SUMÁRIO
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SUMÁRIO
SUMÁRIO DIDÁTICA I OBJETIVOS ............................................................................................................... DIDI 1 1. EDUCAÇÃO E DIDÁTICA .................................................................................. DIDI 3 2. “ALGUNS CAMINHOS PERCORRIDOS PELA DIDÁTICA” ............................. DIDI 7 3. CAMINHOS APÓS O SÉCULO XVIII ............................................................... DIDI 11 4. O PENSAMENTO CONSTRUTIVO DE JEAN PIAGET E O NOVO OLHAR PARA A ALFABETIZAÇÃO DE EMÍLIA FERREIRO ........................... DIDI 19 5. VYGOTSKY, PAULO FREIRE E A CONSIDERAÇÃO DO CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO NO PROCESSO DE APRENDIZADO ....................... DIDI 27 6. PHILIPPE PERRENOUD: PENSANDO A EDUCAÇÃO NA ATUALIDADE ....... DIDI 33 7. ORGANIZANDO A PRÁTICA EDUCATIVA: A IMPORTÂNCIA DO PLANEJAMENTO ..................................................................................... DIDI 37 8. OS OBJETIVOS EDUCACIONAIS .................................................................. DIDI 39 9. OS CONTEÚDOS DE APRENDIZAGEM .......................................................... DIDI 41 10. COMPETÊNCIAS E HABILIDADES ................................................................ DIDI 45 11. OS RECURSOS DIDÁTICOS E A IMPORTÂNCIA DA DIVERSIDADE ............ DIDI 47 12. AS TÉCNICAS DE ENSINO NO PROCESSO PEDAGÓGICO ......................... DIDI 51 13. A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM .............................................................. DIDI 55 14. CONTINUANDO NOSSOS CAMINHOS .......................................................... DIDI 59 Didática I OBJETIVOS Ao final dos 14 módulos a disciplina contemplará os objetivos abaixo: zQue os alunos tenham a visão de uma Didática fundamental, multidisciplinar, com o compromisso da transformação social, democratização e a universalização do ensino; zPossam exercitar o seu lado crítico enquanto educandos em seus processos de formação e de futuros educadores, politicamente e socialmente compromissados; zBusquem metodologias e abordagens que privilegiem a compreensão do trabalho pedagógico em seu aspecto dialético (ação - reflexão ação). DIDI 1 Didática I EDUCAÇÃO E DIDÁTICA CAPÍTULO 1 “Não se pode encarar a educação a não ser como um que fazer humano. Que fazer, portanto, que ocorre no tempo e no espaço, entre os homens, uns com os outros.” (Paulo Freire) Antes de começarmos a falar sobre o nosso tema, escreva a seguir o que você pensa sobre o que é educação. Pois bem, não há como pensar em didática sem falarmos sobre educação. No dicionário Aurélio, encontramos a definição de educação como “processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e do ser humano em geral, visando à sua melhor integração individual e social. Aperfeiçoamento integral de todas as faculdades humanas”. Dermeval Saviani em seu livro Educação: do senso comum à consciência crítica, considera que a finalidade da educação é a promoção do homem e para ele, “promover o homem significa torná-lo mais capaz de conhecer os elementos de sua situação, para intervir nela, transformando-a no sentido de sua liberdade, da comunicação e da colaboração entre os homens”. Paulo Freire diz que: “A educação é uma resposta da finitude da infinitude. A educação é possível para o homem, porque este é inacabado e sabe-se inacabado. (...) A educação, portanto, implica uma busca realizada por um sujeito que é o DIDI 3 Didática I CAPÍTULO 1 homem. O homem deve ser o sujeito de sua própria educação (...)” (1988, p.27-28) Libâneo vem somar a esses autores afirmando que: “Educação é um conceito amplo que se refere ao processo de desenvolvimento onilateral da personalidade, envolvendo a formação de qualidades humanas – físicas, morais, intelectuais, estéticas – tendo em vista a orientação da atividade humana na sua relação com o meio social, num determinado contexto de relações sociais”. (1994, p.22) Voltando às quatro definições citadas, podemos observar que no dicionário Aurélio e em Libâneo, a educação é retratada enquanto processo de evolução que considera o ser humano em seu todo. Saviani ressalta a importância da educação enquanto meio para favorecer a autonomia do ser humano, gerando transformação em sua vida e também no contexto em que vive. Freire reconhece a limitação humana em seu condicionamento histórico e social; a incompletude e a conseqüente busca por ser mais, querer mais, através da educação. Podemos também salientar que as definições trazem o conceito de educação como um fenômeno social e, como diz Fernando Savater, o ser humano nasce duas vezes: o nascimento biológico e o nascimento através da EDUCAÇÃO. Bem, voltemos ao seu conceito de educação formulado no início do capítulo. Após essas breves considerações, você o modificaria? Experimente! DIDI 4 Didática I CAPÍTULO 1 Mas, e a didática? O que ela tem a ver com tudo isso? A didática busca compreender o fenômeno educativo através da reflexão sobre o processo ensino-aprendizagem. Como considera Vera Maria Candau, “o objeto de estudo da didática é o processo ensino-aprendizagem”, (1994, p.13) que acontece de forma organizada e intencional, na escola, na sala de aula. Ao refletir sobre esse processo, a didática busca caminhos para a realização de uma prática pedagógica compromissada com a transformação social e com um ensino de qualidade. Para isso, é necessário que se considerem três dimensões do processo ensinoaprendizagem que, segundo Candau, são: humana, técnica e política. A dimensão humana leva em consideração os relacionamentos vividos e o clima afetivo entre todos os “atores” participantes da escola (educadores, educandos, pais, gestores, funcionários) e tem sido muito considerada na didática atual. Na dimensão técnica, temos a preocupação com a organização do processo ensino-aprendizagem, pois como já dito nesse texto, tal processo acontece de modo sistemático e intencional. Portanto, há que se pensar nos objetivos educacionais, na seleção dos conteúdos, na escolha dos procedimentos metodológicos, na prática de avaliação, etc. Enfim, na dimensão técnica organiza-se a ação pedagógica, contextualizando-a com as questões sociais e com as outras duas dimensões (humana e política). Marcos Masetto, recuperando as idéias de Candau, considera que “o ensino-aprendizagem de que estamos falando acontece numa escola situada em um local determinado, numa certa época histórica, que segue orientações e diretrizes de profissionais da educação e das políticas governamentais. Estas últimas têm uma influência muito grande através da legislação e normas que afetam a escola (...)” (1996, p.14) Trata-se da dimensão política ou político-social que permeia todo o processo ensino-aprendizagem. DIDI 5 Didática I CAPÍTULO 1 Em síntese, há uma estreita ligação entre Didática e Educação, e também com outros campos do conhecimento como a Filosofia, Sociologia, Psicologia e outras. Podemos dizer que a Didática contribui com a reflexão sobre o processo ensino-aprendizagem e com a implementação da prática pedagógica ao levar em conta uma educação que dê sentido à nossa humanização. REFERÊNCIAS CANDAU, Vera Maria F. (org.) A didática em questão, 12. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. FREIRE, Paulo. Educação e mudança. 14. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1979. LIBÂNEO, José Carlos. Didática. 6. ed. São Paulo: Cortez, 1994. MASETTO, Marcos. Didática: a aula como centro. 3. ed. São Paulo: FTD, 1996. ANOTAÇÕES DIDI 6 Didática I “ALGUNS CAMINHOS PERCORRIDOS PELA DIDÁTICA” CAPÍTULO 2 “A toda hora, uma história que é preciso estar atento. A toda hora um movimento que muda o rumo dos ventos”. (Paulinho da Viola) Pensando na trajetória da Didática enquanto área de conhecimento, podemos dizer que ela surge no século XVII com João Amos Comênio (1592-1670), que acredita ter encontrado uma forma de “ensinar tudo a todos” e organiza uma obra intitulada Didática Magna, propondo tal princípio. Antes disso, alguns autores consideram que o ensino era praticado de forma intuitiva, excluindo Sócrates (séc. V a.C.) que praticava a maiêutica, ou seja, “partindo do conhecido para o desconhecido, do fácil para o difícil, Sócrates vai fazendo a seu discípulo uma série de perguntas que o leva a refletir, a descobrir e a formular as próprias respostas” (Haidt, 2001, p. 16). Reconhecido como “o pai da didática”,Comênio marca sua atuação na época da Reforma Protestante na Europa e acreditava ter criado um método que tornasse o ensino mais agradável, eficiente e rápido. Seu pensamento educacional partia de alguns valores como o autoconhecimento, o saber com valor instrumental, a escola tornar-se mais atrativa, dentre outros. Comênio acreditava em uma educação que aperfeiçoasse o ser humano para conduzi-lo a Deus, dado seus ideais ético-religiosos. Desta forma, propunha uma aprendizagem com material didático rico e variado (livros escolares com ilustrações); ênfase ao exemplo, ressaltando o papel da imitação na aprendizagem infantil; prioridade à língua materna, pois todo o ensino nessa época era oferecido em latim, etc. No século XVIII teremos alguns educadores que irão promover o afastamento da pedagogia e religião, o que até então era costumeiro, dentre eles Rousseau (1712-1778), como autor de uma grande revolução didática. Como filósofo interessado nas questões pedagógicas, Rousseau traz um novo conceito de infância por considerá-la um momento singular. Contudo, como afirma Castro (1992, p.17): DIDI 7 Didática I CAPÍTULO 2 “A valorização da infância está carregada de conseqüências para a pesquisa e a ação pedagógicas, mas estas vão ainda aguardar mais de um século para concretizar-se. Enquanto COMÊNIO, ao seguir as “pegadas da natureza”, pensava em “domar” as paixões das crianças”, ROUSSEAU parte da idéia da bondade natural do homem, corrompido pela sociedade. É em sua obra “O Contrato Social” que discute a reforma da sociedade, tão necessária quanto a reforma da Educação: