WELFARE STATE: TRAJETÓRIA E CRISE

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WELFARE STATE: TRAJETÓRIA E CRISE
XV ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DO NORTE E NORDESTE e PRÉALAS BRASIL. 04 a 07 de setembro de 2012, UFPI, Teresina-PI.
GT 20- Políticas Públicas, Governo e Desenvolvimento
WELFARE STATE: TRAJETÓRIA E CRISE
Nome: Roberto Ribeiro Corrêa
Instituição: Universidade Federal do Pará
E-mail: [email protected]
Nome: Rafael Willian Araújo da Costa
Instituição: Universidade Federal do Pará
E-mail: [email protected]
Junho 2012
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WELFARE STATE: TRAJETÓRIA E CRISE
WELFARE STATE: TRAJETÓRIA E CRISE
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ROBERTO RIBEIRO CORRÊ A
R A F A EL W I L L I A N A R AÚ J O D A C O S T A ( U FP A) 2
I.
I N TR O D UÇ Ã O
Uma das muitas abordagens sobre o papel do Estado hodierno assenta-se no
pressuposto da convergência do desenvolvimento econômico e social nos marcos da
industrialização. Assim, no contexto das sociedades industrializadas, o desenho do
Estado e a natureza de suas políticas, seria resultado de uma variada gama de fatores,
dentre os quais emergem a urbanização, o trabalho assalariado, a qualificação da força
de trabalho, as necessidades de investimento em infraestrutura social básica, como
exemplos de demandas objetivas pertinentes a esse processo.
Para atender essas demandas, contudo, o Estado precisa reinar soberanamente sobre
um território e, no interior deste, dispor de instrumentos e de legitimação para impor
taxas e impostos pelos quais extrai recursos das pessoas ali residentes. Como
decorrência desse papel original e tendo vista que a obtenção de recursos adequados
depende da integridade territorial e do acúmulo de riqueza, todo o Estado necessita
enformar programas de ação no campo militar e econômico. A legitimidade do Estado,
contudo, não se apóia apenas nesses dois objetivos. Vai além porque intui o apoio da
maioria, somente possível com políticas sociais que afetem de forma diferenciada,
grupos, famílias e indivíduos. Por isso mesmo a inspiração das políticas sociais está via
de regra associada a formas mais ou menos padronizadas de ajuda aos pobres e aos
socialmente deslocados, tendo como exemplo histórico mais citado na literatura a lei
dos pobres da Inglaterra tudoriana no século XVI. Os Estados modernos, entretanto,
superando os limites do estigma filantrópico, avançaram, sobretudo a partir do século
XIX, e com maior intensidade nos anos imediatamente posteriores a II Guerra Mundial,
por caminhos de maior alcance estratégico de cidadania social, — organizando e
regulando educação em massa, condições de trabalho, saúde, seguridade social e
meio-ambiente.
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Professor Associado 2, UFPA. Doutor em Ciência Política (IUPERJ)
Mestrando em Ciência Política, UFPA.
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ROBERTO RIBEIRO CORRÊA E RAFAEL WILLIAM
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Nos países do capitalismo avançado as novas relações Estado x capital x família
seriam, doravante, substituídas pela interação mercado-democracia-equidade (entre o
"x" e o "-" o pressuposto de uma simbologia de relações diferentes em nível de conflito).
Com efeito, esse novo patamar de competição elevaria, certamente, o grau de
ambigüidade de um Estado que, a despeito de induzir a acumulação capitalista e
responder aos compromissos da guerra, era agora convocado a se fazer legítimo
respondendo às crescentes demandas sociais geradas no interior desse mesmo
processo de industrialização e urbanização, com relevância para educação pública,
aposentadoria, pensões, seguro saúde, seguro desemprego, assistência ao idoso,
políticas de transferência de renda, entre outras.
Cientistas sociais das mais diferentes tendências têm se dedicado ao estudo da origem,
expansão e efeitos das políticas sociais. São estudos de "cross-nacional research" que
buscam, na comparação de contextos de natureza histórica e conjuntural variados,
entender os mecanismos redistributivos concebidos no âmbito da ação estatal.
Abordagens teóricas, avalizadas ou não pela pesquisa empírica, são exaustivamente
comentadas e analisadas por Skocpol & Amenta (1985). Dessas, discutiremos a seguir
as que, num juízo desarmado, nos parecem as mais relevantes.
Com a aparente crise dos welfare states, a partir dos meados da década de 1970,
houve um ressurgimento das teorias da convergência nas óticas da lógica industrial e
do neomaxrismo. Essas serão, portanto as duas únicas abordagens discutidas neste
trabalho, como preâmbulo de uma investigação exploratória sobre as relações do
welfare state com a sociedade civil e as causas — recentes — de sua aparente perda
de legitimidade.
