem por
objectivos: (a) reflectir sobre a evolução do estado social na europa, distinguindo diferentes modelos ou tipologias
de sistemas sociais e situando Portugal nessa classificação genérica; (b) analisar os desafios que os sistemas de pensões na União Europa enfrentam com base na análise de dados estatísticos comparados entre países da OCDE; (c)
apresentar as soluções que têm sido propostas nos vários países para reformar os sistemas de pensões. É sugerida
uma metodologia para a análise dessas soluções que pode contribuir para avaliar o mérito relativo das politicas recentes dos sistemas de pensões nos países da OCDE, incluindo Portugal, para a prossecução dos vários objectivos
que se propõem alcançar.
“O objetivo social da UE deve ser o de criar uma sociedade mais justa que ponha fim à pobreza e aos baixos salários,
que garanta direitos humanos, assim como, rendimentos e serviços essenciais que permitam a todo o individuo viver
com dignidade”
(European trade union Characteristics of the European Social Model, www.etuc.org )
1.
Introdução ao tema e questões de investigação
O direito à segurança social é considerado uma conquista civilizacional, já que, garante a todo o cidadão que o
Estado defende e protege a vida humana face aos riscos sociais, e ainda, defendê-la-á e protegê-la-á face às adversidades de contextos políticos e económicos, nomeadamente através de subsídios de desemprego. Naturalmente, para se usufruir desse direito, todo o cidadão com capacidade tributária, tem o dever de, ao longo da sua vida
ativa, contribuir obrigatoriamente com uma parte dos seus rendimentos do trabalho para a segurança social, a taxa
social. Como contrapartida terá o direito a uma série de prestações e, no final da sua vida ativa, a uma pensão de
reforma. Note-se que, na maior parte dos países desenvolvidos, a satisfação deste direito é da responsabilidade do
Estado, sem prejuízo de poder ser desempenhada também por instituições sociais públicas ou privadas. Aliás, cada
vez mais os sectores cooperativo e privado são chamados a associar-se ao estado, numa visão de parceria.
A necessidade de cumprir as medidas de consolidação orçamental impostas pelo Plano de Ajustamento, em consequência do Memorando assinado entre Portugal e troika, e posteriormente, o chumbo das medidas propostas pelo
governo relativamente aos cortes nas pensões da CGA, têm levantado aceso debate.
Os argumentos apresentados, quer na defesa do programa do governo, quer na oposição, tem focalizado a atenção em torno de dois princípios básicos do estado de direito: o da confiança dos cidadãos no estado - apontado
como um argumento contra a retroactividade dos cortes nas pensões; e o da equidade, nomeadamente, intergerações. Mas há outros princípios que podem ser tidos em consideração nas reformas dos sistemas sociais, como discutiremos na secção 3.
Por toda a europa se assiste a alterações nos sistemas de welfare. As razões principais não se prendem só com a actual crise mas, com a necessidade de ajustar o sistema às pressões da globalização e de assegurar a sustentabilidade
face ao envelhecimento das populações, o aumento da esperança de vida e a previsão de manutenção de taxas
de desemprego mais elevadas do que no passado.
Como questões de investigação, este estudo procurar-se á responder às seguintes.
- há um modelo social europeu ou há várias tipologias a ter em conta na elaboração das reformas ?
- os desafios que a segurança social em Portugal enfrenta, nomeadamente na área das pensões, é muito diferente
dos outros paises da União Europeia?
- As reformas são impostas pela situação financeira e demográfica dos países ou há uma alteração de princípios de
modelo?
- Que critérios devem ser usados para avaliar a reforma nos sistemas sociais?
Para responder a estas questões de partida, na primeira secção procura-se fazer uma caracterização geral dos sistemas sociais na União Europa e em Portugal, distinguindo diferentes modelos ou tipologias. Na secção 2 discutem-se
as pressões que existem sobre o sistema de segurança social, com base na análise de dados estatísticos comparados
entre países da OCDE. Apresentam-se, ainda, as soluções de política social, em especial nos sistemas de pensões,
que têm sido propostas nos vários países. Na secção 3 é apresentada uma metodologia que, partindo dos objectivos
das reformas iniciadas desde os anos 90, contribua para avaliar o seu mérito relativo e os seus efeitos esperados. Discutem-se, também, as medidas iniciadas recentemente nos países da OCDE, comparando-as com as que têm sido
propostas em Portugal.
2.
A Segurança social na união europeia e em Portugal.
Na Inglaterra em 1942, através do Relatório Beveridge, era dado um passo decisivo na evolução do sistema de segurança social. Os pontos principais deste projeto foram postos em prática pelo Reino Unido após a 2ª Guerra Mundial,
o que fez com que influenciasse outros países da Europa. Deste modo, a segurança social passa a ser um direito universal de todos os cidadãos, mais especificamente de todos os residentes no território e não apenas os trabalhadores. Uns anos mais tarde, com a criação do Sistema nacional de saúde, ficaram lançadas as bases do “welfare state”, ou estado de bem-estar social, que está na base do que se tem denominado de modelo social Europeu.
O Estado social, como se designa atualmente, desenvolveu-se muito mais tarde em Portugal que em outros países
Europeus. Esta conceção do Estado começa por ter subjacente uma visão paternalista associada, em termos da política económica e social, ao conceito de estado como ode “ditador benevolente” ou “Etat bienfaisant” que tem
todo o conhecimento necessário para maximizar uma função de bem-estar social. Esta é uma concepção utilitarista,
própria da teoria económica de bem-estar social (welfare economics), inserida numa ótica orgânica do Estado cuja
administração, em termos organizacionais, foi racionalizada pelo modelo burocrático de Weber.
Só mais tarde, com a efetiva aplicação dos princípios da declaração universal dos direitos do Homens, o estado de
bem-estar vai evoluindo para uma conceção humanista e individualista do Estado e numa conceção de justiça social bastante influenciada por Rawls (1971), segundo a qual, a melhoria do bem-estar social teria que passar pela satisfação das necessidades (utilidade) do indivíduo mais desfavorecido. Esta conceção foi interpretada como
“requerendo a escolha pela sociedade (sob um “véu de ignorância”) de uma função de bem-estar social, e consequentemente, um sistema de segurança social, que traduz a sua intolerância pela desigualdade. Em termos equivalentes, a função de bem-estar social e a segurança social são determinadas pela tolerância para aceitar as perdas
de eficiência derivadas da redistribuição necessária para obter uma distribuição mais equitativa do rendimento” Hillman (2003:334). É útil relembrar estes fundamentos teóricos dos sistemas de bem-estar social, visto que eles realçam
que a escolha por maior redistribuição (equidade) implica aceitar um custo em termos de eficiência. E este “tradeoff” é ainda mais relevante quando o custo da segurança social cresce com a esperança de vida dos indivíduos,
colocando a questão da sustentabilidade futura, logo, da equidade intergerações.
Contudo, a aplicação da teoria Rawlsiana resultou no princípio de que todos os cidadãos devem ter direito a usufruir
de certos bens ou serviços primários que satisfazem necessidades básicas numa sociedade desenvolvida, logo, as
entidades públicas devem garantir a todos o acesso à educação, aos cuidados de saúde, `a protecção social e à
habitação. Assim, os elementos identitários do estado social são expressos pela existência de um sistema público de
ensino básico obrigatório (atualmente de 12 anos de escolaridade) e gratuito, um sistema nacional de saúde e um
sistema de segurança social.
Tendo por base a proteção social, um sistema de Segurança Social parte do pressuposto de que o estado tem o dever de garantir a cobertura de riscos sociais, que podem ser explicados como sendo os riscos em que qualquer cidadão pode incorrer se, de um momento para o outro, por doença, desemprego, invalidez, ou outra eventualidade,
deixarem de ser capazes de se garantir a sua subsistência e a dos seus familiares.
A evolução da cobertura estatal de riscos sociais foi variando ao longo da História e consoante o país, como resultado da natureza do regime político e das conquistas obtidas com os movimentos sindicalistas. Como se sabe começou nos fins do sec 19 na Alemanha, sob o governo de Bismarck, quando na maior parte dos países, a cobertura de
alguns riscos sociais ainda estava a cargo da organização voluntária dos trabalhadores sob a forma de associações
mutualistas ou sindicais.
O número de riscos começou por se cingir ao desemprego e à doença. Com a Convenção número 102 da Organização Internacional do Trabalho de 1952 estabeleceram-se nove riscos: 1) Cuidados por doença; 2) Desemprego; 3)
velhice; 4) Acidentes de trabalho;5) Doenças profissionais; 6) Maternidade;7) Invalidez;8) Morte;9) Encargos familiares.
A esta proteção feita às pessoas contra estes riscos supra mencionados apelida-se de proteção social. Na maior parte dos países o número de riscos cobertos foi aumentando mas, em termos de despesas, é a cobertura do “ risco” de
velhice, ou sejam as pensões de reforma, que pesam mais nos orçamentos da segurança social.
Em Portugal, embora já existisse um sistema público de proteção social, o estado social só foi criado após a revolução de 25 de Abril de 1974, o que nos permitiu usufruir de um Sistema Público de Segurança Social universal. Através
da consagração do princípio de solidariedade entre gerações, a Constituição de 1976 garantiu que todos os homens têm direito à segurança social (artigo 63º), logo, temos uma conceção universalista, pois que, todos os cidadãos têm direito a um mínimo vital ou social, independentemente da sua vinculação a uma atividade laboral, situação económica ou contribuição anterior.
A conceção universalista, sobrepõe-se a outras conceções anteriores, embora coexista com elas, a conceção Assistencialista e a Trabalhista – em que a quantia fornecida pelo sistema de proteção social é to tipo previdencial, em
que a ajuda do estado quando a pessoa deixa de ter maneira de obter os seus rendimentos (por doença, desemprego ou velhice) será de acordo com esses mesmos antigos rendimentos, tendo a pessoa que ter descontado anteriormente.
Podemos concluir que, houve uma evolução em termos históricos, de modo que em Portugal pode afirmar-se que o
direito à proteção social na Constituição de 1911 tinha uma inspiração assistencialista, a Constituição de 1933 uma
inspiração trabalhista e a Constituição de 1976 consagrou uma conceção universalista, a que traduz a essência de
um Estado social.
Uma observação desta realidade histórica permite concluir que o estado social em Portugal é criado fora do contexto internacional, ou seja, tal como em Espanha e na Grécia, no início dos anos 80 encontra-se em expansão, quando
no resto da Europa os países precursores deste modelo já começavam a tomar medidas para o reestruturar, no sentido de controlar os seus custos. O gráfico 1 mostra que Portugal é o país onde as despesas sociais em percentagem
do PIB cresceram mais rapidamente, duplicando na primeira década do milénio em relação a 1980, passando de
10% do PIB para quase 20%, média da OCDE-28.
Fonte: OCDE, Statistics
Figura 1- Evolução das despesas sociais em % do PIB
O Sistema de Segurança Social até aos dias de hoje, sofreu várias alterações desde a sua institucionalização pela Lei
de Bases da S. Social de 1984. Esta comunicação não se propõe fazer esta evolução pois, já foi feita com sucesso por
vários autores e o sitio da S. Social na Web fornece um bom resumo. Assim, apenas se fará referência às etapas e medidas que foram mais relevantes no passado, procurando centrar a análise nas politicas sociais anunciadas ou tomadas mais recentemente, quer em Portugal quer noutros países da EU.
Debrucemo-nos um pouco sobre a caracterização atual da segurança social na EU. Como sabemos, quer a evolução quer o modelo de segurança social diverge entre os países membros. Boeri (2002) e Sapir (2006) distinguiram
quatro modelos de segurança social ou “welfare systems” no seio da União Europeia. Tiveram por base diferenças no
seu desempenho, nomeadamente em termos de dois objetivos relevantes que subjazem á evolução de cada sistema: equidade e eficiência e, consequentemente, também pela associação existente entre modelo de proteção
social e mercado de trabalho. Usando uma matriz, podemos definir a seguinte tipologia de modelos de segurança
social:
ALTA EFICIÊNCIA
BAIXA EFICIÊNCIA
EQUIDADE ELEVADA
Sistema Nórdico
Sistema Continental
EQUIDADE BAIXA
Sistema Anglosaxonico
Sistema Mediterrânico
O sistema nórdico inclui a Finlândia, a Dinamarca, a Suécia e a Holanda e assenta em sistema de cobertura universal,
com benefícios generosos os mais elevados níveis de despesa com proteção social, quer para os reformados como
para os outros grupos etários. Há uma extensa regulação e intervenção fiscal nos mercados de trabalho, onde existem sindicatos fortes que asseguram estruturas salariais relativamente rígidas e o mercado de trabalho é bastante
protegido. O sistema Continental refere-se à Áustria, Bélgica, França, Alemanha e Luxemburgo. Este último baseia-se
num sistema de proteção de riscos sociais de base profissional, que definimos atrás como conceção “trabalhista”, é
de natureza contributiva, com menos benefícios para os trabalhadores na idade ativa do que os outros modelos. O
mediterrânico inclui os PIGS - Grécia, Itália, Portugal e Espanha, cujos sistemas concentram as suas despesas sociais
nas pensões de reforma e caracterizam-se por grande segmentação de benefícios e estatutos de beneficiários. Também asseguram bastantes benefícios na vida ativa e mantêm mercados de trabalho pouco flexíveis, com muita expressão da contratação coletiva e dificuldades ao despedimento. O modelo anglo-saxónico, Reino Unido e Irlanda,
tem um sistema assistencialista extenso e universal com esquemas de proteção social com bastantes transferências
para a população desempregada, deficiente, em necessidade ou em risco de pobreza mas limita os benefícios para
os trabalhadores empregados; no mercado de trabalho é relativamente flexível, os sindicatos têm pouco poder e há
uma grande dispersão salarial.
Esta caracterização conclui que o modelo Nórdico e o Anglo-saxónico são ambos eficientes mas apenas o Nórdico
consegue combinar a equidade com a eficiência. O modelo Continental e o Mediterrânico são ineficientes e insustentáveis logo, necessitam reforma. No seu conjunto, abrangem países que contam com 30% para o PIB europeu e
90% do PIB da zona euro e que devem reformar e flexibilizar os seus mercados de trabalho e sistemas sociais, de modo que não prejudiquem o incentivo para trabalhar e enfrente os desafios que se lhe colocam.
Note-se que, desde este estudo (Sapir, 2006), a redução nas taxas de crescimento do PIB na zona euro e a crise de
2008 vieram ameaçar a sustentabilidade dos sistemas de proteção social, nomeadamente das pensões, de um maior número de países. Como veremos mais à frente, quase todos os países da OCDE aumentaram, ou planeiam aumentar, a idade de reforma e, racionalizaram os esquemas de proteção social. Por exemplo, o Reino Unido introduziu
esquemas de simplificação, pela junção, de apoios por beneficiário, apertando mais os critérios de atribuição e facilitando o retorno dos beneficiários ao mercado de trabalho e planearam o aumento da idade de reforma.
As diferenças nos sistemas nacionais de segurança social refletem-se também ao nível dos valores das pensões, mesmo entre países de modelo semelhante. A tendência será para o Estado fixar um valor máximo para a pensão estatal. Tal pode observar-se no quadro onde se comparam as pensões máximas anuais garantidas pelo estado nos países da OCDE que se preveem após as reformas de 2016 e também as idades de reforma relativas a Março de 2013.
Para se ter uma ideia relativa da importância do valor das pensões a esperar em cada país, a terceira a coluna mostra os rendimentos médios anuais. Os hiatos respetivos são bastante grandes – com exceção da Alemanha, Suécia e
Espanha, onde os valores da pensão se aproximarão do rendimento médio, sendo até superior nesta última, na maior parte o máximo da pensão poderá ficar em cerca de um quarto do rendimento médio, ou um pouco menos. Na
França e nos EUA é cerca de metade.
Para termos uma referencia nacional, sabemos que em Portugal a pensão mínima assegurada pelo estado é atualmente cerca de 256€ mensais (anual será cerca de 3584€, ou seja, 4480 libras esterlinas) e o rendimento médio aproximadamente 14000€, o que no aproxima do caso Grego. A pesar de termos um nível de pensões mais baixo, o sistema de pensões dos portugueses tem sido considerado uma referência ao nível europeu, uma vez que garante uma
taxa de cobertura efectiva entre os 70 e os 80 por cento relativamente ao último salário recebido. Há cerca de 3
milhões de pensionistas e tem vindo a aumentar. O ratio de dependência (ratio do nº ativos pelo nº de pensionistas)
passou de cerca de 1,5 para 1 em três décadas.
Reforma anual
estatal base
(ou mínima)
País
Em função dos
rendimentos
(descontos)





Rendimento
anual médio
Idade de reforma
Media (homem)
23 491
65
29366
65
37014
65
36 162
66
29817
60
Espanha
26 630
Alemanha
26 366
Suécia
25155
EUA
18 856
França
15 811
Dinamarca
11 381
45 661
65
P. Baixos
10 981
35 827
65
Irlanda
10 425
41 803
65
UK
7 488
31 413
65
Canada
7 843
36 756
65
Grécia
3 756
17 772
65

(valores anuais, em libras esterlinas )
Fonte: OECD e ISSA
Quadro 1 – Comparação dos valores anuais de pensões e de idade de reforma (2013)
Verifica-se que nos EUA e nos países do tipo nórdico e anglo-saxónico a despesa com pensões de velhice em percentagem do PIB não aumenta muito de 1985 a 2009, baixando até nos P. Baixos, Noruega, N. Zelândia e Suécia.
Entre os do sistema continental, a Alemanha mantém, assim como a Áustria mas a França aumenta de8,3% para11,5%. Nos Mediterrânicos, só a Espanha mantém, a Itália também aumenta bastante, superior á França, e as maiores subidas são na Grécia e em Portugal, onde aumentam três vezes mais, de 3,3 % para 9;9%. Nos países da europa
de leste também se registam aumentos.
Source
Type of Expenditure
Type of Programme
Unit
Year
Country
Mexico
Iceland
Korea
Israel
Chile
Australia
Ireland
Canada
Luxembourg
New Zealand
Netherlands
United Kingdom
Norway
Turkey
Slovak Republic
Denmark
Estonia
United States
Slovenia
Spain
Czech Republic
Poland
Hungary
Sweden
Greece
Belgium
Finland
Germany
Austria
Portugal
France
Italy
Public
Cash benefits
Old age – Pension
In percentage of Gross Domestic Product
1980
1985
1990
1995
2000
2007
2008
2009
..
..
..
..
..
3
3,5
2,8
5,7
6,8
5,6
3,7
4
1
..
4,6
..
5
..
4,6
..
..
..
6,1
4,4
5,5
4,6
9
8,4
3,1
7,4
7,2
0,1
..
..
..
..
2,9
3,6
3,4
5,4
7,3
5,4
4
4,3
1,1
..
4,1
..
5,2
..
5,7
..
..
..
6,8
6,8
6
6,4
8,8
9
3,3
8,3
8,9
0,3
2,2
0,582
..
4,9
2,7
3
3,8
7,2
7,1
5,7
4
5,2
1,6
..
4,4
..
5,1
..
6,4
4,7
4
..
6,9
6,5
6
6,2
8,5
7,3
3,9
8,6
7,8
0,5
2,3
0,831
1,8
4,1
3,4
2,4
4,2
8
5,5
5
4,1
5,1
2,1
5,2
5,4
..
5,3
..
7,5
5,3
7,2
..
7,3
6,6
6,7
7
7
8
5,8
10
8,7
0,5
2,1
0,948
1,9
4,5
3,2
1,6
3,9
6,9
4,8
4,6
4
4,4
..
5,4
4,6
5,6
5
7,2
5,9
6
6,6
5,9
6,6
7,2
6,5
6,1
7,7
8,1
6,5
10
10,6
1
1,9
1,198
2,2
3
3,1
2,7
3,7
3,5
4,2
4,4
4,5
4,2
4,9
4,9
5,3
4
5,2
5,3
5,4
6
6,4
6,5
6,5
6,9
6,7
6,7
7,9
8,8
8,6
10,4
11,1
1,1
1,8
1,527
2
2,4
3,2
3,1
3,8
3,5
4,3
4,5
4,4
4,1
4,4
4,8
5,3
4,8
5,4
5,2
5,5
6,2
6,5
6,7
6,7
7,1
7,2
6,9
8
9
9,1
10,7
11,4
1,4
1,7
1,746
2,1
2,7
3,3
3,9
4,1
4,1
4,5
4,8
4,9
4,9
5,7
5,7
5,8
6
6
6,1
6,1
6,9
6,9
7
7,4
7,5
7,8
8,2
8,5
9,8
9,9
11,5
12,3
Fonte OCDE: www.oecd.org/statistics/social expenditure
Quadro 2 – Evolução das despesas públicas com pensões em % do PIB na OCDE
As politicas recentes de reforma das pensões
Um estudo recente (OCDE, 2011) oferece um extensa gama de indicadores que permitem comparar politicas de
pensões e os resultados destas politicas entre países membros do G20. Apresenta também uma análise aprofundada
das questões centrais relativas a pensões de reforma e esperança de vida, baseada numa evolução desde 1950 e
com previsões até 2050.
Quadro 3 – Evolução da Idade de pensão dos homens
O quadro mostra que, em cerca de metade dos países da OCDE, já se começou a aumentar a idade de reforma ou
planeia-se fazer isso nas próximas décadas. Esses aumentos referem-se à idade de reforma das mulheres em 18 paises e em 14 países para os homens. Assim, prevê-se que em 2050, a idade média de reforma na OCDE media será 65
para ambos os géneros, o que representa um aumento de quase 2,5 anos para os homens e 4 anos para as mulheres, quando comparado com 2010. O R.U, A Dinamarca, os EUA e a Austrália aumentarão para valores maiores que
65 e Portugal também já aumentou para quase 66 anos.
3.
Pressões sobre a sustentabilidade do estado social
Ora, um sistema de segurança social, tornando os direitos acima enumerados universais e alargando o campo de
intervenção social com base em objetivos de redistribuição de rendimento e de redução de desigualdades, vai
além de um simples sistema de proteção social (cobertura e socialização dos riscos sociais) que é sustentado e diferenciado numa base profissional, para se tornar cada vez mais num sistema de repartição.
Este sistema evoluiu e cresceu enquanto os países europeus usufruíram não só de capacidade fiscal assegurada por
taxas de crescimento médio do produto consideráveis mas, de uma evolução demográfica favorável. Essas condições foram abaladas, primeiro pelos choques sobre a oferta provocados pelas crises do petróleo desde 1973, mais
tarde com os efeitos da globalização e a pressão que acarretou pelo aumento da competitividade, logo, sobre os
mercados de trabalho e, finalmente, com o progressivo envelhecimento da população e o aumento da imigração.
De notar que, como se pode observar na figura 1, espera-se que a duração da reforma nas próximas décadas até
2050 cresça a uma taxa menor do que no passado, de 1950 a 2010. Em média, uma mulher em 2050, terá uma esperança de vida na reforma de cerca de 24,6 anos e os homens 20,3.
Figura 1- Evolução da esperança média de vida na idade da reforma por género (1950-2015)
A Figura 2 mostra que as projeções apresentam o rácio de dependência (ativos/idosos) a duplicar de 2010 a 2050.
Adicionalmente, o efeito do envelhecimento da população também tem repercussões do lado da receita. Assim,
tendo em conta as projeções efetuadas, as contribuições sociais apresentam uma diminuição continuada no horizonte de projeção. Para Portugal, conjugando estas duas variáveis, o impacto líquido sobre o défice das administrações públicas é negativo e crescente até 2047 (de 1,6p.p. do PIB em 2010 para 4,5p.p. em 2047), passando então a
uma trajetória descendente até ao fim da projeção (4,1 p.p. em 2060) como se observa no quadro 4.
Fonte: Eurostat, EUROPOP2010; reproduzido no Documento de Estrategia Orçamental (www.dgo.pt)
Figura 2 – Evolução do rácio de dependência
(em percentagem do PIB)
Quadro 4 - Pensões e Contribuições do Sistema Público
Sapir (2006), entre outros autores, realça as repercussões do processo de globalização sobre os sistemas sociais do
mundo desenvolvido. Num artigo anterior (Sapir, 2003) já alertava para o fraco progresso da União Europeia na implementação da Estratégia de Lisboa. Com efeito, os países em desenvolvimento na Asia (incluindo China e India),
são responsáveis por 50 por cento da população mundial e 25% do produto mundial (em paridade do poder de
compra-PPC), mas, espera-se que continue a aumentar a cerca de 6 por cento ao ano, beneficiando de vastos recursos humanos combinados com uma sofisticada capacidade tecnológica e com a atração de capital externo.
Esta evolução não é necessariamente e globalmente perversa, já que, em termos de distribuição do rendimento
mundial, os países G7 representam cerca de 45% do rendimento global com apenas 11% da população, mas exige
um ajustamento nos países desenvolvidos. Numa abordagem tipo-SWOT, os países em desenvolvimento também são
grandes importadores, logo, não há só ameaças, também há oportunidades para os países desenvolvidos, os que se
conseguirem adaptar depressa; as ameaças são maiores para os que detêm capacidades tecnológicas obsoletas e
estruturas económicas frágeis. Naturalmente, as alterações ou ajustamentos estruturais consomem tempo e recursos
mas, a mudança inevitável, sendo previsível que adiá-la só atrasará os benefícios que possa induzir e aumentará os
custos do ajustamento (Sapir 2006:372). Os responsáveis pela política económica enfrentam uma escolha simples
mas difícil – ou reformam os seus mercados de trabalho e sistemas de proteção social e aumentam as despesas em
investigação e desenvolvimento e, esse caso, podem transformar a globalização numa oportunidade, porque o mercado único torna-se mais dinâmico e as economias mais competitivas e mais flexíveis. Ou o atraso nas politicas nacionais continua a entravar a mudança e, deste modo, não só a globalização é percecionada como uma ameaça
mas, também a própria união monetária e o mercado único se tornarão ameaças â manutenção dos modelos sociais, por não conseguirem aumentar o crescimento económico (Sapir, 2006:374).
