Ezra Shane Spira-Cohen O movimento ambientalista em suas

Transcrição

Ezra Shane Spira-Cohen O movimento ambientalista em suas
Ezra Shane Spira-Cohen
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA
O movimento ambientalista em suas arenas discursivas:
participação do Brasil e EUA nas conferências da ONU
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre pelo Programa de PósGraduação em Sociologia e Política da PUC – Rio.
Orientadora: Profa. Angela Maria de Randolpho Paiva
Rio de Janeiro
Outubro de 2011
Ezra Shane Spira-Cohen
O movimento ambientalista em suas arenas discursivas:
participação do Brasil e EUA nas conferências da ONU
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA
Dissertação apresentada como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre pelo Programa de PósGraduação em Ciências Sociais da PUC-Rio.
Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo
assinada.
Profa. Angela Maria de Randolpho Paiva
Orientadora
Departamento de Sociologia e Política – PUC-Rio
Prof. Liszt Benjamin Vieira
Departamento de Direito – PUC-Rio
Profa. Maria Sarah da Silva Telles
Departamento de Sociologia e Política – PUC-Rio
Prof. Valter Sinder
Departamento de Sociologia e Política – PUC-Rio
Profa. Mônica Herz
Coordenadora Setorial do Centro
de Ciências Sociais – PUC-Rio
Rio de Janeiro, 21 de outubro de 2011.
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total
ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da
autora e do orientador.
Ezra Shane Spira-Cohen
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA
Graduou-se em Desenvolvimento Comparativo e língua
espanhola pelo Trinity College de Hartford, Connecticut
EUA. Nativo dos Estados Unidos estuda o Brasil e outros
países da América Latina de forma comparada.
Ficha Catalográfica
Spira-Cohen, Ezra Shane
O movimento ambientalista em suas arenas
discursivas: participação do Brasil e EUA nas
conferências da ONU / Ezra Shane Spira-Cohen ;
orientadora: Angela Maria de Randolpho Paiva. – 2011.
131 f. ; 30 cm
Dissertação
(mestrado)–Pontifícia
Universidade
Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Sociologia e
Política, 2011.
Inclui bibliografia
1. Sociologia – Teses. 2. Meio ambiente. 3.
Sociedade civil. 4. Esfera pública. 5. Desenvolvimento. I.
Paiva, Angela Maria de Randolpho Paiva. II. Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento
de Sociologia e Política. III. Título.
CDD: 301
Em memória de Ziggy Spira
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Agradecimentos
Aos meus pais, Roy e Eileen, pelo amor, apoio e confiança incondicional. Aos
meus irmãos, Ariel e David, por seu exemplo encorajador, e por me incentivar a
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realizar êxito acadêmico.
À Ângela Paiva, obrigado por ter desenvolvido essa dissertação comigo. Sem sua
orientação e tempo esse trabalho não teria sido realizado. Seu entusiasmo e
conhecimento foi uma inspiração que eu espero levar comigo para o futuro.
Obrigado pela paciência, as conversas, as correções e por ter compreendido ambas
minhas limitações e minhas aspirações.
À PUC-Rio, pelos auxílios concedidos, sem os quais este trabalho não poderia ter
sido realizado.
Aos membros da banca, Liszt Vieira, Sarah da Silva Telles e Valter Sinder. Suas
áreas de conhecimento e sua participação no meu exame de qualificação foram
fundamentais para a realização desse projeto. Obrigado pela atenção, ideias e
críticas que prepararam meu caminho.
Aos professores do departamento de Sociologia e Política da PUC por suas aulas,
por compartilhar seu conhecimento, e por uma experiência sem preço.
À Ana, Mônica e Carla por ajudar um estrangeiro muitas vezes perdido e por
oferecer belas dicas para facilitar a navegação burocrática da vida acadêmica.
A todos que me ajudaram desenvolver minha habilidade de redação: ao Jonas
Lana por sua amizade, à Alessandra Maia por seu apoio, à Marcele e Guilherme
por se terem disposto durante os momentos finais deste projeto.
Resumo
Spira-Cohen, Ezra Shane; Paiva, Angela Maria de Randolpho. O
movimento ambientalista em suas arenas discursivas: participação do
Brasil e EUA nas conferências da ONU. Rio de Janeiro 2008. 131p.
Dissertação de Mestrado – Departamento de Sociologia e Política, Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Esta dissertação examina o surgimento do movimento ambientalista como
parte de um processo maior de conscientização sobre a proteção do meio
ambiente. Observa como, através da abertura de espaço discursivo para a
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participação democrática, as conferências internacionais da ONU sobre o meio
ambiente em 1972 e 1992 contribuíram para a formação deste movimento e o
próprio conceito do meio ambiente. A discussão utiliza-se dos conceitos que
Jürgen Habermas desenvolve na sua teoria de ação comunicativa para destacar a
importância da esfera pública e o papel da sociedade civil neste processo. No
entanto, a partir de uma comparação da participação do Brasil e os EUA nas duas
conferências da ONU, coloca em questão o uso dessa teoria para explicar a
atuação desses países e as mudanças ao longo das duas décadas que separaram as
conferências. Levanta uma discussão metodológica, inspirada em ideias
apresentadas por Michel Foucault, que permite uma análise do surgimento do
movimento ambientalista no Brasil e os EUA. Para além disso, contextualiza a
participação de ambos os países nas conferências internacionais e a mudança para
do foco para o desenvolvimento. Através disso, salienta as tensões entre as
perspectivas de Habermas e Foucault, discutindo seus limites e contribuições para
esta análise.
Palavras-Chave
Meio Ambiente; sociedade civil; esfera pública; desenvolvimento.
Abstract
Spira-Cohen, Ezra Shane; Paiva, Angela Maria de Randolpho (Advisor).
The Environmental Movement in its Discursive Arenas: The
Participation of Brazil and the USA in UN Conferences. Rio de Janeiro
2008. 131p. Masters Dissertation – Departament of Sociologia e Política,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
This thesis examines the emergence of the environmental movement as part
of a larger process of increasing conscientiousness about environmental
protection. It looks at how the international UN conferences on the environment
in 1972 and 1992 contributed to the formation of this movement, and the concept
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of the environment, by opening discursive space and allowing for democratic
participation. The discussion uses concepts developed by Jürgen Habermas, in his
theory of communicative action, to highlight the importance of the public sphere
and the role of civil society in this process. However, a comparison of the
participation of Brazil and the USA in the two conferences raises questions about
the application of this theory. In order to explain the activity of these countries and
the changes that occurred during the 20 years that separate the conferences a
different perspective is presented. Ideas inspired by Michel Foucault provide a
methodological discussion, which permits an analysis of the emergence of the
environmental movement in Brazil and the USA. In addition, it contextualizes
their participation in the international conferences and helps understand the turn in
the international community towards a focus on development. Finally, as a result
of the tensions that arise between Habermas and Foucault’s perspectives, the
limits and contributions of these authors for the herein analysis are uncovered.
Keywords
Environment; Civil Society; Public Sphere; Development.
Sumário
1. Introdução
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1.1.
1.2.
1.3.
1.4.
1.5.
1.6.
O movimento ambientalista
Os discursos ambientalistas
A ecopolítica
A sociedade civil internacional
O Espaço público
A esfera pública internacional
9
15
20
24
29
33
37
2. O movimento ambientalista em suas arenas discursivas
41
2.1.
2.2.
43
2.3.
2.4.
As origens das conferências ambientalistas
A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente
Humano (UNCHE)
A Conferência das Nações sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento (UNCED)
Vinte anos para frente. O que mudou?
47
57
70
3. A formação das arenas discursivas
74
3.1.
3.2.
79
3.3.
3.4.
3.5.
A crise ambiental no Brasil e nos EUA
A institucionalização do movimento ambientalista
no Brasil e nos EUA
O movimento ambientalista no Brasil e nos EUA
A participação do Brasil e os EUA nas Conferências
da ONU
O futuro do movimento ambientalista nas suas arenas
discursivas
85
97
104
116
4. Considerações finais
121
Referências bibliográficas
126
1
Introdução
A proteção do meio ambiente hoje é um valor muito difundido. Esse é um
valor relativamente novo, que faz parte de um processo de transformação cultural
abrangente, causado por mudanças econômicas, políticas e sociais. Ronald
Inglehart (1990) estudou as mudanças econômicas, sócio-políticas e culturais no
Século XX, examinando como estas se relacionavam e se determinavam. Através
disso, Inglehart recordou novas atitudes em países altamente industrializados. O
estudo indicou mudanças graduais em atitudes tradicionais sobre política,
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trabalho, religião, família e sexo e as relacionou ao nível de segurança econômica
e física que certos países realizaram depois da segunda guerra mundial. Nesses
países, segundo a hipótese de Inglehart, as pessoas podiam pensar em outras
questões uma vez que as necessidades básicas já haviam sido atendidas. A nova
ênfase na proteção do meio ambiente faz parte do surgimento de novos valores
pós-materialistas relacionados a um senso de comunidade, à auto-expressão e à
qualidade de vida.
Valores materialistas, que acompanharam a expansão industrial ao longo
século XIX e XX, relacionados ao crescimento econômico e acumulação de bens
materiais, valorizaram o meio ambiente como um meio para fins industriais e um
objeto a ser manipulado. Os novos valores pós-materialistas indicam menos
ênfase no crescimento econômico e representam uma visão do mundo menos
mecânica onde são destacadas questões sobre o conhecimento e a vida humana
nas quais cabe a preocupação sobre o meio ambiente.
Ainda seguindo Inglehart, dar prioridade à comunidade e à qualidade de
vida não-materialista, em sociedades que tradicionalmente favoreceram ganhos
econômicos tem implicações políticas importantes. Os pós-materialistas formam
uma política baseada nos valores e se separam de política baseada na classe. Com
o surgimento de valores pós-materialistas a política tradicional baseada em
alinhamento de classe entra em crise. No conflito ou na negociação política, os
movimentos baseados no direito de autodeterminação e de certo nível de
10
qualidade de vida são cada vez mais o veículo para mudança social. Inglehart
destaca os novos movimentos sociais – do meio ambiente, de mulheres, e antinuclear – que refletem mudanças culturais abrangentes. “Postmaterialist values
underlie many of the new social movements – for the Postmaterialists emphasize
fundamentally different value priorities from those that have dominated industrial
society for many decades.” (INGLEHART 1990, p. 373).
A preocupação sobre a proteção do meio ambiente surgiu como parte das
mudanças culturais abrangentes em sociedades que atingiram um nível alto de
industrialização. Inglehart estabelece as conexões entre mudanças econômicas,
sócio-políticas e culturais e descreve as circunstancias que permitiram a transição
de valores materialistas para pós-materialistas. Entretanto, se vai defender aqui
que o processo que conduz essa mudança merece mais atenção. Exatamente o que
está por detrás da construção dos valores associados com a proteção do meio
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ambiente e com o movimento ambientalista? Como podemos explicar a expansão
desses valores e do movimento ambientalista para países do mundo inteiro, não
apenas dentre os países altamente industrializados que Inglehart estudou?
Para responder a estas perguntas é necessário examinar a construção do
próprio conceito do meio ambiente e a formação dos discursos relacionados. O
que se refere hoje quando se fala do meio ambiente descreve uma ideia
relativamente nova. O meio ambiente é essencialmente um conceito que engloba o
mundo natural no qual vivemos. A ideia da natureza serve para separar o mundo
das paisagens, as árvores, os animais e as plantas do mundo dos homens. É
possível argumentar que essa ideia é tão antiga quanto à ideia do homem (e da
mesma maneira as duas tenham se transformado ao longo do tempo). O
pensamento moderno dos iluministas colocou a natureza em oposição direta com
o homem e com a revolução industrial a natureza foi posta numa posição de
subordinação total ao homem. Hoje, a ideia de meio ambiente ajuda a preencher a
lacuna entre essas ideias. A novidade desse conceito é que cria uma noção da
natureza onde os homens estão intimamente ligados aos processos e sistemas
naturais – o que implica que os processos humanos são parte dos processos
naturais e um afeta o outro numa relação mútua e complexa.
Historiadores localizam a origem do movimento ambientalista nos
primeiros protestos contra a poluição e nos primeiros esforços para conservar
recursos naturais e preservar a natureza selvagem no final do século XIX (ROME,
11
2003). Nessa época as preocupações sobre os efeitos negativos da industrialização
se articularam em termos de saúde pública, de produção industrial garantida ou de
patrimônio nacional. Avanços em meados do século XX, com a tecnologia
atômica e petroquímica trouxeram novas ameaças ao meio ambiente e mais
atenção. Em resposta à expansão industrial e à tecnologia perigosa, crises como a
extinção de espécies entraram no foco. Através do estudo de sistemas naturais em
seu conjunto e as relações entre organismos vivos, os ecologistas identificaram
crises de grandes proporções. Na década de sessenta, a ecologia ganhou mais
atenção, com uma conscientização maior sobre a crise ecológica e entrou com
força na fileira dos movimentos sociais. O movimento ecologista se destacou
nessa década, junto aos movimentos de direitos civis, de mulheres, contra guerra e
contracultura. Assim, o conceito do meio ambiente surgiu para englobar outros
movimentos com objetivos comuns, juntando os ecologistas, os preservacionistas
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e os conservacionistas, entre outros, sob uma bandeira. O conceito do meio
ambiente ligou a natureza com o homem – o ecológico com o social – e o
movimento ambientalista se formou de uma gama de ativistas com agendas e
demandas diversas.
Como um nexo entre a natureza e os homens, o meio ambiente não é
apenas pensado em termos ecológicos, biológicos ou científicos. Como um
movimento social, o ambientalismo faz o meio ambiente uma questão política
com implicações sociais e econômicas, exigindo soluções nesses âmbitos para
problemas relacionados com a degradação ambiental. Da perspectiva das ciências
sociais, o meio ambiente é uma questão nova e o movimento ambientalista é um
objeto complexo e intrigante que exige mais atenção. O movimento ambientalista
transcende áreas de estudo e cria novas categorias sociais, culturais e políticas. No
âmbito político, o movimento se descola das ideias da direita ou da esquerda e traz
uma pauta que transcende as ideologias partidárias.
O movimento ambientalista é formado por grupos e indivíduos conscientes
dos problemas ambientais e articula as demandas de vários setores da sociedade
preocupados com a proteção do meio ambiente. Identificar um único grupo,
proposta, ou causa como o movimento ambientalista o faria mais claro, mas isso
não é o caso. Sejam ecologistas, preservacionistas, conservacionistas, radicais,
reformistas, atuando a nível local, global, ou por uma variedade de causas
específicas, todos esses, e mais, formam o movimento ambientalista. Como um
12
movimento social, tentar formar uma agenda clara para a negociação política
(mesmo com a diversidade de temas que tratam os ambientalistas) poderia ser
uma estratégia útil, mas é difícil. Através da atuação política, motivada pela
evidência de degradação ambiental cada vez maior e pela atenção na mídia, a
conscientização da sociedade fortalece muitos dos valores associados com a
proteção do meio ambiente.
Isso não é o caso apenas de países industrializados. Hoje, as demandas
para lidar com problemas associados com o meio ambiente se articulam no mundo
inteiro e referem não apenas a questões da qualidade de vida das populações, mas
também a questões materialistas básicas de desenvolvimento econômico, de
saúde, de habitação e de alimentação. Por exemplo, questões como a pobreza
podem ser, e são, articuladas de acordo com problemas ambientais. O movimento
ambientalista agora é um movimento internacional, cujos valores, ideias e
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discursos foram incorporados por outros movimentos sociais nacionais e
internacionais. Através de um tratamento político em acordos internacionais,
principalmente nas Nações Unidas, o meio ambiente se tornou uma questão
realmente global.
As Nações Unidas criaram um modelo discursivo de negociação política
internacional no qual o movimento ambientalista internacional se fortaleceu. Na
primeira conferência internacional da ONU em 1972 sobre o meio ambiente,
organizações não governamentais e de base social participaram nos processos
preparativos e nas deliberações para contribuir para formação da agenda
ambiental internacional. ONGs internacionais como Greenpeace e o Fundo
Mundial para a Natureza (WWF) surgiram com áreas de atuação que atravessaram
as fronteiras nacionais. O caráter único da questão ambiental conecta problemas
ambientais e ativistas ao nível local com o nível global. Assim, o papel das
Nações Unidas e de negociação multilateral é central para essa questão e a
articulação dos problemas relacionados ao meio ambiente por grupos e indivíduos
independentes ilustra a formação de um novo espaço público internacional para a
negociação de interesses comuns. O movimento ambientalista não apenas
espalhou pelo mundo e por outras lutas sociais, mas também atingiu os mais
diversos setores da sociedade. Em muitos países, a proteção do meio ambiente
entrou no âmbito político, com a formação de partidos verdes, e no âmbito
econômico, com indústrias limpas e sustentáveis.
13
O meio ambiente não é apenas uma nova categoria para articular as
demandas da sociedade no âmbito político, mas representa uma nova ontologia na
qual se pode entender o mundo e se relacionam as pessoas. A mudança para
valores pós-materialistas que Inglehart descreve explica as condições para o meio
ambiente surgir como conceito e eixo para atividade política, mas não examina o
processo de formação dessa nova ontologia em diversos países em contextos
distintos. Para fazer isso, este trabalho abordará uma análise ao nível discursivo
para considerar a construção do conceito do meio ambiente como parte de um
processo intersubjetivo social, não apenas uma mudança cultural num contexto
abrangente.
O primeiro capítulo aborda uma discussão da formação do conceito do
meio ambiente e do movimento ambientalista, destacando a importância da
sociedade civil e a esfera pública nesse processo. Apresentar a gama de
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perspectivas que existe dentro do movimento ambientalista permite uma análise
da atuação e relações políticas relacionadas à proteção do meio ambiente ao nível
internacional. Essa discussão é inspirada no processo discursivo de racionalização
comunicativa que Jürgen Habermas usa para explicar a formação de uma ética
discursiva, política legítima em sistemas democráticos, e a própria sociedade na
qual as pessoas vivem. É através da formação de uma sociedade civil global que o
movimento ambientalista se expande e os discursos ambientalistas são
disseminados pelo mundo e para os mais diversos setores da sociedade.
A partir da teoria de ação comunicativa de Habermas, o segundo capítulo
discute duas conferências das Nações Unidas como momentos de racionalização
discursiva na formação de consenso sobre o meio ambiente. A Conferência das
Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (UNCHE) em 1972 foi uma
reunião histórica para a ONU, a sociedade civil global e para o movimento
ambientalista. A UNCHE consagrou o meio ambiente como uma questão global e
abriu o espaço discursivo no âmbito internacional para a formação de consenso e
acordos entre os participantes. Durante as deliberações da UNCHE, um consenso
sobre a conexão direta entre os problemas ambientais e as atividades humanas foi
determinado e as negociações estabeleceram o rumo para o desenvolvimento do
conceito do meio ambiente e para as negociações futuras. A Conferência sobre o
Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED) vinte anos depois, em 1992, foi
outro momento importante tanto para a construção do conceito do meio ambiente,
14
quanto para a articulação do movimento ambientalista. Nessa conferência, o
espaço discursivo expandiu-se, permitindo que novas questões ambientais
recebessem atenção nas negociações e nos debates. Esta discussão da UNCHE e
da UNCED serve para ressaltar a importância da racionalização comunicativa e do
processo discursivo de Habermas – não é para fornecer uma descrição histórica
das duas conferências. O conteúdo deste capítulo traça a trajetória do movimento
ambientalista neste período e contribui para entender melhor a situação atual do
debate internacional sobre o meio ambiente.
O terceiro capítulo examina a participação dos EUA e o Brasil na UNCHE
e na UNCED. Essa comparação é importante porque ilustra a origem dos debates
internacionais nas próprias experiências e agendas nacionais de países
participantes. Aqui serão considerados os contextos específicos que determinaram
a atuação do Brasil e os EUA. Para fazer isso, é importante nos distanciarmos da
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ênfase nos processos discursivos que a teoria de Habermas coloca na formação
dos acordos das conferências. Nessa comparação é evidente que uma teoria
universal sobre a formação de consenso racional e justo é problemática e que uma
análise substantiva contextual ao nível de micropolítica é mais apropriada. Michel
Foucault fornece essa perspectiva e entra no debate para definir uma metodologia
válida, livre de pressupostos teóricos ou deduções falsas. Sua argumentação
permite descobrir os atores menos visíveis e as relações de poder que determinam
a participação dos dois países nas conferências da ONU.
Ambos, Foucault e Habermas, abordam em suas teorias e críticas um alvo
principal a ser resgatado na presente análise. A mudança social e democrática está
sempre presente por detrás de qualquer diferença de opinião ou divergência de
abordagem entre eles1. A mudança social também reside no centro da discussão
sobre o meio ambiente. Como uma das questões mais importantes para a geração
atual e as futuras, é necessário alimentar e apoiar o debate contínuo sobre o meio
ambiente e explorar todas as possibilidades para realizar as mudanças que são
cada vez mais exigidas. O meio ambiente é uma questão que tem caráter
interdisciplinar e precisa ser abordado por várias perspectivas de modo
independente e transversal – da política à biologia, da economia à climatologia, do
1
Foucault não se preocupava tanto quando Habermas com respeito à continuidade teórica. Assim,
Foucault pode assumir várias posições sobre esse tema, mas aqui usamos o lado de Foucault
que tem evidência de influência de Toqueville e o projeto democrático Norte-americano.
15
direito à engenharia, da filosofia à física. Assim, as ciências sociais são uma área
fértil para essa discussão por entender a possibilidade para análise multidisciplinar
e interdisciplinar.
Este trabalho pretende contribuir para aprofundar em alguns aspectos
relacionados à situação atual do meio ambiente. Este projeto não deve ser pensado
de modo algum como acabado ou completo, mas como o início de maior
entendimento acadêmico de uma ontologia nova e uma questão crucial que chama
a atenção de todos. Acima de tudo, pretende indicar um caminho multidisciplinar,
de acordo com o caráter desse tema, a ser aprofundado mais em futuro próximo. O
projeto partilha da sensação de que o trabalho do cientista social, tanto na forma
de teorias tanto quanto de estudos empíricos, precisa sempre ter algum sentido em
relação ao nosso presente e de tomar uma posição crítica para contribuir para o
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projeto maior de mudança social.
1.1.
O Movimento Ambientalista
Os novos valores pós-materialistas que dão prioridade à qualidade de vida
das pessoas e à qualidade do meio ambiente no qual as pessoas vivem resultaram
na criação do conceito do meio ambiente e do movimento ambientalista. Embora
o meio ambiente seja uma ideia muito difundida, é importante reconhecer que
existem vários movimentos ambientalistas voltados para as mais diversas áreas e
questões relacionadas ao meio ambiente. Essa diversidade pode ser organizada
conforme a causa ou problema específico destacado ou considerando sua área
distinta de atuação. Os movimentos ambientalistas podem ser divididos por tema:
por exemplo, a questão da poluição, das emissões de CO2, da preservação de
floresta ou de espécies animais. Ademais, podem ser identificados por seu alcance
local, regional ou nacional.
A teoria da ação comunicativa fornece uma base teórica interessante para a
análise do movimento ambientalista2. A heterogeneidade que existe dentro do
ambientalismo complica uma tentativa de macroanálise – por exemplo, do
movimento ambientalista brasileiro ou americano – mas, a partir da teoria de ação
2
Para autores que discutam o movimento ambientalista como um movimento social ver SchererWarren (1996), e Melucci (2001). Para autores que usam Habermas na discussão dos
movimentos sociais ver Gohn (2007) e Castells (2007).
16
comunicativa, que estabelece normas gerais para análise, o ambientalismo pode
ser compreendido dentro de um processo maior de racionalização comunicativa.
Assim, a construção do entendimento comum sobre a ideia do meio ambiente
pode ser analisada e comparada em contextos específicos. Assim, esse trabalho foi
inspirado pelos conceitos de Habermas, com o alvo de usá-los para melhor
entender e analisar o movimento ambientalista no Brasil e nos Estados Unidos, e
não pretende abordar uma análise crítica detalhada da teoria de ação
comunicativa.
Ao longo de quatro décadas, Jürgen Habermas desenvolveu uma teoria
social que sintetiza as teorias e os conceitos mais fundamentais do projeto
iluminista dos últimos séculos3. A partir da análise e elaboração crítica de ideias
apresentadas por vários teóricos inclusive Mead, Parsons, Weber, Durkheim e
Kant, Habermas (1987) desenvolve a teoria da ação comunicativa para entender e
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explicar fenômenos fundamentais da vida social. Segundo a teoria da ação
comunicativa, todos os processos de socialização têm origem na linguagem. Isso
quer dizer que a base de toda relação social reside na necessidade de se entender e
de criar acordos comuns. Habermas procura uma ética discursiva que forma as
relações sociais e a localiza dentro do processo de racionalização comunicativa.
Uma preocupação central nesse processo é o consenso. Segundo
Habermas, a formação de uma sociedade justa e racional é possível através de
processos discursivos. Partindo do pressuposto que a linguagem é a base para a
organização social que por sua vez cria discursos os quais são institucionalizados
e estruturam a sociedade, Habermas explica esse processo usando os conceitos do
mundo da vida e sistema para diferenciar entre duas formas de integração e
formação social.
A diferença e interação entre o sistema e o mundo da vida constrói a base
da teoria da ação comunicativa. Os dois são lugares onde ideias, valores e normas
sociais são criados e divulgados, mas a forma que esses processos tomam são
bastante diferentes. O sistema é definido como totalmente racionalizado e fechado
e é representado por conceitos como o mercado, o direito, o capitalismo e outras
3
O trabalho teórico de Jürgen Habermas atravessa várias disciplinas, inclusive as ciências sociais,
filosofia, direito, política, psicologia e é considerado um dos filósofos contemporâneos mais
importantes.
17
entidades institucionalizadas. O mundo da vida, por outro lado, é o espaço de
ideias e valores sociais que se formam a partir da cultura de uma vivência comum
e uma ética discursiva. No primeiro, seu modelo total, eficiente, calculado,
previsível e controlado, não permite espaço para a racionalização comunicativa.
No segundo, por tratar-se de um espaço para a formação e reificação do senso
comum de um grupo, através de experiências compartilhadas, os processos de
formação de opiniões e acordos sociais são possíveis (HABERMAS, 1987).
Nessa teoria, é somente através do mundo da vida, enquanto âmbito de
formação cultural de valores, que o sistema e suas instituições, podem ser
legitimados. A expansão do mercado e do Estado burocrático ameaça a estrutura
comunicativa do mundo da vida e assim existe a tarefa importante da
“descolonização” do mundo da vida. Isto quer dizer que os valores que são
desenvolvidos ao longo do tempo, no mundo da vida, muitas vezes são dominados
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por instituições como o Estado. Assim, o mundo da vida é colonizado e a
possibilidade para ação comunicativa é restrita. Para garantir a formação legítima
de valores e opiniões comuns no mundo da vida, é importante deixar de lado os
interesses particulares que os sistemas engendram. Sem a descolonização do
mundo da vida, as diferenças numa sociedade não são discutidas, o acordo comum
não se realiza e a legitimidade política e institucional entra em crise.
(HABERMAS, 1987).
A entrada do ambientalismo nos mais diversos setores da sociedade, ao
longo dos últimos cinquenta anos, é resultado dos processos referidos na teoria da
ação comunicativa. O meio ambiente, um conceito relativamente novo, é uma
questão muito difundida atualmente. É uma nova categoria analítica na qual os
indivíduos, cientistas e os acadêmicos formulam ideias, e é uma nova base através
da qual as pessoas se comunicam e se entendem. O meio ambiente agora faz parte
do mundo da vida de muitas sociedades de uma forma sem precedentes,
transformando a política, a economia, o cotidiano, os valores e os significados
culturais de maneira inegável. Existem vários movimentos ambientalistas, mas as
mudanças ao longo dos últimos cinquenta anos chamam a atenção para o
movimento ambientalista abrangente que, segundo o pensamento de Habermas, é
construído ao nível discursivo através da racionalização comunicativa, da
deliberação discursiva e do acordo comum, e que é refletido nas relações entre
pessoas, o mundo natural, e o planeta no seu conjunto.
18
Examinar a teoria da ação comunicativa através de uma análise empírica
do movimento ambientalista no Brasil e nos Estados Unidos reforça e desvela
certos aspectos do pensamento habermaseano. Antes disso, para mostrar as
características únicas do movimento ambientalista, uma apresentação do seu
surgimento e suas mudanças ilustra a entrada da questão do meio ambiente no
mundo da vida de uma forma extensiva e fornece o contexto para as investigações
específicas do segundo e terceiro capítulos.
*
*
*
Os primeiros grupos ambientalistas, na cena contemporânea, se formaram
no final do século XIX e no início do século XX (ROME, 2003). Houve protestos
contra poluição em cidades neste período, mas os primeiros grupos particulares
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enfocaram na preservação de paisagens virgens. Organizações como o Sierra Club
surgiram, nessa época nos EUA, que se preocuparam com a grande expansão
urbana e industrial que ameaçava espaços abertos e a beleza natural no território
nacional. Assim, o movimento para criar parques nacionais visando à preservação
e proteção da natureza nasceu e o movimento ambientalista iniciou sua luta
primordial para despertar as pessoas para a ideia de que a natureza é patrimônio
nacional e que há necessidade de cuidá-la. Ao longo do século XX, essa ideia se
expandiu, mas foi a partir dos anos sessenta, através do movimento ecologista,
que ela se consolidou e ampliou sua força e alcance.
O movimento ecologista nasceu em vários países (principalmente, mas não
exclusivamente, nos EUA e em países Europeus4) com um foco não apenas na
preservação, mas na existência e na função correta de sistemas naturais. As
preocupações dos ecologistas, com os efeitos negativos de processos industriais,
resíduos químicos, poluição e lixo nuclear chegaram a um público maior com o
lançamento de Silent Spring (1962) pela jornalista americana Rachel Carson.
Nesse livro, foram evidenciados os efeitos desastrosos do uso do pesticida DDT,
responsável pela dizimação de populações inteiras de insetos e pássaros. O
4
No Brasil, por exemplo, na década dos sessenta começou o movimento para preservar a
Amazônia. Esse movimento concentrou no Acre e visava mais a preservação de modos de vida
tradicionais, que dependeram do aceso aos materiais ecológicos da floresta, do que a preservação
da floresta como um recurso natural a ser utilizado para processos industriais.
19
movimento ecologista chamou a atenção para as ameaças aos sistemas ecológicos
e para a falta de proteção institucional que tinham que ser denunciadas e
superadas (CARSON, 1962).
