O Papel do Estado como Formulador e Indutor de uma Política

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O Papel do Estado como Formulador e Indutor de uma Política
IX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Madrid, España, 2 - 5 Nov. 2004
O papel do Estado como formulador e indutor de uma política pública de acesso ao
crédito como ferramenta de combate à pobreza e inclusão social
Francisco Marcelo Barone
Deborah Moraes Zouain
1. Introdução
O combate à pobreza e a inclusão social são temas recorrentes quando se analisam as políticas públicas
implementadas na América Latina na última década. No Brasil, o Plano Real, implementado no
governo de presidente Itamar Franco, em 1994, conseguiu estabilizar a economia, eliminando a inércia
inflacionária de preços e salários.
A eliminação do imposto inflacionário foi um alívio para a base da pirâmide social e empresarial
brasileira, porém não foi suficiente para conter o processo de empobrecimento da população, como
conseqüência direta da reestruturação produtiva e distributiva provocada pela globalização, através do
aumento do desemprego e da informalidade dos pequenos negócios.
A partir de 1995 e durante os oito anos de governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (19952002), em função deste cenário, o governo federal assumiu o papel de formulador e indutor de uma
série de políticas públicas voltadas a minimização desta situação. Dentre elas, o acesso ao crédito, não
como política isolada, mais dentro de um contexto de desenvolvimento local integrado e sustentado
ocupou papel de suma importância.
Os policy makers deste período entendiam que o crédito produtivo era a melhor forma de manutenção
de postos de trabalho e geração de renda para a unidade familiar e que, em um segundo momento,
através do efeito multiplicador da renda seus benefícios se estenderiam por toda a coletividade.
Como resultado desta linha de ação, temos a partir de 1996 a criação do Programa de Crédito Produtivo
Popular (PCPP) e o Programa de Desenvolvimento Institucional (PDI) pelo Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) com o objetivo de fomentar e criar bases sólidas para
a expansão da indústria de microfinanças no país; a regulamentação de um marco legal para o setor e a
criação, no âmbito do Conselho da Comunidade Solidária, de um grupo de discussão sobre a expansão
do microcrédito no Brasil.
A partir de 2003, com a ruptura política provocada pela eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para
presidente (2003-2006), a nova equipe de policy makers optou pela manutenção da política econômica
do governo anterior, porém, o conceito de acesso ao crédito foi modificado para bancarização das
camadas mais baixas da população.
Como resultado desta nova visão foram destinados 2% do compulsório sobre os depósitos a vista para o
microcrédito e a criação pelo Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal de contas simplificadas.
Este artigo tem dois objetivos: apresentar as principais políticas públicas de acesso ao crédito,
implementadas nos últimos 10 anos no Brasil, como forma de inclusão social e combate à pobreza,
tendo o governo federal como indutor e ator mais relevante e, servir de referencial analítico aos artigos
que compõem o painel “o acesso ao crédito como política pública de combate a pobreza e inclusão
social”, a saber: “microcrédito para os pequenos negócios”, “democracia, gobernabilidad y crédito
popular”, “entre o microcrédito e a bancarização: impasses para a constituição de um mercado de
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microfinanças adequado às necessidades dos microempreendedores”, “microfinanzas aplicado al
medioambiente: el caso de las micro y pequeña empresa en Paraguay”.
2. A estabilização monetária e as bases para o crescimento da oferta de crédito no Brasil
Por mais de uma década, a economia brasileira conviveu com elevadas taxas de inflação que,
conjugadas com o baixo crescimento econômico, verificado a partir de 1981, levaram a uma forte
contração na taxa de investimento. De 1980 até 1994, a taxa média de inflação, medida pelo IGPM
(Índice Geral de Preços de Mercado) da Fundação Getulio Vargas foi de 725,47 %. No mesmo período,
a taxa média de crescimento econômico e de investimento, medida em termos percentuais do Produto
Interno Bruto (PIB), foram de, respectivamente 2,29% e 20,50%. A evolução anual desses indicadores
pode ser observada na tabela 1.
Tendo este cenário como pano de fundo, além da utilização da inflação como instrumento de política
econômica, auxiliando o governo no ajuste ex-post das contas públicas (receitas indexadas), o setor
produtivo se encontrava estrangulado. Um circulo vicioso estava formado, fazendo com que este
período da história econômica brasileira, em especial os anos 80, ficasse conhecido com a década
perdida, caracterizada por: baixo crescimento econômico, inflação elevada, deterioração do poder de
compra da população e escassez de crédito, onde o sistema financeiro se afastava cada vez mais da sua
função básica de provedor de crédito para investimento e consumo e se concentrava no financiamento
da dívida pública.
Entre 1986 e 1991, cinco tentativas heterodoxas de combate a inflação fracassaram – Plano Cruzado
(1986), Plano Bresser (1987), Plano Verão (1989), Plano Collor I (1990) e Plano Collor II (1991). Tais
planos, tiveram como característica comum, o congelamento de preços, que levava a uma queda
imediata da inflação, com posterior aceleração da taxa de crescimento dos preços, conduzindo a uma
rota hiperinflacionária (Giambiagi e Moreira, 1999, p.22).
A retomada do crescimento estava atrelada ao sucesso de um novo programa de estabilização, porém
turbulências no cenário político adiaram sua implementação. O processo de impeachment do presidente
Fernando Collor de Mello, instaurado em 29 de setembro de 1992, culminou com sua renúncia, em 29
de dezembro e a assunção do cargo pelo então vice-presidente, Itamar Franco.
