direito comercial. falência. pedido de restituição de dinheiro

Transcrição

direito comercial. falência. pedido de restituição de dinheiro
Superior Tribunal de Justiça
HABEAS CORPUS
RELATOR
IMPETRANTE
IMPETRADO
PACIENTE
Nº 83.292 - SP (2007/0114885-0)
:
:
:
:
MINISTRO FELIX FISCHER
CYRO KUSANO E OUTRO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3A REGIÃO
CÉSAR ANTONIO MUZETTI
EMENTA
PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 1º, I, DA LEI Nº 8.137/90.
SONEGAÇÃO FISCAL DE LUCRO ADVINDO DE ATIVIDADES ILÍCITAS. "NON
OLET".
Segundo a orientação jurisprudencial firmada nesta Corte e no Pretório Excelso, é
possível a tributação sobre rendimentos auferidos de atividade ilícita, seja de natureza civil
ou penal; o pagamento de tributo não é uma sanção (art. 4º do CTN - "que não
constitui sanção por ato ilícito" ), mas uma arrecadação decorrente de renda ou lucro
percebidos, mesmo que obtidos de forma ilícita (STJ: HC 7.444/RS, 5ª Turma, Rel.
Min. Edson Vidigal, DJ de 03.08.1998). A exoneração tributária dos resultados
econômicos de fato criminoso - antes de ser corolário do princípio da moralidade - constitui
violação do princípio de isonomia fiscal, de manifesta inspiração ética (STF: HC
77.530/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU de 18/09/1998).
Ainda, de acordo com o art. 118 do Código Tributário Nacional a definição legal do
fato gerador é interpretada com abstração da validade jurídica dos atos efetivamente
praticados pelos contribuintes, responsáveis ou terceiros, bem como da natureza do seu
objeto ou dos seus efeitos (STJ: REsp 182.563/RJ, 5ª Turma, Rel. Min José Arnaldo da
Fonseca, DJU de 23/11/1998).
Habeas corpus denegado.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade,
denegar a ordem. Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia
Filho e Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ/MG) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 28 de novembro de 2007. (Data do Julgamento).
MINISTRO FELIX FISCHER
Relator
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HABEAS CORPUS Nº 83.292 - SP (2007/0114885-0)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO FELIX FISCHER: Trata-se de habeas corpus
impetrado em benefício de CÉSAR ANTÔNIO MUZETTI, condenado como incurso nas
sanções do art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90 c/c art. 71 do CP, à pena de 4 (quatro) anos, 9 (nove)
meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, em regime semi-aberto, e ao pagamento de 60 (sessenta)
dias-multa, contra v. acórdão prolatado pelo e. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que negou
provimento à apelação interposta pela defesa, mantida a condenação nos seus termos.
Eis a ementa do v. julgado:
"PENAL. PROCESSUAL PENAL. REINTERROGATÓRIO DO
RÉU. CONVERSÃO DO JULGAMENTO EM DILIGÊNCIA. CRIME CONTRA
A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1°, I, DA LEI N. 8.137/90. AUTORIA E
MATERIALIDADE COMPROVADAS.
1. O art. 616 do Código de Processo Penal permite ao
Tribunal determinar novo interrogatório do acusado. Contudo, a
providência tem caráter meramente supletivo, para esclarecimento dos
julgadores, não ensejando nova instrução processual.
2. As declarações de Imposto sobre a Renda Pessoa Física, a
informação fiscal da Receita Federal emitida a partir da análise dos dados
bancários em cotejo com os dados fiscais, depósitos bancários e cópias dos
extratos bancários, além do termo de inscrição na dívida ativa, são
elementos idôneos para demonstração do delito de redução de tributo,
mediante omissão de informação ou prestação de declaração falsa às
autoridades fazendárias.
3. Autoria delitiva comprovada e não negada pelo réu, além
de confirmada pelas testemunhas de defesa.
4. Não procede o argumento de atipicidade da conduta para
o crime contra a ordem tributária, dado que os valores movimentados nas
contas bancárias do réu seriam provenientes de contravenção penal.