Está hoje perfeitamente claro que o modelo de proteção social está associado à regulamentação e à evolução do
trabalho. Como o ETUC (European Trade Union Council) acentua, o modelo social assentava no direito ao diálogo ou
concertação social, no respeito pela contratação colectiva e com o direito à consulta dos representantes dos trabalhadores nas politicas nacionais e nos European Work Councils; à regulamentação do trabalho em matérias de horário, férias, saúde e segurança, salário mínimo, proteção do emprego e garantia da igualdade de oportunidades e da
não-descriminação.
Com efeito, os objetivos mais relevantes do que podemos chamar, grosso modo, o sistema social europeu, têm sido
identificados como sendo o de uma sociedade mais igualitária, com a garantia direitos fundamentais, politicas que
ponham fim à pobreza e aos salários de miséria, que garantam os serviços essenciais e um nível de rendimento que
permita uma vida digna e que promova a coesão social.
Ora são alguns destes direitos e garantias do modelo social europeu,quer referentes à proteção social, quer à proteção do trabalho que sofrem agora redefinição ou são mesmo quartados (Scharpf, 2002). Será que as exigências da
consolidação orçamental e, a longo prazo, da sustentabilidade face ao envelhecimento da população, são compatíveis com o Estado Social que conhecemos, ou estamos a falar de um outro tipo de estado?
“Um argumento central relativo à crise dos sistemas de pensões é que em muitos países não tem havido capacidade
para adaptar os esquemas nacionais às tendências na evolução demográfica de longo-prazo. A reforma para fazer
face ao financiamento pode ser uma ocasião para melhorar o design do sistema. Esquemas de pensões com taxas
contributivas, benefícios mensais e idades de reforma fixadas décadas atrás não são consistentes com a maior duração atual do tempo de reforma, reformas antecipadas e o aumento das taxas de dependência ” (Barr e Diamond,
2009:1)
Juntamente com politicas de reforma em outros subsectores sociais, como a saúde e a educação, é correto falarmos de reforma do estado social. Será essa reforma uma “refundação”, que argumenta serem os cortes no número
e no montante de prestações e serviços sociais necessários para fortalecer as bases do sistema? Ou será apenas a
“morte do estado social” tal como o conhecemos, como afirmou recentemente o monarca holandês?
Num recente artigo Chakrabortty (2013) anuncia a morte do estado social: “after decades of public illness, the welfare state, Beveridge's most famous offspring, has died”. Outras citações podiam ser apresentadas, quer dos media nacionais quer internacionais, porém, pensamos que esta abordagem ao problema é radical e incorreta, já que, as
politicas encetadas ou planeadas de reforma na maioria dos países, não põem em causa os objetivos ou fundamentos do sistema de segurança social, procurando, antes, racionalizar, reduzir despesas, e introduzir medidas como o
aumento da idade de reforma e tetos para os montantes de benefícios e pensões, embora em alguns á além propondo sistemas de pensões mistos de repartição estatal e de fundos privados. Na UE, só em Portugal e Grécia, por
imposição das metas de consolidação orçamental impostas pela troika, se propõem cortes transversais nos valores
das pensões.
Feldstein (2001:2), num conhecido artigo, realça que os governos Europeus devem enveredar por reformas da segu-
rança social compatíveis com o mercado laboral da EU no qual os indivíduos de um país são livres de trabalhar num
outro qualquer da união. Apresenta o exemplo de um Português que trabalhou em França, depois na Alemanha e
questiona-se: quando se reformar em Portugal quem pagará a sua reforma e qual a regra de calculo?
A solução para este duplo problema passaria, segundo este autor, pela substituição dos atuais sistemas de “pay-asyou-go” (as contribuições em cada ano são usadas para pagar as pensões nesse ano) por um sistema de segurança
social que combine um esquema baseado em investimento individual para a reforma com um sistema de contribuições de referencia (notional defined contribution) financiado por imposto/taxa social. Se nada for feito, no futuro o
aumento dos impostos para financiar o atual sistema poderá ir aos 50% ou mais, nalguns países.
Feldstein propõe uma conta de investimento individual que seria “portátil” onde quer que fosse trabalhar no seio da
EU e que nenhum governo pagaria mas teria que regulamentar, por exemplo regras e definir contribuição mínima
para esse fundo de investimento individual. A taxa de retorno desse investimento anual seria à volta de 3 vezes mais a
que o sistema de repartição produz, pelo que facilmente se deduz que a taxa de contribuição individual para esse
fundo seria menor que a atual taxa social.
Contudo, existe um risco de que as taxas de retorno nos mercados baixam, por exemplo, devido a incerteza e à atual crise, podendo conceber-se vários tipos de garantias para segurar o investimentos. Porém, o melhor método seria
combinar o esquema do fundo privado com um beneficio estatal garantido pelo Estado numa base contributiva,
pois, combinaria risco e custo para o Estado e o individuo. O sistema de pensões dos funcionários públicos na Austrália constitui um sistema híbrido com componentes públicas e privadas: o governo garante uma pensão estatal que é
acrescida por um complemento baseado em planos/ quotizações individuais e voluntárias, dependendo da rentabilidade (taxa de juro) escolhida pelo indivíduo, considerada a componente privada de despesa social da reforma.
Mas, para ter em conta a mobilidade, os governos da EU poderiam definir um nível nocional seguindo uma experiencia da Itália e Suécia, já estendida a mais países, segundo qual o trabalhador/ou o empregador desconta uma taxa
social sistema de repartição – paga pensões aos que já estão reformados mas é “creditada” uma conta individual
que contará para a sua pensão quando se reformar, ou, então pode levantá-la e adicionar o capital ao seu fundo
privado. Claro que, também existe algum risco de eventual aumento de impostos para cobrir esse sistema e os custos
de administração. Contudo, este sistema misto é, sem dúvida, uma solução a considerar num futuro próximo.
No estudo da OCDE (2011:10), não se põe em causa a continuidade dos sistemas nacionais de welfare mas, realçase a necessidade de reformar e, o facto dessas reformas terem de efetuar um compromisso (trade-off) entre o objetivo de adequabilidade dos benefícios e seus montantes (equidade) e o objetivo de sustentabilidade, a longo prazo,
do sistema. “Se os governos adiam a reforma, a escala do ajustamento nos benefícios a efetuar no médio prazo será
mais penosa e com efeito de choque. Sabemos que a Grécia, a Irlanda, a Hungria e Portugal tiveram que aceitar
reformas nas pensões como parte da consolidação orçamental requerida pelos resgates financeiros. Efeitos súbitos
são geralmente maiores do que se a reforma tivesse ocorrido há mais tempo, de forma progressiva e tornariam mais
difícil aos indivíduos mudar as suas decisões relativas ao trabalho, à reforma e à poupança.” (OCDE 2011:9).
Também em Portugal o governo tem tomado medidas de reforma do sistema de pensões desde 2006, aumentou a
idade de reforma, e até pondera um eventual plafonamento e indexação à massa salarial.
Daqui decorre uma questão essencial:
Como poderão os governos manter a adequabilidade das pensões à capacidade da economia (tendo por referencia o rendimento medio nacional) sem ameaçar a sustentabilidade financeira?
Ora o objetivo de adequabilidade refere-se a que os montantes das pensões devem ter por referência o rendimento
nacional médio, não devendo a pensão média ultrapassa-lo; por outro lado, as condições de elegibilidade e a formula do seu cálculo, devem obedecer a critérios de equidade. O relatório da OCDE, seguindo outros estudos na
mesma temática aponta três vias para solucionar este dilema entre adequabilidade, equidade e sustentabilidade:
1) Aumentar a duração da vida ativa. Como vimos, a maior parte dos países aumentou ou aumentará num futuro breve a idade de reforma da media atual de 62 anos para as mulheres e 63 para os homens para 65, sendo
os aumentos maiores noutros países, tal como Portugal, para 66 anos. Porém, em todos, à exceção de 5 países,
a esperança media de vida aumentará mais do que a idade de reforma, o que garante a sustentabilidade se
a maior parte dos países não aumentar esta para além dos planos correntes. De facto, a previsão mostrada no
quadro já foi alterada no início de 2013 por alguns países.
A Figura 2 mostra a taxa de atividade entre os 50 e 65 anos. Note-se que são os países mais ricos que têm taxas de
atividade mais elevadas entre os idosos, talvez devido, em parte, à existência de mais trabalho part-time. Portugal
tem uma taxa inferior, sendo de cerca de 60%. Parece haver possibilidades aumentar esta taxa de atividade, procedendo a incentivos nos esquemas de pensões que dificultem ou desincentivem reformas antecipadas e incentivem
os que se reformem mais tarde. Outra medida, anunciada em Portugal (para 2017) refere-se à alteração do tempo
de descontos para a formula de cálculo das pensões, estendendo a todo o período da vida ativa/ de descontos.
Isso também prevenirá as reformas antecipadas.
1) A introdução de um mecanismo de ajustamento automático entre os montantes de pensão e a esperança de
vida - tem sido outra solução que foi seguida por sete países, mas, fará reduzir o valor das pensões à medida
que as pessoas vivem mais. Ora esta medida é vista como um incentivo para que as pessoas desejem trabalhar durante mais tempo. Este objetivo foi reforçado em vários países por medidas adicionais que limitam as
reformas antecipadas. As limitações reportam às dificuldades que as pessoas com mais idade enfrentam em
relação a manter ou encontrar trabalho, por exemplo, as relativas a formação profissional e a condições de
trabalho.
2) O relatório enfatiza a necessidade de conciliar a adequabilidade do valor das pensões, face ao rendimento
do país, com a sustentabilidade através da introdução de maior redistribuição entre os diferentes pensionistas,
protegendo os rendimentos das pensões mais baixas. Esta preocupação com a equidade foi salvaguardada
também em Portugal com a decisão de isentar as pensões até 600€ dos cortes (de 3,5 a 10%) e introduzindo
proporcionalidade para as restantes. Por exemplo, o Canadá, os Países Baixos e a N. Zelândia têm as taxas de
pobreza dos idosos mais baixas e gastam apenas 4-5% do rendimento nacional com pensões públicas, bastante abaixo da media OCDE. Naturalmente, maior redistribuição das pensões implica uma relação mais fraca
entre pensões e contribuições individuais; serão portanto os sistemas financiados em maior parte com impostos
que poderão ser mais redistributivos. França, Finlândia e Suécia tomaram medidas neste sentido, protegendo
as pensões baixas dos cortes nos benefícios em geral.
Figura 3 – Taxa de actividade entre os 50 e 65 anos de idade
Austrália e o Reino Unido compensaram a contenção de despesas gerais provenientes do aumento da idade
de reforma com aumentos das pensões para os reformados mais pobres, mantendo-lhes outros benefícios destinados só aos idosos, enquanto que baixam outros para os beneficiários ativos. Ajustaram, assim, os seus sistemas para uma maior equidade redistributiva. Ao invés, a Áustria, a Alemanha e o Japão introduziram cortes
para todos os beneficiários. Hungria, Itália, Polónia e a Rep. Checa estreitaram a relação entre contribuições e
benefícios, reduzindo a redistribuição.
3) Encorajar as pessoas a poupar para a sua reforma – tem sido a terceira solução, que permitiria que os idosos,
compensassem os cortes nas pensões públicas, já introduzidos ou esperados no futuro, com poupança individual. Há algumas experiencias com sucesso como o KiwiPensions da N. Zelândia em que, o sistema público, de
forma automática, orienta as pessoas para pensões privadas, podendo elas não optar, sujeitando-se apenas à
pensão garantida pelo estado. O RU vai possivelmente caminhar nesta direção. O Fundo Riester Pensions na
Alemanha teve algum sucesso com certos grupos a subscrever, apoiados por fortes incentivos fiscais.
Mesmo com alguma adesão, não podemos esquecer que, em media na OCDE, os benefícios da segurança social
perfazem cerca de 60% do rendimento dos idosos. Apenas os restantes 40% é que são repartidos entre pensões privadas e outras poupanças.
Podemos concluir que a orientação das reformas se vai basear sobretudo na primeira solução, com o aumento da
idade de reforma e o consequente aumento do emprego dos idosos, embora combinado com outras medidas englobadas nas outras duas soluções, nomeadamente, os incentivos para a reforma privada como complemento, para
fazer face à quebra nos benefícios públicos.
O sistema de pensões futuro será provavelmente um sistema misto o qual, segundo o estudo da OCDE será a melhor
política e a mais realista:
“Taking the long view, a diversified pension system – mixing public and private provision, and pay-as-you-go and prefunding as sources of finances – is not only the most realistic prospect but the best policy” (OCDE 2011:11).
3.
Avaliação das medidas de reforma: uma metodologia de análise
Boyne et al (2003) notam que há muito mais estudos sobre os objetivos das reformas e a descrição das medidas e
programas desenvolvidos do que sobre a avaliação dos seus resultados. Por isso sugerem uma metodologia baseada
nas teorias da economia política, da new public management e noutras abordagens, como a da gestão com base
em medidas do desempenho. É pois uma abordagem teórica bastante eclética que apresenta uma série de parâmetros, quantificáveis e qualitativos, para avaliar as reformas. Os critérios são derivados dos objetivos que inspiraram
as reformas e os resultados são explicitados com recurso a indicadores de quantidade, dimensão e qualidade.
Assim os principais objetivos da reforma eram, por um lado racionalizar e redimensionar para melhorar a eficiência e
o custo-eficácia e adaptar os sistemas sociais a novas situações demográficas e económicas, e por outro lado,
adaptar a oferta de serviços às preferências dos stakeholders (o que é denominado na literatura anglo-saxónica de
responsiveness). A consideração dos efeitos das politicas sobre os vários grupos de stakeholders, ou parceiros é importante, visto que uns perdem e outros ganham. Podemos resumir a relação entre os efeitos, medidos por indicadores,
de uma determinada política de reforma, de acordo com as repercussões nos vários grupos. Naturalmente, os efeitos
em termos de equidade exige uma análise específica e detalhada que identifique, para cada medida de política, o
aumento em termos do uso, em termos de acesso e em termos de aumento do rendimento individual após benefício;
todos os indicadores diferenciados por idade, género, raça, etc.
Por exemplo, analisando a política de introdução do cheque-educação para possibilitar a escolha, em conjunto
com redução do financiamento de escolas privadas e públicas em geral, podemos ter em conta os efeitos para os
alunos (utentes diretos) para os pais e diretores das escolas (utentes indiretos), para os funcionários públicos e para os
contribuintes. Apesar de ser uma tarefa difícil, seria útil poder contabilizar esses efeitos.
No caso das reformas do sistema de pensões, a questão do impacto sobre os grupos de stakeholders não é diretamente tão relevante, apenas indiretamente, se considerarmos o impacto nos contribuintes (sustentabilidade) e nas
gerações futuras. Porém, continua a ser relevante associar as medidas de política com os objetivos pretendidos. Deste modo, pode-se elaborar um quadro do tipo-matriz que contribua para avaliar o mérito relativo e os efeitos esperados das políticas de reforma dos sistemas de pensões, inspirados nas soluções discutidas acima e nas politicas adotadas em Portugal. Associando as medidas de política aos objetivos anunciados podemos refletir melhor sobre a eficácia das politicas, relacionando-os do modo apresentado no quadro 5, onde os objetivos figuram em coluna e as medidas de reforma em linha. É fácil concluir que a importância concedida a cada medida de política é de natureza
normativa, como tal, dependendo de juízos de valor e de subjetividade. Tendo por base os princípios e argumentos
apresentados no relatório da OCDE (2011), em Feldstein (2001) e em Barr e Diamond (2009) para fazer face ao dilema
que a segurança social enfrenta atualmente, podemos ousar avaliar, anotando no Quadro com um visto a o alinhamento consistente de cada medida (em linha) para cada objetivo (em coluna).
Objetivos
Sustentabilidade
(eficiência)
Adequabilidade/
Responsabilidade
Equidade/
Redistribução
Politicas
Equidade/
solidariedade
intergerações
Aumento idade de reforma




Desincentivos à reforma
antecipada e apoio ao trabalho após os 60 anos




Impor valor máximo de benefícios / pensões existentes,


Aumentar valor das pensões mais baixas

Recurso/ incentivos a Fundos-pensão privados (sist
misto)

Alteração de cálculo de
pensão com o aumento
esperança de vida

Cortes do valor de pensões
c/ Retroactivos, c/ proporcionalidade

Esquemas iguais para
CGA e Seg. Social











Quadro 5 – Avaliação das reformas dos sistemas de pensões
Como se observa, como já referimos no ponto anterior realçou, tem que haver um trade-off entre os objetivos de sustentabilidade, adequabilidade e equidade, quer redistributiva quer intergeracional. Usando por referência as preferências subjacentes às medidas de políticas apoiadas pela OCDE e iniciadas na maioria dos países, incluindo em Portugal, a avaliação das reformas recentes ou anunciadas, tem dado maior importância aos objetivos de sustentabilidade e equidade intergeracional; as preferências dos governos reformistas vão para as politicas de aumento da idade de reforma, tetos nos benefícios e alteração de cálculo das pensões de acordo com aumento projetada na esperança de vida aos 65. Assim, o quadro 5 poderia ser também usado para anotar as ponderações que cada programa nacional atribui à importância de cada medida de política (em linha) para a prossecução dos objetivos (em
coluna).
A medida de retroatividade dos cortes é muito difícil de impor em termos políticos. Não seria absolutamente necessário para a adequabilidade do sistema ao rendimento nacional do país, a não ser em países com grandes dificuldades de ajustamento financeiro como Portugal. Deve ser entendida como um ultimo recurso que só tem sido exigido
nos países com resgate da troika, o que denuncia que a reforma adequada foi adiada no passado, logo, o choque
é maior por causa da urgência da consolidação orçamental. Como referiu o presidente do Fundo de Estabilidade da
Segurança Social, Fernando Ribeiro Mendes (2013), “praticou-se o pecado original quando em 1993 se tomaram medidas para a convergência dos dois sistemas - CGA e Sistema de Pensões Seg social - sem retroatividade, ou seja, os
que já recebiam pensões não ficaram abrangidos, só os novos pensionistas. Tal voltou a suceder com as alterações
de 2006, com a introdução do coeficiente de sustentabilidade sem retroatividade”. Por outro lado, refere ainda, também ser discutível que os complementos de pensão e as pensões de sobrevivência não estejam sujeitas a prova de
rendimentos como outras prestações da segurança social, havendo pensionistas cujas pensões – a própria e a de
sobrevivência, ultrapassam em muito os 600€. A medida anunciada pelo governo Português de aumentar 10% em
todas as pensões (retroativamente) afetaria cerca de 60% dos pensionistas, observando-se o respeito pela proporcionalidade de sacrifícios e pela redistribuição.
Por ultimo, convém realçar que a EU tem criado recentemente mecanismos de apoio às reformas sociais e no mercado de trabalho nos países membros, tornando-os parte integrante da Estratégia para 2020 “ Europe 2020 Strategy”.
Foi anunciada como uma estratégia para o crescimento inteligente, sustentável e inclusivo, que fixa metas para tirar
pelo menos 20 milhões de pessoas da pobreza e da exclusão social e aumentar emprego no grupo etário 20-64 em
75%. Em parte, admite o insucesso das metas definidas em 2000 pela Estrategia de Lisboa. Vários pacotes permitem
apoiar os países nos esforços para reduzir o desemprego (Employment Package e Youth Employment Package), para
tornar mais sustentáveis os sistemas de pensões (White Paper on Pensions) e ainda para fortalecer as bases de outros
subsistemas sociais (Social Investment Package). Para isso, a CE elaborou perfis de países com propostas adequadas
a cada um, no sentido de orientar e monitorizar as reformas e facilitar a prossecução dos objetivos da Estratégia2020.
(www.ec.europa.eu/social).
Esta ajuda enquadra-se num esquema de cooperação aberta e voluntária entre países OMC – Open Method Coordination) que, de facto, é um instrumento de boa governança baseado no acordo sobre objetivos comuns e em medidas para medir o progresso no caminho para os atingir, envolvendo a cooperação com stakeholders, incluindo
parceiros sociais da sociedade civil.
Há quem critique o OMC pelo seu enfase num mecanismo descentralizado de ‘softlaw’ governance já que, acredita
que a agenda de reformas pode ser implementada de modo voluntarista pelos vários países assente na partilha de
best practices e na pressão dos pares/ parceiros, deixando aos governos nacionais margem de manobra nas reformas estruturais (Papadimitriou 2012: 2). Tem ficado aquém das expectativas e tem sido criticada a meio da sua execução (Sapir ,2003 e Kok2004), que defenderam a sua revisão em 2005.Uma das fraquezas esteve associada ao facto
de não existir uma forte liderança institucional para monitorizar o progresso e estimular o empenho na implementação das medidas acordadas (Copeland 2012: 235).
A revisão dos objetivos para o desenvolvimento da EU acabou por ser precipitada pela crise em 2008; assenta no
desiderato de uma coordenação efetiva das politicas sociais e de emprego, restando-nos esperar que os mecanismos de governança sejam reforçados em prol do sucesso da nova estratégia – Estratégia 2020.
4.
Observações finais
Tentando responder às questões que formulei na introdução, podemos dizer que na UE, se podem agrupar os países
segundo quatro modelos de proteção social, de acordo com o seu desempenho em termos de eficiência e equidade e que estão associados a diferentes tipos de mercados de trabalhos. Portugal insere-se no modelo mediterrânico
que se caracteriza por um menor desempenho em termos de eficiência e equidade mas, não são é só este grupo
que deve reformar. Na realidade, os desafios da globalização, o aumento da esperança de vida e a crise financeira
ameaçam o estado social quer em Portugal, quer nos restantes países da Europa e pressionam para reformas estruturais, entre elas, a dos sistemas de pensões. Portugal tem registado um mais rápido e maior crescimento das despesas
com as pensões em percentagem do PIB, triplicando desde os anos 80 e, atingindo um valor superior à média da
OCDE. Uma reflexão em torno das medidas de reforma em curso nos países da OCDE e em Portugal e previstas a
médio prazo, de um modo geral, não ameaçam, por enquanto, a manutenção de um estado social. Porém, dão
maior prioridade aos objetivos de sustentabilidade, de equidade intergeracional e de adequabilidade à capacidade da economia, o que implica um ajustamento dos montantes de benefícios sociais ao nível do rendimento nacional.
A EU tem sido, recentemente, redefiniu a sua estratégia de desenvolvimento até 2020 e está mais determinada a implementá-la com sucesso, coordenando e apoiando com fundos europeus os países membros nas suas politicas nacionais estruturais de redução do desemprego e de reforço da sustentabilidade dos sistemas de pensões e outros
subsistemas sociais. Parecem sinais do reconhecimento de que a construção da união europeia é indissociável da
manutenção de um estado social, embora, certamente, menos universal e muito menos generoso do que no passado, disposto a complementar, mas não a substituir-se, aos esquemas de cobertura de riscos sociais e a fundos de
pensões privados.
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Scharpf, F. W. (2002) ‘The European social model: Coping with the challenges of diversity’. Journal of Common Market
Studies 40 (4): 645-670.
Ana Bela Santos Bravo
Professora Catedrática em Economia e Administração
Academia Militar, Depart. C. Sociais e Humanas
[email protected]
O envelhecimento populacional coloca diversos desafios às sociedades contemporâneas, nomeadamente nos domínios dos cuidados de saúde, cuidados sociais, proteção social, produtividade económica, entre outros domínios.
Uma das estratégias políticas mais propaladas para lidar com estes desafios, tanto ao nível europeu como a nível
global, é o “Envelhecimento Ativo”. Apesar da crescente ênfase atribuída ao envelhecimento ativo, ainda não se
sabe muito bem de que é que falamos quando falamos de EA, pois não existe um consenso sobre a sua definição.
Para além disto, o debate sobre o EA, mais concretamente sobre o seu suporte teórico e empírico, bem como sobre
as suas potencialidades, obstáculos e riscos, ainda está numa fase inicial. Este artigo pretende contribuir para a discussão crítica das políticas de EA, procurando discutir, mais especificamente, os obstáculos, as potencialidades e os
riscos das políticas de EA.
Introdução
O envelhecimento demográfico começou a figurar nas agendas política e científica a partir dos anos 90 do Séc. XX,
tendo-se observado, desde essa altura, uma multiplicação de iniciativas políticas “que enfatizam a necessidade de
encontrar respostas sociais para os desafios que o envelhecimento demográfico representa” (Lopes e Lemos, 2012:
20). O envelhecimento demográfico coloca um conjunto de desafios ao nível das políticas públicas, que Walker
(2002) resume em quatro dimensões específicas: a) pressão política sobre a sustentabilidade dos sistemas de pensões; b) o envelhecimento da população ativa, implicando um novo posicionamento sobre as políticas que incentivam a saída precoce do mercado de trabalho; c) uma maior oferta de políticas de cuidados e de apoio social, assim como a promoção do envelhecimento saudável de forma a evitar futuros problemas de saúde e incapacidade;
d) a promoção de uma cidadania comum para fazer face à crescente diversidade da população idosa e os riscos
de exclusão social que este grupo etário enfrenta. Neste contexto, o envelhecimento ativo (EA) “tem sido cada vez
mais incorporado em discursos sociopolíticos e tem servido como referência em muitos países europeus que introduzem as recomendações do modelo nos seus planos nacionais de saúde e nas agendas de ação social” (Ribeiro,
2012:35).