Contornada a crise política e, com uma nova equipe de policy makers, o caminho estava aberto para a
elaboração de um novo programa de estabilização. O Plano Real foi pré-anunciado em dezembro de
1993 e implementado em três etapas: ajuste fiscal de emergência (aprovação do orçamento federal
caracterizado pelo equilíbrio ex ante, criação do Fundo Social de Emergência, que desvinculava 20%
das despesas da união entre 1994 e 1995 e aumentava a flexibilidade da execução orçamentária); a
eliminação da inércia inflacionária, através da conversão dos salários e dos preços, em uma unidade de
conta, denominada Unidade Real de Valor (URV), cujo valor em cruzeiros reais (moeda da época) era
reajustado diariamente com base na variação média de três índices de inflação e, a reforma monetária,
através da transformação da URV em uma nova moeda, em julho de 1994. A taxa de inflação mensal,
em junho, foi de 45,21% e, no mês seguinte despencou para 4,33%, mantendo a tendência de queda nos
meses subseqüentes.
A implementação do Plano Real acabou por eliminar a indexação retroativa, sem a necessidade de um
congelamento de preços e salários para conter a inflação. Além disso, a conjugação da apreciação
cambial com a abertura comercial permitiu que os preços dos tradables fossem rigidamente contidos,
dando efetividade a ancora cambial no controle da inflação. Como resultado desse processo, houve uma
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drástica queda da inflação, sem que ocorresse uma severa recessão (Giambiagi e Moreira, 1999, p.23).
O resultado deste processo foi o início de um novo circulo virtuoso da economia brasileira, com baixas
taxas de inflação, aumento relativo da taxa de investimento e um moderado crescimento econômico
(ver tabela 1). A manutenção desta política, nos anos que se seguiram, foi possibilitada com a eleição
para Presidente da República do então ministro da fazenda, Fernando Henrique Cardoso, em outubro de
1994.
Em seus dois mandatos, 1995-1998 e 1999-2002, sua equipe de policy makers buscou construir um
arcabouço institucional e legal que desse suporte a um dos principais pontos positivos do Plano Real, a
inclusão de milhões de brasileiros no mercado de consumo.
3. Excertos sobre microfinanças, microcrédito e as “pirâmides” social e empresarial
Ao cumprir o seu papel de formulador e indutor de determinada política pública, o agente (Estado),
deve definir corretamente as variáveis componentes do modelo analítico a ser implementado.
A noção de acesso ao crédito como política pública perpassa todo o Sistema Financeiro Nacional
(SFN), onde “consideram-se como instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as
pessoas jurídicas públicas e privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, a
intermediação ou a aplicação de recursos próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e
a custódia de valor de propriedade de terceiros” (Artigo 17 da Lei 4.695/64, em Fortuna, 2001, p. 17).
Desse amplo espectro de entidades, esta análise se desdobrará sobre aquelas cuja atuação é
vocacionada e/ou direcionada a base da pirâmide social e empresarial.
A definição de pirâmide social (econômica), utiliza o conceito de camadas de consumo, com base na
renda anual per capta do indivíduo/unidade familiar, extrapolada a partir da paridade do poder
aquisitivo nos Estados Unidos da América (Prahalad e Stuart, 2002, p.18). No topo da pirâmide,
encontra-se a camada 1, onde estão entre 75 e 100 milhões de consumidores, com renda per capta
anual superior a US$ 20.000,00, os mais ricos do mundo (classe alta e média dos países desenvolvidos
e as elites dos países em desenvolvimento). Nas camadas 2 e 3, com renda per capta anual variando
entre US$ 20.000,00 e US$ 1.500,00, encontram-se os consumidores pobres dos países desenvolvidos e
a classe média dos países em desenvolvimento, um universo de 1 bilhão e 750 milhões de indivíduos.
Na base da pirâmide, a camada 4, com 4 bilhões de indivíduos, e renda anual per capta inferior a US$
1.500,00; destes, cerca de 1 bilhão vivem abaixo da linha da pobreza (renda per capta inferior a US$
1,00 por dia). No Brasil, em torno de 50 milhões de pessoas se enquadram nesta camada, de acordo
com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), de 1999.
Para caracterizar a pirâmide empresarial, utilizaremos parâmetros brasileiros. A partir da categorização
universal por porte – micro, pequena, média e grande empresa, somar-se-á o critério do novo Estatuto
da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (Lei 9.841/99) e sua atualização pelo Decreto
5.028/04, que classifica as empresas de acordo com sua receita bruta anual, além do conceito de
pessoas ocupadas, utilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nos
levantamentos dos censos e pesquisas sócio-econômicas, anuais e mensais. Segundo o Sebrae (2004),
este conceito abrange não somente os empregados, mais inclui, também, os proprietários das empresas,
como forma de dispor de informações sobre o expressivo número de micro unidades empresariais que
não empregam trabalhadores, mais funcionam como importante fator de geração de renda para seus
proprietários. Temos então:
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ƒ
Microempresa: receita bruta anual inferior a US$ 144.585,00 (utilizando um valor de conversão
de US$ 1,00 = R$ 3,00) e/ou estabelecimentos industriais com até 19 pessoas ocupadas e, no
comércio e na prestação de serviços com até 9 pessoas ocupadas.
ƒ
Empresa de Pequeno Porte: receita bruta anual superior a US$ 144.585,00 e igual ou inferior a
US$ 711.044,00 e/ou estabelecimentos industriais de 20 a 99 pessoas ocupadas e, no comércio e
na prestação de serviços de 10 a 49 pessoas ocupadas.
Os pequenos negócios (micro e pequenas empresas – MPE) representam, segundo o IBGE, mais de 3,8
milhões de estabelecimentos, absorvendo 44% da mão-de-obra empregada e gerando cerca de 20% do
Produto Interno Bruto (PIB) nacional.