5. Preliminar rejeitada. Apelação não provida" (fl. 64).
Aduzem os impetrantes que o paciente sofre constrangimento ilegal porquanto
apesar de todas as evidências de que se constituía como banqueiro e administrador de jogo de
bicho, na cidade de Franca, foi-lhe imposta a condenação pela infração ao artigo 1º, inciso I, da
Lei nº 8.137/90. Sustentam, ademais, a atipicidade do crime contra a ordem tributária haja vista
que os valores auferidos decorrem de atividade ilícita, portanto, não tributável.
Dessa forma, "tendo em vista que a condenação imposta ao paciente se
apresenta absolutamente dissociada do fato jurídico submetido a apreciação judicial,
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revelando flagrante atipicidade da conduta, pugna pela nulidade do v. acórdão
objurgado e de todo o processo penal, a partir do recebimento da denúncia,
determinando-se, por conseqüência, o arquivamento do feito, face a prescrição da
conduta ilícita remanescente, consistente na prática da contravenção penal do jogo do
bicho " (fls. 07/08).
Informações prestadas às fls. 54/57.
A douta Subprocuradoria-Geral da República, às fls. 72/82, se manifestou pela
denegação da ordem em parecer assim ementado:
"EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM
TRIBUTÁRIA. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA. PLEITO DE
DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO PROCESSO A PARTIR DO
RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE. CONDUTA ILÍCITA
QUE SE ENCONTRA PERFEITAMENTE DELINEADA NO BOJO DO ART.
1°, I, DA LEI N° 8.137/90. CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL.
CONVENCIMENTO
DO JUÍZO, QUE SE FORMOU FACE ÀS
CONTUNDENTES PROVAS DA MATERIALIDADE E AUTORIA. PEDIDO
DE ARQUIVAMENTO DO FEITO, FACE À PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA.
PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL QUE ESTÁ PREVISTA
PARA 12.11.2010. ALEGAÇÃO DE QUE O PACIENTE NÃO COMETEU O
CRIME PELO QUAL É ACUSADO. EXAME APROFUNDADO DO
CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS, O QUE É VEDADO NA
VIA ESTREITA DO WRIT. PELA DENEGAÇÃO DA PRESENTE ORDEM" (fl.
72).
É o relatório.
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EMENTA
PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 1º, I, DA
LEI Nº 8.137/90. SONEGAÇÃO FISCAL DE LUCRO
ADVINDO DE ATIVIDADES ILÍCITAS. "NON
OLET".
Segundo a orientação jurisprudencial firmada nesta
Corte e no Pretório Excelso, é possível a tributação
sobre rendimentos auferidos de atividade ilícita, seja de
natureza civil ou penal; o pagamento de tributo não é
uma sanção (art. 4º do CTN - "que não constitui
sanção por ato ilícito" ), mas uma arrecadação
decorrente de renda ou lucro percebidos, mesmo que
obtidos de forma ilícita (STJ: HC 7.444/RS, 5ª Turma,
Rel. Min. Edson Vidigal, DJ de 03.08.1998). A
exoneração tributária dos resultados econômicos de fato
criminoso - antes de ser corolário do princípio da
moralidade - constitui violação do princípio de
isonomia fiscal, de manifesta inspiração ética (STF: HC
77.530/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Sepúlveda
Pertence, DJU de 18/09/1998). Ainda, de acordo com o
art. 118 do Código Tributário Nacional a definição
legal do fato gerador é interpretada com abstração da
validade jurídica dos atos efetivamente praticados
pelos contribuintes, responsáveis ou terceiros, bem como
da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos (STJ: REsp
182.563/RJ, 5ª Turma, Rel. Min José Arnaldo da
Fonseca, DJU de 23/11/1998).
Habeas corpus denegado.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO FELIX FISCHER: A irresignação não merece
acolhida.