II - O E S T AD O P R O V I D Ê N C I A
2.1. A
L Ó G IC A IN D U S T R I AL
A idéia de que a sociedade industrial a partir de um determinado patamar de
desenvolvimento seria levada a uma convergência nas formas de conceber e
implementar políticas sociais, para desse modo alcançar um mesmo padrão de welfare
state, não encontra comprovação empírica. Existem mais divergências do que
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convergências entre países que não são explicadas pela economia, sobretudo quanto
as nuanças das despesas públicas. O enfoque da convergência funciona até certo
ponto nos estudos comparados que tenham por referência os anos 1940, 1950 e 1960,
desde que adotem como variável dependente medidas altamente agregadas de
despesas públicas no campo social. Para os períodos mais recentes, todavia, essa
abordagem não funciona, pois não dá conta das particularidades de uma ampla gama
de políticas sociais bem diferenciadas entre si. Estudos realizados por Flora & Alber
(1981) são referidos por Skocpol & Amenta (1985) para alertar que a correlação entre
níveis de industrialização, sincronizados, com a adoção de programas de seguridade
social (timing), mostram-se irrelevantes para uma dúzia de países europeus estudados
entre os anos 1880 e 1920. Esses argumentos encontram reforço em outros estudos
que embora constatem grande semelhança nos gastos sociais como proporção do PIB,
comprovam, igualmente, enormes diferenças quanto aos detalhes dos programas
sociais. Na Inglaterra do período Tatcher, por exemplo, os gastos sociais aumentaram a
expensas do desemprego. Feita essa constatação, podemos afirmar que os governos
Tories são mais sociais-democratas do que os governos Whigs? Os Estados
socialistas, por exemplo, conceberam formas de seguro social e de políticas
habitacionais ligadas à disciplina na fábrica e a controles da imigração. Por outro lado,
enquanto o seguro desemprego é importante para os países capitalistas avançados, os
países socialistas industrializados, por seu turno, não ofereciam qualquer forma de
renda para o trabalhador temporariamente desempregado. Tratava-se, a rigor, de um
disparate explicável apenas pela inserção do emprego entre os alegados direitos
outorgados aos seus cidadãos pelo Estado socialista. Ante essa evidência, cabe
perguntar: eram os Estados do Leste Europeu economias de orientação socialdemocrata? Ou seja: "... the contemporary welfare state is not merely a passive byproduct of industrial development." (Esping-Andersen.1990: p.221).
2.2. A
AN Á L I S E D O S N EO M AR XI S T AS
Uma interpretação concorrente mais similar ao industrialismo-lógico vem dos
neomarxistas. Para eles os requisitos do Estado moderno para a produção de políticas
públicas dependem do grau de desenvolvimento do capitalismo, ou melhor, do processo
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de transição de sua fase concorrencial para a fase monopolista. Para tal corrente, essa
lógica explica a convergência das políticas públicas rumo a um padrão único. Ao se
reportarem às novas demandas geradas no processo de monopolização da economia,
os neomarxistas identificam os requisitos da reprodução social, tanto da força-detrabalho em operação como da futura. A reprodução de todo o arcabouço institucional
é, pela iniciativa estatal, indispensável à manutenção da ordem capitalista num
ambiente em que a colaboração entre capital e trabalho se manifesta através de um
conflito historicamente objetivo: a partilha do valor criado (mais-valia) entre salário e
lucro. Trata-se, portanto, de um papel dúbio a ser desempenhado por um Estado que é
chamado a presidir a acumulação e, ao mesmo tempo, preservar sua legitimidade por
meio da arbitragem desse conflito que sublima o atendimento de demandas sociais
crescentes.
A despeito das diferentes terminologias, existem coincidências entre o industrialismológico e o neomarxismo quanto ao entendimento das necessidades societárias vis-à-vis
alocação de recursos públicos em políticas sociais. A grande diferença entre os
enfoques reside na ênfase que os neomarxistas atribuem às necessidades do controle
da força de trabalho.
A dimensão econômica, todavia, não é a única a permear a análise neomarxista. Alguns
teóricos dessa escola admitem que a economia e a política, enquanto sistemas,
respondem às exigências da acumulação, promovendo o deslocamento dos conflitos da
esfera estritamente econômica para a esfera política, viabilizando, assim, soluções de
compromisso entre trabalho e capital. O processo de acumulação exerce, de
conformidade com o seu ritmo, efeitos de arrasto sobre a eficácia das políticas sociais
do welfare state. A esse respeito, todos os neomarxistas estão de acordo:
"Despite such variations, however, all neo-Marxists agree that both initial expansions and eventual
'crises' of welfare-state interventions should follow the rhythms of capital accumulation and related
transformations in class relations." (SKOCPOL & AMENTA: 1986: p.135)
O grande problema com a abordagem neomarxista é que ela não dá conta das
variações do welfare-state entre as nações do capitalismo avançado, nem tampouco
consegue identificar os atores que deram início a esse arranjo institucional. Mesmo
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aquelas formulações que apontam este ou aquele ator chave, não conseguem
evidências. Claro fica, portanto, que os variados perfis do Estado e das políticas
públicas no campo social dependem, para maior entendimento, de uma abordagem
plural que ultrapasse os limites estabelecidos pela dependência funcionalista. Ao admitir
certa autonomia do Estado e dos atores que a ele se juntam, quer por vínculo formal ou
de apelo (conflito), estaremos ao mesmo tempo admitindo a importância de desviar
nossa análise para as relações ─ Estado x sociedade civil. É, pois, saber como e em
que circunstâncias históricas esses atores sociais foram moldando o Estado moderno a
ponto de estabelecer crenças e valores — éthos — na superfície da sociedade, ora
vetando ora promovendo a cidadania, enquanto produto final de um mundo que tende a
ser, com o passar dos séculos, politicamente tridimensional em termos de mercado,
democracia e equidade. Com efeito, subsiste a pergunta: — as políticas públicas são
resultados da dominação de classe ou da concorrência entre grupos de interesse?
2.3. U M A
T EO R I A AL T ER N AT I V A A
“M A R K E T
O R I E N T E D T H EO R Y ”
A tese da convergência volta e meia retorna. Na globalização há essa idéia de que a
convergência estaria embutida nas reformas orientadas para o mercado. Essa tese,
entretanto, não é empiricamente comprovada uma vez que as respostas em termos
políticos e sociais variam na dependência do contexto, onde a oportunidade (timing) das
ações governamentais joga importante papel. A convergência e a homogeneização dos
procedimentos de adaptação e reação às crises econômicas não ocorrem,
necessariamente, com a industrialização. Os fatos vieram demonstrar que os marxistas
exageraram ao afirmar que as políticas sociais serviam apenas para atender a
reprodução da força-de-trabalho no interesse do capital. Essa visão unilateral da
construção do Wefare State não consegue abarcar toda a realidade. Como explicar a
existência de variações nacionais? A simplificação marxista não dá conta de que os
atores envolvidos produzem efeitos sobre a condução das políticas sociais — daí as
diferenças dos welfare states.