Depois de definidas as variáveis determinantes do nosso modelo, o crédito, variável determinada, deve
ser delineada. Segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (1999, p.575) a palavra crédito é
originaria do latim creditu e, significa em sentido lato, segurança de que alguma coisa é verdadeira;
confiança; boa reputação; consideração e em sentido econômico a cessão de mercadoria, serviço ou
importância em dinheiro, para pagamento futuro ou a facilidade de obter empréstimos.
Ao focalizar a base da pirâmide social e empresarial, o acesso ao crédito pode ser utilizado como
ferramenta de inclusão social de duas formas: orientado para o consumo e/ou destinado à produção.
Microfinanças são, segundo Parente (2002, p.11), um campo novo e em acelerado desenvolvimento, no
qual combinam mecanismos de mercado, apoio estratégico do Estado e iniciativas comunitárias com o
objetivo de estruturar serviços financeiros sustentáveis para a clientela de baixa renda, sejam
indivíduos, famílias ou empresas (formais e informais). No Brasil, a parte mais visível e desenvolvida
deste complexo conjunto de ferramentas de geração de renda e combate à pobreza é o microcrédito;
além deste podemos destacar outros produtos, tais como: poupança popular; crédito para moradia;
seguros; crédito para emergências e o cartão de crédito popular.
É importante ressaltar que os produtos criados pelo setor de microfinanças não são apenas cópias dos
oferecidos pelo sistema financeiro tradicional (bancos comerciais e financeiras); fazem parte de uma
filosofia onde o crédito é visto como um direito, pois o acesso a este leva ao desenvolvimento do
indivíduo e de sua unidade produtiva.
Esta realidade – microfinanças – está presente e consolidada em boa parte dos países da América
Latina em função, de uma legislação mais abrangente e flexível. No Brasil, além de ser recente, a
legislação em vigor só permite uma modalidade das microfinanças: o microcrédito.
Microcrédito é um empréstimo de baixo valor, a pequenos empreendimentos informais, microempresas
e empresas de pequeno porte, sem acesso ao sistema financeiro tradicional, principalmente por não
terem como oferecer garantias reais. É um crédito produtivo (financia capital de giro e investimento
fixo) e é concedido através de uma metodologia assistida, onde o agente de crédito (funcionário da
instituição) interage com o tomador antes, durante e depois da concessão do crédito (adaptado de
Barone, Dantas, Lima e Rezende, 2002, p.14).
4. Pobreza e Desenvolvimento Local
Depois desse melting-pot de variáveis, faz-se necessário evidenciar o cenário no qual elas figuram.
Uma política pública de acesso ao crédito, cujas ferramentas provém das microfinanças, em especial do
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microcrédito, focadas na base da pirâmide social e empresarial têm como hastes basilares o combate a
pobreza e a inclusão social dentro de uma estratégia de desenvolvimento local.
Com o sucesso da estabilização monetária de 1994, o combate a pobreza tornou-se a questão central
para os diferentes segmentos da sociedade brasileira. A importância que o tema vem assumindo revela
o entendimento de que a persistência da pobreza reflete e sintetiza a face mais crítica de diversos
problemas nacionais, entre os quais a informalização crescente do mercado de trabalho, a desigualdade
entre pessoas e os desequilíbrios regionais (adaptado de Rocha, 2003, p.174).
Um país com dimensões continentais, o Brasil possui 5.656 municípios, que são as células mater da
federação, sendo que destes, segundo o IBGE, apenas 6% têm mais de 50 mil habitantes e, apenas 95
cidades, entre elas, as capitais dos estados, têm mais de 150 mil habitantes. Com diferenças sociais,
políticas e econômicas, qualquer política pública de inclusão que almeje ser eficiente, eficaz e efetiva
deve, ao mesmo tempo, ter abrangência universal e ser focalizada na menor unidade federativa, o
município, seguindo a velha máxima de “pensar globalmente e agir localmente”.
Do estudo da economia, mais especificamente da macroeconomia, temos que parte da renda disponível
do individuo é gasta no consumo de bens e serviços necessários a sua subsistência e parte é poupada
para consumo futuro (Y = C + P). Na camada 4 de consumo (pirâmide social) ou na base da pirâmide
empresarial (empresa informal, microempresa e empresa de pequeno porte), onde as atividades
produtivas são de subsistência ou de acumulação simples, o microcrédito, que é um crédito produtivo,
funciona como alavanca, aumentando a renda disponível do indivíduo/unidade familiar que é gasta no
consumo. O efeito multiplicador da renda, gerado por este processo, quando ampliado, em um distrito
de um pequeno município, no próprio município e assim sucessivamente, gera em termos de agregados
macroeconômicos, crescimento da renda nacional e conseqüentemente crescimento econômico com
inclusão, quimera almejada por todos os policy makers. Por outro lado, o crédito para o consumo
também pode gerar efeitos similares para a coletividade pois, ao estimular, pelo lado da demanda,
determinada parcela da população a consumir e/ou aumentar seu consumo de uma cesta de bens e
serviços, a oferta desta terá que se adequar, produzindo mais, gerando mais empregos e,
conseqüentemente, em termos agregados, mais renda estará disponível na economia.
Daí a importância da compreensão do conceito de que pobreza e exclusão social não devem ser
enfrentadas apenas com crescimento econômico e políticas compensatórias, e sim, com programas
inovadores de investimento em capital humano e capital social (Franco, 2002, p. 37).
