O Jovem Trabalhador: as variadas situações de
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O Jovem Trabalhador: as variadas situações de
O Jovem Trabalhador: as variadas situações de exploração do trabalho infanto-juvenil no final do Século XX e início do Século XXI. Vilma Fiorotti Nas últimas décadas do século XX o Brasil continuava a desenvolver uma produção voltada a exportação de produtos primários. E paralelo a esta economia agroexportadora estruturava-se a indústria para a produção de bens de consumo duráveis. Esta dinâmica interna de acumulação do capital em todo o período esteve pautada na superexploração da força de trabalho que gradativamente foi expropriando a família brasileira de suas condições mínimas de sobrevivência. A situação de exploração a qual foi submetida o trabalhador “chefe de família” foi responsável pela inserção de grande parte dos adolescentes no mercado de trabalho. Quando as necessidades financeiras começam a se fazer sentir, torna-se visível a ocorrência de situações nas quais membros mais novos das famílias são convocados a ajudar no orçamento familiar. A intensidade com a qual jovens em idade escolar entram para o mercado de trabalho apresenta os efeitos perversos, no interior da família, da desigualdade social e econômica que assolou o Brasil nos últimos anos. Essa situação de exclusão social imposta pelo capital inclui adolescentes que se tornam trabalhadores sem possibilidade de escolha. A maioria dos trabalhos realizados por estes adolescentes, não os qualifica profissionalmente, muito menos contribui em sua promoção social, serve apenas para realimentar o círculo da pobreza familiar e individual em que foram submetidos. Com o aumento do empobrecimento da população e das famílias, um contingente considerável de jovens são inseridos no mercado de trabalho formal e informal. Nos setores urbanos, os meninos mais que as meninas, devido a atividade remunerada, que envolve o trabalho de rua ideologicamente considerado como trabalho masculino. Essa realidade foi criada pela conjuntura socioeconômica do Brasil nas últimas décadas e passou a determinar a entrada ou saída do jovem no mercado de trabalho (CERVINE e BURGER, 1996 p. 22- 23). Além da pobreza a forma como está estruturado o mercado de trabalho brasileiro, contribui na utilização da mão-de-obra infanto-juvenil. Já que este mercado de trabalho responde a um ordenamento econômico que privilegia o acúmulo de riqueza e expressa o consumo como padrão ideal de vida. Juntando assim dois fatores convergentes; o jovem que precisa trabalhar e o mercado de trabalho que necessita de mão-de-obra barata. No entanto, mesmo, o jovem precocemente participando deste processo produtivo, esta estrutura posta pelo capital beneficia uma minoria e exclui a grande maioria dos benefícios produzidos pelo próprio sistema. Segundo dados do IBGE de 1990 a 2001 um número significativo de jovens matricularam-se no Ensino Fundamental, Médio e superior com esperança de conseguir uma atividade remunerada. O gráfico a seguir mostra este contingente considerável de jovens na escola neste período, no entanto uma grande maioria apresenta defasagem escolar série e idade. Supõe-se que o retorno aos bancos escolares esteja ligado a perspectiva de uma inserção mais rápida ao mercado de trabalho. A suposição inicial é que o jovem desta época associa os estudos à possibilidade de emprego, no senso de 2001 foram detectados nove milhões de jovens cursando o Ensino Médio. Porém a mesma pesquisa encontrou dois milhões de jovens entre 15 e 17 anos que não estavam estudando. E o principal motivo é a necessidade de trabalhar e contribuir com a renda familiar. A situação econômica familiar não permite aos pais perceberem os riscos e prejuízos que o trabalho precoce impõe aos seus filhos. E o Estado, e a sociedade, que poderiam criar condições de reverter esta condição social se omitem deste compromisso. No gráfico apresentado aparece esta realidade. Com relação ao tipo de trabalho nota-se que a grande maioria exerce uma atividade remunerada, são trabalhadores