direito comercial. falência. pedido de restituição de dinheiro
Transcrição
direito comercial. falência. pedido de restituição de dinheiro
Superior Tribunal de Justiça HABEAS CORPUS RELATOR IMPETRANTE IMPETRADO PACIENTE Nº 83.292 - SP (2007/0114885-0) : : : : MINISTRO FELIX FISCHER CYRO KUSANO E OUTRO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3A REGIÃO CÉSAR ANTONIO MUZETTI EMENTA PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 1º, I, DA LEI Nº 8.137/90. SONEGAÇÃO FISCAL DE LUCRO ADVINDO DE ATIVIDADES ILÍCITAS. "NON OLET". Segundo a orientação jurisprudencial firmada nesta Corte e no Pretório Excelso, é possível a tributação sobre rendimentos auferidos de atividade ilícita, seja de natureza civil ou penal; o pagamento de tributo não é uma sanção (art. 4º do CTN - "que não constitui sanção por ato ilícito" ), mas uma arrecadação decorrente de renda ou lucro percebidos, mesmo que obtidos de forma ilícita (STJ: HC 7.444/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ de 03.08.1998). A exoneração tributária dos resultados econômicos de fato criminoso - antes de ser corolário do princípio da moralidade - constitui violação do princípio de isonomia fiscal, de manifesta inspiração ética (STF: HC 77.530/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU de 18/09/1998). Ainda, de acordo com o art. 118 do Código Tributário Nacional a definição legal do fato gerador é interpretada com abstração da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos (STJ: REsp 182.563/RJ, 5ª Turma, Rel. Min José Arnaldo da Fonseca, DJU de 23/11/1998). Habeas corpus denegado. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, denegar a ordem. Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho e Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ/MG) votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília, 28 de novembro de 2007. (Data do Julgamento). MINISTRO FELIX FISCHER Relator Documento: 741458 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 18/02/2008 Página 1 de 11 Superior Tribunal de Justiça HABEAS CORPUS Nº 83.292 - SP (2007/0114885-0) RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO FELIX FISCHER: Trata-se de habeas corpus impetrado em benefício de CÉSAR ANTÔNIO MUZETTI, condenado como incurso nas sanções do art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90 c/c art. 71 do CP, à pena de 4 (quatro) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, em regime semi-aberto, e ao pagamento de 60 (sessenta) dias-multa, contra v. acórdão prolatado pelo e. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que negou provimento à apelação interposta pela defesa, mantida a condenação nos seus termos. Eis a ementa do v. julgado: "PENAL. PROCESSUAL PENAL. REINTERROGATÓRIO DO RÉU. CONVERSÃO DO JULGAMENTO EM DILIGÊNCIA. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1°, I, DA LEI N. 8.137/90. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. 1. O art. 616 do Código de Processo Penal permite ao Tribunal determinar novo interrogatório do acusado. Contudo, a providência tem caráter meramente supletivo, para esclarecimento dos julgadores, não ensejando nova instrução processual. 2. As declarações de Imposto sobre a Renda Pessoa Física, a informação fiscal da Receita Federal emitida a partir da análise dos dados bancários em cotejo com os dados fiscais, depósitos bancários e cópias dos extratos bancários, além do termo de inscrição na dívida ativa, são elementos idôneos para demonstração do delito de redução de tributo, mediante omissão de informação ou prestação de declaração falsa às autoridades fazendárias. 3. Autoria delitiva comprovada e não negada pelo réu, além de confirmada pelas testemunhas de defesa. 4. Não procede o argumento de atipicidade da conduta para o crime contra a ordem tributária, dado que os valores movimentados nas contas bancárias do réu seriam provenientes de contravenção penal. 