guia orientador para a leitura de obras de arte

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guia orientador para a leitura de obras de arte
GUIA ORIENTADOR PARA A LEITURA DE OBRAS
DE ARTE
ELABORAÇÃO DE UMA FICHA TÉCNICA
Para conhecermos uma obra de arte é importante obtermos uma determinada
informação, que consiste na sua “ficha técnica”.
Os elementos desta ficha são informações objetivas sobre a obra e afixados normalmente junto
da obra, sempre que esta se encontra em exposição.
Tais informações referem-se ao:
1. Autor da obra (nome, local e data de nascimento, e data da morte);
2. Título da obra;
3. Data da obra (ano em que se realizou);
4. Dimensões da obra;
5. Proveniência da obra (ou lugar onde se encontra atualmente – museu, coleção);
6. Técnica utilizada;
7. Gênero.
• Caso estes elementos não estejam acessíveis ou completos, podem ser recolhidos em livros e
enciclopédias, na Internet ou através de outras fontes (desde que credíveis).
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A técnica
A técnica corresponde aos materiais e suportes utilizados, bem como o modo como são
aplicados.
De acordo com a técnica aplicada podemos identificar como:
1. Pintura;
2. Escultura;
3. Gravura;
4. Fotografia;
5. Outros processos artísticos.
Cada técnica compõe características da materialidade e componentes, o que nos
permite sermos mais precisos enquanto a técnica utilizada:
1. Pintura a óleo, aquarela, acrílica, desenho a carvão, pastel a óleo, pastel seco, guache,
colagem, técnica mista;
2. Escultura em mármore, em madeira, em gesso, em metal;
3. Xilogravura, calcogravura, linóleo, etc;
4. Fotografia em emulsão de prata, impressão off set, filme de 35 mm, etc.
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Quanto ao gênero, podemos considerar algumas das suas principais categorias:
1. Arte Sacra
2. Gênero Mitológico
3. Gênero Histórico
4. Retrato
5. Cenas do Cotidiano
6. Natureza Morta
7. Paisagem
8. Alegoria
9. Abstrato
10. Arte conceitual
ARTE SACRA
Imagens de santos, personagens bíblicas ou episódios religiosos.
Jorge Afonso: Anunciação, c. 1510. Museu
Sandro Botticelli, Madonna, Capela Sistina, fresco.
Nacional de Arte Antiga. Lisboa
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GÊNERO MITOLÓGICO
Mitologia grega, romana ou de outras civilizações.
Laocoonte e seus filhos
Baco e Ariadne – Ticiano. 1520 – 1523, National Gallery,
Londres, Reino Unido
GÊNERO HISTÓRICO
Obras cujo sujeito se refere a acontecimentos ou personagens históricas.
A Liberdade guiando o povo, Eugène Delacroix,
A chegada de Vasco da Gama a Calicute em 1498, Roque
1830, óleo sobre tela, Museu do Louvre, París.
Gameiro: 1900. Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa
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RETRATO
Pode ser de caráter privado ou oficial. Este último pode ser encomendado e pode ter um valor
propagandístico.
Mona Lisa ou Gioconda, Leonardo da Vinci, 1503–
Retrato da Condessa de Meneses, Visconde de Meneses,
1505/1507, óleo sobre tela. Museu do Louvre, Paris.
1862. Museu do Chiado, Lisboa.
CENAS DO COTIDIANO
Quando aparecem figuras retratadas em ambientes reais, realizando tarefas ou cumprindo
hábitos do dia-a-dia.
Colheita - ceifeiras, Silva Porto, c. 1893. Museu Nacional de
O bebedor de absinto. Edouard Manet,
Soares dos Reis, Porto.
1858-1859. Óleo sobre tela. Ny CarlsbergGlyptotek, Copenhaga
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NATUREZA MORTA
Composição “encenada” de frutas, legumes, flores, objetos do quotidiano, instrumentos
musicais, etc.
Natureza-morta (c.1679). Josefa de Óbidos,Biblioteca Municipal
Natureza-morta com uma caneca de cerveja,
de Santarém
Fernand Léger - 1921, Tate Gallery, Londres
PAISAGEM
Quando o conteúdo principal é a natureza e as suas paisagens.
Paisagem - Saint-Sauves, Henrique Pousão, 1881, óleo
Mont Sainte-Victoire, Paul Cézanne, 1882-1885,
sobre tela, Museu Nacional de Soares dos Reis, Porto
Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque
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ALEGORIA
Composição de figuras e objetos com significado simbólicos.
Provérbios Holandeses (1559), Pieter Bruegel , o velho
Alegoria à Instituição da Academia de Belas Artes
de Lisboa, Norberto José Ribeiro, 1840, óleo sobre
tela, Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa
ABSTRATO
Composição não figurativa ou não representativa.
Gestualidades, Henrique Matos, 1993, óleo sobre tela.
O cortinado amarelo, Henri Matisse, 1915,
óleo sobre tela, Museu de Arte Moderna,
Nova Iorque
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ARTE CONCEITUAL
Quando a ideia é mais importante do que a sua materialização.
Um quarto para um poeta, Pedro Cabrita Reis,
A Trompeta de Beethoven (com orelha), Opus, John
2000, instalação, tijolo, cimento, madeira,
Baldessari , 2007 Resina, fibra de vidro, bronze alumínio
árvore.
e eletrônica, Galeria de Marian Goodman, Nova Iorque
LEITURA DESCRITIVA OU DENOTATIVA
Depois de recolhidos os dados informativos, pode iniciar-se a leitura descritiva ou
denotativa da obra, ou seja, a leitura objetiva daquilo que “se vê”.
Respondendo aos três tópicos seguintes podes construir mais facilmente a leitura
descritiva.
1. Descrição do tipo de obra e elementos que a constituem.