por essa vertente de seu pensamento é que precedeu à Revolução Francesa”. JEAN JACQUES ROUSSEAU Jean Jacques Rousseau nasceu em Genebra, na Suíça, no ano de 1712, e perdeu sua mãe ao nascer, pois esta morrera no parto. Teve uma vida incomum, aventureira e solitária. Viveu inicialmente com o pai e depois sob a tutela de um tio. Aos 16 anos iniciou sua vida nômade. Aventura-se com alguns amigos, buscando trabalho em outros locais e vai estudando, lendo muito e aprendendo. Quando vai para Paris, torna-se amigo dos Jean Jacques Rousseau filósofos iluministas e inicia carreira como compositor. Em 1745, conhece Thérèse Levasseur, com a qual tem cinco filhos e vive até o fim de seus dias. Rousseau abandona os filhos em orfanatos de Paris, alegando não ser capaz de criá-los, fato que o faz carregar um grande remorso, explorado por seus inimigos e que também marcará sua obra. De 1756 a 1762, permanece no campo e produz suas obras mais importantes e conhecidas (Do Contrato Social, Emílio e A Nova Heloísa) as quais o condenam a viver uma vida intranqüila, fugindo de perseguições. Nos últimos anos de sua vida dedica-se à botânica e a 2 de julho de 1778 vem a falecer e é enterrado na ilha de Choupos. Em 1793, durante a Revolução Francesa, seus restos mortais são levados para o Panteão de Paris, monumento dedicado aos heróis da pátria. DIDI 8 Didática I CAPÍTULO 2 É através de suas obras Do Contrato Social e Emílio que Rousseau deixa sua contribuição para o pensamento educativo. Rousseau afirma que tudo que não temos ao nascer nos é dado pela educação e a define como um processo natural. Aprende-se através dos sentidos, das emoções, dos instintos. Rousseau é contrário ao intelectualismo que leva ao ensino formal e livresco e propõe a aprendizagem pela própria experiência, dizia ele: “que a criança corra, se divirta, caia cem vezes por dia, tanto melhor, aprenderá mais cedo a se levantar”. Ressalta o papel da mãe como importante figura no processo educativo. Encara a infância como importante para o início da educação. Em sua obra Do Contrato Social, Rousseau apresenta a legitimidade do poder político e discute a formação do homem enquanto cidadão. Podemos associar a essa obra a frase do próprio Rousseau: “Todo homem nasce livre”. Em Emílio, obra considerada um ensaio pedagógico, mas também um romance, Rousseau apresenta a educação do jovem Emílio do nascimento até os 25 anos, tratando da formação do homem enquanto indivíduo. Podemos associar a essa obra a frase: “Todo homem nasce bom”. Aliás, Rousseau se opõe à igreja fazendo tal afirmação, pois para os religiosos, o homem nasce com o pecado original. Como já dissemos, isso lhe ocasionou várias perseguições. Na Coleção “Os Pensadores”, destacam-se os temas dominantes em suas obras: 1. relações entre natureza e sociedade; 2. moral fundada na liberdade; 3. primazia do sentimento sobre a razão; 4. teoria da bondade natural do homem; 5. doutrina do contrato social. (Os Pensadores – Rousseau – vol. 1, p.12) Enfim, através de seus escritos, Rousseau propunha mudanças, tanto no contexto social como também no contexto educativo. Aí talvez esteja a sua grande contribuição. DIDI 9 Didática I CAPÍTULO 2 REFERÊNCIAS CASTRO, Amélia Domingues de. A trajetória histórica da didática. Idéias, São Paulo: FDE, (11), 1992. FORTES, Luiz Roberto Salinas. Rousseau: o bom selvagem. São Paulo: FTD, 1989. HAIDT, Regina Célia Cazaux. Curso de didática geral. 7. ed. São Paulo: Ática, 2001. (Série Educação). ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social / Ensaio sobre a origem das línguas. Os Pensadores. Trad. de Lourdes Santos Machado. São Paulo: Nova Cultural, 1997. vol.1. ANOTAÇÕES DIDI 10 Didática I CAMINHOS APÓS O SÉCULO XVIII CAPÍTULO 3 “Quem não se arrisca a abrir novas portas terá sempre a mesma porta pela frente.” (Autor desconhecido) No século XIX, podemos ressaltar John Frederick Herbart (1776-1841), que busca criar uma pedagogia científica, com um “corpo” de conhecimentos próprios. Herbart concebia a educação como instrução e considerava que “a partir das influências externas, das representações formadas e de suas combinações” (HAIDT, 2001, p. 20), o ser humano vai se desenvolvendo. “Portanto, a característica fundamental do ser humano é o seu poder de assimilação. A teoria educacional de Herbart gravita assim em torno da noção de função assimiladora, que ele denominou de apercepção. A apercepção é a assimilação Johann Friedrich Herbart de novas idéias através da experiência e sua relação com as idéias ou conceitos já anteriormente formados” (Ibid) . Nesse sentido, a formação moral e o desenvolvimento intelectual são fundamentais para a educação. Levando em consideração as concepções acima expostas, Ghiraldelli (1996, p.28) expõe sobre a didática de Herbart, proposta em cinco passos: “(...) preparação, apresentação, associação, generalização e aplicação. A aula começa, então, com o professor recordando o assunto da aula anterior (preparação). O assunto antes exposto deve encaminhar para a necessidade de novos estudos, o que convoca a nova lição (apresentação). Baseandose em analogia, o professor recorre aos procedimentos utilizados na resolução dos problemas da lição anterior para solucionar os novos problemas (associação). Em seguida, mostra como as regras recém aprendidas podem servir para diversos casos (generalização). Por fim, coloca os alunos no trabalho de resolução de problemas semelhantes ao da aula dada (aplicação), inclusive com o objetivo de verificar o conhecimento aprendido.” DIDI 11 Didática I CAPÍTULO 3 A didática proposta por Herbart está associada ao ensino tradicional. Parte do domínio e conhecimento do professor que transmite o saber e leva-se em consideração mais o produto do que o processo de aquisição desse conhecimento. Segundo nossa trajetória histórica, parafraseando Castro (1992), o séc. XIX apresentará dois modos de interpretar a didática: ora com ênfase no sujeito, buscando a aprendizagem através do interesse, da curiosidade; ora com ênfase no método, como um caminho traçado pela descoberta do ser humano. Teremos no final do século XIX e início do séc. XX o movimento da Escola Nova, que trouxe novos rumos para a educação e que discutiremos logo a seguir. O que vale a pena ressaltar é que nessa trajetória a didática contou com a contribuição de várias áreas do conhecimento como a filosofia, a sociologia, a psicologia e outras, mas a responsável por refletir sobre o processo ensino-aprendizagem é a didática. Do século XVII aos dias de hoje podemos perceber a evolução da didática e em alguns momentos, marcos significativos para uma mudança de paradigma. Como afirma Castro (1992, p.24): “O panorama do final do séc. XX não é simples. A Didática está impregnada de todas as inquietações da época (...). A associação entre uma tendência psicológica que acentua a relevância da compreensão da inteligência humana e sua construção e outra que se apóia na visão sociológica das relações escola-sociedade, parece dominar o conteúdo da disciplina.” E diante dessas inquietações, vale considerar que o foco da didática – o ensino – passou a “olhar” com maior interesse para a aprendizagem, ou seja, busca-se o entendimento no “como se aprende” para se propor “como ensinar”. Partindo dessa ótica, muitas questões se colocarão para a didática de nossos dias, como por exemplo, pensar sobre a estrutura escolar, as relações de poder que se estabelecem e, dentre outras, o papel de cada um dos atores envolvidos no processo educativo. DIDI 12 Didática I FREINET E DEWEY: REPRESENTANTES DA ESCOLA NOVA Pestalozzi CAPÍTULO 3 Podemos perceber na história da pedagogia alguma ressonância das idéias apresentadas por Rousseau (1712-1778). Poderíamos citar Pestalozzi (1746-1827), Ovide Decroly (1871-1932), Froebel (1782-1852), Maria Montessori (1870-1952), dentre outros. Percebe-se também um certo adormecimento de suas idéias até o advento do movimento da Escola Nova, cujos educadores trataremos na seqüência. Castro (1992, p.19) considera que: “Não é coincidência que a era do liberalismo e do capitalismo, da industrialização e urbanização tenha exigido novos rumos à Educação. Na burguesia dominante e enriquecida, a Escola Nova vai encontrar ressonância com seus ideais de liberdade e atividade. (...) O movimento doutrinário, ideológico, caracteriza-se por sua denominação mais comum: Escola Nova, também Renovada, Ativa ou Progressista, conforme as vertentes de sua atuação. Contrapõe-se, pois, a concepções consideradas antigas, tradicionais, voltadas para o passado. Apresenta-se com tonalidade crítica, contestadora, revolucionária e seus escritos têm, muitas vezes, um tom panfletário, proselitista, talvez utópico. É caso de distinguir-se o significado de novo e de recente, pois o movimento declara, como precursores, todos aqueles que mesmo em outras eras atendem às condições da infância e poderiam entrar na fórmula consagrada de atender às crianças conforme seus interesses, por meio de suas atividades e de um ambiente de liberdade. Nova seria, sobretudo, a amplidão do movimento e sua roupagem moderna”. (Grifo Nosso) Vale ressaltar dois aspectos considerados por Castro em relação a Escola Nova: 1. O sentido de NOVO, representado por idéias que fugissem do ensino DIDI 13 Didática I CAPÍTULO 3 enciclopédico, formal, independente do TEMPO em que essas idéias surgissem. 