O paciente foi condenado como incurso nas sanções do art. 1º, inciso I, da Lei nº
8.137/90, porquanto, por duas vezes, suprimiu tributo, omitindo informações às autoridades
tributárias. Segundo consta dos autos, nos anos de 1997 e 1998, o paciente obteve em suas
contas bancárias depósitos no valor total de R$ 924.539,73 (novecentos e vinte e quatro mil,
quinhentos e trinta e nove reais e setenta centavos), apesar de constar em sua declaração de
Imposto de Renda rendimentos de R$ 14.246,77 (quatorze mil, duzentos e quarenta e seis reais e
setenta e sete centavos), em 1997, ano-calendário 1996, e R$ 12.765,00 (doze mil, duzentos e
quarenta e seis reais e setenta e sete centavos) em 1997, ano-calendário 1996, e R$ 12.765,00
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(doze mil, setecentos e sessenta e cinco reais), em 1998, ano-calendário 1997.
No punctum saliens, quanto a autoria e materialidade, assim, se pronunciou o e.
Tribunal a quo:
"Materialidade. A materialidade do delito está comprovada pelos seguintes
elementos:
a) declarações de Imposto sobre a Renda Pessoa Física do réu, relativas
aos exercícios de 1997 e 1998 (fls. 78/79 e 95/98);
b) informação fiscal da Receita Federal emitida a partir da análise dos
dados bancários em cotejo com os dados fiscais do acusado (fls. 738/748);
c) documentos de fls. 791/799 e 802;
d) depósitos bancários de fls. 823/906;
e) cópias dos extratos bancários (fls. 907/999 e 1.002/1.032);
f) termo de inscrição na dívida ativa (fls. 1.042/1.045).
Autoria. De início, cumpre observar que as informações bancárias
(extratos) e fiscais (declarações de Imposto sobre a Renda Pessoa Física) que comprovam
o volume de gasto a descoberto foram obtidas mediante adequada requisição judicial. A
quebra do sigilo bancário, fiscal e tributário foi autorizada judicialmente (fl. 101).
Não há qualquer dúvida de que o acusado é responsável pelo fato
materialmente ocorrido, consoante evidenciam as declarações de rendimentos de fls. 78/79
e 95/98, por ele subscritas.
A fiscalização efetuada pela Receita Federal concluiu que os valores
depositados nas contas correntes do réu foram consumidos e não informados nas
declarações do Imposto sobre a Renda Pessoa Física, sendo que deveriam ser tributados
(fl. 747).
A testemunha de acusação, Wladimir Machado Vieira, Auditor Fiscal da
Receita Federal, em seu depoimento judicial confirmou o teor do auto de infração de fls.
795/799, esclarecendo que foi lavrado pela ausência de recolhimentos de Imposto sobre a
Renda Pessoa Física dos anos de 1997 e 1998:
"(...) que procedeu, na qualidade de agente fiscal, a uma fiscalização na
vida pessoal do réu, a partir de uma solicitação judicial, e esta fiscalização constatou, a
partir da quebra de sigilo bancário, uma movimentação financeira acima da renda
declarada, nos anos de 1995 a 1999; foi lavrado auto de infração quanto aos anos de
1997 e 1998 pela ausência de recolhimentos de imposto de renda de pessoa física e
quanto a 1999, constatou a testemunha que a movimentação financeira não daria razão a
obrigação de declarar imposto de renda; diz ainda que o réu foi intimado várias vezes
para justificar sua movimentação financeira, nunca o fez oficialmente; em algumas
conversas extra-oficiais, disse à testemunha que esta movimentação se devia a empréstimos
que pegava em uma época e pagava posteriormente." (fl. 1.070)
Não procede o argumento de atipicidade da conduta para o crime contra a
ordem tributária, dado que os valores movimentados nas contas bancárias do réu seriam
provenientes de contravenção penal.
Cumpre ressaltar que, na fase inquisitorial, o réu preferiu exercer o direito
de permanecer calado (fl. 762). Em seu interrogatório judicial, todavia, esclareceu que,
no período descrito na denúncia, era microempresário do ramo de comércio de frios e que
o dinheiro depositado em sua conta corrente provinha das vendas que realizava. Além
disso, negou sua vinculação à contravenção penal denominada jogo do bicho, consoante
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transcrevo:
"Disse que em 1994 começou a desenvolver atividades de microempresário,
tendo uma empresa regularmente constituída em seu nome: C. A. Muzetti Franca ME.