Por outro lado, é importante fazer referência ao papel da democracia como espaço
institucional que viabiliza a competição entre os atores numa sociedade capitalista,
formatando e reformatando o Estado e as políticas sociais de acordo com as
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contingências do momento. A aceitação das regras democráticas permite que a
barganha produza escolhas variadas que resultam em modelos diferenciados de
welfare states, tanto no tempo como no espaço. O destaque para orientação socialdemocrata é altamente significativo na valorização do jogo subjacente às relações entre
o Estado e a sociedade civil. Aquele Estado vigilante, repressivo, guardião da lei e da
ordem, é agora uma instituição predominantemente preocupada com a produção e
distribuição de bem-estar social. Portanto, estudá-lo, é um meio de entender a
sociedade capitalista contemporânea (Esping-Andersen.1990: p.3), perguntando: "Is the
state smart or stupid? "(Katzenstein, P. J. 1985: p.19)
III - F O R M AS
3.1. T R Ê S
DE
R E L AC IO N AM E N T O E S T AD O
X
S O C I ED AD E C I V IL
C LU S T E R S , TR Ê S T R AJ E T Ó R I AS D I S TI N T AS D O W E L F AR E S T AT E
Uma interessante abordagem do relacionamento do Estado com a sociedade civil e, no
rastro desse processo, as relações entre as classes sociais na busca de um pacto
redistributivo que estruture variadas versões de welfare state, tem em G¢sta EspingAndersenn o paradigma de uma análise sobre as causas das variações das matrizes de
cobertura social, centrada numa abordagem interativa, que tem por núcleo o papel
histórico das classes sociais na construção de coalizões. O autor indaga se é possível,
por meio de um arranjo institucional, socialmente convergente, orientar a sociedade
capitalista no rumo da equidade. Em suma, preocupa-se com a identificação dos fatores
históricos causais do desenvolvimento e da diferenciação dos welfare states.
Sua primeira pergunta é: — qual o papel do Estado numa sociedade? Seu interesse
não enfoca a simples prerrogativa de gastar ou tributar inerente a qualquer Estado, nem
mesmo sua maior ou menor capacidade de reduzir as desigualdades entre seus
cidadãos. Esping-Andersen reclama a necessidade de comparar os welfare states a
partir da história das lutas e alianças entre agentes voluntários de sua construção. Ou
seja, a comparação de experiências concretas não se resume em aferir a dosagem de
maior ou menor eficiência do Estado quanto a provisão social, mais do que isso, o
importante para esse autor é chegar a uma tipologia dos welfare states que tenha por
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referência o papel que essas macro-instituições desempenham nas sociedades onde se
encontram incrustadas.
Essa classificação dos Estados em regimes distintos tem como variáveis explicativas,
em primeiro lugar, o modelo de formação política da classe trabalhadora; em segundo,
a edificação de coalizões políticas durante a transição de uma economia rural para uma
sociedade de classe média. Em terceiro e último, o autor considera de importância
paramétrica as reformas pretéritas que influenciaram a institucionalização das
preferências de classes e do comportamento dos que se dedicam a política. Trata-se, a
rigor, de uma abordagem alternativa — the state-centered approach — à visão do
Estado enquanto arena de conflitos políticos ou do Estado como sendo apenas um
instrumento amorfo a ser modelado de acordo com a vontade do grupo social vencedor.
Esping-Andersen, na verdade, busca reconceituar e reteorizar o Estado a partir de
novas bases. O Estado como ator parcialmente autônomo, mas ao mesmo tempo
resultante das estruturas e do jogo político (Skocpol. 1986:147). Em certo sentido,
Esping-Andersen está afirmando que as escolhas políticas dos partidos no poder são
cruciais para explicar as diferenças dos resultados políticos do welfare state. A
existência de programas sociais e a quantidade de recursos financeiros mobilizados,
não estão em tela de juízo para o autor. O mais importante para ele é discutir
desmercantilização, estratificação social e emprego, — segundo ele, aspectos chaves
da identidade de um welfare state. Para a experiência escandinava, seu modelo cai
como uma luva nestes tempos de restrição fiscal e de reformas orientadas para a
(re)mercantilização das relações capital/trabalho:
"Seeking to explain why the Danish Social Democratic party and welfare state are losing support,
while their Swedish counterparts are proving more resilient in the face of fiscal stringencies, EspingAndersen does detailed analyses of the political effects of major policies instituted in each country,
including pensions, employment policies, and housing programs. He shows that the policy choices
made by parties in power are crucial. Over time, policies affect various social groups in visible ways:
the policies thus either undermine or help to consolidate and extend the electoral coalitions on
which depend the future fortunes of parties that authored the policies in the first place. This
approach to analyzing policy feedback — thorough their effects on parties and electoral coalitions
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— can be applied far beyond the Danish and Swedish materials discussed by Esping-Andersen
(Skocpol & Amenta. 1986:p.151)
Como exemplo de trajetórias distintas de welfare states, Esping-Andersen refere-se a
três clusters, cada um deles resultante de diferentes arranjos entre Estado, mercado e
família.
TABELA I - CARACTERÍSTICAS DOS WELFARE STATES EM ESPING-ANDERSEN
POBREZA
SEGURIDADE
CLIENTELA
DESMERCANTILIZ
AÇÃO
Liberal
Corporativo
Social-democrata
(escandinavo)
Assistência modesta.
Exigência de
atEstado. As regras
de acesso aos
benefícios são
geralmente
associadas ao
estigma (Poor-relief)
Transferências
universais modestas.
Reforma social
severamente
limitada. O Estado
subsidia esquemas
privados de
previdência.
Principalmente os
baixa renda, em
geral a classe
trabalhadora ou
dependentes do
Estado.
Moldados pela Igreja
a assistência aos
mais carentes é
basicamente
residual. O objetivo
central de qualquer
ajuda é a
preservação da
família. O Estado só
ajuda quando a
família for
declaradamente
incapaz de dar
assistência a
qualquer de seus
membros.