No contexto da industrialização ao longo do século XX, os
conservacionistas formularam seu movimento em resposta à ideia, importante
para o modelo de crescimento econômico, de que havia fontes infinitas de
matéria-prima para abastecer a produção e expansão industrial. O esgotamento de
recursos naturais e a incapacidade de considerar as consequências de empenhos
industriais entraram em foco. Em outro momento a ecologia destacou as ameaças
crescentes que sistemas naturais inteiros encararam e problemas como extinção
receberam atenção. Os ecologistas destacaram os efeitos dos processos industriais
e as crises ecológicas resultantes – como no livro de Carson.
Através da conscientização maior sobre a crise ecológica na década de
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sessenta, o movimento ecologista chegou ao terreno dos movimentos sociais.
Neste contexto, o movimento se expandiu e o conceito do meio ambiente foi
utilizado para englobar os movimentos preservacionistas, conservacionistas, e
outros que compartilharam objetivos comuns relacionados à proteção do meio
ambiente. O movimento ambientalista relacionou a expansão industrial com a
degradação do mundo natural, mas a preocupação ambiental permaneceu como
meio para garantir e melhorar a qualidade de vida das pessoas e das comunidades.
Assim, o movimento ambientalista manteve no seu centro as consequências da
degradação para as populações humanas. O conceito abrangente do meio ambiente
representa uma mudança na maneira de pensar sobre a natureza, englobando os
sistemas ecológicos, os sistemas humanos, e tudo que é o mundo natural.
A partir da década de sessenta o meio ambiente virou uma questão
importante em contextos nacionais em resposta às condições e às crises
particulares de países e regiões. Sua formação paralela com a expansão do regime
internacional das Nações Unidas (e a natureza global dessa questão) também
consagrou a questão do meio ambiente na política internacional. A entrada do
movimento ambientalista com suas articulações diversas e protagonistas
diferenciados no palco da política multilateral e da regulação internacional
ampliou a discussão do meio ambiente e concretizou a visão do Planeta como um
conjunto e a importância das conexões cada vez mais visíveis entre o mundo da
natureza e o mundo das pessoas. Através dos mecanismos de deliberação
20
discursiva e da construção de consenso na ONU a questão do meio ambiente se
institucionalizou na política e nos valores culturais nos diversos países do mundo.
1.2.
Os discursos ambientalistas
A racionalização comunicativa é realizada quando as diferenças que existem
numa sociedade são discutidas e esse processo contínuo é garantido
(HABERMAS, 1987). A ênfase no processo deliberativo e no discurso é
importante pela grande diversidade de perspectivas dentro do movimento
ambientalista. Uma abordagem discursiva ressalta o ambientalismo como uma
nova maneira de ver o mundo e das pessoas se relacionarem com outras e com
seus arredores. Pensar no movimento ambientalista como uma coleção de
discursos revela simultaneamente as grandes diferenças no pensamento
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ambientalista, e os elementos que o mantém unido como uma nova ontologia
abrangente formada por ideias, opiniões, valores e práticas nas sociedades
contemporâneas.
Os movimentos conservacionista e ecologista formam uma parte grande do
movimento ambientalista, mas representam apenas duas perspectivas diferentes de
um mosaico maior. Na análise da formação e transformação do movimento
ambientalista em contextos diferentes, são vários os discursos ambientalistas que
se articulam e as maneiras de interpretá-los. O que John Dryzek (1997) identifica
como um discurso representa uma maneira compartilhada de compreender o
mundo. Isso reflete o conceito do mundo da vida discutido por Habermas, mas
sem o foco nos processos discursivos da racionalização comunicativa que criam
essas ideias e valores comuns5.
Para Dryzek (1997), na área do meio ambiente, tanto quanto em outras, os
discursos são formados por pressupostos, conceitos e contenções, que fornecem a
5
John Dryzek parte do conceito Foucaulteano de ordens de discursos, que destaca as relações de
poder complexas que exstem em certas instituições e discursos. A abordagem discursiva de
Foucault não destaca o consenso, mas o jogo de poder e o conflito nos processos discursivos
que possibilita formas de dominação. Foucault (2001) analisa como os discursos refletem esse
jogo de poder e como um poder hegemônico pode ser dominante. Para Dryzek (1997), a
dominação de um discurso sobre outros é tão provável quanto a diversidade entre os discursos.
Assim, o autor faz um análise que permite a consideração da legitimidade através da
racionalização comunicativa enfatizada por Habermas. Para mais discussão sobre esta área,
ver o conceito e a crítica de democracia deliberativa de Dryzek (2000).
21
base para análise, debate, acordo e desacordo. Dryzek aproveita da sua abordagem
discursiva para chamar a atenção para o significado abrangente do ambientalismo
e para analisar, de uma maneira detalhada, elementos da ação política
contemporânea baseada na questão do meio ambiente. No seguinte quadro
formado por duas escalas, reformist-radical e prosaic-imaginitive, nas quais se
pode comparar e contrastar os discursos ambientalistas diferentes, Dryzek
identifica quatro classificações distintas.
Classificações de discursos ambientalistas (DRYZEK, 1997, p. 14).
Reformist
Radical
Prosaic
Problem Solving
Survivalsim
Imaginative
Sustainability
Green Radicalism
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O discurso da sobrevivência que é categorizado como radical e prosaic
enfatiza os limites da capacidade do planeta para manter a vida. É caraterizado
como radical no quadro porque questiona o crescimento econômico e os padrões
de consumo, e prosaico porque as soluções propostas não são muito imaginativas
chamando apenas para mais controle administrativo e científico. Alguns
ecologistas, desde os anos 60, formaram seu movimento nessa visão. A crise
ecológica e problemas como a poluição e o esgotamento de recursos naturais
como petróleo, minerais, florestas, peixes, e terra agrícola, levantaram
preocupações sobre a finitude e a fragilidade do planeta. Uma visão que o mundo
estava chegando aos seus limites partiu das consequências cada vez mais visíveis
do crescimento econômico e populacional. Essa perspectiva permeava o
movimento ambientalista nos anos sessenta e foi consagrada em 1972 pelo Clube
de Roma no texto The Limits to Growth. Foi um estudo não técnico com a
colaboração de uma variedade de cientistas que teve muita influência na formação
de posições de vários países (principalmente países europeus e os EUA) durante a
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano em 19726.
(DRYZEK, 1997), (LAGO, 2006).
6
O discurso da sobrevivência contribuiu para o grande apelo inicial por maior controle
ambiental por parte dos Estados-Nação e continua tendo grande importância no movimento
ambientalista.
22
Com maior potencial para efetuar uma mudança concreta o discurso
caracterizado como reformist e prosaic tem uma visão menos apocalíptica que o
discurso da sobrevivência. A abordagem prática de environmental problem solving
reconhece a crise ambiental e procura soluções dentro das instituições e
mecanismos já existentes no sistema econômico e político de sociedades
industriais. Essa visão enfrenta a crise ambiental como qualquer outro problema,
coordenando esforços burocráticos, democráticos e econômicos, liderada por
especialistas e técnicos de diversas áreas. Nos movimentos ambientalistas que
ganham influência em governos e instituições políticas e econômicas esse
discurso é muito presente. Dentro de environmental problem solving cabem três
discursos mais específicos. O administrative rationalism, democratic pragmatism
e economic rationalism compartilham os mesmos pressupostos, mas utilizam
mecanismos diferentes para realizar soluções. No quadro esses são reformistas
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porque se tratam de mudança dentro do sistema existente, e são prosaicos porque
não oferecem soluções criativas (DRYZEK, 1997).
No lado oposto do quadro há o discurso radical e imaginative que é
extremamente diverso e formado por uma variedade de ideologias, movimentos,
partidos, grupos, e pensadores. Dryzek divide o radicalismo verde em duas
categorias principais, romantic e rationalistic por uma divergência clara na
interpretação desses atores em relação ao racionalismo iluminista. Os verdes
românticos não destacam a visão iluminista de progresso e racionalismo porque
desejam mudanças na própria maneira com que os indivíduos se relacionam com
o mundo e a natureza. Em contraste, de modo mais moderado, os verdes
racionalistas reconhecem a crise da relação do homem com a natureza, mas
destacam a possibilidade para achar soluções dentro dos princípios iluministas
tradicionais da igualdade e dos direitos. Essa perspectiva também permeia uma
grande parte do movimento ambientalista. É radical porque rejeita a sociedade
capitalista industrial e imaginativo porque visa uma mudança drástica nas relações
humanas com o meio ambiente (DRYZEK, 1997).
O discurso caracterizado como reformist e imaginative encerra os
discursos voltados à sustentabilidade. Essa talvez seja uma proposta comum a
todos os elementos do movimento ambientalista, independentemente da forma
como incorporam o ambientalismo (pelo menos conceitualmente). Desde os anos
noventa, o discurso da sustentabilidade e os movimentos que assumem essa causa
23
foram mais discutidos e divulgados tanto no âmbito internacional quanto no
nacional. Quando lida com a crise ambiental, parece que o discurso da
sustentabilidade tem a resposta para tudo. Resolve o conflito entre os interesses
econômicos e a proteção do meio ambiente, que é um problema destacado nos
discursos de economic problem solving. De algum modo a sustentabilidade
combina a proteção do meio ambiente, crescimento econômico, justiça social e
igualdade, de forma que tem alcance local e global. Os discursos da
sustentabilidade são reformistas porque buscam repensar o sistema econômico de
produção e consumo, sem um radicalismo inerente, e são imaginativos com
respeito às soluções do conflito entre o crescimento econômico e a preservação do
meio ambiente. (DRYZEK, 1997)
No discurso de sustentabilidade, o desenvolvimento sustentável foi
destacado em 1987 através do Relatório Brundtland. Fruto da Comissão Global do
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Meio Ambiente e Desenvolvimento, esse relatório, chamado Our Common Future,
virou o documento central na concepção e na realização da Conferência das
Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento em 1992. O
desenvolvimento sustentável é um discurso integrador que engloba uma gama de
preocupações e soluções ambientais. Entretanto, o que significa exatamente na
prática continua a ser sujeito a debate7. (COMISSÃO MUNDIAL, 1991).
Os discursos resumidos acima não somam o ambientalismo, nem o
movimento ambientalista, no seu conjunto. Embora as quatro categorias de
discursos ambientalistas apresentadas por Dryzek constituam apenas um ponto de
partida na discussão ampla sobre o meio ambiente, formam uma base sólida para a
discussão do movimento ambientalista que segue nos próximos capítulos. A
diversidade de perspectivas, que às vezes se contrariam, contribui para a criação
de consenso legítimo porque um único discurso não domina o debate sobre o meio
ambiente. Mostra que todas elas contribuem para construí-lo, e que o movimento
ambientalista representa uma gama de ideias e visões sobre as pessoas, sobre a
natureza e as sociedades contemporâneas.
7
Outra noção de sustentabilidade que Dryzek (1997) discute é ecological modernization que
consegue encontrar meios e fins lucrativos para projetos específicos de sustentabilidade. Esse
discurso, e os projetos relacionados, são destacados na Alemanha, Japão, Holanda, Noruega, e
Suécia, onde realizaram uma reconstrução econômica e de certas indústrias para realizar um
prejuízo menor para o meio ambiente.
24
Depois desta introdução aos discursos ambientalistas diferentes, ainda é
difícil hoje em dia ignorar a presença muito forte da sustentabilidade,
principalmente do desenvolvimento sustentável, na vida cotidiana em países como
o Brasil e os EUA, entre outros. Isso talvez seja pela incorporação desse discurso
pelo setor empresarial. Junto aos discursos sobre conservação e “verde”, o
desenvolvimento sustentável é usado de maneira frívola em campanhas de
marketing e relações públicas. Isso pode ser interpretado como um exemplo da
colonização do mundo da vida. Segundo Habermas, com a expansão do mercado,
os discursos correm o risco de ser manipulados por instituições onde os processos
discursivos que legitimam esses conceitos são ausentes. Hoje se vê os efeitos de
interesses particulares, dinheiro, votos e agendas políticas nos discursos
ambientalistas. O resultado é a limitação dos processos discursivos e a falta de
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legitimação das questões e debates voltados ao meio ambiente.
1.3.
A ecopolítica
Uma análise dos discursos ambientalistas ilustra que o meio ambiente é um
conceito amplo e objeto de uma variedade de perspectivas e interpretações. Isso
pode apontar para caminhos em resposta a crises ambientais e às suas causas, mas
para entender melhor a formação dessas perspectivas é importante aprofundar-se
na
questão
da
legitimidade.
Uma
análise
puramente
discursiva
não
necessariamente explica a maneira que o grande movimento no âmbito político
relacionado às questões do meio ambiente espalhou-se pelo mundo, e nem as
mudanças ao longo desse processo. Também, não faz a conexão entre a formação
de acordos comuns, através do debate pluralista, e a legitimidade desses, cuja
manutenção, pressuposto na teoria de ação comunicativa, é necessária. Como um
movimento social, a arena política é fundamental para esse processo e para a
criação de consenso.
Antes de ganhar espaço no âmbito político, os movimentos ambientalistas
particulares de preservação e de conservação trabalharam para criar uma
conscientização a nível local em resposta à expansão industrial em locais
específicos. Com a transformação política durante os anos sessenta, o movimento
ecologista surgiu no contexto maior de contracultura em vários países. Junto aos
25
movimentos de paz, de direitos civis, de mulheres, antinuclear, e outros, a questão
ambiental se transformou numa plataforma política de grande alcance nacional e
internacional. A partir daí, nasceu uma nova base para a ação política, abrindo o
debate político para novos atores e levando novas questões em pauta. O canadense
Philippe Le Prestre (2000) discute esse fenômeno usando o termo ecopolítica que
refere às relações políticas no âmbito da proteção de recursos naturais e o meio
ambiente. (LE PRESTRE, 2000, p. 19 nota roda pé).
A ecopolítica teve sua origem junto aos movimentos ambientalistas em
contextos nacionais específicos, mas sem dúvida cresceu e amadureceu ainda mais
no âmbito internacional. Mais significativo, pelas ramificações globais que
resultam da crise ecológica e da degradação ambiental, a proteção do meio
ambiente contra certas atividades econômicas e sociais é ligada diretamente às
relações políticas e diplomáticas internacionais. Segundo essa conexão, a
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formação e a aplicação de políticas ambientais ao nível nacional são intimamente
ligadas à política internacional. Le Prestre (2000) explora isso no livro Ecopolítica
Internacional referindo-se às “dimensões de identificação e resolução das
questões ambientais” e “às tentativas dos atores internacionais de impor sua
definição de segurança em face da natureza e da qualidade de vida das
populações...” (LE PRESTRE, 2000, p. 19). Depois de analisar as características
da ecopolítica abaixo, e segundo a gama de perspectivas e diferentes discursos
ambientalistas apresentados acima, fica evidente que a ação política relacionada às
questões do meio ambiente reflete o modelo político democrático e pluralista,
representando uma nova forma de participação política a nível global.
Dentro da política democrática de negociação de interesses, a ecopolítica
constrói o meio ambiente de acordo com os valores, demandas e opiniões que
estão em jogo. A crise ambiental e questões ecológicas muitas vezes são chamadas
à atenção por cientistas, os quais possuem um papel muito importante para a
discussão e definição de preocupações ambientais. Mesmo assim, por exemplo, na
discussão de crises ecológicas a nível local ou regional, ou de mudanças
climáticas a nível global, esses cientistas não necessariamente são valorizados ou
legitimados na criação e implementação de soluções. Isso quer dizer que na
política pluralista os problemas ambientais não existem sem o impacto que
produzem na sociedade e em certos atores. Também que os valores sociais e
morais são maiores que os dados científicos. A definição das preocupações
26
ambientais é relativa e depende do lugar e dos vários fatores históricos,
demográficos, culturais, ou econômicos entre outros. Neste sentido a nível
internacional, a participação de um Estado, na ecopolítica, vai depender da própria
experiência nacional – não numa conclusão ou estudo científico. Portanto, nas
palavras de Le Prestre, “não existe melhor decisão”, que depende de dados
técnicos e estudos científicos; no mundo de ecopolítica internacional, de acordo
com a ênfase procedimental da teoria de ação comunicativa, “o que existe é uma
direção.” Essa direção é formada através do debate pluralista. (LE PRESTRE,
2000, p. 24-25).
A questão do meio ambiente leva em conta fatores sociais e econômicos na
definição dos problemas ambientais e na escolha de suas soluções. A medida dos
custos e dos benefícios, que acompanham essa definição, revela o papel da justiça
distributiva na ecopolítica. Quando se discute os recursos naturais, quais seriam
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utilizados, quem os exploraria, quem se beneficiaria dos lucros, o que produzir
com eles, e como financiá-lo, sempre há um efeito nas desigualdades já existentes
numa sociedade e entre países. Na resolução de problemas ambientais,
desigualdades podem ser preservadas ou até exacerbadas porque a política
pluralista não necessariamente atende à questão distributiva. A nível nacional, isso
é evidente quando a população menos privilegiada, que em muitos casos já sofre
as condições ambientais piores, é afetada negativamente por projetos
caracterizados como soluções. (Um exemplo típico é de populações deslocadas
por projetos considerados de ter benefícios ambientais ou de não prejudicar o
meio ambiente – como a construção de barragens). A nível internacional, as
implicações distributivas também são evidentes: acordos sobre o meio ambiente
deixam alguns países com mais ganhos do que outros, ou não levam em
consideração desigualdades já existentes. Assim, não é necessariamente difícil
achar uma solução que seja geralmente positiva para todos, mas o problema reside
na distribuição dos ganhos. (LE PRESTRE, 2000), (BIERMANN, 2004).
De acordo com Le Prestre, os conflitos subjacentes aos problemas
ambientais são “inevitáveis e normais”. As oposições formadas na identificação e
solução de tais problemas fazem parte do processo político democrático e de
negociação de interesses. “Opõem poluidores e vítimas das poluições, interesses
nacionais e interesses regionais e mundiais, países ricos e países pobres.” Na
implementação de políticas ambientais e na institucionalização da ecopolítica o
27
conflito de jurisdição surge entre governos e entidades administrativas com
interesses e trabalhos diferentes. A nível nacional e internacional, organizações
internacionais, ONGs e Estados, entram em conflito. Quando os resultados de
soluções implementadas não aparecem ou são difíceis de medir, esses conflitos se
tornam ainda mais inevitáveis. Assim, está sempre implicada na ecopolítica, tanto
no nível nacional quanto internacional, a questão de como administrar os conflitos
(LE PRESTRE, 2000, p. 28).
Outra característica da ecopolítica chama a atenção para o papel do Estado
em relação à sociedade. Na ecopolítica, as relações de poder e de política são
reestruturados no âmbito nacional e no internacional. Desde os anos 70, para
países em desenvolvimento, a questão ambiental virou central na articulação das
políticas de desenvolvimento tomando a forma de denuncias das atividades com
maior impacto ecológico. No palco internacional isso transformou a discussão
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política de uma forma marcante. A ecopolítica se consolidou no final das décadas
de oitenta e durante os noventa, a nível nacional, como um lugar para a expressão
dos conflitos entre o Estado e a sociedade e um meio para impor políticas de
justiça ou de humanitarismo. Isso também foi expresso na política internacional
onde os conflitos voltados para as questões ambientais que existem entre Estados
no sistema das Nações Unidas foram alteradas para irem além de denúncias e
incluir soluções relacionadas à justiça distributiva e o desenvolvimento
econômico. (LE PRESTRE, 2000).
É importante mencionar que, dentro desse processo político, existe a
possibilidade que a ecopolítica trará efeitos perversos, surpresas ou negativas,
entre as contradições e as relações inversas – uma característica de qualquer forma
de ação política. As incertezas, a falta de conhecimento ou experiência, e a
manipulação dos problemas ambientais, ameaças, crises, por partes e interesses
particulares são elementos para serem sempre enfrentados. A ecopolítica conhece
bem as controvérsias das implicações científicas, políticas, financeiras,
econômicas e sociais abundantes. Considerando isso, Le Preste indica que “toda
política ambientalista deve fornecer os meios de gestão dos múltiplos dilemas e de
proteção contra os efeitos perversos inevitáveis e imprevisíveis.” (LE PRESTRE,
2000, p. 32).
No sistema internacional das Nações Unidas, o consenso é um princípio
importantíssimo para a negociação. É muito evidente no palco internacional que o
28
consenso na definição de um problema, e assim a sua solução, é mais importante
que uma política ideal. Na escala mundial, o consenso é o único jeito para realizar
administração bem-sucedida e mudanças nas políticas e práticas da comunidade
internacional. O papel de conhecimento científico é central nas questões
ambientais, mas pode facilitar ou complicar o consenso. A ciência não pode ditar
as escolhas dos responsáveis por decisões, e não necessariamente serve para
esclarecer ou diminuir as dúvidas, mas na prática pode servir para adiar uma
decisão sobre uma questão que já está sendo discutida. As pesquisas cientificas
sobre o aquecimento global é um bom exemplo, no sentido de que por décadas
não havia um consenso internacional sobre esse problema e que a sua discussão
refletiu outros conflitos entre interesses no âmbito político. (LE PRESTRE, 2000).
Uma resolução para o conflito entre a proteção do meio ambiente e o
desenvolvimento econômico seria um equilíbrio que leve em consideração o
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crescimento econômico, a conservação de recursos naturais e a democracia. Num
sistema político democrático pluralista, devem ser consideradas as pessoas que
são prejudicadas seja por políticas de conservação, ou de não conservação, dos
recursos naturais. A conexão entre as pessoas e a natureza exige que o meio
ambiente não seja dissociado de objetivos econômicos, sociológicos ou políticos.
Essa característica põe em questão as próprias relações entre pessoas e chama para
uma forma de contrato social que inclui a natureza como componente
fundamental. A ecopolítica tem potencial para colocar no centro da ação política
um acordo entre os humanos e a natureza. O antropocentrismo da sociedade
moderna industrial é considerado a causa da crise ecológica, mas o antihumanismo do ecologismo radical não é a resposta dentro de um sistema
pluralista. O objetivo é achar um equilíbrio que compreenda que os interesses dos
humanos e da natureza são mútuos. (LE PRESTRE, 2000).
Roberto Guimarães é um analista que no Brasil comenta a ação política
baseada em questões relacionadas ao meio ambiente. No livro The Ecopolitics of
Development in the Third World (1991), ele também destaca uma nova relação
entre as pessoas e o meio ambiente e a importância desta relação na vida
cotidiana. Guimarães escreve,
“Ecopolitical analysis should generate a more comprehensive
understanding about the relationships between people, and between
29
people and nature. This is crucial for advancing knowledge about
political systems, and important, too, for generating inputs into policy
decisions that affect the daily life of everyone. The time for endless
emotional discussions about ecological disaster is over. The
environmental awareness of the 1970s has somehow managed to enter
our lives. The proliferation of physical fitness programs and the
presence of health-food stores and restaurants are but the most visible,
perhaps the most superficial, indications of new types of concerns.
Changing life-styles, changing positions in the social structure, as well
as changing issues in the relations between nations, are subtler,
structural signs of humankind's struggle to come to terms with nature.”
(GUIMARÃES 1991, p. 16).
As mudanças na vida cotidiana, que estão cada vez mais visíveis e
significativas, indicam mudanças maiores na forma que a política é feita, nas
relações entre pessoas e na maneira que se vê e se entende a natureza – a própria
estrutura da sociedade está em transformação. A presença na vida cotidiana das
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preocupações ambientais pode ser um indicador da formação legitima desses
valores e opiniões na base da sociedade. É evidente que a política não apenas
apropriou uma nova área de atuação, mas que as próprias visões e determinantes
dessa política se transformaram e as relações sociais detrás da atividade política se
repensaram em relação à ecologia.
1.4.
A sociedade civil internacional
O caráter amplo da questão do meio ambiente não é apenas o resultado do
seu alcance global, mas é relacionado ao contexto de grandes mudanças na
política internacional que ocorreram durante o crescimento da ecopolítica nas
últimas décadas. A transformação geral da política global, depois da queda da
União Soviética, criou novos espaços na arena de diplomacia internacional e nas
Nações Unidas. Também, a abertura política e econômica na América Latina e no
Leste Europeu, durante os anos 80 e 90, mudou a paisagem política a nível local e
regional para muitos países agora dispostos a sistemas democráticos capitalistas.
Como discutido acima, a questão do meio ambiente faz parte da criação de
novas relações sociais, inclusive, desde a perspectiva sociopolítica, a relação do
Estado com a sociedade. No contexto das transformações políticas e o
fortalecimento da ecopolítica, a sociedade civil assume uma nova forma como
parte da articulação das demanda do movimento ambientalista. Na construção de
30
uma sociedade civil que olha para além das fronteiras nacionais, o movimento
ambientalista se expandiu e se desenvolveu. Uma análise do seu papel e
construção é essencial para entender o movimento ambientalista internacional.
Sérgio Costa (2002) destaca o despertar do conceito de sociedade civil em
resposta aos regimes autoritários e totalitários da América Latina e o Leste
Europeu a partir dos anos 70. Depois da abertura política nesses países, novas
alianças e organizações transnacionais se formaram e novos atores floresceram
com base na sociedade e na associação cívica. Costa também chama a atenção
para a ênfase nova em sociedades liberais democráticas no mesmo momento em
que a organização na sociedade civil representou uma alternativa às estruturas
políticas existentes – como o Estado capitalista, de bem estar social,
neoconservador, ou liberal. Assim, a sociedade civil criou novas redes de atuação
e de apoio que facilitaram a divulgação e desenvolvimento de grandes questões
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políticas e sociais8. Com essa nova agitação cívica, o ambientalismo ganhou
espaço para se articular e se ligar com outras áreas de atuação política. Abriu o
campo para maior desenvolvimento do movimento ambientalista em contextos
locais e no âmbito de política internacional.
Para Michael Walzer (1995) o conceito da sociedade civil como um lugar
de associação humana sem coerção, como as redes de sindicatos, religiosas, de
partidos políticos, de cooperativas, de associações de vizinhos e escolares, entre
outros, é a melhor resposta para os problemas e conflitos que se encontra na teoria
política e na procura para o melhor modo de organizar as sociedades. Isso não
quer dizer que o argumento da sociedade civil seja uma alternativa que substituiria
as ideologias de democracia, socialismo, capitalismo, ou nacionalismo, mas é uma
parte fundamental da organização social e ajuda a entender a pluralidade das
sociedades e a corrigir a homogeneidade das ideologias políticas. O argumento de
Walzer é apenas uma forma de enfatizar a sociedade civil como um elemento
indispensável de sociedades democráticas e que funciona para equilibrar a relação
do Estado com a sociedade. O Estado, tanto quanto os cidadãos, enquadram a
sociedade civil e ocupam o espaço dentro dela.
8
Para mais sobre a análise de movimentos sociais usando o conceito de redes ver ScherrerWarren (1993), Gohn (2007) e Castells (2007).
31
É evidente no crescimento da ecopolítica a partir dos anos 70 que o
movimento ambientalista conquistou muito espaço na política com esse despertar
da sociedade civil. A difusão dos conceitos e dos valores do ambientalismo para
diversos setores da sociedade é uma indicação disso, porém um exemplo mais
empírico é a explosão da quantidade de ONGs que começaram a trabalhar com
essa questão. As ONGs se aparecem na sociedade civil, muitas vezes em paralelo
ou em parceria com órgãos do Estado. As ONGs ambientalistas também ilustram
uma nova atuação política e social que transcende as fronteiras nacionais e que
liga o local, regional e o global – um elemento fundamental da nova visão do
mundo que tem o ambientalismo no seu centro (CONCA, 1995).
O papel das ONGs na política internacional é geralmente considerado de
grande importância não apenas para acadêmicos e analistas, mas para os próprios
governos que interagem com elas no âmbito político. O que os governos muitas
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vezes não estão de acordo é com respeito à forma de integração das ONGs no
processo político e de cooperação com órgãos como a ONU. Com certeza essas
organizações da sociedade civil influenciam as políticas e práticas, mas o grau de
eficiência do seu papel na resolução dos problemas ambientais não está claro
(VIEIRA, 2001).
O estudo de Liszt Vieira (2001) contribui para o entendimento das
mudanças na política internacional e no movimento ambientalista discutidas
acima. É uma investigação detalhada sobre o efeito dos processos da globalização
que chama a atenção para a reorientação do papel do Estado junto aos interesses
capitalistas no contexto de desterritorialização de instituições tradicionalmente
constrangidas por fronteiras nacionais. A sociedade civil também se soltou para
crescer no nível global e formar uma rede de interesses públicos, representando a
democracia e a diversidade voltada para questões dos direitos humanos, de
segurança e o meio ambiente. Para Vieira, é necessário pensar numa sociedade
civil global para entender o processo de globalização que está transformando as
relações econômicas, políticas, e sociais. Vieira diz:
“O conceito contemporâneo de sociedade civil global tornou-se um
elemento importante na ressignificação das relações internacionais, que
não podem mais ser explicadas apenas em termos de relações entre
Estados e mercados. Ele sugere múltiplos caminhos que se entrecruzam no
espaço global, numa perspectiva que atribui aos atores um grau de agência
32
que uma visão estadocêntrica não poderia admitir.” (VIEIRA, 2001, p. 2930).
Isso segue o argumento de Walzer de que a sociedade civil global é um
espaço plural, diverso, e muitas vezes tão influente e legítimo, se não mais, do que
quanto o próprio Estado em certas questões ou relacionado a certas agendas. A
ecopolítica e o espaço conquistado pelo movimento ambientalista, no âmbito
internacional, são características deste fenômeno.
Na sua investigação, Vieira também argumenta que a própria ideia da
cidadania está em transformação. É importante entrar nesse elemento das
mudanças sociais relacionadas à sociedade civil, que aqui é o foco, mas não está
no escopo desse trabalho descrever os conceitos tradicionais da cidadania9.
Mesmo assim, se tem que considerar que a cidadania e a sociedade civil são
noções separadas, mas dependentes. A sociedade civil é formada por grupos que
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visam influenciar a política. A cidadania é ligada a um nível de status dentro do
sistema de direito. Quando a sociedade é forte funciona para fortalecer a
cidadania, mas quando é fraca é mais fácil para o Estado ou o mercado combatêla. Também, a sociedade civil existe principalmente dentro da esfera pública, onde
“... associações e organizações se engajam em debates, de forma que a maior parte
das lutas pela cidadania são realizadas em seu âmbito por meio dos interesses dos
grupos sociais...” Vieira também destaca a diferença entre a cidadania e a
sociedade civil pela relação com o Estado. O autor diz que “... não possa constituir
o locus dos direito de cidadania (na noção de Marshal), por não se tratar da esfera
estatal, que assegura proteção oficial mediante sanções legais.” (VIEIRA, 2001, p.
37).