Trabalhou até 1999 com a venda de frios, especialmente mortadela, sendo que comprava
de vários atacadões em São Paulo e repassava a alguns perueiros, por volta de 10 (dez),
que vendiam no varejo de Franca; os perueiros lhe pagavam todos os dias, em dinheiro
vivo, e o dinheiro ia para sua conta, posteriormente pagava os fornecedores dos frios em
São Paulo; informa, ainda, que as vendas eram feitas de forma picada, em pequenos
estabelecimentos como bares e mercearias, e o acusado funcionava como um intermediário
neste negócio; afirma ainda que nunca teve participação com as atividades do 'jogo do
bicho'. Informa ainda que não foi nem processado nem preso até esta data e, de início,
ficou ciente da acusação." (fls. 1.060/1.061).
Os depoimentos judiciais de José Roberto de Queiroz e Marco Antônio
Moura, testemunhas de defesa, são firmes e coesos no sentido de que, ao comercializar os
frios, o réu não emitia nota fiscal, fato que evidencia sua habitualidade na prática da
sonegação fiscal. Ambos os depoimentos afirmaram que nunca ouviram falar do
envolvimento do réu com a contravenção do jogo de bicho. Eis o teor dos referidos
depoimentos:
Marco Antônio Moura: "Nada sabe sobre os fatos narrados na denúncia.
Conhece o denunciado há aproximadamente 10 anos e chegou a vender frios para sua
empresa, chamada 'Canfrios', situada no Jardim Francano. Esclarece que o depoente
comprava mussarela da empresa do acusado e revendia no varejo da cidade. Atualmente
não sabe qual o tipo de atividade exercida pelo réu. Trabalhou vendendo mussarela
fornecida pelo réu no período de 3 anos. Que nos seus negócios com o réu não eram
fornecidas notas fiscais e sim vales referentes as mercadorias retiradas para posterior
pagamento. Sabe que uma das próximas testemunhas a ser ouvida, José Roberto, também
comprava frios da empresa do denunciado. Pelo que sabe a empresa era administrada
pelo réu e era considerada de porte médio, pois tinha apenas uma câmara fria também de
porte médio. Comprava cerca de 250 a 300 quilos de mussarela por semana e acertava o
pagamento geralmente no final de semana, às vezes em dinheiro, às vezes em cheque de
terceiros e até em depósitos na conta do próprio César. Na época em que parou de
trabalhar o quilo da mussarela estava R$ 5,50 (cinco reais e cinqüenta centavos). Acredita
que o réu devia ter cerca de 10 clientes, da mesma forma que o depoente. Os frios eram
comprados em peças inteiras, mas não lembra a marca das peças que comprava. Vendia
mais as mussarelas para trailers na região. Sempre tratava direto com o réu, mas não tem
condição de informar qual era a situação financeira do mesmo na ocasião. Jamais ouviu
qualquer comentário indicando o réu na contravenção do jogo do bicho." (fls.
1.095/1.096)
José Roberto de Queiroz: "Nada sabe sobre os fatos narrados na denúncia.