5. A Comunidade Solidária, seu Entorno e as Políticas Públicas de Acesso ao Crédito
Um dos pensamentos que ficaram marcados durante a campanha e o início do primeiro mandato do
Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-98) era que “o Brasil não é um país pobre, e sim um país
injusto”. Sob esta tônica e, através de um decreto presidencial, a Comunidade Solidária foi criada em
janeiro de 1995 e, em paralelo, a “famosa” Legião Brasileira de Assistência (LBA) era extinta.
Uma agenda de desenvolvimento social para o país foi construída, tendo, de acordo com Cardoso,
Franco, Oliveira e Lobo (2002, p.05), novos conceitos no lugar de velhas estruturas, propostas
singulares de ação substituindo antigos e ultrapassados modelos assistencialistas. Neste processo,
também foi posta de lado a idéia de que o desenvolvimento social é tarefa única do Estado. Parcerias
com a sociedade civil e a iniciativa privada foram utilizadas para potencializar a ação do Estado em
diversas frentes.
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No bojo dessas transformações, em junho de 1996, surgem as Rodadas de Interlocução Política do
Conselho da Comunidade Solidária, impulsionadas, segundo Cardoso, Franco, Oliveira e Lobo (2002,
p.13), pela convicção de que era essencial a construção de novos canais de diálogo entre o governo e a
sociedade.
Foram, ao longo de seis anos, realizadas quinze rodadas sobre temas-chave de uma agenda de
desenvolvimento social para o Brasil, sendo que, destas, três (Alternativas de Ocupação e Renda;
Marco Legal do Terceiro Setor e Expansão do Microcrédito no Brasil) contribuíram para a indução,
formulação e implementação, direta ou indiretamente, de políticas públicas de acesso ao crédito como
forma de combate a pobreza e a inclusão social.
O microcrédito no Brasil não é recente, suas origens remontam ao final da década de 50, quando Dom
Helder Câmara, no Rio de Janeiro, criou uma “carteira de empréstimos” cujo objetivo era auxiliar os
excluídos sociais a iniciarem uma atividade produtiva. Esta carteira foi o embrião do Banco da
Providência, uma resposta da igreja católica à realidade miserável de parte da população carioca,
buscando colaborar e participar ativamente no esforço de ajuda e promoção humana do socialmente
excluído.
Na década de 70, mais especificamente em 1973, nos municípios de Recife e Salvador, por iniciativa e
com assistência técnica da Accion Internacional, na época chamada AITEC, e com participação de
entidades empresariais e bancos locais, foi criada a União Nordestina de Assistência a Pequenas
Organizações, conhecida como Programa UNO, uma ONG especializada em microcrédito e
capacitação para trabalhadores de baixa renda do setor informal (Barone, Dantas, Lima e Rezende,
2002, p.21).
Nos anos 80, duas experiências, de porte regional, surgiram no país: o Banco da Mulher (Associação
Brasileira para o Desenvolvimento da Mulher), fundado em 1984 por iniciativa do Conselho da Mulher
Executiva da Associação Comercial do Rio de Janeiro e, a Rede CEAPE, a partir do Centro de Apoio
aos Pequenos Empreendimentos Ana Terra, no Rio Grande do Sul, em 1987.
Coube a iniciativas da sociedade civil a introdução do microcrédito no Brasil, porém, o ambiente de
inflação elevada dos anos 80 e início da década de 90 praticamente inviabilizou o surgimento e o
desenvolvimento de uma quantidade significativa de experiências. Em meados da década de 90,
ocorreu uma mudança fundamental no ambiente macroeconômico do país – a estabilidade de preços alcançada a partir da implantação do Plano Real.
A eliminação da inércia inflacionária e a reforma monetária criaram um ambiente favorável para as
poucas instituições que operavam microcrédito. Ao passarmos de uma taxa de inflação anual superior a
1.000% para 15%, e com um viés de baixa que se confirmou nos anos seguintes (ver Tabela 1), essas
instituições puderam ajustar suas expectativas no que se refere à taxa de juros, isto é, com uma
conjuntura econômica favorável, começaram a operar com taxas pré-fixadas, contribuindo de maneira
significativa para a expansão de suas carteiras de crédito.
Este “incentivo”, somado a outras ações estruturantes promovidas pelos governos federal, estaduais e
municipais fizeram com que o número de entidades operadoras ultrapassasse 200, em 2004 (de acordo
com pesquisa em andamento realizada pelos autores).
Dentre as ações estruturantes promovidas pelo governo federal, cabe destacar a criação, em 1996, da
Área de Desenvolvimento Social do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social –
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BNDES que, em sintonia com o Conselho da Comunidade Solidária, lançou o Programa de Crédito
Produtivo Popular (PCPP), com o objetivo de divulgar, de forma consistente e conseqüente, o conceito
de microcrédito e promover a formação de uma ampla rede institucional capaz de propiciar crédito aos
microempreendedores, formais e informais (Kwitko, Burtet e Weihert, 1999, p.11). Através deste e do
Programa de Desenvolvimento Institucional (PDI), fruto de um convênio de cooperação técnica não
reembolsável com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o banco passou a dispor de uma
linha de crédito especial para alavancar as carteiras das instituições operadoras em funcionamento
(funding) e, investiu na infra-estrutura do mercado e no fortalecimento da capacidade institucional,
através do desenvolvimento de manuais de capacitação em metodologias de análise, concessão e
acompanhamento de microcrédito, para agentes de crédito; manuais para gerentes (técnicas de gestão
microfinanceira, marketing, regulamentação das microfinanças e sistemas de informação); um manual
para empresas de auditoria; sistemas de classificação institucional (rating); apoio para o
desenvolvimento de sistemas de informação gerencial, sistemas de pontuação de crédito (creditscoring), bem como ações de fortalecimento institucional: governabilidade, regionalização,
transformação institucional, desenvolvimento de novos produtos, entre outras.