5. Preliminar rejeitada. Apelação não provida" (fl. 64). Aduzem os impetrantes que o paciente sofre constrangimento ilegal porquanto apesar de todas as evidências de que se constituía como banqueiro e administrador de jogo de bicho, na cidade de Franca, foi-lhe imposta a condenação pela infração ao artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90. Sustentam, ademais, a atipicidade do crime contra a ordem tributária haja vista que os valores auferidos decorrem de atividade ilícita, portanto, não tributável. Dessa forma, "tendo em vista que a condenação imposta ao paciente se apresenta absolutamente dissociada do fato jurídico submetido a apreciação judicial, Documento: 741458 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 18/02/2008 Página 2 de 11 Superior Tribunal de Justiça revelando flagrante atipicidade da conduta, pugna pela nulidade do v. acórdão objurgado e de todo o processo penal, a partir do recebimento da denúncia, determinando-se, por conseqüência, o arquivamento do feito, face a prescrição da conduta ilícita remanescente, consistente na prática da contravenção penal do jogo do bicho " (fls. 07/08). Informações prestadas às fls. 54/57. A douta Subprocuradoria-Geral da República, às fls. 72/82, se manifestou pela denegação da ordem em parecer assim ementado: "EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA. PLEITO DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO PROCESSO A PARTIR DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE. CONDUTA ILÍCITA QUE SE ENCONTRA PERFEITAMENTE DELINEADA NO BOJO DO ART. 1°, I, DA LEI N° 8.137/90. CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL. CONVENCIMENTO DO JUÍZO, QUE SE FORMOU FACE ÀS CONTUNDENTES PROVAS DA MATERIALIDADE E AUTORIA. PEDIDO DE ARQUIVAMENTO DO FEITO, FACE À PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL QUE ESTÁ PREVISTA PARA 12.11.2010. ALEGAÇÃO DE QUE O PACIENTE NÃO COMETEU O CRIME PELO QUAL É ACUSADO. EXAME APROFUNDADO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS, O QUE É VEDADO NA VIA ESTREITA DO WRIT. PELA DENEGAÇÃO DA PRESENTE ORDEM" (fl. 72). É o relatório. Documento: 741458 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 18/02/2008 Página 3 de 11 Superior Tribunal de Justiça HABEAS CORPUS Nº 83.292 - SP (2007/0114885-0) EMENTA PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 1º, I, DA LEI Nº 8.137/90. SONEGAÇÃO FISCAL DE LUCRO ADVINDO DE ATIVIDADES ILÍCITAS. "NON OLET". Segundo a orientação jurisprudencial firmada nesta Corte e no Pretório Excelso, é possível a tributação sobre rendimentos auferidos de atividade ilícita, seja de natureza civil ou penal; o pagamento de tributo não é uma sanção (art. 4º do CTN - "que não constitui sanção por ato ilícito" ), mas uma arrecadação decorrente de renda ou lucro percebidos, mesmo que obtidos de forma ilícita (STJ: HC 7.444/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ de 03.08.1998). A exoneração tributária dos resultados econômicos de fato criminoso - antes de ser corolário do princípio da moralidade - constitui violação do princípio de isonomia fiscal, de manifesta inspiração ética (STF: HC 77.530/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU de 18/09/1998). Ainda, de acordo com o art. 118 do Código Tributário Nacional a definição legal do fato gerador é interpretada com abstração da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos (STJ: REsp 182.563/RJ, 5ª Turma, Rel. Min José Arnaldo da Fonseca, DJU de 23/11/1998). Habeas corpus denegado. VOTO O EXMO. SR. MINISTRO FELIX FISCHER: A irresignação não merece acolhida. O paciente foi condenado como incurso nas sanções do art. 