Junto às transformações no âmbito político, o movimento ambientalista e
os conceitos ligados ao ambientalismo criaram novas categorias jurídicas e uma
nova perspectiva sobre os direitos e a cidadania. Com o fortalecimento do
movimento ambientalista na política internacional os direitos da quarta geração
surgiram para considerar o direito de gerações futuras de ter uma vida boa, digna e
próspera. Esse conceito exige um cuidado maior sobre o planeta e o meio
9
Para uma introdução aos conceitos tradicionais da cidadania ver Vieira (2001) e para um estudo
do desenvolvimento dos direitos que formam a cidadania ver Bobbio (1992). Para uma teoria
que usa uma tipologia de cidadania ver Turner (1992).
33
ambiente no presente e traz novas formas de exercício de cidadania. A
responsabilidade de cuidar do meio ambiente virou uma questão de direito e
assim, a forma que os indivíduos atuam, seja na forma de reciclagem, preservação
de recursos como água ou de conscientização própria, se torna uma forma de
participação cívica (BOBBIO, 1992).
1.5.
O espaço público
Nesta seção haverá uma breve discussão sobre espaço social, destacando a
esfera pública nos processos discursivos que formam a racionalização
comunicativa, antes de aplicá-la ao desenvolvimento do movimento ambientalista.
Para trazer a noção de sociedade civil e a ação política empreendida no
movimento ambientalista para o estudo sociológico, é fundamental entender a
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esfera pública como lugar de formação e ação de atores políticos. Vieira (2001)
faz isso na sua apresentação de três modelos políticos de espaço público para
basear a sua discussão sobre as funções e características da sociedade civil. O
primeiro é o modelo na tradição republicana, que entende o debate público em
linhas definidas por relações de poder e com ênfase no conjunto social. O segundo
é na tradição liberal, que pensa no espaço público em termos do mercado onde a
competição determina o debate. O terceiro modelo é de um espaço público
discursivo, destacado na teoria de Habermas, onde através da linguagem e da
deliberação as partes se comunicam e é isso que determina o debate. (VIEIRA,
2001).
Duas décadas depois da sua primeira obra principal, The Structural
Transformation of the Public Sphere (publicado primeiro em 1962), a Teoria da
ação comunicativa (publicado primeiro em 1981) ressalta muitos elementos
fundamentais. Antes de estabelecer a teoria que destaca o modelo de espaço
público discursivo, Habermas (2003b) fez um estudo sobre a esfera pública
burguesa que desenvolveu na Europa durante o século XVIII com o crescimento
da burguesia, da econômica liberal, e da política democrática. Nesse livro,
Habermas ilustrou o declínio da esfera pública burguesa, ao longo do século XX,
com mudanças nas relações do Estado e a sociedade, o surgimento da sociedade
de massa e a formação do estado de bem-estar social.
34
A esfera pública burguesa foi um lugar onde esse grupo urbano em
ascensão, formado por pessoas com uma igualdade de condições, podia debater e
atuar de forma coletiva. O estabelecimento desse espaço contribuiu para a
alteração da economia e facilitou o enfrentamento dos poderes políticos
tradicionais. De forma geral, ajudou a criar um espaço dentro da sociedade onde
indivíduos participaram em processos e discussões que pertenceram à vida pública
de uma forma igualada. Habermas, então, chama a atenção para a transformação
desse espaço e as mudanças nas relações entre as outras esferas da sociedade. Ele
observa que as esferas do Estado, do mercado, do privado, e do público, não
tinham as mesmas demarcações claras que antes. Essa observação influenciou
conceitos tradicionais da esfera pública e abriu a porta para discussões sobre a
esfera pública como um espaço social livre e inclusivo para discussão e
participação num plano igualitário10 (HONNETH & JOAS, 1991).
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No trabalho original de Habermas, o conceito da esfera pública aludiu a
um ideal de democracia plural e burguesa. Esse idealismo induziu a uma
discussão crítica e um debate que produziu uma quantidade grande de literatura
representando várias perspectivas. Cohen e Arato (1992) partem do conceito da
sociedade civil no qual Habermas trabalha, mas se preocupam com a validade
desse modelo hoje em dia e procuram analisar uma esfera pública pós-burguesa.
Eles concluem que com a integração complexa do Estado, o mercado e a mídia,
no mundo da vida, nos processos de produção cultural e de cultural política, a
esfera pública funciona para democratizar as instituições e a política em geral. Os
autores fazem uma análise profunda da política democrática contemporânea,
chamando por uma reconstrução da sociedade civil, mas mantém a base
conceitual nas ideias apresentadas por Habermas. Mais do que uma crítica, como
no caso de Fraser, eles oferecem uma extensão analítica da obra de Habermas que
chama para mais racionalização do mundo da vida através da expansão e
fortalecimento da esfera pública.
10
Uma das críticas mais fortes originou no pensamento feminista. Nancy Fraser (1990) discute os
limites da esfera pública burguesa e chama a atenção para a presença de uma variedade de
esferas públicas que atuam na negociação de interesses particulares e coletivos. Os chamados
subaltern counter publics funcionam na esfera pública para dar voz aos indivíduos e grupos
que geralmente não alcançam espaço dentro das esferas públicas mais dominantes (como a
esfera pública burguesa). Assim, Fraser crítica o conceito de Habermas enquanto parte desse
mesmo para formular sua teoria.
35
Em resposta a essas críticas e discussões, Habermas (2003a) reformula seu
modelo de política discursiva e ação baseada no debate e o consenso para resolver
os pontos de conflito, mas sempre reitera a importância do conceito em si. Em um
texto mais recente sobre esse tema, Direito e Democracia, o autor define a esfera
pública como um fenômeno social básico. Não é uma instituição, nem uma
organização ou uma estrutura normativa; não regula, mas é um sistema que
mesmo que tenha limites internos, é aberto ao exterior. Nas palavras dele, “... a
esfera pública pode ser descrita como uma rede adequada para a comunicação de
conteúdos, tomadas de posição e opiniões; nela, os fluxos comunicacionais são
filtradas e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas...”
(HABERMAS, 2003a, p. 92). Assim, de acordo com sua teoria da ação
comunicativa, essas opiniões fazem parte do mundo da vida e são legitimadas.
Embora o trabalho contínuo de Habermas seja aberto e flexível para dialogar com
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a crítica, está sempre fundado na sua teoria da ação comunicativa.
A definição reformulada do conceito da esfera pública é utilizada por
Habermas na sua discussão contínua da democracia pluralista na teoria social para
tentar examinar a base de legitimação de poder na comunicação e a formação de
políticas legítimas ou ilegítimas. Habermas (2003a) aborda a discussão deste
conceito usando duas teorias. A primeira sendo uma teoria econômica de
democracia que destaca a política deliberativa como um conceito procedimental, e
a segunda (que Habermas critica) sendo de um sistema de regulação onde a
sociedade tem a capacidade de auto-organização. Na segunda, há uma
inadequação em relação ao modelo de política deliberativa de Habermas porque o
Estado tem um papel importante de garantir a integração das entidades
organizadas na esfera pública. Na primeira, a “política racional da vontade” não
deve ser procurada “apenas no nível individual das motivações e decisões de
atores isolados, mas também no nível social dos processos institucionalizados de
formação de opinião e de deliberação.” (HABERMAS, 2003a, p. 72).
Para Habermas, o Estado é um pré-requisito para a regulação social
através da administração da lei. Essa ênfase na institucionalização parte da ideia
que uma sociedade totalmente descentrada não pode manter a unidade. Assim, um
sistema de auto-organização não tem a capacidade de estabelecer um lugar de
reprodução da sociedade “em sua totalidade” (HABERMAS, 2003a, p. 75). Aqui,
de acordo com o modelo discursivo, a linguagem e o mundo da vida possuem a
36
capacidade de encaixar a sociedade como um todo. Chamando para um Estado
mediador, Habermas não aponta para um sistema fechado com uma sociedade
paternalista que desconsidera o poder comunicativo que possuem os cidadãos e a
sociedade civil. Em vez de ver o Estado como regulador ineficiente pesado com
uma sobrecarga, o Estado pode funcionar abertamente para solucionar problemas
de regulação e do poder comunicativo. É com essa visão sociopolítica que
Habermas discute o conceito da esfera pública e da sociedade civil. Habermas
entra em detalhes dizendo que,
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“... a esfera pública é um sistema de alarme dotado de sensores não
especializados, porém, sensíveis no âmbito de toda a sociedade. Na
perspectiva de uma teoria da democracia, a esfera pública tem que reforçar
a pressão exercida pelos problemas, ou seja, ela não pode limitar-se a
percebê-los e a identificá-los, devendo, além disso, tematizá-los,
problematizá-los e dramatizá-los de modo convincente e eficaz, a ponto de
ser assumidos e elaborados pelo complexo parlamentar.” (HABERMAS,
2003a, p. 91).
A aplicação da teoria da ação comunicativa dentro de um conceito de
democracia pluralista, no qual a esfera pública influencia o Estado de direito, traz
a socialização baseada na comunicação a um nível de poder comunicativo. Isso
acontece através da formação de opiniões focalizadas que podem ser
transformadas numa opinião pública de qualidade. Para Habermas, essa influência
é possível somente quando as opiniões entram nas “convicções de membros
autorizados” e assim causam resultados concretos nas ações de eleitores,
funcionários e parlamentares, entre outros. São “processos institucionalizados”
que determinam a transformação da opinião pública em poder político, portanto
também estabelecem e permitem a medida da legitimidade da influência dessas
opiniões (HABERMAS, 2003a, p. 94-95).
Segundo esse modelo, a formação da opinião pública é resultado da ação
comunicativa de diversos atores na esfera pública. O argumento da sociedade civil
de Walzer (1995) explica a composição desses atores e reforça a importância do
modelo discursivo para a esfera pública. Na discussão do conceito da sociedade
civil, Habermas também responde à crítica e o debate relacionado às suas
formulações anteriores. Ele concede que a sociedade civil hoje em dia não é a
sociedade civil no sentido liberal, formado pela classe burguesa, nem no conceito
37
marxista original onde a sociedade civil se constitui no espaço que o Estado não
está presente. Nas palavras de Habermas,
“O seu núcleo institucional é formado por associações e organizações
livres, não estatais e não econômicas, as quais ancoram as estruturas de
comunicação da esfera pública nos componentes sociais do mundo da
vida. A sociedade civil compõe-se de movimentos, organizações e
associações, os quais captam os ecos dos problemas sociais que ressoam
nas esferas privadas, condensam-nos e os transmitem, a seguir, para a
esfera pública política. O núcleo da sociedade civil forma uma espécie de
associação que institucionaliza os discursos capazes de solucionar
problemas, transformando-os em questões de interesse geral no quadro de
esferas públicas.” (HABERMAS, 2003a, p. 99).
Habermas chama a atenção para atores e fenômenos novos em sociedades
democráticas hoje, como a mídia e os meios de comunicação em massa, que tem
um papel importantíssimo na deliberação discursiva e na produção e reprodução
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do mundo da vida. É claro que não estamos, e nunca estivemos, no tipo ideal da
esfera pública burguesa, mas esse conceito mantém seu valor heurístico. Ainda é
possível aplicá-lo para analisar a função de política democrática, e também é
aplicável no contexto das mudanças no campo político no nível internacional e a
reflexão da função da esfera pública no âmbito internacional. A construção de uma
esfera pública global é indispensável para a ação política relacionada a questões
do meio ambiente, e mantém sua base no modelo discursivo de Habermas.
1.6.
A esfera pública internacional
Muita crítica do modelo original da esfera pública burguesa nasce na visão
idealista que a apresenta como um espaço aberto, neutro e pluralista. No seu
estudo inicial da transformação desse espaço social, Habermas não enfrentou o
fato que esse ideal nunca foi realizado. Contudo, em resposta à crítica, ele
simultaneamente reconhece os limites desse modelo e defende a sua essência. No
texto sobre a esfera pública hoje em dia, Manuel Castells (2008) destaca que o
conceito da esfera pública atual é muito diferente do tipo ideal burguês, mas
afirma a importância desse modelo ideal pelo seu valor analítico. Castells usa o
conceito da esfera pública habermaseana para analisar o debate público em
sistemas democráticos. A esfera pública nas palavras de Castells “is the
38
cultural/informational repository of the ideas and projects that feed public debate.”
É onde são facilitadas a atuação, o debate e a influência da sociedade civil no
sistema político de representação baseada no equilíbrio entre o Estado, a
sociedade civil, e os cidadãos (CASTELLS, 2008, p. 79).
Embora a evidência histórica seja contra a noção da esfera pública como
um lugar neutro e aberto para a construção de significados, ainda se pode destacar
o papel importante desse espaço na construção das políticas nas quais uma
sociedade opera. Neste são formadas, deformadas e reformadas as representações
e opiniões de uma sociedade nas quais, na teoria de ação comunicativa, formam o
mundo da vida. Castells chama a atenção para duas formas sociopolíticas que
esses processos estão construídos em cima do tecido cultural dentro do mundo da
vida. A primeira é unilateralmente por instituições políticas numa expressão de
dominação e a segunda, por outro lado, por indivíduos grupos e associações da
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sociedade civil, e pelo Estado, na esfera pública. Na primeira forma os indivíduos
não fazem parte das instituições e por isso a comunicação não acontece entre os
atores e a falta de legitimidade no sistema representativo resulta numa crise de
autoridade. Na segunda forma, de cooperação entre setores variados da sociedade,
a estrutura e dinâmica do sistema político e dos processos políticos são definidas e
facilitam a política democrática legítima (no sentido habermaseana). A
democracia é fundada na relação do Estado e a sociedade civil e quando a
sociedade não tem voz dentro da esfera pública o Estado como resultado não
funciona para servir a sociedade (CASTELLS, 2008).
Vieira, junto com Castells, chama a atenção para a crise na esfera pública
nacional dentro do contexto dos novos processos de globalização e o efeito desta
na função e no papel do Estado. Eles enfatizam três elementos desse novo
contexto: primeiro apontam para a importância da sociedade civil global, e a
formação de uma esfera pública internacional; segundo afirmam a existência da
sociedade civil global, nesse novo contexto, junto às formas de governança global
como a ONU e entidades regionais como nas Américas, na África e na Europa;
finalmente destacam que no espaço político e institucional onde o poder soberano
não aplica a esfera pública internacional é formada pelas relações entre Estados e
atores não estatais.
Aqui, é possível inferir que o mesmo processo de formação de valores,
opiniões e consenso através da racionalização comunicativa, que acontece a nível
39
nacional, aplica para o âmbito internacional, mas, a este nível, as formas e a
construção da esfera pública são menos claras. A reativação da esfera pública
garante a prática de cidadania e a função do sistema democrático baseado na
representação dentro do novo contexto de política internacional. Nas palavras de
Castells, a crise na esfera pública nacional torna a esfera pública internacional
muito relevante. Ele diz que “without a flourishing international public sphere, the
global sociopolitical order becomes defined by the realpolitik of nation-states that
cling to the illusion of sovereignty despite the realities wrought by globalization.”
(CASTELLS, 2008, p. 80), (VIEIRA, 2001). Essa dinâmica tem implicações para
o movimento ambientalista e para a ecopolítica voltada às questões como a crise
ecológica e à procura por sustentabilidade e soluções para os problemas
ambientais.
Uma questão atual que o mundo vivencia é que os processos econômicos,
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políticos e sociais estão com um alcance muito além das fronteiras e barreiras
nacionais. “Not everything or everyone is globalized, but the global networks that
structure the planet affect everyone.” (CASTELLS, 2008, p. 81). A década de
setenta foi uma época importante para essa transformação estrutural em relação a
muitas questões, inclusive a questão ambiental. Com a UNCHE em Estocolmo, a
primeira reunião desse tipo na comunidade internacional, a questão do meio
ambiente se tornou central junto às questões tradicionais da comunidade
internacional como a segurança e os direitos humanos. Junto a essas questões, e
talvez de forma maior, o meio ambiente é uma questão que é relevante para o
mundo inteiro. Olhando pela lente dos processos globalizados, o meio ambiente
torna o mundo menor do que nunca. A política e as chamadas para soluções
voltadas a essa questão revelam os limites de fronteiras nacionais.
A sociedade civil global é um termo que junta formas de organização
variadas (que podem ser contraditórias e competitivas) e sua ascensão é, em parte,
devido ao papel diminuído do Estado soberano e o fortalecimento de um regime
internacional. Uma análise do movimento ambientalista a nível internacional
reflete a incapacidade do Estado de lidar com uma questão de alcance global, e
destaca a atuação da sociedade civil global e o surgimento da esfera pública global
nos debates e nos processos democráticos (VIEIRA, 2001). Neste sentido, se
destaca as conferências da ONU sobre o meio ambiente como lugares de
estabelecimento de maior espaço público a nível internacional e como momentos
40
discursivos para a articulação de diversos interesses e a racionalização
comunicativa. A análise da UNCHE e a UNCED revela mudanças ao longo dos
vinte anos que as separaram e indicam a ascensão e o caráter do movimento
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ambientalista, além de refletir sobre o debate sobre o meio ambiente.
2
O movimento ambientalista em suas arenas discursivas
A discussão sobre o papel da sociedade civil global é fundamental num
estudo sobre o movimento ambientalista. No entanto, trata-se de um desafio, visto
que essa tarefa nos leva à águas não muito navegadas. Não existem as mesmas
referências e relações claras entre sociedade e Estado nas quais os conceitos
tradicionais da sociedade civil foram construídos. Como apresentado no capítulo
anterior, e como destacam Vieira (2001) e Habermas (2003a), a sociedade civil
funciona hoje em dia num campo independente que ultrapassa e transforma o
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Estado e o mercado. No âmbito internacional, a sociedade civil menos transcende
as definições e demarcações das fronteiras nacionais. Até bem pouco tempo havia
o Estado, como entidade estruturante, e a sociedade, como coletivo de indivíduos
ou de instituições. Agora, no âmbito internacional e nacional, existe a sociedade
civil independente dos Estados, na forma de uma grande rede de associações,
organizações e movimentos, cujos membros se aproveitam de uma variedade de
eventos, fóruns, congressos, e outras arenas discursivas para atuarem.
As Nações Unidas constituem um sistema político internacional, onde a
sociedade civil global atua, estabelecendo um espaço público para o debate e a
negociação, bem como para a formação de consensos e acordos comuns. Além
das reuniões e conferências oficiais sobre temas específicos, a Carta das Nações
Unidas criou um mecanismo para garantir a participação de entidades não estatais.
O ECOSOC (o Conselho Econômico e Social) é um importante órgão
que
viabiliza a participação direta de representantes não estatais nos processos e
decisões políticos da ONU. O papel do Estado continua destacado no sistema da
ONU, mas, mesmo assim, os debates entre Estados (como no conselho de
segurança), e com entidades não estatais (como a sociedade civil global no
ECOSOC) facilitam a criação do consenso e, portanto, a formação legitima de
opiniões a serem traduzidas na forma de políticas e normas internacionais. No
âmbito das questões ambientais, pelo caráter e história própria do movimento
ambientalista, a sociedade civil internacional criou muitos espaços para se
42
articular e participar nos processos discursivos da ONU. Comparado a outras
questões centrais debatidas na ONU, como os direitos humanos ou a segurança, o
meio ambiente conseguiu atravessar uma gama de temas da política internacional,
ganhando
na
década
de
setenta
uma
atenção
que
vem
crescendo
exponencialmente.
A questão do meio ambiente não entrou subitamente no debate da ONU.
Antes dos anos 70, esteve presente em debates sobre questões mais tradicionais,
como a segurança alimentar ou a proliferação nuclear. A partir de 1972, no
entanto, entraram em discussão as relações entre seres humanos e meio ambiente,
e possíveis consequências das mesmas, as quais se tornaram uma questão básica
nos debates e para a formação política (GALIZZI, 2005). Nesse ano foi realizado
a UNCHE (Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano),
evento no qual o meio ambiente foi apresentado como um assunto que deveria ser
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discutido de maneira independente, em razão de importância que lhe foi atribuído
na época. Esse debate ao nível internacional marcou novas prioridades, mas em
1972 o foco permaneceu na poluição industrial e na preservação. Neste momento,
ainda não foi percebido como uma questão global de importância para o mundo
inteiro.
A conferência foi um evento muito importante para o movimento
ambientalista, a ecopolítica e a sociedade civil, por seu tamanho, alcance e
formato. A conferência estabeleceu um espaço público aberto à articulação de
elementos da sociedade civil e de Estados, fortalecendo desse modo o próprio o
movimento ambientalista no sistema internacional. A UNCHE foi um momento
discursivo onde a negociação e a formação de opiniões num sistema plural de
deliberação discursiva consagraram o movimento ambientalista e um conjunto de
conceitos e valores relacionados. Vinte anos depois, em 1992, foi realizada a
UNCED (Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento), marcando um segundo momento discursivo importante, na
qual a legitimidade do movimento ambientalista e os debates e políticas efetuados
em 1972 foram rediscutidos e consolidados.
Antes de entrar em detalhes sobre os processos de preparação das
conferências, críticas e resultados, é essencial entender porquê e como esses
eventos surgiram. Examinar as origens das conferências contextualizará sua
realização, contribuindo para uma análise mais aprofundada do papel da sociedade
43
civil nos processos discursivos e nas transformações do movimento ambientalista
contidas.
2.1.
As origens das conferências ambientalistas
A Resolução 2398 (1968) da Assembleia Geral das Nações Unidas
estabeleceu a fundação administrativa e conceitual para a UNCHE, que
aconteceria em 1972. Na ocasião, foi proclamado que os seres humanos deveriam
estar no centro dos problemas ambientais e, a partir disso, as atividades humanas
tornaram-se centrais para o entendimento da crise ecológica. A postura oficial da
ONU destacou três pontos: a) que a ameaça ao meio ambiente era uma criação
humana, b) que existia a necessidade de remover os obstáculos existentes à
cooperação internacional que impediram a procura por soluções a nível nacional e
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internacional, e c) que a conferência tratava de interesses de toda a espécie
humana.
A Resolução começa declarando que “...the relationship between man and
his environment is undergoing profound changes in the wake of modern scientific
and technological developments.” Mais a frente, o documento destaca que “...the
need for intensified action at the national, regional and international level in order
to limit and, where possible, eliminate the impairment of the human environment
and in order to protect and improve the natural surroundings in the interest of
man.” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1968). Esse documento
estabelece claramente, portanto, desde as primeiras linhas, a articulação da
questão do meio ambiente em relação às atividades humanas dentro da ONU.
Antes, a proteção ao meio ambiente fazia parte dos debates na ONU, mas somente
em relação ao sistema econômico internacional e à sua organização. Neste
contexto, a discussão foi limitada às questões de produção e extração de recursos.
Não obstante, a partir dos anos setenta, o debate sobre o meio ambiente saiu dos
limites das questões econômicas tradicionais e, através do debate pluralista dentro
da ONU, ganhou maior alcance (TAVARES, 1999).
Sem dúvida, a UNCHE estabeleceu a direção para o debate sobre o meio
ambiente para as décadas seguintes, chegando aos mais diversos setores da
sociedade em diferentes partes do mundo. A Conferência foi resultado direto da
44
atenção internacional crescente aos problemas e aos efeitos cada vez mais
evidentes e graves das crises ecológicas. O campo político se abriu para além da
discussão sobre preservação e conservação, incorporando ao debate questões
sobre a qualidade de vida geral das populações no mundo, como, por exemplo, o
alívio da poluição. Os conceitos e princípios consolidados durante a UNCHE,
através deste novo espaço discursivo para a racionalização comunicativa,
formaram a base para ação política relacionada às questões do meio ambiente e
para a elaboração da agenda ambiental atual.
Uma mudança significativa na direção e foco do movimento ambientalista
é evidente dentro do espaço de discussão constituído durante a UNCHE, mas as
origens dos valores, perspectivas e discursos, associados com isso residiram
apenas principalmente na sociedade civil dos países altamente industrializados.
Embora crises ecológicas tivessem criado situações problemáticas em países com
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os mais variados perfis, situados nos hemisférios sul e norte, a atenção da
sociedade civil e da opinião pública às questões ambientais tiveram origem na
Europa Ocidental, Austrália, Japão e Estados Unidos.
Nas décadas dos 60 e 70, no contexto da Guerra Fria, as questões sobre o
meio ambiente, como outros temas políticos ou econômicos, se destacaram sob a
lente do conflito político e ideológico entre o Ocidente e o Oriente. Assim, o
questionamento do modelo de desenvolvimento industrial, que foi central na
articulação do movimento ambientalista durante essa época, foi utilizado como
mais uma arma ideológica. Nos países capitalistas, por exemplo, era fácil explicar
as crises ambientais globais como resultado do modelo socialista de
industrialização. Seguindo essa linha de análise, a prática de chamar a atenção
para as falhas do socialismo soviético revela mais uma fonte possível para o
fortalecimento do movimento ambientalista nos países capitalistas mencionados
acima.
Outro elemento importante na formação do movimento ambientalista e da
opinião pública sobre o tema nesses países, que não por acaso eram os mais
economicamente poderosos, foi o fato que desde o fim da Segunda Guerra
Mundial passaram por vinte anos de crescimento econômico ininterrupto. Como
resultado, a classe média fortalecida havia suprido relativamente as necessidades
45
básicas de saúde, habitação, educação e alimentação.1 Assim, foi possível para a
sociedade civil, e a sociedade em geral, formar novas prioridades, destacar novas
ideias na base da sociedade e fundar novos comportamentos e práticas. Em outros
países com uma sociedade civil ativa durante as décadas dos 60 e 70, do Leste
Europeu e América Latina, por exemplo, a preocupação estava voltada às
liberdades básicas e às questões de direitos políticos e civis. Em países como
EUA, Austrália e Japão, os grandes setores da sociedade dotados de
meios
políticos e econômicos para considerar os efeitos de ações humanas sobre a
ecologia, tinham a capacidade de olharem-se no espelho, de questionar o que viam
e de adotar medidas para alterar seu modo de vida. Com a ajuda de livros como
Silent Spring (1962) de Rachel Carson, no contexto de transformação cultural
maior da década dos 60, a sociedade civil foi mobilizada. A opinião pública foi
impactada e mudanças nos padrões de produção e consumo entraram em foco
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(LAGO, 2006).
No contexto de transformação cultural ampla e da introdução de novas
práticas ambientalmente “consciente” na base da sociedade, a UNCHE marca a
transição do meio ambiente como uma questão predominantemente científica para
uma questão cada vez mais política e econômica. Ao nível internacional, em
países com graus diferentes de desenvolvimento, industrialização e riqueza
(financeira e natural), essa transição foi abordada de acordo com o contexto
interno de cada país. Portanto, na ONU, havia fortes diferenças de opinião,
expectativas e necessidades entre os participantes da conferência. Nesse contexto,
destacou-se o lado político e econômico do debate relacionado à questão do meio
ambiente, e uma grande divisão entre países desenvolvidos e países em
desenvolvimento em torno do conteúdo do debate na UNCHE e das direções a
serem tomadas (BIERMANN, 2004).
Na UNCHE, dois textos científicos influenciaram muito a formação das
opiniões, principalmente dos países desenvolvidos, afetando o desenho da questão
ambiental em linhas econômicas e políticas. The Limits to Growth (1972), do
Clube de Roma, foi escrito por diversos autores e cientistas e representou a visão
pessimista do modelo de desenvolvimento presente. Destacou que a origem da
1
Ronald Inglehart (1990) observou a substituição desses valores materialistas para novos
valores pós-materialistas que enfatizam a qualidade de vida das comunidades e das pessoas.
46
crise ecológica encontrava-se em um modelo de desenvolvimento que não
considerava o fato dos recursos naturais serem finitos. Chamou a atenção para a
necessidade de transacionar as tendências de crescimento atual para um modelo
equilibrado a fim de evitar uma crise catastrófica global. Aqui, a questão do
crescimento econômico de países em desenvolvimento, que queriam seguir o
modelo industrial, foi destacada como uma ameaça a ser evitada. Também, o livro
Blueprint for Survival (1972) anunciava uma crise global catastrófica, chamando a
atenção para a necessidade de limitação e controle da população mundial. Esse
último
também
destacou
o
crescimento
populacional
de
países
em
desenvolvimento. Os dois textos representaram uma grande parte do pensamento e
discurso dos países desenvolvidos expressos antes e durante a UNCHE.
Apresentaram um diagnóstico baseado nas projeções e conclusões de certos
cientistas, negadas pelos representantes de países em desenvolvimento. Por isto, e
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por seu caráter alarmante, levantaram diferenças de interesses entre países com
graus diferentes de desenvolvimento gerando, como resultado, ainda mais
discussão política e econômica pouco fundamentada pelos termos científicos
(LAGO, 2006).
A divisão entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento com
respeito às questões ambientais, tanto a nível internacional quanto a nível
nacional, foi estabelecida e destacada na UNCHE. Os países ricos valorizaram
conforto, saúde mental, redução da poluição e qualidade de vida, enquanto os
países que não alcançaram o mesmo nível de desenvolvimento econômico
priorizaram a exploração de recursos para necessidades materialistas básicas de
comida, vestuário e habitação. Um símbolo como uma chaminé enfumaçada
poderia ter, nesse sentido, significados muito diversos em países diferentes.
Embora as perspectivas não fossem iguais, ocorreu na UNCHE, entretanto o fato
histórico
de
publicação
de
documentos
que
apresentavam
objetivos
compartilhados por países que a rigor possuíam graus de desenvolvimento muito
diferentes. Uma nova era da política internacional e do movimento ambientalista
nasceu com o acordo firmado para avançar na cooperação internacional e no
tratamento da questão ambiental (UDALL, 1973).
A UNCHE permanece um marco histórico para o movimento
ambientalista, ao nível da política internacional e do espaço público global. Como
um momento discursivo, a conferência faz parte de um processo contínuo de
47
realização de um entendimento comum sobre o meio ambiente. Através dos
processos discursivos, os países que não possuíram as condições políticas e
econômicas para disseminar as críticas relacionadas à crise ecológica na opinião
pública, e não desenvolveram um movimento interno forte na sociedade civil,
participaram nos debates e na formação dos acordos. O nível dessa inclusão e a
qualidade do debate determinariam a influência e a legitimidade da nova agenda
ambiental e do movimento ambientalista.
2.2.
A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano
(UNCHE)
A UNCHE, em Junho de 1972, aconteceu em Estocolmo e foi a primeira
grande reunião das Nações Unidas dedicada à questão do meio ambiente,
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marcando a articulação da questão do meio ambiente pela comunidade
internacional. Entre os 113 países que estariam presentes na conferência,
representantes dos governos de apenas os seguintes 27 países participaram no
Comitê Preparatório: Argentina, Brasil, Canadá, Chipre, Cingapura, Costa Rica,
EUA, França, Gana, Guiné, Índia, Irã, Itália, Iugoslávia, Jamaica, Japão, Ilhas
Maurício, México, Nigéria, Países Baixos, Reino Unido, República Árabe Unida,
Suécia, Tchecoslováquia, Togo, União Soviética e Zâmbia (LAGO, 2006).