Conheceu o denunciado há 7 anos atrás quando vendeu frios para ele. Esclarece que o
depoente era autônomo e comprava frios do réu para posterior revenda. Na verdade
comprava especificamente mussarela e que era vendida na região. Comprava
aproximadamente R$ 1.300,00 a R$ 1.600,00 por semana e pagava ao denunciado todos
os dias conforme ia recebendo. A negociação era baseada apenas em recibo para
posterior acerto de contas, não sendo emitidas notas fiscais. O nome da empresa do réu
era 'Canfrios'. Pelo que sabe o réu era o único dono e negociava diretamente com os
compradores. A empresa era de pequeno porte e ficava no bairro Jardim Francano nesta
cidade, não sabendo o endereço. A empresa funcionava aberta normalmente e pelo pode
perceber não era clandestina. A clientela fixa do acusado girava em torno de 10 a 12
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perueiros, todos comprando aproximadamente na mesma média de valor que comprava o
depoente. Pelo que sabe a empresa não tinha caminhões, recebendo a mercadoria de
terceiros e repassando aos perueiros. Não lembra direito o nome da mussarela que
comprava, mas era algo como 'Frizone'. Tinha também a Marba, que era marca de
mortadela, que o depoente não comprava. O acusado também vendia outros frios. Nunca
ouviu falar do envolvimento do réu com a contravenção do jogo de bicho. Nunca pôde
perceber qual era o patrimônio ostentado pelo réu na época. Sem reperguntas pela
defesa. Pelo Representante do Ministério Público Federal: não sabe dizer se a empresa
ainda está em atividade ou se está fechada. Começou a trabalhar com a empresa do
denunciado no início de 1996, continuando em tal atividade até 1999." (fls. 1.097/1.098)
Não há nenhuma dúvida acerca da realização de depósitos nas contas do
acusado, a implicar auferimento de renda sujeita à tributação. A exemplo do réu, as
testemunhas de defesa aduzem que essa receita decorreria de empreendimento comercial
irregular, posto que desprovido de documentação fiscal. Por outro lado, a alegada origem
ilícita do rendimento, tido como proveniente do "jogo do bicho", não desconfigura o fato
gerador do Imposto sobre a Renda e, conseqüentemente, do delito de sonegação fiscal.
A verdade é que a sonegação fiscal decorre da falsidade das declarações
de rendimentos, as quais são de responsabilidade do acusado.
A defesa apresentada não produziu nenhuma prova apta a afastar a
culpabilidade do réu.
Acresça-se que, na fase do art. 499 do Código de Processo Penal, decorreu
in albis o prazo para manifestação da defesa (fl. 1.105). Sendo incontroverso que, no
período descrito na denúncia, o acusado omitiu informações nas declarações de Imposto
sobre a Renda, é dificultoso sustentar sua não-culpabilidade pelo delito cometido por meio
dessa conduta.
Em suas razões, a defesa sustenta que a atividade ilícita não se sujeita à
tributação, pois não seria legítimo que o Estado participasse do seu resultado. Ademais, o
produto do crime deve ser objeto de confisco ou perdimento. Contudo, não se trata de
fazer do Estado sócio na empreitada criminosa, cujo resultado espúrio enseja a sanção
penal específica. A questão presente concerne à incidência de Imposto sobre a Renda em
decorrência da percepção da renda, não de que esta deva ser repassada ao Estado. Por
isso que a tributação in casu não consubstancia sanção por ato ilícito. Ao contrário, a
atividade de realizar depósitos em instituição financeira não é crime nem contravenção. É
certo que, atualmente, é forte a tendência de se fiscalizar a origem dos recursos
movimentados nessas instituições. No entanto, isso para coibir o crime e impedir o seu
exaurimento. O controle da movimentação financeira não é fenômeno elisivo da tributação
pertinente, a qual observa seu regime jurídico específico.
À vista do conjunto probatório, não há dúvida quanto à materialidade e a
autoria, justificando-se a condenação" (fls. 61/62).
Nas razões do presente mandamus argumentam os impetrantes que o paciente
estaria sofrendo constrangimento ilegal em face da condenação que lhe foi imposta, haja vista
que a conduta por ele praticada se adequa a contravenção penal prevista no art. 58 da Lei nº
6.259/44 e não no art. 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, para tanto argumenta, ainda, que por se
tratar de conduta ilícita há como incidir, na espécie, qualquer tributo, pois, em última análise,
estar-se-ia tributando a própria atividade ilícita.