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, porquanto, por duas vezes, suprimiu tributo, omitindo informações às autoridades tributárias. Segundo consta dos autos, nos anos de 1997 e 1998, o paciente obteve em suas contas bancárias depósitos no valor total de R$ 924.539,73 (novecentos e vinte e quatro mil, quinhentos e trinta e nove reais e setenta centavos), apesar de constar em sua declaração de Imposto de Renda rendimentos de R$ 14.246,77 (quatorze mil, duzentos e quarenta e seis reais e setenta e sete centavos), em 1997, ano-calendário 1996, e R$ 12.765,00 (doze mil, duzentos e quarenta e seis reais e setenta e sete centavos) em 1997, ano-calendário 1996, e R$ 12.765,00 Documento: 741458 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 18/02/2008 Página 4 de 11 Superior Tribunal de Justiça (doze mil, setecentos e sessenta e cinco reais), em 1998, ano-calendário 1997. No punctum saliens, quanto a autoria e materialidade, assim, se pronunciou o e. Tribunal a quo: "Materialidade. A materialidade do delito está comprovada pelos seguintes elementos: a) declarações de Imposto sobre a Renda Pessoa Física do réu, relativas aos exercícios de 1997 e 1998 (fls. 78/79 e 95/98); b) informação fiscal da Receita Federal emitida a partir da análise dos dados bancários em cotejo com os dados fiscais do acusado (fls. 738/748); c) documentos de fls. 791/799 e 802; d) depósitos bancários de fls. 823/906; e) cópias dos extratos bancários (fls. 907/999 e 1.002/1.032); f) termo de inscrição na dívida ativa (fls. 1.042/1.045). Autoria. De início, cumpre observar que as informações bancárias (extratos) e fiscais (declarações de Imposto sobre a Renda Pessoa Física) que comprovam o volume de gasto a descoberto foram obtidas mediante adequada requisição judicial. A quebra do sigilo bancário, fiscal e tributário foi autorizada judicialmente (fl. 101). Não há qualquer dúvida de que o acusado é responsável pelo fato materialmente ocorrido, consoante evidenciam as declarações de rendimentos de fls. 78/79 e 95/98, por ele subscritas. A fiscalização efetuada pela Receita Federal concluiu que os valores depositados nas contas correntes do réu foram consumidos e não informados nas declarações do Imposto sobre a Renda Pessoa Física, sendo que deveriam ser tributados (fl. 747). A testemunha de acusação, Wladimir Machado Vieira, Auditor Fiscal da Receita Federal, em seu depoimento judicial confirmou o teor do auto de infração de fls. 795/799, esclarecendo que foi lavrado pela ausência de recolhimentos de Imposto sobre a Renda Pessoa Física dos anos de 1997 e 1998: "(...) que procedeu, na qualidade de agente fiscal, a uma fiscalização na vida pessoal do réu, a partir de uma solicitação judicial, e esta fiscalização constatou, a partir da quebra de sigilo bancário, uma movimentação financeira acima da renda declarada, nos anos de 1995 a 1999; foi lavrado auto de infração quanto aos anos de 1997 e 1998 pela ausência de recolhimentos de imposto de renda de pessoa física e quanto a 1999, constatou a testemunha que a movimentação financeira não daria razão a obrigação de declarar imposto de renda; diz ainda que o réu foi intimado várias vezes para justificar sua movimentação financeira, nunca o fez oficialmente; em algumas conversas extra-oficiais, disse à testemunha que esta movimentação se devia a empréstimos que pegava em uma época e pagava posteriormente." (fl. 1.070) Não procede o argumento de atipicidade da conduta para o crime contra a ordem tributária, dado que os valores movimentados nas contas bancárias do réu seriam provenientes de contravenção penal. Cumpre ressaltar que, na fase inquisitorial, o réu preferiu exercer o direito de permanecer calado (fl. 762). Em seu interrogatório judicial, todavia, esclareceu que, no período descrito na denúncia, era microempresário do ramo de comércio de frios e que o dinheiro depositado em sua conta corrente provinha das vendas que realizava. Além disso, negou sua vinculação à contravenção penal denominada jogo do bicho, consoante Documento: 741458 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 18/02/2008 Página 5 de 11 Superior Tribunal de Justiça transcrevo: "Disse que em 1994 começou a desenvolver atividades de microempresário, tendo uma empresa regularmente constituída em seu nome: C. A. Muzetti Franca ME. Trabalhou até 1999 com a venda de frios, especialmente mortadela, sendo que comprava de vários atacadões em São Paulo e