Desde as reuniões preparatórias, foi visível que o caminho para Estocolmo
havia deixado os países em desenvolvimento insatisfeitos. Esses países
apresentavam uma variedade de perspectivas, inclusive a percepção de que as
preocupações sobre o meio ambiente somente pertenciam aos países
industrializados. Através da política multilateral, acharam que os países
desenvolvidos queriam impor legislação ambiental através das normas
internacionais para reprimir ou ameaçar o futuro desenvolvimento da indústria e
dos setores produtivos. O Secretário-Geral da UNCHE, Maurice Strong, foi
sensível às atitudes dos países em desenvolvimento e destacou a importância de
considerá-las para assegurar a legitimidade e o sucesso da conferência. Um passo
grande no processo preparatório foi a Resolução 2657 da XXV Assembléia Geral
(1970), que declarou a necessidade de considerar as políticas ambientais no
contexto de desenvolvimento econômico e social e levar em conta as necessidades
dos países em desenvolvimento. Strong destacou a importância da inclusão desses
48
países na discussão preparatória e na realização da conferência, adotando uma
série de medidas para garanti-la (LAGO, 2006).
O Secretário-Geral convocou o Grupo de Peritos sobre Desenvolvimento e
Meio Ambiente, em Junho 1971, no qual foi produzido o Founex Report on
Development and Environment (nomeado pela cidade na Suíça, onde se reuniram
os participantes), voltado diretamente às relações entre o meio ambiente e o
desenvolvimento. O documento expressou as preocupações de países em
desenvolvimento, ressaltando as tensões entre países com graus diferentes de
desenvolvimento. Estabeleceu, ainda, a base para os debates e as políticas a ser
desenvolvidos na UNCHE. Com o apoio de países em desenvolvimento, o
Relatório Founex ilustrou a sua postura, estabelecendo muitos conceitos que
seriam incluídos na Declaração sobre o Meio Ambiente Humano, um dos três
documentos principais produzidos na UNCHE. Vários princípios chamaram a
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atenção para as consequências das novas preocupações ambientais da comunidade
internacional da perspectiva dos países em desenvolvimento como, por exemplo,
a) os efeitos negativos nas exportações dos países em desenvolvimento resultantes
de regulação ambiental, b) a necessidade de monitorar barreiras comerciais
baseadas em preocupações ambientais e c) os altos custos financeiros para
compensar os padrões ambientais elevados. Contudo, o Relatório Founex chamou
a atenção para a potencialidade do ambientalismo para fomentar o
desenvolvimento. Países podiam aproveitar das considerações ambientais para
criar novas indústrias e produtos; portanto, a responsabilidade ambiental não
necessariamente significava um mau negócio para a grande do mundo, podendo
atender a necessidades de desenvolvimento. Esses princípios não apenas
estabeleceram o tom da UNCHE, determinando ainda argumentos da agenda
ambiental que se tornariam clássicos da negociação política internacional para as
próximas décadas (MAURICESTRONG.net, 1971), (LAGO, 2006).
O Relatório Sobre o Estado do Meio Ambiente foi coordenado por Barba
Ward e René Dubos em 1971, durante a terceira sessão do Comitê Preparatório
em Nova York, e foi outro texto fundamental para o processo preparatório da
conferência em Estocolmo. Esse segundo Relatório, que criou preocupação para
alguns países em desenvolvimento pela possibilidade de contrariar os princípios
de Relatório Founex, teve contribuições principalmente de especialistas
identificados com o movimento ambientalista de países desenvolvidos. Assim,
49
ecoava no texto o tom alarmante sobre o impacto humano no futuro do planeta,
expresso pelos países presentes na conferência. Depois do processo preparatório,
esse Relatório foi publicado como um livro, cujo título trazia o mote central da
conferência: Only One Earth (WARD & DUBOS, 1972), (LAGO, 2006).
Sem dúvida, Only One Earth destacou as preocupações dos países
desenvolvidos, mas, como implicado nesse slogan, defende a importância da
cooperação internacional para lidar com as questões ambientais. Embora essa
mensagem seja chave para a UNCHE e para o futuro do movimento ambientalista
internacional, a declaração de Only One Earth foi problemática para os países em
desenvolvimento que questionaram para quem e na visão de quem existe apenas
uma terra. A perspectiva que prescrevia a limitação do crescimento econômico, ou
sua interrupção, foi estabelecida de diferentes maneiras em textos influentes como
The Limits to Growth e Blueprint for Survival, sendo, entretanto, plenamente
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rejeitada pelos países em desenvolvimento. A consideração dessas duas
perspectivas opostas pela conferência indica o seu caráter discursivo. Como o
Secretário Geral Maurice Strong indicou com seu apoio para a reunião em Founex
a forte participação dos países em desenvolvimento no processo preparatório
aumentou a possibilidade de sucesso em Estocolmo.
Para o movimento ambientalista e para a ação política voltada às questões
ambientais, 1972 foi marcante não apenas pela formação de espaço discursivo que
fomentou a racionalização comunicativa — que comparada com 1992 vinte anos
depois foi bastante incipiente — como também pela maior participação da
sociedade civil a nível internacional. A conferência abriu o processo preparatório
à observação por ONGs, as quais tiveram uma influência sobre a agenda geral e
sobre os representantes dos governos presentes. As ONGs agiram como
consultores no processo de preparação e na realização da conferência e seu papel
foi central no estabelecimento da agenda (TAVARES, 1999). Embora não
houvesse precedente para a participação de ONGs em termos numéricos, a sua
presença ressaltou o já descrito desequilíbrio: somente 10% das ONGs
representaram países em desenvolvimento. A participação limitada de
representantes da sociedade civil desses países, por circunstâncias políticas e
sociais internas, foi um fator significante da inclusão de opiniões alternativas na
UNCHE e da direção do movimento ambientalista internacional (CONCA, 1995),
(HAAS, 1992).
50
Embora os países em desenvolvimento clamassem por reformas, como
levantado no Relatório Founex, pode-se entender essa postura como defensiva. A
base do conflito envolvendo a questão ambiental residiu no setor produtivo,
concentrando-se nas áreas industrial, de agricultura e de energia. Tanto nos países
desenvolvidos quanto nos países em desenvolvimento esses setores resistiram
muito à regulação e a legislação ambiental. No final da década dos 60 e o início
dos 70, diante de novas leis e restrições, o setor produtivo teve que responder às
demandas ambientais. Em alguns casos o setor produtivo chegou a incorporar os
valores e práticas do movimento ambientalista. Em outros casos, para não
prejudicar os fins produtivos e ainda para demonstrar compromisso com a
proteção ambiental, contornou legislação ambiental existente e manipulou a
atenção da opinião pública e da mídia. Uma maneira de manter o status quo
produtivo em países desenvolvidos no novo contexto foi desviar a atenção para os
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países em desenvolvimento, livrando-se dessa maneira da responsabilidade
ambiental. A resposta foi uma postura defensiva contra o peso da responsabilidade
de mudar. Como resultado, no debate internacional, essas tensões e a resistência
contra a necessidade de mudar, funcionaram para tirar a atenção, em países
desenvolvidos tanto quanto nos em desenvolvimento, de demandas internas para
maior proteção do meio ambiente e poucos avanços reais aconteceram (LAGO,
2006).
Para nações pobres, normas internacionais como ponto de partida para
lidar com crises ambientais significaram a restrição do seu desenvolvimento
econômico, enquanto os países ricos continuaram a consumir a grande maioria
dos recursos do planeta. Assim, para quem valorizava uma abordagem
multilateral, como para o político americano Stewart L. Udall (1973), foi
estabelecida uma divergência entre o Norte e o Sul que implicou na limitação dos
resultados da cooperação internacional. A respeito da UNCHE, Udall observa que
“...two diametrically opposite approaches to the environment met head-on at
Stockholm and the predictable result was an impasse which produced only
promised studies and token reforms.” (UDALL, 1973, p. 724).
Esse impasse pode ser traduzido em um elemento fundamental que
separou esses grupos. Para os países altamente industrializados, a proteção do
meio ambiente foi abordada de forma autônoma da economia. Por exemplo, nos
EUA, o Clean Air Act (1963 /1970) e a subsequente criação do Environmental
51
Protection Agency (1970) se dirigiam ao controle e à avaliação científica e
legislativa. Não atendeu às questões sobre a estrutura social e a economia
nacional. Nos países em desenvolvimento, por outro lado, a abordagem da questão
ambiental não podia ser separada da questão econômica e social. Assim, a
proteção ambiental não podia tomar a mesma forma daquela adotada em países
como os EUA. Proteção em si, definida por técnicos e recursos científicos,
significava limitar o desenvolvimento econômico e o não uso de recursos naturais.
Não podia aliviar a degradação ambiental porque nos países em desenvolvimento
os problemas eram outros. Isso quer dizer que a pobreza e a desigualdade social
extrema nesses países exigiam uma abordagem para a questão ambiental que
considerasse as conexões diretas entre a economia, a sociedade e a proteção
ambiental (HAAS et al., 1992).
Trinta anos depois da UNCHE, Maurice Strong fez algumas reflexões no
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livro Worlds Apart: Globalization and the Environment (2003). Ele destaca três
elementos da conferência: a) que as diferenças entre países em desenvolvimento e
os mais industrializados ficaram claras e não foram resolvidas, b) que os temas do
meio ambiente e o desenvolvimento se tornaram centrais nas negociações
internacionais, e c) que o maior sucesso e impacto para o futuro das Nações
Unidas foi a criação de um modelo para negociações e acordos cooperativos que
inclui os países em desenvolvimento ao debate (STRONG, 2003). Segundo
Habermas, essa ênfase procedimental e discursiva criou a base para a
racionalização comunicativa necessária para a questão ambiental e os acordos
estabelecidos se institucionalizarem de forma legitima e justa.
Conforme a perspectiva, ou o assunto específico, a UNCHE pode ser
considerada um sucesso ou um fracasso. A falta de consenso sobre o resultado da
conferência e a complexidade dos assuntos relevantes permite dizer que não foi
um sucesso total, tampouco um fracasso total. De qualquer modo, é possível
apontar para as áreas em que a UNCHE produziu resultados concretos. Com a
participação das ONGs e a aprovação de dois textos importantes, a UNCHE
consagrou o meio ambiente como uma questão nova para a ação política e como
um meio para relacionamento entre nações e povos. O primeiro texto importante
foi uma declaração de princípios, A Declaration of the United Nations Conference
on the Human Environment (1972), no qual 26 princípios foram estabelecidos,
refletindo os conceitos da Resolução 2398 (1968), documentando o consenso
52
internacional sobre as questões ambientais. O segundo texto foi “O Plano de Ação
para o Meio Ambiente Humano”, que listou 109 recomendações a serem adotadas
pelo sistema internacional e consideradas pelos Estados-membro para lidar com as
questões ambientais. (LAGO, 2006), (GALIZZI, 2005), (TAVARES, 1999).
Outro resultado importante da UNCHE foi a criação do Programa das
Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP). Esse órgão virou um tipo de
consciência ambiental da ONU cuja declaração de missão reflete o tono da
conferência – “To provide leadership and encourage partnership in caring for the
environment by inspiring, informing, and enabling nations and peoples to improve
their quality of life without compromising that of future generations.” (UNEP,
Mission Statement). O UNEP promove debates sobre questões ambientais a nível
nacional e regional, e como resultado facilita o relacionamento com ONGs
nacionais e internacionais (TAVERES, 1999). O Programa produziu uma
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movimentação abrangente de expansão das discussões sobre o tema pela
sociedade civil e pelo movimento ambientalista. Nos países onde não havia muita
atuação na área ambiental, a UNEP estimulou a criação de entidades nacionais e
ONGs focadas na questão do meio ambiente aptas a tratar de situações nacionais e
a dialogar com o sistema internacional. Em muitos casos, a UNEP depende de
ONGs e da sociedade civil para coletar informações não distorcidas (por governos
ou setores resistentes à fiscalização internacional ambiental) e para preencher os
espaços não ocupados pelos Estados (LAGO, 2006).
Um dos resultados mais importantes, embora menos visível ou tangível
que os documentos e instituições, foi o fortalecimento da própria ONU no que diz
respeito ao seu modelo multilateral de organização e de negociação internacional.
Essa conquista gerou uma série de outras conferências e debates nos anos
seguintes e, segundo os conceitos na teoria de ação comunicativa, representa a
racionalização das instituições internacionais através de processos discursivos. O
tema ambiental entrou definitivamente na agenda internacional multilateral,
destacando novas prioridades, valores e ideias, e estabelecendo uma fundação
para futuras negociações relacionadas ao meio ambiente. A criação do UNEP, o
apoio das ONGs e a articulação dos seus interesses nesse cenário, expandiram a
possibilidade para a futura cooperação e coordenação com a sociedade civil.
Em Estocolmo a sociedade civil global se definiu de uma nova forma,
diversificando-se, e onde as diferenças entre as ONGs que atuaram na área
53
ambiental ficaram claras. Aqui os diferentes discursos ambientalistas começaram
a surgir e se relacionar: ONGs naturalistas ou conservacionistas, trabalhando
dentro do discurso científico; outras mais tradicionais, enfocando nas questões
originais do movimento ecologista; e ainda ONGs militantes, questionando o
desenvolvimento industrial e o modelo econômico internacional. A partir da
UNCHE, a gama de perspectivas e discursos ambientalistas começou a crescer e
se desenvolver. O precedente que a conferência estabeleceu, em relação à
participação de ONGs, favoreceu a expansão do movimento ambientalista e a sua
base na sociedade civil (LAGO, 2006), (LE PRESTRE, 2000).
A UNCHE efetuou a fundação institucional para ação e negociação
política em relação a questões do meio ambiente, estabelecendo uma base
discursiva a fim de buscar consensos na comunidade internacional. Da perspectiva
dos países em desenvolvimento, um consenso internacional tinha que levar em
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conta seus interesses em relação ao desenvolvimento econômico. Esses países
exigiram garantias ou reparações para as perdas resultantes das restrições
impostas pelos novos padrões ambientais relacionadas, por exemplo, à redução da
renda das exportações e ao surgimento de novos custos decorrentes de adequações
à legislações ambientais. Ademais, esses países apoiaram resoluções protegendo
os princípios de direito nacional de soberania e de exploração de recursos naturais
próprios estabelecidos no Princípio 21 da Declaração da UNCHE (UNEP, 1972).
O sucesso dos países em desenvolvimento em estabelecer e fazer avançar
sua agenda constituiu uma faca de dois gumes. Embora a conferência houvesse
fomentado acordos sobre as 109 recomendações que formam o Plano de Ação, a
intenção original de criar consenso e estabelecer normas internacionais foi
prejudicada. Stewart L. Udall, político e acadêmico americano, que passou a toda
a carreira destacando a importância das questões ambientais, vocalizou sua crítica
no artigo “Some Second Thoughts on Stockholm” (1973) depois da conferência
dizendo que a cooperação internacional foi subvertida e que o estabelecimento de
normas concretas foi limitado pelos interesses políticos e econômicos nacionais.
Udall não comemorou o novo regime internacional da proteção ao meio ambiente
pelo fato de não constituir reformas e normas concretas para sua implementação e
pela falta de vontade política por parte de países, desenvolvidos ou não, para
produzir um caminho progressista no sistema internacional (UDALL, 1973).
54
Udall ressalta neste texto as tensões entre países com graus diferentes de
desenvolvimento. Segundo o autor, a partir da UNCHE, os países ricos tinham
que considerar as demandas e preocupações dos países em desenvolvimento.
Entretanto os desenvolvidos acreditavam que seguir o caminho atual do modelo de
desenvolvimento inevitavelmente resultaria em descuido e negligência ambiental
nos países em desenvolvimento. Para Udall, faltou uma visão alternativa de
desenvolvimento que permitisse uma mudança maior, exigida pela situação da
época. Ao outro lado da brecha política, As propostas dos países desenvolvidos
para
restrições
ambientais
que
limitariam
taxas
de
desenvolvimento,
representaram para muitos países um caminho para intensificar a desigualdade
econômica já existente no sistema econômico internacional. Assim, os limites da
nova consciência global e da cooperação internacional ficaram claros. Udall
expressa a decepção dos ambientalistas que esperavam que a conferência criasse
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medidas para correções e ações para enfrentar a crise ecológica. No entanto, para
essas pessoas, a UNCHE acabou sendo um exercício de retórica eloquente e não
um palco para iniciar planos de ação decisivos (UDALL, 1973).
Como um momento discursivo, segundo a teoria de ação comunicativa de
Habermas, a UNCHE possibilitou a criação de um espaço aberto para os
argumentos em disputa, embora, para muitos observadores, os avanços concretos
alcançados tenham sido pouco expressivos. A crítica de Udall coloca em questão a
capacidade da racionalização comunicativa de sair do âmbito da linguagem e
entrar no âmbito institucional e de mudança concreta. As decepções de Estocolmo
levantaram questões muito importantes nos debates sobre o meio ambiente e na
política multilateral das Nações Unidas. Udall percebeu a incapacidade dos
Estados-nação contemporâneos para lidar com a crise ecológica global e fornecer
soluções para mudanças progressistas. A conferência tinha muito potencial, mas
falhou porque os grandes assuntos ecológicos eram considerados menores do que
outros temas caros às discussão políticas entre nações pobres e seus vizinhos mais
ricos, como, por exemplo, os conflitos internacionais desencadeados em tempos
de Guerra Fria.
Nesse contexto de compromisso perpétuo e diplomacia cautelosa, a
UNCHE tornou-se mais uma luta por força ideológica e contestação ousada; não
foi um lugar para articular uma visão de toda a humanidade para cooperação
internacional e proteção mútua do meio ambiente. A conferência representou uma
55
oportunidade para a descolonização dos interesses geopolíticos e ideológicos do
mundo das relações internacionais e para mudar o foco ao meio ambiente. Os
participantes receberam um mandato legítimo, justificado e apoiado, para abrir
mais espaço para a realização dos processos voltados ao entendimento comum. As
expectativas eram altas, mas as possibilidades desse espaço foram limitadas com a
tendência de preservar as forças ideológicas e políticas já existentes. Udall
expressou essa decepção quando resumiu sua crítica:
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“The innocuous declarations and vague agreements at Stockholm clearly
attest to the current unwillingness of nations to subordinate their narrow
interests to our imperiled global ecosystem. While some have praised
the Conference as a momentous step forward, I submit that history will
judge Stockholm as a missed opportunity, a failure to think holistically
and to identify the approaching perils of global catastrophes.” (UDALL,
1973, p. 728).
Para Udall a necessidade de pensar holisticamente para encarar a crise
ecológica global foi prejudicada pelas grandes divergências da conferência e pela
proteção de interesses particulares. Udall critica como a reunião de Estocolmo
acentuou a maneira descentralizada e fragmentada de lidar com as questões
ambientais. Setores e programas diferentes da ONU abordaram tarefas diferentes
relacionadas aos novos desempenhos ambientais. Por exemplo, pesquisar sobre o
uso do solo para a eliminação ou tratamento de resíduos e reciclagem foi delegado
na Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento industrial, a
Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação e a Organização
Mundial de Saúde. Da mesma forma descentralizada entidades muito diferentes
foram indicadas para compartilhar informações entre si a fim de alcançar
melhores resultados em trabalhos realizados separadamente por cada uma delas: a
Comissão Oceanográfica Intergovernamental junto a Organização das Nações
Unidas para Agricultura e Alimentação, a Organização Mundial Meteorológica, a
Organização Marítima Internacional, a Organização Mundial de Saúde, a Agência
Internacional de Energia Atômica, a Organização Internacional Hidrográfica, e o
Conselho Internacional para a Exploração do Mar. Todos esses braços do sistema
internacional continuam trabalhando de forma descentralizada para promover
discussões, troca de informações e a definição de normas. Contudo, a preocupação
apresentada por Udall é a dificuldade neste sistema de criar políticas muito
56
substantivas. A UNCHE criou a Secretaria do Meio Ambiente das Nações Unidas
e o Environment Coordination Board (parte do UNEP) como órgãos centralizados
para lidar com questões ambientais, que não têm uma ênfase gerencial e nem o
poder para capitanear e desenvolver um programa internacional. Para Udall falta
ao esquema organizacional a concentração necessária de recursos para administrar
ações que se dirigem à crise ecológica (UDALL, 1973).
Esse caráter descentralizado também é refletido nas 109 recomendações
aprovadas na UNCHE. Falta uma direção unificada e organizada para a efetivação
das mesmas, as quais são frequentemente abordadas por mais de uma instituição.
Embora a inclusão de perspectivas, valores e ideias nos debates e nos resultados
da conferência seja objeto de crítica por Udall, não se pode desprezar o efeito
legitimador que ela produz do ponto de vista da teoria da ação comunicativa. A
incapacidade de pensar holisticamente e identificar o perigo iminente de
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catástrofes globais pede um entendimento comum compartilhado, possibilitado
pela ação comunicativa. A UNCHE não criou normas concretas e mecanismos
para enforcar legislação ambiental, mas criou uma estrutura para a organização
multilateral e espaço para o debate pluralista.
Através de uma análise dos resultados da UNCHE é possível reconhecer
aquilo que Habermas destaca na teoria da ação comunicativa. Não se trata de
buscar uma conclusão sobre os efeitos da conferência, mas antes, de compreender
a conferência como o início de um processo. Não era necessário para os
participantes chegar a um acordo ou a uma conclusão final ou que fosse ótima,
dentro do quadro limitado de possibilidades. O que vale, e o que tem efeito
legitimador, é a realização dos processos que possibilitam a formação de tal
acordo ou conclusão, algo que reside no coração da teoria da ação comunicativa.
A existência de um espaço discursivo que permita a ocorrência da
racionalização comunicativa, não necessariamente tem uma correlação com
caráter quantitativo de resultados. No contexto de busca de políticas e regulações
internacionais para lidar com a crise ecológica e gerenciar os recursos naturais, a
legitimidade da discussão não produz eficiência e políticas concretas. Segundo a
teoria da ação comunicativa, os sistemas são eficientes, mas são fechados e
totalizadores. A eficiência exigida por alguns para lidar com a crise ecológica não
é legítima porque neste caso os interesses particulares determinam o debate e não
um processo discursivo aberto e pluralista. Só através da racionalização do mundo
57
da vida – dos processos discursivos que fomentam a racionalização comunicativa,
do debate pluralista, e da participação da sociedade civil – as políticas e
instituições burocráticas são legítimas.
2.3.
A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento (UNCED)
A UNCED foi outro momento discursivo importante para o movimento
ambientalista e para o sistema internacional da ONU. Como seu antecedente em
Estocolmo, a UNCED quebrou recordes. Foi a maior reunião de países e
organizações nacionais e internacionais até aquela data. Em Inglês, o chamado
Earth Summit, e em Português conhecido como a Rio-92, promoveu uma reunião
sem precedentes de representantes de governos e da sociedade civil do mundo
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inteiro.
Em Junho de 1992, a cidade do Rio de Janeiro quebrou recordes recebendo
um total de representantes de 172 países, dos quais 108 eram chefes de Estado ou
de governo. Além disso, foi marcado pela a grande presença da sociedade civil
organizada em diversas ONGs. Segundo os dados das Nações Unidas, 1.400
ONGs participaram diretamente na conferência, enquanto membros de mais 7.000
ONGs formaram um evento paralelo, chamado Fórum Global. O evento incluiu
ainda quase 10.000 jornalistas (UNITED NATIONS, 1997). Sem dúvida, a Rio-92
foi o momento de maior interesse no meio ambiente do século XX. Segundo a
Resolução 44/228 (1989), que convocou a UNCED, depois de considerar
resoluções do ECOSOC, do UNEP e recomendações de países membros, a
conferência teria como objetivo “elaborate strategies and measures to halt and
reverse the effects of environmental degradation in the context of increased
national and internacional efforts to promote sustainable and environmentally
sound development in all countries.” (UNITED NATIONS GENERAL
ASSEMBLY, 1989). Na Rio-92, os debates chegaram além dos problemas
associados com a poluição e a conservação. O meio ambiente virou uma questão
com proporções globais.
Da Resolução 44/228, nasceu o processo preparatório para a realização da
Rio-92. Esse texto estabeleceu 23 objetivos para a conferência, divididos em
quatro grupos: (i) identificar estratégias regionais e globais; (ii) reunir objetivos
58
relacionados à degradação ambiental e o quadro econômico mundial; (iii) incluir
questões sobre a formação de recursos humanos, educação, cooperação, e
informação; (iv) abordar os encaminhamentos institucionais para a execução das
decisões da conferência (LAGO, 2006). A Resolução também estabeleceu a
convocação de cinco sessões preparatórias (PrepComs) abertas aos membros da
ONU para negociar acordos sobre três temas centrais: a mudança climática, a
diversidade biológica e as florestas. Esses foram claramente construídos como
questões globais. Ademais, objetivou a criação de uma “Carta da Terra”, mais
tarde intitulada como Declaração do Rio, destacando o caminho futuro para a
realização do desenvolvimento sustentável, e, ainda, de um Plano de Ação, que,
por visar o século diante, seria chamado de “Agenda 21”.
Mesmo que a Agenda 21 não fosse o documento mais importante do
processo preparatório, com certeza foi o mais extenso. Com 40 capítulos, o Plano
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de Ação teve 85% de suas proposições aprovadas pelos participantes ao final dos
cinco PrepComs. Esses dados indicam a grande tarefa e dificuldade para alcançar
o consenso e a participação coletiva dos membros da ONU (LE PRESTRE, 2000).
Na Rio-92, os debates e o número de participantes foram muito maiores que em
Estocolmo. Portanto, e dentro do modelo da ONU baseado no consenso, cresceu
também a importância de estabelecer um entendimento comum. A Agenda 21 foi
resultado do processo de criação de consenso entre a comunidade internacional, e
as ideias e princípios nela expressados definiram o futuro do debate sobre o meio
ambiente dentro e fora da ONU. Para resumir, o Plano de Ação conferiu novas
dimensões ao sistema internacional visando estimular todos os setores da
sociedade, os governos, a sociedade civil, os setores produtivos, acadêmicos e
científicos, a abordar o desenvolvimento sustentável. A Agenda 21 destacou a
cooperação internacional entre esses setores para poder mudar o pressuposto
limitador que separava o desenvolvimento econômico da proteção do meio
ambiente (LAGO, 2006).
O processo preparatório foi construído sobre quatro eixos principais.
Aquele em que governos chegariam a um acordo sobre a agenda e aos conteúdos
através de reuniões preparatórias e desenvolvimento de posições regionais ou
entre países com interesses comuns, chamado de eixo político. Aquele onde
especialistas independentes e de organizações internacionais definiram os
problemas e as opções possíveis para resoluções, chamado o eixo científico.
59
Aquele
em
que
ONGs
ambientalistas,
desenvolvimentistas
e
sociais
influenciariam a agenda propondo soluções, chamado o eixo civil. Finalmente, o
eixo em que os participantes negociariam e assinariam as convenções sobre a
diversidade biológica, a mudança climática e as florestas (LE PRESTRE, 2000).
Para o eixo civil, o processo preparatório foi de importância primária.
Desde a Resolução 44/228 de 1989 até a realização da Rio-92 destacou-se o
tamanho e forma de organização por parte de ONGs de diversos tipos. O UNEP,
criado em Estocolmo, contribuiu nesse sentido com a primeira pressão
institucionalizada para ampliar a participação da sociedade civil no sistema
internacional. Esse crescimento das ONGs provavelmente foi motivado pelas
mudanças na política internacional e regional ocorridas durante as décadas de 70 e
80, relacionado a um fortalecimento da sociedade civil e dos movimentos sociais
e,
consequentemente,
do próprio
movimento ambientalista. As ONGs
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ambientalistas se expandiram e a necessidade de assegurar a participação de
ONGs de países desenvolvidos e em desenvolvimento, no debate tornou-se clara.
No início do processo preparatório estavam presentes somente organizações
ambientalistas e grupos lobistas industriais dos EUA, Canadá e a Europa
Ocidental. No entanto, antes do fim dos cinco PrepComs, 1.420 organizações do
mundo inteiro foram autorizadas a participar na Rio-92, através de um processo
mais flexível de credenciamento (TAVARES, 1999).
A Resolução 44/228 convidava ONGs internacionais e nacionais,
membros ou não da ONU ou da ECOSOC, a contribuir na preparação da Rio-92.
Houve uma série de conferências regionais para coordenar as posturas que se
diferenciaram de acordo com os tipos de organização e de regiões, além de outras
reuniões políticas como, por exemplo, a do G7 e da União Europeia, destinadas à
estabelecer suas posições particulares. Estados produziram e apresentaram
relatórios sobre suas experiências nacionais, resumindo os progressos e problemas
relacionados ao desenvolvimento sustentável nos seus territórios. No total, 75
documentos como estes foram recebidos em 1991, e 139 em 1992, que, juntos,
somavam cerca de 18.000 páginas. Além da coleta dessa grande quantidade de
informação, a Resolução 44/228 estabeleceu a maior participação de ONGs em
um processo preparatório para uma conferência internacional, as quais
contribuíram diretamente na formação da agenda da conferência e, portanto, nos
textos produzidos. Além disso, a sociedade civil foi representada não apenas por
60
essas organizações, mas pela comunidade científica, industrial e numerosos
sindicatos (LE PRESTRE, 2000).
A diversidade de participantes em 1992 reflete o fato de que a questão
ambiental tinha alcançado um público muito maior. Uma das mudanças mais
evidentes, de 1972 para 1992, foi a entrada da questão ambiental na teoria
econômica e no mundo dos negócios. A perspectiva empresarial, que exerceu
grande influência na Rio-92, foi expressa no livro Mudando o Rumo: uma
perspectiva empresarial global sobre desenvolvimento e meio ambiente (1992),
publicado pelo empresário suíço Stephan Schmidheiny. O otimismo do fim da
Guerra Fria foi acompanhado por incerteza e crise nos discursos e estruturas
políticas e econômicas tradicionais. Isto sacudiu o mundo dos negócios no mundo
inteiro. O meio ambiente e o desenvolvimento econômico se destacaram como as
áreas de preocupação mais elementar, resultado não apenas da nova dinâmica da
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política internacional, mas também da aceitação das inegáveis ligações entre esses
campos. Em 1992, o conceito de desenvolvimento sustentável surgiu e se
consolidou como o discurso quase oficial comum aos campos do movimento
ambientalista e das empresas, por prometer a conciliação da preservação do meio
ambiente e do desenvolvimento econômico (LAGO, 2006).