As primeiras propostas teóricas sobre o EA remontam à “teoria da atividade” (Havighurst, 1961). Este modelo teórico
reconhece a importância da atividade no processo de bem-envelhecer, partindo do pressuposto de que os idosos
com uma participação ativa em diversos domínios da vida apresentam um bem-estar positivo (Katz, 2000; Adams et
al., 2011; Bowling, 2008). Contudo, esta teoria tem sido criticada por ser demasiadamente redutora (Walker, 2002;
Boudiny, 2013), pois propõe generalizações acerca do envelhecimento, acabando por não considerar a heterogeneidade que caracteriza o grupo das pessoas idosas (Walker, 2002; Bowling, 2008). Por seu lado, a “teoria do desengajamento” (disengagement) de Cumming e Henry (1961), apoiada nas perspetivas funcionalistas, contraria total-
mente o preconizado pelo EA uma vez que dá conta de uma retirada gradual das pessoas idosas das interações e
atividades sociais com a entrada na velhice, o que por sua vez facilita a transição para a morte com o mínimo de
perturbação para a sociedade quando esta ocorrer (Bowling, 2008). Deve salientar-se que esta teoria tem sido largamente desacreditada por ignorar as próprias perceções das pessoas idosas, pois o desligamento que ocorre dos seus
papéis sociais e da própria sociedade pode ser interpretado de forma muito diferente (Boudiny, 2013). A “teoria da
continuidade” proposta por Atchley (1989) foi das que mais simpatia recolheu por reconhecer que o mais importante
não é a quantidade de atividades realizadas, mas sim a sua qualidade do ponto de vista das avaliações realizadas
pelas pessoas idosas, tendo também reconhecido que nas fases mais adiantadas da vida existem processos de ajustamento e de adaptação. No entanto, assim como as outras teorias anteriores, tende a ignorar as estruturas de poder que restringem os indivíduos, bem como a diversidade dos padrões de desigualdade social (Bowling, 2008).
Por fim, uma teoria alternativa é apresentada por Vincent Caradec (2007). Este autor sugere um quadro concetual
para abordar o envelhecimento assente no conceito de “desafio” (épreuve). Focando-se na “grande idade” (80 e
mais anos, embora reconheça que esta delimitação etária é um pouco artificial), Caradec define o “desafio” como
um processo de reconstrução da nossa existência que ocorre gradualmente à medida que as pessoas enfrentam
dificuldades acrescidas devido ao envelhecimento. Esta reorganização é marcada pelo abandono de certas atividades e certas relações. Em suma, embora algumas atividades sejam abandonadas, outras são mantidas, sobretudo
as que são mais importantes para o individuo. A “déprise” é então um processo ativo por meio do qual as pessoas
que estão a envelhecer implementam estratégias de adaptação a fim de manterem os compromissos que são importantes para elas.
Existem diversas organizações supranacionais, nomeadamente a Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização Mundial de Saúde (OMS), a União Europeia e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que adotaram o discurso do EA de forma a promoverem políticas públicas direcionadas para o problema do envelhecimento da população e alertar as sociedades para este fenómeno. Contudo, cada uma destas organizações adota a sua própria definição de envelhecimento ativo, “refletindo preocupações e soluções distintas
que resultam, pelo menos parcialmente, dos objetivos e do âmbito de intervenção que as caracterizam” (Marques et
al, 2012:55).
Este artigo resulta de um outro mais abrangente (São José e Teixeira, s.d.), no qual se pretendeu dar resposta a quatro questões essenciais: Que conceções de EA se conhecem e de que forma é que convergem e divergem? Em que
medida é que o discurso do EA tem suporte na teoria existente? Até que ponto é que o ideário do EA encontra correspondência nas práticas individuais? Quais são as potencialidades, os obstáculos e os riscos das políticas de EA?
Neste artigo debruçamo-nos sobre a última questão, procurando oferecer uma resposta mais detalhada em comparação com a que foi oferecida no primeiro artigo.
Âmbito do estudo e aspetos metodológicos
A análise das potencialidades, obstáculos e riscos das políticas de EA decorre de uma análise prévia das conceções
existentes sobre o EA. Esta análise encontra-se descrita e discutida em São José e Teixeira (s.d.), no âmbito da qual se
realizou uma pesquisa sobre documentos e “páginas web”- da autoria de organizações governamentais ou supragovernamentais, bem como de organizações não governamentais - que fazem uma referência explícita ao EA, tendose posteriormente criado três grupos de documentos. Um primeiro grupo constituído por documentos e 1“página
web” que oferecem uma definição explícita de EA ou que tecem suficientes considerações sobre as características/
propriedades do EA. Um segundo grupo composto por documentos que não oferecem uma definição explícita de
EA ou que não contêm elementos suficientes para se poderem captar as conceções de EA neles contidas. Um último
grupo de documentos que adotam as definições propostas previamente noutros documentos e que não lhes acrescentam nada de relevante. Face a esta diversidade, adotaram-se duas estratégias analíticas diferentes:
 Análise de conteúdo temática dos documentos pertencentes ao primeiro grupo, tendo-se seguido os procedimentos básicos da Framework Analysis (Ritchie e Lewis, 2003). Esta análise teve como objetivo identificar as
principais categorias que constituem as conceções de EA veiculadas naqueles documentos. Esta análise foi
realizada com o auxílio do programa informático “NVivo 9”.
 Leitura atenta dos documentos incluídos no segundo e terceiro grupos, com o propósito de complementar ou
calibrar a análise dos primeiros documentos.
Os documentos pertencentes ao primeiro grupo são da autoria da OCDE, OMS e EU, tendo-se realizado uma análise
comparativa das conceções de EA propostas por estas organizações supranacionais. Muito resumidamente, a con-
ceção de EA da OCDE é individualista (conceção do EA como uma responsabilidade individual) e tendencialmente
economicista (valorização da dimensão económica do “ser ativo”, isto é, da participação no mercado de trabalho).
No polo oposto temos a conceção da OMS, que é solidária (conceção do EA como uma responsabilidade coletiva),
multidimensional (valorização de diversas dimensões do “ser ativo”), humanista (os direitos das pessoas idosas e o
bem-estar destas estão no centro das preocupações) e sensível aos contextos de vida (reconhecimento do papel
determinante dos contextos micro, meso e macro sociais sob os quais se envelhece ao longo da vida). Por seu lado,
a conceção da EU está mais próxima da conceção da OMS, caracterizando-se por ser solidária, tendencialmente
economicista e instrumental (o indivíduo ativo como um meio para se alcançarem certos desígnios societais) e menos sensível aos contextos de vida. A conceção mais abrangente e “equilibrada” é, de acordo com a nossa análise,
a da OMS.
Obstáculos, potencialidades e riscos das políticas de EA
Existem algumas dinâmicas/estruturas sociais que podem funcionar como obstáculos na implementação das políticas de EA, principalmente das que pretendem aumentar a proporção de pessoas mais velhas no mercado de trabalho, bem como as que procuram prolongar as suas trajetórias profissionais. Entres estes obstáculos destaca-se o
“idadismo” que continua a persistir nos mercados de trabalho (Walker, 1997; Abrams et al, 2011; Boudiny, 2012) e que
se traduz, por exemplo, numa maior apetência dos empregadores para contratarem trabalhadores mais jovens em
vez de trabalhadores mais velhos, por um lado, e numa falta de preocupação dos empregadores em tornarem os
locais de trabalho “amigos” dos trabalhadores mais velhos, por outro. Apesar de existir alguma legislação que proíbe
a discriminação no trabalho baseada na idade, a mesma poderá não ser suficiente se os diversos atores no mercado de trabalho não estiverem suficientemente “abertos” à atividade laboral das pessoas mais velhas. A este respeito,
um estudo realizado em Portugal revela que o “idadismo” é mais fraco sobre os trabalhadores em situação de “préreforma” que se mostram disponíveis para prolongar a sua carreira profissional (Marques et al., 2012). Tal demonstra
que “there is a need for a sustainable approach to active ageing that emphasises economic opportunities and takes
into account the need to reinforce protection against discrimination (Foster, 2012: 228)
No respeitante às potencialidades das políticas de EA, estas podem-se encontrar tanto ao nível individual como ao
nível societal (embora seja difícil estabelecer as fronteiras entre estes dois níveis). Ao nível dos potenciais benefícios
para os indivíduos, existe evidência empírica de que a atividade (física e mental) e os contatos sociais melhoram os
níveis de bem-estar e de qualidade de vida (WHO, 2002; Skelton et al., 2005; Bowling e Gabriel, 2004). Um estudo realizado recentemente concluiu que a atividade física previne o agravamento de problemas de saúde e facilita a melhoria de condições frágeis de saúde (Borrat-Besson et al., 2013). Acrescente-se, ainda, que a participação em atividades sociais tende a reduzir os sintomas depressivos ao longo do tempo, particularmente a participação em atividades religiosas ou ligadas à igreja, o mesmo não acontecendo com a participação em atividades de voluntariado
e de caridade (Croezen et al, 2013). Por último, importa referir que a permanência no mercado de trabalho até à
idade da reforma parece prevenir o declínio das capacidades cognitivas, dado que estudos recentes demonstram
que a reforma antecipada acelera o processo de declínio cognitivo (Mazzonna e Peracchi, 2013; Börsch-Supan e
Schuth, 2013). Segundo estes estudos, o declínio cognitivo resulta da diminuição de contatos sociais provocada pela
saída precoce do mercado de trabalho. Ainda a este respeito, constata-se que os desempregados têm um risco
mais elevado de depressão do que os empregados (Neves et al., 2013).
Ainda ao nível dos potenciais benefícios para os indivíduos, as políticas de EA, caso adotem uma perspetiva de percurso de vida (direcionando-se para todas as fases do percurso de vida individual e não apenas para as fases mais
adiantadas deste percurso), podem tornar-se numa abordagem que previne a ocorrência de problemas e dificuldades nas fases mais adiantadas da vida (Walker, 2002). Tal significa que “an active ageing framework needs to
acknowledge the diverse experiences people face and the lack of choice often associated with retirement decisions” (Foster, 2012:228) e que as pessoas idosas não são um grupo homogéneo, em que a diversidade individual tende a aumentar com a idade (WHO, 2002).
As políticas de EA poderão, ainda, contribuir para a emancipação e o empoderamento das pessoas idosas
(Almeida, 2007), no sentido do reforço da dignidade e do estatuto social desta categoria de pessoas, principalmente
se assentarem numa abordagem “de baixo para cima” (valorizando os interesses, as necessidades e as capacidades individuais), tal como preconiza a conceção de EA da OMS.
Acrescente-se, por último, que as políticas de EA poderão promover a inclusão das pessoas idosas que se encontram
em posições mais desfavoráveis (ex.: idosos com problemas ao nível da independência e da autonomia), combatendo, assim, a exclusão social deste segmento da população.
Assumindo que existe um círculo virtuoso entre atividade e saúde (Holstein e Minkler, 2003), em que as pessoas mais
ativas tenderão a ser mais saudáveis e, por sua vez, as pessoas mais saudáveis tenderão a ser mais ativas, as políticas
de EA também poderão produzir benefícios societais. Por exemplo, as pessoas ativas em termos laborais contribuem
para a produtividade económica e para as receitas dos sistemas de proteção social e tenderão a ser mais saudáveis
e, por seu lado, as pessoas mais saudáveis tenderão a recorrer menos aos serviços de saúde, contribuindo desta forma para a contenção da despesa pública com estes serviços.
No entanto, os contributos societais podem advir de outras formas de atividade protagonizadas pelas pessoas idosas.
Ajudar a cuidar dos netos poderá levar a que os casais tenham mais filhos e poderá facilitar a conciliação entre as
responsabilidades familiares e as responsabilidades profissionais por parte dos respetivos pais (Brugiavini et al., 2013).
Para além disto, as pessoas idosas que prestam cuidados aos netos tendem a ter uma maior probabilidade de virem
a receber cuidados dos seus filhos adultos (e respetivos cônjuges), como forma de retribuição, quando um dia precisarem. A prestação destes cuidados contribuirá para a contenção das despesas públicas com os serviços sociais
(Brugiavini et al., 2013). Associado a este aspeto, pode-se ainda referir que as políticas de EA poderão contribuir para
a promoção da solidariedade intergeracional e o concomitante reforço da igualdade e da justiça entre as gerações
(Walker, 2002).
Além disso, uma estratégia de envelhecimento ativo pode se constituir como uma resposta para os países enfrentarem os desafios do envelhecimento da população, bem como o aumento das despesas das pensões na UE, se a estratégia utilizada tiver como base uma parceria entre o cidadão e a sociedade em geral e apontar para uma abordagem abrangente, não coerciva e inclusiva (Foster, 2012).
As potencialidades das políticas de EA são suficientemente atrativas para impedir que “se deite o bebé fora com a
água do banho”, ou seja, para impedir uma rejeição liminar e total do ideário que lhes está subjacente. Contudo,
existem alguns riscos, de natureza diversa, que merecem especial atenção.
Concordamos com alguns autores (ex.: Holstein e Minkler, 2003) que consideram a individualização do EA, isto é, a
conceção do EA enquanto desígnio societal cujo alcance depende exclusivamente ou essencialmente dos indivíduos, como um dos riscos das políticas de EA. A individualização do EA negligencia o papel determinante dos contextos micro, meso e macro sociais sob os quais se processa o envelhecimento (ex.: recursos financeiros, género, classe social, rede de serviços e equipamentos sociais) e, por outro lado, desresponsabiliza as sociedades e as suas instituições políticas relativamente à promoção do bem-estar de todos os cidadãos. Este risco está presente na conceção de EA da OCDE. Ora, considerando que os recursos e os constrangimentos estão desigualmente distribuídos pelos indivíduos numa dada sociedade (como resultado do condicionamento exercido pelos diferentes contextos em
que estão inseridos), por um lado, e face à eventualidade de as entidades públicas não se assumirem também como
responsáveis pela promoção do EA, por outro, será de esperar que o ideal “ser ativo” seja mais fácil de alcançar para alguns indivíduos do que para outros. Existirão mesmo indivíduos que nunca conseguirão alcançar, minimamente,
este ideal. Consequentemente, alguns indivíduos poderão tirar vantagens, de diversa natureza, por fazerem parte da
categoria dos “ativos”, enquanto outros (quiçá a maior parte) não poderão fazer parte desta categoria, vendo reproduzidas as suas desvantagens e as suas posições marginais na sociedade, ao que se associará um sentimento de
falhanço individual, assim como um sentimento de culpa por não estarem a contribuir para o desígnio societal, ou
seja, para o bem-estar coletivo. Portanto, o risco de individualização do EA comporta outro risco, que é o da reprodução das desigualdades sociais e da exclusão social, especialmente se o “ser saudável” for o fim último do EA, dado que a condição de saúde depende não só dos contextos micro, meso e macro sociais acima mencionados, mas
também da incontornável genética que acompanha cada indivíduo. A saúde individual é um determinante do EA,
embora como já se referiu anteriormente, a atividade tende a contribuir para a manutenção/melhoria da condição
de saúde.
O risco da individualização do EA está ligado a outro risco, nomeadamente o risco de “moralismo”, que está presente na conceção de EA da OCDE. Se a tónica incidir no “dever de ser ativo” em detrimento do “direito de ser ativo”
ou, nas palavras de Katz (2000), se a “atividade” se sobrepuser à “liberdade”, a política de EA pode tornar-se
“moralista” ou até mesmo “coerciva” (Walker, 2002) ou “opressiva” (Holstein e Minkler, 2007). Lloyd (2012) sugere que
o discurso do EA poderá até ser “insultuoso”, particularmente para as pessoas idosas que são “obrigadas”, por necessidade, a manterem-se inseridas no mercado de trabalho, mesmo com custos para as suas condições de saúde. Segundo esta autora, nestes casos, o estímulo à permanência no mercado de trabalho, que comporta malefícios para
a saúde pessoal, deveria ser substituído pela garantia de montantes mínimos de pensões que possibilitem a saída do
mercado de trabalho com consequentes benefícios para a saúde pessoal.
O unidimensionalismo é outro risco das políticas de EA, que se caracteriza pela valorização de um única dimensão
do EA em detrimento de outras. Por exemplo, a ênfase numa visão “produtivista” do EA (Carmel et al., 2007; Walker e
Maltby, 2012), baseada numa híper-associação entre “ser ativo” e “ser produtivo” (sobretudo em termos económi-
cos), bloqueia o acesso ao capital simbólico “ser ativo” por parte das pessoas idosas que, por razões de diversa natureza (ex.: falta de saúde, escassez de recursos ou de oportunidades), não têm capacidade para realizar atividades
produtivas. Estas pessoas correm o risco de serem rotuladas de “passivas”, o que poderá fazer acentuar sentimentos
de dependência e de declínio. A aposta numa única grande via para o EA dará também origem ao risco de exclusão social. O risco de unidimensionalismo encontra-se nas conceções de EA da OCDE e da EU, principalmente na
conceção da OCDE.
A exclusão social poderá também resultar da valorização de certas práticas e estilos de vida que são “irrealistas”
para algumas pessoas idosas em virtude das condições em que se encontram (ex.: pessoas idosas que se debatem
com severos declínios dos pontos de vista físico e cognitivo). De forma a evitarem o risco de irrealismo, as políticas de
EA não deverão negar o inevitável envelhecimento do corpo humano, pois, caso contrário, poderão, elas própria,
tornarem-se “idadistas” (Katz, 2009). A conceção de EA da OCDE é a que mais comporta este risco.
O “etnocentrismo político”, caracterizado pela imposição, a partir dos “gabinetes” dos decisores políticos, de modelos insensíveis/desadequados do ponto de vista social e cultural, é outro risco das políticas de EA. Este risco resulta,
em grande parte, da persistente negligência das perspetivas das próprias pessoas idosas sobre o que é “envelhecer
bem” (Bowling, 2008; Stenner et al., 2010; Ribeiro, 2012).
Por último, mas não menos importante, algumas políticas de EA têm o risco de funcionarem como uma causa mais
direta de diminuição do bem-estar individual, embora os riscos atrás mencionados também possam ter como consequência final a diminuição do bem-estar. Por exemplo, as trajetórias profissionais mais longas poderão provocar uma
redução dos níveis de bem-estar e aumentar a prevalência de sintomas de depressão (Fonseca et al., 2013). Assim
sendo, a opção por medidas que promovam o prolongamento da ligação ao mercado de trabalho deverá ser
acompanhada por medidas promotoras de condições de trabalho que previnam os efeitos adversos nos níveis de
bem-estar dos trabalhadores (Fonseca et al., 2013).
Conclusão
Como tivemos a oportunidade de constatar, o ideário do EA e as medidas concretas que o materializar (ou que o
poderão materializar) apresentam diversas potencialidades. Por conseguinte, julgamos o projeto do EA merece ser
apoiado, mas para que se traduza num instrumento efetivo de política pública é necessário remover os obstáculos
estruturais relacionados com a idade e a dependência (ex.: o idadismo), assim como contornar os riscos que lhe estão associados. Acompanhando as propostas de alguns autores (ex.: Holstein e Minkler, 2003; Boudiny, 2012; Wiles et
al., 2012), julgamos que as políticas de EA talvez beneficiassem de uma menor ênfase na “atividade”, e também na
“saúde”, e de uma maior ênfase no “engajamento com a vida em geral” ou na ideia de “envelhecer bem”. Estar
engajado com a vida em geral (nas fases mais adiantadas do percurso de vida) e envelhecer bem não passará por
respeitar a idade e o envelhecimento humano? Não passará por aceitar as descontinuidades com o passado, nomeadamente em termos de saúde, de atividades e de relacionamentos, e por, simultaneamente, lidar
“adequadamente” com condições adversas e fazer ajustamentos face a limitações?
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José de São José
Doutorado em ciências sociais, especialidade em Sociologia Geral, pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade
de Lisboa. É Professor Auxiliar na Faculdade de Economia da Universidade do Algarve e membro integrado no Centro de Investigação Sobre o Espaço e as Organizações (CIEO). Os seus principais interesses de pesquisa estão relacionados com os cuidados sociais, bem-estar e qualidade de vida das pessoas idosas, relações intergeracionais e políticas públicas e sociais no âmbito do envelhecimento e da população idosa. Tem coordenado projetos de investigação nesta área e tem também publicado em várias revistas internacionais.
Ana Teixeira
Mestre em Sociologia e Planeamento pelo ISCTE – Universidade de Lisboa. Doutoranda em Sociologia no Instituto de
Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Bolseira de Investigação Cientifica no Centro de Investigação Sobre o
Espaço e as Organizações (CIEO).
José de São José ([email protected])
Ana Teixeira ([email protected])
Atualmente Portugal, é um dos países mais envelhecidos da Europa representando as pessoas idosas 19% do total da
população. Existe um vasto campo de investigação e reflexão sobre as políticas públicas para este setor, tendo em
vista não só a resolução de problemas, mas também o desenvolvimento de políticas públicas de envelhecimento
ativo num contexto de maior respeito pelos direitos da população idosa e segundo um novo paradigma de intervenção com maiores oportunidades de educação, participação social e bem-estar. Neste contexto, surge este projeto
de investigação de doutoramento em Política Social, que pretende identificar os fatores socioculturais que influenciam a escolha na aprendizagem das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), no âmbito em que se inscreve a formação ao longo da vida. O envelhecimento é consequência da nossa base filogenética, da nossa hereditariedade, do meio físico, social, cultural, político, económico e tecnológico de uma sociedade. Porém, observa-se
uma grande heterogeneidade entre as pessoas, ao nível do seu processo de envelhecimento, e a própria dimensão
do envelhecimento da população mundial desencadeia uma consciência inquietante da necessidade de se intervir
junto da população, colocando o envelhecimento como macrotendência e como problema social que a sociedade e o Estado têm de enfrentar nos próximos anos. A Sociedade da Informação e do Conhecimento, definiu novas
possibilidades e limites para as pessoas idosas, com a introdução das TIC mudou o modo de acesso à produção de
conhecimento. A utilização do computador e da Internet tornou-se, não só num imperativo dos sistemas ensinoaprendizagem, como condição de inclusão de todos os cidadãos. A formação ao longo da vida ou aprendizagem
ao longo da vida (ALV) em combinação com as abordagens propostas pelas políticas de educação de adultos podem ser ampliadas e mais bem-sucedidas através de um contexto digital com as TIC. Todos estes desafios não podem ser enfrentados apenas pelo Estado Social, exigindo uma ressocialização das sociedades civis, sendo necessário
investir em políticas públicas de educação e formação mais ativas no campo da qualificação do capital humano, e
promover ações de empowerment, que intensifiquem a capacitação resiliente da população idosa.
Problema a ser investigado e objetivos da pesquisa
No atual e exigente contexto social e económico, o envelhecimento demográfico, que se intensificará ao longo do
século XXI, apresenta desafios para a sociedade, especialmente ao nível de crescimento económico e da sustentabilidade financeira. O envelhecimento ativo passa pela participação dos adultos mais velhos na Sociedade da Informação e do Conhecimento, o que implica a necessidade de reforçar a melhoria das suas qualificações, nomeadamente no âmbito da Aprendizagem ao Longo da Vida (ALV) e em particular na aprendizagem das Tecnologias de
Informação e Comunicação (TIC). Este processo de aprendizagem, talvez reforce a inclusão dos mais velhos na sociedade, combata a solidão e a exclusão social e promova um bem-estar e melhoria na qualidade de vida destes
cidadãos.
O objetivo geral desta investigação é identificar os fatores socioculturais que influenciam e condicionam a escolha
na aprendizagem das TIC, em populações 50+ e conhecer os impactos no bem-estar destas populações ao longo
do processo de envelhecimento. Como objetivos específicos estabelecemos: caracterizar a população 50+ ligada à
aprendizagem das TIC, sob o ponto de vista das variáveis sociodemográficas (Idade, Género, Estado Civil, Habilitações Literárias, Profissão, Rendimento); caracterizar o perfil da população 50 + que aprendeTIC; caracterizar o perfil
da população 50 + que não aprende TIC; conhecer a perceção da população 50 + relativamente aprendizagem
das TIC; conhecer as competências digitais da população 50 + que já aprendeu TIC e sua aplicabilidade no quotidiano. Para o efeito, iremos estudar as populações com 50 + anos em formação nas universidades seniores do distrito
de Castelo Branco durante o ano letivo 2013/2014. O desafio que o envelhecimento da população representa no
domínio da educação e da aprendizagem ao longo da vida, a importância das novas tecnologias no mundo global
e o seu papel na qualidade de vida, são fatores relevantes para contribuir para uma nova visão sobre o envelhecimento e formação ao longo da vida.