repassava a alguns perueiros, por volta de 10 (dez), que vendiam no varejo de Franca; os perueiros lhe pagavam todos os dias, em dinheiro vivo, e o dinheiro ia para sua conta, posteriormente pagava os fornecedores dos frios em São Paulo; informa, ainda, que as vendas eram feitas de forma picada, em pequenos estabelecimentos como bares e mercearias, e o acusado funcionava como um intermediário neste negócio; afirma ainda que nunca teve participação com as atividades do 'jogo do bicho'. Informa ainda que não foi nem processado nem preso até esta data e, de início, ficou ciente da acusação." (fls. 1.060/1.061). Os depoimentos judiciais de José Roberto de Queiroz e Marco Antônio Moura, testemunhas de defesa, são firmes e coesos no sentido de que, ao comercializar os frios, o réu não emitia nota fiscal, fato que evidencia sua habitualidade na prática da sonegação fiscal. Ambos os depoimentos afirmaram que nunca ouviram falar do envolvimento do réu com a contravenção do jogo de bicho. Eis o teor dos referidos depoimentos: Marco Antônio Moura: "Nada sabe sobre os fatos narrados na denúncia. Conhece o denunciado há aproximadamente 10 anos e chegou a vender frios para sua empresa, chamada 'Canfrios', situada no Jardim Francano. Esclarece que o depoente comprava mussarela da empresa do acusado e revendia no varejo da cidade. Atualmente não sabe qual o tipo de atividade exercida pelo réu. Trabalhou vendendo mussarela fornecida pelo réu no período de 3 anos. Que nos seus negócios com o réu não eram fornecidas notas fiscais e sim vales referentes as mercadorias retiradas para posterior pagamento. Sabe que uma das próximas testemunhas a ser ouvida, José Roberto, também comprava frios da empresa do denunciado. Pelo que sabe a empresa era administrada pelo réu e era considerada de porte médio, pois tinha apenas uma câmara fria também de porte médio. Comprava cerca de 250 a 300 quilos de mussarela por semana e acertava o pagamento geralmente no final de semana, às vezes em dinheiro, às vezes em cheque de terceiros e até em depósitos na conta do próprio César. Na época em que parou de trabalhar o quilo da mussarela estava R$ 5,50 (cinco reais e cinqüenta centavos). Acredita que o réu devia ter cerca de 10 clientes, da mesma forma que o depoente. Os frios eram comprados em peças inteiras, mas não lembra a marca das peças que comprava. Vendia mais as mussarelas para trailers na região. Sempre tratava direto com o réu, mas não tem condição de informar qual era a situação financeira do mesmo na ocasião. Jamais ouviu qualquer comentário indicando o réu na contravenção do jogo do bicho." (fls. 1.095/1.096) José Roberto de Queiroz: "Nada sabe sobre os fatos narrados na denúncia. Conheceu o denunciado há 7 anos atrás quando vendeu frios para ele. Esclarece que o depoente era autônomo e comprava frios do réu para posterior revenda. Na verdade comprava especificamente mussarela e que era vendida na região. Comprava aproximadamente R$ 1.300,00 a R$ 1.600,00 por semana e pagava ao denunciado todos os dias conforme ia recebendo. A negociação era baseada apenas em recibo para posterior acerto de contas, não sendo emitidas notas fiscais. O nome da empresa do réu era 'Canfrios'. Pelo que sabe o réu era o único dono e negociava diretamente com os compradores. A empresa era de pequeno porte e ficava no bairro Jardim Francano nesta cidade, não sabendo o endereço. A empresa funcionava aberta normalmente e pelo pode perceber não era clandestina. A clientela fixa do acusado girava em torno de 10 a 12 Documento: 741458 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 18/02/2008 Página 6 de 11 Superior Tribunal de Justiça perueiros, todos comprando aproximadamente na mesma média de valor que comprava o depoente. Pelo que sabe a empresa não tinha caminhões, recebendo a mercadoria de terceiros e repassando aos perueiros. Não lembra direito o nome da mussarela que comprava, mas era algo como 'Frizone'. Tinha também a Marba, que era marca de mortadela, que o depoente