assalariados informais, que recebem o mínimo para atender as necessidades básicas de consumo. Vale ressaltar que a estrutura sócio econômica do Brasil tem contribuído para que as situações de informalidade no trabalho se tornem definitivas. Pois, à medida que se fecha postos de trabalho formais o contingente de desempregados é obrigado a inserir-se no mercado informal, principalmente o jovem que busca o primeiro emprego em um contexto econômico voltado a destruição do emprego formal. Segundo Dedecca e Baltar a população oriunda do campo não acostumada ao trabalho assalariado também contribui para a disseminação do trabalho informal. Visto que ao chegar aos centros urbanos sem qualificação profissional precisava aceitar qualquer trabalho que gerasse renda, abrindo espaços a informalidade (DEDECCA e BALTAR, 1997 p.p. 79-81). Além do capitalismo brasileiro do final do século XX e início do século XXI não dar conta de absorver a mão-de-obra juvenil no setor formal, foi responsável pela inserção de jovens em atividades informais e muitas vezes ilegais, como camelôs que tem essa atividade remunerada como única fonte de subsistência. No Paraná, dos adolescentes que trabalham 73.910 não estudam o que representa o afastamento de um terço dos jovens paranaenses do sistema de ensino. No Brasil a realidade é semelhante, a necessidade de contribuir com a economia familiar e ou subsidiar os gastos pessoais obrigam grande parte dos jovens a abandonar os estudos, ou ser um estudante trabalhador, do setor formal ou informal, como mostra o gráfico. Frente a essa realidade apresentada pelo gráfico, muitos jovens convivem com situações desanimadoras, pouca aprendizagem na escola e falta de perspectivas de melhores condições de vida, fatores que contribuem para a reprodução das condições sociais vigentes. Assim as relações de produção capitalista vão ampliando cada vez mais a exploração do trabalho fazendo com que um jovem que deveria estar preocupado com seus estudos, ocupe seu tempo lutando por condições materiais de existência. Ao definir que a oportunidade de trabalho está vinculada a estrutura econômica do Brasil, Cervine e Burger, enfatizam que o conceito de pobreza não deva ser confundido com a ideia de privação absoluta de consumo, visto que, nas últimas décadas ocorreram profundas alterações nos padrões de vida da sociedade brasileira. Assim a exploração do trabalho juvenil está articulada a própria organização da sociedade capitalista que impõe aos jovens valores engendrados na própria estrutura social e nos mecanismos que sustentam o sistema socioeconômico gerenciado pelo capital obrigando o jovem a estudar e trabalhar. (CERVINE e BURGER, 1996 p. 22-23). O Paraná não foge a esta realidade nacional, por mais que órgãos governamentais e não governamentais desenvolvam programas de combate à erradicação do trabalho infanto-juvenil, Segundo o IPARDES, (Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social, 2007, p. 16-22) o mercado de trabalho paranaense absorve, como mão-de-obra um total de 36.458 crianças das faixas etárias de 10 a 13 anos e 216.798 adolescentes de 14 a 17 anos de idade. Segundo o IPARDES é possível que o número de crianças que trabalham no Paraná seja bem mais elevado que esse levantado pelo senso demográfico. Visto que nos dados levantados se desconsidera muitas ocupações como trabalho doméstico, ou agrossilvopastoril realizados para a própria família. Esse trabalho familiar na maioria das vezes não atenua a situação de exploração e de risco a que se pode estar submetendo estas crianças e jovens. O quadro a seguir apresenta atividades desenvolvidas por jovens paranaenses em variadas situações de exploração. Quadro do trabalho infanto-juvenil no Paraná Ocupação Locais Atividades desenvolvidas Condições de Trabalho Riscos a Segurança e a Saúde Serviços em olarias Imbituva, Jacarezinho, Jataizinho, Marques dos Reis, Palotina, São Carlos do Ivaí, Siqueira Campos. Carregar e descarregar argila dos caminhões, transportar telhas e tijolos para secagem, “boca de forno” e serviços gerais, colocar