Estado da arte
Desafios e oportunidades do envelhecimento demográfico
O Envelhecimento é um fenómeno conhecido nas sociedades desenvolvidas que está presente na realidade portuguesa. As suas consequências fazem sentir-se hoje ao nível da carência de recursos financeiros e de respostas sociais
alargadas, e far-se-ão sentir de um modo particularmente preocupante nas próximas décadas, com a realidade que
se perspetiva: a duplicação da população idosa. O aumento gradual da esperança média de vida, a passagem
gradual da população em idade ativa para o grupo dos inativos pensionistas, entre outros, são os fatores do alargamento do topo da pirâmide (envelhecimento no topo da pirâmide) e, em termos estruturais, da progressiva inversão
da própria pirâmide etária. O processo de envelhecimento demográfico não é, ainda assim, apenas um fenómeno
português ou meramente conjuntural. De facto, as características atuais e os cenários prospetivos apontam para
tendências claras, em que o número de pessoas idosas vai aumentar de forma acentuada, aumentando de 85 milhões em 2008 para 151 milhões em 2060 na União Europeia (UE). O progressivo envelhecimento da população mais
idosa é um aspeto importante do envelhecimento demográfico (European Comission, 2009a).
Em particular, os dados definitivos dos Censos de 2011, realizados em Portugal, publicados pelo INE (2012), mostram
grandes indícios para que esta tendência se venha a verificar. O Gráfico 1, mostra a evolução em termos percentuais de diferentes grupos etários de acordo com os quatro últimos censos realizados entre 1981 e 2011. Como facilmente se observa, há um decréscimo acentuado nos grupos etários compreendidas entre os 0-24 anos como resultado de uma diminuição da taxa de natalidade. Em sentido oposto, surgem os grupos etários correspondentes aos
mais idosos (65 ou mais anos), as quais têm vindo a crescer, tendo esse valor quase duplicado em cerca de 30 anos
e com todas as probabilidades para se vir a acentuar.
Gráfico1 - Estrutura da população residente em Portugal por grupos etários em 1981, 1991, 2001 e 2011
No caso concreto de Portugal, o processo de envelhecimento demográfico é explicado por um novo modelo teórico, a transição demográfica, caracterizada por um tipo de natalidade e mortalidade elevados, para um modelo em
que ambas as variáveis assumem valores muito reduzidos, com a emigração muito jovem, entre os finais dos anos 50
e meados de 70, a acentuar a transição. O impacto do Envelhecimento no processo de formulação e implementação de políticas públicas vai requerer a reformulação e a implementação de políticas destinadas a este estádio de
desenvolvimento demográfico e segmento de população, que em 2030 poderá representar 23,30% e, em 2050, 30%
da população portuguesa (Eurostat, 2008). Tendência que de igual modo se verificará na UE e que significará, também, que em 2050, cerca de 50% da população europeia terá mais de 50 anos (European Comission, 2009b).
Perante o fenómeno multidimensional do Envelhecimento, urge a necessidade de preparar as respostas às suas consequências. O aumento da esperança média de vida – que em 2011 está estimado em 76 anos para os homens e 83
anos para as mulheres; em 2030 será de 80 anos e 85 respetivamente; e em 2050 de 83 anos e 88 anos, respetivamente (European Comission, 2009c) – implicará, nomeadamente, uma nova estrutura etária de ativos, com maior percentagem entre os 50/70 anos e uma nova classe de potencialmente ativos acima do 70 anos, cuja saúde e capacidade de vida exigirão novas formas de ocupação produtiva. De acordo com as “Projeções de População residente em
Portugal, 2008-2060”, a população jovem tenderá a diminuir até aos 11,9%, enquanto a população idosa corresponderá a cerca de 32,3% do total do contingente populacional (INE, 2009).
Se é verdade que este processo tem já um caráter estrutural na sociedade portuguesa, verifica-se no entanto, uma
significativa heterogeneidade regional. Assim, o envelhecimento demográfico é mais elevado nas NUT III do interior
do país do que nas NUTIII do litoral, resultante do facto de coexistirem nos territórios mais interiores do país as menores
taxas de fecundidade e de natalidade, menor índice de jovens e maior índice de idosos. Em termos regionais, salienta-se a região do Alentejo, com um índice de 171 idosos para cada 100 jovens, a região Centro, com 140 idosos para
cada 100 jovens. Em Portugal, foi já ultrapassada a estrutura paritária, apresentando o país uma média de 110 idosos
por cada 100 jovens (Dias & Rodrigues, 2012).
O envelhecimento demográfico incorpora também fatores de heterogeneização: as pessoas idosas não constituem
um grupo homogéneo, nem do ponto de vista das práticas sociais e das representações simbólicas, nem do ponto
de vista das expectativas face à vida e ao futuro. Esta é uma questão central para romper com análises tendencialmente generalistas, como se os idosos fossem um grupo social uniforme. Este equívoco gera, não raras vezes, o desenho de políticas gerais que não respondem aos problemas e às dinâmicas sociais em curso. As questões do envelhecimento abriram um novo campo de debate nas políticas sociais. Assim, sublinha-se a grande relevância das políticas demográficas no contexto das políticas sociais e dos modelos do Estado Social ocidentais, até porque está posta
em causa a sustentabilidade destes modelos de Estado, também por influência destes novos desafios. De facto, o
envelhecimento deixou de ser um problema específico das zonas rurais de um país e passou a ser um problema transversal a todos os territórios. O envelhecimento demográfico lança um vasto conjunto de desafios e de oportunidades
às políticas setoriais, sendo decisivo traduzir esta realidade numa maior abertura a novas práticas e a novos modelos.
A experiência, o saber e o saber-fazer, a constatação dos efeitos perniciosos de uma inatividade abrupta e indesejada, entre outros, abrem desafios para o aprofundamento de modelos e de práticas de «envelhecimento ativo», aspeto central para uma sociedade mais justa e coesa. A Organização Mundial de Saúde (OMS) (2002), define envelhecimento ativo como o processo de otimização de oportunidades para a saúde, participação e segurança, com o
objetivo de melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas envelhecem. Desta forma, a OMS alerta para a
ligação entre atividade e saúde, salientando a importância de se melhorar a Qualidade de Vida no decurso da velhice, mediante a preservação do bem-estar físico, mental e social. Está em causa envelhecer ativamente durante
toda a vida (Hessel, 2008). De acordo com Fernandes (2008), a temática do «envelhecimento ativo» implica, repensar
a definição das pessoas idosas, já consideradas como parte de um processo relacionado com um grupo etário específico, definido de forma estritamente cronológica, mas correspondendo em vez disso a dinâmicas sociais diversificadas. Para Fernandes (2001, p. 42) “(…) caminhamos seguramente para uma sociedade diferente da que conhecemos até agora e onde os padrões institucionais de atuação terão de se adequar às mudanças indeléveis proporcionadas pela revolução silenciosa dos temas demográficos (…)”. Muito deste debate esteve presente na definição dos
eixos fundamentais da Estratégia de Lisboa em 2000 e do quadro de referência que a orientou (Ferrera et al., 2000).
Os desafios colocados ao sistema de financiamento das pensões, em particular, o da Segurança Social, são assim
diversos e complexos. Ainda são mais complexos em países com um Estado Social tardio e débil, como o caso português. Sublinha-se a maior vulnerabilidade da generalidade das pessoas idosas à pobreza, verificando-se que cerca
de metade dos idosos sós situam-se abaixo do limiar da pobreza (INE, 1999), evidenciando as consequentes repercussões sociais do isolamento como um dos desafios atuais das políticas públicas. Portugal mantém uma presença histórica dos grupos mais envelhecidos como sendo mais pobres e vulneráveis à pobreza. Esta situação alterou-se recentemente em Portugal, muito em função da lógica redistributiva do Complemento Solidário para Idosos, mais do que
em função de mudanças das vulnerabilidades estruturais destes grupos. O reflexo dessa medida foi sentido na redução da taxa de pobreza de idosos, de 26 para 21%, entre 2007 e 2008, ainda assim três pontos percentuais acima da
taxa de pobreza geral nacional (Eurostat, 2010a). Isto levanta questões relevantes às políticas sociais, assumindo-se a
especificidade destes grupos, a sua maior vulnerabilidade e a necessidade de definição de medidas de discriminação positiva como instrumentos de reforço dos processos de inclusão social.
A Aprendizagem ao Longo da Vida e as Políticas Educativas
As políticas educativas encontram também nestes grupos etários mais avançados um conjunto de novos desafios e
oportunidades. As pessoas idosas apresentam níveis de escolaridade muito baixos, ao nível do 1º ciclo do ensino básico ou mesmo da ausência de qualquer nível de instrução completo (OCDE, 2006). Esta população trata-se de pessoas com disponibilidade para a aprendizagem, com tempo deixado livre por um processo de reforma muitas vezes
precoce, com um ansiado projeto de escolarização por cumprir e, não menos importante, com alguns recursos financeiros disponíveis, em grupos socioeconómicos específicos. O Memorando sobre a Aprendizagem ao Longo da Vida
aponta que os estados devem “(…) providenciar oportunidades de aprendizagem ao longo da vida tão próximas
quanto possível dos aprendentes, nas suas próprias comunidades e apoiadas, se necessário em estruturas TIC
(…)” (Comissão das Comunidades Europeias, 2000, p. 21). Neste sentido, as TIC são perspetivadas enquanto instru-
mento que aproxima as aprendizagens das populações, permitindo uma igualdade de acesso, assim como a possibilidade de criar redes virtuais de partilha de informação entre grupos geograficamente distantes.
As competências em TIC, deste modo, são vistas como fundamentais para a preparação para uma “cultura de
aprendizagem” da população. Nesta linha de pensamento e com o intuito de preparar para uma economia do conhecimento, a Comissão Europeia catalogou as cibercompetências como uma das competências-chave para a
educação e formação ao longo da vida (Parlement Européen & Conseil de I´Union Européene, 2006). Neste sentido,
os referenciais de competências-chave que estão na base dos sistemas de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC) e cursos de Educação e Formação de Adultos (EFA) determinam a inevitabilidade da
população adulta possuir competências em TIC. Com efeito, no quadro da estratégia portuguesa de ALV, aponta-se
para que, no âmbito da formação contínua, se promova a difusão das TIC em termos de acesso individual e também de reforço do seu uso nos processos formativos. A UE tem vindo a desenvolver um conjunto diversificado de medidas que procuram desenvolver a cooperação comunitária na área do envelhecimento (Comissão das Comunidades Europeias, 2002). Um dos principais objetivos dessas medidas é implementar políticas e práticas a favor de um
envelhecimento ativo. As principais práticas nesta matéria incluem a aprendizagem ao longo da vida, o prolongamento do período de vida ativa, o adiamento da idade da reforma, a introdução de um sistema de reforma mais
gradual, a continuidade de uma vida ativa após a reforma e o desenvolvimento de atividades que permitam otimizar as capacidades individuais e manter o bem-estar da pessoa.
Criar oportunidades para que as pessoas envelheçam ativamente pressupõe o reconhecimento da singularidade de
interesses, de aptidões e de necessidades, facilitando a concretização de atividades significativas para quem as realiza e, eventualmente para os outros. Não existe uma forma de envelhecer bem, há tantas quantas as pessoas que
envelhecem, e por isso, os caminhos são múltiplos. O acesso a contextos de aprendizagem no âmbito da educação
de adultos, pode ser um desses caminhos, algo para o qual Leeson (2009) chama a atenção:
“(….) a aprendizagem ao longo da vida é essencial à constante melhoria de conhecimentos exigida
num mundo em rápida evolução, em que as alterações tecnológicas e demográficas colocam os
seus próprios desafios e oportunidades no mercado de trabalho. Mas a aprendizagem em idade
avançada, implica preparar as pessoas para a cidadania plena nas suas famílias e comunidades,
permitindo-lhes dar o seu contributo para o desenvolvimento e responsabilizarem-se por ele (…)”.
(p.268)
A aposta na formação dos mais velhos e a valorização de novas aprendizagens em idades avançadas nem sempre
é feita, pois ainda temos uma visão redutora de que o investimento em formação só faz sentido quando tem um retorno tangível, pelo contributo que essas pessoas poderão dar em termos produtivos. Apesar dos documentos emanados pela Comissão Europeia a propósito da educação de adultos e da aprendizagem ao longo da vida, referirem
a importância do acesso ao ensino após a idade da reforma, dão particular relevo ao papel que os mais velhos podem ter no mercado de trabalho e à necessidade de facilitar a sua integração em contextos formativos no sentido
de os habilitar a enfrentar novos desafios profissionais. A situação demográfica atualmente em mutação, requer não
apenas o aumento da idade média da reforma, mas também políticas de “envelhecimento ativo” que abranjam os
períodos anterior e posterior à passagem reforma.
Os sistemas de educação de adultos enfrentam um duplo desafio (Comissão das Comunidades Europeias, 2006):
 Para garantir uma vida ativa mais longa, há necessidade de melhorar as competências dos trabalhadores idosos e alargar as suas possibilidades de aprendizagem ao longo da vida. É amplamente reconhecido que, para
que os trabalhadores idosos continuem a ter aceitação no mercado de trabalho, é necessário investir ao longo do ciclo de vida.
 É necessário alargar a oferta de possibilidades de educação aos reformados (incluindo, por exemplo, o aumento da participação de estudantes de idade mais avançada no ensino superior), dado que as pessoas estão a chegar à idade da reforma em melhores condições de saúde física e mental e que a esperança de vida
para além da reforma está a aumentar.
Esta sociedade do conhecimento, globalizada e digital, impôs uma nova dinâmica das políticas europeias num evidente investimento no capital humano pela aposta na ALV. Este investimento pressupõe que, a longo prazo, se aumente a competitividade económica mas sobretudo que a ALV se torne a componente básica do modelo social
europeu (Comissão das Comunidades Europeia, 2001) para superar a desigualdade e exclusão social de algumas
camadas da população. De acordo com o relatório Learning a Living (OCDE, 2005), o investimento na formação de
adultos é importante por várias razões, incluindo, entre outras, o aumento da produtividade, da participação no mercado de trabalho, da participação ativa dos cidadãos e da democracia e para auxiliar os indivíduos nas suas atividades do dia a dia. A motivação individual para aprender, a disponibilização de várias oportunidades de aprendizagem e a garantia do reconhecimento dos diferentes tipos de aprendizagem podem ser encarados como os principais fatores de sucesso de um processo de ALV.
Para além do motivo puramente económico no desenvolvimento de cibercompetências, também se verifica uma
preocupação em combater a “iliteracia digital” por ser um fator de desvantagem social e educativo por parte da
população mais idosa. As exigências da sociedade contemporânea acresceram novas responsabilidades ao ser hu-
mano, nomeadamente no seu percurso educativo, numa dimensão especialmente centrada para a “(…) adaptabilidade, a empregabilidade e a produção de vantagens competitivas no mercado global (…)” (Lima, 2002, p. 129).
Para Castells (2007), a educação e a aprendizagem ao longo da vida constituem ferramentas essenciais para o êxito
no trabalho e desenvolvimento pessoal. Presentemente, o mundo global fortemente marcado pelas TIC exige assim
que toda a população esteja familiarizada com esta mudança, para impedir uma nova forma de exclusão digital
que provocaria, segundo Castells (2005), uma infoexclusão com consequências em termos de desigualdades sociais.
Em 2005 surgiu a i2010, uma iniciativa europeia que apresentou um novo quadro estratégico, em que a principal
aposta do i2010 é a participação plena do cidadão numa sociedade inclusiva. Para tal, foram definidos 3 objetivos a
alcançar (Comissão das Comunidades Europeias, 2005):
 A criação de um espaço único europeu de informação;
 O reforço da inovação e do investimento em investigação na área das TIC;
 A realização de uma sociedade da informação inclusiva.
A propósito deste último objetivo, a Comissão Europeia prevê, entre outros:
 Propor uma iniciativa europeia sobre a infoinclusão que abranja a igualdade de oportunidades, as competências TIC e as clivagens regionais;
 Por em marcha iniciativas que envolvam a utilização das TIC para melhorar a qualidade de vida.
Em Portugal, uma das primeiras iniciativas para fazer face às orientações vindas da UE foi o desenvolvimento de um
Plano Tecnológico (PT) em 2005, que nasceu do Plano Nacional de Ação para o Crescimento e o Emprego. O PT baseia-se em 3 eixos:
 Conhecimento: qualificação dos portugueses para a sociedade do conhecimento, com a elevação do nível
educativo médio dos portugueses, com a implementação da aprendizagem ao longo da vida e mobilizando
os cidadãos para a sociedade do conhecimento.
 Tecnologia: vencer o atraso científico e tecnológico do país, com privilégio da criação das condições para
uma maior empregabilidade e para atividades de inclusão digital.
 Inovação: fomento da flexibilização e adaptação do tecido produtivo como consequência da globalização
através de novos processos e formas de organização de serviços e produtos.
O PT pretende promover um desenvolvimento sustentável através de um conjunto de medidas que operam transversalmente ao nível da qualidade ambiental, coesão social, equidade territorial e cidadania. Um dos vetores do PT é a
iniciativa Ligar Portugal (Programa Nacional para a Sociedade da Informação, julho de 2005), que surgiu como tentativa de responder aos desafios propostos pela UE (por exemplo, o i2010). Ligar Portugal pretende, assim, mobilizar os
cidadãos e as empresas não só para o uso das TIC, mas também para o desenvolvimento de uma sociedade baseada no conhecimento, contribuindo sempre que necessário para a infoinclusão. De entre as medidas desta estratégia,
destacam-se:
 Promover a inclusão social de todos os cidadãos, a colaboração entre pessoas e instituições e o trabalho cooperativo em rede;
 Assegurar a utilização das TIC pelos grupos sociais infoexcluídos;
 Incentivar a Aprendizagem ao longo da vida: desde 2005 mais de 1 milhão de pessoas inscreveram-se na iniciativa “Novas Oportunidades”.
Atualmente o programa do XIX Governo Constitucional continua a apoiar a inovação tecnológica na sociedade
portuguesa com o objetivo de combater as desigualdades sociais. Neste momento, Portugal dispõe de um Programa
Nacional de Reforma 2020, que concretiza e desenvolve linhas de ação para a década em curso, com vista a um
crescimento inteligente, sustentável, inclusivo. Destas linhas de ação consta a Agenda Digital 2015, instrumento fundamental de concretização do Plano Tecnológico (Decreto – Lei nº21/2010). O objetivo do Governo ao colocar as
novas tecnologias ao serviço das pessoas mais velhas, prevê a simplificação administrativa e uma maior descentralização, como forma de incrementar a coesão social e a igualdade.
Situação atual da Educação de Adultos: a história de uma alternância de políticas
Com um historial de alternância entre valorização e desvalorização da Educação de Adultos em Portugal, muito
marcada ideologicamente e determinando orientações políticas que não parecem suscetíveis de conciliação, surge
em 2005, a Iniciativa Novas Oportunidades (INO), enquanto programa de ação governativa PS, com implicações
sobretudo no âmbito das políticas de educação e formação profissional, o qual traduz as assunções do XVII Governo
Constitucional no domínio da qualificação da população portuguesa. Evoluindo a partir da rede de Centros de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (CRVCC) (que existiram de 2000 a 2005), os Centros de
Novas Oportunidades (CNO) são as entidades responsáveis pelo cumprimento desse objetivo, constituindo-se como
uma “porta de entrada” para que os jovens e adultos com idade igual ou superior a 18 anos, sem ou com uma qualificação desajustada ou insuficiente face às necessidades dos indivíduos no mercado de trabalho, sejam acolhidos e
encaminhados para a oferta formativa que mais se adequa ao seu perfil e expectativas. De forma a melhorar a capacidade de resposta das estruturas do sistema de educação e formação, assistiu-se a um forte alargamento da
rede de CNO a nível nacional, principalmente em 2008, em que, segundo dados da Agência Nacional para a Qualificação (ANQ), em 2006 existiam 270 CNO e em 2010 a rede é composta por 454 CNO (448 em Portugal Continental
e 6 na Região Autónoma da Madeira) (ANQ, 2010).
A certificação de competências em Portugal, em 2011, atingira o seu auge, no que respeita tanto ao alargamento e
aproximação das ofertas ao público, como também da crescente adesão por parte do mesmo e consequente aumento dos níveis de qualificação. No entanto, este discurso que caracterizou e (ainda) caracteriza a INO, distanciase também bastante, das iniciativas que estiveram na origem de uma Educação de Adultos em Portugal. Dependente de apoios europeus, as iniciativas de Educação e Formação de Adultos (EFA), em Portugal têm seguido nos últimos
anos a mesma definição de ALV concebida pela UE, como “(…) a solução para a competitividade da sua economia no mercado global (…)” (Hake, 1998, p. 40). É neste cenário de (re) investimento que, principalmente desde
2005, o Estado assumiu protagonismo no sentido de dar à EFA, um lugar de destaque enquanto política pública. A
criação da INO permitiu recolocar a Educação de Adultos na agenda das políticas educativas, e criar espaços de
discussão e de debate públicos, esclarecer os sentidos da sua relevância na realização do direito à educação e à
(re)valorização das (novas) aprendizagens dos adultos. No entanto, apesar desta centralidade necessária de colocação da EFA no seio da discussão política, os objetivos com que surge são claramente economicistas e rentistas,
acabando por desvirtuar o processo. No sentido de superar os défices de escolaridade da população a um ritmo
acelerado, a INO representou um novo impulso no caminho da qualificação, onde o objetivo foi o da escolarização
geral da população ao nível do ensino secundário.
É inegável que, apesar do objetivo numérico inerente a esta iniciativa, a INO permitiu a massificação e divulgação
da EFA, tanto ao nível da aproximação junto das populações, como do aumento das oportunidades de acesso às
mesmas, permitindo a sua credibilização. Os resultados da Avaliação Externa da INO, levada a cabo pela Universidade Católica, revelaram uma melhoria efetiva das competências-chave dos adultos, com maiores ganhos ao nível
das hard-skills-Literacia (leitura, escrita e comunicação oral) e em e-competência (uso de computador e Internet);
um forte reforço das meta-skills-Auto-Estima e da Motivação para continuar a aprender – “Aprender a aprender”; e
uma melhoria generalizada das soft-skills: competências pessoais, sociais, cívicas e culturais (Carneiro, 2010).
Em 2011, decorrente das consequentes eleições antecipadas onde o PSD subiu ao poder e, com a aproximação do
final do biénio 2010-2011 e das iminentes candidaturas necessárias à continuação do funcionamento das CNO, surgiram rumores na comunicação social por parte dos governantes, com acusações de facilitismo na obtenção dos certificados, a massificação do programa e utilização do mesmo como propaganda política ao longo dos anos de governação do PS, que colocaram a ANQ e a INO no centro de uma batalha política. Com a lei orgânica do XIX Governo, a ANQ e a INO ficaram na dependência dos Ministérios da Economia, do Emprego e da Educação e Ciência,
estando em gestão um processo de avaliação e reestruturação das mesmas com o anunciado objetivo de obter
ganhos de credibilidade e eficiência, garantindo uma maior exigência e rigor nos processos de certificação, verificação e reconhecimento de competências. Resultante deste processo, no final de 2011 foram encerrados 20 dos 450
da rede de CNO, e a ANQ deu lugar à ANQEP (Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional), cuja
mudança de nomenclatura indica a clara mudança de prioridades do Governo relativamente à EFA, numa forte
aposta no ensino profissional e numa explícita ocultação de qualquer modalidade educativa formal especificamente dirigida a públicos adultos.
Indiferente aos resultados positivos da INO, a estratégia do novo governo reside na reestruturação completa do Programa Novas Oportunidades, com vista à sua melhoria em termos de valorização do capital humano dos portugueses, numa aposta na qualificação profissional, por considerar que a INO não teve impacto na empregabilidade. É,
portanto, urgente assinalar que a Educação de Adultos não se esgota em programas de formação de recursos humanos, de formação profissional e de produção de capital humano (Lima, 1994), pelo que a formação para a democracia, para o ambiente e a saúde, para a participação cívica e a autonomia, não devem ser subjugados a critérios de eficiência e eficácia económicas (Jarvis, 1993). Apesar de atualmente vivermos um período incerto quanto
ao futuro da EFA em Portugal, e de 2012 ter sido um ano de transição da INO. De acordo com o Ministério da Economia, o executivo transformou os CNO em Centros Nacionais de Qualificação e Ensino Profissional (CNQEP), no âmbito
de um plano mais vasto de aposta no ensino profissional, que elege como uma nova prioridade em Portugal. A orientação deste governo distancia-se, portanto, de um processo de reconhecimento de experiências e saberes, em que
esta mudança de discursos assenta na (nova) valorização do ensino profissional em detrimento da educação e formação de adultos.
Exposta a várias contradições resultantes de cada momento histórico-político e social, a Educação de Adultos temse afastado da sua original raiz humanista, em que as lógicas da educação popular cívica, da educação comunitária e para o desenvolvimento local, numa valorização da emancipação e da criatividade, tendem, progressivamente, “(…) a ser recusadas ou, sendo toleradas, a atribuir-se-lhes um estatuto periférico em termos de políticas públicas
e um mais baixo status em termos socioeducativos (…)” (Lima, 2007). Numa sociedade, que muitos adjetivam como
«Sociedade do Conhecimento» (Castells, 1996; Gorz, 2003), a persistência de elevados níveis de abandono escolar
precoce e a baixa qualificação da maioria da população ativa portuguesa são factos que deveriam preocupar o
governo e as instâncias europeias. Ao longo das últimas décadas, foram surgindo medidas estratégicas de qualificação nacional, consagrando, nos últimos anos, o reforço na generalização das ofertas formativas, “(…) a aposta estratégica na qualificação da população portuguesa é opção central para o crescimento económico e para a promoção da coesão social e territorial, do desenvolvimento pessoal e de uma cidadania plena (…)” (Ministério do Trabalho e da Segurança Social, 20007, p. 2).