não comprava. O acusado também vendia outros frios. Nunca ouviu falar do envolvimento do réu com a contravenção do jogo de bicho. Nunca pôde perceber qual era o patrimônio ostentado pelo réu na época. Sem reperguntas pela defesa. Pelo Representante do Ministério Público Federal: não sabe dizer se a empresa ainda está em atividade ou se está fechada. Começou a trabalhar com a empresa do denunciado no início de 1996, continuando em tal atividade até 1999." (fls. 1.097/1.098) Não há nenhuma dúvida acerca da realização de depósitos nas contas do acusado, a implicar auferimento de renda sujeita à tributação. A exemplo do réu, as testemunhas de defesa aduzem que essa receita decorreria de empreendimento comercial irregular, posto que desprovido de documentação fiscal. Por outro lado, a alegada origem ilícita do rendimento, tido como proveniente do "jogo do bicho", não desconfigura o fato gerador do Imposto sobre a Renda e, conseqüentemente, do delito de sonegação fiscal. A verdade é que a sonegação fiscal decorre da falsidade das declarações de rendimentos, as quais são de responsabilidade do acusado. A defesa apresentada não produziu nenhuma prova apta a afastar a culpabilidade do réu. Acresça-se que, na fase do art. 499 do Código de Processo Penal, decorreu in albis o prazo para manifestação da defesa (fl. 1.105). Sendo incontroverso que, no período descrito na denúncia, o acusado omitiu informações nas declarações de Imposto sobre a Renda, é dificultoso sustentar sua não-culpabilidade pelo delito cometido por meio dessa conduta. Em suas razões, a defesa sustenta que a atividade ilícita não se sujeita à tributação, pois não seria legítimo que o Estado participasse do seu resultado. Ademais, o produto do crime deve ser objeto de confisco ou perdimento. Contudo, não se trata de fazer do Estado sócio na empreitada criminosa, cujo resultado espúrio enseja a sanção penal específica. A questão presente concerne à incidência de Imposto sobre a Renda em decorrência da percepção da renda, não de que esta deva ser repassada ao Estado. Por isso que a tributação in casu não consubstancia sanção por ato ilícito. Ao contrário, a atividade de realizar depósitos em instituição financeira não é crime nem contravenção. É certo que, atualmente, é forte a tendência de se fiscalizar a origem dos recursos movimentados nessas instituições. No entanto, isso para coibir o crime e impedir o seu exaurimento. O controle da movimentação financeira não é fenômeno elisivo da tributação pertinente, a qual observa seu regime jurídico específico. À vista do conjunto probatório, não há dúvida quanto à materialidade e a autoria, justificando-se a condenação" (fls. 61/62). Nas razões do presente mandamus argumentam os impetrantes que o paciente estaria sofrendo constrangimento ilegal em face da condenação que lhe foi imposta, haja vista que a conduta por ele praticada se adequa a contravenção penal prevista no art. 58 da Lei nº 6.259/44 e não no art. 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, para tanto argumenta, ainda, que por se tratar de conduta ilícita há como incidir, na espécie, qualquer tributo, pois, em última análise, estar-se-ia tributando a própria atividade ilícita. Documento: 741458 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 18/02/2008 Página 7 de 11 Superior Tribunal de Justiça Ora, não há como se acolher a pretensão dos impetrantes, pois o paciente, em verdade, foi condenado como incurso nas sanções do art. 