2. O sentido desse movimento, apresentado como uma tendência que valorizava a ação, a realização do estudante. Mas vamos então tecer algumas considerações em relação a dois representantes desse movimento: Freinet e Dewey. É consensual entre muitos educadores de que Célestin Freinet Célestin Freinet (1896 - 1966) é um dos grandes nomes da educação do século XX. Nasceu na França e atuou como professor em comunidades simples, populares, não negando sua origem. Diferentemente de vários educadores de sua época e até seus contemporâneos (Maria Montessori e Dewey, por exemplo), não possuía grandes títulos universitários, mas isso não o impediu de propor e realizar inovações no plano pedagógico apesar da vida conturbada, cheia de “interrupções” em função da participação na Primeira e Segunda Guerras Mundiais. Para Freinet, o que orienta a prática educativa é a atividade (do aprendiz) e, nesse sentido, propunha a Pedagogia do Trabalho. As técnicas propostas por Freinet vão atender à idéia de ativismo – crianças agindo diretamente sobre o meio e funcionalidade do trabalho – as atividades escolares precisam ter sentido, utilidade e função. Para a aplicação das técnicas, Freinet considerava também o princípio da livre expressão entre as crianças e a cooperação, esta última considerada como grande legado desse educador para a pedagogia do século XX, gerando em 1927 a criação da Cooperativa de Ensino Leigo (CEL); do Instituto Cooperativo de Escola Moderna (ICEM), em 1951, e da Federação Internacional de Movimentos da Escola. (FIMEM) em 1957. Voltando às técnicas de Freinet, vale ressaltar que o objetivo não é a utilização ortodoxa, mas a observação e reflexão do professor para as necessidades de sua sala e das realidades vivenciadas nesse espaço. Algumas técnicas propostas por Freinet: Texto livre - elaborado pela criança, partindo de suas próprias idéias, sem DIDI 14 Didática I CAPÍTULO 3 tema e prazo pré-fixados. Revista escolar - os textos livres e outros trabalhos elaborados pelas crianças podem ser utilizados na revista. Toda organização do trabalho é realizado pelas próprias crianças. Aula-passeio - o objetivo desta prática era estimular o contato com o meio e posteriormente a escrita do texto livre. Correspondência interescolar - nessa prática, professores e alunos trocam correspondências com outras classes, possibilitando a aprendizagem da vida cooperativa e favorecendo a criação de vínculos. Jornal-mural - como cita Sampaio (1994, p.206): “nas classes Freinet, as paredes são vivas. (...) cada espaço é ocupado por alguma coisa considerada importante pelos alunos e pelo professor e permanecerá lá durante o tempo que for considerado necessário”. Livro da vida – trata dos escritos, desenhos, fatos, dos acontecimentos significativos para a turma. A proposta é a elaboração diária dos registros, ilustrações etc. que acaba tornando-se um documento das “ações” da classe. Além dessas técnicas temos: za imprensa na escola; zo jornal escolar; zo fichário escolar cooperativo; zo estudo do meio; za biblioteca; zo fichário autocorretivo; zos planos de trabalho; zos cantos de atividades; Todas as técnicas visam o contato da criança com o conhecimento de forma a encontrar sentido no que se propõe e no que se faz, o DIDI 15 Didática I CAPÍTULO 3 desenvolvimento do senso cooperativo e a alegria de estar na escola. Freinet, em determinado momento de sua vida, afirmou que “já não estamos sós”. Após Freinet, como educadores podemos dizer: “Já não estamos sós”. Dewey (1859-1952), como outros educadores já citados, faz parte da Pedagogia Renovada, também conhecida como Escola Nova. Americano nascido em Burlington, viveu em um período em que pôde acompanhar várias mudanças no contexto mundial. Em função disso, vislumbrava a realidade e os valores como mutáveis e que deveriam estar a serviço das finalidades sociais. Dewey estudou arte e filosofia e como alguns intelectuais de sua época era adepto do pragmatismo. Para essa corrente, a teoria só faz sentido se contribuir John Dewey para a solução de problemas reais do dia-a-dia. Como afirma Haidt (2001, p.21), “o conhecimento e o ensino devem estar intimamente relacionados à ação, à vida prática, à experiência. O saber tem caráter instrumental: é um meio para ajudar o homem na sua existência, na sua prática”. Portanto, mais do que reproduzir conhecimento, o papel da escola, para Dewey, consiste em colocar o estudante em contato com situações-problema reais para que este busque as soluções, mas sempre de forma coletiva e cooperativa, pois Dewey acreditava que esses elementos são essenciais para solidificar a vida social e, portanto, a prática escolar. Os pensamentos deweyanos repercutiram significativamente no campo da didática com a proposta da escola-laboratório criada por Dewey e que propunha o processo e aprendizagem através de cinco passos assim descritos por Ghiraldelli (1996, p.29): “(...) atividade, problema, coleta de dados, hipótese e experimentação. O processo se inicia com o professor propondo trabalhos de diversas ordens (atividade). As curiosidades diversas e questões oriundas desses trabalhos são recolhidas pelo professor, que as coloca na forma de problemas teóricos (problema). Para resolver tais problemas, estudantes e professor devem recorrer à pesquisa (coleta de dados), procurando informações nas DIDI 16 Didática I CAPÍTULO 3 bibliotecas e outros meios disponíveis. Assim, estudantes e professor podem conjecturar soluções para o problema (hipótese). Por fim, se for o caso, cabe experimentar as hipóteses selecionadas (experimentação)”. A proposta de Dewey é hoje reconhecida como reflexiva, que busca o “aprender a aprender”. No Brasil, suas idéias foram defendidas por Anísio Teixeira no Movimento da Escola Nova. REFERÊNCIAS CASTRO, Amélia Domingues de. A trajetória histórica da didática. Idéias, São Paulo, v. 11, p.15-25, 1992. GHIRALDELLI Júnior, Paulo. O que é pedagogia. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Brasiliense,1996. (Coleção Primeiros Passos; 193). HAIDT, Regina Célia Cazaux. Curso de didática geral. 7. ed. São Paulo: Ática, 2001. (Série Educação). SAMPAIO, Rosa Maria Whitaker. Freinet: evolução histórica e atualidades. 2. ed. São Paulo: Scipione, 1994. (Série Pensamento e ação no magistério) ANOTAÇÕES DIDI 17 Didática I CAPÍTULO 3 DIDI 18 ANOTAÇÕES Didática I O PENSAMENTO CONSTRUTIVO DE JEAN PIAGET E O NOVO OLHAR PARA A ALFABETIZAÇÃO DE EMÍLIA FERREIRO CAPÍTULO 4 “... precisamos de alunos ativos, que aprendam a descobrir por si mesmos, em parte através de sua própria atividade espontânea, em parte através do material que organizamos para eles.” (Jean Piaget) Podemos dizer que, depois de Piaget (1896-1980), ou mesmo, durante o período em que produziu conhecimento, o mundo da educação jamais foi o mesmo. Jean Piaget nasceu na Suíça, em Neuchâtel, a 9 de agosto de 1986, no seio de uma família rica e culta. Considerado sempre uma criança precoce, começa a interessar-se por “ciência” aos 7 anos de idade. Jean Piaget Dos 7 aos 10 anos inclina-se para o estudo de moluscos pela sua abundância nos lagos suíços e também para o estudo de pássaros, conchas marinhas e mecânica. Aos 10 anos, realiza sua primeira publicação sobre um pardal parcialmente albino que observara em um parque público. Aos 11 anos, Piaget trabalha como assistente do diretor do Museu de História Natural de sua cidade, já havia publicado 25 trabalhos, influenciado por seu mestre do qual era assistente no museu. Licenciou-se em 1915 (19 anos) e concluiu seu doutorado em 1918 (22 anos) com uma tese que versava sobre moluscos de Valais. Sua produção chega a 70 livros e 300 artigos sobre psicologia, pedagogia e filosofia. Após finalizar seus estudos, Piaget passou a investigar como a inteligência humana se desenvolve e pensou que se estudasse com profundidade como “as crianças constroem as noções fundamentais de conhecimento lógico – tais como as de tempo, espaço, objeto, causalidade etc. – poderia compreender a gênese e a evolução do conhecimento humano” (Davis e Oliveira, DIDI 19 Didática I CAPÍTULO 4 1994, p.37). Piaget pesquisou utilizando observação direta, sistemática e cuidadosa de crianças, incluindo seus próprios filhos, Jacqueline, Laurent e Lucienne e, chegou a uma teoria que revolucionou a compreensão do desenvolvimento intelectual. Vale ressaltar que, a princípio, o que chamou a atenção de Piaget foram os erros cometidos pelas crianças. Azenha (1999, p.9) observa que “o que o fascinava era a compreensão da lógica subjacente ao erro e à interpretação do percurso intelectual da criança em relação ao seu desenvolvimento cognitivo global”. Através de seus estudos, Piaget busca explicar – como já afirmamos– o desenvolvimento mental do ser humano e percebeu que: “a criança possui lógica e funcionamento mental que difere – qualitativamente – da lógica do funcionamento mental do adulto. Propôs-se conseqüentemente a investigar como, através de quais mecanismos, a lógica infantil se transforma em lógica adulta. Nessa investigação, Piaget partiu de uma concepção de desenvolvimento envolvendo um processo contínuo de trocas entre o organismo vivo e o meio ambiente” (Davis e Oliveira , 1994, p.37). COMPREENDENDO COMO A INTELIGÊNCIA SE DESENVOLVE Algumas noções como equilíbrio, organização, adaptação, dentre outros, são imprescindíveis para a compreensão da teoria piagetiana. Piaget considerava que todo ser vivo busca manter um estado de equilíbrio ou adaptação com o meio em que vive. Se porventura há o rompimento com esse estado, o organismo age e tenta obter um novo estado de equilíbrio. Para o pesquisador, o encontro desse novo DIDI 20 Didática I CAPÍTULO 4 estado se dá através de dois mecanismos fundamentais: adaptação e organização. A adaptação apresenta outros dois mecanismos que estão continuamente interligados, embora se coloquem como processos opostos: a assimilação e a acomodação. Na ASSIMILAÇÃO, o indivíduo usa as estruturas psíquicas que já possui. Se elas não são suficientes, é preciso construir novas estruturas. Isso é a ACOMODAÇÃO. Piaget diz que: “na assimilação e na acomodação se pode reconhecer a correspondência prática daquilo que serão mais tarde a dedução e a experiência: a atividade da mente e a pressão da realidade”. Já a ORGANIZAÇÃO articula esses processos com as estruturas existentes e reorganiza todo o conjunto. Assim, o indivíduo constrói e reconstrói continuamente as estruturas que o tornam cada vez mais apto ao equilíbrio.” (Lopes, 1996, p.12) Essas construções e reconstruções que acontecerão em um processo contínuo serão caracterizadas por períodos ou estágios de desenvolvimento. DIDI 21 Didática I CAPÍTULO 4 Vejamos esses quatro estágios no quadro resumo a seguir: FONTE: Adaptado de B. Eadsworth, Piaget’s Theory of Cognitive Development (Nova york: David McKay, 