Mais do que nunca, a educação e formação tem aqui um papel fundamental, no sentido de educar para a cidadania, para a tolerância, para a proatividade, de forma a mobilizar-nos em torno destas questões e induzir nos adultos,
alternativas às mudanças, considerando-se uma dimensão mais vasta da EFA, onde “formar-se” é um processo que
se funde com a própria vida dos adultos (Nóvoa & Finger, 1988). As políticas de Educação de Adultos, marcadas por
querer implementar uma dinâmica de ALV, pretendem ajudar as pessoas a prepararem-se para a Sociedade do Conhecimento, caracterizada pela globalização e por uma nova fonte de riqueza: o conhecimento. Esta fonte de riqueza, progressivamente mais digital, implica o desenvolvimento de novas competências para novas realidades,
nomeadamente para o envelhecimento da população, onde a utilização do computador e Internet por adultos
mais velhos poderá ter uma posição de destaque de grande utilidade.
Contudo, conforme destaca Gohn (2001), é possível construir uma nova cultura política de educação de adultos em
espaços de educação não formal, tais como movimentos sociais, sindicatos, associações, partidos políticos, grémios,
etc. Neste contexto, a Universidade da Terceira Idade, Universidade Sénior ou Academia Sénior são a resposta socioeducativa, que visa criar e dinamizar regularmente atividades sociais, educacionais, culturais e de convívio, preferencialmente para e pelos maiores de 50 anos. As atividades educativas realizadas são em regime não formal, sem fins
de certificação e no contexto da formação ao longo da vida (Jacob, 2012). A Associação Rede de Universidades da
Terceira Idade (RUTIS) é uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) fundada em 2005, que tem como
principais objetivos: promover o envelhecimento ativo em todas as suas vertentes, fomentar a educação e o ensino,
a formação profissional e a aprendizagem ao longo da vida, incentivar a investigação académica e científica na
área do envelhecimento e da cidadania. Atualmente esta entidade representa 190 associações em todo o país.
A infoinclusão – as TIC e a população idosa
Atualmente é notório que as TIC se têm vindo a instalar no dia a dia de todos de forma irreversível, influenciando não
só a vida empresarial como privada. Todas as estatísticas demonstram que os mais jovens, também denominados de
«nativos digitais», possuem já as competências básicas que lhes permitem utilizar o computador e as ferramentas da
Internet no seu dia a dia. Este facto não causa grande surpresa porque já cresceram num contexto onde as diferentes tecnologias e dispositivos digitais se encontram acessíveis e disponíveis. Ao invés, os cidadãos mais idosos estiveram privados, na sua grande maioria, destes dispositivos o que faz com que não possuam uma literacia e competência digitais no sentido de lhes permitirem uma utilização sistemática ou mais diária do computador e Internet. Como
refere Kachar (2003), passou a existir uma “relação conflituosa” pela complexidade e desconhecimento dessas tecnologias. Como é afirmado por Vygostsky (1984), é necessário considerar o meio social onde o indivíduo se encontra
e, no caso destes adultos mais velhos, as vidas destes cidadãos desenvolveram-se num contexto social e histórico
onde as tecnologias não constituíram uma realidade no seu quotidiano.
De acordo com o Eurostat (2010b), 37% dos indivíduos entre 55 e 74 anos de idade utilizaram a Internet, em média,
pelo menos uma vez por semana, nos 27 países da UE. Comparando-se a 90% dos indivíduos entre 16 e 24 anos de
idade, e 73% dos indivíduos entre 25 e 54 anos de idade. As pessoas idosas são normalmente descritas como tecnofóbicos, isto é, como uma pessoa que tem medo, não gosta ou evita novas tecnologias. Esta caracterização das pessoas idosas pode estar relacionada ao facto de que estas, são o grupo etário com menor proporção de uso do computador e da Internet, mas também pode estar relacionado a um preconceito ou estereótipo. Podemos encontrar
provas deste estereótipo na cultura popular, a partir de uma infinidade de desenhos animados para comerciais e
vídeos, onde a pessoa idosa e o uso de computador é ridicularizado. Este preconceito contra as pessoas idosas,
ageism, conforme definido por Butler (1969), tem consequências sociais, culturais e económicas, já que estigmatiza e
discrimina as pessoas idosas.
O envelhecimento da população, sem dúvida, traz desafios sociais e económicos, começando por uma dependência baseada na idade, as pesquisas indicam que a idade é um dos principais fatores da exclusão digital. A utilização
do computador e da Internet são negativamente correlacionados com a idade (Norris, 2001; Rice & Katz, 2003), criando uma “fratura digital cinza” (Millward, 2003). Mas isto significa, que os idosos têm medo ou não se querem envolver com as TIC? Vários estudos têm mostrado que as pessoas idosas estão dispostas a utilizar as TIC (Czaja & Lee,
2007), entretanto a maioria dos cidadãos mais idosos enfrentam obstáculos: problemas físicos que limitam a utilização
das TIC, a falta de um computador com acesso à Internet, e até mesmo a falta de interesse geral no domínio das TIC
(McCann & Giles, 2004).
Para tentar rever este cenário, existem alguns estudos e iniciativas com vista ao fomento da utilização das TIC entre a
população idosa. Esta situação, foi em parte impulsionada pelo aumento do número de pessoas idosas que têm demonstrado interesse pelas TIC. Aliás, um estudo realizado entre 2002 e 2007 entre a população idosa de 5 países da
UE demonstraram que a utilização da Internet pela população idosa tem aumentado. Os indicadores revelam que a
utilização da Internet entre os idosos quase duplicou (em 2001 registou-se 27% de utilizadores idosos e em 2008 44%)
(Seniorwatch, 2008). Por outro lado, o mesmo estudo revelou que na Internet as pessoas idosas utilizam, por ordem
decrescente: correio eletrónico (84,7%); sítios noticiosos (77,9%); informação relacionada com a saúde (65,3%); compras (54,3%); lazer (49,2%); sítios de música e rádio (23,3%); mensagens instantâneas (22,9%).
Apesar do número de iniciativas e estudos relativamente à utilização das TIC por parte da população idosa ter aumentado exponencialmente, estão longe de serem suficientes para que as TIC cheguem a todas as pessoas idosas.
De acordo com Cullen et al. (2007) acerca do estado das medidas para a e-inclusão proveniente do Plano de Ação
i2010, relata algumas falhas políticas que necessitam de melhorias. Foram propostas as seguintes ações a fomentar a
curto e médio prazo para melhorar a situação vigente:
 Necessidade de identificar as barreiras de utilização das TIC por parte das pessoas idosas;
 Desenvolver projetos e investigações relacionadas com a atitude das pessoas idosas em relação às TIC;
 Melhorar aspetos ao nível do design de interação em conteúdos digitais específicos para a população idosa;
 Desenvolver uma estratégia comum para promover uma aproximação horizontal e holística para o desenvolvimento e implementação de iniciativas de e-inclusão das pessoas idosas;
 Desenvolver uma estratégia de marketing, de forma a aumentar os benefícios do uso das TIC, gerar motivação
na sua utilização e afastar o ceticismo sobre a segurança na Internet.
Em 2012, em Portugal assistiu-se a um aumento dos agregados domésticos que dispõem de acesso ao computador
(58%) e Internet (55%) em casa. A sua utilização depende de algumas variáveis sociodemográficas, sendo que o grupo etário dos mais velhos (65-74 anos) é o que utiliza menos as referidas tecnologias (Obercom, 2012). Também o
conceito de género, entendido como a elaboração cultural do sexo (Torres, 2008), proporciona-nos uma leitura importante para a compreensão dos diferentes processos de interação dos homens e mulheres mais velhos com as TIC.
Outro fator que pode ter influência na aproximação com as TIC, entre as pessoas mais velhas, são as habilitações
literárias. Esta ideia é reforçada por um estudo efetuado por Neves & Amaro (2012), com população sénior, em 37%
dos utilizadores de computador e Internet tinham menos que o ensino secundário e os restantes 63% tinham ensino
secundário ou superior. Alguns estudos também demonstram que a aprendizagem das TIC é influenciada pelo estado civil; com o aumento da faixa etária, o índice de viúvas aumenta, deteta-se maior interesse entre as viúvas pelas
TIC (Elias, 2011). Uma hipótese para explicar este interesse, é que as TIC podem servir de companhia e objeto de entretenimento nas horas de solidão. Para Dias (2012), a menor adesão às TIC, entre os mais velhos, pode-se explicar,
por um lado, pela iliteracia no que diz respeito ao seu uso e manipulação, mas também ao facto da maioria das pessoas idosas terem baixos rendimentos, baixas pensões e o custo dos equipamentos e serviços associados às TIC serem
dispendiosos (programas, tarifário de Internet, assistência, serviços de eletricidade).
Estratégias de ensino das TIC para os adultos maiores
Ensinar, ou seja, transmitir conhecimentos e imbuir os alunos de mecanismos que lhes possibilitem construir o seu conhecimento, é uma tarefa que deve ter em consideração vários fatores, entre eles, o que se vai ensinar e a quem.
Assim sendo, para que o ensino seja eficaz, é necessário desenvolver-se uma metodologia pedagógica que tenha
em consideração as características específicas dos alunos (idade, background, meio social e cultural), neste caso,
das pessoas idosas. Para Kachar (2000), existe a necessidade de se planificar propostas metodológicas direcionadas
para a população idosa, tendo em atenção o seu processo cognitivo, o ritmo – que é mais lento - os recursos – que
se tornam mais limitados – e as restrições sensoriais próprias do envelhecimento. Mais especificamente, no que concerne ao ensino das TIC a idosos, é necessário promover um ambiente de aprendizagem próprio para os indivíduos
em questão, que passa pela criação de uma interação com o computador com as suas necessidades e condições
físicas.
Neste contexto, é comum fazer-se uma abordagem à andragogia, que é “a arte e a ciência de ajudar adultos a
aprender”, em que na opinião de Rosa (1998), pretende: i) manter, aprofundar, consolidar e complementar de forma
a que se possam enriquecer os interesses e as necessidades dos adultos para que lhes sejam proporcionadas novas
abordagens e novas formas de vida em diferentes domínios (laboral, social, cultural, afetivo, político e familiar); ii) promover uma atualização, mas sempre numa postura ativa e prospetiva que leve os adultos mais velhos a poderem
reformular os seus conceitos; iii) criar condições para o exercício de uma cidadania plena. Nesta lógica, concorda-se
com a proposta de Lindeman (1926) e de Knowles (1990), ao defenderem que a educação destes adultos deverá ser
realizada através de «situações» e não de «disciplinas». A aprendizagem destes cidadãos deverá estar centrada nas
suas vidas, levando-os a «aprender a aprender», colocando-os sempre que possível em situações experimentais que
reflitam os seus interesses e necessidades, com um sentido prático e pragmático onde a autoavaliação, a autocrítica
e a autorresponsabilização devem ser uma constante.
Para estes adultos mais velhos o que se torna prioritário, ainda segundo Esteve (2004), será o de os preparar para a
cidadania plena no seio das suas famílias e das suas comunidades mas que lhes seja permitido dar o seu contributo
para esse desenvolvimento e serem, ao mesmo tempo, responsáveis por ele. Significa, pois, que o acesso a novos
conhecimentos conduz a uma melhor integração sociocultural e ao se facilitar a inclusão em diferentes contextos
socioeducativos propiciam-se condições para uma melhor qualidade de vida para esses cidadãos. O processo de
envelhecimento pelas alterações que vem promover nos indivíduos vem, ao mesmo tempo, criar novas necessidades
muito direcionadas para aspetos práticos da sua vida mas também mantêm o seu interesse nos aspetos sociais, culturais e políticos. Como é afirmado por Boulton-Lewis et al. (2006), os idosos continuam interessados em aprenderem
coisas novas onde a aprendizagem de línguas estrangeiras e as tecnologias costumam refletir as suas prioridades.
Apesar de haver um sentimento generalizado que os idosos não se sentem atraídos pelas TIC porque estas foram
concebidas para outros fins, tais como para as diferentes atividades laborais e para os mais jovens, existem muitas
pessoas idosas que se sentem atraídas e motivadas para aprender a utilizá-las. Várias recomendações e/ou sugestões podem ser equacionadas sem que haja uma preocupação cronológica ou hierárquica, dado que todas elas
devem interagir e sentirem-se como constituindo um «todo» que se pretende coeso, localizado, contextualizado,
adequado e co-construído com os idosos (Gil & Amaro, 2011). Pelo facto das pessoas envelhecerem de formas diferentes, com diferentes necessidades e também com diferentes incapacidades, a intervenção na formação deve ter
que fazer um diagnóstico prévio tão completo e aprofundado quanto possível. Dadas estas vicissitudes, tentamos
apresentar alguns aspetos mais generalizados e mais consensuais que poderão ser encontrados ou identificados na
maioria do grupo constituídos por pessoas idosas.
Um desses aspetos tem a ver com aquilo a que vários autores já há muitos anos investigam e que na literatura surge
designado por «cognitive slowing». Esta situação é evidenciada pela perda de faculdades que dificultam o raciocínio e decisões mais rápidas e que também afetam o processamento da informação e a memória de longo prazo
pelo que as metodologias e as atividades deverão ser planificadas de modo a que as repetições de conceitos, de
operações e de exercícios práticos sejam relevantes para as pessoas idosas, de curta duração e com tempo suficiente para os poderem realizar e, fundamentalmente terminar com sucesso. Por esta razão, deverão também ser dadas
oportunidades para que haja mais momentos de pausa e tempo para que os idosos possam tirar os seus apontamentos (Light, 1996). Para as pessoas idosas quase tudo (ou mesmo tudo) é uma novidade, tais aspetos podem tornar-se
em barreiras quase intransponíveis. Exemplos que clarificam estas situações têm a ver com a necessidade de se ajustar o painel de controlo em que as dimensões dos ícones e das fontes devem ser maiores que o «normal» e, se possível, utilizarem-se monitores de maiores dimensões. E, pelo facto de normalmente já existir um certo deficit motor também se deve acautelar a velocidade, quer do tão vulgarmente designado «duplo clique», quer da velocidade do
cursor que deverão ser mais lentos e mais espaçados para uma mais adequada acuidade óculo-visual (Charness,
1995).
Neste âmbito, a «barra de ferramentas» é também um possível obstáculo devendo prevenir-se a possibilidade de estarem sempre disponíveis e com a mesma localização para que as pessoas idosas mais facilmente absorvam essa
informação na sua memória de curto prazo e, desta forma, a mecanização seja mais rapidamente conseguida
(Bayen, 1996). Estes aspetos equivalem a dizer que se utilizar e manter a mesma versão de software, mesmo que não
seja mais recente porque o que se torna importante é que as rotinas sejam apreendidas e as tarefas sejam atingidas
com sucesso. Outra situação que deverá ser propiciada será a possibilidade das pessoas idosas trabalharem aos pares pela natural entreajuda que podem usufruir. Este aspeto é fortemente defendido por Naumanen & Tukiainen
(2009). Outros estudos, relatam uma série de estratégias que devem ser adotadas aquando o ensino das TIC a pessoas idosas. Estas encontram-se especificadas no Quadro 1.
Metodologias de Ensino
Ambiente
Papel do professor
Hardware
Software
Turmas pequenas, um aluno por computador
Boa iluminação da sala
Não deve ensinar, mas ajudar a aprender
Ser paciente e calmo
Tamanho e iluminação do monitor
Teclado e rato com design especial
Tipos de letra grandes
Ter um processador de texto simples
Ir de encontro aos interesses dos alunos
Utilizar a experiência de vida das pessoas idosas
Respeitar o ritmo de cada aluno
Técnicas de ensino
Partir de situações contextualizadas
Efetuar atividades de repetição
Seguir etapas gradativas de aprendizagem
Efetuar frequentes paragens
Fonte: Adaptado de Mariz (2009) e Sei (2009)
Quadro 1 – Estratégias para o ensino das TIC a pessoas idosas
A aprendizagem das TIC e os impactos no bem-estar ao longo do processo de envelhecimento
O mais relevante na aprendizagem das TIC é que os adultos mais velhos se sintam confiantes e que a sua formação
lhes fomente e proporcione um bem-estar mental e social. Na opinião de Blit-Cohen & Litwin (2005), a utilização do
computador, por si só, já é capaz de promover uma atitude positiva perante a vida porque lhes confere a sensação
de estarem integrados na presente Sociedade da Informação e do Conhecimento ou como é referido pelo mesmo
autor, estes cidadãos sentem-se parte da «technology-era». Atualmente, para além de envelhecimento ativo, o termo Qualidade de Vida na velhice tem sido substituído por expressões equivalentes, como bem-estar psicológico,
bem-estar subjetivo, envelhecimento saudável, envelhecimento bem-sucedido, envelhecimento produtivo (Oliveira
et al., 2009). Neste âmbito, a aprendizagem das TIC deverá promover as relações sociais dos idosos numa perspetiva
colaborativa, e que permita que estes se sintam confortáveis e realizados, onde as TIC surgirão no seu quotidiano como ferramentas que lhes são realmente úteis e pertinentes (Páscoa & Gil, 2012). Para Silva (2008), os governos e a sociedade devem adotar programas e executar políticas de inclusão digital que permitam desenvolver ações de formação em TIC de acordo com as necessidades quotidianas para que a formação recebida lhes possibilite aumentar
o bem-estar ao longo do seu processo de envelhecimento.
Uma das questões centrais do processo de envelhecimento é mesmo o bem-estar. Segundo George (2010), o bemestar subjetivo (BES) em idade avançada está relacionado com a satisfação com a vida, uma componente cognitiva mais estável para definir este conceito. Para Pinquart & Sorensen (2000), a idade, o género, a educação, estado
civil, rendimento são também importantes na previsão do BES. Além disso, a participação social, a comunicação, a
inclusão social também se associam ao BES no sentido esperado. Segundo Novo (2000), o BES é o modo como o indivíduo interpreta e vive subjetivamente os acontecimentos. Ainda Veenhoven (1984), acrescenta BES como o grau de
julgamento do indivíduo da sua qualidade de vida como um todo, com vista a atingir metas ao nível de melhor eficácia na aprendizagem, memória e aptidões intelectuais com o objetivo de melhorar a formação ao longo da vida.
Diversos estudos: European Commission (2008, 2009b, 2009c), Institute for Innovation and Technology (2010), Calouste
Gulbenkian Foundation (2010), concluem que as pessoas idosas precisam de formação, apoio e motivação para
começar a usar as TIC e que estas podem proporcionar novas oportunidades de acesso a informação e serviços,
ajudar os idosos a melhorar o seu bem-estar, a permanecer mais tempo ativos e produtivos, a viver de forma autónoma e independente, a participar ativamente na sociedade, diminuindo assim a solidão, o isolamento e a exclusão
social.
Metodologia de investigação e sustentação empírica
A metodologia que orienta este projeto de investigação, assenta na recolha de dados que será de natureza qualitativa e quantitativa, de forma a complementar e triangular a informação recolhida. Assim, pretendemos utilizar os se-
guintes instrumentos de recolha de dados: pesquisa documental, inquérito por questionário e entrevistas semiestruturadas. Por conveniência, escolhemos as populações com 50 + anos em situação de formação nas universidades
seniores do distrito de Castelo Branco, pois para além de ser um distrito marcado pelo envelhecimento populacional,
também é o local de residência da investigadora. A caracterização do público-alvo é constituída por 5 associações
(2 designadas por “Universidade Sénior” e 3 designadas por “Academia Sénior”). Estas associações são tuteladas pelas autarquias, que cedem as instalações, funcionam todas fora do sistema escolar, mantém-se fiéis aos princípios
básicos da aprendizagem não formal. A maioria das disciplinas que encontramos são comuns a todas as universidades, de salientar que atualmente a disciplina mais popular é a informática, e os professores de todas as disciplinas são
voluntários. Estas associações, são um projeto multifacetado que envolve a componente humana, social, a saúde e
a educação e formação para e pelos mais velhos.
Relativamente à nossa posição ideológica e sustentação empírica face à produção de conhecimento e ao uso desse conhecimento pelas ciências sociais, segue a linha da intervenção social e implicada na defesa da cidadania
ativa, na igualdade de direitos e combate à exclusão. Ainda dentro destas conceções do mundo e da vida, podemos acrescentar que a reivindicação de direitos iguais para todos e o combate à exclusão continuam a constituir
desafios para a democracia e para a sua afirmação, enquanto projeto político inclusivo e participado. Entre as novas orientações das políticas sociais vão-se disputando as condições para o envelhecimento da população.
Em termos concretos da nossa investigação, pretendemos aplicar um inquérito por questionário à população com 50
+ anos que aprende TIC e à população com 50 + anos que não aprende TIC. Pretendemos igualmente realizar entrevistas semiestruturadas à população 50 + anos que já aprendeu TIC, aos diretores de cada universidade sénior e academia sénior e a um professor de informática dessas mesmas associações. O Quadro 2 mostra a relação entre os
objetivos específicos da investigação e as técnicas de recolha de dados que irão ser utilizadas para a concretização
dos mesmos.
Objetivos Específicos
Técnicas de recolha de dados
O1.Caracterizar a população 50+ ligada à aprendizagem das TIC sob o ponto de vista de algumas
variáveis sociodemográficas.
Inquérito por questionário
O2. Caracterizar o perfil da população 50+ que
aprende TIC.
Inquérito por questionário
O3. Caracterizar o perfil da população 50+ que
não aprende TIC.
Inquérito por questionário
O4. Conhecer a perceção da população 50 +
relativamente aprendizagem das TIC.
Entrevista semiestruturada
O5. Conhecer as competências digitais da população 50+ que já aprendeu TIC e sua aplicabilidade no quotidiano.
Entrevista semiestruturada
Fonte: Elaboração própria
Quadro 2 - Relação entre objetivos específicos com as técnicas de recolha de dados
Resultados esperados
Os resultados que esperamos obter visam dar resposta ao problema levantado e à concretização dos objetivos delineados no início da investigação: pretendemos que o estudo contribua para a expansão da base de conhecimentos da formação ao longo da vida. Neste projeto de investigação também formulámos hipóteses que esperamos no
final, verificar ou refutar. Estas hipóteses relacionam-se com afirmações, tais como: a aprendizagem das TIC é influenciada por algumas variáveis sociodemográficas; esta aprendizagem é considerada para a população 50 + como
positiva; a necessidade de comunicação e o desejo de permanecer ativo do ponto de vista intelectual influencia a
aprendizagem das TIC; a população com mais elevados níveis de escolaridade está mais empenhada na aprendizagem das TIC.
Quanto mais investigarmos sobre os fatores socioculturais que influenciam a escolha na aprendizagem das TIC, caracterizarmos o perfil da população 50+ que aprende e não aprende TIC, conhecermos a sua perceção relativamente às TIC e as suas competências digitais bem como a sua aplicabilidade no quotidiano, mais claramente se compreenderá o significado da formação ao longo da vida. Prevemos que o estudo possa identificar os impactos que a
aprendizagem das TIC têm no bem-estar dos adultos maiores de 50 anos.
Prepararemos um conjunto de orientações, recomendações e boas práticas sobre a aprendizagem das TIC e sugerimos intervenções com vista a auxiliar não só as pessoas mais velhas mas também todos os profissionais que lidam
diariamente com esta problemática. Esperamos sensibilizar a sociedade civil para a importância da aprendizagem
ao longo da vida em geral e em particular para a aprendizagem das TIC e destacar o contributo desta aprendizagem no bem-estar ao longo do processo de envelhecimento. Deste modo, prevemos vir a concluir como a aprendizagem das TIC pode ter um importante papel social na promoção do envelhecimento ativo.
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Legislação Consultada
Decreto-Lei nº 91 (2010), Agenda Digital 2015, publicado no Diário da República, I-Série, nº 225 a 19 de Novembro.
Gina Páscoa é Licenciada em Enfermagem, Pós-graduada em Gerontologia, Mestre em Política Social pelo ISCSP –
UL: «O contributo da Web social – rede social Facebook – para a promoção do envelhecimento ativo: estudo de caso realizado na USALBI». Doutoranda em Política Social no ISCSP – UL.
Henrique Gil está a realizar Pós-Doutoramento no ISCSP – UL: «As TIC e os cidadãos com 65 + anos de idade no concelho de Castelo Branco: A importância da e-saúde e do e-governo local». Autor de diversos artigos e Membro de
Comissões Científicas e Reviewer de Congressos Internacionais e Nacionais no âmbito da utilização e aplicação das
TIC pelos cidadãos mais idosos.
Gina Páscoa
Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas – UL, Lisboa, Portugal
[email protected]
Henrique Gil
CAPP- Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas – UL, Lisboa, Portugal & Escola Superior de Educação – IPCB,
Castelo Branco, Portugal
[email protected]
O problema a abordar consiste nos recursos humanos com qualificação académica de ensino superior em Portugal,
tendo como objetivos: (1) caracterizar a população idosa com grau académico de ensino superior, em particular a
pós-graduada em Portugal e a revalorização social das idades avançadas no grupo dos «idosos mais jovens»; (2) caracterizar os trabalhadores nas empresas com ensino superior, nomeadamente com mestrado e doutoramento em
Portugal e (3) caracterizar os investigadores no setor empresas sobretudo com mestrado e doutoramento em Portugal. Considerando como resultados expectáveis: (1) a superação do atraso científico português com pessoal altamente qualificado em empresas inovadoras e criativas, constituindo o motor para o crescimento económico, (2) uma
população ativa e empregada mais instruída com elevados rendimentos efetuando maiores descontos para a segurança social e (3) a alteração da conceção da velhice, pela inclusão no mercado de trabalho independe do critério
da idade.