Se a obra se trata de pintura, escultura, fotografia, gravura, instalação ou outras
linguagens;

O seu estado de conservação;

Os materiais e técnicas utilizados;

Elementos de linguagem visual e plásticas predominantes (forma, tamanho, cor,
textura);

A sua estrutura compositiva (simetria ou assimetria, peso visual, equilíbrio, ritmos…).
2. Descrição detalhada do gênero e do tema
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
Se é uma obra figurativa ou se é abstrata;

A temática que retrata (religiosa, mitológica, histórica, paisagista, etc.);

A figura representada (pessoa, animal, objeto, paisagem…);

O ponto de vista, o enquadramento, a iluminação, etc…
3. Identificação do estilo, movimento ou tendência a que pertence:

Escola ou tendência artística, influência ou relação com outros artistas.
LEITURA INTERPRETATIVA OU CONOTATIVA
Para interpretar uma obra de arte é necessário compreender profundamente a
mensagem do artista, ou seja, completar a leitura descritiva da obra com uma leitura
interpretativa ou conotativa.
Esta última é mais complexa, porque corresponde aos valores expressivos e simbólicos,
que não são tão fáceis de analisar como os elementos descritivos; dependem da memória, do
subconsciente, da cultura e do contexto do leitor.
Frequentemente, precisarás documentar-te para conseguires elaborar corretamente
esta segunda leitura, isto é, entender o melhor possível o contexto histórico, cultural e social em
que a obra foi criada e conseguir interpretar o significado de figuras ou representações
simbólicas.
Os tópicos seguintes ajudam a construir a leitura interpretativa ou conotativa.
1. Identificação de emoções e sentimentos despertados pela obra:

Pelo tema;

Pelos elementos da linguagem;

Pelos materiais e técnicas;

Pela estrutura compositiva;

Pela expressão…
2. Ideias e significados simbólicos que transmite:

Relação com outros temas, associação de ideias, presença de símbolos reconhecíveis ou
convencionados…
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3. A obra como reflexo de uma procura ou de inovação:

Análise do percurso do artista no seu tempo, utilização de novos meios e expressões,
elementos originais ou vanguardistas.
IDENTIFICAÇÃO DE REFERÊNCIAS
É muito importante conhecer as referências de uma obra, sejam aquelas que refletem
seu tempo, sejam as que refletem outras épocas.
A influência e a reinterpretação de modelos antigos são muito frequentes na história da
arte e muitos artistas revelam, no seu trabalho, a obra dos seus antecessores, professores ou
mentores.
OLHARES NA ARTE
Existem diversas abordagens para apreciação da arte. Para aprender bem a mensagem
em uma obra de arte, o espectador deve esforçar-se por aprimorar sua capacidade de
percepção.
O conteúdo da obra de arte
A obra de arte, como entidade física é única, entretanto, na mente do
observador pode se multiplicar e ser abordada em diferentes pontos de
vista. Isso significa que ao restringirmos nosso olhar para apenas alguns
deles deixaremos de percebê-la integralmente.
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PONTO DE VISTA FACTUAL
Corresponde àquilo que a obra representa ou exibe objetivamente. A apreensão do
conteúdo factual se concretiza pela simples descrição dos elementos que compõem a obra.
Quando vimos uma paisagem, o conteúdo factual são árvores, nuvens ou outro elemento
composto na imagem. Nos exemplos abaixo, o conteúdo factual, são os personagens que
dançam ao centro, são as sombrinhas das mulheres e os demais elementos.
Em música, o conteúdo factual se compõe dos sons que ela nos faz ouvir. Num bailado, o
conteúdo factual é aquilo que se encontra em cena: os corpos dos bailarinos com seus
movimentos e a música ouvida.
Frevo em Noite Enluarada, Heitor dos Prazeres
Feira, Hector Bernabó Carybé serigrafia
50.0 x 70.0 cm
50.0 x 70.0 cm.
Nas obras não figurativas, a descrição das formas e cores constitui o conteúdo factual.
Exemplo das pinturas abstracionista de Piet Mondrian, que usa as cores e formas em suas obras
artísticas.
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Tomie Ohtake, Acrílica, da mostra Pinturas Recentes
Piet Mondrian - Broadway Boogie Woogie 1942-43;óleo
sobre tela, 127 x 127 cm; The Museum of Modern Art,
New York
Quando nenhuma circunstância de dentro da obra explica o objeto, o observador deve
recorrer a informações externas à obra, buscando-as em fontes tanto orais quanto escritas.
Aldravas antigas em bronze e latão
PONTO DE VISTA EXPRESSIONAL
Parte constituinte da obra de arte que mexe com o sentimento do observador. O artista
consegue induzir no expectador o sentimento escolhido e desencadeado.
O conteúdo expressional é atributo da obra, e não do observador porque as reações do
observador não são fruto do acaso. As cores, os traços, as linhas e formas, relacionadas entre si
são capazes de transmitir sentimentos e absorver o espectador.
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Criança Morta – Cândido Portinari
O Balanço, de Jean-Honoré Fragonard
PONTO DE VISTA TÉCNICO
É fruto da combinação de elementos materiais e imateriais utilizados pelo artista para a
realização da obra. Compreende desde os materiais adotados para a materialização da obra até
a competência do artista em utilizá-los.
Se a pintura é à óleo ou tempera, se o suporte é papel ou tela, se é a escultura é de
madeira ou mármore, se as cores são quentes ou frias... O ponto de vista técnico privilegia o
fazer e suas técnicas.
Michelangelo Buonarroti, Pietá,1499, escultura em mármore,
174 cm x 195 cm. Basílica de São
Pedro, Vaticano
Escultura subtrativa
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PONTO DE VISTA CONVENCIONAL
Abrange os elementos simbólicos e culturais implícitos no objeto artístico. O que
transforma um objeto qualquer em um símbolo é a convenção a ele atribuída, a qual é
condicionada a fatos históricos partilhados por certos grupos sociais.
Caso a obra de arte não tenha relação cultural, social e histórica com aquele grupo
social, pode o objeto artístico não revelar um conteúdo factual, como também, não apresentar
um ponto de vista convencional. Contudo, ainda podemos elencar situações em que o conteúdo
factual identificado nos objetos em diferentes culturas, pode não representar o mesmo ponto
de vista convencional.
Os objetos, portanto, podem exteriorizar objetivamente aquilo que são
e para que servem, de tal modo que eu possa fazer deles uma identificação
direta, mas também podem representar algo além, assumindo o caráter
evocativo de alguma coisa neles identificada de maneira indireta. Quando os
objetos deixam de ser apenas aquilo que são e passam a sugerir também
alguma outra coisa, eles se tornam símbolos. O conteúdo factual da obra de
arte diz respeito aos objetos pelo que eles são, enquanto o conteúdo
convencional interessa-se por eles como símbolo. (COSTELLA, 1997, p. 38)
Em síntese, se colocarmos três indivíduos distintos de culturas e épocas para observar