Praticamente
inexistente devido
aos efeitos da ampla
reforma social
centrada na
igualdade com
melhores padrões da
classe média.
Transferências
universais. Direitos
ligados a classe e ao
status.
Todos os que
trabalham e seus
dependentes.
Universalista,Todas
Todos os cidadãos.
as camadas são
incorporadas ao
sistema universalista.
Benefícios
graduados de acordo
com os ganhos
habituais.
Baixa
desmercantilização.
O Estado encoraja o
mercado através do
estigma para os que
se habilitam aos
benefícios sociais.
Os subsídios
concedidos a
seguridade privada e
os baixos
rendimentos da
previdência oficial
encorajam as
pessoas na direção
do mercado..
Comprometido com a
preservação da
família tradicional.
Impacto redistributivo
é desprezível.
O mercado é
excluído em troca da
vontade solidária de
todas as classes em
favor do welfare
state. Fusão entre o
serviço social e o
trabalho. Garantia de
pleno emprego.
Primeiro, os regimes corporativistas, onde a previdência social, ao promover distinções
hierárquicas de status para os beneficiários, terminou por cimentar a lealdade da classe
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WELFARE STATE: TRAJETÓRIA E CRISE
média a um tipo peculiar de welfare state. Segundo, o paradigma liberal como produto
do casamento da classe média com o mercado. Terceiro, o escandinavo, onde os êxitos
G ráfico 2 - Carga Tributária Efetiva
(% do PIB)
60,00
Suécia
Dinamarca
Holanda
50,00
França
Noruega
(% do PIB)
40,00
Reino Unido
Austrália Espanha
30,00
Estados Unidos
Israel
Brasil
20,00
10,00
-
Liberal
Corporativo
Social Democrata
Fonte: Carga Efetiva- FMI - Government finance statistics yearbook - 1995
da social-democracia forjou a instituição de um wefare state de classe média. Um
aspecto interessante dessa trindade pode ser visto através do custo desses welfare
states medidos pela carga tributária como proporção do PIB (Gráfico 2)3. Pela
classificação proposta por Esping-Andersen, não surpreende que Suécia e Dinamarca
estejam entre os mais caros welfare states do mundo, ao lado da Holanda, todos com
carga tributária efetiva acima de 50% do PIB. O Brasil e os Estados Unidos estão
praticamente no mesmo piso, com cargas tributárias efetivas ao redor de 30% do PIB.
No espaço intermediário está a maioria dos Estados: França, Israel, Austrália, Espanha,
etc. Esping-Andersen chama atenção para as ofensivas contra o welfare state. Para ele, tais
reações estão menos associadas a elevação da carga tributária do que a redução nas despesas com
direitos adquiridos, fruto amargo das reformas. A reação ao welfare state depende de quanto esse
Estado está próximo a maioria da população. Quanto mais residual for o contingente usuário ou
beneficiário dos serviços desse Estado, maior será a reação contra ele a quando da escassez de
recursos. A esse respeito, comenta:
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A classificação dos países obedeceu as sugestões de G¢sta Esping-Andersen, a exceção do Brasil, de minha responsabilidade. Com a
hierarquização de privilégios de salários e aposentadorias para categorias de funcionários públicos da justiça, do legislativo e da esfera militar, não
há como não enquadrar o Brasil no cluster corporativo.
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"The risks of welfare state backlash depend no on spending, but on the class character of welfare
states. Middle-class welfare states, be they social democratic (as in Scandinavia) or corporatist (as
in Germany), forge middle-class loyalties. In contrast, the liberal, residualist welfare states found in
the United States, Canada and, increasingly, Britain, depend on the loyalties of a numerically weak,
and often politically residual, social stratum. In this sense, the class coalitions in which the three
welfare-state regime-types were founded, explain not only their past evolution but also their future
prospects. (Esping-Andersen. 1990: 33)
Como o próprio autor comenta na introdução de seu The three worlds of welfare
capitalism, sua opção por um enfoque amplo obriga-o a começar pela economia política
e dedicar o último terço da obra ao desemprego e aos rumos da macroeconomia. Por
essa razão inicia trazendo a questão do welfare state para o interior da tradição
intelectual da economia política. Em certo sentido, seu propósito é, uma vez superada a
linearidade dos modelos industrialista e neomarxista, "sociologizar" o estudo dos
welfare states, aferindo, por meio da extensão e qualidade dos direitos sociais, sua
capacidade de de-commodification, ou seja, de fazer as pessoas construírem seus
padrões de vida independente do mercado.
Duas visões opostas emergem da leitura de Smith e dos clássicos: de um lado, os que
hipertrofiam a mão invisível do lassez-faire; e de outro, os que hipertrofiam o papel do
Estado. No meio, um mix entre mercado (propriedade) e Estado (democracia). A
abordagem inicial de Esping-Andersem está lastreada na tradição estruturada pela
economia política do século XIX, em suas vertentes liberal, conservadora e marxista,
que tinha por centro de suas formulações teóricas argüir sobre a possibilidade de
compatibilizar o capitalismo com o bem-estar social. A par do legado clássico, o
neoliberalismo contemporâneo seria, para o autor, apenas um eco da tradição liberal
em economia —, o pânico dos que vêem no avanço da democracia e na concessão de
direitos sociais uma ameaça ao mercado. Um eco, sem dúvida, derivado da idéia de
que só a eficiência do mercado pode acabar com as diferenças sociais: "The state
upholds class; the market can potentially undo class society "(Smith. Apud, EspingAndersen. 1990:9).