Em paralelo a essas ações, no âmago da Comunidade Solidária, através de seu Conselho, eram
promovidas Rodadas de Interlocução Política que iriam influenciar de sobremaneira as políticas
públicas de acesso ao crédito. Na quinta rodada, que tratou do tema Alternativas de Ocupação e Renda,
realizada em agosto de 1997, o microcrédito foi apontado como importante estratégia das políticas de
trabalho e renda e, foi criado um grupo de trabalho, com representantes do Banco Central do Brasil
(BCB), BNDES, Ministério da Fazenda, entre outros, para apresentar propostas para o seu incentivo e
regulamentação.
Com dois encontros, em agosto de 1997 e maio de 1998, a Rodada de Interlocução Política sobre o
Marco Legal do Terceiro Setor, incorporou, segundo Ferrarezi e Rezende (2000, p.13), a necessidade
de construir um novo arcabouço legal, que reconheça o caráter público de um conjunto, imenso e ainda
informal, de organizações da sociedade civil e, ao mesmo tempo facilite a colaboração entre essas
organizações e o Estado. A partir dessas duas rodadas, começa a ser desenhado um arcabouço legal que
facilitaria as operações das instituições de microcrédito da sociedade civil.
Com a estabilização monetária e impulsionadas por um dos principais temas da agenda nacional e
global do início dos anos 90 – desenvolvimento social, as instituições de microcrédito se multiplicaram
no país, através da sociedade civil organizada (ONG) e de iniciativas públicas municipais e estaduais
(fundos municipais e estaduais), conhecidas como bancos do povo. Esta expansão se deparava com um
problema legal. A concessão de crédito, com taxas superiores a 12% ao ano, de acordo com a
legislação brasileira vigente (normas legais sobre a usura, comumente conhecida como “Lei da Usura”:
artigos 13, 14 e 15 do Decreto nº 22.626/33; artigo 4º da lei nº 1.521/51; artigo 7º, V, da Lei nº
8.137/90), só poderia ser feita por entidades pertencentes ao Sistema Financeiro Nacional (SFN).
Além de não fazerem parte do Sistema Financeiro Nacional, maior parte dessas entidades cobrava e
cobra taxas de juros que garantam sua sustentabilidade no longo prazo (entre 3 e 4% ao mês), cubrindo
seus custos e despesas operacionais e ainda gerem superávit para ser reinvestido em suas operações.
Este problema legal só foi resolvido, em 1999, com a promulgação da Lei nº 9.790 e pela Medida
Provisória nº 1.965-11, de fevereiro de 2000 (sucessivamente reeditada), ambas frutos das duas
Rodadas de Interlocução Política supracitadas.
A Lei nº 9.790/99, também conhecida como “Lei do Terceiro Setor”, criou uma nova qualificação para
as pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos: organizações da sociedade civil de interesse
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público (OSCIP), representando, segundo Ferrarezi e Rezende (2000, p.13), um passo na direção da
reforma do marco legal que regula as relações entre Estado e sociedade civil no Brasil. Segundo esta
Lei, as entidades que tiverem por finalidade a concessão de microcrédito não estarão sujeitas a
chamada “Lei da Usura”, se se qualificarem como OSCIP; posteriormente regulamentado pela Medida
Provisória nº 1.965-11/00.
Em novembro de 1997, o Banco do Nordeste (banco de desenvolvimento público federal, que tem
como área de atuação em toda a região nordeste do país e o norte de Minas Gerais e do Espírito Santo),
balizado pela agenda de desenvolvimento social do governo federal, criou um programa de
microcrédito, o CrediAmigo que, trabalhando com uma metodologia de grupos solidários e, oferecendo
concomitantemente a concessão do crédito, a capacitação gerencial aos tomadores, se tornou o maior
programa de microcrédito do país e um dos maiores, em termos de números de clientes e valor total das
operações, da América Latina.
Na segunda metade dos anos 90, o setor de microcrédito brasileiro era composto, em princípio, apenas
pelas ONG sendo, posteriormente, incorporadas as experiências de governos municipais e estaduais, e
do programa CrediAmigo do Banco do Nordeste. A participação da iniciativa privada no setor se dava
através de doações para formação de capital próprio (equity) ou capital de empréstimo (funding) às
organizações da sociedade civil que atuavam nesse setor.
A sustentabilidade de uma intervenção pública, em qualquer área, depende da capacidade de
articulação de parcerias estratégicas e, no caso de uma política pública de acesso ao crédito, isto não é
diferente. O seu equilíbrio dinâmico só poderia ser assegurado com a entrada de um novo player, a
iniciativa privada. Mais uma vez, coube ao Conselho da Comunidade Solidária criar bases, através
quinta Rodada de Interlocução Política – Alternativas de Ocupação e Renda, para que este fato
acontecesse. Como resultado do grupo de trabalho iniciado em 1997, o Conselho Monetário Nacional
(CMN) editou, em agosto de 1999, a Resolução 2.627, considerada o marco legal da iniciativa privada
no setor de microcrédito (posteriormente aperfeiçoada pela Resolução 2.874/01). Esta Resolução
dispõe sobre a constituição e o funcionamento das Sociedades de Crédito ao Microempreendedor
(SCM), pessoas jurídicas de direito privado, com finalidade lucrativa, cujo objetivo social exclusivo é a
concessão de financiamentos a pessoas físicas, com vistas a viabilizar empreendimentos de natureza
profissional, comercial ou industrial de pequeno porte, bem como pessoas jurídicas classificadas como
microempresas.