Enfoque teórico: A população com ensino superior aumentou consideravelmente após adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, o esforço recaiu no acréscimo de recursos humanos com mestrado e doutoramento
através de incentivos dos três Quadros de Apoio Comunitário e do Quadro de Referência Estratégica Nacional. No
futuro a população reformada será mais instruída devido às políticas do ensino superior, de ciência e tecnologia.
Contudo, há que considerar perigos: o desemprego e a emigração. Apresentar-se-á informação estatística dos desempregados com habilitação superior sobretudo dos 55 e mais anos. Nos últimos anos, constata-se uma subida da
emigração constituída por pessoas altamente qualificadas que exige reter no território nacional, neste sentido veja-se
a Resolução da Assembleia da República n.º 84/2013 de 20 de junho, estabelece a obrigatoriedade de elaboração
e apresentação de um relatório anual sobre emigração e a Resolução da Assembleia da República n.º 91/2013 de 2
de julho, recomenda a criação de condições para que os portugueses com uma formação académica ou profissional especializada não tenham de emigrar e para que aqueles que abandonaram Portugal possam regressar. Nas
próximas décadas os indivíduos estão aptos a continuar a trabalhar após o limite de idade legal de reforma, de modo que as idades avançadas passem a ter um valor, quer económico, quer social, pois são detentores de competências que devem continuar a aplicar nas empresas, num panorama internacional altamente competitivo. A abertura
de novos públicos no ensino superior, permite aquisição de conhecimentos a empregados e/ou a desempregados,
abrindo novas realizações profissionais e consequentemente novos talentos para as empresas. Por último, apresentarse-á uma análise da excessiva concentração de profissionais com grau académico de mestrado e doutoramento
que exercem atividade na administração pública, que tanta falta faz no setor empresarial.
Metodologia de investigação: Recolha de informação dos trabalhadores em empresas nas publicações “Quadros de
Pessoal” do Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério da Solidariedade e da Segurança Social, e dos investigadores a exercer atividade no setor empresas segundo o “Inquérito ao Potencial Cientifico Tecnológico Nacional” da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência do Ministério da Educação e Ciência. A população
residente com grau académico de ensino superior será obtida através dos dados estatísticos do Instituto Nacional de
Estatística (INE). Análise de dados da Direção-Geral da administração e do emprego público.
O envelhecimento da população é um processo global (Bonoli & Shinkawa, 2005). O aumento da população idosa
no mundo é resultado da queda das taxas de fertilidade, redução da mortalidade e aumento da longevidade, sendo a Europa a região mais afectada pelo aumento da população com 60 e mais anos (Kinnear, 2001). Bloom (2011)
aponta o aumento da esperança de vida, da concentração da população nas áreas urbanas (pessoas com mais
de 60 anos nas regiões desenvolvidas). O crescente envelhecimento da população constituirá uma pressão substancial nas finanças públicas, nos sistemas de segurança social, nos mercados de trabalho (Peneda, 2013). Daí, criarmos
mais oportunidades para os trabalhadores mais velhos no mercado de trabalho (Nielsen, 2013). Os trabalhadores
mais velhos farão parte significativa da força de trabalho (Dixon, 2003). A consolidação do fenómeno de envelhecimento da população nas sociedades, gera uma demografia muito menos favorável ao crescimento económico
(CGD, 2010). O aumento da despesa pública é principalmente a causa da redução da taxa de fertilidade e do aumento da longevidade (Heikki, 2003). A redução da taxa de fertilidade tem efeitos económicos, Sleebos (2003) aponta como consequências o baixo crescimento económico (PIB) e a redução da população ativa. Por seu turno, os
trabalhadores de mais idade tem conseguido enfrentar a crise melhor do que em anteriores recessões, os factores a
influenciar a situação é a tendência de os trabalhadores de mais idade se reformarem mais tarde, em parte por terem mais estudos (OCDE, 2013). Em reforço desta ideia, inverter a realidade do envelhecimento como dramática e
encarar como um desafio. A sociedade portuguesa é cada vez mais envelhecida, mais marcada pela emigração
em particular de jovens qualificados resultado do desemprego.
O problema a abordar consiste nos recursos humanos com qualificação académica de ensino superior em Portugal,
tendo como objetivos: (1) caracterizar a população idosa com grau académico de ensino superior, em particular a
pós-graduada em Portugal e a revalorização social das idades avançadas no grupo dos «idosos mais jovens»; (2) caracterizar os trabalhadores nas empresas com ensino superior, nomeadamente com mestrado e doutoramento em
Portugal e (3) caracterizar os investigadores no setor empresas sobretudo com mestrado e doutoramento em Portugal. Considerando como resultados expectáveis: (1) a superação do atraso científico português com pessoal altamente qualificado em empresas inovadoras e criativas, constituindo o motor para o crescimento económico, (2) uma
população ativa e empregada mais instruída com elevados rendimentos efectuando maiores descontos para a segurança social e (3) a alteração da concepção da velhice, pela inclusão no mercado de trabalho independente do
critério da idade.
A população com ensino superior aumentou consideravelmente após adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, o esforço recaiu no acréscimo de recursos humanos com mestrado e doutoramento através de incentivos dos três Quadros de Apoio Comunitário e do Quadro de Referência Estratégica Nacional. No futuro a população
reformada será mais instruída devido às políticas do ensino superior, de ciência e tecnologia. Contudo, há que considerar perigos: o desemprego e a emigração.
Metodologia de investigação: Recolha de informação dos trabalhadores em empresas nas publicações “Quadros de
Pessoal” do Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério da Solidariedade e da Segurança Social, e dos investigadores a exercer atividade no setor empresas segundo o “Inquérito ao Potencial Cientifico Tecnológico Nacional” da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência do Ministério da Educação e Ciência. A população
residente com grau académico de ensino superior será obtida através dos dados estatísticos do Instituto Nacional de
Estatística (INE). Acresce, a análise de dados da Direção-Geral da Administração e do Emprego Público.
Um retrato da população idosa em Portugal
Como sabemos na sociedade portuguesa, à semelhança dos restantes países da velha Europa, o envelhecimento
demográfico da população é um problema nacional já que, entre os últimos dois recenseamentos censitários, a população 65 anos e mais anos aumentou de 1.693.493 em 2001 para 2.010.064 em 2011.
Fonte: INE – Censos 2011
Gráfico 1 - População residente, segundo o grupo etário e sexo em Portugal (2011)
Como podemos ver, a estrutura etária dos idosos evidencia um maior peso das mulheres em relação aos homens
(Gráfico 1), no fim do ciclo de vida, isto é, nas idades mais avançadas aumenta o risco de enviuvarem e o isolamento familiar. Neste contexto, a proporção de famílias clássicas unipessoais é de 21,44% em 2011, contudo a proporção
de famílias clássicas unipessoais de pessoas com 65 ou mais anos de idade é de 10,06% em 2011. Refira-se que, é nas
faixas etárias acima dos 65 anos que se regista a maior parte dos óbitos, isto é, a taxa de mortalidade, por todas as
causas de morte, situa-se nas idades mais avançadas; idades em que a propensão a morrer é mais elevada. Porém,
se olharmos para os Censos 2011, Portugal registava 53.847 idosos dos 90 aos 94 anos, 14.602 dos 95 aos 99 anos e
1.526 acima dos 100 anos, nas próximas décadas a tendência é do acréscimo de população nestes grupos etários.
É de salientar o aumento da taxa de variação da população residente de 18,69% no grupo etário 65 e mais anos e
de forma expressiva no grupo etário 75 e mais anos 37,15% (2001-2011).
De resto, olhando com atenção, Portugal tem uma diminuta população jovem para no futuro, quando forem uma
força de trabalho, contribuintes ativos do sistema de segurança social, poderem assegurar as nossas reformas. Vejase, que nasceram 180.690 em 1970 e 89.841 em 2012 1. Provavelmente, os próximos aposentados viverão muito pior do
que os atuais aposentados. Mais recentemente, a conjuntura económica e financeira evidencia a necessidade do
decréscimo das pensões e antevêem-se novas reduções nos próximos anos. Desde modo, o Conselho de Ministros de
12 de Setembro de 2013 aprovou uma proposta de lei que estabelece mecanismos de convergência das pensões
atribuídas a funcionários públicos e agentes administrativos, pela Caixa Geral de Aposentações (CGA), com as atribuídas à generalidade dos trabalhadores do setor privado do regime geral da Segurança Social. Há maiores probabilidades de mais idosos viverem em situação de pobreza, em virtude de os nossos sistemas de pensões se tornarem
progressivamente insustentáveis (Nielsen, 2013). Nas próximas décadas, a população portuguesa apresenta a tendência para o aumento progressivo do grupo etário com idade igual ou superior a 65 anos. Como vemos, não temos
capacidade de assegurar os mesmos serviços do Estado Social, em particular os inerentes ao envelhecimento. Desta
forma, torna-se necessário um planeamento: por um lado, na área económica, alterar o enquadramento legislativo
de forma a manter cada vez mais os indivíduos no mercado de trabalho 2, contribuindo para a sociedade como
agentes ativos, desempenhando funções valorativas, por outro lado, na área social e da saúde, um peso maior da
população com idades avançadas (75 anos e mais) virá maioritariamente a utilizar serviços de cuidados continuados
por motivos de morbilidade (situação de dependência funcional), traduzindo-se num acréscimo de custos financeiros
para o Estado.
O perigo do aumento da pobreza nos idosos
No que concerne à taxa de risco de pobreza “após transferências relativas a pensões” na população com idade 65
e mais anos passou de 23,1% em 2008 para 20,2% em 2011. No que diz respeito à taxa de risco de pobreza “antes de
qualquer transferência social” na população com idade de 65 e mais anos atinge 84,5% em 2008 para 87,5% em 2011
(INE, 2013).
TOTAL 2012
3 584 902
Pensões e Reformas
Total
Segurança Social
Caixa Geral de
Aposentações
2 981 635
Velhice
83.2
1 991 191
55.5
Invalidez
277 104
7.7
Sobrevivência
713 340
19.9
Total
603 267
16.8
Reformados
462 446
12.9
Pensionistas
140 821
3.9
Fonte: Pordata (agosto 2013)
Quadro 1 - Pensões e reformas em Portugal - 2012
_________________________
Na mensagem de Ano Novo de 1 de janiero de 2008 o Senhor Presidente da República, Doutor Cavaco Silva chamou atenção dos Port ugueses para
a baixíssima taxa de natalidade que se registava em Portugal. Disse então: “se não nascem crianças, é o nosso futuro colectivo que está em causa”.
1
O Conselho de Ministros de 17 de outubro de 2013 aprovou uma proposta de lei que altera a lei de bases gerais do sistema de segurança social, introduzindo a possibilidade da idade normal de acesso à pensão de velhice ser ajustada de acordo com a evolução dos índices da es perança média de
vida. Nesse sentido pode ser alterado o ano de referência da esperança média de vida sempre que a situação demográfica e a sustentabilidade das
pensões justificadamente o exija, aplicando-se o novo fator de sustentabilidade no cálculo das pensões futuras, não afetando os atuais pensionistas.
2
Em 2012, o número de pensionistas em Portugal é de 3.584.902 (Quadro 1), enquanto em 2000 era de 2.906.678 pensionistas. Portugal, registava 2.981.635 pensionistas da Segurança Social, em 2012, repartidos pelos três regimes
(sobrevivência, invalidez e velhice), representando 2/3 os pensionistas por velhice (66,8%). Em 2012 o número de pensionistas de velhice da Segurança Social era de 1.991.191, destes 10,5% com idade inferior a 65 anos, o grupo etário
dos 65-69 anos representa 24%. O peso das idades avançadas (75 e mais anos) corresponde a 44,3%.
A Caixa Geral de Aposentações tem vindo a diminuir substancialmente o número de subscritores de 747.449 em 2000,
atingindo o pico com 778.782 em 2002, para 531.814 em 2012. Contudo, o número de reformados e aposentados aumentou consideravelmente de 309.077 em 2000 para 462.446 em 2012, o mesmo sucedeu aos pensionistas de 117.333
em 2000 para 140.821 em 2012.
Devemos ter em atenção, que em 2012, aproximadamente metade (49.6%) dos reformados e aposentados da CGD
tem uma pensão até 1000 euros, os restantes beneficiários 27,3% de 1.000,01 a 2.000 euros, 21,9% de 2.000,01 a 4.000
euros e 1,2% mais de 4.000 euros. Recorde-se, que 66,5% dos reformados e aposentados da CGD disponha de uma
pensão até 1.000 euros em 2000.
O número de pensionistas em percentagem da população ativa em 2012 é de 65,2%, dos quais 54,3% da Segurança
Social e 11% da CGA. Para além disso, devemos também ter em conta que o número de pensionistas da Segurança
Social e CGA no total da população residente com 15 e mais anos em percentagem é de 40,1% (repartindo-se 33,4%
da SS e 6,8% da CGA). Analisamos, agora, o valor médio anual das pensões que subiu interruptamente no horizonte
temporal 1990 a 2011, atingindo os 4.742€, em 2011, sendo a região de Lisboa a que apresenta o valor mais elevado
6.080€.
As contribuições no total das receitas da Segurança Social diminuíram substancialmente de 88,3% em 1980 para
40,1% em 2010. Salientamos, que os beneficiários ativos da Segurança Social no total da população residente com 15
e mais anos eram 49% em 2011.
Se tomarmos em consideração, a despesa da Segurança Social em percentagem do PIB subiu significativamente de
7,6% em 1990, para 9,7% em 2000 e 18% em 2010, contudo, em 2011 regista-se uma descida situando-se 17,2%, que
deriva das reduções de prestações sociais. No que diz respeito às pensões da Segurança Social em percentagem do
PIB, estas cresceram de 4,7% em 1990, para 5,4% em 2000 e 7,0% em 2010, atingindo 7,3% em 2011.
Em termos de montante é de realçar o aumento significativo de 2.599.142 euros em 1990 para 12.458.249 euros em
2011 (76,8% correspondendo a pensões de velhice – todos os regimes).
Deste ponto de vista, os reformados devem entender as alterações inevitáveis e imprescindíveis da redução das reformas, e aceitarem que não vão recuperar nada do que perderam, mesmo que, possivelmente, exista um sentimento de indignação, já que as próximas gerações serão atingidas por cortes superiores. O Estado Social encontra-se
impossibilitado de assegurar os compromissos associados às pensões, pois constata-se que não há estrutura económica. Outro aspecto que salientamos, e que, de certa forma, vem confirmar a fragilidade da economia portuguesa é
que as economias avançadas conheceram uma relevante desaceleração do seu ritmo de crescimento económico
(CGD, 2010:26). Trata-se, neste caso, de implementar uma reforma sustentável do sistema de pensões de forma a
corrigir as desigualdades, sobretudo o desequilíbrio entre o sistema de pensões dos funcionários públicos e do setor
privado. Entendemos que os efeitos da insustentabilidade das finanças públicas em assegurar as pensões provocará
o previsível adiamento da idade de reforma, veja-se que a taxa de emprego (55-64 anos) em Portugal decresceu
ligeiramente de 50,7% em 2000 para 46,5% em 2012, sendo inferior nos restantes países do sul da Europa (Espanha
43,9%; Itália 40,4%; Grécia 36,4%).
Os trabalhadores com ensino superior
Segundo os Censos 2011 a população residente em Portugal no grupo socioeconómico “quadros intelectuais e científicos” partir dos 65 anos ou mais é residual, apenas 4520 idosos, o que demonstra que a educação no Estado Novo
era circunscrita às elites, em meados da década de setenta do século XX em Portugal deu-se a democratização e
expansão do ensino superior o que permitiu o acesso dos jovens a um curso superior e o consequente aumento de
diplomados. Nesta linha de pensamento reconhece-se que, a grande afluência de estudantes no ensino superior
verifica-se após a entrada de Portugal na CEE que tem contribuindo para o aumento da população empregada
com nível de escolaridade superior. Ou seja, uma força de trabalho qualificada no tecido empresarial e no Estado. A
proporção da população ativa por nível de escolaridade mais elevado completo aumentou significativamente de
9,3% em 2000 para 16% em 2010, sendo o aumento expressivo na região de Lisboa de 15,6% em 2000 para 24,3% em
2010.
Em 2011, a população ativa dos 45-64 anos era constituída por 290 mil pessoas com nível de escolaridade completo
de ensino superior, das quais 119 mil na região de Lisboa. Relativamente, à população ativa (ensino superior) com 65
e mais anos representava 13 mil, concentrada na região de Lisboa (38,4%). No segundo trimestre de 2013 a população empregada por conta de outrem com nível de escolaridade mais elevado completo de ensino superior era de
806 mil pessoas, representando 22,9% do total, a região de Lisboa registava 35% da população empregada (com
ensino superior). Nesta sequência, o crescimento económico de Portugal 2013-2010 da Estratégia para o Crescimento, Emprego e Fomento Industrial tem como primeiro eixo de atuação a “Qualificação: educação e formação” dando prioridade à promoção de uma maior articulação e cooperação entre instituições de ensino e empresas.
Em 2010, no escalão etário 55 e mais anos foram concedidas 3 bolsas de doutoramento e 6 bolsas de pósdoutoramento pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Admitimos que, o investimento em capital humano
que o país faz nas pessoas no “limite da idade ativa”, seja rentabilizada, isto é, que os indivíduos devem continuar a
trabalhar e contribuir para o desenvolvimento sócioeconómico de Portugal.
Total
De 65 a
69 anos
De 70 a
74 anos
De 75 ou
mais anos
Bacharelato
134 473
13 035
9 204
12 053
Licenciatura
800 129
19 709
12 450
17 729
Mestrado
95 704
1 485
766
728
Doutoramento
26 241
1 288
827
1 081
Fonte: INE – Censos 2011
Quadro 2 - População residente, segundo o grupo etário, por nível de escolaridade (completo) em Portugal (2011)
Da população residente com doutoramento em 2011 o grupo etário dos 65 e mais anos representava 12,17% do total
(Quadro 2). Os titulares de licenciatura no mesmo grupo etário representavam 6,23%, tendo maior peso o patamar
dos 65 a 69 anos. Em todo o caso, constata-se que, ainda, é extremamente reduzido o grupo etário de 65 e mais
anos a frequentar um curso de nível de escolaridade superior em Portugal 590 em licenciatura, 152 em mestrado e
124 em doutoramento (Censos 2011).
1970-1979
1980-1989
1990-1999
2000-2009
2010-2011
Total
Doutoramentos
realizados em
Portugal
292
1 247
3 823
10 195
3 103
18 660
Doutoramentos
reconhecidos
em Portugal
477
815
1 374
1 768
408
4 842
Total
769
2 062
5 197
11 963
3 511
23 502
Fonte: Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência
Quadro 3 - Doutoramentos realizados e reconhecidos em Portugal entre 1970-2011
Em Portugal o número de doutoramentos cresceu significativamente na primeira década do século XXI comparativamente às três
décadas anteriores (Quadro 3). É de referir que 2010 e 2011 registaram-se 3.511 doutoramentos. Uma massa crítica fundamental
para o desenvolvimento económico do país resultado em grande parte dos III Quadros Comunitários de Apoio através dos Programas Operacionais (POSI 2010 Eixo Prioritário I “Formar e Qualificar” a Medida 1 Formação Avançada.
Portugal regista um período de recessão económica (2003, -1,6%; 2008, -0,1%; 2009, -3%, 2011, -1,1% e 2012, -2,8% ), níveis de desemprego elevadíssimos, de 5,7% em 2002 para 15,7% em 2012, um desequilíbrio orçamental, ou seja, as finanças públicas, apresentaram um saldo global das administrações públicas de -10,2% em 2009 e -6,4% em 2012, uma dívida pública crescente, de 50,7% em
2000 para 123,6% em 2012. A dívida pública pode atingir o patamar da insustentabilidade em relação ao PIB. Conforme se viu anteriormente, a situação económica e social agravou-se culminando na ajuda externa de emergência a que Portugal teve de recorrer
(2011-2014), o programa de ajustamento económico e financeiro (memorando de entendimento) impos uma forte dose de austeridade. O programa de ajustamento económico de Portugal é apoiado por empréstimos da União Europeia (Comissão Europeia
(CE), o Banco Central Europeu (BCE) e do Fundo Monetário Internacional (FMI). Vivemos numa estratégia de sobrevivência face à
existência dos três DDD: despesa, défice e divida pública. Portugal encontra-se numa situação de enorme vulnerabilidade antevendo-se um fraco crescimento económico no futuro e a uma evolução desfavorável demográfica. Outro elemento importante, diz
respeito aos desempregados registados com habilitaação superior que totalizavam 86.200 pessoas (em dezembro de 2012), dos
quais 85,4% eram detentores de um curso de licenciatura. Enquanto a formação avançada representava 9%. Salienta-se que o grupo etário dos 55 anos e mais com habilitação superior representava 3,5%. Acresce outro grande problema de Portugal, a perda de
capital humano, pois é necessário adoptar politicas para fixar os trabalhadores no país, isto é, nas organizações, instituições e empresas. Como referimos antes, é num contexto de crise económica e social que a emigração (qualificada) agravará a situação
financeira nacional tendo consequentemente cada vez menos contribuintes ativos para um número elevadíssimo de beneficiários.
Constatamos um acréscimo de emigrantes portugueses de 100.978 em 2011 para 121.418 em 2012 (42,8% permanentes 57,2 temporários), dos 51958 emigrantes permanentes a maior concentração registava-se 20,32% na faixa etária dos 20-24 anos e 21,21% dos 25
-29 anos, todavia, sublinhamos que a população (jovem) até aos 29 anos corresponde a 55,44%. Neste sentido, a Resolução da
Assembleia da República n.º 84/2013 de 20 de junho, estabelece a obrigatoriedade de elaboração e apresentação de um relatório
anual sobre emigração e complementarmente a Resolução da Assembleia da República n.º 91/2013 de 2 de julho, recomenda a
criação de condições para que os portugueses com uma formação académica ou profissional especializada não tenham de emigrar e para que aqueles que abandonaram Portugal possam regressar. A população ativa em Portugal aumentou no segundo trimestre de 2013 comparativamente ao primeiro trimestre de 2013 (de 5.385,4 para 5.391,6), contudo regista uma descida da população ativa com nível de escolaridade completo superior (de 1.072,4 para 1.050,7).
È de referir, ainda, que a taxa de desemprego jovem dos 15 ou 24 anos atingiu 42,1% no 1º semestre de 2013. A Resolução da Assembleia da República n.95/2013 de 8 de julho recomenda com vista a combater o desemprego juvenil a medida “aumento dos
níveis de educação e de formação dos jovens com vista à garantia de maior empregabilidade e produtividade”. A Recomendação n.º 5/2013, de 26 de junho do Conselho Nacional de Educação sobre Grandes Linhas de Orientação na Área da Educação e
do Ensino Superior – Contributos para a Reforma do Estado, no ponto 5 – Consolidar o ensino superior adequando-o às necessidades
emergentes da sociedade passa por consolidar a formação pós-graduada, nomeadamente de nível doutoral, e criar mecanismos
que promovam a inserção de doutorados no tecido económico-produtivo.
Os trabalhadores permaneceram mais tempo a trabalhar
O trabalho remunerado tenderá a aumentar na população acima dos 65 anos, e, tendo em conta que nos próximos anos teremos
uma população idosa mais instruída, detentora de graus académicos de nível superior e com conhecimentos técnicos e profissionais que devem ser aproveitados na sociedade, a tendência natural nesta categoria é o aumento de mestres e doutores, nos próximos anos, que inverterá a situação registada ao longo de décadas, em que a população idosa não tinha qualquer instrução, uma
característica mais acentuada na população idosa feminina. Entre 1990 e 2010, a força de trabalho (20-64 anos) na UE27 aumentou
1.8%, enquanto a população mais velha (acima dos 65 anos) aumentou 3.7% (Demografy Report 2010, 2011:64). Os trabalhadores
mais velhos representarão uma parte crescente dos recursos globais em termos de mão-de-obra e de produção económica (CCE,
2006). Em muitos países, incluindo Portugal, esta categoria de trabalhadores tem pouco peso no emprego. Verifica-se o declínio das
capacidades físicas e mentais nas idades muito avançadas, o retardamento também está associado a políticas preventivas na
área da saúde. A supressão progressiva dos regimes de reforma antecipada e o aumento da idade de reforma devem ser acompanhados por medidas adequadas que permitam aos trabalhadores permanecer mais tempo no mercado de trabalho, oportunidades para trabalhar mais tempo, garantindo simultaneamente a solidariedade com as pessoas que não estão em condições de o
fazer (CE, 2012). A idade de reforma oficial varia de país para país na Europa.
Total
Total
Bacharelato
Licenciatura
Mestrado
Doutoramento
2 553 741
51 253
337 903
22 398
4 658
18 a 24 anos
215 771
1 227
15 348
1 059
0
25 a 34 anos
752 098
15 559
161 634
11 347
1 270
35 a 44 anos
773 793
21 729
109 931
6 504
1 700
45 a 54 anos
550 632
8 495
36 033
2 477
999
55 a 64 anos
236 537
3 744
12 864
812
499
65 anos e +
20 098
424
1 674
123
125
Fonte: Quadros de Pessoal 2011
Quadro 4 - Número de trabalhadores por conta de outrem, por grupo etário,
segundo o nível de habilitação no continente (2011)
Salienta-se, que o grupo etário dos 55 a 64 anos representa apenas 9.3% dos TCO em 2011 (Quadro 4). Presumivelmente, registar-se-á um aumento de pessoal ao serviço nas empresas deste grupo etário, face ao aumento da idade
da reforma e dos incentivos para os trabalhadores mais velhos. Acresce, os conhecimentos profissionais que detêm
de toda uma vida de trabalho.