Imediatamente, a Rio-92 propunha a criação de um novo mundo. O rumo
do desenvolvimento sustentável podia resolver a crise ambiental e a crise de
desenvolvimento para gerar mais prosperidade de uma maneira douradora. Nas
palavras de Le Prestre (2000), duas décadas depois da UNCHE, caso a
comunidade internacional “... se empenhasse em catalisar a cooperação
internacional em favor de uma seria de ações concretas e ambiciosas com vistas
ao crescimento econômico, à melhora da qualidade de vida dos indivíduos e à
proteção do meio ambiente natural.” (LE PRESTRE 2000, p, 202).
O conceito de desenvolvimento sustentável, adotado na Rio-92, foi
anteriormente consolidado em 1987 pela Comissão Mundial sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como a Comissão Brundtland por ser
presidida, desde sua criação em 1983, pela Primeira-Ministra da Noruega Gro
Harlem Brundtland. O relatório que essa Comissão publicou primeiro em 1987,
Nosso Futuro Comum (1991) – conhecido como o Relatório Brundtland –
antecipava a proposição das ideias e dos procedimentos adotados na Rio-92,
dando o tom para as próximas duas décadas de política internacional relacionada
61
às questões ambientais. Seu significado pode ser comparado com a do Relatório
Founex na época da UNCHE na medida em que ofereceu alternativas que não
excluíram o desenvolvimento dos países pobres e as preocupações sobre os
padrões de produção e consumo de países mais ricos. Em Estocolmo, a maior
parte do êxito foi relacionada à consideração da perspectiva dos países em
desenvolvimento. Por isso, o Secretário-Geral Maurice Strong, responsável pelo
forte apoio do Founex, foi chamado novamente para presidir a conferência em
1992.
No Relatório Brundtland, foi estabelecido o foco no desenvolvimento
sustentável como uma abordagem integral do problema ambiental. Ele destacou
ainda o papel especial das ONGs, expressando a necessidade de estimular mais a
criação dessas organizações e a atuação das mesmas para compensar as falhas de
governos e manter o interesse público e político voltado à proteção ambiental.
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Assim, essa visão, que chegou a dominar o discurso do movimento ambientalista,
não apenas juntou os elementos econômicos e ambientalistas através da conclusão
que os dois se reforçaram mutuamente, mas, consolidou a importância das ONGs
nessa discussão (LAGO, 2006), (TAVARES, 2000), (COMISSÃO MUNDIAL,
1991).
Provavelmente a maior diferença da Rio-92 quando comparada a UNCHE
de 1972, foi não apenas o aumento do volume e da participação de ONGs, como
também o fato de que parte significativa desses órgãos eram provenientes de
países em desenvolvimento (que em 1972 somente representava 10% das ONGs),
fruto da atividade política crescente em vários países desde a década dos 70 e do
fortalecimento da sociedade civil principalmente nos países da América Latina e
no Leste Europeu. Com essa expansão da sociedade civil, explodiu o número de
ONGs na década dos 90. A dinâmica interna entre as ONGs, e em relação ao
sistema da ONU, determinou em parte o procedimento da Rio-92. Havia grupos
distintos de ONGs com perspectivas, abordagens e objetivos diferentes. As ONGs
políticas, como, por exemplo, os representantes de Partidos Verdes da Europa e de
países em desenvolvimento, sentiram-se frustrados com a tendência da Rio-92 a
reproduzir os debates de Estocolmo e com os limites das ONGs para influenciar a
política. As ONGs interessadas em uma transformação social abrangente, através
de consciousness-raising, em vez de pressionar diretamente com uso da ação
política, formaram um grupo distinto e igualmente frustrado. De qualquer
62
maneira, esses grupos e organizações estavam presentes e podiam vocalizar suas
atitudes e prioridades para contribuir com debate crescente sobre o meio ambiente
(CONCA, 1995).
A variedade de ONGs que participaram na Rio-92 foi expressiva. Algumas
eram ambientalistas, outras desenvolvimentistas; algumas eram grandes entidades,
outras buscavam serem mais visíveis; algumas estavam presentes para promover
uma agenda política, outras participaram para formar um estatuto consultivo
oficial; algumas faziam parte de delegações nacionais, outras eram independentes.
As mais ativas eram as ONGs internacionais como a União Internacional para a
Conservação da Natureza (WWF), o Environmental Defense Fund (EDF),
Greenpeace e os Amigos da Terra. Essas não representaram nações especificas,
agindo internacionalmente, mas geralmente apoiavam uma agenda ambiental que
refletia os interesses dos países em desenvolvimento nas questões sobre os
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padrões de consumo, as transferências financeiras, a reforma econômica
internacional e o controle de instituições internacionais de desenvolvimento.
Assim, essas ONGs enfatizaram essas questões, apoiando a ação direta para a
implantação de políticas. Procuraram ainda ampliar os debates sobre questões
ambientais aproveitando-se do contexto de abertura à participação política e de
desenvolvimento de democracia local, que no fim legitimaria ainda mais o modelo
discursivo internacional (LE PRESTRE, 2000), (GALIZZI, 2005).
A criação da Comissão de Desenvolvimento Sustentável (CSD) como
órgão de implementação e regulação de políticas internacionais ressaltou o papel
das ONGs na UNCED e o fortaleceu no sistema internacional. Embora a CSD e os
documentos importantes produzidos na conferência abrissem muito espaço para as
ONGs, ainda permaneceram limites à sua influência, pois mesmo que o número
de ONGs envolvidas na Rio-92 tenha superado as expectativas, devido ao
processo de credenciação flexível, nem todas tiveram acesso. Isso não impediu,
contudo, a participação das organizações que desejavam acompanhar a
conferência. Um Fórum paralelo ao Rio-92 foi formado por aquelas as quais
estava vedado acesso direto às negociações oficiais. O “Fórum Global” criou um
espaço alternativo de discussão, aproveitando-se da visibilidade favorecida pela
presença dos meios de comunicação internacional para se envolver nos debates da
Rio-92. A influência das ONGs que tinham acesso direto às negociações também
era limitada. O fato de que muitas ONGs receberam financiamento de governos
63
limitou a sua participação como um terceiro setor independente. Além disso, o
acordo sobre a Declaração e a Agenda 21 não resultou em mecanismos que
exigidos para fazerem os Estados-membro da ONU a cumprirem as ações
previstas, diminuindo dessa maneira o peso da influência das ONGs (TAVARES,
1999), (LE PRESTRE, 2000).
As ONGs tinham mais influência nas áreas da Agenda 21 onde não
encontravam resistências pelos Estados. Eram as áreas para as quais os governos
ainda não haviam adotado políticas específicas. Em geral, eles estavam a favor da
proposta, ou não temiam que teriam que comprometer recursos financeiros
substanciais. Em outras palavras, tratavam-se das áreas apenas relacionadas a
questões não polêmicas. A dinâmica de compromisso entre as ONGs e os Estados
criou uma atmosfera que não divergiu das negociações e compromissos firmados
entre Estados (TAVARES, 1999). No espírito de debate aberto e pluralista, além
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da negociação entre os participantes, havia uma forma de negociação entre os
temas diversos que as ONGs representavam. Os temas globais abrangentes que
receberam muita atenção no sistema da ONU, como os direitos humanos, a saúde
e populações indígenas, se cruzaram com a agenda ambiental e por vezes diluíram
as fronteiras das questões ambientais. Nesse contexto, ficou difícil determinar
onde terminavam as preocupações ambientalistas e onde começavam os interesses
sobre outras questões (TAVARES, 1999), (CONCA, 1995).
No fundo da variação entre perspectivas e agendas representadas na Rio92 havia uma nova divisão no mundo. Isso existia em Estocolmo, mas, devido ao
novo contexto político internacional nos anos 90, essa nova ordem se tornou
central aos debates e aos resultados. A conferência em Estocolmo estava restrita a
divisões definidas pela Guerra Fria e relacionadas a problemas de economia
política e soberania nacional. A Rio-92 refletiu uma nova divisão global delineada
economicamente e não politicamente. Não existia mais a separação política do
Oriente comunista e Ocidente capitalista. Agora o mundo estava dividido entre o
Norte e o Sul, embora essa nova divisão tenha continuado tão arbitrária em termos
geográficos quanto a anterior. Essa organização espacial localizou a maioria dos
países industrializados no hemisfério norte e os países considerados em
desenvolvimento no hemisfério sul. Assim, como em Estocolmo, através da
interação entre governos e organizações de países com graus diferentes de
desenvolvimento
e
de
riqueza,
dos
mais
industrializados
aos
menos
64
industrializados, existiram prioridades e perspectivas diferentes com respeito ao
meio ambiente. A grande distância entre o grau de desenvolvimento dos países do
Norte e do Sul foi acompanhada pelas diferenças entre os dois grupos.
A nova divisão do mundo e o novo contexto político internacional deram
um novo aspecto ao debate de 1992. O aumento no número de ONGs
participantes (liderado pelo Brasil desde a UNCHE) que favoreceu a
representação de países em desenvolvimento e o fortalecimento dos seus
interesses no debate internacional ressaltou o novo caráter da discussão de 1992
(BIERMANN, 2004). No final dos anos 80 a discussão sobre a convenção a
respeito das mudanças climáticas aconteceu dentro da UNEP com a Organização
Metrológica Mundial (WMO), que tinha uma orientação técnica e científica. A
partir de 1990, a mudança dessa negociação na Assembleia Geral da ONU, para
um campo político e econômico, beneficiou os países em desenvolvimento. Isso
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atendeu melhor aos interesses dos países em desenvolvimento na medida em que
queriam melhorar os índices econômicos antes de levar em consideração os
índices ecológicos. No debate pluralista do sistema internacional a questão do
meio ambiente foi tratada na Rio-92 de uma maneira que permitiu melhor
entendimento e acordo entre países e legitimou os resultados da conferência
(LAGO, 2006).
Como em Estocolmo, os resultados da Rio-92 foram diversos. Nesse
momento discursivo de grandes proporções, os objetivos foram sujeitos a
interesses e estratégias políticas diferentes. Da mesma maneira que alguns países
adotaram uma postura defensiva durante a UNCHE para proteger interesses
nacionais, na Rio-92 o objetivo principal para alguns Estados foi de bloquear ou
impedir os acordos com respeito aos elementos contrários aos seus interesses
particulares. Nas negociações sobre mudanças climáticas, por exemplo, os países
produtores de petróleo objetivaram a resistência total; da mesma maneira os
Estados Unidos bloquearam avanços com respeito à redução de emissões. Por
outro lado, os países puderam adotar uma estratégia ativa e objetivar dirigir um
debate relevante para impor sua definição sobre problemas específicos ou
soluções propostas. Para a decepção de muitos, as posturas defensivas e os
interesses políticos de países e grupos particulares ressaltaram as negociações de
Estocolmo, dificultando um debate aberto e produtivo (LE PRESTRE, 2000).
65
A divisão do Planeta entre Norte e Sul provou-se problemático para a
definição dos interesses e os objetivos que determinaram o debate da UNCED. Na
Rio-92, os interesses dos países do Sul foram destacados como se formassem um
grupo uniforme, embora suas demandas não necessariamente formassem um
bloco único. Tampouco, da mesma maneira, os objetivos homogêneos dos países
desenvolvidos criaram problemas na definição das agendas. Mesmo assim, de
forma geral, os países industrializados compartilharam os objetivos de evitar a
obrigação financeira gerada por medidas e soluções acordadas na conferência, e
de impedir a criação de novas instituições fortes para gerenciá-las. Não queriam
que a Rio-92 se transformasse num debate sobre desenvolvimento e medidas para
fomentá-lo, as quais gerariam efeitos negativos para suas economias nacionais
(LE PRESTRE, 2000).
Os países industrializados apoiaram, entre outros temas, um acordo sobre
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florestas, convenções sobre mudança climática e biodiversidade, a ação
internacional que visava os problemas ambientais numa escala mundial, o
princípio do poluidor-pagador, e mais estudos técnicos e científicos sobre os
impactos ambientais. Ainda entre esses países, objetivos diferentes às vezes os
dividiram em grupos opostos. A União Europeia e o G7, por exemplo, eram
grupos que mantinham os interesses comuns descritos acima, embora divergissem
quanto a outros objetivos2 (LE PRESTRE, 2000).
Para os países em desenvolvimento, a formação de uma agenda
compartilhada poderia ter ajudado na negociação com os interesses dos países
industrializados. Havia a oportunidade de criar uma visão alternativa dos
problemas ambientais a nível mundial, mas as diferenças internas e os objetivos
individuais limitados dos países em desenvolvimento dificultaram um acordo
entre eles mesmos. O maior obstáculo na Rio-92 foi a visão míope direcionada
apenas às vantagens de curto prazo e ao resultado financeiro imediato ao invés de
olhar além, em busca de reformas a longo prazo.
Os países em desenvolvimento foram agrupados de maneiras diferentes:
entre estes havia os mais pobres, os destituídos, ou os ricos em recursos naturais
2
A EU é uma união política e econômica que destaca os interesses comuns regionais
relacionados à instituições como cortes e bancos. O G7 também é um grupo com interesses
políticos e econômicos de representantes de sete países industrializados.
66
(todos possuindo objetivos diferentes e por contrários). Outros grupos formados
por esses mesmos países eram o G77, a Organização dos Países Exportadores de
Petróleo (OPEC), a Aliança dos Pequenos Estados Insulares (Aosis) e as
economias em transição. Embora esses grupos não formassem um grupo unido, os
PrepComs que precederam a Rio-92 facilitaram a criação de uma agenda geral dos
países em desenvolvimento na qual se encontravam priorizadas a pobreza dos
Estados e dos indivíduos. Os países em desenvolvimento também acordaram que
os problemas ambientais resultavam do modo de consumo abusivo dos países
ricos e do sistema internacional desigual, os quais podiam ser resolvidos através
do desenvolvimento. Assim, o foco na soberania e no direito de utilizar recursos
naturais permaneceu e a maioria se opôs a uma convenção obrigatória sobre as
florestas, fonte econômica importante para muitos países em desenvolvimento,
como o Brasil. O G77 (com 130 membros) reafirmou o direito dos princípios de
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desenvolvimento, aproveitando-se da questão ambiental para conseguir apoio para
seus objetivos de crescimento econômico, de controle sobre ações de bancos
internacionais de desenvolvimento e de obtenção de ajuda financeira para cumprir
os novos compromissos de proteção do meio ambiente (LE PRESTRE, 2000),
(BIERMANN, 2004).
O tamanho e dimensões da Rio-92 era inédito e, como em Estocolmo, os
documentos produzidos e aprovados forneceram uma base para as negociações
futuras no sistema internacional. A importância da questão do meio ambiente na
agenda internacional, vinte anos depois da UNCHE, foi reafirmada e seu
significado reiterado. O fato de a conferência ter sido realizada em um país em
desenvolvimento refletiu que a questão e a preocupação ambiental ao nível global
não existia apenas nos países ricos, e também que o espaço público para debate e
participação da sociedade civil estava mais aberto. Sob diversos pontos de vista, a
conferência foi um grande sucesso, embora tenha sido objeto de críticas
importantes.
Na Rio-92, pela utilização do documento que a funda, Nosso Futuro
Comum (1991), e pela influência e participação dos governos e ONGs de países
em desenvolvimento, o desenvolvimento sustentável se destacou como conceito
principal e duradouro. Este documento estabeleceu a sustentabilidade na base de
um novo paradigma de cooperação internacional, embora seu significado e função
não tenham ficado muito claros. A definição do desenvolvimento sustentável
67
adotado na Rio-92 foi bastante vaga, e continua assim até hoje, dificultando um
acordo sobre o conceito, que por esse motivo ficou aberto à interpretação e
manipulação. “Afinal, o desenvolvimento sustentável não é um estado permanente
de harmonia, mas um processo de mudança no qual a exploração de recursos, a
orientação dos investimentos, os rumos de desenvolvimento tecnológico e a
mudança institucional estão de acordo com as necessidades atuais e futuras.”
(COMISSÃO MUNDIAL, 1991, p. 10). Essa linguagem geral da Comissão
Brundtland é muito atraente, mas assim que o desenvolvimento sustentável surgiu
como uma maneira de formar as relações entre os países surgiram preocupações
sobre sua compatibilidade com os processos de globalização contemporânea. Para
alguns, o rumo de globalização econômica e política representava um obstáculo
para implementação desse novo paradigma face ao crescimento do modelo
neoliberal, de empresas transnacionais e dos padrões elevados de produção e
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consumo (LAGO, 2006).
Além do fortalecimento do desenvolvimento sustentável como o discurso
ambientalista dominante, outros temas principais eram estabelecidos nos textos
produzidos durante todo a deliberação da conferência. A Declaração do Rio e a
Agenda 21 eram os documentos mais definitivos: expressaram o interesse da
comunidade
internacional
na
cooperação,
visando
à
ligação
entre
o
desenvolvimento e o meio ambiente, estabelecendo medidas para realizar os
objetivos mútuos. Os temas das florestas, mudanças climáticas e biodiversidade
também receberam atenção específica, apesar de não ter-se chegado a um acordo
geral sobre eles. Uma Declaração sobre as Florestas foi escrito e todos os
participantes concordaram sobre o conteúdo. Convenções sobre mudanças
climáticas e sobre a diversidade biológica foram discutidas, mas não receberam o
mesmo reconhecimento nos anos que seguiram à Rio-923 (LE PRESTRE, 2000),
(GALIZZI, 2005).
3
Um acordo sobre a convenção sobre biodiversidade foi bastante apoiado, mas com certeza não
foi consensual. Os EUA, por exemplo, com fortes interesses dos setores de agricultura e
biotecnologia em mente, resistiram a essa negociação. Quatro anos depois, em 1996, os EUA
assinaram o acordo que falta ser ratificado no Congresso. O acordo sobre mudanças climáticas
foi destacado por vários países e especialistas. A falha dessa negociação não impediu o avanço
da questão. A convenção basear-se-ia na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a
Mudança do Clima que produziu mecanismos internacionais sem precedentes como o
Protocolo de Kioto, o qual recebeu apoio abrangente quando assinado em 1997.
68
Como na discussão de Estocolmo, definir a Rio-92 como um sucesso ou
um fracasso é uma tarefa difícil. Contudo, é importante descrever os documentos
e os resultados concretos da conferência e analisar os pontos de crítica junto às
perspectivas diferentes nas quais se originaram. Vinte anos após Estocolmo,
perduravam visões negativas e positivas sobre o êxito desse evento. Chegar a uma
conclusão sobre a Rio-92 não é simples porque não foi um sucesso ou um fracasso
uniforme. Para o Secretário-Geral Maurice Strong, qualquer análise ou conclusão
sobre a conferência deve ser baseada nos seguintes pontos: a) na assinatura de
convenções; b) na aprovação de uma Carta da Terra e um Plano de Ação; c) num
acordo sobre financiamento e transferências de tecnologia; c) em reformas
institucionais; e d) no fortalecimento do UNEP. Essas são as áreas concretas, nas
quais se pode medir a qualidade do debate e a legitimidade dos resultados da Rio92 (LE PRESTRE, 2000).
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Na sua análise da conferência, Le Prestre (2000) identifica três categorias
onde as críticas se originam. Em primeiro lugar, aquelas proferidas pelas ONGs
da América do Norte e Europa, para as quais não havia sido criado uma “Carta da
Terra” com compromissos firmes e reformas concretas para enfocar mais nas
áreas de mudança climática, biodiversidade e florestas. Elas responsabilizaram os
Estados obstrucionistas como os EUA por essa falha. Em segundo, as críticas dos
Estados que procuraram reformar o sistema econômico internacional através da
proteção ambiental. Finalmente, das ONGs e indivíduos que destacaram que,
embora
fossem
marginalizados
pelo
favorecimento
dos
movimentos
transnacionais na agenda ambientalista, faltou questionar as estruturas políticas
dominantes que mantiveram o sistema político e econômico global. Para muitos, a
preparação era por demais parecida com a de Estocolmo, na medida em que
enfatizava Estados e era desequilibrada pela forte influência do mundo dos
negócios e das grandes ONGs do Norte. Assim, refletindo algumas críticas feitas à
UNCHE, as prioridades aos problemas dos países em desenvolvimento não eram
realmente atendidas, não passando de vagas promessas financeiras (LE
PRESTRE, 2000).
Uma grande decepção para as ONGs e os países em desenvolvimento foi a
fraqueza dos meios estabelecidos para implementar as indicações da Agenda 21.
Em vez de reforçar o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
(UNEP) criado em Estocolmo, a Rio-92 criou a Comissão para o
69
Desenvolvimento Sustentável (SDC) como órgão de implementação. A SDC e as
duas convenções foram encabeçadas por representantes não independentes
nomeados por governos, fator que limitou o progresso e mudanças concretas. No
nível nacional, de acordo com a Agenda 21, vários países criaram Comitês para o
desenvolvimento sustentável para examinar a implementação dos princípios e
recomendações, mas seu impacto passou a depender da atuação política contínua
da sociedade e participação dos governos4. Não foi criado um mecanismo
concreto dentro do sistema internacional. Tampouco criaram-se mecanismos
independentes e eficientes nos países que aderiram ao desenvolvimento
sustentável (LE PRESTRE, 2000).
A falta de mecanismos e de resultados concretos na Rio-92 coloca em
questão a legitimidade dos debates e dos acordos estabelecidos nela. Para
responder a isso, segundo os critérios do Secretário Geral Maurice Strong, a
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conferência foi um sucesso apenas em parte. Contudo, quando se vê a Rio-92
como parte de um processo maior de mudança política e ontológica, seu valor
como um momento discursivo fica ainda mais claro. Sem dúvida, a Rio-92
fortaleceu o movimento ambientalista, as ONGs, a sociedade civil internacional, e
o caráter cooperativo das Nações Unidas.
Para Philippe Le Prestre (2000), a Rio-92 foi bastante significativa. Ele
escreve:
“Os acordos internacionais no âmbito da ecopolítica não
constituem fins em si mesmos, mas iniciam um processo. Não definem
objetivos absolutos e inamovíveis ou um mandato de ação imperativa,
mas servem de base a negociações e ajustamentos futuros entre os atores
interessados, definindo seus parâmetros. Por conseguinte, a Conferência
do Rio não foi um ponto culminante de um processo, porém uma etapa
que permite compreender os limites das utopias, a complexidade dos
mecanismos e as dimensões múltiplas dos problemas. Ela forneceu um
meio de mobilização contínua dos governos e sociedades civis e um
quadro intelectual que permitirá a consideração de interesses diversos. A
despeito dos seus limites, a Conferência do Rio criou um potencial de
progresso substancial e mostrou a via para uma inserção melhor da
dimensão ambientalista nas políticas econômicas e nos processos de
decisão.” (LE PRESTRE, 2000, p. 240).
4
A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima na Rio-92 foi assinado por
quase todos os países do mundo, mas não fixou obrigações. Só nos anos seguintes os países
entraram em acordos que estabeleceram obrigações sobre a redução de emissões de gases do efeito
estufa, como o já citado Protocolo de Kioto.
70
Como um espaço discursivo, a Rio-92 forneceu a racionalização
comunicativa, e pelo seu caráter político, a mediação de ideias e valores centrais
nesse debate as legitimou, abrindo o caminho para sua institucionalização a nível
nacional e internacional. A gama de representantes que participaram da
conferência e o alcance da discussão demonstram a tendência desse processo a
criar mais atividade na sociedade civil – assim, o próprio processo se legitima.
Através dos processos discursivos, estes foram se institucionalizando e
legitimando novos conceitos, valores e opiniões. Entrou na discussão por exemplo
a) a precaução para evitar danos ao meio ambiente de nações vizinhas; b) o
princípio de cooperação para proteger o meio ambiente através de notificações
sobre quaisquer catástrofes e de compartilhar outras informações que pudessem
afetar a outras nações; c) a definição da tarefa de estudar o impacto do princípio
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de poluidor-pagador e a responsabilidade comum e diferenciada; d) a importância
da consideração dos direitos e necessidades de gerações presentes e futuras e a
participação de populações em decisões que pudessem afetá-las (LE PRESTRE,
2000), (GALIZZI, 2005). Esses princípios talvez não se concretizaram como
compromissos por seus signatários, mas estabeleceram essas normas através de
um processo discursivo que, segundo a teoria de ação comunicativa, tem o
potencial de criar e transformar políticas e instituições refletidas nas práticas e
opiniões públicas, criando um regime de normas e valores com base na cultura e
no mundo da vida racionalizado das sociedades.
2.4.
Vinte anos para frente. O que mudou?
Todo o processo preparatório oficial da Rio-92, de 1989 até a realização da
conferência em 1992, aconteceu durante uma época de grandes mudanças no
palco internacional, com o estabelecimento de novas relações entre países e novas
possibilidades políticas e diplomáticas: foi a época do fim da Guerra Fria e da
redemocratização de países de América latina, um momento de mudança geral
para a organização da ONU e para a sociedade civil global. Para o movimento
ambientalista, esse período marcou o momento da mundialização da questão
ambiental. Neste novo contexto, os problemas ecológicos e a degradação do meio
71
ambiente apontada pelos indicadores ambientais alcançaram um público muito
maior. Diferentemente da conferência de 1972, realizada em plena Guerra Fria,
em 1992 não havia as mesmas barreiras políticas ou ideológicas que dificultavam
a cooperação internacional, impedindo a busca por soluções viáveis para crises
como as ambientais, e a questão global se tornou o foco.
No contexto da Rio-92, surgiu um novo otimismo sobre o futuro mundial.
O fim do grande conflito que dividiu o mundo durante quase meio século abriu as
portas para novas possibilidades políticas, econômicas e sociais a muitos povos,
governos e indivíduos. Novas perspectivas surgiram com visões diferentes e
grandes esperanças; entre as quais se destaca o “eco”, um conceito apropriado do
movimento ecologista e inserido numa ampla gama de áreas para expressar o
interesse e valorização da natureza (BENZ, 2000). O meio ambiente e as
preocupações dos ambientalistas começaram a receber cada vez mais atenção,
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deixando de ser objeto apenas de especialistas. Em 1992, o ambientalismo já tinha
sido estabelecido no debate e nos órgãos internacionais, como um espaço
discursivo mais aberto com maior papel da sociedade civil nacional e
internacional.
No período entre 1972 e 1992 a ampliação da mobilização política
relacionada às ameaças das crises ecológicas e às questões do meio ambiente não
foi exponencial ou sequer estável. Na verdade, ao longo dos anos 70 e 80, houve
uma variação notável no grau de interesse por essas questões em todo o mundo.
Houve fases de mobilização onde programas foram adotados, e políticas e
instituições foram criadas, mas houve também uma contra corrente de progressivo
desinteresse. As razões dessa instabilidade são complexas, mas o fator econômico
é sempre um bom indicador do sucesso ou falha de movimentos progressistas e
reformistas em geral. A década dos 80, por exemplo, foi marcada pela definição
de prioridades em um cenário de estagnação econômica de países europeus e de
reestruturação econômica radical nos EUA. Durante a década dos 70, as políticas
ambientais, como as de controle de poluição, foram bem-sucedidas e não
implicaram em custos altos. Entretanto, na década seguinte houve um novo clima
econômico acompanhado por preocupações a respeito de uma nova onda
ambientalista. Pelos interesses políticos e do mercado que foram consagrados na
década dos 80, as críticas profundas aos elevados padrões de produção e consumo
encararam resistência. Neste contexto, os países mais industrializados tenderam a
72
transferir a responsabilidade por crises ambientais aos países menos
desenvolvidos, para justificar a falta de atenção interna ao problema5 (LAGO,
2006), (TAVARES, 2000).
O rumo do movimento ambientalista e das políticas nacionais e
internacionais de 1972 até 1992 direcionou-se a uma reformulação de prioridades
relacionada uma tendência à variação do nível de atenção ao meio ambiente. Na
sociedade civil, depois da conferência de Estocolmo, o foco e importância dada à
preocupação ambiental não rendeu frutos, embora tenha sido resultado na Rio-92.
No cenário internacional, as mudanças políticas e diplomáticas, bem como os
debates vinculados nas duas conferências, colocaram o meio ambiente em uma
posição que ultrapassa o sistema tradicional da ONU de negociação entre Estados.
Pelo caráter específico das questões ambientais, havia mais necessidade de
consultar cientistas e ONGs, fazendo com que o campo de relações internacionais
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mudasse. A comparação dos processos de preparação e organização entre a
UNCHE e o UNCED reflete essas mudanças, além do fato de serem processos de
mão dupla. Fora do âmbito político internacional, que longe de representar um
sistema perfeito, surgiram novos interesses agora aliados com o movimento
ambientalista e novas relações entre a sociedade e o Estado.
O caráter aberto do debate público das duas conferências abriu espaço para
a discussão sobre os problemas ambientais, as crises ecológicas e as possíveis
soluções. O papel da sociedade civil neste processo permitiu a elaboração de
formas abrangentes de ecopolíticas. Os documentos importantes das conferências
e a criação dos órgãos como o UNEP e a SDC permitiram a ampliação da
participação da sociedade civil nesse debate. Portanto, a UNCHE e a UNCED
deram a tom para a ampliação do espaço discursivo a nível internacional tanto
quanto a nível nacional. Os resultados da UNCED foram importantes, mas a
dificuldade de criar acordos concretos demonstrou uma crise no modelo
discursivo da ONU e deu a tom aos impasses futuros na política ambiental
internacional.
Examinar as conferências como momentos discursivos marcantes revela o
significado da relação entre as mudanças sociais ocorridas nos últimos cinquenta
5
O desastre nuclear de Chernobyl ocorrido na então União Soviética é exemplo disso.
73
anos e o conceito, o entendimento e a discussão sobre o meio ambiente. Através
do espaço discursivo, e o debate sobre o meio ambiente que este forneceu, novas
opiniões e valores sobre o mundo, a sociedade e o futuro se desenvolveram,
formando novos entendimentos sobre a natureza, a política, e a sociedade civil. Os
valores e os discursos ligados ao movimento ambientalista alcançaram os mais
diversos setores da sociedade, ganhando legitimidade por terem promovido
mudanças com base na cultura não impostas por entidades como o Estado ou o
mercado, como demonstrado pelo nível de abertura dos debates apresentados
anteriormente. Para que se possa entender melhor os debates promovidos a nível
internacional nas duas conferências, é prudente examinar casos específicos do
movimento ambientalista e a ecopolítica a nível nacional brasileiro americano e
entender as diferentes posturas adotadas pelos diversos participantes nos debates
realizados na ONU.
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Apesar dos impasses, o debate pluralista sobre o meio ambiente funcionou
durante as duas conferências, e nos vinte anos que as separaram, como a força
legitimadora da questão ambiental e do ambientalismo como um novo conceito
ontológico e uma maneira diferente de entender o mundo. Junto a isso, grupos e
atores da sociedade civil cresceram como força social através do cultivo de
valores, defesa e estabelecimento de normas associados ao movimento
ambientalista. Este movimento, formado por grupos relacionados com diversos
temas, trabalhou para abrir o espaço ao debate sobre o meio ambiente. Através das
Conferências de 1972 e 1992, a sociedade civil entrou em uma nova etapa. As
transformações de 1972 para 1992 são acompanhadas por mudanças sofridas pelo
movimento ambientalista e de sua força para legitimar a ação política, os
conceitos e os valores relacionados às questões sobre o meio ambiente.