o barro com pá e recolher as aparas, enformar e desenformar tijolos. Contaminação pela água doenças no aparelho auditivo e respiratório postura inadequada exposição a intempéries,eletrocussão, ruído, queimaduras e poeira. Serviços em madeireiras Cantagalo, Castro, Francisco Beltrão, Irati, Ortigueira, Palmas, Pato Branco, Ponta Grossa, Sengés, Telêmaco Borba, Ventania, União da Vitória. Arapongas, Prudentópolis Telêmaco Borba. Executar serviços gerais e de limpeza, manuseio de máquinas perigosas, principalmente na “destopa” com serra pendular. Galpões semi-abertos e úmidos, luminosidade deficiente, instalações elétricas e sanitárias precárias, falta de água potável; máquinas sem proteção alguma; baixos salários; jornada de até 12 horas; sem registro em Carteira de Trabalho. Trabalho insalubre e perigoso; jornada excessiva; sem registro, em Carteira de Trabalho. Lixar, separar, fresar, tornear, pintar, dar acabamento às peças. Jornada excessiva; baixa remuneração; sem registro em Carteira de Trabalho. Amaporã, Assis Chateaubriand, Campo Mourão, Castelo, Goioerê, Janiópolis, Carregar fardos excessivamente pesados. Trabalho penoso; transporte em condições desumanas; falta de equipamento de Lesões por esforço físico excessivo, exposição a ruído excessivo e poeira, exposição a máquinas perigosas, inalação e/ou absorção de produtos químicos como solventes, diluentes, tintas, verniz e cola. Picadas de animais peçonhentos, verminoses, má postura, lesões por esforço repetitivo, levantamento de peso excessivo para a idade Serviços na indústria moveleira Colheita do algodão Dermatoses, exposição a ruídos fortes e poeira; cortes e mutilações devido ao manuseio de máquinas perigosas, intoxicações devido à manipulação de pentaclorofenal, usado para a imunização da madeira. Japurá, Querência do Norte, Santa Cruz do Monte, Tamboara Cultivo e preparo das folhas de fumo Prudentópolis Rebouças Capanema São Mateus do Sul Planalto, Missal Serranópolis e Quedas do Iguaçu, Manuseio de inseticidas e acaricidas altamente tóxicos. Carregar pesados rolos de fumo proteção individual; jornada excessiva; sem registro em Carteira de Trabalho. escoriações (por espinhos e similares, característicos da vegetação fechada) exposição às intempéries (insolação), manuseio de agrotóxicos (intoxicação). Trabalho insalubre e perigoso, contato de folhas de fumo e inseticida com a pele, jornada excessiva; sem registro, em Carteira de Trabalho. Durante a colheita, a folha verde entra em contato com o corpo que absorve grandes quantidades de nicotina. A nicotina provoca nas crianças vômitos, fraqueza e perda de apetite. Desempenho de Jornada de trabalho atividades ilegais noturno, trabalho envolvimento com perigoso sem contrabandistas de proteção da lei, sem cigarro, registro em Carteira eletroeletrônicos e de Trabalho. armas. Fonte: IPARDES, 2007. Mapa do Trabalho Infanto-Juvenil no Paraná Comércio e Transporte de mercadorias Guaíra Foz do Iguaçu Exposições a situações de perigo, levantamento de pesos excessivos para a idade, exposição às intempéries climáticas (chuva e frio). As atividades exercidas por crianças e jovens em algumas cidades paranaenses segundo os dados do IPARDES não leva em consideração os limites estabalecidos pelas leis trabalhistas, pois, expõe estes trabalhadores a condições insalubres e desumanas. Neste casos específicos o trabalho é um fator impeditivo de uma situação de vida social e legal de estudo e lazer. Mesmo na condição de aprendiz ou estagiário onde as associações comerciais intermediam a contratação,estas são legitimadas por relações desiguais expressadas em remuneraçõs desfavoráveis que são impostas aos jovens e justificadas por concepções construídas pelo prório sistema capitalista que coloca o trabalho do jovem como complementar ao do adulto. No caso do cultivo do fumo os pais dos pequenos trabalhadores por não dar conta do compromisso assumido com as empresas são obrigados a usar o trabalho infantil para cumprir contratos com a indústria. As demais ocupações que envolve inúmeras atividades estão