um mesmo objeto, o resultado em relação à apreensão deste objeto pelos participantes será
completamente diferente.
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PONTO DE VISTA ESTILÍSTICO
A obra de arte está inserida num tempo e lugar definidos historicamente, da mesma
forma, é integrante da cultura de um povo. O ponto de vista estilístico supõe uma ligação entre
esses aspectos, é o conteúdo coletivo, estilo do momento cultural que influencia a criação de
resoluções plásticas diversas. A pluralidade de culturas justifica a pluralidade de estilos
artísticos.
Outra noção de estilo é resultante do conteúdo individual do artista criador, forjado
pelas influências de seu mundo cultural, armazenado em sua mente e transmitido à obra de
arte.
O PONTO DE VISTA ATUALIZADO
A obra de arte não se limita apenas àquilo que ela mostra ou simboliza, tampouco ao seu
enquadramento estilístico. Muitas vezes, a obra se “completa” com aquilo que nela vemos.
A fruição artística pressupõe além da obra, a existência de um observador e o aparato
mental desse observador deve ser levado em conta.
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Deslocada no tempo e no espaço a obra de arte pode acabar sendo vista de uma
maneira diversa daquela originalmente pensada no contexto no qual surgiu. Passado o tempo
ou mudado o lugar, um novo expectador, pertencente a outro universo cultural, pode fazer
ajuizamento diferente da obra e até tirar dela um desfrute insuspeitado.
O PONTO DE VISTA INSTITUCIONAL
Há pessoas que entram em um museu com o mesmo ar de reverência e
contrição com o qual se ajoelham numa igreja. Em qualquer vernissage sempre
existe alguém que, de tão intimidado, parece estar pisando em ovos. Mesmo
em ambientes musicais, que já conquistaram generosas doses de descontração,
veem-se, ao menos em teatros mais solenes, algumas figuras acanhadas a
ponto de pedir desculpas quando esbarram numa coluna. (COSTELLA, 1997, p.
57)
Historicamente, a democratização do acesso às obras de arte e o reconhecimento social
à figura do artista são fenômenos recentes.
Museus, universidades e veículos de comunicação, selecionam, escolhem, rejeitam,
louvam, criticam e até, por vezes, sonegam as obras de arte a serem levadas ao público
exercendo uma forma de poder. Essas instituições influenciam o público, hierarquizam as obras
de arte e lhes atribuem um valor que denominamos institucional. A análise da obra de arte sob
o ponto de vista institucional pode ser entendida como uma forma “protocolar”, não
espontânea, de atualização da obra.
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O PONTO DE VISTA COMERCIAL
O valor comercial de uma obra resulta da soma de vários fatores: matéria-prima
empregada; mão de obra necessária, características finais do produto, raridade da peça e
eventualmente a notoriedade do artista.
Desde a mais remota antiguidade até os dias de hoje sempre foi atribuído um valor
comercial à obra de arte. Esse preço geralmente tem muito que ver com o enfoque institucional
da arte.
O enfoque comercial é apenas um entre os vários enfoques sob os quais uma obra de
arte pode ser observada. Um só. Nem mais importante nem menos importante que os outros.
O PONTO DE VISTA NEOFACTUAL
Pelo fato inevitável de que tudo se deteriora, desgasta, transforma. A obra de arte passa
pelo mesmo processo. E no ato de recuperá-la, tem-se uma nova visão factual, seja pela
mudança de remoção ou acréscimo do original.
Quando perceptíveis mudanças materiais são desvendadas pelo objeto artístico
denomina-se conteúdo neofactual ou “conteúdo acrescido ou removido”. A obra passa a exibir
algo originalmente não previsto pelo artista. Algo diferente do enfoque atualizado no qual a
elaboração é toda mental, a obra mesmo sem sofrer alterações físicas é vista de modo diferente
pelo observador.
Santa Ceia – Leonardo Da Vinci
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O PONTO DE VISTA ESTÉTICO
Assim como, muitos outros objetos que tem uma função específica em seu uso. A obra
de arte é o objeto apropriado para transmitir o prazer estético. A obra de arte toca também em
algum ponto de nosso espírito que esta além e acima dos sentimentos comuns de alegria,
tristeza, ódio, amor, ira etc.
Como então se apreende o conteúdo estético? Diferente dos objetos comuns, os quais
prendem a atenção do observador até o momento em que ele consegue completar a
compreensão racional do referido objeto. Os objetos de arte convidam a rever ou ouvir de
novo, a observar sem interrupção. Quando o observador é privado da observação direta da
obra, espontaneamente recorre a memória e , por meio dela, recria mentalmente a obra e
continua a usufruí-la.
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Bibliografia
COSTELLA, A. F. Para apreciar a arte: roteiro didático. 4a. ed. São Paulo: Editora Senac, 1997.
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