A expectativa em torno desse novo ator foi muito grande, na medida em que assegurava contribuições
para o equilíbrio de todas as dimensões de viabilidade do setor (econômica, financeira, institucional e
social). Isto, menos pelo número de instituições (o arcabouço legal ainda não atraiu a quantidade de
investidores privados almejada), e mais pelo caráter de business, agregando expertise mercadológica e
agressividade às operações de microcrédito. Esse conhecimento de finanças vem do fato de que as
Sociedades de Crédito ao Microempreendedor (SCM) estão sendo constituídas por pessoas oriundas do
sistema financeiro, em especial por proprietários de empresas de fomento mercantil (factorings).
Com o objetivo de levar serviços financeiros a população dos municípios não atendidos pelo Sistema
Financeiro Nacional (1.627), o governo federal, através do Ministério das Comunicações, em outubro
de 2000, editou a portaria nº 588, instituindo o serviço financeiro postal especial, denominado Banco
Postal, a ser prestado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT). Segundo o artigo 2º
desta portaria, os serviços relativos ao Banco Postal caracterizam-se pela utilização da rede de
atendimento da ECT para a prestação de serviços bancários básicos, em todo o território nacional,
como correspondente de instituições bancárias. O BRADESCO, maior banco privado do país venceu,
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em agosto de 2001, concorrência para operacionalizá-lo. A primeira agência foi inaugurada em março
de 2002 e, seus resultados impressionam. No final de 2003, já contava com 3.365 agencias e, a
quantidade esperada para 2004 é de 5.482 agencias, cobrindo 1.006 municípios e beneficiando 9
milhões e 900 mil pessoas.
Ainda como desdobramento da quinta Rodada de Interlocução Política do Conselho da Comunidade
Solidária e, sob os dois consensos básicos sobre o microcrédito aprovados na Rodada sobre
Alternativas de Ocupação e Renda, de que “o chamado microcrédito ou crédito popular pode cumprir
um papel estratégico no campo das políticas públicas de trabalho e renda, visto não como uma política
compensatória, mas como elemento de uma perspectiva mais ampla de integração de empreendimentos
populares ou de pequeno porte no processo de desenvolvimento, dentro de uma ótica não-excludente e,
de que o crédito popular só conseguirá se expandir para cumprir o seu papel estratégico se for tratado
de forma diferenciada do crédito tradicional” (A Expansão do Microcrédito no Brasil, Documento
Final, 2001, p.10), A Expansão do Microcrédito no Brasil foi tema de dois encontros, em março e
outubro de 2001. Seu objetivo era construir propostas e medidas consensuais capazes de contribuir para
a superação dos obstáculos que impediam/impedem o crescimento do microcrédito no país, entre eles a
expansão e a consolidação das microfinanças como um novo setor econômico; atingir regiões do
interior do país com baixo índice de desenvolvimento humano (IDH) e capilarizar a oferta de crédito no
país. Seus instrumentos e resultados foram primorosos para o setor, como a criação de quatro
comissões técnicas para propor caminhos de ação para os entraves do setor: marco legal, divulgação e
fortalecimento institucional, capacitação e avaliação. Dentre os seus resultados, destacam-se: a edição
da Resolução nº 2.874, de julho de 2001, que aprimora o marco legal da participação da iniciativa
privada no setor, através das SCM, flexibilizando algumas regras de operação e tornando-as mais
atrativas a investidores; a criação do portal do microcrédito (www.portaldomicrocrédito.org.br); a
elaboração de uma cartilha para a divulgação do microcrédito no país; elaboração dos requisitos
mínimos para programas de capacitação em microcrédito e a formulação de um conjunto de
indicadores financeiros e de avaliação de impacto e seus conceitos.
No fim do segundo mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1999-2002), o ultimo ator de
peso, no cenário sócio-político, a adotar uma política específica, direcionada ao fomento do
microcrédito no país foi o Serviço Nacional de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE.
O SEBRAE é um serviço social autônomo, criado em 1990, a partir de dispositivos da Constituição de
1988, cujo propósito, segundo o direcionamento estratégico de 2001/2002, é trabalhar de forma
estratégica, inovadora e pragmática para fazer com que às micro e pequenas empresas no Brasil tenham
melhores condições para uma evolução sustentável, contribuindo para o desenvolvimento do país como
um todo. Em outubro de 2001 foi lançado o Programa SEBRAE de Apoio ao Segmento de
Microcrédito, exemplo de como a parceria público-privado-sociedade civil pode ser conduzida em
benefício de um setor específico. Segundo Barone, Dantas, Lima e Resende (2002, p.26), ao atuar
como instituição de segunda linha, propunha apoiar a criação e o fortalecimento de organizações de
microcrédito, desde que estas adotassem princípios de independência e auto-sustentabilidade. Dentre as
modalidades de apoio, além de recursos para funding, o programa previa o apoio à reestruturação das
instituições; capacitação dos recursos humanos; cessão de uso de sistema informatizado de gestão,
entre outros.
6. O Governo de Luis Inácio Lula da Silva e a Nova Visão de Acesso ao Crédito
A eleição do metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva para Presidente da República (2003-2005), no final
de 2002, representou uma ruptura com o modelo político vigente no país dos últimos 20 anos. A partir
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IX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Madrid, España, 2 - 5 Nov. 2004
de 2003, uma nova equipe de policy makers optou pela manutenção da política econômica do governo
anterior, porém, o conceito de acesso ao crédito passou a ser entendido como a bancarização das
camadas mais baixas da população (base da pirâmide social).