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Ora, não há como se acolher a pretensão dos impetrantes, pois o paciente, em
verdade, foi condenado como incurso nas sanções do art. 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, pois
teria prestado declarações falsas às autoridades fazendárias o que, à toda evidência se adequa
perfeitamente ao tipo penal mencionado. Ainda, não prospera a alegação de que estar-se-ia
tributando a própria atividade ilícita, porquanto, segundo a orientação firmada nesta Corte e no
Pretório Excelso, é possível a tributação sobre rendimentos auferidos de atividade ilícita, seja de
natureza civil ou penal; o pagamento de tributo não é uma sanção, mas uma arrecadação
decorrente de renda ou lucro percebidos, mesmo que obtidos de forma ilícita (STJ: HC 7.444/RS,
5ª Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ de 03.08.1998). A exoneração tributária dos resultados
econômicos de fato criminoso - antes de ser corolário do princípio da moralidade - constitui
violação do princípio de isonomia fiscal, de manifesta inspiração ética (STF: HC 77.530/RS,
Primeira Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU de 18/09/1998). Ainda, de acordo com
o art. 118 do Código Tributário Nacional a definição legal do fato gerador é interpretada com
abstração da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis
ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos (STJ: REsp 182.563/RJ, 5ª
Turma, Rel. Min José Arnaldo da Fonseca, DJU de 23/11/1998).
Confira-se, ainda, oportunamente, o seguinte excerto do voto da relatoria do
Exmo. Sr. Min. Sepúlveda Pertence no HC 77.530/RS, in verbis:
"Depois de elegantes polêmicas, a solução afirmativa da questão de fundo a
que se reduz a impetração - a tributabilidade do produto da atividade criminosa pode
dizer-se assente na melhor doutrina.
Em obra clássica - O Fato Gerador da Obrigação Tributária , 2ª ed., ed. RT,
p. 86 - o saudoso Amílcar de Araújo Falcão enfrentou o problema em páginas que vale
recordar:
"Uma série de equívocos, no Brasil e alhures, tem surgido em matéria de
tributação de atividades ilícitas, criminosas ou imorais, toda perplexidade provindo da não
consideração da consistência econômica do fato gerador.
Por isso é que se encontram manifestações no sentido de que atividades
ilícitas não devem ser tributadas, pois de outro modo o Estado estará locupletando-se com
ações que êle mesmo proíbe e, assim, de algum modo associando-se à ilegalidade e dela
tirando proveito.
Na Alemanha, antes da Primeira Grande Guerra Mundial, segundo o
depoimento de POLLAND, eram comuns as decisões reputando ilegítimo fazer incidir
impôsto sôbre bordéis, venda de imóveis para bordéis, juros de hipoteca que onerava
imóvel explorado como casa de tolerância, exploração de jogos de azar, atividade de
cartomancia etc.; a partir de 1918, entretanto, a jurisprudência, tanto quanto a doutrina,
se manifestaram em sentido oposto.
Na França, a tributação dos proventos da prostituição, por exemplo, ocorre,
embora adote o fisco uma via indireta para atingi-los. FASOLIS, depois de afirmar a
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neutralidade moral do fisco, acrescenta a propósito: "... quase ovunque il Fisco cerca di
colpirli per vi e tortuose ri correndo a sotterfugi. Cosi in Francia quantunque gli esercenti
tali professioni non siano compresi nelle tavole delle tariffe della contribution des patentes,
abitualmente sono assogettati a tal e tributo in qualità di maitres d'hotel garni oppure
maitres d'estaminet o di cabaretiers logeurs ".
No Brasil, a jurisprudência tem hesitado quanto à tributabilidade das
atividades criminosas ou imorais, inclinando-se geralmente pela solução, que se nos
afigura lamentável, de considerar ilegítima a incidência de impôsto sôbre elas."
Cita nessa linha decisões do extinto TFR (RDA 22/35; 34/80 e 44/65; em
sentido contrário, RF. 170/209) e continua
"Está evidentemente errada essa maneira de entender as coisas.
É verdade que alguns autores, embora aceitem a conclusão de serem
tributáveis as operações ou atividades apreciadas, fazem restrições à plenitude dêsse
entendimento, como é o caso de ORONZO QUARTA, de ANTONIO BERLIRI e de OTTMAR
BÜHLER.
A doutrina dominante, porém, manifesta-se pela tributação irrestrita.