Fonte: Quadros de Pessoal 2006, 2007, 2008, 2009, 2010 e 2011
Nota: 2765576 TCO em 2006; 2970042 em 2007; 3018395 TCO em 2008; 2878960 TCO em 2009;
2599509 TCO em 2010 e 2553741 TCO em 2011.
Gráfico 2 - Número de trabalhadores por conta de outrem, por grupo etário 65 anos e mais, segundo o nível de
habilitação no continente (2006-2011)
Os trabalhadores por conta de outrem (TCO) aumentaram de 2006 a 2008, decrescendo até atingir o menor número
de TCO em 2011 (Gráfico 2). O número de trabalhadores por conta de outrem com 65 anos e mais com ensino superior tem vindo aumentar, de 2006 a 2009, sendo mais expressivo nos trabalhadores com o grau de licenciatura, esta
tendência foi interrompida em 2010 retomando a sua trajectória ascendente em 2011 (com 2.346 trabalhadores por
conta de outrem) mesmo num contexto de crise económica e início ascendente do desemprego em Portugal. Por
outro lado, o número de empregadores com 65 e mais anos no Continente com ensino superior aumentou de 861 em
2006 para 961 em 2011, é de referir o acréscimo daqueles detentores de doutoramento de 24 em 2006 para 49 em
2011.
Nível de Qualificação
Ano
TCO
2011
202 963
Quadros Superiores
2006
166 990
Remuneração Base (€)
Total
Homem
Mulher
2107,52
2394,07
1728,50
906,11
985,23
808,37
2113,01
2373,29
1675,82
789,22
860,83
693,46
Fonte: Quadros de Pessoal 2006 e 2011
Quadro 5 - Trabalhadores por conta de outrem segundo o nível de qualificação e remuneração base por sexo
dos quadros superiores 2006 e 2011
Profissão
Ano
TCO
Especialistas das
atividades intelectuais e
científicas
2011
2006
Remuneração Base (€)
Total
Homem
Mulher
254 736
1584,02
1756,32
1427,01
163 127
1583,02
1766,04
1396,55
Fonte: Quadros de Pessoal 2006 e 2011
Quadro 6 - Trabalhadores por conta de outrem segundo a profissão e remuneração base por
sexo dos especialistas das atividades intelectuais e científicas 2006 e 2011
Os TCO de nível de qualificação Quadros Superiores aumentaram de 2006 para 2011, contudo a remuneração base
diminui ligeiramente (Quadro 5). Analisando os TCO por profissão dos especialistas das atividades intelectuais, constata-se, também, o aumento deste grupo profissional no mesmo horizonte temporal e uma insignificante subida da remuneração base (Quadro 6). A crise económica, financeira, orçamental e social representa um grande impacto nos
trabalhadores altamente qualificados, levando uma parte à situação de desemprego pelo encerramento de empresas, outra parte à quebra de rendimentos pela redução salarial, realidades que potenciam os indivíduos à emigração por melhores condições de vida e profissionais nos países em crescimento económico. Isto significa, que o aumento da emigração de trabalhadores e jovens altamente qualificados traduzir-se-á num decréscimo dos descontos
para a Segurança Social e dos impostos. Portugal, enfrenta a possibilidade de tornar-se num país de velhos e pobres.
ETI
EMPRESAS
Total
Total
Doutoramento
Mestrado
Licenciatura
Bacharelato
2007
28 175,9
8 477,0
236,8
571,2
6 941,9
727,1
2008
40 408,0
10 311,5
287,2
815,6
8 426,1
782,6
2009
44 084,2
10 160,0
318,6
1 017,7
8 073,9
749,8
2010
46 255,9
10 571,8
343,2
1 374,5
8 152,4
701,8
2011
50 061,2
12 198,2
469,9
1 729,8
9 368,8
629,7
Fonte: IPCTN
Nota: Equivalência a Tempo Integral (ETI) tempo total e exercício de atividade do pessoal, integral ou parcialmente, afecto aos trabalhos de
I&D. Os efectivos em ETI são calculados somando o número de indivíduos a tempo integral com as fracções do dia normal de trabalho dos
indivíduos a tempo parcial (geralmente em percentagem).
Quadro 7 – Investigadores em atividades de I&D em ETI, segundo o grau académico e o género,
no setor de execução empresas (2007-2011)
O aumento dos investigadores das empresas cresceu no período de 2007 a 2011 (Quadro 7), realçando o aumento
dos investigadores com grau de formação avançada apesar da reduzida expressão que ainda ocupa no tecido empresarial, ou seja, 3,8% dos investigadores são titulares de doutoramento e 14,2% dos investigadores são titulares de
mestrado (2011), apenas com a I&D as empresas terão capacidade exportadora aumentando o seu volume de negócios. Em 2012, as exportações nominais de bens por país de destino, representaram 71,1% do comércio intracomunitário e 28,9% do comércio extracomunitário, dos quais: 6,8% dos PALOP, seguido dos Estados Unidos (BP, 2013). O
peso dos países europeus tem recuado, o nosso principal mercado, a Espanha passou 24.9% em 2011 para 22.5% em
2012. Impõe-se um novo modelo de crescimento económico mais orientado para o exterior (na conquista de novos
mercados – sem desvalorizar os tradicionais. Precisamos de uma vaga de investimento continuado.
Bacharelato
Total
Licenciatura
Mestrado
Doutoramento
Total
17 792
219 226
23 234
14 930
583 669
0
171
68
1 472
1 711
Docente Ensino Superior
11
2 624
1 519
9 656
13 851
Docente Ensino Superior Politécnico
30
3 040
3 724
2 493
9 355
Pessoal de Investigação Cientifica
Fonte: DGAEP – SIOE (dados disponíveis em 31.01.2013 e provisórios; DGAEP/DEEP
Quadro 8 - Distribuição do emprego no setor das administrações públicas por cargo / carreira / grupo,
segundo o nível de escolaridade e sexo, 31 dezembro 2012
O emprego do setor das administrações públicas com nível de escolaridade de Ensino Superior (275.182) corresponde
a 47.14% do total (Quadro 8). Uma grande parte dos trabalhadores titulares de mestrado e doutoramento (6,53%)
exerce funções profissionais no Estado, o Ministério da Educação e Ciência detém 93,28% dos trabalhadores com
doutoramento enquanto o peso da administração local / Municípios é de 0,35%.
A tendência é que os recursos humanos altamente qualificados transitem para o setor dos bens transaccionáveis, por
exemplo que os docentes do ensino superior passem a tempo parcial ou total para atividades no tecido sócioeconómico, isto é, a constituição de carreiras académico-empresariais, que possibilitam aplicar os conhecimentos nas empresas, visando aumentar a capacidade exportadora com produtos inovadores. É necessário aguardar um consenso
para a efectivação do quadro legislativo que permita a mobilidade destes profissionais para as empresas.
Em 2011, os docentes do ensino superior (público) no grupo etário dos 50-59 anos representavam 25,8% e com 60 e
mais anos correspondiam a 7,3%. Isto é, um conjunto de profissionais altamente qualificados (33,1%) que o país necessita que continuem a trabalhar exercendo atividade profissional num estabelecimento de ensino superior, num centro
de investigação ou numa empresa. Neste sentido, o adiamento da reforma é essencial mantendo ativos e produtivos
durante mais algum tempo, beneficiando Portugal.
Conclusão
Apresenta-se a partir de factos estatísticos o aumento da população diplomada com um curso de ensino superior,
desta forma recorrendo a três bases de dados oficiais observa-se: a evolução dos trabalhadores por conta de outrem nas empresas, o progresso de investigadores que exercem atividade profissional no setor empresas e os trabalhadores da administração pública.
O envelhecimento encarado como uma oportunidade de recursos humanos, em particular com formação superior
contribuírem para o desenvolvimento económico e social do país, por um lado, pela continuidade de exercício de
funções profissionais como trabalhadores por conta de outrem, por outro lado, pela oportunidade de empreendedorismo. Neste contexto, surgirá uma nova geração empreendedora, em que os mais velhos devem estar integrados,
participando ativamente no setor empresarial.
As tendências demográficas têm repercussões no número de contribuintes e no número de beneficiários. A diminuição da população o aumento do envelhecimento pelo efeito do aumento da esperança de vida nas próximas décadas incidirá no decréscimo da população ativa e da população empregada, menos trabalhadores mais difícil
suportar os encargos com as despesas sociais, em particular as reformas.
A estratégia de salvação nacional é a de pensar a médio e a longo prazo (implementar politicas de natalidade e
potenciar o mar como motor de desenvolvimento económico). A linha atuação deve concentrar-se em travar a progressiva perda populacional, sobretudo de jovens qualificados para reforçar o tecido sócioeconómico nacional para
concorrer no mercado mundial globalizado.
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Legislação
Resolução da Assembleia da República n.º 84/2013 de 20 de junho
Resolução da Assembleia da República n.º 91/2013 de 2 de julho
Resolução da Assembleia da República n.º 95/2013, de 8 de julho
Recomendação do Conselho Nacional de Educação n.º 5/2013, de 26 de junho
Webgrafia
www.dgeec.pt
www.eurostat.eu
www.ine.pt
www.pordata.pt
www.presidencia.pt
Doutor em Ciências Sociais pelo ISCSP/UL, Mestre em Sociologia pelo ISCSP/UL, Pós-graduado em Analise de Dados
com SPSS pelo ISCSP/UL, Pós-graduado em Administração Regional e Local e Direito do Planeamento Urbanístico e
Ambiental pelo ISCSP/UL, curso de especialização em Competitive Intelligence pelo ISCSP/UL e curso de especialização em Investigação Qualitativa pelo ISCSP/UL. Investigador no Centro de Administração e Politicas Públicas do
ISCSP-UL. Técnico Superior da Administração Pública.
Alexandre José Marques Adôa
Instituto Superior de Ciências Sociais e Politicas – Universidade de Lisboa
[email protected]
O reconhecimento de que “a saúde é influenciada pelo ambiente social, físico e económico” 1 e de que a possibilidade de continuidade no contexto habitual de vida (“ageing in place”) é fator de bem-estar, independência e participação social, exige políticas para a saúde que incidam (também) sobre a promoção de condições de vida na
comunidade favoráveis à população idosa e a um envelhecimento saudável e ativo. O desenvolvimento de “agefriendly communities” tem vindo assim a merecer atenção crescente nas políticas públicas 2, traduzindo-se em geral
em abordagens multidimensionais, de nível local, que focam diversas vertentes do ambiente sócio-físico, mas também dimensões de governança, com destaque para a participação dos próprios cidadãos idosos nestes processos 3.
O conceito e rede mundial de “Cidades Amigas das Pessoas Idosas”, lançado pela Organização Mundial de Saúde 4
é disso exemplo.
Também a investigação começou, nos últimos anos, a acumular evidência sobre a relação de múltiplos fatores ambientais com a saúde das pessoas idosas5. Destaca-se em particular a associação entre características do ambiente
construído e os níveis de atividade física e mobilidade dos idosos 5,6. O potencial impacto positivo ao nível da morbilidade, mortalidade, funcionalidade e independência dos indivíduos - mas também da equidade, inclusão social, sustentabilidade ambiental e económica da comunidade –, sublinha os ganhos inerentes a uma aliança entre a saúde
pública e o planeamento urbano visando criar ruas/bairros/cidades que promovam o andar a pé, nomeadamente
como modo de transporte, e, em especial, a acessibilidade, segurança e mobilidade dos mais velhos 7.
O projeto AUPE - «Ambiente Urbano e Participação para um Envelhecimento Saudável», envolvendo centros de investigação (ICS e IE-UL) e municípios (Lisboa, Odivelas), aborda esta problemática. Visa desenvolver dados locais,
conhecimento, ferramentas e processos adaptados ao contexto português, que possam apoiar a pesquisa bem como um planeamento urbano participativo baseado em evidência, fomentando cidades adaptadas à população
idosa, com ênfase para as condições de pedonalidade. No seu 1º ano de implementação está em curso:
- a criação e testagem de dois instrumentos de avaliação das condições de pedonalidade em meio urbano
(SeGAPe e VePe), para aplicação por leigos/pessoas 55+ anos, acompanhados de materiais e guias detalhados de
apoio à utilização;
- facilitação da colaboração e partilha de informação entre investigadores, decisores, técnicos e demais interessados nas temáticas em causa, através da criação da rede CIT-A-PE, que reúne já 15 entidades nacionais e é membro
_________________________
1
Leppo, K. et al. (eds.) (2013), Health in all policies: seizing opportunities, implementing policies. Ministry of Social Affairs and Health, Finland.
Phillipson, C. R. (2011), “Developing Age-Friendly Communities: New Approaches to Growing Old in Urban Environments”. In J. L. Angel, R. Settersten
(eds.), Handbook of the Sociology of Aging, Springer Verlag.
2
3
Lui, C-W. et al. (2009), “What makes a community age-friendly: A review of international literature”. Australasian Journal on Ageing, 28 (3), pp. 116-121.
4 OMS
5
(2009). Guia Global das Cidades Amigas das Pessoas Idosas. Fundação Calouste Gulbenkian, DGS, OMS.
Yen, I .E. et al. (2009), “Neighborhood Environment in Studies of Health of Older Adults: A Systematic Review”. American Journal of Preventive Medicine, 37(5), pp. 455-463
Rosso, A. L. et al. (2011), “The Urban Built Environment and Mobility in Older Adults: A Comprehensive Review”. Journal of Aging Research, 2011, Article
ID 816106, 10 pages
6
Kerr et al. (2012), “The Role of the Built Environment in Healthy Aging: Community Design, Physical Activity, and Health among Older Adults”. Journal of
Planning Literature. 27 (1), pp. 43-60.
7
da EIP-AHA, Action Group D4: Age-friendly Environments.
Apresentam-se as duas ferramentas, atualmente nas fases iniciais de testagem, e dados preliminares da aplicaçãopiloto em Odivelas, com cidadãos de 57-81 anos (N=26), com destaque para resultados da avaliação feita junto dos
utilizadores e reflexões iniciais quanto à sua utilidade como metodologia estruturada de envolvimento de pessoas
mais velhas em iniciativas locais promotoras de cidades amigas das pessoas idosas e dos peões.
O presente trabalho decorreu no âmbito de bolsa de investigação financiada pela Fundação para a Ciência e a
Tecnologia (SFRH/BPD/89091/2012)
Mariana F. Almeida licenciou-se em Psicologia, na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade
de Lisboa, em 1989, e doutorou-se em 2010 em Saúde Pública, na especialidade de Promoção da Saúde, pela Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa, com a tese «Promoção da Saúde depois dos 65 anos:
Elementos para uma política integrada de envelhecimento».
É atualmente bolseira de Pós-Doutoramento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia no Instituto de Ciências
Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL), bem como, desde Maio de 2011, investigadora no Instituto do Envelhecimento-UL.
O seu percurso profissional inclui funções em organismos da Administração Pública e equiparados (Santa Casa da
Misericórdia de Lisboa; Instituto da Segurança Social; I.P. - Centro Distrital de Faro; Administração Regional de Saúde
do Algarve), mas também em projetos e associações de desenvolvimento local e em redes internacionais, a par de
atividades de docência (mestrado de Gerontologia Social) e de investigação (nomeadamente como bolseira da
JNICT, INIC e FCT).
Os seus principais interesses atuais de investigação situam-se na área da promoção da saúde e envelhecimento, incluindo fatores do ambiente físico/meio urbano influentes no bem-estar e participação dos mais velhos; desigualdades e determinantes sociais da saúde dos idosos; observatórios locais de saúde e envelhecimento.
Desenvolve atualmente o projeto AUPE – “Participation and Urban Built Environment Change for Healthy Ageing”/
Ambiente Urbano e Participação para um Envelhecimento Saudável e coordena a rede CIT-A-PE – Fórum “Walkable
Cities, Cities for (All) People”/”Cidades para todos os peões, para todas as pessoas”.
Instituto do Envelhecimento - Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa
E-mail: [email protected]
“Risco deriva do latim rischiare, que significa ficar em perigo”
O envelhecimento para ser ativo implica necessariamente mobilidade com segurança. Contudo, as alterações organísmicas decorrentes da idade refletem-se na segurança nas deslocações, tanto nas efetuadas a pé (peão) como
em automóvel (condutor). Em ambos os casos o risco de acidente decorre sempre da capacidade de um indivíduo
enfrentar uma ameaça.
Através do estudo das representações é possível aferirmos a classificação, categorização e compreensão de um
objeto pelos indivíduos. Através destas integramos o mundo físico e mental, o que era abstrato, torna-se concreto
(Moscovici, 1997). Nesta perspetiva, com o presente estudo pretende-se conhecer a representação que indivíduos
com idade >= 60 anos fazem do risco rodoviário.
Concluímos que para os indivíduos questionados o risco rodoviário assenta em duas dimensões: uma dimensão individual associada à maior fragilidade do organismo; uma dimensão ambiental associada, por um lado, à deficiência
da infraestrutura rodoviária, e por outro lado, à ausência de uma práxis enformadora do desenvolvimento de comportamentos capazes de compensar as fragilidades, ou dito de outra forma, à ausência de respostas político-sociais
promotoras de uma educação para a segurança.
INTRODUÇÃO
Para o exercício da condução exige-se habilitação legal, o que pressupõe aprovação em testes: médicos (aptidão
física e mental), teóricos (conhecimento das regras rodoviárias) e práticos (competências práticas). Também ao longo da vida para uma condução segura são necessárias boas capacidades físicas e psicológicas, bom conhecimento das regras rodoviárias, técnica de condução e perícia na manobra do veículo.
Com a idade surgem alterações organísmicas que se refletem na segurança nas deslocações. Ao lado desta vulnerabilidade existem deficiências na estrutura rodoviária que também aumentam o risco na deslocação, tanto para
peões como condutores. Os dados da sinistralidade rodoviária têm registado constante aumento de idosos
(condutores e peões) envolvidos em acidentes rodoviários. O comportamento do indivíduo (peão ou condutor) é
referido como a principal causa de acidente. Importa pois pensar nas deslocações e no meio como promotores da
melhor segurança e capacidade de autonomia do indivíduo.
Com o objetivo de contribuir para a promoção de deslocações mais seguras avaliou-se a representação do risco
rodoviário. Aplicou-se um questionário a 46 indivíduos, com idade >= 60 anos, para avaliar os parâmetros: a) qualidade de vida; b) representação da vulnerabilidade; c) ambiente rodoviário; d) propostas para melhorar o ambiente
rodoviário e sinistralidade; e) comportamentos compensatórios.
Concluiu-se que deixar de conduzir terá consequências negativas na qualidade de vida em termos de aumento da
dependência/perda de autonomia; restrições/perda de mobilidade; efeitos psicológicos.
Os indivíduos referem que, com o decorrer da idade, sentiram fragilidade física e diminuição dos reflexos, o que tem
efeitos psicológicos, nomeadamente depressão, e aumenta o risco de acidente.
A nível do ambiente rodoviário, expressam maior dificuldade na condução em condições atmosféricas adversas,
muito trânsito, condução noturna, execução da marcha atrás, estacionamento e ultrapassagem. Os condutores e
peões foram avaliados com educação deficiente, agressivos e transgressores. A sinalização, regras de trânsito e infraestrutura foram avaliadas de má qualidade.
Para melhorar o ambiente rodoviário sugerem campanhas de educação para condutores e peões, qualidade da
infraestrutura, ações de divulgação sobre regras de trânsito, localização da sinalização e formação dirigida a idosos.
Os principais comportamentos compensatórios que desenvolvem para melhor segurança na deslocação são: atenção à comunicação social sobre alterações ao CE e à sinalização, prática de condução, prática de exercício físico,
vigilância médica, cuidado com a condução e o veículo, evitar ambientes adversos.
Como medidas para melhorar a sinistralidade apontam maior rigor nos exames médicos, necessidade de formação
para idosos e melhoria da sinalização, infraestrutura e veículos.
TAREFA DE CONDUÇÃO E PROCESSOS PSICOLÓGICOS: PERCEÇÃO, ATENÇÃO E MEMÓRIA
A tarefa de condução, para além do conhecimento e cumprimento do código da estrada, requer atenção ao interior e exterior do veículo e comportamentos ajustados do indivíduo, nomeadamente via, sinalização rodoviária, veículos, peões, condições ambientais, obstáculos, condução defensiva , civismo, espírito de cooperação, ausência de
competitividade e agressividade, adequado estado físico e psicológico do condutor e bons conhecimentos técnicos
(normas, técnica de condução e perícia na manobra do veículo) (Balbinot, et al, 2011) (Esq. 1).
Esquema 1 – Componentes da tarefa de condução
É comum considerar que o acidente resulta de uma interação complexa entre qualidade da via, veículo, condições
ambientais e comportamento do condutor. Mas o comportamento do condutor é apontado como a principal causa
da sinistralidade – 95% dos acidentes são atribuídos a falha humana ligada a velocidade, álcool, fadiga, estado físico
do condutor e manobras perigosas (Meirinhos, 2009; Balbinot et al, 2011, Noriega, sd).
Na condução a maioria das respostas são reflexas a estímulos percecionados. Face um acontecimento imprevisto o
condutor reage (trava, desvia, reduz a velocidade). Entre a perceção da informação e a ação decorre um tempo tempo de reação (TR) - que varia de indivíduo para indivíduo e dentro do mesmo indivíduo depende de fatores como: idade, doença, fadiga, sonolência, stress, droga, medicamentos, álcool, experiência, etc. Durante o TR o condutor executa as seguintes tarefas: 1º - deteta o obstáculo; 2º - identifica-o; 3º - prevê a situação; 4º - decide; 5º - age.
A tarefa de condução apela ao sistema nervoso central (SNC) e periférico (SNP). O SNC (cérebro e espinal medula)
recebe, analisa, integra informações, toma decisão e envia ordens. A espinal medula, donde partem fibras nervosas
que se ramificam ao longo das costas, é o principal meio de informação entre o cérebro e o corpo. O SNP transporta
a informação sensorial para o SNC e deste para os órgãos executores (músculos e glândulas). Os órgãos recetores ou
sensoriais recebem os estímulos do meio externo e interno: visão, audição, olfato, paladar, tato, álgico (sensibilidade
à dor), térmico, cinestésico (posicionamento do corpo-movimento) e vestibular (sensação equilíbrio).
Quando os estímulos chegam aos órgãos sensoriais provocam uma sensação que é interpretada pelos órgãos de
conexão ou coordenação e origina o processo de perceção - processo de organizar, interpretar e tratar os dados
sensoriais recebidos ao nível do SNC, associando-os às experiências, aprendizagem, emoções e motivações, e assim
tornar consciente o ambiente que rodeia o ser humano. Donde, perceção é uma interpretação personalizada da
realidade e não uma exata interpretação da realidade (Garrett, 2007).
A atenção é um processo cognitivo altamente seletivo através do qual o indivíduo focaliza, seleciona e relaciona
estímulos. É como um filtro que exerce uma função discriminativa, situado entre os órgãos sensoriais e as zonas corticais do cérebro. A resposta percetiva não é uniforme face a todos os estímulos - reagimos a uns e relegamos outros
para segundo plano, devido: a) determinantes inerentes ao estímulo: há estímulos que se impõem sem influência do
indivíduo (ex. intensidade, contraste, movimento, incongruência, isolamento, repetição); b) determinantes inerentes
ao indivíduo: para manter a atenção contribuem a motivação, hábitos, grupo social, estado físico e emocional, etc.
Não chega que a atenção desperte, é necessário que se mantenha por algum tempo – concentração.
Aprendizagem implica modificações de comportamento ou ações resultantes da experiência. Quanto mais se
aprende um assunto, mais resiste ao esquecimento. A memória é um processo de retenção de aptidões, informações
e persistência de modificações recebidas através da aprendizagem. Engloba processos complexos baseados em
mecanismos biológicos, fisiológicos e psicológicos. Os processos de evocação e reconhecimento permitem aceder à
informação da memória. Evocar é recordar experiências anteriores, reproduzindo-as ou narrando-as. Reconhecer é
associar representações atuais às passadas: noção do já visto, onde e quando se viu.
A memória divide-se em sensorial (informação inicial e momentânea; dura cerca de 1 seg); memória curto prazo
(MCP) (retém informação durante cerca de 15-25 seg); memória longo prazo (MLP) (armazena informação numa
base de retenção permanente). Consoante a informação, a MLP subdivide-se: a) memória declarativa (ex. informações fatuais), que se subdivide em memória semântica (ex. fatos gerais) e memória episódica (ex. acontecimentos
de vida); b) memória procedimental (ex. habilidades motoras).
TOMADA DE DECISÃO NA CONDUÇÃO
Na condução a tomada de decisão (processo decisional) implica três fases: recolha de informação (VER), tratamento da informação (PENSAR) e comportamento/ação (AGIR).
VER - receber informação implica tratamento e pensar o significado para agirmos em conformidade. Apoia-se: a)
exploração percetiva-visual (EPV) – recolha de informação aplicada à condução. Através da sensação desencadeia-se a estimulação dos órgãos sensoriais e inicia-se o processo de receção de informação. Consiste no conjunto
de procedimentos utilizados pelo condutor, para recolher os índices necessários à execução da condução. Operacionalmente traduz-se no deslocamento dos olhos pela cena visual. É uma atividade óculo-motora orientada que, entre outras, depende dos objetivos do sujeito no meio que explora. Estes movimentos oculares, designados por olhadelas, são um deslocamento rápido de um ponto fixo a outro, regressando rapidamente ao ponto inicial.