Para classe média e alta, utilizar um “ultrapassado” pedaço de papel (cheque) para pagar uma conta é
uma rotina trivial, porém, como afirma Rubin (2004), para boa parte da população do país, este ato
banal chega a ser sofisticado, até inédito. Não há estatísticas precisas sobre o número de brasileiros
economicamente ativos sem acesso a serviços bancários, mas se calcula que seja algo na faixa entre 25
milhões e 45 milhões de pessoas.
Incluir esta grande massa de pessoas ao Sistema Financeiro Nacional passou a ser a tônica principal das
políticas públicas de acesso ao crédito do novo governo. Nos oito anos do governo anterior,
microcrédito era entendido como um crédito produtivo, capaz de alavancar renda. Neste governo, o
conceito de microcrédito foi subvertivo para crédito de pequeno valor, produtivo ou não, também,
como já exposto anteriormente, capaz de gerar renda (ver item 4). Dentre as medidas tomadas,
destacando-se a edição, em junho de 2003, do “Pacote do Microcrédito”, um conjunto de medidas que
objetivavam ampliar a oferta de serviços financeiros as populações de baixa renda. Três foram os seus
pilares: a criação de contas simplificadas (bancarização); o estímulo a oferta de crédito através da
destinação de parte dos recursos do recolhimento compulsório sobre os depósitos à vista e a formação
de cooperativas de crédito de livre associação.
A edição da Resolução nº 3.104, de junho de 2003, pelo CMN, como parte do pacote tentou
instrumentalizar, através da ampliação de mecanismos facilitadores de acesso da população de baixa
renda ao Sistema Financeiro Nacional e, conseqüentemente, propiciar a melhoria das condições de
obtenção de crédito, de realização de poupança e de aquisição de produtos financeiros, além da maior
comodidade de pagamento de contas por parte de pessoas de menor renda (Darcy e Soares, 2004, p.22).
Em paralelo, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil (bancos públicos federais), criaram
mecanismos para operacionalizar esta política pública através da criação de contas correntes
simplificadas, movimentadas por cartão magnético e, necessitando para sua abertura, somente, a
apresentação de documento de identidade e CPF. A Caixa criou a conta simplificada denominada
“Caixa Aqui” e, o Banco do Brasil, uma subsidiária integral, denominada Banco Popular do Brasil para
atender este segmento. Sob outro aspecto, esta Resolução, permitiu também, a criação de cooperativas
de livre admissão de associados que, segundo Darcy e Soares (2004, p.22), permitirá a organização de
populações hoje, com pouquíssimo acesso a serviços financeiros, tais como as localizadas longe dos
grandes centros, para que possam mobilizar e aplicar recursos em seu próprio benefício, estimulando
assim pequenos empreendimentos rurais e urbanos geradores de empregos. Outra Resolução do CMN,
a nº 3.140, de novembro do mesmo ano, facultou a criação de cooperativas de crédito de empresários
vinculados a entidades de classe.
Complementando o pacote e, implementada através da Medida Provisória 122, de 25 de junho de 2003
(regulamentada, posteriormente, pela Lei 10.735, de 11 de setembro de 2003), foi conferindo ao
Conselho Monetário Nacional “competência para regulamentar as aplicações dos bancos comerciais,
dos bancos múltiplos com carteira comercial, da Caixa Econômica Federal, bem como das cooperativas
de crédito de pequenos empresários, microempresários ou microempreendedores e de livre admissão de
associados, em operações de microfinanças destinadas à população de baixa renda e
microempreendedores, baseadas em recursos oriundos dos depósitos à vista” (Darcy e Soares, 2004,
p.40). Com base nesta Medida Provisória, o CMN editou uma resolução (nº 3.109, de junho de 2003)
estabelecendo a aplicação de 2% dos depósitos à vista, captados dessas instituições para operações de
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IX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Madrid, España, 2 - 5 Nov. 2004
crédito para base da pirâmide social e empresarial. Com esta medida, esperava-se deixar a disposição e
conseqüentemente injetar no mercado mais de US$ 350 milhões em créditos de pequeno valor,
produtivos ou não, através dos canais já existentes, principalmente os grandes bancos de varejo,
nacionais ou estrangeiros.
7. Conclusão
Apesar do “incentivo” dado pela estabilização econômica, e de um conjunto de políticas públicas
voltadas para o acesso ao crédito, tanto nos dois anos de governo de Fernando Henrique Cardoso
(1995-1998 e 1999-2002) quanto nos primeiros anos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (a partir
de 2003), muito ainda precisa ser feito em termos de crédito produtivo (microcrédito), crédito para o
consumo e bancarização no Brasil.
É assustador número de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza no país (mais de ¼ da
população) e o crescimento da informalidade nos grandes centros urbanos. Os pequenos negócios,
urbanos e rurais, formais e informais, sofrem de aguda escassez de capital, o que gera baixa
produtividade e baixo rendimento do capital, o que impede o efeito multiplicador da renda e,
conseqüentemente, em termos macroeconômicos, o desenvolvimento econômico includente.
Esta tese é corroborada por uma pesquisa realizada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT),
onde a demanda potencial por crédito no Brasil, é estimada em quase 14 milhões de pequenos
empreendimentos. Este número foi obtido cruzando dados da Pesquisa Nacional de Amostra
Domiciliar, de 1999 com os da Pesquisa sobre a Economia Informal Urbana, de 1997, ambas realizadas
pelo IBGE (Darcy e Soares, 2004, p.07).
Quando se verifica a oferta de microcrédito, o resultado é desanimador, mesmo com o crescimento
expressivo do número de entidades operadoras pós-Real, que só atendem 1% da demanda estimada
pela OIT, segundo Darcy e Soares (2002, p.07) e, metade deste número é de responsabilidade do
Programa CrediAmigo do Banco do Nordeste. Em parte, esta situação explica a opção pela
bancarização e do aumento da oferta de crédito através das instituições financeiras tradicionais (2% do
compulsório sobre depósitos à vista), como política pública do governo do Partido dos Trabalhadores.