3
A formação das arenas discursivas
A teoria da ação comunicativa de Jürgen Habermas ajuda a explicar como
os valores e conceitos relacionados à proteção do meio ambiente se formam num
processo discursivo para criar políticas e instituições. Através do debate aberto,
plural e democrático, têm-se as condições para formar políticas legitimas, com
base e apoio nos valores e ideias compartilhados no mundo da vida. Durante a
UNCHE e a UNCED, vimos que a participação dos países em desenvolvimento,
de ONGs e representantes da sociedade civil podem contribuir para a legitimação
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do sistema de cooperação internacional e para o consenso resultado das duas
Conferências. Entretanto, ainda que ambas as Conferências fossem momentos
discursivos importantes na formação de um entendimento comum sobre
problemas ambientais globais e sobre a necessidade da cooperação internacional,
houve muita dificuldade para criar soluções consensuais a fim de fortalecer, por
exemplo, a proteção do meio ambiente dentro de instituições e políticas concretas.
Habermas destaca a democracia e o debate como pressupostos para a
formação de valores e normas legítimos. Sua abordagem universalista para
examinar a formação de instituições e políticas pode ser considerada uma forma
de macropolítica que destaca os processos discursivos como uma das bases
necessárias para o consenso democrático. Pelo caráter procedimental das duas
Conferências em questão, tal abordagem parece adequada. As instituições
democráticas criadas durante a UNCHE e a UNCED, como o UNEP e a CSD,
contribuíam para a ética discursiva que Habermas identifica como integrante do
caminho legítimo para a mudança social e democrática. Todavia, algumas críticas
à perspectiva adotada por Habermas apontam que sua ênfase nos pré-requisitos de
um espaço discursivo aberto e pluralista pode nos distrair da realidade no terreno
e, por isso, haveria a necessidade de uma abordagem menos idealista
(FLYVBJERG, 1998).
Outro autor, Michel Foucault, como Habermas, também se interessa pela
função e pela formação social de instituições nas sociedades modernas em relação
75
a temas filosóficos da razão e da subjetividade. Os dois autores muitas vezes
representam duas perspectivas muito diferentes e por suas abordagens distintas
muitos concluem que eles não se falam. Os dois autores tratam da emancipação de
indivíduos. Enquanto Habermas acredita que isso seja possível através de uma
sociedade racional e justa, Foucault discorda com o pressuposto que a
racionalidade e justiça resultariam em emancipação. Para Foucault mesmo numa
sociedade racional e justa existem relações de poder, dominação e subordinação
onde a emancipação não se realiza e é sempre precisa. Similarmente os dois
formam teorias sobre o discurso, mas, para Habermas, o discurso permite a
organização social e institucionalização nas quais uma sociedade justa e racional é
construída. Para Foucault, o discurso é algo mais concreto onde a dominação e as
relações de poder se manifestam.
Diferentemente de Habermas, Foucault não empreende uma teoria
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abrangente e definitiva que se preocupe tanto com consistência. Foucault
estabelece teorias sobre discurso, conhecimento e outros temas, mas, ao invés de
apresentar uma teoria geral, ele se utiliza de mecanismos metodológicos para
formar sua análise em oposição a uma teoria geral. Através de uma análise do
poder, ao invés de uma teoria, Foucault examina certas instituições nas sociedades
modernas e descobre elementos e características menos visíveis durante a
aplicação de uma teoria geral. O alvo não é explicar estruturas e práticas sociais,
mas se utilizar de uma análise crítica para expandir as dimensões da definição do
poder para chegar além de discussões relacionadas a modelos legais de poder
legítimo, ou modelos institucionais relacionados com o Estado, e descobrir os
micro elementos e atores por detrás (DREYFUS & RABINOW, 1983).
A partir de uma análise de poder, os meios para realizar a ética discursiva,
que Habermas localiza na racionalização comunicativa, existem ao nível das
ideias. Desta perspectiva, nas conferências da ONU, uma análise que enfatiza os
processos discursivos não considera o contexto no qual as agendas diversas foram
estabelecidas. Olhando o conteúdo das conferências, Habermas destaca a situação
na qual os participantes determinaram o debate. Enquanto isso, Foucault formaria
uma microanálise substantiva dos próprios participantes e dos discursos que estão
presentes (FLYVBJERG, 1998), considerando que o espaço discursivo das
conferências não existiu num vacum. Antes dos processos discursivos que
formaram o consenso, os participantes chegaram ao debate com sua própria
76
bagagem e sua própria agenda – as normas e valores de cada país, que são
produtos de situações e experiências específicas nacionais. Segundo o pensamento
de Foucault isso determinaria a agenda e influenciaria o debate.
Numa discussão sobre as relações entre o direito, a verdade e o poder,
Foucault levanta alguns conceitos que podem ser aplicados na análise do
surgimento do movimento ambientalista, sua institucionalização e sua entrada em
diversos setores da sociedade. Na coletânea Microfísica do Poder, Foucault
(2009) ressalta o direito como instrumento de dominação e, assim, possui um
poder produtivo. Para Habermas, a instituição do direito precisa passar pelos
processos de racionalização comunicativa para contribuir à organização da
sociedade e para a produção cultural no mundo da vida. Foucault analisa a
instituição do direito de forma diferente para tentar descobrir como ela pode ser
mais democrática. Assim, Foucault claramente discorda da abordagem
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habermaseana. “O sistema do direito, o campo do judiciário são canais
permanentes de relações de dominação e técnicas de sujeição polimorfas. O
direito deve ser visto como um procedimento de sujeição, que ele desencadeia, e
não como uma legitimidade a ser estabelecida.” (FOUCAULT, 2009 p. 182).
Os dois autores se preocupam muito com a intersubjetividade. Habermas
destaca a ação comunicativa e processos discursivos como mecanismos de
individualização, mas Foucault parte do conceito de poder produtivo e o
mecanismo para produção de sujeitos. Considerando a importância que Foucault
dá em não criar universais ou formar totalidades, uma contradição aparece – na
sua análise, o poder toma o lugar como um conceito totalizador. Habermas (1994)
percebe essa contradição e expressa uma preocupação sobre o conceito de poder
como uma força de controle total. Esta situação não deixa espaço para a ação
comunicativa e ignora a questão de agenciamento individual, que é muito
importante para Habermas. Lembrando que Foucault não propõe uma teoria de
poder e sua perspectiva parte de observações históricas e contextuais, podemos
ultrapassar as preocupações de Habermas nessa área e nos valer das considerações
metodológicas de Foucault.
É claro que a abordagem do Foucault difere da de Habermas. Esse estudo
sobre o movimento ambientalista e sobre a importância da ampliação e
participação da sociedade civil na política internacional e nas Conferências da
ONU foi fortemente inspirado nos conceitos habermaseanos, mas questioná-los
77
pode contribuir para essa discussão. O propósito não é formar uma dupla teoria,
mas usar o pensamento de Foucault para abrir mais os conceitos que estão
discutidos aqui. Um debate teórico sobre Habermas e Foucault não é no escopo
deste trabalho, mas usar Foucault para enriquecer o levantamento metodológico
implica uma crítica dos conceitos de Habermas que é importante considerar.
Para Foucault, se pode fazer uma análise descendente que usa uma teoria
generalizante, mas também pode fazer uma análise ascendente. Segundo o autor,
a segunda opção é metodologicamente mais válida. É possível deduzir fenômenos
de um fato geral global, no caso de uma análise descendente, mas, dessa maneira,
se pode chegar a uma gama de conclusões que não necessariamente levam tudo
em conta. Isso é um resultado que todo cientista social precisa considerar, mas
parece que para Foucault o problema não é a intenção em si de encaixar tudo
numa teoria totalizadora. É melhor “examinar historicamente, partindo de baixo, a
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maneira como os mecanismos de controle puderam funcionar.” (FOUCAULT,
2009, p. 185). Assim, não corre o risco de fechar um assunto para a análise. Em
relação ao surgimento do movimento ambientalista no Brasil e nos Estados
Unidos, não significa que houve uma transformação nas opiniões das pessoas que
resultaram na legitimação e na criação de políticas ambientais, mas pode-se
deduzir várias coisas partindo do pressuposto geral de que a possibilidade por
processos discursivos resultou na disseminação do movimento ambientalista para
diversos setores da sociedade e sua institucionalização com leis e órgãos
ambientais. Ao invés disso, Foucault recomenda olhar desde baixo as origens
dessas instituições e do ambientalismo1.
Abordar uma discussão sobre a analítica do poder de Foucault pode abrir a
análise do movimento ambientalista no Brasil e nos Estados Unidos para além da
preocupação com a legitimidade dos modelos legais e institucionais. Para
Foucault, perguntar se políticas, normas, valores, práticas e opiniões são legítimos
é uma questão falsa, ou uma distração das relações de poder múltiplas e os
processos de subjugação e dominação que sempre estão em jogo (mesmo quando
1 A falta de discussão sobre o meio ambiente nos textos de Foucault instigou alguns autores nos
últimos vinte anos a fazer análise crítica do ambientalismo de perspectivas teóricas inspiradas
na obra de Foucault. A extensão do conceito de bio-poder introduzido na Historia da
Sexualidade para eco-poder é um exemplo que, entre outras ideias, é discutido por vários
autores na coletânea Discourses of Environment (Org. DARIER, 1999).
78
legítimo). Antes de perguntar sobre a legitimidade ou o consenso, seria prudente
analisar a formação única e as mudanças internas nos dois países para poder
entender suas participações nas Conferências da ONU. As diferenças políticas,
históricas, econômicas e sociais entre o Brasil e os Estados Unidos determinaram
o desenvolvimento distinto dos movimentos ambientalistas e, portanto, o
desempenho diferente e variável nas Conferências da ONU. As diferenças que
serão discutidas entre a história e política nos dois países demonstrarão que,
embora durante o período entre 1972 e 1992 a legislação e regulamentação
ambiental fossem fortalecidas e a atuação da sociedade civil expandisse os
processos dessas mudanças, as circunstâncias eram muito diferentes. O
surgimento dos conceitos, ideias, normas e valores que promovem a proteção do
meio ambiente não fazem parte de um processo uniforme e sua racionalização ou
entrada no mundo da vida (no sentido habermaseano) ao nível nacional é muito
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diferenciada. Uma análise comparativa a nível nacional tentará estabelecer uma
ponte entre o movimento ambientalista em contextos nacionais e a maneira que as
questões são enfrentadas a nível nacional.
Comparar e contrastar são ferramentas metodológicas que vão ajudar a
entender a tendência maior da expansão do movimento ambientalista para
diversos setores da sociedade, seu fortalecimento na atuação e na função da
sociedade civil e as transformações que acompanharam e formaram essa mudança
abrangente. As diferenças entre o Brasil e os Estados Unidos tomam várias formas
dependendo da área ou da época. As situações internas em 1972 visando a
Conferência em Estocolmo foram muito diferentes da Rio-92. Os dois países
podem ser analisados desde várias perspectivas usando abordagens distintas. Para
a seguinte análise, os temas dos capítulos anteriores, como o processo maior da
entrada dos valores e a consciência na sociedade geral e a importância da
sociedade civil nos processos de institucionalização e na legislação ambiental,
serão discutidos. Todavia, uma discussão sobre as relações complexas e fatores
internos e externos que determinaram a forma e desenvolvimento desses temas
contribuirá para entender melhor a transformação na atuação dos países no
sistema internacional e no seu papel na negociação multilateral.
Estudos nas áreas sociais, tanto quanto nas políticas e econômicas, que
comparam o Brasil e os Estados Unidos podem ter um tom que expressa uma
inadequação por parte do Brasil, ou que o modelo ou sistema do país Norte-
79
americano são preferíveis ao brasileiro. De nenhuma maneira, essa comparação
tenta estabelecer, por exemplo, que o Brasil está inadequado para gerenciar os
seus recursos naturais ou para lidar com a comunidade internacional, e sequer
argumentar que o movimento ambientalista ou as políticas ambientais nos EUA
representam um modelo a ser atingido. De fato, desde uma perspectiva objetiva, o
Brasil e os Estados Unidos são candidatos de primeira linha para uma comparação
dessa natureza. Além de serem países ricos em recursos naturais, estes
desempenharam papéis centrais na UNCHE e na UNCED e nos debates sobre o
meio ambiente global. Os dois países de uma forma ou outra enfrentaram crises
ambientais significantes e passaram por processos de conscientização e
valorização ambiental.
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3.1.
A crise ambiental no Brasil e nos EUA
Toda discussão sobre o meio ambiente – a conservação, a ecopolítica, a
regulação ambiental, o desenvolvimento sustentável – tem sua origem na crise
ambiental. A Conferência de Estocolmo em 1972 estabeleceu o consenso na
comunidade internacional, ao dizer que os problemas ambientais e as crises
ecológicas afetaram o mundo inteiro e o meio ambiente humano era um assunto
junto às questões tradicionais de segurança e direitos humanos para as Nações
Unidas considerar. Embora um consenso internacional sobre a necessidade de
discutir essa questão fosse estabelecido, surgiram dois conflitos fundamentais que
ressoariam daí por diante. Primeiro, que as crises ecológicas atingem países
diferentes e populações diferentes. Segundo, que as soluções também trarão
benefícios diferentes para países diferentes. Uma teoria que examina os processos
democráticos do sistema internacional de cima para baixo, como a teoria de ação
comunicativa, não leva isso em conta. Para uma análise mais sensível à diferença
e aos conflitos aqui, podemos usar a abordagem de Foucault que procura as
relações de poder por detrás desse processo.
A crise ambiental permaneceu o assunto subjacente em 1972 e 1992, mas
seu significado variava entre os diferentes participantes das Conferências e mudou
durante o período de vinte anos, dependendo da situação de cada país. Desde
Estocolmo, os efeitos diferenciados da crise ambiental mostraram que os
80
interesses de alguns serão favorecidos dependendo da direção das políticas e as
deliberações da ONU. Em 1972, a posição de países em desenvolvimento,
liderados pelo Brasil, destacou que esses países partiram de um lugar desfavorável
no empenho ambiental por serem mais suscetíveis aos problemas ambientais e por
terem maior dificuldade de programar soluções por falta de condições
tecnológicas e financeiras. O desequilíbrio ficou claro entre países como Brasil e
os Estados Unidos no contexto internacional, mas os desequilíbrios internos
dentre dos países participantes não necessariamente foram evidentes.
Analisando as Conferências a partir da teoria de ação comunicativa, seria
muito fácil perder essa visão. Por exemplo, a participação do Brasil foi central
para a formação da agenda dos países em desenvolvimento e o caráter deliberativo
das duas conferências facilitou a participação democrática bem sucedida e a
racionalização comunicativa na comunidade internacional. Entretanto, esse
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processo teve consequências para as populações diversas dentro do Brasil, que
uma universalização normativa não revela. Desde as primeiras crises ecológicas,
antes de Estocolmo, e até hoje, os setores da sociedade, dentro de fronteiras
nacionais, mais vulneráveis aos efeitos negativos de degradação ambiental não são
visíveis. Quando olhamos a partir de baixo, é possível ver ao nível nacional as
consequências internas não apenas dos problemas ambientais, mas também dos
debates internacionais na formação dos discursos, políticas e instituições.
Problemas do meio ambiente que têm alcance global – poluição, mudança
climática, desmatamento e destruição de biodiversidade – têm efeitos diretos para
populações locais e regionais. Em Estocolmo, ainda que a comunidade de países
desenvolvidos se preocupasse com as crises ambientais no Brasil, principalmente
o desmatamento da Amazônia, o foco permaneceu na política nacional. A
delegação brasileira defendeu a degradação ambiental e afirmou o direito de
gerenciar seus próprios recursos. O Brasil defendeu a expansão de indústria e
projetos de desenvolvimento econômico com o princípio de soberania –
essencialmente
afirmaram
o
seu
direito
de
poluir
(COMISSÃO
INTERMINISTERIAL, 1991).
Pelos desníveis de desenvolvimento industrial e de infraestrutura entre os
Estados Unidos e o Brasil em meados do século XX, os efeitos negativos de
degradação ambiental e sensibilização sobre crises atingiram populações de forma
e tamanho diferentes. Entretanto, na década de sessenta, o Brasil se tornou o
81
segundo exportador na agricultura, atrás dos Estados Unidos que permaneceram o
primeiro. Os grandes empreendimentos agrícolas nos dois países tinham seus
preços para o meio ambiente, mas a transição para um sistema de produção
industrializado no Brasil foi mais recente e mais rápido comparada como os EUA.
Assim, os efeitos negativos de aplicação de fertilizantes químicas e pesticidas, na
forma de perda da camada superficial de solo, erosão acelerada, desertificação, e
maior desmatamento para garantir a produção agrícola contínua, ficaram cada vez
mais evidentes (GUIMARÃES, 1991).
A expansão de agricultura industrial fez parte do período de grandes
projetos desenvolvimentistas durante as décadas de cinquenta e sessenta no Brasil.
O resultado foi o aumento de produção com culminação no milagre econômico da
década de setenta, mas resultou em poluição descontrolada e condições ambientais
perigosas. A expansão do setor industrial, principalmente metal mecânico,
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direcionada para automotores e bens de consumo duráveis, e o setor químico,
orientado a petroquímica, criaram situações de crise ecológica flagrante. Os
exemplos dos polos industriais de Cubatão e Camaçari e do programa de
mineração
de
Grande
Carajás
representaram
o
melhor
das
políticas
desenvolvimentistas, mas na década dos setenta se tornaram os maiores
desempenhos de destruição ambiental. Neste período a qualidade de vida material
aumentou no Brasil, mas resultou em grandes custos para a qualidade de vida em
termos mais abrangentes, relacionados ao meio ambiente onde todos viviam
(COMISSÃO INTERMINISTERIAL, 1991).
Nos Estados Unidos, o boom industrial a partir da segunda guerra mundial
também resultou em maior poluição do ar, água e solo, colocando as populações
internas em maior perigo. O uso de químicas e pesticidas na indústria agrícola
aumentou e a devastação e extinção de ecossistemas e de espécies piorou. Um
exemplo marcante dos efeitos desastrosos da industrialização desenfreada durante
a década de sessenta foi em Ohio onde o Rio Cuyahoga, desprovido de vida
aquática e localizado em uma das regiões mais industrializadas do país, pegou
fogo inúmeras vezes pela contaminação extrema de petróleo e resíduos industriais
(UNITED STATES, 1992).
As crises ecológicas têm efeitos e níveis de urgência diferentes em
situações diferentes. Os problemas relacionados à escassez de recursos e à
exploração e manipulação do mundo natural são muito antigos, mas a partir da
82
década de sessenta, com o surgimento do movimento ambientalista internacional,
as crises ecológicas para o mundo inteiro se referiam à interação entre atividades
humanas e os sistemas naturais. Essa definição também colocou a resolução das
crises ambientais em pauta e identificou o poder das pessoas de controlar o meio
ambiente imediato (GUIMARÃES, 1991).
A UNCHE em 1972 e a UNCED em 1992 foram dois momentos
importantes que marcaram duas transformações na maneira de pensar sobre o
meio ambiente. Nos Estados Unidos, como em países europeus e outros países
industrializados, a década de sessenta sofreu a expansão do movimento
ambientalista, para além da conservação rumo a uma visão ampla ecológica que
destacou a interdependência e a saúde de ecossistemas. Assim, em Estocolmo,
onde esses países levantaram suas preocupações, a crise ecológica foi definida por
sua conexão com outros sistemas naturais e pela relação com os sistemas sociais e
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humanos. A UNCHE tratou do meio ambiente humano, como conjunto de
sistemas naturais e humanos, e colocou a questão da crise ecológica em relação
direta com as atividades humanas. Junto ao próprio conceito do meio ambiente, a
definição das crises ecológicas se retirou do mundo natural e expandiu para
englobar os efeitos negativos para os ecossistemas e para as populações humanas.
Na Rio-92, por várias mudanças ao longo dos vinte anos que separaram as duas
Conferências, a definição da crise ambiental sofreu outra transformação quando
sua solução foi declarada na forma de desenvolvimento sustentável – o conceito
novo que estabeleceu uma ponte entre o crescimento econômico e a proteção do
meio ambiente.
Partindo do pensamento habermaseano, essa transformação faz parte do
processo de racionalização comunicativa e o consenso, mas se partimos de uma
abordagem que não esteja preocupada com a expansão ou criação de novas
estruturas democráticas (como a de Habermas), outra imagem surge. Desde que as
preocupações sobre a crise ambiental que chegaram à agenda internacional, os
Estados Unidos e Brasil expressaram sua necessidade de manter o crescimento
econômico. Os países tinham que aceitar o fato que a crise ambiental foi um
obstáculo significativo para a expansão industrial e tinham que responder às
demandas de setores da sociedade civil, ao nível nacional e internacional, para
resolver esse conflito. A maneira que reagiram o Brasil e os Estados Unidos a essa
situação foi muito diferente. Não necessariamente refletiu os processos
83
discursivos do sistema internacional, mas claramente refletiu as origens distintas
da crise ambiental nos dois países e seu desempenho para resolvê-la – a resposta
foi resultado mais do conflito do que o consenso.
A crise ambiental nos Estados Unidos, quando reconhecida, é considerada
o resultado de expansão industrial e de má gestão de recursos naturais. Em
Estocolmo essa percepção foi evidente na maneira que, junto a outros países
industrializados, os EUA chamaram para controlar o desenvolvimento industrial
em países menos industrializados como o Brasil. Houve uma proposta para
estabelecer um Fundo Mundial que definiria os recursos naturais como patrimônio
mundial, refletindo a perspectiva dos EUA, mas foi rejeitada completamente pelo
Brasil e outros países em desenvolvimento que possuíram grande patrimônio
natural e exigiram o direito soberano nacional para explorá-lo (COMISSÃO
INTERMINISTERIAL, 1991). A política internacional complexa, que visava
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normas e instituições para a comunidade internacional inteira incorporar
funcionou, neste caso, para fortalecer a soberania nacional de países. Habermas
pressupõe que a soberania é necessária para a regulação através da lei, mas, em
Estocolmo a posição do Brasil chocou com as propostas para regulação e
institucionalização. Os elementos políticos e econômicos ao nível nacional e a
relação complexa dentre a comunidade internacional fortaleceram a soberania
nacional. Os processos discursivos em Estocolmo não conseguiram direcionar a
ação dos participantes para um processo aberto e democrático. Pelo contrário,
segundo uma analise inspirada no pensamento de Foucault, esses funcionaram
para reforçar relações de poder existentes e criar outras novas.
Para o Brasil, como os EUA, as crises ambientais tinham origem nos
processos de industrialização, mas no contexto de acordo e regulação
internacional sua definição chegou além disso. A crise ambiental e os novos
valores associados com o movimento ambientalista se tornaram uma fonte para o
desenvolvimento econômico nacional com novos produtos e indústrias que
visavam soluções ambientais (MAURICESTRONG.net, 1971). Essa nova visão
respondeu às propostas que limitaram o caminho dos países em desenvolvimento
para realizar padrões materialistas elevados. Partindo dos conceitos de Foucault
apresentados acima, essa agenda nasceu claramente no modelo dominante de
desenvolvimento – caracterizado pelo sistema econômico acumulativo, o
84
crescimento de bens, a industrialização, a tecnologia e a dominação da natureza –
não na sua racionalização através dos processos discursivos da Conferência.
Em 1973 o Brasil se localizou na frente de uma tendência que ligou o
desenvolvimento com as questões ambientais de uma maneira que não desviou o
rumo que objetivou satisfazer as necessidades básicas da população através do
crescimento
econômico.
Partindo
dessa
perspectiva,
o
conceito
de
ecodesenvolvimento surgiu, chamando para um modelo de desenvolvimento que
minimiza os impactos ambientais, sem restringir a satisfação de necessidades
básicas e a qualidade de vida das populações. Depois das deliberações em
Estocolmo e o consenso sobre a conexão entre desenvolvimento e proteção do
meio ambiente, a comunidade internacional identificou-se com esse conceito e o
novo manual para o movimento ambientalista internacional foi publicado pela
Comissão Brundtland com seu nome revelador: Nosso Futuro Comum (1991). O
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livro chamava para uma nova ética de desenvolvimento e para tomar a
responsabilidade da qualidade do meio ambiente para as futuras gerações através
do desenvolvimento sustentável.
A conexão entre o desenvolvimento e o meio ambiente é um pressuposto
importante para o Brasil. A ideia que os dois objetivos de desenvolvimento e da
proteção e preservação do meio ambiente não eram mutuamente exclusivos foi
consagrado em 1971 no Relatório Founex e recebeu muita atenção no debate
internacional, culminando na Conferência das Nações sobre o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento na cidade do Rio de Janeiro vinte anos depois. No Brasil ficou
evidente que problemas como a falta de saneamento e infraestrutura básica,
desmatamento, perda de diversidade biológica e cultural e poluição extrema
deveriam ser abordados juntos com uma visão de desenvolvimento medido não
apenas medido por indicadores econômicos (GUTBERLET, 1998).
O significado da crise ambiental no Brasil, não foi apenas uma questão
técnico-científica uma vez que o desenvolvimento foi colocado na balança. Para
os EUA, um modelo de desenvolvimento que incorporou a questão ambiental
junto à questão social não combinou com sua visão da crise ambiental que foi
limitada a termos técnicos e econômicos. Como um país altamente
industrializado, o esgotamento de recursos foi uma questão importante. Assim, em
Estocolmo, os EUA destacou o gerenciamento da crise ambiental e a sua
contribuição técnico-científica à comunidade internacional visando garantir o
85
futuro acessos a recursos naturais. No Brasil, a abundância de recursos naturais
não criou preocupação sobre esgotamento de recursos. Pelo contrário, a visão da
crise ambiental foi ligada ao não uso correto desses e à falta de gerenciamento
ambiental.
A crise ambiental foi vista de uma maneira muito diferente em 1972 pelo
Brasil e pelos EUA. Na Rio-92, o desenvolvimento sustentável consagrou a
perspectiva brasileira, e houve uma transformação na dos EUA de acordo com
isso. Ainda não incorporou muitos dos conceitos consagrados em Nosso Futuro
Comum, lidando com as desigualdades internacionais e a necessidade de
programar políticas que levam isso em conta, mas, vinte anos depois de
Estocolmo, a visão dos Estados Unidos se transformou para destacar a
necessidade de garantir a qualidade do meio ambiente para futuras gerações – uma
consideração que cabia na perspectiva preocupada com o esgotamento de recursos
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naturais (HOUSE OF REPRESENTATIVES, 1969), (UNITED STATES, 1992).
Essa transformação, de acordo com Habermas, implica um consenso internacional
sobre a maneira de pensar sobre a crise ambiental e sobre os valores relacionados.
Embora o modelo discursivo das conferências facilitasse isso, não são evidentes
as mudanças no contexto e os fatores históricos, econômicos e políticos que
estavam no jogo.
3.2.
A institucionalização do movimento ambientalista no Brasil e os EUA
Antes de discutir os fatores específicos que determinaram a formação do
movimento ambientalista e a conscientização sobre os problemas ambientais no
Brasil e nos EUA, uma apresentação do processo de institucionalização
estabelecerá uma base histórica e cronológica importante. A partir da segunda
guerra mundial, com o nível de segurança física e econômica alcançado em países
altamente industrializados, mudanças abrangentes culturais resultaram no
surgimento do movimento ambientalista em países como os EUA, Austrália,
Japão e países do Oeste Europeu (INGLEHART, 1990). Nesses países, uma classe
média se formou e atingiu um padrão de vida que ultrapassou as necessidades
básicas e permitiu críticas ao modo de consumir e produzir. A partir da década de
sessenta, depois de duas décadas de uso maior de químicas, pesticidas, e outros
86
contaminantes do ar, água e solos, um movimento nos Estados Unidos que
chamou atenção para a crise ecológica entrou com força e se espalhou para outros
setores da sociedade. No Brasil, a crise ambiental também instigou as primeiras
mobilizações sociais contra os processos industriais, mas não fez parte das
transformações culturais abrangentes ligadas à capacidade de satisfazer
necessidades básicas da população2.
Na década de cinquenta, grupos conservacionistas na região Sul e Sudeste
do Brasil formaram em resposta ao desenvolvimento industrial rápido,
expressando preocupações sobre a preservação de flora e fauna nessa região. Nos
EUA, a preocupação ambiental se formou dentro de um contexto de mudança
cultural maior e novos valores pós-materialistas que priorizaram a qualidade de
vida das pessoas e das comunidades. No Brasil, a questão era outra. Os grupos
conservacionistas chamaram para a proteção de animais e da natureza e, na década
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de sessenta, em resposta ao desmatamento na Amazônia, um movimento surgiu
chamando para a preservação dos recursos naturais. Marina Silva conhece bem
essa história e conta sobre o início do movimento ambientalista “antes de ser
ambientalista”. Ela relata que antes de discutir o meio ambiente do tamanho
mundial, no Brasil existia uma “... luta por um estilo de viver e produzir no qual a
floresta era o centro, provedora, uma presença da qual não podíamos abrir mão...”
(SILVA, 2006, p. 11).
Da mesma maneira que toda discussão sobre a proteção do meio ambiente
surge da questão da crise ambiental, o início dos movimentos ambientalistas no
Brasil e nos EUA se localiza no conflito contra a expansão industrial. Mesmo com
esse elemento compartilhado, as intenções e os alvos do movimento eram muito
diferentes. Nos EUA, as lutas originais para a preservação e conservação se
preocuparam com o esgotamento de recursos para manter os processos e a
produção industrial. Na década de sessenta, os ecologistas se preocuparam com a
preservação dos recursos, destacando a sobrevivência de ecossistemas inteiros e as
suas interligações. No Brasil, havia um movimento conservacionista estabelecida,
e preocupação de comunidades no Acre sobre a expansão industrial. Esse último,
não visava a manutenção dos processos industriais. A motivação foi a preservação
2 Só depois na década de oitenta que o Brasil chegou a sofrer os efeitos da industrialização que
igualava os Estados Unidos durante a década de sessenta.
87
de um estilo não industrial de produzir e viver. Esse movimento não considerou a
floresta como um recurso industrial esgotável, mas como o centro de uma maneira
de viver particular que não separava a floresta, como meio de produção, do resto
da vida social.