relacionadas a condição social da família em que o trabalho do adolescente está vinculado ao complemento da renda familiar, visto que, segundo dados do IPARDES (2007) cerca da metade das crianças que trabalham no Paraná, pertence a famílias que vivem com renda média mensal de meio salário mínimo. O artigo 7º do Estutudo da Criança e do Adolescente define que “A criança e o adolescente tem direito a vida e a saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvmento sadio e harmonioso, em condiçoes dígnas de existência” (ECA, 1990) No entanto no quadro acima podemos identificar muitas violações destes direitos, crianças e jovens exercendo atividades insalubres e perigosas que colocam a vida em risco. Mesmo com a aprovação do ECA, os interesses econômicos levam segmentos da sociedade a consider normal algumas destas ocupações no cotidiano de crianças e adolescentes tanto em área rurais como urbanas. Estes grupos que defendem a entrada de crianças e jovens ao mercado de trabalho não levam em consideração que o trabalho precosse atrapalha o desenvolvimento físico, prejudica os estudos, alimenta o ciclo de pobreza e expropria o adolescente trabalhador das condições necessárias a mudança de vida. O não combate a exploração deste trabalho infanto-juvenil só contribui para gerar mais exclusão e alimentar as desigualdades sociais presentes em nossa sociedade. O mapa do trabalho infantil no Paraná aponta trezentas mil crianças entre 10 a 15 anos envolvidos em atividades não permitidas em lei. O Ministério Público do Paraná tem 1.238 investigações em andamento envolvendo trabalho infanto-juvenil. (IPARDES, Mapa do trabalho Infanto-juvenil, 2007). Ao entrevistar um jovem que abandonou a escola devido a carga horária excessiva de trabalho ele relatou: “a gente que trabalha não consegue chegar no horário, porque as empresas não colaboram, a lei diz que nóis tem direito de estudar, mas não tem ninguém aqui que fiscaliza isso, faz cumprir a lei” (Juninho, 2008). Nesta afirmação percebe-se que o capital e o trabalho se relacionam. Para sobreviver é necessário trabalhar, no entanto as condições impostas inviabilizam a formação escolar, fazendo com que este jovem explorado pelo capital continue no subemprego, recebendo baixos salários para atender os interes da economia capitalista. Dessa forma a probabilidade de um jovem trabalhador com uma carga horária excessiva concluir os estudos é remota, visto que, sua permanência na escola está condicionada a sua situação econômica. Se a atividade remunerada que exerce serve apenas para suprir suas necessidades de consumo, pode abandonar o trabalho e se dedicar aos estudos, mas se a sobrevivência da família está condicionada ao seu salário acaba priorizando o trabalho e abandonando a escola. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BIHR, Alain. Da Grande Noite a Alternativa: o movimento operário europeu em crise. Trad. Wanda Caldeira Brant. São Paulo: Boitempo Editorial, 1998. p.p. 19-104 CERVINI, R.; BURGER, F. O menino trabalhador no Brasil urbano dos anos 80. Cap. 1 In: FAUSTO, A.; CERVINI, R. (Orgs.) O trabalho e a rua: crianças e adolescentes no Brasil urbano dos anos 80. São Paulo: Cortez, 1996. ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei 8069 de 13 de julho de 1990. www.planalto.gov.br/civil. Acesso em 05/11/2008 DEDECCA, Cláudio Salvadori e BALTAR, Paulo Eduardo de Andrade. Mercado de Trabalho e Informalidade nos Anos 90. Revista de Estudos Econômicos. São Paulo, volume 27 N. Especial, 1997. IPARDES. Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social. Mapa do Trabalho Infanto-juvenil. Curitiba: Ipardes, 2007. MENDOÇA, Sônia. A industrialização brasileira. São Paulo: Moderna, 1995. Silva, N.D.V. e Kassouf, A.L. A exclusão social dos jovens no mercado de trabalho brasileiro. Revista Brasileira de Estudos de População, v.19, n.2, jul./dez. 2002. OIT, Organização Internacional do Trabalho. Relatório Trabalho Decente e Juventude na América Latina. www.inesc.org.br/2007. acesso em 04/10/2008.
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