Independente da estratégia adotada pelo governo federal: incentivo ao crédito produtivo (microcrédito)
através da sociedade civil organizada, iniciativa privada e programas de governo (de primeiro e
segundo piso, municipais, estaduais e federais); bancarização, por meio do aumento da oferta de
produtos específicos destinados a população de baixa renda e o incremento da cobertura espacial,
especialmente nos municípios não atendidos pelo Sistema Financeiro, via Banco Postal e, o estímulo a
expansão da oferta de crédito, produtivo ou não (2% do compulsório sobre depósitos à vista), os policy
makers e a sociedade têm compreendido, em particular, nos últimos dez anos, que a guerra contra a
pobreza não será vencida com ações paternalistas, clientelistas e assistencialistas, tradicionais na
sociedade brasileira do século XX e sim, com estratégias universais, quanto a finalidade, e focalizadas,
no sentido de intervenção de um conjunto de agentes específicos, propiciando desenvolvimento local e
inclusão, através do aumento sustentável da renda dos beneficiários.
8. Bibliografia
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SEBRAE. http://www.sebrae.com.br/br/aprendasebrae/estudosepesquisas.asp. Acessado em
17/08/2004.
9. Resenha Biográfica
Nome: Francisco Marcelo Barone
Cargo: Coordenador do SMALL – Programa de Estudos Avançados em Pequenos Negócios,
Empreendedorismo e Microfinanças, da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas
(EBAPE)
Instituição: Fundação Getulio Vargas (FGV)
Endereço: Praia de Botafogo 190, sala 1305.2
Botafogo - Rio de Janeiro – RJ – Brasil
Cep. 22250-900
Tel. (55 21) 2559-5444
Fax. (55 21) 2551-8051
e-mail: [email protected]
http://www.ebape.fgv.br/pp/small
Formação:
Mestre em Administração Pública pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas
(EBAPE) da Fundação Getulio Vargas (FGV). Especialista em Contabilidade para Gestão de Negócios
pela Faculdade de Administração e Ciências Contábeis da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ). Bacharel em Ciências Econômicas pela Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Experiência Profissional:
Coordenador do MBA em Gestão de Negócios e Empreendedorismo e professor convidado dos cursos
de pós-graduação lato sensu do Programa de Educação Continuada da Fundação Getulio Vargas (FGV
Management). Coordenador do Curso de Ciências Econômicas da Faculdade Gama e Sousa (FGS –
RJ). Professor da Escola de Economia e Contabilidade da Universidade do Grande Rio
(UNIGRANRIO). Autor de artigos científicos publicados no Brasil e no exterior. Além das atividades
de docência, pesquisa aplicada e consultoria, ocupou cargos gerenciais na iniciativa privada e na esfera
pública.
Nome: Deborah Moraes Zouain
Cargo: Coordenador do SMALL – Programa de Estudos Avançados em Pequenos Negócios,
Empreendedorismo e Microfinanças, da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas
(EBAPE)
Instituição: Fundação Getulio Vargas (FGV)
Endereço: Praia de Botafogo 190, 5º andar
Botafogo - Rio de Janeiro – RJ – Brasil
Cep. 22250-900
Tel. (55 21) 2559-5775
Fax. (55 21) 2551-8051
e-mail: [email protected]
http://www.ebape.fgv.br/pp/small
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Formação:
Doutora em Engenharia da Produção (Major: Inovação Tecnológica e Organização Industrial) pela
COPPE/UFRJ. Mestre em Educação pela UFRJ. Bacharel em Direito pela UERJ e em Administração
pela EBAP/FGV.
Experiência Profissional:
Professora dos Cursos Stricto Sensu da Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação
Getulio Vargas. Coordenadora dos cursos de mestrado em Administração Pública e Gestão Empresarial
da Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getulio Vargas. Professora dos Cursos
Lato Sensu da Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getulio Vargas. Coordenadora
dos MBAs em Administração Esportiva; Turismo, Hotelaria e Entretenimento; Gestão de Negócios e
Tecnologia da Informação; Direito do Consumidor e da Concorrência; Gestão da Segurança
Corporativa. Professora do Instituto de Ciências Econômicas e Gestão da Universidade Santa Úrsula.
10. Quadros e Tabelas
Tabela 1: Inflação, Crescimento e Investimento 1980-2003
Taxa de Inflação
(em % ao ano)
Taxa de investimento
(em % do PIB)
Taxa de Variação
Ano
do PIB
(em %)
110,25
22,87
9,17
1980
95,2
24,31
-4,28
1981
99,71
22,99
0,81
1982
219,98
19,93
-2,92
1983
223,81
18,90
5,39
1984
235,13
18,01
7,91
1985
65,04
20,01
7,50
1985
415,95
23,17
3,61
1987
1037,62
24,32
-0,05
1988
1609,42
26,86
3,20
1989
1699,87
20,66
-5,05
1990
458,37
18,11
1,03
1991
1174,67
18,42
-0,54
1992
2567,34
19,28
4,92
1993
869,74
20,75
5,85
1994
15,24
20,54
4,22
1995
9,19
19,26
2,66
1996
7,74
19,86
3,27
1997
1,79
19,69
0,13
1998
20,1
18,90
0,79
1999
9,95
19,29
4,36
2000
10,37
19,47
1,31
2001
25,3
18,32
1,93
2002
8,69
18,04
-0,22
2003
Fonte: Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) da Fundação Getulio Vargas.
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