IV - A
CRISE DO
W E L F AR E S T AT E
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"...a scientific revolution occurs when proponents of a new
paradigm oust the avocates of orthodoxy from university chairs and
editorial boards of professional journals."(Kuhn, apud Piore &
Sabel. 1984: p. 44)
4.1. C EN Á R IO S D O P Ó S - G U ER R A
O vertiginoso crescimento das relações internacionais foi o traço marcante da economia
capitalista do pós-guerra. Fluxos de mercadorias e de capitais, em escala crescente,
trouxeram novos problemas, novas regulamentações, e novas estratégias para os
Estados nacionais. Para o conjunto dos países mais pobres, o impacto dessas
transformações resultou na superação do estágio autárquico de subsistência em
direção a uma economia voltada para a exportação de produtos primários. Para os
países industrializados do Terceiro Mundo, as mudanças trouxeram a diversificação das
estruturas econômicas e o aumento da presença das empresas multinacionais em
setores lideres, num crescente influxo de capital financeiro. Nos países centrais, como
Estados Unidos, Japão e Alemanha, coube um papel mais expressivo para as grandes
corporações que, liderando amplos setores das indústrias de ponta e das finanças
mundiais, passaram a auferir a maior parte de seus lucros com investimentos realizados
no exterior (Evans. 1985:p. 192).
A intensificação das relações econômicas internacionais, todavia, foi impondo, pouco a
pouco, o estabelecimento de cadeias de interdependência (linkages) entre as
economias nacionais. Nesse contexto, o papel econômico do Estado expandiu-se
reforçando as formas de controle dos mercados locais em países do Terceiro Mundo,
ampliando as formas de sua presença na sociedade e na produção de serviços e bens.
A celebre tríade, capital estrangeiro, capital estatal e capital nacional, davam tom ao
ritmo do crescimento econômico do pós-guerra, com diferentes repercussões sobre o
perfil dos welfare states. Os governos aderiram ao keynesianismo e proclamaram,
oficialmente, ser o objetivo do planejamento econômico estatal a realização e
manutenção do pleno emprego. A comunidade de países socialistas, sob a liderança ou
não da União Soviética, parecia ser para sempre.
4.2. F L E XIB I LI Z AÇ Ã O
D O S C O S TU M E S E D O M ER C AD O D E T R AB ALH O
Por volta dos anos 60, todavia, emerge a idéia de sociedade pós-industrial associada às
profundas transformações que começam a ocorrer na tecnologia, na administração, nos
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padrões de consumo e no mercado de trabalho. Uma nova sociedade era agora
anunciada como reino dos tecnocratas e do consumo orientado para os serviços.
Entrementes, no final dessa mesma década, eclode um movimento de massas, liderado
pelos jovens, o qual propõe a ruptura com o conservadorismo da velha sociedade. Além
de ser uma revolução nos costumes, contrária ao velho padrão autoritário do século XIX
presente nas relações de família, igreja, escola e fábrica; esse movimento também
reivindicava mecanismos mais amplos de promoção social, tais como a universalização
do ensino superior e a garantia de pleno emprego. Tratava-se, portanto, de uma
pressão adicional, não desprezível, dos que sendo os retardatários da sociedade
industrial, lutavam por um lugar ao sol. Os muitos sucessos da expansão do pós-guerra,
entre os quais o modelo do welfare state iniciavam a partir desse momento, sua
trajetória de crise.
Na verdade chega ao fim da fase expansiva de um longo ciclo econômico baseado num
conjunto de tecnologias (siderurgia, eletrônica, química e petroquímica), numa fonte de
energia abundante e barata e num determinado arranjo institucional em torno do
padrão-dólar. Esta virada do ciclo anuncia a fase de declínio em que mergulha a
economia mundial desde início dos anos 70. Esgota-se, assim, o modelo de
desenvolvimento fundado na produção em massa de novos produtos de consumo
durável, acompanhada de um consumo maciço, assegurado por um modo de regulação
salarial sincronizado com a produtividade crescente do trabalho, onde o welfare state
desempenha papel importante, quer como agente patrocinador dos investimentos em
infraestrutura quer como regulador social, quer como agente distributivo.
A recuperação econômica da Europa Ocidental e do Japão, a expansão da capacidade
instalada das indústrias dos países em desenvolvimento, a emergência de novos
produtos e novos processos, tudo pavimentava o caminho para a crise internacional de
competição, que teria início a partir dos anos 1970, acabando por destruir o
compromisso forjado no período imediato a II Guerra Mundial (Gourevitch; 1986: 29). As
políticas mistas de administração da demanda, regulação e corporativismo, não faziam
mais parte da retórica do mundo político e tampouco do mundo real. O mercado
chegava para cobrar de cada um sua quota de sacrifício, exigindo adaptação às novas
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regras, mesmo dos governos nos quais os trabalhadores estavam representados. As
antigas alianças entre trabalhadores, agricultores e comerciantes, soçobraram ante as
desconfianças de que os custos diretos e indiretos com a mão-de-obra poderia
comprometer a competitividade. O novo caminho, agora, chamava-se lucratividade.
Com a perda de seus aliados históricos, os trabalhadores ficaram na defensiva. Suas
propostas resumiam-se em defender as posições existentes em termos de salários,
previdência social e trabalho. Por outro lado, comerciantes e agricultores, no
impedimento de formularem políticas mais consentâneas aos seus interesses, terminam
aderindo a onda neoliberal. Os socialistas franceses, sob Miterrand, mudam os rumos
da estratégia de nacionalização, equidade social e estímulos fiscais, substituindo-a por
uma orientação de austeridade e retorno ao mercado. Pressões semelhantes
desabaram sobre os socialistas suecos e contribuíram para a fragmentação dos
trabalhistas ingleses, democratas americanos e sociais-democratas alemães. A política
econômica, no Primeiro Mundo, passaria a flutuar doravante, entre a mão invisível do
mercado e a mão intervencionista do Estado. Entre um extremo e outro se
estabeleceria um amplo escopo de políticas adotado pelos Estados nacionais de acordo
com as contingências do momento.