As grandes diferenças fundamentais entre a história, política e sociedade
fazem parte de uma crítica local da formação do movimento ambientalista no
Brasil e nos EUA. Essas diferenças devem estar no centro de qualquer análise ou
comparação. Para voltar ao contraste entre Foucault e Habermas, Michael Kelly
(1994) ressalta que a teoria de ação comunicativa distingue entre uso de poder
legítimo e ilegítimo. Nessa divisão, a crítica e o poder são separados e a crítica
serve como a ferramenta do poder legítimo para manter o poder ilegítimo sob o
controle. Isso é evidente na maneira que a sociedade civil, na teoria da ação
comunicativa, funciona para tanto limitar o poder quando para legitimar ou
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questionar as políticas do Estado. Embora Foucault, pelo lado teórico, discorde de
Habermas porque considera a crítica em si como uma forma de poder – ainda
existem laços comuns. Essa discordância entre Foucault e Habermas é mais uma
fonte de inspiração para essa análise sobre o movimento ambientalista e pode se
aprofundar na discussão do movimento ambientalista. Foucault chama para uma
crítica local, sem normas universais com pressupostos sobre os resultados
(KELLY, 1994).
Os problemas ambientais no Brasil, no início do movimento ambientalista,
eram resultados diretos não apenas do estilo de desenvolvimento que destacava o
crescimento econômico, durante as décadas de cinquenta e sessenta, mas do
conjunto de características institucionais e sociopolíticas complexas. Elementos
do desenvolvimento institucional, social e político do país exacerbaram os efeitos
negativos dos processos industriais. A conexão entre os interesses econômicos e
políticos, por exemplo, criou um sistema que gerava e sustentava grandes
desigualdades e contrastes extremos de riqueza e pobreza. As alianças entre os
setores populares e as elites políticas, desde o governo de Getúlio Vargas na
década de trinta, também diminuiu a capacidade para mobilização de setores da
sociedade marginalizados, que eram atingidos pelos efeitos negativos de expansão
industrial e pela crise ambiental. Até a década de noventa, a natureza não ficou na
frente das preocupações desenvolvimentistas no Brasil – nem nas esferas públicas
ou privadas. Pelo contrário, a ideia ampla que os recursos naturais abundantes no
88
país eram inesgotáveis criou um tipo de anestesia com respeito ao meio ambiente.
Ligar o meio ambiente com o desenvolvimento não era apenas parte de um jogo
político estratégico nas Conferências das Nações Unidas. Desde as primeiras
políticas desenvolvimentistas, os dois conceitos eram considerados duas faces da
mesma moeda (GUIMARÃES, 1991).
Nos Estados Unidos, o contexto histórico e político no qual o movimento
ambientalista se desenvolveu, na imagem contemporânea, foi o de grandes
mudanças sociais. O surgimento dos movimentos sociais na década de sessenta
que enfrentaram estruturas políticas tradicionais e lutaram contra a guerra em
Vietnã, para os direitos civis e de mulheres, entre outros grupos, criou o pano de
fundo para o movimento ambientalista estar inserido na onda “contracultura”. O
sistema democrático consolidado realizou políticas que refletiram atividade maior
por parte da sociedade civil. As demandas dos movimentos sociais, inclusive o
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ambientalista, entraram na política e na consciência da população maior.
A década de sessenta foi uma época de grande dificuldade para a evolução
dos movimentos sociais no Brasil de forma geral a partir da instalação do regime
militar em 1964. A repressão política durante a década seguinte resultou no exílio
de uma parte significante de ativistas políticos. No contexto de ditadura militar,
todavia existia pressão de setores da sociedade civil e um movimento que chamou
a atenção para a crise ecológica e os problemas ambientais, mas as preocupações
sobre o meio ambiente eram marginalizadas com o foco da sociedade civil nos
direitos e liberdades civis. Ao longo das décadas de setenta e oitenta, o Brasil
virou a décima primeira economia industrial do mundo, mas desde a época póssegunda guerra mundial, em termos de desenvolvimento medido além de PIB, não
houve crescimento. A partir da ditadura militar, o chamado “milagre” foi apenas
em termos econômicos. Junto ao crescimento dos indicadores econômicos, a
desigualdade aumentou e o Brasil ficou entre os países piores da região. Esse
contraste seria um grande fator na maneira que o Brasil lidaria com a crise
ambiental
e
na
formação
do
movimento
ambientalista
(COMISSÃO
INTERMINISTERIAL, 1991).
Outro elemento importante na comparação do desenvolvimento do
movimento ambientalista no Brasil e nos Estados Unidos é o grau diferente de
industrialização. Antes de pensar no meio ambiente global ou numa conferência
internacional, os movimentos ambientalistas, ao longo do século vinte
89
construíram suas lutas e agendas em resposta aos efeitos negativos de
industrialização ao nível local e regional. Não é um fato desconhecido que os
Estados Unidos, até a década de sessenta, alcançou a posição do país mais
industrializado do mundo. A indústria não foi mais concentrada no nordeste e a
grande maioria das regiões reivindicavam sua participação no sonho americano de
satisfazer os desejos materiais. No caso do Brasil, um país considerado em
desenvolvimento, a industrialização nessa época foi parcial e sua concentração nas
regiões Sul e Sudeste contribuiu para o aumento de desigualdade social e
econômico que até hoje o país enfrenta.
O nível de industrialização, junto ao contexto político e social, determinou
a formação do movimento ambientalista nos dois países. Faz sentido que no Sul e
Sudeste brasileiro o movimento para proteção e conservação ambiental se formou
primeiro. Desde a década dos cinquenta, a sociedade civil começou a se preocupar
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com a crise ambiental. A grande maioria de ONGs ambientalistas se formou
durante as décadas dos oitenta e noventa, mas em 1951 foi criada a Associação
Rio Grandense de Proteção aos Animais, em 1955 A União Protetora do
Ambiente Natural em Rio Grande do Sul, e em 1958 a Fundação Brasileira para
Conservação da Natureza no Rio de Janeiro (JACOBI, 2003). No Sul e Sudeste
brasileiro, a industrialização rápida e o movimento que surgiu em resposta aos
efeitos negativos refletiram o desenvolvimento nos Estados Unidos, mas foi muito
mais localizado. Nos Estados Unidos, o movimento ambientalista conseguiu
manter força e influência, mesmo com graus diferentes de sucesso, ao longo das
décadas dos sessenta, setenta e oitenta. Como resultado, a criação dos valores e
normas com respeito à proteção do meio ambiente foi mais difundida. Os EUA
experimentaram uma conscientização na base da sociedade sobre a questão
ambiental e o sucesso do movimento ambientalista para influenciar a política
variava por fatores internos e externos. Mesmo quando não houve progresso na
agenda ambientalista, ou quando o movimento perdeu terreno, os ativistas, dentro
de fora da política, continuaram na sua luta (HOPGOOD, 2003).
No centro das transformações que ocorreram no movimento ambientalista
durante as décadas de setenta, oitenta e noventa reside a institucionalização dos
novos conceitos e valores em normas e políticas ambientais. No Brasil e nos
Estados Unidos, a década de setenta marcou uma época de nova legislação
ambiental extensiva. A entrada das ideias e valores relacionados com o
90
movimento ambientalista na política nacional e local faz parte do processo maior
da entrada do movimento ambientalista em diversos setores da sociedade. Leis e
órgãos ambientalistas ao nível de políticas federais e estaduais criaram um regime
institucional que assumiram o desempenho de proteção do meio ambiente através
de regulação e fiscalização. Uma introdução à criação de legislação ambiental e às
políticas particulares no Brasil e nos EUA consiste de evidências concretas das
mudanças no movimento ambientalista nesses países. Portanto, é importante para
explicar as mudanças na sua participação nas Conferências da ONU.
Na década de sessenta, a legislação ambientalista nos Estados Unidos
reforçou e contribuiu para a conscientização mais ampla da sociedade sobre
problemas ambientais. Novas leis federais e instituições foram efetivadas para
restaurar e manter a qualidade do meio ambiente. O regime institucional
concentrava na regulação de contaminantes do ar e água, e estabeleceu processos
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para a análise e revisão de programas ou ações do governo federal que poderiam
afetar o meio ambiente. Legislação conservacionista das décadas posteriores
também foi fortalecida com novas leis para controlar resíduos tóxicos e para
proteger espécies de plantas e animais durante a década de setenta, expandindo a
institucionalização dos novos valores e preocupações ambientais (UNITED
STATES, 1992).
A partir da criação do Parque Nacional de Yellowstone em 1872, as leis
federais ambientais concentraram-se na conservação de flora e fauna e paisagens
em parques nacionais nos EUA. A legislação nacional sobre água e ar, que foi
promulgada durante a década de sessenta, mantinha um papel apenas de pesquisa
e assistência técnica, deixando o controle de poluição e a proteção de recursos nas
mãos dos governos locais e estaduais. A partir do primeiro Earth Day, em Abril de
1970, que marcou a conscientização ampla nos Estados Unidos, na comunidade
internacional, e uma nova percepção do meio ambiente na sua totalidade, o
governo federal percebeu os limites dos programas atuais e começou um novo
período de legislação ambiental. Ao longo das décadas de setenta e oitenta, o
governo criou leis gerais de avaliação ambiental e estatutos direcionados a
recursos específicos como ar e água junto a tipos de poluição específicos, criando
mecanismos de reforço em tribunais civis e criminais (UNITED STATES, 1992).
As novas leis formaram o chão que marcou as mudanças na abordagem do
governo federal, e as instituições criadas pelo executivo e o Congresso para
91
trabalhar em paralelo as novas leis formaram as paredes da nova estrutura política.
O Conselho de Qualidade Ambiental (CEQ), criado em 1970, foi um mecanismo
que estudou os programas federais que podiam afetar o meio ambiente e fazer
recomendações para o Presidente baseadas nas descobertas. Além disso, em 1970,
o Presidente Nixon criou a Agência para a Proteção do Meio Ambiente (EPA)
para executar os estatutos específicos sobre recursos naturais, tais como a água e o
ar, e a Administração Nacional Atmosférica e Oceânica (NOAA) para gerenciar e
monitorar programas nessas áreas. A adoção de normais ambientais no nível
federal estimulou a criação de instituições no nível estadual onde foram criados
departamentos e instituições de proteção ambiental – os mais inovadores
serviriam como modelos para outros governos estaduais e até o para o governo
federal (UNITED STATES, 1992).
Durante a década de sessenta no Brasil, a política ambiental foi voltada à
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industrialização, aos programas de substituição das importações e aos interesses
desenvolvimentistas. O meio ambiente dentro da legislação e regulação jurídica
foi voltada à apropriação dos recursos naturais. Assim, diferentemente dos
Estados Unidos, onde durante esta década a legislação ambiental controlava
contaminantes, a legislação federal no Brasil foi limitada ao uso e exploração de
água, flora e fauna (JACOBI, 2003). O governo federal criou políticas como a
Política Nacional de Sanitização (1967) e órgãos como o Departamento Nacional
de Água e Energia Elétrica (1965), o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento
Florestal (1967) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (1970),
com objetivos desenvolvimentistas claros, principalmente de expansão dos centros
urbanos, da matriz elétrica, da rede rodoviária e da indústria agrícola
(GUIMARÃES, 1991), (COMISSÃO INTERMINISTERIAL, 1991).
Um caso importante no início da década de setenta de uma fábrica no Rio
Grande do Sul que foi responsável por provocar péssimas condições ambientais na
cidade de Porto Alegre, com respeito à poluição extrema da água e o ar, indica o
desempenho das políticas ambientais nacionais e a falha do governo militar em
lidar com esse tipo de problema. Uma solução para este problema surgiu depois
de dois anos de pressão, por parte de grupos ambientalistas, com o cerramento da
fábrica em 1973. Mesmo assim, durante essa época, o Brasil defendeu a poluição
como um meio de crescimento econômico. Como no caso do Rio Grande do Sul, a
legislação ambiental do governo militar se pautava apenas na poluição industrial
92
urbana – e somente sob a pressão da sociedade civil ao nível local. Quando a
legislação ambiental foi cumprida, qualquer fiscalização limitava-se apenas as
atividades das empresas privadas, deixando os projetos públicos do governo sem
responsabilização. Tampouco, no setor rural, as atividades como desmatamento,
erosão e contaminação de rios por fertilizantes e herbicidas continuaram sem
intervenção oficial (ALEXANDRE, 2003).
Em resposta direta à instância de contaminação ambiental no Rio Grande
do Sul, a Secretaria do Meio Ambiente (SEMA) foi criada em 1973
(GUIMARÃES, 1991). Sob o Ministério do Interior, a SEMA visava os seguintes
desempenos: a) examinar as implicações ambientais do desenvolvimento nacional
e do progresso tecnológico, b) acompanhar a função de órgãos e entidades
ambientais e c) aumentar as normas e padrões de preservação do meio ambiente
(COMISSÃO INTERMINISTERIAL, 1991). Evidente na criação da SEMA foi o
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foco no gerenciamento de recursos mais do que no controle de poluição do ar,
água e solo. Mesmo assim a estrutura do órgão marcou uma nova fase na
institucionalização das ideias e valores relacionados à proteção do meio ambiente
no Brasil.
A ideologia do governo militar com respeito ao desenvolvimento foi muito
expressa nas leis ambientais e nas novas instituições. Além disso, a ideologia do
Estado que destacou a segurança nacional e o exercício do poder soberano no uso
de recursos naturais deu o tom às políticas ambientais. Embora o Decreto-Lei
1.413 e o Decreto 76.389 de 1975 estabelecessem controles importantes sobre
poluição industrial, a proteção do meio ambiente foi motivo secundário. Contido
nessa legislação, o Executivo tirou o direito de governos locais de parar atividades
econômicas por razões ambientais, afirmando o poder único do Estado de
interromper atividades consideradas importantes para o desenvolvimento
econômico (GUIMARÃES, 1991). Nas políticas ambientais da década de setenta
nos Estados Unidos, os direitos de indivíduos (destacados na Constituição
Americana) eram reforçados na implementação de regulação ambiental o
estabelecimento de procedimentos, como compensação financeira no caso de
tomada de propriedades particulares, antes de sancionar por transgressões
ambientais. Também, junto à estrutura da Constituição, as leis ambientais federais
permitem cidadãos indivíduos a possibilidade de aplicar os estatutos ambientais,
93
levando os responsáveis para tribunal civil, quando as atividades de entidades
estatais ou privadas lhes afeitaram (UNITED STATES, 1992).
No Brasil e nos Estados Unidos, uma política nacional ambiental foi
estabelecida durante a década de setenta com foco na poluição do ar, água e solo,
refletindo o processo maior de transformação social e cultural através da
conscientização de diversos setores da população. No Brasil, a política ambiental
existia claramente no papel, mas isso não significava que os representantes de
interesses ambientais, dentro e fora do governo podiam ganhar poder político
suficiente para agir neste campo. Sem recursos financeiros, ficou difícil para a
rede de profissionais, instituições e leis que visavam à proteção ambiental fazerem
efeito. Dados do Banco Mundial mostraram que de 1978 a 1980 a porção de PIB
gasta nos programas ambientais foi menos do que 0,3 por cento. Outros cálculos
colocaram o número para o Brasil na faixa de 0,065 por cento. Por outro lado, no
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mesmo período, os Estados Unidos gastaram 2,5 por cento do PIB em programas
ambientais. Essa grande diferença mostra o compromisso dos governos para
apoiar as políticas ambientais e a capacidade dessas instituições como a EPA nos
Estados Unidos e a SEMA no Brasil (GUIMARÃES, 1991). Embora não seja
possível concluir que essa porcentagem é um valor numérico representativo do
nível de preocupação ambiental nos dos países, ainda mais considerando que o
PIB nos EUA antes dos gastos em programas ambientais era muito maior que o do
Brasil, o que serve para indicar a atenção que recebeu dentro dos contextos
nacionais particulares.
As políticas ambientais expandiram-se no Brasil, no papel, durante a
década de setenta, a pesar do pouco financiamento. Nos Estados Unidos, pela
natureza informativa dos programas nacionais relacionados ao meio ambiente,
havia certo nível de financiamento do governo federal que contribuiu apenas para
a expansão de estudos e para apoio técnico – não necessariamente para a aplicação
de leis e de sanções. As políticas ambientais no Brasil foram criadas dentro da
estrutura centralizada do regime militar, dificultando sua aplicação e expansão;
sem a participação e influência direta de governos locais e a sociedade civil. Nos
Estados Unidos, a criação de programas nacionais centralizou a geração de dados
e disponibilizou recomendações maiores para os governos federais e os governos
estaduais. Dessa forma, a regulação e aplicação relacionadas às políticas
94
americanas permaneceram nas mãos de governos locais, um fator que possibilitou
participação cívica.
O ambientalismo que conhecemos hoje em dia nasceu nos contextos
políticos, econômicos e históricos particulares ao Brasil e EUA que contribuíram
para a formação do movimento ambientalista e para a institucionalização de
normas e regulação ambientais. Podemos rastrear o desenvolvimento do
movimento ambientalista desde a década de sessenta, ao longo das Conferências
em 1972 e 1992, diretamente até o presente. Já foi estabelecido, segundo a teoria
de ação comunicativa, que os valores e conceitos associados com a proteção do
meio ambiente espalharam-se para diversos setores da sociedade. A atuação do
movimento ambientalista internacional e a sociedade civil global participaram nos
processos discursivos do sistema da ONU para criar acordos comuns
internacionais. A linha que conecta a UNCHE e a UNCED parece que faz parte de
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uma evolução progressiva coerente para chegar a um entendimento cada vez mais
informado e legitimo.
Se considerarmos a preocupação metodológica de Foucault sobre a
aplicação de uma teoria geral, essa continuidade pode ser analisada melhor. Ao
invés de procurar a continuidade histórica e as conexões que formam uma
linhagem concreta, Foucault aponta para os momentos de divergência, de
revolução ou de ruptura para entender a formação histórica social. Uma análise
que procura apenas continuidade não percebe outras forças, às vezes menos
visíveis, que estão no jogo. Essa questão surge do objetivo compartilhado dos dois
autores – a emancipação de indivíduos – e reside no coração da divergência entre
eles, sendo aplicável para a discussão do meio ambiente. Para Habermas, a
formação social discursiva que gera uma sociedade justa e racional é o caminho
para a emancipação dos indivíduos. Dreyfus e Rabinow (1983) destacam uma
leitura de Foucault que identifica a emancipação real ocorre nesses momentos de
ruptura e revolução. Um foco na continuidade histórica que liga as Conferências
de 1972 e 1992 é resultado de uma analise dos processos e regras que foram
estabelecidos dentro desses momentos discursivos. Segundo essa leitura de
Foucault pode negligenciar diferenças e conflitos reais (DREYFUS &
RABINOW, 1983).
Na análise do movimento ambientalista nas Conferências da ONU existia
uma continuidade clara ao nível internacional e também ao nível nacional, mas
95
não foi uniforme ou consistente. Assim, baseando-se em Foucault, para entender
melhor a participação única do Brasil e os EUA, seria importante levar em conta
as diferenças que as separam. Ainda que a década de oitenta fosse de expansão de
legislação ambiental no Brasil e nos EUA, de maior conscientização pública e
atuação por parte da sociedade civil, houve grandes mudanças institucionais e
sociais que determinaram os debates na Conferência em 1992.
A década de oitenta foi de grandes mudanças para a institucionalização da
proteção do meio ambiente, definindo claramente as mudanças na participação do
Brasil e os EUA em Estocolmo e na Rio-92. A Política Nacional de Meio
Ambiente de 1981 criou a base para a legislação ambiental e a maneira de abordar
a política ambiental no Brasil dos anos seguintes até os dias de hoje
(ALEXANDRE, 2003). Essa política, estabelecida na Lei 6.938, destacou
conceitos como poluidor-pagador e a necessidade de conciliar crescimento
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econômico com preservação do meio ambiente. Além disso, a Lei 6.938
estabeleceu a nova política ambiental junto ao Sistema Nacional do Meio
Ambiente (SISNAMA) que estabeleceu a administração federal, de órgãos
estaduais, municipais e ONGs. Adicionalmente, o Conselho Nacional do Meio
Ambiente (CONAMA) recebeu o papel consultivo e deliberativo do SISNAMA e
“tem por finalidade assessorar, estudar e propor ao governo federal diretrizes de
políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais, bem como
deliberar sobre normas e padrões compatíveis com a preservação do meio
ambiente.” (COMISSÃO INTERMINISTERIAL 1991).
A década de oitenta nos Estados Unidos foi de reestruturação econômica
severa. O governo Reagan que durou desde 1981 a 1989 programou políticas
econômicas seguindo uma ideologia de mercados desregulados, poder estatal
reduzido e maior globalização econômica. As políticas federais ambientais da
década de setenta representaram a expansão de regulação estatal e uma barreira
para a expansão econômica, portanto os estatutos ambientais eram desafiados e
seu poder minado. Mesmo assim, no contexto de cortes orçamentais por
programas nacionais e desequilíbrio econômico, os Estados Unidos assinaram a
Convenção de Viena em 1985, um acordo multilateral que baniu o uso de
químicos que causam a degradação do ozônio. A participação nesse acordo apenas
apoiava legislação nacional que foi estabelecido em 1978 contra o uso de certos
96
químicos. No fundo, assinar essa Convenção foi motivado mais para proteger os
interesses econômicos nacionais diante da competição no mercado global, por
países que não sofreram as mesmas restrições, e foi cumprido somente com o
apoio expressa do setor químico-industrial (HOPGOOD, 2003).
Uma mudança grande na política ambiental brasileira ocorreu ao longo da
abertura política na década de oitenta. A expansão de programas e instituições
ambientais foi possível com mais participação da sociedade civil e partidos
políticos através de eleições diretas a nível estadual em 1982 e o Brasil
experimentou uma nova onda de institucionalização ambiental ao nível estadual e
local. Assim, a Associação Brasileira de Entidades do Meio Ambiente (ABEMA)
foi criada, composta por órgãos estaduais e federais e resposta à fragilidade
institucional e política do governo militar junta à demanda social para fortalecer o
SISNAMA
e
as
políticas
ambientais
nacionais
(COMISSÃO
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INTERMINISTERIAL, 1991).
A transição democrática no Brasil implantou uma nova estrutura
institucional para o meio ambiente. O Decreto 91.145 de 15 de Março de 1985, a
mesma data da declaração da Nova Republica, criou novos órgãos cujos projetos
ligaram o desenvolvimento diretamente como o meio ambiente. Com este
objetivo, o novo Presidente Sarney criou o Ministério de Desenvolvimento
Urbano e Meio Ambiente (MDU) que abordou políticas dedicadas a uma gama de
desempenhos sob esse ângulo inclusive a habitação, sanitização básica e educação
ambiental. Assim, a facilidade de criar órgãos construiu uma estrutura
institucional grande, mas não correspondeu a valores e práticas na sociedade. Com
a mudança para um regime democrático, a transição ou transferência de poder
político foi acompanhada por um processo de consolidação institucional. Após a
Constituição de 1988 e as eleições nacionais abertas o programa Nossa Natureza
chamou a atenção para o compromisso do novo governo de lidar com questões
ambientais e para sua ruptura com o regime militar. Isso resultou numa mudança
maior na estrutura institucional com a criação do Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) em 1989. A nova
instituição englobou várias Agências ligadas a essa área como, por exemplo, o
Instituo Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) e em 1990 a SEMA
entrou sob essa nova megaestrutura definindo seu caráter integrado e
97
estabelecendo-se como “o grande executor da política ambiental e de gerir de
forma integrada essa área no país.” (www.ibama.gov.br).
3.3.
O movimento ambientalista no Brasil e nos EUA
A abertura política no Brasil durante a década de oitenta ocorreu no
contexto maior de transformação política global e nova movimentação na
sociedade civil principalmente na América Latina e o Leste Europeu. Os novos
movimentos sociais enfrentaram questões novas e aproveitaram de novas redes
nas quais articularam suas demandas e lutas (COSTA, 2002). O período de
ditadura militar no Brasil criou um ambiente de desmobilização social com ênfase
na privatização de interesses individuais e grupos junto ao bem estar individual e
de familiares mais próximas. O governo militar realizou uma forte repressão aos
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movimentos sociais e desenvolvimento comunitário autônomo, resultando na
despolitização de organização coletiva e a esterilização de questões e problemas
sociais inclusive aqueles relacionados com o meio ambiente (GUIMARÃES,
1991).
No contexto da ditadura militar, as preocupações ambientais estavam
presentes entre certos grupos profissionais e de especialistas, principalmente a
partir de 1979 com a volta de exilados de países europeus, mas para os
movimentos de direitos políticos e de cidadania a questão do meio ambiente
permaneceu secundária. Movimentos sociais voltados aos problemas de pobreza e
necessidades básicas não tinham uma visão que ligava o meio ambiente com
desigualdade e justiça. Ademais, o legado de governança militar tecnocrática, que
procurava legitimação no crescimento econômico através da intervenção Estatal,
definiu a necessidade de preservar o meio ambiente como a antítese do
desenvolvimento nacional (JACOBI, 2003). O discurso oficial durante a ditadura
indicou que uma visão mais ampla do meio ambiente foi um obstáculo ao
desenvolvimento e que o meio ambiente apenas significava flora e fauna.
Nos Estados Unidos, a continuidade democrática ao longo das décadas de
sessenta, setenta e oitenta permitiu participação e influência estável (mesmo que
variassem durante anos diferentes) do movimento ambientalista e elementos da
sociedade civil nos processos políticos. O sistema político americano possui
98
mecanismos particulares como o lobbying para incentivar a participação da
sociedade nas decisões políticas. Desde a década de sessenta cientistas, grupos da
sociedade civil e corporações tiveram uma presença no processo legislativo e
buscaram influenciar a criação e implementação de políticas ambientas
(FALKNER, 2005).
Diferentemente do movimento ambientalista no Brasil, o movimento nos
Estados Unidos foi muito mais ligado durante as décadas de setenta e oitenta às
transformações internacionais nos âmbitos políticos e econômicos. As mudanças
na relação entre a sociedade e o Estado, junto ao alcance global das questões
ambientais, criaram uma situação excelente para a expansão internacional do
movimento ambientalista. O movimento ambientalista internacional, ONGs
internacionais e os grupos da sociedade civil internacional ficaram próximos ao
movimento pioneiro nos Estados Unidos (muitas ONGs internacionais eram
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sedeados nos EUA). Durante as décadas de setenta e oitenta, através de atuação e
pressão forte por parte da sociedade civil, sistemas de proteção da camada de
ozônio e de preservação de espécies foram criados estabelecendo uma base para a
crítica de países europeus por serem atrasados nessas áreas (FALKNER, 2005).
No Brasil, houve um processo mais exogêneo. O movimento ambientalista
internacional incorporou o Brasil na agenda ambientalista global durante a década
de setenta. A Amazônia se tornou uma palavra-chave para ambientalistas no
mundo todo pelo desmatamento que o modelo desenvolvimentista brasileiro
encorajava. No Brasil, a questão de desmatamento foi uma das mais destacadas e
foi significante por ser o primeiro ponto onde o movimento ambientalista
expandiu para outros setores da sociedade civil e foi incorporado por outros
movimentos. Não foi até o final da década de oitenta que a preocupação sobre
industrialização urbana e poluição juntou com questões sobre pobreza,
desigualdade e justiça, mas a questão sobre a preservação de florestas juntou com
o movimento seringueiro desde a década de setenta3 (JACOBI, 2003).
O movimento ambientalista expandiu ainda mais para outros setores da
sociedade, incorporando outras questões sociais. A sua expansão na política
nacional refletiu mudanças maiores em certas partes da sociedade brasileira:
inclusive a volta dos exilados em 1979, alguns dos quais tinham participado no
3 Movimento liderado pelo sindicalista e ativista Chico Mendes.
99
movimento verde na Europa, e a abertura política de eleições locais em 1981.
Com a transição democrática em 1985, houve um boom na atuação e no numero
de novas entidades ambientalistas. Os grupos locais que agiram na década de
setenta eram 45, no início da década de oitenta, mas em 1985 já passavam de 400
para chegar à faixa de 600 ao final da década (ALEXANDRE, 2003).
Houve uma influência ideológica grande durante a década de oitenta do
movimento ambientalista nos EUA e Europa principalmente no Sul e Sudeste do
Brasil. Uma parte significativa do movimento no Brasil tomou a posição do
movimento contra o modelo urbano e industrial de produção que chamou a
atenção
para
os
efeitos
dos
empreendimentos
humanos
nos
países
industrializados. A Associação Protetora do Meio Ambiente (AGAPAN) adotou
essa perspectiva, destacando o uso de agrotóxicos no Rio Grande do Sul. Através
da participação política renovada ao nível local na década de oitenta, essa ONG
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conseguiu aprovar a primeira lei estadual de agrotóxicos em 1983. Essa lei
pioneira serviu como um modelo para outros estados e foi exportado para Santa
Catarina, Paraná e São Paulo, onde aprovaram leis parecidas em 1984 (JACOBI,
2003).
Num estudo sobre os ecologistas no Brasil, Eduardo Viola (1991)
identifica duas fases no desenvolvimento do movimento ambientalista e a partir
disso faz uma análise sociológica que reflete as mudanças políticas discutidas
acima. A primeira fase foi fundacional, de 1971 até 1986, quando os ecologistas
estabeleceram uma agenda clara que se estabeleceu diretamente em oposição
política ao governo militar. A segunda fase foi transicional a partir da abertura
política em 1985, quando o movimento começou a passar por um processo de
complexificação e multissetorialização. Essa fase, durante a década de oitenta,
com os verdes entrando na política local e a sociedade civil com mais espaço para
ação e articulação, representou o momento em que os valores e ideias que fazem
parte do movimento ambientalista espalharam para diversos setores da sociedade.
Nos EUA, o desenvolvimento do movimento foi bastante diferente. Em
1984 o diretor do Environmental Defense Fund, Fred Krupp, escreveu um artigo
para Wall Street Journal discutindo as três fases do movimento ambientalista
americano. A primeira fase, ao longo do início do século vinte, abordava a
questão de exploração extrema de recursos naturais com chamadas para
preservação e conservação. A segunda fase partiu da conscientização na década de
100
sessenta, destacado pela publicação do livro Silent Spring, e foi definida pelo
objetivo de parar poluição e degradação ambiental através de ação direta,
lobbying, e processos judiciais. A terceira fase, em meados da década de oitenta,
objetivou achar alternativos para os projetos ambientalmente destrutivos. Mesmo
com necessidades legitimas detrás desses novos projetos, ficou evidente que
soluções de longo prazo serão achados em modelos sustentáveis (BRULLE,
2000).