1971) DIDI 22 Didática I CAPÍTULO 4 Piaget foi um grande defensor da Escola Ativa e dizia que “o mundo deve ser reinventado pela criança”. Não era favorável ao empirismo e nem ao inatismo para a concepção de um modelo explicativo para o desenvolvimento cognitivo, mas, sim o CONSTRUTIVISMO como proposta para o estudo e desenvolvimento da gênese do conhecimento. No Brasil, passamos a ter contato com as obras de Piaget a partir de 1936, mas foi na década de 80 que suas idéias passaram a ser alvo de estudo e discussão. Também no início da década de 80 morre em Genebra esse grande estudioso, no dia 16 de setembro. EMÍLIA FERREIRO Talvez possamos ousar em afirmar que não há professor alfabetizador brasileiro, na atualidade, que não tenha ouvido falar de Emília Ferreiro. Seu nome e pensamento começaram a ser “ouvidos” e divulgados no Brasil a partir da década de 80, quando os educadores tiveram acesso a seu primeiro livro escrito em parceria com Ana Teberosky, traduzido em nosso país: Psicogênese da língua escrita. A obra trazia uma mudança de paradigma, pois concebia a alfabetização de modo singular, como até então não se enxergara. Emília Ferreiro, psicolingüista argentina, foi aluna e colaboradora de Piaget em suas pesquisas. Estudou na Universidade de Genebra e concluiu seu doutorado orientado pelo mestre aqui citado. Inicialmente, trabalhou em parceria com Ana Teberosky em seu país de origem, realizando pesquisas empíricas. Como considera Azenha (1999, p.35): Emília Ferreiro “(...) do ponto de vista teórico, as pesquisas de Ferreiro & Teberosky trazem uma contribuição original. Tomam como objeto de estudo um conteúdo ao qual Piaget não se dedicava – resgatam os pressupostos epistemológicos DIDI 23 Didática I CAPÍTULO 4 centrais de sua teoria, para aplicá-los à análise do aprendizado da língua escrita. Na contramão de outros estudos teóricos, o objetivo de suas investigações não é a prescrição de novos métodos para o ensino da leitura e da escrita. (...) Ao contrário desta tendência, as investigações de Ferreiro articulam-se para demonstrar a existência de mecanismos do sujeito do conhecimento (sujeito epistêmico), que, na interação com a linguagem escrita (objeto de conhecimento), explicam a emergência de formas idiossincráticas de compreender o objeto.” Ou seja, Ferreiro queria demonstrar que a lógica da criança para se apropriar da língua escrita enquanto sistema de representação não é a mesma lógica do adulto. A criança transita por fases e essas demonstrarão os esquemas de assimilação e acomodação já demonstrados por Piaget. De modo sintético, podemos apresentar quatro fases principais, mas existem as fases intermediárias que também são significativas para o desenvolvimento e evolução da criança. São elas: Pré-silábica: não faz a associação das letras (registro escrito) aos sons da fala; Silábica: inicia-se, pela criança, a tentativa de relacionar os sons da linguagem com o registro escrito. De acordo com Azenha (1999, p.72), “o fato crucial que evidencia a sua utilização pela criança é atribuição de um valor silábico a cada marca produzida como parte de uma totalidade registrada”; Silábico-alfabética: é um momento de transição em que a criança utiliza a fase anterior mas tenta aproximar-se da escrita alfabética, acrescentando letras; Alfabética: nessa fase a criança já superou os obstáculos conceituais para o entendimento da escrita e escreve utilizando as letras adequadas a seus valores sonoros. Emília Ferreiro mora atualmente no México e trabalha como professora titular do Centro de Investigação e Estudos Avançados do Instituto Politécnico Nacional. Já esteve várias vezes no Brasil para falar aos educadores brasileiros. O que podemos ressaltar é que, em todo trabalho realizado por Ferreiro, DIDI 24 Didática I CAPÍTULO 4 percebe-se um forte comprometimento com o contexto social e educacional da América Latina. Suas pesquisas vieram mostrar que todas as crianças são capazes de aprender e que necessitamos acabar com a retenção e buscar compreender como nossas crianças aprendem. O foco precisa estar na aprendizagem. REFERÊNCIAS AZENHA, Maria da Graça. Construtivismo: de Piaget a Emília Ferreiro. 7. ed. São Paulo: Ática, 1999. (Série Princípios) DAVIS, Claudia e OLIVEIRA, Zilma de. Psicologia na educação. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1994. LOPES, Josiane. Piaget: a lógica própria da criança como base do ensino. Nova Escola, São Paulo, p.9-15, agosto, 1996. ANOTAÇÕES DIDI 25 Didática I CAPÍTULO 4 DIDI 26 ANOTAÇÕES Didática I VYGOTSKY, PAULO FREIRE E A CONSIDERAÇÃO DO CONTEXTO SÓCIOHISTÓRICO NO PROCESSO DE APRENDIZADO CAPÍTULO 5 “Na ausência do outro, o homem não se constrói homem.” (Lev S. Vygotsky) Escrever sobre Vygotsky (1896-1934) é recuperar a trajetória de um estudioso brilhante que, embora tenha vivido pouco (morre de tuberculose aos 37 anos), deixou uma vasta obra que só tornou-se acessível ao mundo ocidental, aproximadamente na década de 60 e no Brasil, em final da década de 70 através de pesquisadores que estudaram no exterior. Até em seu próprio país, Rússia, suas obras ficam proibidas no período de 1936 a 1956 por questões políticas. Piaget lamentou que os dois não tivessem Lev S. Vygotsky se encontrado para dialogar sobre seus estudos e convicções. No início do século XX, período em que Vygotsky com mais alguns jovens intelectuais (Luria e Leontiev) começam a trabalhar, buscando construir um novo conceito de Psicologia, os dois tipos de abordagens psicológicas existentes eram: 1. Psicologia como ciência natural – “procurava explicar processos elementares sensoriais e reflexos, tomando o homem basicamente como corpo. Essa tendência relaciona-se com a psicologia experimental, (...)” preocupando-se com a quantificação de fenômenos observáveis”. (Oliveira, 1995, p.22) 2. Psicologia como ciência mental – “descrevia as propriedades dos processos psicológicos superiores, tomando o homem como mente, consciência, espírito”. (Oliveira, 1995, p.22-23) Essas duas abordagens, para Vygotsky, com seus postulados, não eram suficientes para compreender os processos psicológicos superiores (percepção, atenção, memória, capacidade para solucionar problemas). DIDI 27 Didática I CAPÍTULO 5 Dessa forma, busca-se uma nova abordagem para a psicologia, apoiada em três idéias básicas para o pensamento vygotskyano, de acordo com Oliveira (1995, p. 23-24). As funções psicológicas têm um suporte biológico pois são produtos da atividade cerebral (o cérebro não é um sistema de funções fixas e imutáveis, mas um sistema aberto, de grande plasticidade, cuja estrutura e modos de funcionamento são moldados ao longo da história da espécie e do desenvolvimento individual. Dadas as imensas possibilidades de realização humana, essa plasticidade é essencial: o cérebro pode servir a novas funções, criadas na história do homem, sem que sejam necessárias transformações no órgão físico). O funcionamento psicológico fundamenta-se nas relações sociais entre o indivíduo e o mundo exterior, as quais desenvolvem-se num processo histórico (o homem transforma-se de biológico em sócio-histórico, num processo em que a cultura é parte essencial da constituição da natureza humana. Não podemos pensar o desenvolvimento psicológico como um processo abstrato, descontextualizado, universal: o funcionamento psicológico, particularmente no que se refere às funções psicológicas superiores, tipicamente humanas, está baseado fortemente nos modos culturalmente construídos de ordenar o real). A relação homem/mundo é uma relação mediada por sistemas simbólicos (a relação do homem com o mundo não é uma relação direta, mas uma relação mediada, sendo os sistemas simbólicos os elementos intermediários entre o sujeito e o mundo). Mas como essas considerações podem contribuir na educação? Segundo o estudioso, é no convívio com outros seres humanos e no contato com a cultura que desenvolvemos as funções psicológicas superiores, que se constituem como características essencialmente humanas. O desenvolvimento ou evolução do ser humano vai acontecendo pela organização das informações recebidas do meio em que vive, e, como considera Claudia Davis (apud Lopes, 1996, p.34), “as informações nunca são absorvidas diretamente do meio. São sempre intermediadas, explícita ou implicitamente, pelas pessoas que rodeiam a criança, carregando significados sociais e históricos”. DIDI 28 Didática I CAPÍTULO 5 Confirmando as considerações de Davis, Oliveira diz que “todas as funções no desenvolvimento da criança apareceram duas vezes: primeiro, no nível social, e , depois, no nível individual; primeiro entre as pessoas (interpsicológica), e, depois, no interior da criança (intrapsicológica)” (1995, p.38-39). Para explicar a evolução intelectual, Vygotsky utiliza-se de três conceitos desenvolvidos por ele, de acordo com o que segue no quadro explicativo: Essas idéias desenvolvidas por Vygotsky e muitas outras acabaram por influenciar o entendimento do processo educativo, do papel do professor, como o aluno aprende, etc. As idéias de Vygotsky, com certeza, na atualidade, fazem parte do ideário pedagógico e muitos estudiosos brasileiros têm se dedicado a estudar e escrever sobre esse brilhante pesquisador. DIDI 29 Didática I CAPÍTULO 5 PAULO FREIRE Com certeza, Paulo Régulos Neves Freire - o nosso Paulo Freire - é o mais conhecido e renomado educador brasileiro. Nascido em 1921 e falecido em 1997, viveu momentos de calmaria e também de conflitos em relação a situação política no Brasil, a ponto de viver exilado de 1964 (Golpe Militar) até1980 quando volta para nosso país. Paulo Freire ficou conhecido por suas idéias em defesa do “oprimido”, do excluído e por sua proposta de alfabetização colocada em prática no início da década de 60. Paulo Freire Em seu último livro - Pedagogia da autonomia – finalizado entre 1996-1997, o autor admite que “mudar é difícil, mas é possível” e de certa forma, retoma suas certezas e incertezas quanto ao caminho que a educação deve trilhar. Falemos um pouco sobre essa obra. Como o título bem coloca, o livro busca refletir