Nem pode ser de outro modo, se se tomar em consideração a natureza do
fato gerador da obrigação tributária, como um fato jurídico de acentuada consistência
econômica, ou um fato econômico de relevância jurídica, cuja eleição pelo legislador se
destina a servir de índice de capacidade contributiva. A validade da ação, da atividade ou
do ato em Direito Privado, a sua juridicidade ou antijuridicidade em Direito Penal,
disciplinar ou em geral punitivo, enfim, a sua compatibilidade ou não com os princípios da
ética ou com os bons costumes não importam para o problema da incidência tributária, por
isso que a ela é indiferente a validade ou nulidade do ato privado através do qual se
manifesta o fato gerador: desde que a capacidade econômica legalmente prevista esteja
configurada, a incidência há de inevitavelmente ocorrer.
A tese contrária representa, no acertado dizer de POPITZ, a manifestação
de um sentimentalismo ilógico e infundado e, do ponto-de-vista tributário, conduz, isto sim,
à violação do princípio da isonomia fiscal.
Haveria na exoneração tributária um resultado na verdade contraditório,
por isso que se estaria abrindo aos contraventores, aos marginais, aos ladrões, aos que
lucram com o furto, o crime, o jogo de azar, o proxenetismo etc., a vantagem adicional da
exoneração tributária, de que não gozam os contribuintes com igual capacidade
contributiva decorrente da prática de atividades, profissões ou atos lícitos.
(. . . )
Eis aí um obséquio que a correta identificação da consistência econômica
do fato gerador oferece: a indiferença, para o Direi to Tributário, de ser civil ou
penalmente ilícita a atividade em que se consubstancie o fato gerador, não porque
prevaleça naquele ramo do Direito urna concepção ética diversa, mas sim porque o
aspecto que interessa considerar para a tributação é o aspecto econômico do ta to
gerador ou a sua aptidão a servir de índice de capacidade contributiva."
E recorda, com Hensel, a célebre resposta de Vespasiano - non olet, ou seja,
o dinheiro não tem cheiro - à objeção feita ao imposto que instituíra sobre as cloacas ou
mictórios públicos, ironicamente chamados monumenta Vespasiani, para acentuar - ob.
cit., p. 91, nota 77:
"Claro está que, na sua versão atual as expressões perderam o conteúdo
cínico da anedota, para se penetrarem de alto sentido ético, qual o de procurar atingir
isônomamente a capacidade econômica do contribuinte sem preconceitos falsos ou
ingênuos pruridos de sentimentalismo piegas quanto à licitude da atividade que constitua o
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fato gerador do tributo".
De resto, afora a persistência de objeções de peso, como a de Ives Gandra
Martins (RT 712/118), não parece que no art. 118, I, do CTN, se possa fazer distinções
quanto à maior ou menor carga de imoralidade da razão da invalidez de determinado ato,
para subtrair da tributação o resultado econômico do fato criminoso.
Quiçá possam contrariar o princípio da moralidade os dispositivos legais
que fazem do pagamento do tributo causa elisiva da punibilidade do crime; não, a
tributação do seu produto econômico, sem prejuízo da sanção penal".
Ante o exposto, denego a ordem.
É o voto.
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Superior Tribunal de Justiça
ERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUINTA TURMA
Número Registro: 2007/0114885-0
HC
83292 / SP
MATÉRIA CRIMINAL
Números Origem: 200303990076660 9714025427
EM MESA
JULGADO: 28/11/2007
Relator
Exmo. Sr. Ministro FELIX FISCHER
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. PEDRO BARBOSA PEREIRA NETO
Secretário
Bel. LAURO ROCHA REIS
AUTUAÇÃO
IMPETRANTE
IMPETRADO
PACIENTE
: CYRO KUSANO E OUTRO
: TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3A REGIÃO
: CÉSAR ANTONIO MUZETTI
ASSUNTO: Penal - Leis Extravagantes - Crimes Contra a Ordem Tributária Econômica e as Relações de
Consumo - ( Lei 8137 / 90 )
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"A Turma, por unanimidade, denegou a ordem."
Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho e Jane
Silva (Desembargadora convocada do TJ/MG) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 28 de novembro de 2007
LAURO ROCHA REIS
Secretário
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