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, pois teria prestado declarações falsas às autoridades fazendárias o que, à toda evidência se adequa perfeitamente ao tipo penal mencionado. Ainda, não prospera a alegação de que estar-se-ia tributando a própria atividade ilícita, porquanto, segundo a orientação firmada nesta Corte e no Pretório Excelso, é possível a tributação sobre rendimentos auferidos de atividade ilícita, seja de natureza civil ou penal; o pagamento de tributo não é uma sanção, mas uma arrecadação decorrente de renda ou lucro percebidos, mesmo que obtidos de forma ilícita (STJ: HC 7.444/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ de 03.08.1998). A exoneração tributária dos resultados econômicos de fato criminoso - antes de ser corolário do princípio da moralidade - constitui violação do princípio de isonomia fiscal, de manifesta inspiração ética (STF: HC 77.530/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU de 18/09/1998). Ainda, de acordo com o art. 118 do Código Tributário Nacional a definição legal do fato gerador é interpretada com abstração da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos (STJ: REsp 182.563/RJ, 5ª Turma, Rel. Min José Arnaldo da Fonseca, DJU de 23/11/1998). Confira-se, ainda, oportunamente, o seguinte excerto do voto da relatoria do Exmo. Sr. Min. Sepúlveda Pertence no HC 77.530/RS, in verbis: "Depois de elegantes polêmicas, a solução afirmativa da questão de fundo a que se reduz a impetração - a tributabilidade do produto da atividade criminosa pode dizer-se assente na melhor doutrina. Em obra clássica - O Fato Gerador da Obrigação Tributária , 2ª ed., ed. RT, p. 86 - o saudoso Amílcar de Araújo Falcão enfrentou o problema em páginas que vale recordar: "Uma série de equívocos, no Brasil e alhures, tem surgido em matéria de tributação de atividades ilícitas, criminosas ou imorais, toda perplexidade provindo da não consideração da consistência econômica do fato gerador. Por isso é que se encontram manifestações no sentido de que atividades ilícitas não devem ser tributadas, pois de outro modo o Estado estará locupletando-se com ações que êle mesmo proíbe e, assim, de algum modo associando-se à ilegalidade e dela tirando proveito. Na Alemanha, antes da Primeira Grande Guerra Mundial, segundo o depoimento de POLLAND, eram comuns as decisões reputando ilegítimo fazer incidir impôsto sôbre bordéis, venda de imóveis para bordéis, juros de hipoteca que onerava imóvel explorado como casa de tolerância, exploração de jogos de azar, atividade de cartomancia etc.; a partir de 1918, entretanto, a jurisprudência, tanto quanto a doutrina, se manifestaram em sentido oposto. Na França, a tributação dos proventos da prostituição, por exemplo, ocorre, embora adote o fisco uma via indireta para atingi-los. FASOLIS, depois de afirmar a Documento: 741458 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 18/02/2008 Página 8 de 11 Superior Tribunal de Justiça neutralidade moral do fisco, acrescenta a propósito: "... quase ovunque il Fisco cerca di colpirli per vi e tortuose ri correndo a sotterfugi. Cosi in Francia quantunque gli esercenti tali professioni non siano compresi nelle tavole delle tariffe della contribution des patentes, abitualmente sono assogettati a tal e tributo in qualità di maitres d'hotel garni oppure maitres d'estaminet o di cabaretiers logeurs ". No Brasil, a jurisprudência tem hesitado quanto à tributabilidade das atividades criminosas ou imorais, inclinando-se geralmente pela solução, que se nos afigura lamentável, de considerar ilegítima a incidência de impôsto sôbre elas." Cita nessa linha decisões do extinto TFR (RDA 22/35; 34/80 e 44/65; em sentido contrário, RF. 170/209) e continua "Está evidentemente errada essa maneira de entender as coisas. É verdade que alguns autores, embora aceitem a conclusão de serem tributáveis as operações ou atividades apreciadas, fazem restrições à plenitude dêsse entendimento, como é o caso de ORONZO QUARTA, de ANTONIO BERLIRI e de OTTMAR BÜHLER. A doutrina dominante, porém, manifesta-se pela tributação irrestrita. Nem pode ser de outro modo, se se tomar em consideração a natureza do fato gerador da obrigação tributária, como um fato jurídico de acentuada consistência econômica, ou um fato econômico de relevância jurídica, cuja eleição pelo legislador se destina a servir de índice de capacidade contributiva. A validade da ação, da atividade ou do ato em Direito Privado, a sua juridicidade ou antijuridicidade em Direito Penal, disciplinar