sobre a formação docente e os saberes necessários a uma prática educativa transformadora, progressista, em favor da autonomia de educandos e educandas, educadores e educadoras. E para atingir essa educação transformadora, Paulo Freire propõe uma pedagogia fundada na ética e no respeito à dignidade destes educandos. E como seria essa pedagogia? O que ela prioriza? Prioriza o ser humano e seu crescimento histórico, social e político; a construção da cidadania através do diálogo crítico; enfatiza a urgência de professoras e professores “progressistas” em assumirem a dignidade da profissão e lutarem por seus direitos, repensando a eficácia das greves e reinventando “a forma (...) histórica de lutar” (p.76), o que significa, na prática, atuação no sindicato, clareza política e a não aceitação pela condição de “objetos”, mas sim “sujeitos”, protagonistas de suas vidas. Ressalta também a importância da coerência entre o discurso e a ação, entre o saber-ser e o saber-fazer pedagógicos. É a rejeição do velho ditado: “faça o que eu mando, mas não faça o que eu faço”. Enquanto educadores/educadoras não apenas se importarem em ensinar os conteúdos, mas também ensinarem a “pensar certo” e “quem pensa certo está DIDI 30 Didática I CAPÍTULO 5 cansado de saber que as palavras a que falta a corporeidade do exemplo pouco ou quase nada valem. Pensar certo é fazer certo” (p.38). Enfim, pensar certo tem a ver com a atitude de disponibilidade ao risco; aceitação do novo e também do velho que preserva sua validade, sua tradição; rejeição a qualquer forma de discriminação; disposição a favor da justiça, da liberdade, do direito de expressão e de respeito mútuo entre educadores e educandos. Além disso, essa pedagogia salienta e reforça o investimento nos processos de formação científica e permanente, momento propício e fundamental para reflexão sobre a prática, para a superação constante da curiosidade ingênua (senso comum) em direção à “curiosidade epistemológica” através da pesquisa, pois, para Paulo Freire, não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Tudo isso, sem esquecer-se da afetividade, do bem querer aos educandos que torna o ato de educar alegre, significando “disponibilidade à alegria de viver” (p.160), lembrando também do cumprimento ético da prática docente, do exercício da autoridade (e não do autoritarismo), importantes para a composição do espaço pedagógico. Trata-se, sem dúvida, de um livro relevante para o ideário pedagógico, principalmente para os educadores e educadoras que vislumbram nas idéias progressistas a pedagogia das possibilidades, o caminho para uma ação docente que considere a dimensão social, política e histórica da formação humana e contrária a qualquer prática de desumanização e exclusão. REFERÊNCIAS FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 17.ed. São Paulo: Paz e Terra, 2001. 165p. (Coleção leitura). LOPES, Josiane. Vygotsky: o teórico social da inteligência. Nova escola, São Paulo, nº 99, p.33-38, dez. 1996. DIDI 31 Didática I CAPÍTULO 5 OLIVEIRA, Marta Kohl de. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento – um processo sócio-histórico. 3. ed. São Paulo: Scipione, 1995. (Coleção Mestres da Educação). VYGOTSKY, Lev Semyonovich. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Tradução José Cipolha Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994. ANOTAÇÕES DIDI 32 Didática I PHILIPPE PERRENOUD: PENSANDO A EDUCAÇÃO NA ATUALIDADE CAPÍTULO 6 “O aluno acumula saberes, passa nos exames, mas não consegue usar o que aprendeu em situações reais” (P. Perrenoud) Philippe Perrenoud nasceu na Suíça em 1944. Doutor em Sociologia e Antropologia, leciona nas Faculdades de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Genebra nas áreas de Currículo, Práticas Pedagógicas e Instituições de Formação, além de participar de Congressos e Seminários de Educação, conversando com educadores pelo mundo todo. No Brasil, Perrenoud tornou-se um nome respeitado por trazer à tona, em seus livros, reflexões sobre “profissionalização de professores”, avaliação escolar, educação por competências, chegando até a influenciar com suas idéias na elaboração de documentos oficiais como a construção dos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) e na organização do sistema escolar por ciclos, como o caso da Progressão Continuada. Várias obras do autor já foram traduzidas para o português. Dentre elas: z Pedagogia Diferenciada z Construir as competências desde a escola z Dez novas competências para ensinar z Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens zEnsinar: agir na urgência, decidir na incerteza. Saberes e competências em uma profissão complexa zOs ciclos de aprendizagem: um caminho para combater o fracasso escolar Algumas idéias de Perrenoud: Saber Perrenoud considera que, na atualidade, buscar o “saber pelo saber” DIDI 33 Didática I CAPÍTULO 6 distancia o aluno da realidade vivente. Por isso, o interessante seria desenvolver saberes como “ferramentas para compreender o mundo e agir sobre ele”. Nesse sentido, o autor propõe a base do conhecimento no desenvolvimento de COMPETÊNCIAS. Competência Para Perrenoud, “... é a faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos (saberes, capacidades, informações, etc.) para solucionar uma série de situações”, e exemplifica: “localizar-se numa cidade desconhecida mobiliza as capacidades de ler um mapa, pedir informações”. Muitas outras idéias são desenvolvidas por Perrenoud, mas poderíamos dizer que, em relação à formação e profissionalização de professores, deixa-nos a mensagem de que ser educador é compreender a necessidade de investimento, organização, planejamento, conhecimento do seu “ofício” e que tudo isso nunca está acabado. É um processo contínuo de busca e formação. Como diz o próprio autor, “sempre que o aluno não aprende em sala de aula temos matéria para refletir”. E POR FIM Através desses capítulos iniciais, falamos sobre o significado da didática enquanto área que contribui para a reflexão sobre o processo ensino-aprendizagem, buscando, para tal, o apoio de teorias de ensino, de propostas pedagógicas que trazem a possibilidade de pensar sobre a escola, sua função, seu sentido. Para isso, recuperamos de forma breve alguns percursos da didática e selecionamos alguns nomes que auxiliaram e ainda nos auxiliam a compreender e a fazer educação. Alguns de nossos selecionados, não desmerecendo a obra e o trabalho de outros aqui não mencionados, tornaram-se clássicos em função da projeção universal e das idéias que DIDI 34 Didática I CAPÍTULO 6 marcaram o processo educativo em vários tempos e espaços. Sebarroja (2003, p.10) refere-se a alguns de nossos autores como: “(...) pessoas aventureiras e carismáticas, têm caráter e autoridade,convicções profundas e esperançosas no futuro da humanidade, com o qual estão fortemente comprometidas, sempre com um pé no ensino e outro na sociedade. São capazes de manter a tensão intelectual e emocional necessária para converter dificuldades em possibilidades, como diz Freire, e concretizar, com muito empenho e convicção, pequenas e grandes utopias”. Portanto, tomar contato com as propostas desses pesquisadores/ educadores é sempre motivo para aprender, para encontrar respostas, mas também levantar questionamentos. Comênio, Herbart, Rousseau, Freinet, Dewey, Piaget, Vygotsky, Paulo Freire, Emília Ferreiro, Philippe Perrenoud, todos, de certo modo, trazem marcas singulares expostas através de seus pensamentos, mas também trazem em suas respectivas épocas históricas, o desejo de MUDANÇA nas formas de aprender, de ensinar, na formação e função do educador, na maneira de conceber a escola e a educação, confirmando Jaume Carbonell ao dizer que “as novas idéias surgem sempre a partir de reelaborações de idéias anteriores”. A maioria defende a democratização do ensino, contrapõe-se aos princípios da escola tradicional; alguns propõem novos métodos, reivindicam o “fazer” do educando e sugerem um educador que seja orientador, mediador, companheiro, ético, também aprendiz e preocupado com sua própria formação. Como disse Maria Montessori, “toda proposta educativa deixa de ser válida se permanece tal e qual for apresentada nos seus primórdios”. Desse modo, que possamos, por meio do contato e conhecimento das idéias e obras desses educadores/pesquisadores, escrever o “nosso capítulo” na trajetória da didática e da educação, buscando sempre uma prática educativa de qualidade. DIDI 35 Didática I CAPÍTULO 6 REFERÊNCIAS MARAGON, Cristiane e LIMA, Eduardo. Os novos pensadores da educação. Nova Escola, São Paulo, p.19-25, agosto, 2002. SEBARROJA, Jaume Carbonell (org.) Pedagogias do século XX. Trad. Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2003. ANOTAÇÕES DIDI 36 Didática I ORGANIZANDO A PRÁTICA EDUCATIVA: A IMPORTÂNCIA DO PLANEJAMENTO CAPÍTULO 7 “Ela está no horizonte me aproximo dois passos ela afasta dois passos caminho dez passos e o horizonte corre dez passos por mais que caminhe jamais alcançarei Para que serve a utopia? Serve para isso para caminhar.” (Eduardo Galeano) Nos próximos capítulos estaremos conversando sobre como organizar a prática educativa, sem nos esquecermos das dimensões do processo ensinoaprendizagem considerados pela Didática: humana, político-social e técnica. Organizar a prática educativa significa projetar, sonhar, planejar o que se deseja, da mesma forma como planejamos e investimos em nossos “projetos pessoais”. A grande maioria dos seres humanos não vive sem fazer planos. Libâneo considera que, no processo educativo, “o planejamento é uma atividade de reflexão acerca das nossas opções e ações; se não pensarmos detidamente sobre o rumo que devemos dar ao nosso trabalho, ficaremos entregues aos rumos estabelecidos pelos interesses dominantes na sociedade” (1994, p. 222). E acrescenta: “A ação de planejar, portanto, não se reduz ao simples preenchimento de formulários para controle administrativo; é, antes, a atividade consciente de previsão das ações docentes, fundamentadas em opções políticopedagógicas, e tendo como referência permanente as situações didáticas concretas (isto é, a problemática social, econômica, política e cultural que envolve a escola, os professores, os alunos, os pais, a comunidade, que DIDI 37 Didática I CAPÍTULO 7 integram no processo de ensino)” (Ibid). A formação do ser humano para viver no século XXI não é a mesma que a requerida em tempo anteriores. No mundo contemporâneo, temos buscado superar alguns modelos educacionais, dando ênfase a uma sociedade democrática, que se fundamente no diálogo constante e na ética para firmar as relações humanas. Em relação ao conhecimento, superar a fragmentação dos saberes, buscando concebê-los de maneira interdisciplinar. Os conteúdos passam a ser desenvolvidos, visando não apenas os aspectos cognitivos (saber), mas procedimentos (saber fazer) e atitudes (saber ser), para atender a uma formação integral. Se coloca também como instrumento para o desenvolvimento de competências (como vimos no capítulo sobre Perrenoud) e habilidades. Há que se pensar também na organização do tempo, do espaço, das metodologias, dos recursos, da avaliação ... enfim, tudo visando uma formação humana voltada para as necessidades do nosso mundo. A escola que planeja suas ações e busca concretizá-las, rompe com a prática do planejamento como momento burocrático, esvaziado de sentido, Ao contrário, caminha para alcançar uma utopia possível. Por isso o planejamento é importante: para levantarmos muitos questionamentos sobre como desejamos nossa escola e como pensamos “fazer” educação. REFERÊNCIA LIBÂNEO, José Carlos. Didática. 6. ed. São Paulo: Cortez, 1994. DIDI 38 Didática I OS OBJETIVOS EDUCACIONAIS CAPÍTULO 8 “Por acaso, o papel da escola deve ser seletivo e propedêutico? Ou deve cumprir outras funções? Não há dúvida de que esta é a primeira pergunta que temos que nos colocar. Quais são nossas intenções educacionais? O que pretendemos que os alunos consigam?” (Antoni Zabala) Vimos no capítulo anterior que o planejamento se reveste de importância porque é o momento de pensar o ser humano que se deseja formar. Para isso, temos algumas etapas que auxiliarão a organizar a prática educativa. Uma dessas etapas trata da definição de objetivos. Ao buscarmos estabelecer os objetivos, estamos nos perguntando: para que e por que ensinar? Quais resultados alcançar? E ao propô-los, estamos explicitando metas, finalidades, rumos da ação docente e discente. Como diz Masetto (1996, p. 88): “O estabelecimento de objetivos orienta o professor para selecionar o conteúdo, escolher as estratégias de ensino e elaborar o processo de avaliação. Orienta também o aluno, que fica sabendo o que se espera dele nesse curso, disciplina, série ou aula”. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) os objetivos estão expressos como capacidades a serem trabalhadas ao longo do processo de escolarização. São elas: capacidades de ordem cognitiva, capacidade física, afetiva, de relação interpessoal, capacidade estética, ética e de inserção social. Se observarmos, tais capacidades visam a formação integral dos educandos, pois não se preocupa apenas com o desenvolvimento cognitivo que, de uma certa forma, foi a grande preocupação de alguns modelos educacionais em voga. Além disso, os PCNs consideram que é primordial estabelecer os objetivos como capacidades para que possam manifestar-se numa diversidade de comportamentos (desejados). Ao redigir um objetivo, seja ele mais DIDI 39 Didática I CAPÍTULO 8 amplo (geral) ou específico, o professor expõe em uma frase afirmativa o que se espera atingir com todos os alunos ou o que se espera que sejam capazes, ao finalizar um determinado estudo, projeto, curso ou ciclo. Por exemplo: zNo trabalho com alunos das séries iniciais em relação à construção do conceito de tempo: - confeccionar relógios de Sol, ampulhetas, relógios de água (clepsidra). (PCNs, vol. 5, 1997, p. 88). zNo trabalho com os alunos sobre unidades de medida: - saber aplicar adequadamente as medidas de comprimento, massa, volume etc, em várias situações sociais reais (Libâneo, 1994, p. 236). Vale ressaltar a estreita relação dos objetivos com outra etapa do processo: a avaliação, pois é através desta que o professor terá condições de refletir sobre o sucesso da aprendizagem e se os alunos conseguiram atingir as metas estabelecidas e, a partir dessa reflexão, tomar as decisões necessárias: prosseguir com a caminhada ou retomar os objetivos não alcançados. REFERÊNCIAS BRASIL – Secretaria de Educação Fundamemtal. Parâmetros Curriculares Nacionais: introdução. Brasília: MEC/SEF, 1997. MASETTO, Marcos. Didática: a aula como centro. 3. ed. São Paulo: FTD, 1996 DIDI 40 Didática I OS CONTEÚDOS DE APRENDIZAGEM CAPÍTULO 9 “Viver é muito perigoso. Porque ainda não se sabe. Porque aprender a viver é que é viver, mesmo.” (Guimarães Rosa) Neste capítulo, continuaremos a apresentar as etapas que auxiliam a organizar a prática educativa e trataremos dos conteúdos. Mas, o que vem a ser conteúdo? Para responder a essa questão, precisaremos atentar que a concepção de conteúdo foi se modificando na trajetória da educação e também na Didática. Se perguntássemos para um aluno, talvez este dissesse que conteúdo é a matéria que o professor transmite em suas aulas. Para nós, é muito mais que isso. Conteúdo tem a ver com conhecimento, com saber, mas não apenas um saber erudito, conceitual ou propedêutico, como diria Zabala. Historicamente, o sentido de conteúdo ampliou-se e, na atualidade, procuramos compreendê-lo como tudo que é possível conhecer. Zabala o define como: “(...) tudo quanto se tem que aprender para alcançar determinados objetivos que não apenas abrangem as capacidades cognitivas, como também incluem as demais capacidades. Deste modo, os conteúdos de aprendizagem não se reduzem unicamente às contribuições das disciplinas ou matérias tradicionais. Portanto, também serão conteúdos de aprendizagem todos aqueles que possibilitem o desenvolvimento das capacidades motoras, afetivas, de relação interpessoal e de inserção social.” (1998, p. 30) DIDI 41 Didática I CAPÍTULO 9 Podemos acrescentar a essa definição o pensamento de Libâneo (1994, p. 129) que observa: “(...) os conteúdos retratam a experiência social da humanidade no que se refere a conhecimentos e modos de ação, transformando-se em instrumentos pelos quais os alunos assimilam, compreendem e enfrentam as exigências teóricas e práticas da vida social (...)”. Portanto, ao tratar dos conteúdos, estamos nos preocupando com o saber (factuais/conceituais), com saber fazer (procedimentais) e com o ser (atitudinais). Ao propormos essa tipologia para os conteúdos, estamos considerando a formação escolar de modo mais integral, incorporando não apenas os conteúdos formais com os quais a escola trabalhava e valorizava anteriormente, mas também conteúdos que valorizem as experiências pessoais, sociais, éticas, estéticas, motoras, etc. de todos os educandos. Vale ressaltar que essa divisão se dá para fins didáticos a nós educadores, pois no exercício da prática educativa eles acontecem integrados, sem fragmentações. Zabala propõe que para os alunos das séries iniciais priorize-se os conteúdos procedimentais e atitudinais que valorizam o “fazer” do aluno, suas vivencias e experiências e, conforme aconteça a evolução do processo escolar, se incremente os conteúdos conceituais, pois o aluno terá um maior repertório para elaborar sua idéias e representações. Zabala também considera que: “(...) a tipologia de conteúdos pode nos servir de instrumento para definir as diferentes posições sobre o papel que deve ter o ensino. Portanto, num ensino que propõe a formação integral a presença dos diferentes tipos de conteúdos estará equilibrada; por outro lado, um ensino que defende a função propedêutica universitária priorizará os conceituais.” (1998, p. 33) DIDI 42 Didática I CAPÍTULO 9 Finalizando, é importante esclarecer que a proposta desta tipologia está em sintonia com o reconhecimento de um mundo em constate mudança e a valorização de uma educação permanente que se faz ao longo da vida e com os quatro pilares da educação (aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a viver juntos, aprender a viver com os outros e aprender a ser) sugeridos no “Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI”, organizado por Jacques Delors e colaboradores. REFERÊNCIAS DELORS, Jacques. (org). Educação: um tesouro a descobrir. 5. ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: MEC; UNESCO, 2001. (CAPÍTULO IV) LIBÂNEO, José Carlos. Didática. 6. ed. São Paulo: Cortez, 1994. ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Trad. Ernani F. da F. Rosa. Porto Alegre: Artmed, 1998. ANOTAÇÕES DIDI 43 Didática I CAPÍTULO 9 DIDI 44 ANOTAÇÕES Didática I COMPETÊNCIAS E HABILIDADES CAPÍTULO 10 “O homem só é feliz se puder desenvolver e utilizar todas suas capacidades e habilidades” (Jostein Gaarder – Inspirado em Aristóteles) “Saber e não fazer ainda não é saber” (Provérbio Zen) Temos considerado através dos capítulos que a prática educativa não é neutra e que ao fazermos algumas opções, estamos apostando em um tipo de formação que acreditamos ser a mais adequada e também escolhendo as bases teóricas que darão o alicerce para essa formação. Trabalhar desenvolvendo competências e habilidades requer uma nova visão de formação do professor e uma nova relação deste com os seus alunos, com o conhecimento, com as metodologias propostas e com a avaliação. Logo, propostas em que o professor é visto como figura central do processo ensino-aprendizagem, considerado como o detentor do saber e o conteudismo precisam ser superados, pois já não formam para as urgências do contexto atual e, conseqüentemente do aluno que aí vive. Para alguns teóricos, estamos vivendo na Era da Comunicação e o “instrumento” necessário para usufruir esse momento é o conhecimento. Mas, o que vem a ser um trabalho voltado para o desenvolvimento de competências e habilidades? Parafraseando Vasco Moretto, as competências se organizam num conjunto de conhecimentos que nos habilita a enfrentar e solucionar situaçõesproblemas vivenciadas. Já