No mundo desenvolvido, por exemplo, a Suécia ainda que aceitando os sinais do
mercado internacional, continuou intervindo mais do que outro qualquer país na defesa
do mercado de trabalho, favorecendo a consulta aos trabalhadores durante o processo
de reestruturação. Na Europa Ocidental, o sistema de proteção social e a proteção ao
mercado de trabalho permaneceram bem mais desenvolvidos do que nos EUA. A
política industrial francesa permaneceu mais ativa do que nos EUA e na Inglaterra. Os
EUA, todavia, sob Reagan, usaram mais estímulos fiscais do que a Europa — era a
side supply policy, uma forma liberal, pseudokeynesiana, de combater a recessão por
meio de um alívio na carga tributária do setor privado, na esperança de que tal medida
estimulasse a retomada dos investimentos.
Essas diferentes formas de resolver o confronto entre o welfare state e as novas
exigências do mercado internacional se devem, naturalmente, as diferentes relações
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entre atores sociais em cada um dos países apontados; sendo a organização e a força
dos trabalhadores importante referência.
Uma percuciente análise desse período de rápidas mudanças na economia global pode
ser creditada a Katzenstein (1985). Para esse autor, uma série de fatores explicam a
amplitude e a profundidade das mudanças operadas desde os anos 1970: inflação
mundial, explosão dos preços da energia, recessão prolongada, crescimento da
rivalidade no comércio internacional, volatilidade do mercado internacional de divisas,
disparada das taxas de juros, crescimento das dividas dos Estados nacionais e,
agravando, os efeitos da restruturação global sobre as formas consagradas de
organização do trabalho, renda e emprego.
Nessa mesma década, por exemplo, Washington reduziu, de forma sistemática e
unilateral, a cotação do dólar, permitindo maior competitividade para os produtos
americanos nos mercados internacionais, em prejuízo da Europa Ocidental e do Japão.
Nos anos 80, a administração Reagan, às voltas com um surto inflacionário, restringiu o
crédito e aumentou as taxas de juros, provocando substancial defasagem de
rendimentos entre as carteiras de títulos e de ações. Um procedimento que estimulou,
ainda mais, a especulação nas bolsas, levando os grandes aplicadores internacionais a
preferirem títulos ao invés de ações. Uma vez instalado o clima de desconfiança,
sobreveio o colapso do mercado acionário de Nova York, em 19 de outubro de 1987,
uma queda que, em razão do entrelaçamento cada vez maior dos poderosos mercados
financeiros internacionais, espalhou-se pelas principais bolsas do mundo, afetando a já
combalida autonomia dos Estados nacionais na condução de suas respectivas políticas
macroeconômicas. Tais desequilíbrios e rupturas, em combinação com um mercado
cada vez mais desregulamentado e global, atingiu em cheio os países em
desenvolvimento, cobrando programas de estabilização e de ajuste estrutural que ao
longo da década de 80 e 90 oneraram, pelo desemprego, redução de rendas, tributos e
taxas, as sociedades desses países.
15
16
WELFARE STATE: TRAJETÓRIA E CRISE
4.3. A
C O N T AB I L ID AD E SO C I AL D A EC O N O M I A G LO B AL
Um exemplo dessa crescente adversidade pode ser captado através da Figura 1
(Krugman. 1997), que compara a produtividade e a renda nos EUA entre dois pósguerras (II Guerra Mundial e Guerra do Vietnã). Nos demais países avançados o
Produtividade e Renda Média - EUA
Taxa Anual (%)
3,0
2,5
2,0
1,5
Produtividade
1,0
Renda Média
0,5
0,0
1947-73
1973-94
Fonte: Krugman (1977:13)
Figura 1 Tanto a estagnação da renda real durante os anos 70s e 80, como sua
ascensão no período anterior, foram comandadas pela trajetória da produtividade.
cenário não foi diferente como demonstra a Tabela 3.1. Em quatro períodos, apresenta
o desempenho econômico (1983-1992/1964-19730), a produtividade geral (19811990/1961-1970), a produtividade industrial (1983-1992/1964-1973) e o desemprego
(1983-1992/1964-1973). Claramente, para os países membros do G-7, houve piora
Tabela 3.1.
Taxas Anuais de Crescimento Econômico, da Produtividade Geral e Industrial e do Desemprego nos Países Avançados
Crescimento Econômico
1964-73
1983-92
Alemanha
4,5
2,9
França
5,3
2,2
Itália
5,0
2,4
Inglaterra
3,3
2,3
EUA
4,0
2,9
Canadá
5,6
2,8
Japão
9,6
4,0
Fonte: OCDE appud Eatwell, J (ed) Global Unenployment, NY. Sharpe.1996
Produtividade Geral
1961-70
1981-90
4,3
5,0
6,2
3,3
1,9
9,1
1,9
2,0
1,9
2,0
1,1
3,0
Produtividade Industrial
1964-73
1983-92
4,0
5,3
5,1
4,2
3,1
4,0
9,6
2,4
2,6
2,6
3,6
2,8
2,6
5,7
Desemprego
1964-73
1983-92
0,8
2,2
5,5
2,9
4,5
4,2
1,2
6,0
9,7
10,1
9,8
6,7
9,6
2,7
significativa nos fundamentos de suas economias.
16
17
ROBERTO RIBEIRO CORRÊA E RAFAEL WILLIAM
Para os países do Terceiro Mundo a situação não foi diferente em termos de PIB per
capita, como denota a Tabela 3.2. , elaborada por Barro (1995) para as economias da
Ásia e América Latina.
Tabela 3.2
Crescimento Países Pobres
Taxa de Crescimento do PIB
Período
Número de Países
per capita (%)
1900-1913
1.2
13
1913-1950
0.4
14
1950-1973
1973-1987
Fonte: Barro(1995:6)
2.6
2.4
16
16
Da segunda metade dos 1980 até 1996, período em que os países da região realizaram
ajustes estruturais, percebe-se um crescimento consistente nas taxas de desemprego
como mostra a Tabela 3.3.