ou em geral punitivo, enfim, a sua compatibilidade ou não com os princípios da ética ou com os bons costumes não importam para o problema da incidência tributária, por isso que a ela é indiferente a validade ou nulidade do ato privado através do qual se manifesta o fato gerador: desde que a capacidade econômica legalmente prevista esteja configurada, a incidência há de inevitavelmente ocorrer. A tese contrária representa, no acertado dizer de POPITZ, a manifestação de um sentimentalismo ilógico e infundado e, do ponto-de-vista tributário, conduz, isto sim, à violação do princípio da isonomia fiscal. Haveria na exoneração tributária um resultado na verdade contraditório, por isso que se estaria abrindo aos contraventores, aos marginais, aos ladrões, aos que lucram com o furto, o crime, o jogo de azar, o proxenetismo etc., a vantagem adicional da exoneração tributária, de que não gozam os contribuintes com igual capacidade contributiva decorrente da prática de atividades, profissões ou atos lícitos. (. . . ) Eis aí um obséquio que a correta identificação da consistência econômica do fato gerador oferece: a indiferença, para o Direi to Tributário, de ser civil ou penalmente ilícita a atividade em que se consubstancie o fato gerador, não porque prevaleça naquele ramo do Direito urna concepção ética diversa, mas sim porque o aspecto que interessa considerar para a tributação é o aspecto econômico do ta to gerador ou a sua aptidão a servir de índice de capacidade contributiva." E recorda, com Hensel, a célebre resposta de Vespasiano - non olet, ou seja, o dinheiro não tem cheiro - à objeção feita ao imposto que instituíra sobre as cloacas ou mictórios públicos, ironicamente chamados monumenta Vespasiani, para acentuar - ob. cit., p. 91, nota 77: "Claro está que, na sua versão atual as expressões perderam o conteúdo cínico da anedota, para se penetrarem de alto sentido ético, qual o de procurar atingir isônomamente a capacidade econômica do contribuinte sem preconceitos falsos ou ingênuos pruridos de sentimentalismo piegas quanto à licitude da atividade que constitua o Documento: 741458 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 18/02/2008 Página 9 de 11 Superior Tribunal de Justiça fato gerador do tributo". De resto, afora a persistência de objeções de peso, como a de Ives Gandra Martins (RT 712/118), não parece que no art. 118, I, do CTN, se possa fazer distinções quanto à maior ou menor carga de imoralidade da razão da invalidez de determinado ato, para subtrair da tributação o resultado econômico do fato criminoso. Quiçá possam contrariar o princípio da moralidade os dispositivos legais que fazem do pagamento do tributo causa elisiva da punibilidade do crime; não, a tributação do seu produto econômico, sem prejuízo da sanção penal". Ante o exposto, denego a ordem. É o voto. Documento: 741458 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 18/02/2008 Página 1 0 de 11 Superior Tribunal de Justiça ERTIDÃO DE JULGAMENTO QUINTA TURMA Número Registro: 2007/0114885-0 HC 83292 / SP MATÉRIA CRIMINAL Números Origem: 200303990076660 9714025427 EM MESA JULGADO: 28/11/2007 Relator Exmo. Sr. Ministro FELIX FISCHER Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. PEDRO BARBOSA PEREIRA NETO Secretário Bel. LAURO ROCHA REIS AUTUAÇÃO IMPETRANTE IMPETRADO PACIENTE : CYRO KUSANO E OUTRO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3A REGIÃO : CÉSAR ANTONIO MUZETTI ASSUNTO: Penal - Leis Extravagantes - Crimes Contra a Ordem Tributária Econômica e as Relações de Consumo - ( Lei 8137 / 90 ) CERTIDÃO Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: "A Turma, por unanimidade, denegou a ordem." Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho e Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ/MG) votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília, 28 de novembro de 2007 LAURO ROCHA REIS Secretário Documento: 741458 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 18/02/2008 Página 1 1 de 11