as habilidades demandam colocar em prática as competências já adquiridas. Ambas (competências e habilidades) dependem da ação do sujeito e se desenvolvem no trabalho com os conteúdos (saber, saber fazer, saber conviver e saber ser). Vejamos alguns exemplos: Ler é uma competência. DIDI 45 Didática I CAPÍTULO 10 Saber ler em voz alta é uma habilidade. “Decidir seu caminho em uma cidade desconhecida requer as capacidades de ler um mapa, localizar-se e pedir informações. E também diversos saberes, como ter noção de escala, elementos da topografia ou referências geográficas”. (Perrenoud apud Gentile e Bencini, 2000, p. 13) Como destacamos na epígrafe do capítulo 6, Perrenoud afirma que o aluno acumula conhecimentos, é aprovado nas provas e exames, mas não consegue utilizar o que aprendeu nas situações reais do dia-a-dia. Precisamos, portanto, reverter essa situação, considerando o professor como mediador, orientador do processo de construção do conhecimento pelo aluno e organizador de situações de aprendizagem. O aluno, por sua vez, seja visto como um eterno aprendiz situado em um contexto e que, ao invés de memorizar regras, fórmulas, conceitos, possa exercitar habilidades para conquistar competências. Os conteúdos não serão descartados, ao contrário, servirão de instrumento para o desenvolvimento das habilidades e competências. Como ressalta Kátia S. Smole (apud Gentile e Bencini, 2000, p. 14), “o conhecimento deve ser visto como uma rede de relações na qual o educador ajuda os jovens a fazer as conexões necessárias”. Finalizando, vale lembrar o que diz Moretto1 , “a palavra de comando é educar para as competências, através da contextualização e da interdisciplinaridade. É preciso dar significado ao que se fala em sala de aula; sem isso não há âncora para a aprendizagem”. REFERÊNCIA GENTILE, Paola e BENCINI, Roberta. Para aprender (e desenvolver) competências. Nova Escola, São Paulo, p. 12-14, set. 2000. 1 Nota 10 - Jornal Mensal sobre Educação – Ano I – nº 4 ago/99 DIDI 46 Didática I OS RECURSOS DIDÁTICOS E A IMPORTÂNCIA DA DIVERSIDADE CAPÍTULO 11 “A tarefa do professor é mostrar a fruta. Comê-la diante dos olhos dos alunos. Provocar a fome. Fazê-los babar de desejo, querendo saber. Acordar a inteligência adormecida. Aí a cabeça fica grávida: engorda com idéias. E quando a cabeça engravida, não há nada que segure o resto do corpo.” (Adaptado de um texto de Rubem Alves) Os recursos didáticos são importantes para auxiliar professores e alunos a encaminharem o processo ensino-aprendizagem. Se analisarmos os livros de didática, encontraremos várias terminologias e/ou expressões para definir tais recursos como: material didático, material pedagógico, recursos didáticos, materiais curriculares, etc. Vale, então, definir o que estamos entendendo por recursos didáticos para que possamos refletir sobre eles, sua função e uso, visando a melhoria e eficiência da aprendizagem. Estamos entendendo por recursos didáticos “tudo o que possa apoiar uma prática pedagógica com vista à aprendizagem”. (Campos e Dantas, p. 2). Zabala (1998, p. 167-168) considera que: “Os materiais curriculares ou materiais de desenvolvimento curricular são todos aqueles instrumentos que proporcionam ao educador referências e critérios para tomar decisões, tanto no planejamento como na intervenção direta no processo ensino/aprendizagem e em sua avaliação. Assim, pois, consideramos materiais curriculares aqueles meios que ajudam os professores a responder aos problemas concretos que as diferentes fases dos processos de planejamento, execução e avaliação lhes apresentam”. Poderíamos, então, dizer que os recursos didáticos se apresentam como aspectos que auxiliam na organização da dinâmica da sala de aula, procurando explicitar os fundamentos contidos em sua aplicação, ou seja, os recursos didáticos serão selecionados de acordo com as intenções do professor, com a organização dos conteúdos, com a disponibilidade e possibilidades da escola e com a proposta de DIDI 47 Didática I CAPÍTULO 11 avaliação. Desse modo, através do olhar sobre a prática educativa em vários momentos históricos, iremos perceber que inúmeros foram os recursos didáticos utilizados, de acordo com o tipo de formação que se almejava para o ser humano daquela época. Haidt (2001, p. 226) relata que : “Alguns registros históricos que descrevem as salas de aula de tempos remotos relatam que os mestres da Antiguidade e da Idade Média já dispunham de certos recursos para facilitar o ensino, como grandes tábuas que serviam de lousa, material para o ensino do cálculo aritmético, documentos cartográficos, globos, cartas, murais de astronomia e livros com iluminuras”. De lá pra cá, vimos educadores que defenderam o verbalismo, o enciclopedismo; outros, opostos a essas propostas, buscavam uma educação voltada para a experiência; outros sugeriam uma educação que explorasse os sentidos antes da razão. Cada qual, demandando diferentes recursos didáticos. Alguns criaram seus próprios recursos, como o caso de Maria Montessori , Froebel, Freinet. Na atualidade, inúmeros são os recursos didáticos e talvez possamos afirmar que se definem ”mais pelo uso que por suas características intrínsecas”. (Campos e Dantas, p. 03). Textos, livros didáticos, paradidáticos, jornais, revistas, gibis, mapas, propagandas, cartazes, bússolas, placas, rótulos, documentários, filmes, vídeos, programas de TV, relógios, músicas, sites, softwares, receitas, murais, sólidos geométricos ... tudo dependerá das intenções e da proposta de utilização. Campos e Dantas consideram que a apresentação e trabalho em sala de aula de uma diversidade de recursos é imprescindível, pois o aluno convive com esse universo fora da mesma. Se desejamos uma escola que desperte e seduza o aluno para o conhecimento, precisamos estar sensíveis a tudo que possa nos servir como recurso didático para evitar a mesmice. DIDI 48 Didática I CAPÍTULO 11 Para finalizar, a adoção dos recursos didáticos são fundamentais para um trabalho que priorize o desenvolvimento de habilidades e competências e que visualize os conteúdos como instrumentos para tal desenvolvimento. Nesse sentido, Zabala (1998, p. 168-169) alerta que: “Conforme os conteúdos e a maneira de organizá-los, podemos encontrar materiais com pretensões integradoras e globalizadoras, que tentam abarcar conteúdos de diferentes matérias, e outros com enfoques claramente disciplinares. Também encontraremos materiais específicos vinculados a conteúdos estritamente procedimentais: blocos, fichas ou programas de computador para domínio dos algoritmos das operações matemáticas, da ortografia, do desenho, da interpretação de planos e mapas, etc. Existem outros que se referem ao âmbito dos conteúdos conceituais, como a maioria dos livros didáticos, especialmente os das áreas de ciências sociais e naturais, monografias, programas audiovisuais, etc; ou para conteúdos atitudinais, por exemplo, propostas para os professores, livros para o aluno, programas multimídia para a educação para o trânsito e outros temas transversais, etc”. REFERÊNCIAS CAMPOS, Maria Tereza Arruda e DANTAS, Eva Margareth. Materiais pedagógicos e aprendizagem: a importância da diversidade. São Paulo: Programa de Melhoria e Expansão do Ensino Médio, SEE/SP, 14p. (Apostila mimeo). HAIDT, Regina Célia Cazaux. Curso de didática geral. 7 ed. São Paulo: Ática, 2001. (Série Educação). ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Trad. Ernani F. da F. Rosa. Porto Alegre: Artmed, 1998. DIDI 49 Didática I CAPÍTULO 11 DIDI 50 ANOTAÇÕES Didática I AS TÉCNICAS DE ENSINO NO PROCESSO PEDAGÓGICO CAPÍTULO 12 “Desde Bacon que afirmava que a natureza está a serviço do homem, ou desde Comênio que defendera que “outra coisa não exige a arte de ensinar do que uma engenhosa distribuição do tempo, dos objetos e do método”, as técnicas de ensino, mais do que nunca, se incorporaram à teorização educacional.” (Vários autores) Nesse capítulo pretendemos discorrer brevemente sobre o lugar das técnicas de ensino no processo de ensinar e aprender. De Comênio (citado na epígrafe) para nossos dias, muitas concepções se modificaram em relação às técnicas. Alguns educadores de tempos atrás sustentavam que para ensinar e aprender, bastava servir-se de boas técnicas. Esse tipo de abordagem chegou a ter destaque no cenário pedagógico nas décadas de 60/70 no Brasil e tornou-se conhecida como tecnicismo pedagógico. No volume I dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997, p. 41) temos uma análise sobre tal abordagem: “Nos anos 70 proliferou o que se chamou de “tecnicismo educacional”, inspirado nas teorias behavioristas da aprendizagem e da abordagem sistêmica do ensino, que definiu uma prática pedagógica altamente controlada e dirigida pelo professor, com atividades mecânicas inseridas numa proposta educacional rígida e passível de ser totalmente programada em detalhes. A supervalorização da tecnologia programada de ensino trouxe conseqüências: a escola se revestiu de uma grande auto-suficiência, reconhecida por ela e por toda a comunidade atingida, criando assim a falsa idéia de que aprender não é algo natural do ser humano, mas que depende exclusivamente de especialistas e de técnicas. O que é valorizado nessa perspectiva não é o professor, mas a tecnologia; o professor passa a ser um mero especialista na aplicação de manuais e sua criatividade fica restrita aos limites possíveis e estreitos da técnica utilizada. A função do aluno é reduzida a um indivíduo que reage aos estímulos de forma a corresponder às respostas esperadas pela escola, para ter êxito e avançar. Seus interesses DIDI 51 Didática I CAPÍTULO 12 e seu processo particular não são considerados e a atenção que recebe é para ajustar seu ritmo de aprendizagem ao programa que o professor deve implementar. Essa orientação foi dada para as escolas pelos organismos oficiais durante os anos 60, e até hoje está presente em muitos materiais didáticos com caráter estritamente técnico e instrumental”. Contudo, apesar do tecnicismo pedagógico, desejamos refletir sobre o valor das técnicas de