4.4. C R I S E
F IN AN C E I R A E D E L E G I TI M ID AD E D O W E L F AR E S T AT E
Evidentemente que a ação política mesmo sendo importante não é decisiva na solução
de um problema econômico que, no contexto da abordagem até agora desenvolvida,
encontra-se no campo da acumulação e da regulação.
No primeiro campo, da
acumulação, via queda na lucratividade do setor real da economia com efeitos
expansivos nos lucros financeiros auferidos na especulação bursátil. No segundo
campo, o da regulação, pela inadequação e defasagem das regras e normas de
alcance mundial frente ao fenômeno da globalização financeira.
O processo de
acumulação de cada região, país ou Estado-nação, depende entre outros fatores, da
interação de sua economia com o conjunto da economia mundial. Em tempos de
economia globalizada essa interação tornou-se dramaticamente decisiva para o
contexto das nações não hegemônicas. Ou seja, se ocorre uma recessão nas
economias avançadas, logo essa recessão também chega ao restante dos países, em
razão da integração dos mercados.
Na abordagem da questão do emprego, por exemplo, duas fases são propostas para
melhor esclarecer o grau de interação sistêmica do capitalismo. A primeira, do final da
17
18
WELFARE STATE: TRAJETÓRIA E CRISE
década de 1950 até 1973, chamada de expansão do capitalismo; a segunda, pós-1973,
corresponde a emergência da economia global (Esping-Andersen. 1990:163). Essas
transformações trouxeram uma nova dimensão política ao debate sobre o papel do
Estado na sociedade pós-industrial. Apesar de esse debate ter se iniciado na década
de 70, ele só veio a tomar impulso na década de 80, quando a análise passa a centrarse na chamada crise financeira e de legitimidade do Estado.
Os argumentos dessa análise buscam, no esgotamento do ciclo expansivo, as causas
das restrições à atuação do Estado como instância de regulação econômica e social. A
crise, por sua amplitude e profundidade, atinge indistintamente todos os países em
maior ou menor escala, reduzindo os excedentes econômicos e, por via de
conseqüência, a capacidade financeira dos governos para fazer face às demandas
sociais e aos investimentos necessários à acumulação. Tal situação agravou-se,
sobremaneira, nos países devedores, onde a quase completa paralisia do Estado
Gráfico 2 - Desemprego nos Maiores da América Latina
20,0
18,0
16,0
Taxa de Desemprego (%)
14,0
Argentina
12,0
Brasil
10,0
México
8,0
Venezuela
6,0
4,0
2,0
1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996
Anos
acarreta desmoralização, perda de prestígio e de legitimidade. Nesses países, os
18
19
ROBERTO RIBEIRO CORRÊA E RAFAEL WILLIAM
desequilíbrios estruturais das contas do setor público assumem um paradoxo, ou seja,
déficits são financiados deficitariamente.
Em contrapartida ao desgaste do Estado, cresce, em todo o mundo, a influência do
pensamento liberal questionando as mais elementares formas estatais de interferência
na economia. FMI e Banco Mundial recomendam austeridade fiscal e monetária. Em
conseqüência, vive o continente a década perdida; como assim foram denominados os
Tabela 3.3. - DESEMPREGO URBANO ABERTO NA AMÉRICA LATINA
Argentina
Bolívia
Brasil
Colômbia
Costa Rica
Chile
Equador
El Salvador
1985
6,1
5,7
5,3
13,8
6,7
17,0
10,4
-
TAXAS ANUAIS MÉDIAS
1986 1987 1988 1989 1990 1991
5,6
5,9
6,3
7,8
7,5
6,5
7,0
5,7 11,5
9,5
7,3
5,8
3,6
3,7
3,8
3,3
4,3
4,8
13,5 11,8 11,3
9,9 10,5 10,1
6,7
5,9
6,3
3,7
5,4
6,0
13,1 11,9 10,0
7,2
6,5
7,3
10,7
7,2
7,4
7,9
6,1
8,5
9,4
8,4 10,0
7,5
1992 1993 1994
7,0
9,6 11,5
5,4
5,8
3,0
4,9
5,4
5,1
10,2
8,6
8,9
4,3
4,0
4,3
4,9
4,1
6,3
8,9
8,3
7,1
6,8 7,0
1995 1996
17,5 17,1
3,6
4,0
4,6
5,9
8,8 11,2
5,7
6,6
7,8
6,9 8,0 -
Guatemala
Honduras
México
Panamá
Paraguai
Peru
Uruguai
Venezuela
12,0
11,7
4,4
15,7
5,1
10,1
13,1
14,3
14,0
12,1
4,3
12,7
6,1
5,3
10,7
12,1
6,3
5,1
2,8
18,2
5,3
9,4
9,0
8,0
-
11,4
11,4
3,9
14,1
5,5
4,8
9,3
9,9
8,8
8,7
3,5
21,1
4,7
7,1
9,1
7,9
6,2
7,2
2,9
20,4
6,1
7,9
8,6
9,7
6,4
6,9
2,7
20,0
6,6
8,3
9,3
10,1
6,7
7,1
2,7
20,0
6,1
5,9
8,9
10,1
8,1
5,6
3,4
15,6
5,1
9,9
8,4
6,9
7,2
4,0
3,6
15,8
4,1
8,8
9,2
9,0
6,6
6,3
16,4
5,6
7,9
10,8
10,9
5,8
16,7
5,5
8,7
12,7
11,9
Fonte: B. - Banco Mundial
anos 1980 para a maioria dos países da América Latina (Gráfico 2 e Tabela 3.3.). No
entanto, o panorama dessa época não fora menos cinzento para os países avançados,
com a diferença de que além do baixo desempenho da economia, devido a queda de
produtividade, esses países viram expandir, de forma acelerada, a taxa de desemprego.