O condutor procura ativamente determinadas informações, pois sabe antecipadamente onde e como procurar, por
ex., sinais verticais ou horizontais. À medida que a velocidade aumenta o campo visual tende a diminuir e a distância
focal a aumentar, afetando a acuidade visual, campo visual e a EPV.
Smith e Cummings (1956) referem que a exploração percetiva é importante para uma condução segura e diminuição do número de acidentes, devendo-se apoiar em 5 regras: a) olhar o mais longe possível; b) perceber o conjunto
da situação, c) explorar sistematicamente o meio; d) procurar pontos de fuga; e) ver e ser visto.
b) Identificação - refere-se ao reconhecimento e classificação de índices face aos acontecimentos que indicam. Os
índices são informações captadas (sensações) no ambiente rodoviário e avaliadas como significativas para o exercício da condução. Podem ser formais, todas as informações intrínsecas à circulação rodoviária, com significado comum a todos os condutores, por ex. sinalização. Informais, são extrínsecos à circulação rodoviária e o significado depende do condutor, por ex. publicidade. Pertinentes, alertam (predizem) o condutor para determinado acontecimento na circulação rodoviária. Críticos transmitem informação de caráter urgente e importante, ajudando ao ajuste da trajetória dentro das margens de segurança.
PENSAR - recolhida a informação é necessário tratá-la, isto é, pensar no que diz para agir em conformidade. Implica
os processos de antecipação, previsão e decisão. A antecipação traduz um certo grau de regulação da ação: an-
tecipando o que se vai passar, o condutor adequa a condução aos estímulos recolhidos na 1ª fase. A partir dos índices efetivamente percebidos e de representações da situação, o condutor, usando regras de transformação, prevê
acontecimentos ou ações futuras.
Na antecipação e previsão o condutor dispõe de regras objetivas: rodoviárias (CE; condições atmosféricas, intensidade de tráfego, etc.); comportamento humano; dinâmica do veículo. Na previsão entram em ação regras internas
que resultam da interiorização das regras objetivas através da aprendizagem. A decisão engloba os processos anteriores; a partir da informação recolhida através da EPV e das antecipações e previsões efetuadas, o condutor decide
a ação motora, atua sobre o veículo, passa da decisão à prática (se decidiu travar, carrega no travão, etc.) (Miller,
1966).
AGIR - Implica competências motoras e automatismos. A ação motora refere-se ao uso dos comandos do veículo, ou
seja, ao seu domínio nas situações de condução. Apela a mecanismos sensóriomotores e psicomotores que o condutor usa na trajetória, controlo e velocidade do veículo, numa situação de maior ou menor complexidade de trânsito.
A capacidade sensoriomotora refere-se à capacidade que o condutor possui para, através dos órgãos dos sentidos,
recolher os índices provenientes do ambiente rodoviário e, através dos órgãos efetores, efetuar uma resposta motora
(automatismos), aligeirando o tratamento da informação ao nível do SNC.
A capacidade psicomotora refere-se á resposta do condutor, à execução em si.
A experiencia influência o nível da recolha da informação, tratamento e ação. Com a experiência o condutor
“mecaniza” um conjunto de gestos adequados à situação de condução (automatismos). Na recolha de informação
privilegia os índices mais pertinentes; faz antecipações antes do aparecimento dos índices que permitem executar a
ação adequada; faz estimativas mais exatas da velocidade, distância, trajetória e comportamento dos outros utentes; toma decisões mais adequadas e confiantes.
ENVELHECIMENTO E DESLOCAÇÃO
O envelhecimento e longevidade colocaram novos desafios à sociedade, nomeadamente promoção de um envelhecimento ativo e deslocações com segurança.
O conceito de envelhecimento ativo postula o desenvolvimento da capacidade dos idosos, de forma a manterem a
melhor autonomia o máximo de tempo possível. A OMS (2002) define envelhecimento ativo como o “Processo de
otimização das oportunidades para a saúde, participação e segurança para melhorar a qualidade de vida das pessoas que envelhecem”… “possibilidade de envelhecer com saúde e autonomia, continuando a participar plenamente na sociedade enquanto cidadão... O desafio consiste em aproveitar o enorme potencial de cada até ao fim
da vida”.
Durante a vida adulta ocorre diminuição gradual de todas as funções do organismo (Garcia et al, 2006). A nível das
funções fisiológicas existe diminuição da capacidade de síntese das proteínas, do sistema imunológico, aumento da
massa gorda, perda de força, massa muscular e de cálcio nos ossos. Um estilo de vida sedentário e diminuição da
atividade física também contribuem para a fragilização do idoso.
O sistema nervoso central diminui de volume (perda de neurónios e outras substâncias), ocorre perda da mielina nas
fibras nervosas que é responsável pela velocidade de condução do estímulo nervoso. A nível intelectual observamse: a) dificuldade nos processos da aprendizagem e memorização (provavelmente relacionadas com as alterações
químicas, neurológicas e circulatórias que afetam a função cerebral); b) diminuição da eficácia da oxigenação e
nutrição celular; c) diminuição na aprendizagem associada às deficiências nas sinapses e na disponibilidade de determinados neurotransmissores; d) perda de função intelectual associada às alterações químicas, neurológicas e circulatórias que afetam a função cerebral. Consequentemente a assimilação do conhecimento é mais lenta, refletindo-se na formação da memória a curto prazo (MCP), nomeadamente visual e auditiva, e aumenta a dificuldade na
organização e utilização das informações armazenadas.
A nível psicomotor existe diminuição da coordenação, agilidade mental, sentidos (visão e audição), reflexos, execução de gestos e aumento do tempo de reação devido à diminuição da resposta motora a um estímulo sensorial.
O ciclo vigília-sono altera-se. O número de horas de sono necessárias diminuiu. O sono REM diminuiu 50% (relacionado
com os períodos de sonhos). Existe maior dificuldade em adormecer e maior facilidade em acordar. Acrescem alterações do sistema endócrino, com destaque para a hormona melatonina, a qual tem aferência retiniana e papel
relevante na regulação do sono e ritmo biológico. A produção de melatonina ocorre durante o período de sono e
oscila com a luminosidade que chega ao sistema nervoso.
A nível afetivo surgem sintomas emocionais típicos de situações de stress e depressão. No idoso a depressão é diferente da depressão nas outras faixas etárias, pois este vive numa situação existencial específica com continuadas
perdas: diminuição do suporte sócio-familar; perda de estatuto profissional e económico; declínio físico, morbilidade,
incapacidades. A depressão provoca perda de memória e deficit cognitivo (atenção, velocidade de processamento de informação; pensamento lógico-dedutivo), originando um quadro de pseudodemência (Kilol, 1961; APA, 1994).
Deslocação
Essencialmente as deslocações fazem-se de dois modos: em automóvel (condutor) e a pé (peão). Enquanto peões o
maior risco é a queda, que aumenta a partir dos 65 anos, sendo a principal causa de mortalidade, morbilidade e
incapacidade, com elevado impacto na saúde. Anualmente, 1/3 das pessoas com >= 65 anos e 50% com >= 80 anos
sofre uma queda. Não obstante, a caminhada tem benefícios para a saúde no geral, nomeadamente cardiovascular, muscular, articulações e obesidade (DGS, 2004).
As alterações organísmicas tornam os indivíduos mais vulneráveis a acidentes (Davidse, 2007). Reconhece-se que as
quedas se ligam a alterações no organismo a nível do sistema cinestésico (desequilíbrio e tonturas) e a obstáculos
presentes no meio (passeios, ruas, casa) que exigem uma reação rápida do indivíduo. Segundo Lord e Fitzpatrick
(2001) evitar uma queda exige perceber a ameaça corporal, selecionar e executar a resposta corretiva, acuidade
sensorial, tempo de reação e passo reativo.
O European Road Safety Observatory – ERSO (2007, 2009) refere elevada taxa de mortalidade, resultante de sinistralidade rodoviária, nos condutores seniores.
Anualmente mais de 270 000 peões perdem a vida nas estradas mundiais, representam 22% das mortes rodoviárias e
nalguns países chegam a duplicar. Vários milhões de peões ficam feridos e incapacitados para o resto da vida. Mas,
para a OMS (2013) estas vítimas podem ser previsíveis e prevenidas.
Um acidente envolve, pelo menos, um veículo rodoviário, uma via rodoviária pública ou privada com direito de acesso público, donde resulta pelo menos um ferido ou morto. O risco de colisão entre um veículo rodoviário e um peão
aumenta em proporção ao número de veículos que interagem com o peão (OMS, 2013).
Se, para peões e condutores, os principais riscos rodoviários são comportamentais, (velocidade, visibilidade e consumo de álcool), importa ainda considerar a infraestrutura (passeios, passadeiras, etc.) e design do veículo (Meirinhos,
2009; OMS, 2013).
No condutor ou peão idoso o aumento do tempo de reação, maior lentidão nos movimentos (passo) e as atitudes
face ao ambiente rodoviário aumentam o risco. Assim, conhecer a representação do risco nas deslocações e promover a sua consciencialização e formas de compensação que evitem ou minimizem este risco (por exemplo, cuidados na deslocação a pé ou automóvel, no calçado a usar, na ingestão de medicamentos, higiene do sono, etc.)
contribuem para melhorar a segurança rodoviária.
SINISTRALIDADE RODOVIÁRIA
Em Portugal, os dados da sinistralidade rodoviária de 2012, registaram 29794 acidentes com vítimas, donde resultaram
38847 vítimas, sendo 573 vítimas mortais (VM), 2060 feridos graves (FG) e 36124 feridos ligeiros (FL) (Q. 1).
Acidentes c/
Vítimas
VM
FG
FL
Total
Vítimas
Atropelamento*
4780
106
432
4700
5328
Colisão
15122
206
828
20021
21055
Despiste
9892
261
800
11403
12464
29794
573
2060
36124
38847
Natureza
acidente
TOTAL
*Exclui atropelamento de animais
Quadro 1 - Vítimas e natureza do acidente
A maior perigosidade situou-se dentro das localidades, onde se registou a maioria dos acidentes (76%) e vítimas
(74%), FG (65%) e FL (75%); as VM dividem-se equitativamente (50%) em dentro e fora das localidades (Q. 2).
O arruamento e EN registaram a maioria de VM (177; 118, respetivamente). Os peões foram maioritariamente atropelados em arruamentos (92%), dentro das localidades (97%), dos quais 38% atravessavam passagem sinalizada, 12%
fora da passadeira a menos de 50 metros de uma passagem e 11% circulavam em plena faixa de rodagem (Q. 3-4).
Os escalões etários acima dos 60 anos concentraram 36% dos peões vítimas e ocuparam o 3º lugar em termos de
condutores VM e FG. O número de vítimas mortais com idade >= 60 anos e entre 20-29 anos é praticamente igual
(68;69, respetivamente) (Q. 5).
Via
Acidentes c/
Vítimas
VM
FG
FL
Total
Vítimas
Arruamento
17865
177
942
20747
21866
EM
596
18
78
684
780
EN
3642
81
279
4684
5044
IP/IC
288
2
16
379
397
Outra*
384
8
27
455
490
22775
286
1342
26949
28577
AE
1747
50
121
2394
2565
EM
1192
53
147
1439
1639
EN
3077
118
331
4009
4458
IP/IC
722
51
84
975
1110
Outra*
354
15
35
424
474
7092
287
718
9241
10242
29867
573
2060
36190
38823
Localização
Dentro da localidade
SUB-TOTAL
Fora da localidade
SUB-TOTAL
TOTAL
* Estrada regional, estrada florestal, pontes, variantes e outras
Quadro 2 - Vítimas e acidentes por via e localização
Via
Arruamento
VM
FG
FL
TOTAL
46
337
4254
4637
AE
10
4
5
19
EM
31
79
320
430
EN
7
6
16
29
IP/IC
9
12
55
76
Outras
4
2
48
54
107
440
4698
5245
TOTAL
Quadro 3 – Peões vítimas segundo a via
VM
FG
FL
Sair/entrar no veiculo
2
5
73
Total
Vítimas
80
Atravessar passagem sinalizada
11
109
1893
2013
Atravessar passagem sinalizada desrespeitando semáforo
0
13
107
120
Atravessar fora passadeira a mais de 50 m ou sem passadeira
12
44
376
432
Atravessar fora passadeira a menos de 50 m
12
69
526
607
Em ilhéu ou refúgio na via
1
3
65
69
Em plena faixa rodagem
13
54
496
563
Em trabalhos na via
0
1
23
24
N.D.
0
14
83
97
Surgindo inesperadamente na faixa de rodagem detrás um
obstáculo
2
29
333
364
Transitando pela berma ou passeio
12
45
428
485
Transitando pela direita da faixa rodagem
3
10
139
152
Transitando pela esquerda da faixa rodagem
3
9
66
78
71
405
4608
5084
Sair/entrar no veiculo
0
2
4
6
Atravessar passagem sinalizada
1
0
6
7
Atravessar passagem sinalizada desrespeitando semáforo
0
1
1
2
Atravessar fora passadeira a mais de 50 m ou sem passadeira
8
6
7
21
Atravessar fora passadeira a menos de 50 m
1
1
0
2
Em ilhéu ou refúgio na via
0
0
2
2
Em plena faixa rodagem
15
11
19
45
Em trabalhos na via
1
1
2
4
N.D.
1
0
0
1
3
4
10
17
3
7
27
37
Transitando pela direita da faixa rodagem
2
1
6
9
Transitando pela esquerda da faixa rodagem
1
1
6
8
36
35
90
161
107
440
4698
5245
Localização
Dentro da
localidade
Ação
SUB-TOTAL
Fora da
localidade
Surgindo inesperadamente na faixa de rodagem detrás um
obstáculo
Transitando pela berma ou passeio
SUB-TOTAL
TOTAL
Quadro 4 – Peões vítimas segundo a localização e ação
Utentes
Peões
Vítimas
<=19
20-29
30-39
40-49
50-59
>=60
ND
VM
3
4
9
10
17
63
1
107
FG
81
38
36
46
56
180
0
440
FL
1122
415
381
527
601
1644
8
4698
1206
457
426
583
674
1887
9
5245
34
69
74
64
52
68
4
365
Sub-total
VM
Condutores
Sub-total
TOTAL
FG
80
274
280
196
175
221
0
1216
FL
1345
4906
5142
4123
2922
3513
13
21964
1459
5249
5496
4383
3149
3802
17
23545
Quadro 5 – Utentes vítimas por grupo etário
INSTRUMENTOS E MÉTODO
Com o objetivo de aferir a representação que indivíduos com >= 60 anos fazem do risco rodoviário, aplicou-se um
questionário que contempla quatro dimensões: qualidade de vida, vulnerabilidade, ambiente rodoviário, comportamentos compensatórios e propostas de melhoria. Aferiu-se ainda a experiência de condução.
O questionário, constituído por 15 item, foi aplicado a uma amostra de 46 indivíduos, de ambos os sexos, que frequentavam universidades sénior, residentes na Grande Lisboa, com idades compreendidas entre os 60-77 anos, em
situação de reforma e com médio/elevado nível de qualificação.
RESULTADOS
A maioria dos indivíduos (80%) começou a conduzir antes dos 30 anos. No geral, conduzem diariamente (50%) ou
mais de três vezes por semana (40%). Percorrem mais de 100 km/semana (65%), conduzem a qualquer hora do dia
(54%) ou de manhã (35%). Preferem conduzir fora das localidades (72%) e em autoestrada (54%).
A preferência por condução fora das localidades pode advir das exigências que a condução urbana impõe, nomeadamente elevado nível de vigilância, rapidez de reação e maior risco de acidente. Esta última carateriza-se por
trânsito intenso, congestionamentos, várias vias de trânsito no mesmo sentido, utilização simultânea da mesma via,
grande variedade de utentes (todo tipo de veículos e peões), imprevisibilidade de comportamentos das crianças e
idosos, cruzamentos, entroncamentos, variedade de sinais de trânsito.
Para os inquiridos deixar de conduzir refletir-se-á na qualidade de vida, aumento da dependência (29%), perda de
mobilidade (27%) e efeitos psicológicos (25%) (Gr. 1). Estes dados confirmam os estudos de Davidse (2007) onde 90%
dos idosos referiram que deixar de conduzir restringia a independência, mobilidade e qualidade de vida. Isto devese, por um lado, aos idosos terem dificuldade em caminhar, viajar de autocarro e pedalar, pelo que a condução é
muitas vezes a única opção para uma mobilidade independente, por outro lado, deixar de conduzir diminuiu a
quantidade de atividades fora de casa, provocando situações de depressão. Donde deixar de conduzir tem impacto negativo na identidade do idoso, ou seja, na perceção do seu papel na família e sociedade. Reações afetivas
são respostas comuns a eventos de vida, podendo levar a transtornos psicossomáticos, depressivos e de ansiedade
(Garcia et al, 2006).
Atestam ainda a importância que o automóvel tem na sociedade atual, visto como símbolo de independência/
autonomia, de bem-estar e qualidade de vida (Keskinet et al, 1998).
Gr. 1 - Consequências de deixar de conduzir
Identificaram os 50-60 anos como o início da diminuição das capacidades necessárias à condução, nomeadamente
reflexos, cansaço, orientação, coordenação, dores musculares, sonolência, reação, efeitos psicológicos, as quais
aumentam o risco de acidente (Gr. 2).
De facto, vários autores referem que, tanto nos homens como nas mulheres, os 50 anos são um marco nas mudanças
hormonais, a nível do eixo-hipotálamo-hipófise-gonadal, as quais têm impacto nas diversas dimensões do organismo
(Garcia et al, 2006).
Lemos e Florentino (2011) classificam de alto impacto no risco na condução todas as dimensões relativas ao estado
de saúde do condutor (clínica geral, gerontologia, oftalmologia, neurologia, psiquiatria e psicologia).
Gr. 2 - Consequências diminuição das capacidades
A nível de manobras, experienciam maior dificuldade na execução da marcha atrás, estacionamento e ultrapassagem (Gr. 3), ou seja, manobras que exigem maior esforço cognitivo e psicomotor. A nível de ambiente, experienciam
maior dificuldade em condições atmosféricas adversas, situações de muito trânsito e condução noturna (Gr. 4). Trata
-se de ambientes avaliados como mais penosos para os condutores em geral, pelo que é compreensível a maior exigência que impõem aos idosos. As condições atmosféricas adversas aumentam a perigosidade na condução advinda da má visibilidade (afeta a perceção e a tomada de decisão), perda de aderência, comportamentos imprevistos
e o surgimento da fadiga. As situações de muito trânsito remetem para os problemas atrás referidos da condução
urbana. A condução noturna diminuiu a visibilidade e aumenta o risco de encadeamento e adormecimento. O sono
é a condição psicofísica mais adversa para o condutor pois provoca alterações motoras, aumenta as distrações,
diminui a perceção e a capacidade de reação, altera todos os órgãos dos sentidos e podem surgir micro-sonos.
Gr. 3 - Manobras difíceis
Gr. 4 - Dificuldades na condução
Os condutores e peões foram avaliados com educação deficiente, agressivos e transgressores; a sinalização, regras
de trânsito e infraestrutura foram avaliadas de má qualidade (Gr. 5-6). Também Noriega et al (sd) referem que, em
Portugal, as taxas de sinistralidade são frequentemente atribuídas à falta de civismo e mau comportamento dos condutores e à existência de um problema estrutural do meio rodoviário que impele à desobediência das normas. Assim,
a estrutura é responsável pela sinistralidade de uma forma direta através da probabilidade de ocorrência de acidentes advinda de um piso mau, deficiente sinalização, etc.; de forma indireta um meio mal estruturado vai necessariamente propiciar uma aprendizagem incorreta, logo a existência de erros.
Gr. 5 - Educação e civismo dos utentes rodoviários
Gr. 6 - Infraestrutura - Sinalização - Regras Trânsito
Para melhorar o ambiente rodoviário referem a necessidade de campanhas de educação para condutores e peões,
qualidade da infraestrutura, divulgação e cumprimento de regras de trânsito, localização da sinalização e formação
para idosos (Gr. 7-8). Estes dados corroboram os encontrados por Lemos e Florentino (2011).
Gr. 7 - Melhoria da educação do condutor e peão
Gr. 8 - Melhoria da Infraestrutura - Sinalização - Regras Trânsito
A atualização de conhecimentos necessários à condução faz-se através de maior atenção à comunicação social
quanto às alterações ao código da estrada e sinais de trânsito. A compensação das fragilidades faz-se através da
manutenção da experiência de condução, prática de exercício físico, vigilância médica, maior cuidado na condução e com o veículo, evitar ambientes adversos, no limite deixar de conduzir e seria importante a existência de formação para idosos (Gr. 9-10).
Para melhorar a sinistralidade relevam a necessidade de maior rigor nos exames médicos, programas de formação
para idosos e melhoria da sinalização/infraestrutura/inspeção dos veículos (Gr. 11), medidas também referidas por
Lemos e Florentino (2011), para quem a qualidade do acompanhamento médico, quer em termos de doenças específicas, quer em termos de abordagem holística dos tratamentos, é fator determinante para a capacidade de conduzir. Com o avançar da idade o número de patologias tende a aumentar e pode-se tornar necessário o recurso a
vários especialistas. Existe o risco de excesso e polimedicação.
Gr. 9 - Atualização exigências condução
Gr. 10 - Prevenção do risco na condução
Gr. 11 - Melhoria da sinistralidade
CONCLUSÃO
A avaliação do risco rodoviário apresenta duas dimensões: individual/interna e ambiental/externa. A dimensão individual prende-se com a fragilidade do organismo decorrente da idade, com impacto no exercício da condução. Não
há referência a comportamentos de risco ao volante no idoso. A dimensão ambiental assenta em dois fatores: um
ligado à infraestrutura rodoviária (via, sinalização, regras); outro, ligado às respostas político-sociais, nomeadamente
recursos educativo-formativos proporcionadores de comportamentos minimizadores da ameaça. Também Lemos e
Florentino (2011) dividem a matriz de risco na condução sénior em duas categorias: globais (incluem todos os riscos
que afetam todos os condutores, como políticos e regulatórios, económicos e financeiros, legislação, sociais e infraestrutura rodoviária); elementares ou individuais (incluem os riscos inerentes ao condutor sénior enquanto ser humano,
nomeadamente os resultantes do envelhecimento, estado de saúde e comportamentais).
Os indivíduos têm consciência das fragilidades organísmicas e da sua relação com o risco rodoviário, nomeadamente em termos de reflexos no tempo de reação. A fragilidade organísmica é acompanhada de transtornos afetivos.
Conduzir um automóvel é um símbolo de independência/autonomia, bem-estar e qualidade de vida.
O ambiente rodoviário contribui para o aumento do risco, o qual advém dos utilizadores (condutor e peão), como
dos elementos de segurança: deficiências rodoviárias a nível da sinalização, infraestrutura e regras de trânsito. Segundo Noriega et al (sd) estas deficiências impelem a erros, aprendizagem incorreta e desobediência às normas.
Encontra-se um vazio nas respostas políticas e sociais, materializado num vazio socioinstitucional, quanto a atualização de conhecimentos promotores de maior segurança nas deslocações (alterações ao Código da Estrada, regras
de trânsito e sinalização). A atualização de conhecimentos faz-se por iniciativa própria através da necessária atenção aos meios de comunicação social.
Maior rigor na avaliação médico-psicológica, maior fiscalização (infraestrutura, sinalização, regras de trânsito) e desenvolvimento de medidas de educação e formação para idosos, são referidas como medidas que proporcionariam
maior segurança nas deslocações.
Assim, no âmbito das ciências sociais e humanas, pensar no risco rodoviário e consequentemente na segurança nas
deslocações dos idosos exige sobretudo pensar na sua fragilidade e a partir desta definir uma abordagem potencializadora de competências individuais. Ao lado de uma formação de atualização de conhecimentos do Código da
Estrada, importa refletir e conceber instrumentos de formação e sensibilização direcionados para idosos que promovam a adoção de comportamentos minimizadores do risco, logo que contribuam para deslocações mais seguras.
Consideramos que através de programas de educação para a segurança é possível agir sobre modelos de pensamento e comportamento nas deslocações. Perante novas informações, inerentes a novas ou desconhecidas situações, as estruturas ou redes de conservação das informações na memória são reativadas e reatualizadas (Jodelet,
2006).
Importa ensinar o idoso a lidar com a sua fragilidade e o risco.
Releve-se que oportunidades educativo-formativas são também oportunidades de mobilidade, convivialidade, relacionamento interpessoal e partilha de conhecimento, com os consequentes efeitos positivos a nível físico e psicológico, nomeadamente em termos afetivos e cognitivos, tão importantes para um envelhecer mais feliz.
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Maria do Amparo Ferreira
Psicóloga clínica e mestre em psicologia do ambiente
Técnica Superior no IMT; sócia da Associação Portuguesa Psicogerontologia
Associação Portuguesa Psicogerontologia
Prof. Doutor Adriano Moreira, Eng. Vasco do Canto Moniz
Eng. Vasco do Canto Moniz , Prof. Doutora Alice Trindade
Prof. Doutor Pedro Moura Ferreira
Prof. Doutora Ana Alexandre Fernandes
Prof. Doutora Maria Engrácia Cardim
Doutora Mariana Ferreira de Almeida, Mestre Maria do Amparo, Prof. Doutora Maria do Céu Machado

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