ensino de uma outra forma e poderíamos levantar alguns questionamentos: que relações podemos estabelecer entre técnica de ensino e a prática de ensinar e aprender? As técnicas estariam atreladas aos conteúdos? Como pensar as técnicas de ensino sem cair no tecnicismo? O sentido etimológico da palavra técnica vem dos gregos expressando arte, habilidade. No dicionário Michaelis (1998, p. 2030) encontramos o verbete como “conhecimento prático; prática. Conjunto dos métodos e pormenores práticos essenciais à execução perfeita de uma arte ou profissão”. Desse modo, as técnicas estão ligadas ao fazer, à dimensão da prática. No livro “Técnicas de ensino: por que não?” – organizado por Ilma Veiga e escrito por vários autores – podemos ver na apresentação a seguinte afirmação: “(...) as técnicas de ensino não são naturais ao processo de ensinar, mas elas são condições que dão acesso ao mesmo. Portanto, nesse sentido, elas são compreensíveis como “arti-fícios”, que se interpõem na relação entre o professor e o aluno, submissas à autoridade e à intencionalidade do primeiro, Assim sendo, as técnicas de ensino não são algo mecânico que se sobrepõe à relação humana como quer certa tendência pedagógica”. (1996, p. 8) O que podemos ressaltar da afirmação é que as técnicas de ensino devem estar a serviço do ser humano; tornam-se importantes a partir do momento em que auxiliam no processo ensino-aprendizagem. Portanto, precisam estar atreladas aos propósitos educativos, ao conteúdo e não o inverso. Possuímos inúmeras técnicas que foram e ainda são utilizadas pelos professores e na concepção de alguns autores, podemos classificá-las em DIDI 52 Didática I CAPÍTULO 12 individualizantes, socializantes e também socioindividualizantes. Essa classificação se fará de acordo com a estrutura e organização da técnica e conforme um planejamento das etapas a serem desenvolvidas. É importante considerar que dificilmente encontraremos uma técnica sendo utilizada em seu “estado puro” em termos de classificação; geralmente o que acontece é a predominância de uma forma, sem excluir a outra. Poderíamos apontar como técnicas individualizantes, de acordo com levantamento de Sant’Anna e Menegolla: fichas didáticas, estudo dirigido individualizado, estudo de texto, instrução programada, estudo de caso, etc. Como técnicas socializantes, os autores apontam: explosão de idéias, dramatização, seminário, painel ou mesa-redonda, técnica de projetos, “role playing” ou desempenho de papéis, júri simulado, simpósio, discussão e debate, Phillips 66 e outras. Já em relação às técnicas socioindividualizantes, Sant’Anna e Menegolla (1997, p. 44) consideram “que ocupam uma posição mediadora como as técnicas de projetos, estudo dirigido, solução de problemas, estudo de caso, etc. as quais, dependendo dos procedimentos estabelecidos, serão principalmente individualizantes, socializantes ou um misto de ambas (...)”. Uma técnica de ensino relevante e que tem sido considerada por vários educadores é o Estudo do Meio, às vezes até elevada à condição de método. De acordo com Balzan (1969, p. 106 apud Feltran e Filho, 1996, p. 119) o estudo do meio: “é uma técnica de grande importância, pois é através dela que se leva o aluno a tomar contato com o complexo vivo, com um conjunto significativo que é o próprio meio, onde a natureza e cultura se interpenetram.” Além disso, é uma técnica que se utiliza da dimensão científica, buscando trabalhar com a pesquisa. Por essas e muitas outras razões que consideramos relevante a utilização das técnicas de ensino no processo escolar. DIDI 53 Didática I CAPÍTULO 12 REFERÊNCIAS BRASIL – Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: introdução. Brasília: MEC/SEF, 1997. FELTRAN, Regina Célia de S.; FILHO, Antonio Feltran. Estudo do meio. In: VEIGA, Ilma Passos A. (org.) Técnicas de ensino: por que não? Campinas, SP: Papirus, 1996. cap. 7, p. 115-129. SANT’ANNA, Ilza Martins; MENEGOLLA, Maximiliano. Didática: aprender a ensinar. 5. ed. São Paulo: Loyola, 1997. (Coleção Escola e Participação). ANOTAÇÕES DIDI 54 Didática I A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM CAPÍTULO 13 “... é o risco que define a função docente: será que fiz tudo para fazer dos meus alunos os homens que eu desejaria que eles fossem?” (Georges Snyders) Falar de avaliação é sempre árduo porque trata-se de um tema polêmico. Ao atentarmos para a prática da avaliação ao longo da história da educação veremos que houve momentos em que avaliação era sinônimo de castigo, punição, julgamento. A supervalorização desse momento através de provas e exames fazia (ou ainda faz) com que os alunos se sentissem incompetentes, gerando às vezes o fracasso escolar. Luckesi (2002) salienta que, sociologicamente falando, a supervalorização de provas e exames como princípio avaliativo só traz a seletividade social porque a avaliação está relacionada com a retenção. Na atualidade, muitos autores se colocam sobre tal tema e o que se tem buscado é vivenciar uma prática avaliativa que está ligada a todo o processo de aprendizagem. Sendo assim, a avaliação não é vista como um momento único, estanque, cristalizado. Podemos então dizer que a avaliação deve estar a serviço da aprendizagem e não da nota. Desse modo, alguns autores consideram três momentos significativos na prática da avaliação: avaliação inicial, reguladora e final. A avaliação inicial é o momento de conhecer qual é a situação de partida levando-se em conta os objetivos estabelecidos. O professor faz o levantamento dos conhecimentos prévios dos alunos, ou seja, busca conhecer o que os alunos sabem. A avaliação inicial é também conhecida como avaliação diagnóstica. A avaliação reguladora propõe o acompanhamento do aprendizado do aluno, fazendo os ajustes necessários no decorrer do processo. Para a realização da avaliação reguladora, é importante levar em consideração dois aspectos: DIDI 55 Didática I CAPÍTULO 13 1. Ponto de Partida: o que o aluno já sabe (Zona de desenvolvimento real); 2. Onde se quer chegar: o que desejo que meus alunos aprendam (zona de desenvolvimento potencial). Para isso, o professor precisa estabelecer critérios e ao propor atividades e avaliação, estas girarão em torno destes e das metas estabelecidas. Para se chegar onde se deseja, o professor pode utilizar vários instrumentos de avaliação como: trabalhos em grupo, debate, relatório individual, provas escritas, autoavaliação etc. não perdendo de vista a aprendizagem e a reorientação do processo caso seja necessário.A avaliação final significa chegar a determinados resultados, após um tempo de intervenção/mediação. É também denominada de avaliação somativa.Gentile e Andrade (2001, p. 21) ressaltam que: “Segundo os especialistas, não se pode perder de vista que os resultados interessam a quatro públicos: zao aluno, que tem o direito de conhecer o próprio processo de aprendizagem para se empenhar na superação das necessidades; zaos pais, também responsáveis pela educação dos filhos e por parte significativa dos estímulos que eles recebem; zao professor que precisa constantemente avaliar a própria prática; zà equipe docente, que deve garantir continuidade e coerência no percurso escolar da criança e do jovem”. Finalizando, Luckesi considera no capítulo IX de seu livro “Avaliação da aprendizagem escolar” que: “A avaliação da aprendizagem na escola tem dois objetivos: auxiliar o educando no seu desenvolvimento pessoal e responder à sociedade pela qualidade do trabalho educativo realizado. Articuladas com esses objetivos básicos estão as funções de: a) propiciar a autocompreensão do educando e do educador; b) motivar o crescimento do educando; DIDI 56 Didática I CAPÍTULO 13 c) aprofundar a aprendizagem; d) auxiliar a aprendizagem. Podemos assim dizer que o objetivo é propor uma prática avaliativa que acolha, inclua, que traga a perspectiva de uma educação de sucesso, que faça a diferença na vida do educador, do educando e na sociedade. REFERÊNCIAS GENTILLE, Paola e Andrade, Cristina. Avaliação nota 10. Nova Escola, São Paulo, p. 15-21, nov. 2001. LUCKESI, Cipriano C. Avaliação da aprendizagem escolar. São Paulo: Cortez, 2006. ANOTAÇÕES DIDI 57 Didática I CAPÍTULO 13 DIDI 58 ANOTAÇÕES Didática I CONTINUANDO NOSSOS CAMINHOS CAPÍTULO 14 “Por favor, não me ofenda perguntando se esta história aconteceu. Escrever o que se vive é coisa de pouca ou nenhuma graça. O desafio está em viver o que se escreve”. (Eduardo Galeano) Em nossa jornada pelos 13 capítulos da disciplina Didática, discorremos sobre sua definição, sobre os caminhos percorridos por essa disciplina e a contribuição de vários educadores/pesquisadores na construção do principal elemento da didática que é a reflexão sobre o processo ensino-aprendizagem. Falamos também sobre a organização da prática educativa na atualidade e os quesitos para uma formação holística e humanizadora. A dimensão técnica não foi esquecida e apresentamos as etapas a serem consideradas ao organizarmos a ação pedagógica: o estabelecimento de metas (objetivos), a seleção dos conteúdos, os aspectos metodológicos, a escolha de técnicas de ensino que possam auxiliar na aprendizagem e a avaliação como parte integrante de todo o processo de ensinar e aprender. Tratamos dessas etapas por que elas serão encontradas em todas as formas de organização da prática educativa, seja esta através de um plano de aula, de um plano de ensino ou projeto didático, ou ainda, na elaboração do projeto político-pedagógico da escola. Nossa intenção é não parar por aqui, pois a educação enquanto um projeto de vida requer uma discussão constante de temas que merecem ser abordados à luz da Didática como: a importância das novas tecnologias e sua utilização no processo educativo; os encaminhamentos didáticos através de projetos; a interdisciplinaridade; o projeto político-pedagógico e muitos outros temas que poderíamos aqui citar. Mas, além de continuarmos nossas reflexões, importante também se faz praticá-las, como sugere Galeano na epígrafe deste capítulo. Portanto, continuemos nossa jornada, tentando “viver o que se escreve”. DIDI 59