O Gráfico 1 resume o perfil da crise de produtividade da economia americana entre
dois períodos (1947-1973 e 1973 a 1994) e seus efeitos sobre a renda média. A Tabela
3.1 oferece uma visão mais completa do panorama das economias avançadas. A
sincronização entre taxas de crescimento econômico, produtividade e desemprego,
deixa bastante visível a relação entre elas na caracterização da crise de crescimento
que teve início a partir dos anos 1970.
Uma vez admitido — como sugerido no início deste artigo — que o processo de
acumulação exerce efeitos sobre performance do welfare state, é plausível também
19
WELFARE STATE: TRAJETÓRIA E CRISE
20
admitir que o papel do Estado e sua legitimidade tenham sido drasticamente atingidas
pelos efeitos de sua crise financeira, mas e principalmente devido a crise de
acumulação expressa nos dados de produtividade, renda média e emprego.
V - C O N C L U SÃ O
Iniciamos este trabalho com a discussão das teorias que enfocam as razões da
emergência, semelhança e dessemelhanças entre os welfare states. Demos maior
relevo à teoria dos três clusters, de G¢sta Esping-Andersen, por ser a que mais se
presta a uma análise política das diferentes trajetórias perseguidas por cada um desses
arranjos institucionais, com destaque para as coalizões de classe que lhes deram
sustentação. Em seguida, tratamos de examinar a alegada crise dos welfare states em
face das transformações recentes ocorridas com o processo de globalização,
destacando o cenário do pós-guerra, o fim da rigidez social e de mercado, e a
contabilidade social da economia global.
Dessa análise ficou evidente que a globalização, embora tenha algo a ver com a erosão
do welfare state, não chega a ser suficiente para explicar tudo. Uma explicação
adicional importante pode estar nas transformações ocorridas no processo de
distribuição geográfica da produção — máxime para os blocos econômicos — e no
novo perfil da demanda por mão-de-obra. No primeiro caso, a produção com alta
tecnologia tendeu a ficar circunscrita às economias do norte, provocando o surgimento
de um mercado de trabalho cada vez mais seletivo em termos de qualificação. A
composição desses dois fatores produz o crescimento do desemprego nos segmentos
de mercado onde o trabalho de baixa qualificação é ofertado em abundância, criando
uma forte pressão sobre os já elevados gastos do welfare state. As repercussões
desse processo em países do Terceiro Mundo tende a reproduzir o fenômeno das
economias maduras, nos chamados nichos de progresso econômico. Tal processo se
viabilizou com a abertura dos mercados desses países, o que permitiu as grandes
empresas ali instaladas, importar tecnologias de ponta visando estratégias competitivas
no mercado internacional. Essa opção gera, sem dúvida, desemprego em larga escala,
comprometendo o balanceamento entre os fluxos de entrada e saída de recursos de
20
ROBERTO RIBEIRO CORRÊA E RAFAEL WILLIAM
21
transferência cujo o saldo, como sabemos, é vital para o suporte das instituições do
welfare state.
Neste ponto é crucial que se diga que a provisão de recursos para saúde, seguro
desemprego, e outras instituições de bem-estar social, dependem, para seu custeio, da
taxa de crescimento da massa salarial que, por sua vez, é função da taxa de emprego
da economia. Eis aí uma importante conexão (linkage) entre welfare state e mercado de
trabalho.
Vimos que são três as formas de encarar o problema do desemprego, todas elas em
função do maior ou menor grau de desmercantilização da força de trabalho. Nos países
da social- democracia, as alianças de classe forjaram uma mentalidade favorável ao
welfare state, permitindo que os problemas sociais sejam enfrentados com altos índices
de desmercantilização do mercado de trabalho. Uma opção que se desdobra numa
elevada carga tributária, superior a 50% do PIB. Nos países do corporativismo, a
situação aponta uma desmercantilização mitigada, com reflexo nos índices de
desemprego e de pobreza urbana crescentes. Nos países do liberalismo, a
flexibilização do contrato de trabalho e a derrogação de um acervo de leis de proteção
social, resultaram num progressivo aumento da miséria, da marginalidade e da violência
urbanas. No Brasil, onde parece vigorar um misto de corporativismo e liberalismo
(liberal-corporativismo4), a situação tem se agravado de forma assustadora com
aumento espantoso da violência urbana.
Num esforço de conclusão, podemos afirmar que o desemprego nos países
desenvolvidos termina equivalendo a um imposto adicional que recai sobre toda a
sociedade, com a elevação da carga tributária proporcionalmente ao número médio de
desempregados, multiplicado por um salário mínimo médio definido ética e
politicamente por amplo acordo das classes sociais. Exemplo dessa abordagem vem da
social-democracia escandinava, onde o desemprego é reduzido ao máximo pelos
efeitos de sustentação da renda e consumo em padrões de classe média. Nos países
do liberalismo, esse salário por ser menor e associado ao estigma do atestado de
pobreza, termina favorecendo uma queda no preço da mão-de-obra. Ou seja, como o
4
Simbiose do pior. Uma mistura do que há de pior no corporativismo com o que há de pior no liberalismo.
21
WELFARE STATE: TRAJETÓRIA E CRISE
22
seguro desemprego tem o valor muito baixo para os padrões do Primeiro Mundo, o
mercado de trabalho reage ofertando salários também mais baixos, incentivando, dessa
forma, a emergência do emprego precário. Em países como o Brasil, todavia, em que
existe um consenso adverso com relação ao problema do desemprego (para alguns
ainda uma questão de polícia), o imposto resvala para a informalidade alimentando
formas bizarras de geração de renda: flanelinhas, pedintes, rifas, ambulantes, propinas,
privatização da segurança pública, etc.
V - R EF E R Ê N CI A S
Barro, R. J. & Sala-i-Martin, X,. Economic growth. Mc Graw-Hill, Inc. N.Y. 1995
Esping-Andersen, G. The Three Worlds of Welfare Capitalism. Princeton, Princeton
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Skocpol, T e Amenta, E. "States and Social Policies", Annual Review of Sociology,
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22

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