O foco em reformas do movimento ambientalista nos EUA ressalta o
caráter técnico e científico das organizações e instituições ambientais americanas,
e os projetos e soluções que desempenham. Uma abordagem reformista explica a
expansão de ONGs e grupos ambientalistas desde a década de oitenta, sem a
criação de quase nenhuma iniciativa nova. O foco na análise científica de
problemas ambientais faz uma crítica da estrutura institucional, mas isso não gera
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novas visões alternativas para basear uma sociedade sustentável (BRULLE,
2000). Nos EUA, o movimento ambientalista e a ecopolítica são geralmente
limitados pelos debates científicos e o fato que o papel das cientistas e expertos é
maior do que o papel dos cidadãos nos processos e debates políticos que visam à
reforma política e institucional. As organizações com o perfil reformista não
conseguem manter um nível de independência e são influenciadas pelos interesses
do mercado e o Estado. As relações dentro do sistema política americana são
ainda mais complexas. Embora o foco na ciência e na orientação de expertos não
abra espaço público para debate pluralista, a formação de políticas ambientais
ainda é susceptível à influência de ideologia através de formas de pseudo-ciência4.
Em resumo, o surgimento do movimento e as mudanças que sofreu ao
longo das décadas formacionais são reflexões da complexidade política,
econômica e histórica que define o ambiente social e cultural do Brasil e os EUA.
O desenvolvimento dos valores e conceitos ambientais no Brasil e nos EUA
aconteceu de forma distinta com abordagens e ênfases diferentes. No Brasil, pelos
grandes contrastes na sociedade, o desenvolvimento foi bastante complexo por ter
havido uma forte divergência regional, resultando num movimento pouco
4 A participação do Presidente Bush na Rio-92 foi determinado por uma opinião científica que
discordava do consenso internacional sobre a mudança climática e a maioria dos cientistas nos
EUA (SENATE CONGRESSIONAL RECORD, 1992a).
101
centralizado. Desde as lutas no Acre, durante a década de sessenta, aos
seringueiros, que ligaram suas demandas sociais com o meio ambiente na década
de setenta, até os ambientalistas do Sul e Sudeste, cuja luta ecoava os movimentos
nos Estados Unidos e na Europa em resposta aos efeitos negativos de
industrialização urbana, o movimento no Brasil não se consolidou e juntou com
outras questões sociais importantes. Esse tipo de mistura de agendas por um lado
funcionou para espalhar os conceitos e valores ambientais para diversos setores da
sociedade e por outro lado deixou menos clara a articulação das demandas e
valores ambientais.
Nos EUA, um exemplo bastante diferente, o desenvolvimento do
movimento ambientalista no contexto das grandes mudanças culturais da década
de sessenta estabeleceu os valores e conceitos relacionados com a proteção do
meio ambiente como um ponto de resistência social. A incorporação dessas ideias
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na política, desde 1970, foi limitada à abordagem técnico-científica que refletiu a
tendência para separar as questões sociais (levantadas pelos movimentos sociais
durante a década de sessenta) de outras questões, evitando a criação de uma visão
holística sobre problemas e soluções ambientais. O poder dos EUA para exportar
as crises ambientais para outros países, seja no discurso ou com projetos reais, é
um elemento importante das mudanças no movimento ambientalista. Desde
Estocolmo, os EUA se preocuparam com a degradação ambiental em países em
desenvolvimento e a partir da década de oitenta, (principalmente com NAFTA na
década de noventa) deslocou os efeitos negativos industriais para fora das
fronteiras nacionais. A exportação do movimento ambientalista para a sociedade
civil internacional reflete esse fenômeno. Até o conceito de desenvolvimento
sustentável, quando é ressaltado, normalmente é direcionado a outros países, aos
menos desenvolvidos, sem relacioná-lo aos problemas internos.
O movimento ambientalista no Brasil surgiu de forma bissetorial, formado
por grupos pequenos de base e agências estatais ambientalistas, e se tornou
complexo e multissetorial, formado por uma variedade de setores entre a
sociedade civil e o governo com graus diferentes de integração e
institucionalização5 (ALEXANDRE, 2003). O estilo de desenvolvimento
5 Para uma lista dos oito setores da sociedade que formam o movimento ambientalista ver Viola
& Leis (1995).
102
exclusivo e o legado de um Estado grande e uma sociedade civil pequena, junto a
outros fatores históricos, resultaram em uma organização do movimento de cima
para baixo por linhas corporativistas. Além disso, a ordem patrimonial no Brasil,
que destaca o reconhecimento apenas pelo Estado, não garante uma atenção nos
processos jurídicos quando um conceito ou valor entra apenas na lei. Ademais, o
fortalecimento do movimento ambientalista internacional e a adoção da Amazônia
como causas globais, junto aos ativistas exilados com conexões no exterior
determinaram o caráter do movimento ambientalista (GUIMARÃES, 1991).
Tudo isso é evidente através de uma análise baseada nos pressupostos da
teoria da ação comunicativa. Para Habermas, a abertura da esfera pública para a
atividade da sociedade civil e os processos discursivos internacionais criaram as
condições para a racionalização comunicativa. Pelo outro lado, havia fatores
econômicos e políticos que influenciaram o caráter do movimento que são menos
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visíveis e que surgiram desta análise inspirada no pensamento de Foucault.
Fatores como a entrada do Brasil no mercado internacional e a pressão, a partir de
Estocolmo, de outros governos para o Brasil atender às normas ambientais
internacionais também contribuíram para a formação do movimento ambientalista.
No Brasil, portanto, podemos resumir que a formação do movimento
ambientalista foi um processo de cima para baixo; das instituições do Estado e as
demandas do mercado, e de fora para dentro; de padrões da comunidade
internacional e de normas internacionais.
Nos EUA, o movimento ambientalista surgiu no contexto de mudanças
sociais amplas, valores pós-materialistas e a onda “contra cultura” da década de
sessenta. Junto a isso, a ênfase constitucional em autonomia estadual e local no
âmbito político, mesmo com a criação de políticas e instituições nacionais, formou
um movimento com caraterísticas de um movimento de base abrangente. A
formação de políticas, reformas, normas e valores associados com a proteção do
meio ambiente tinha um caráter muito diferente que no Brasil. Nos EUA a
formação do movimento foi mais na direção de baixo para cima com iniciativas de
grupos particulares e negociação política diretamente com representantes nos
governos locais. O deslocamento da atividade do movimento ambientalista para a
sociedade civil global pode ser evidência da abertura de uma esfera pública
internacional, segundo a teoria de Habermas, mas, da perspectiva de Foucault,
isso pode distrair da origem desse movimento na necessidade de garantir o futuro
103
acesso a recursos naturais. Assim, a exportação do movimento para a sociedade
civil global deu outro característica à formação do movimento ambientalista nos
EUA. Ao contrário do Brasil, nos EUA o processo de formação do movimento
ambientalista foi de baixo para cima; da base dos movimentos sociais, e de dentro
para fora; do âmbito nacional para o internacional.
Ambos os autores podem contribuir para a discussão do movimento
ambientalista. Obviamente, seus focos diferentes destacam elementos diferentes
da formação deste movimento. Habermas destaca a importância da sociedade civil
como veículo para a expressão de valores culturais no âmbito político, mas não
considera diretamente as relações de poder complexas que existem dentro da
sociedade civil e que se manifestam nas relações entre a sociedade e o Estado.
Uma análise baseada no pensamento de Foucault, pelo outro lado, não captura a
importância da sociedade civil na negociação com o Estado e na formação dos
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valores associados com a proteção do meio ambiente. Os dois autores têm limites
para a discussão sobre o movimento ambientalista no Brasil e nos Estados Unidos.
Mesmo assim, contribuem para entender melhor a formação e transformação do
movimento ambientalista.
Os EUA criaram políticas e instituições ambientais em resposta às
demandas novas da sociedade civil, mas isso não sempre era o caso. Os interesses
da comunidade empresarial em vários casos contrariam os interesses de grupos
ambientalistas e influenciaram a direção da política. Nas décadas de setenta e
oitenta, as questões que o movimento ambientalista ressaltou mais e que
receberam mais atenção e mais apoio no âmbito político eram questões que não se
chocaram com os interesses econômicos de grandes empresas. No caso de CFCs,
as empresas americanas já tinham desenvolvido substitutos para o uso domestico
dessa substância. Assim, não houve resistência grande do setor industrial em a
legislação passou com bastante facilidade (HOPGOOD, 2003).
São complexas as relações e fatores ao nível nacional que determinam o
caráter único de movimento ambientalista. Nos Estados Unidos, a influência de
atores do mercado e do setor empresarial pode limitar ou facilitar a
institucionalização dos valores e conceitos relacionados à proteção do meio
ambiente. Mesmo assim, não se pode subestimar o trabalho de ativistas e grupos
locais e o poder das estratégias que aprenderam durante as lutas dos movimentos
sociais durante a década de sessenta. Sem a pressão de ativistas, dentro e fora do
104
governo, o meio ambiente não receberia a mesma atenção. Com cada vez maior
conscientização pública sobre preocupações ambientais, a partir da década de
setenta, os ativistas aproveitaram mais dos meios legais e civis de combater
poluição e contaminação6.
3.4.
A participação do Brasil e os EUA nas Conferências da ONU
Há elementos de continuidade e descontinuidade que marcam a participação
dos EUA e o Brasil nas Conferências de 1972 e 1992. As mudanças nas posições
oficiais e atuação das delegações são claras, mas são relativas às transformações
de ênfase e na maneira de abordar a questão ambiental no debate internacional. Na
nova atmosfera internacional, com a separação da União Soviética, ocorreram
grandes mudanças na política ambiental, mas não corresponderam às mudanças ao
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nível nacional entre Estocolmo e a Rio-92. A partir de uma análise da participação
do Brasil e dos EUA nas duas conferências, é possível identificar uma linha
contínua e clara que atravessa a UNCHE e a UNCED que reflete ambos a
afirmação dos interesses nacionais, apesar das chamadas para cooperação
internacional, e o caráter particular do movimento ambientalista nos dois países.
Desde o primeiro compromisso do governo americano a participar em
Estocolmo, destacou-se o papel dos EUA como líder global e a necessidade de
incentivar a cooperação internacional. No contexto da Guerra Fria, de forma geral,
foi muito importante para o líder do mundo livre manter seu papel como a
bússola moral na comunidade global e sua influência na política internacional.
Essa mentalidade foi expressa na conexão dos efeitos de mudanças ambientais
com o bem-estar humano e o usufruto de direitos humanos básicos. O Presidente
Nixon apoiava a participação dos EUA na conferência, o reconhecimento de uma
crise global e a responsabilidade comum de gerenciá-la. Os EUA foram não
apenas conscientes da sua capacidade de fornecer liderança no desenvolvimento
de métodos com esse alvo, mas também do fato que sua participação não era
simplesmente altruística e que havia muitos benefícios potenciais7 (HOUSE OF
REPRESENTATIVES, 1969).
6 Sobre movimentos ambientalistas de base nos EUA ver Dunlap & Mertig (1992).
7 É importante notar o elemento financeiro da discussão dentro do Congresso sobre a
105
A atuação multilateral dos EUA em 1972 refletiu preocupação com a
influência do bloco Afro-asiático, principalmente com respeito à questão da China
após a mudança política em 1971 (BARBER, 1973). Com a influência dos países
em desenvolvimento e do Relatório Founex, as primeiras políticas multilaterais
sobre o meio ambiente, discutidas em Estocolmo, não refletiram a agenda
nacional americana. Isso foi diferente de outros temas políticos como o comércio
internacional, o narcotráfico e o terrorismo. Questões de poluição eram discutidas
dentro de órgãos internacionais como a OTAN e a OECD, mas nesses grupos
todos os países membros compartilharam altas taxas de industrialização e os EUA
possuiu um papel dominante. Na ONU, não tinha essa vantagem nem a
homogeneidade e a agenda internacional estabelecida em Estocolmo foi mais
difícil de controlar (HOPGOOD, 2003).
Nas deliberações que conduziram a UNCHE, tornou-se evidente que a
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chave para o gerenciamento do meio ambiente ficou na política – não na ciência
(HOUSE CONGRESSIONAL RECORD, 1970). No sistema internacional, os
EUA se percebiam como uma força construtora e modernizadora e, na área do
meio ambiente, promovia uma abordagem apolítico da maneira que percebia os
temas de segurança, riqueza, democracia e direitos humanos (HOPGOOD, 2003).
A trajetória da Conferência em 1972 abriu a discussão sobre o meio ambiente e a
agenda internacional para as posições de países em desenvolvimento. Houve um
momento discursivo importante para o movimento ambientalista e para a
disseminação dos valores relacionados à proteção do meio ambiente. Ao nível
substantivo, a partir do pensamento de Foucault, a politização das questões
ambientais pelos conflitos e divergências entre países como o Brasil e os EUA que
se apresentavam ao longo da UNCHE criou uma atmosfera de conflito. A partir de
isso houve negociações e acordos entre participantes representando governos e da
sociedade civil.
participação dos EUA nas Conferências da ONU. Uma tarefa muito grande desse braço do
governo é a alocação dos recursos financeiros com respeito a qualquer questão. Na discussão
sobre a UNCHE ao final da década de sessenta e o início de setenta a discussão evidencia
apoio forte para a participação na Conferência, mas evitou qualquer compromisso de apoio
financeiro. As resoluções que comprometeram a participação dos EUA em Estocolmo foram
emendadas para fazer claro o não compromisso financeiro. A contribuição para as políticas
multilaterais, como do UNEP, se estabeleceu depois de Estocolmo e era discutida e
renegociada ao longo da década de setenta e oitenta.
106
A visão internacional dos EUA durante a Conferência foi de líder e
defensor de políticas multilaterais de controle e regulação para proteger o meio
ambiente global. A percepção internacional do Brasil foi bastante complexa e
conflitante. Foi visto como um país sob um regime militar que defendeu de
maneira absoluta uma ênfase no crescimento econômico e não no crescimento
demográfico, com um currículo péssimo nas áreas de direitos humanos e
preservação da natureza e caraterizado por tendências nacionalistas e ambições
nucleares. Considerando todos os aspectos, a opinião pública e a posição dos
governos nos países ricos sobre o Brasil (como outros regimes autoritários) foi
dividida. Criticaram os abusos de direitos humanos e do meio ambiente, mas
apoiaram o governo militar por ser inimigo do comunismo e por seu objetivo
comum de investimento econômico (LAGO, 2006).
Alguns jornalistas caracterizaram a atuação dos delegados brasileiros em
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Estocolmo como obstrucionistas ou como vilãs da Conferência. É verdade que o
Brasil representou uma barreira para a realização da agenda definida pelos países
industrializados, mas todos os assuntos defendidos pelo Brasil, mesmo o conflito
com a Argentina sobre o Rio Pará, tinham o apoio de outros países em
desenvolvimento. De fato, o caminho estabelecido pelo Brasil foi seguido por
muitos outros países. Na verdade para Maurice Strong, o Secretário Geral, o
Brasil foi central para a participação dos países em desenvolvimento e o sucesso
da conferência (GUIMARÃES, 1991).
A reflexão clara das posições brasileiras no Relatório Founex, resultado da
reunião em 1971 de um grupo de 27 países, indicou a influência forte do Brasil e o
fato de que a sua agenda tinha bastante apoio. A perspectiva dos EUA e outros
países ricos, definida pelo Clube de Roma em textos como The Limits to Growth
(1972), viu o desenvolvimento econômico como um obstáculo a um meio
ambiente mais saudável. Pelo contrário, o Brasil buscava uma postura clara que o
desenvolvimento econômico era o único instrumento para superar problemas
ambientais e que a responsabilidade maior ficou nas mãos dos países ricos que
possuíram maiores meios e recursos financeiros e tecnológicos. O sucesso da
delegação para confrontar a agenda dos países industrializados é evidente nos
próprios documentos que resultaram das deliberações da UNCHE. Através de
negociação intensa, o paragrafo 4 do Preâmbulo da Declaração das Nações Unidas
que liga a maioria dos problemas ambientais com a falta de desenvolvimento e os
107
Princípios 8-12, sobre a importância de desenvolvimento contínuo e a
transferência de recursos, bem como as Recomendações 1, 10 e 103-105 do Plano
de Ação, reproduziram as afirmações e posições brasileiras quase palavra por
palavra (GUIMARÃES, 1991).
O argumento brasileiro, em relação às chamadas do Clube de Roma por
controle de população e as projeções sobre os limites aos recursos naturais do
planeta, foi baseado na sua posição que afirmou a soberania nacional e tinha os
seguintes elementos: a) que todos os países têm o direito a uma parte dos recursos
do planeta é um pressuposto falso, b) que problemas ambientais na preferia não
eram por sobre uso, mas pelo uso insuficiente de recursos disponíveis, c) que isso
era refletido na falta de conhecimento sobre a relação entre poluição e
crescimento econômico que pode ser relacionada à incerteza sobre recursos
potenciais; e finalmente d) que controle populacional não leva em conta relações
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entre população e quantidade de recursos ou densidades e que é irresponsável e
imoral (GUIMARÃES, 1991).
A agenda ambiental nacional no Brasil focava no crescimento demográfico
e o gerenciamento de recursos naturais. Desta perspectiva, a delegação brasileira
em Estocolmo demonstrou para o mundo que a poluição era problema dos países
ricos e as soluções para as preocupações sobre escassez de recursos naturais
nesses países não eram compatíveis com o desenvolvimento e a soberania
nacional. O controle de população e a relação dos recursos naturais para o Brasil
significavam menor autonomia na exploração e uso dos seus recursos naturais
para o beneficio e as necessidades dos países mais ricos. Com a remoção dessa
ideia, a cooperação e apoio internacional se tornou um caminho bem sucedido
para o desenvolvimento econômico no Brasil (LAGO, 2006).
A defesa da soberania nacional surgiu principalmente da questão principal
na agenda brasileira em Estocolmo relacionado aos planos para o grande projeto
hidroelétrico no Rio Pará que marca a fronteira internacional entre Brasil e
Argentina. Isso foi evidente na ênfase no princípio de evitação de efeitos
negativos aos partidos, através de cooperação internacional. O Brasil afirmou na
disputa com Argentina que a construção da barragem não ia impedir a exploração
do Rio por parte de Argentina, que o princípio sobre o fornecimento de
informações sobre atividades que podem ter efeitos em áreas de jurisdição e que a
ONU deve ficar fora do assunto. Esse conflito deu o tom às posições brasileiras e
108
destaque ao princípio de soberania nacional. No espírito de diplomacia
internacional, Strong mantinha seu apoio forte para as posições da delegação
brasileira, inclusive para a importância da soberania, chamando para novas formas
de soberania que leva em conta a cooperação junto à responsabilidade e aos
interesses comuns (GUIMARÃES, 1991).
A Conferência em Estocolmo favoreceu os países desenvolvidos desde sua
concepção. Assim, o Brasil tinha que reagir às pressões desses países e defenderse contra a tentativa percebida do uso das questões ambientais no âmbito
internacional como um instrumento para limitar o crescimento econômico e como
resultado manter a desigualdade entre os países ricos e pobres. No seu estudo
sobre as Conferências ambientais da ONU, André Aranha Corrêa do Lago (2006)
comenta que a atitude do Brasil em Estocolmo foi fascinante. Considerando o
contexto autoritário, olhando para trás, o caráter da sua posição foi bastante
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democrático. Ironicamente a posição defendida pelo Brasil foi mais democrática
do que a posição do Clube de Roma que influenciou os países desenvolvidos.
Lago escreve,
“... o Brasil ajudou a bloquear a agenda ambiental pelo temor à criação
de instrumentos que legitimassem a diminuição da soberania, temor que
só se justificava pelos abusos que eram cometidos pelo Governo,
principalmente na área de direitos humanos. Essa análise estaria baseada
no princípio de que a agenda proposta pelos países ricos era
“progressista”. Em retrospecto, no entanto, é indiscutível que as
soluções propostas pelos países ricos em 1972 se revelaram muito mais
incorretas e pouco democráticas do que a luta dos países em
desenvolvimento para que a agenda ambiental fosse inserida no
contexto mais amplo do desenvolvimento.” (LAGO, 2006, p. 142).
Dez anos depois da Conferência em Estocolmo, os Estados Unidos
entraram num período em que o movimento ambientalista expandiu, com novas
questões e entidades relacionadas ao meio ambiente. Simultaneamente, a
institucionalização que marcou a década de setenta enfrentou uma onda de
resistência política principalmente do Executivo. Numa audiência chamada
“Review of the Global Environment Ten Years After Stockholm”, de 1981,
consistindo de três dias de deliberações com declarações de representantes do
governo e da sociedade civil, o Senador Caliborne Pell, que fez parte da delegação
americana em 1972, relatou sua experiência para o Congresso. Ele destacou, entre
os resultados de Estocolmo, a importância dos resultados menos tangíveis como o
109
reconhecimento do UNEP, do alcance global da degradação ambiental e da
necessidade para cooperação internacional. Também ressaltou o fato que o
Terceiro Mundo reconheceu a sua própria responsabilidade e papel no contexto de
crise ambiental. Durante a audiência, o Senador comentou que o Estado deixou o
papel de líder no desempenho de resolver os problemas ambientais através do
esforço cooperativo internacional (HOUSE OF REPRESENTATIVES, 1982).
Ao longo da década de setenta, pelo caráter descentralizado da política
federal americana, o Executivo diminuiu o apoio financeiro para o UNEP. Os
governos de Carter e de Reagan cortaram a contribuição para o UNEP de 80%
(HOPGOOD, 2003). Isso não necessariamente significou que o país perdeu
interesse ou reduziu sua ênfase na questão ambiental, mas indica que retirou seu
compromisso para a política multilateral. Na década de setenta e oitenta, houve
um distanciamento claro dos acordos multilaterais por parte dos Estados Unidos.
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A questão do meio ambiente global mudou de foco nessa época. O financiamento
para o UNEP reduziu drasticamente enquanto o orçamento para programas
unilaterais e bilaterais aumentou. Em 1978, a Agência para Desenvolvimento
Internacional (AID) recebeu US$13,000 do governo federal para programas
internacionais e em 1983 aumentou para US$152,000. A AID concentrou seus
programas em países específicos, em conjunto com governos locais e vizinhos,
voltado a projetos específicos de assistência – esses não visavam diretamente a
questão ambiental, mas mantinham um objetivo de ser ambientalmente correto
(HOUSE OF REPRESENTATIVES, 1982).
Essa mudança não indica necessariamente uma queda no apoio para
políticas ambientais internacionais, mas sim uma atitude relutante sobre o
multilateralismo e sobre o desenvolvimento de lei ambiental consuetudinária na
comunidade internacional. Nesta época os Estados Unidos eram o maior poluidor
e consumidor de recursos naturais do em termos de volume e per capita. A
negação de responsabilidade dos países em desenvolvimento por degradação
ambiental que originou em países industrializados foi uma área de preocupação
para os EUA. O estabelecimento do princípio de responsabilidade comum, mas
diferenciado, os deixaria numa posição desfavorecida. Na Rio-92 o princípio da
precaução refletiu essa desigualdade de responsabilidade entre países e foi um
fator pela resistência dos Estados Unidos contra a Convenção sobre a
Biodiversidade. Esse princípio recebeu bastante apoio através da natureza
110
deliberativa dos acordos multilaterais que aumenta o poder e influência de Estados
pequenos e diminua o poder de Estados poderosos como os EUA. A pesar da falta
de controle sobre os debates multilaterais, os EUA adotaram abordagens
alternativas na área de proteção ambiental que incluem: ação unilateral, políticas
regionais, ênfase em participação de indivíduos, corporações e ONGs em
parcerias com o setor público e privado (BRUNNÉE, 2004).
A posição americana durante Estocolmo e a Rio-92 foi formada
claramente pelo conflito com a agenda de outros países e pelos interesses
nacionais. Segundo Habermas, o caráter discursivo das conferências construiu
uma plataforma para a negociação e o consenso. Os processos discursivos criaram
a base para a formação das ideias e o entendimento comum, mas uma análise mais
profunda revela outra situação. As conferências não permitiram a dominação dos
interesses de um país poderoso como os EUA, e criou um modelo onde a
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participação de outros países e outros interesses foram possíveis, mas os debates
permaneceram sob o controle dos interesses particulares dos participantes. De
acordo com o pensamento de Foucault, esses interesses produziram o debate, e a
satisfação dos interesses alinhados ao conteúdo debate, os quais são apenas
determinados no processo discursivo segundo a teoria de Habermas, foi limitada –
os interesses do meio ambiente e os representantes da proteção ambiental foram
secundários.
As mudanças econômicas no Brasil ao longo das décadas de setenta e
oitenta, com crescimento urbano, agricultural e industrial, criou uma situação
onde o Brasil não podia mais reclamar que a agenda ambiental dos países
industrializados foi dissociável da sua. As crises ambientais que atingiram a classe
média nos Estados Unidos e outros países industrializados durante a década de
sessenta, abalaram ao Brasil na década de oitenta com cidades poluídas e
acidentes ambientais. Assim, os problemas ambientais de países ricos, que o
Brasil negou em Estocolmo como ameaças à soberania nacional e ao crescimento
econômico, se tornaram problemas legitimamente brasileiros (LAGO, 2006).
A mesma situação de degradação que provocou o movimento
ambientalista surgir nos EUA durante a década de sessenta chegou ao Brasil na
década de oitenta junto à abertura política e a possibilidade maior de articulação
da sociedade civil. Com espaço maior para ação e deliberação a meados da década
de oitenta, o meio ambiente foi relacionado com a questão de justiça social e o
111
dialogo entre ativistas sindicais, o movimento dos trabalhadores rurais sem-terra,
movimentos comunitários periféricos, e os seringueiros e índios da Amazônia
fortaleceu a sociedade civil após um período longo de ditadura militar
(COMISSÃO INTERMINISTERIAL, 1991). No contexto de abertura política e
de mobilização social, os ambientalistas influenciaram outros movimentos sociais
que conseguiram incorporar os conceitos e os valores da proteção ambiental nas
suas agendas, mesmo quando não identificaram com o movimento ambientalista.
A espalha do movimento ambientalista parece evidência dos benefícios dos
processos discursivos, mas, para Foucault, a abertura da esfera pública para
atividade da sociedade civil no Brasil não é tão ideal quanto Habermas afirmaria.
Salienta o fato que a diversidade dos novos movimentos sociais pode sofrer sob
uma busca para uma moralidade universal que, segundo a teoria da ação
comunicativa, sai da ética discursiva. Isso não é necessariamente sensível à
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diversidade que existe nas políticas dos novos movimentos sociais e, na criação de
consenso, pode criar novas formas de dominação em nome do “bem comum”
(FLYVBJERG, 1998).
De 1972 para 1992, o discurso brasileiro nas Conferências da ONU mudou
em relação à situação política nacional. A questão da soberania durante o governo
militar foi uma ferramenta política estratégica para justificar e legitimar as suas
ações. A soberania nacional permaneceu um tema principal para o Brasil, mas em
1992 mudou para ser ressaltada quando surgiram ameaças que o regime
democrático percebeu. Depois da ditadura, o Brasil chegou a admitir que a sua
situação nacional tivesse uma relação com a comunidade internacional e o que
ocorria internamente podia ser de interesse de outros países. Mesmo assim,
aderiram à afirmação que as políticas ambientais nacionais eram de sua inteira
responsabilidade (LAGO, 2006).
A Constituição de 1988 foi um grande teste da capacidade do movimento
ambientalista influenciar a política. Dispositivos foram inseridos no documento
através de força e pressão nova de organizações e ativistas ambientalistas.
Também, militantes do Partido Verde entraram nas eleições locais e nacionais,
provocando
novas
alianças
com setores
não
ambientais
(COMISSÃO
INTERMINISTERIAL, 1991). Mesmo que as pressões externas da comunidade
política internacional e sociedade civil global, o governo Brasileiro mudo seu
discurso principalmente através da reação da sociedade civil brasileira à
112
transparência política nova. O desrespeito ao meio ambiente tomou uma
conotação negativa por ser associado ao período militar, e no final da década de
oitenta a questão ambiental entrou na política e foi fortalecida no Governo de
Fernando Collor de Mello (1990-1992) (LAGO, 2006). Partindo da análise
inspirada em Foucault, a política ambiental foi parte da ruptura política com o
regime militar. Essa ruptura teve um efeito produtivo, na forma de novas políticas
e instituições. Desta perspectiva, os movimentos sociais eram o veículo para essa
transição, mas sua origem reside em um momento de partida.
Como para Suécia em 1972, o sucesso da Conferência em 1992 foi muito
importante para o Brasil. Assim, o país tinha que ter posições firmes, mas também
tinha que levar em consideração a necessidade de ajudar no consenso. Em
Estocolmo, o Brasil teve uma atitude de confronto, uma vez que os representantes
se defenderam contra a proposta original da UNCHE por ameaçaram as
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possibilidades de crescimento econômico. Na Rio-92, com sua nova imagem
internacional no jogo, o Brasil adotou uma atitude cooperativa. Não tinha por que
se opor à discussão geral do desenvolvimento sustentável, que resolveu o
confronto de 1972 entre o desenvolvimento e a proteção do meio ambiente.
Mesmo assim, sua posição mais aberta continuou com um tom defensivo
ressaltando as divergências entre países ricos e pobres.
Na área de mudança climática, o Brasil professou a importância da
cooperação internacional e o princípio de responsabilidade diferenciada em face
das relações do Norte e o Sul enquanto os EUA resistiram a cooperar durante a
Rio-92. Com o estabelecimento deste princípio, o Brasil apoiou a ConvençãoQuadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (que levou à criação do
Protocolo de Kioto) pelo esclarecimento de metas para países desenvolvidos e em
desenvolvimento de acordo com sua capacidade diferenciada. Na Rio-92, a
chamada por cooperação e a preservação do meio ambiente não foi mais um ponto
de resistência para o Brasil – o problema real foi a desigualdade entre os países
ricos e pobres. A área da biodiversidade foi de interesse particular para o Brasil
em 1992. O país com a maior biodiversidade do mundo enfatizou muito a
Convenção sobre Diversidade Biológica, indicando a importância crescente face à
tecnologia nova e biotecnologia (LAGO, 2006).
A mudança de política e discurso do Brasil entre 1972 e 1992 foi um
elemento importante no desenvolvimento do sistema internacional de proteção do
113
ambiente. O Brasil foi um grande ator na ONU na questão sobre o meio ambiente
e, a pesar das diferencias durante as etapas diferentes, a posição do Brasil foi de
liderança. (LAGO, 2006). Em Estocolmo, os Estados Unidos se esforçou para
tomar uma posição de liderança, mas a partir da Rio-92 a vontade de entrar em
acordos multilaterais diminuiu. Desde 1992, os EUA não foram mais os líderes
em políticas ambientais globais. Nas décadas de setenta e oitenta foram pioneiros
na legislação ambiental e na criação de sistemas de proteção da camada ozônio e
de preservação de espécies. Ficou claro na Rio-92 que o país tinha perdido
interesse em tratados ambientais novos. Não tinha que mostrar mais os problemas
de países socialistas, questionou o consenso científico internacional e negou a
ideia de ação precatória diante de crises ambientais (FALKNER, 2005).
A política americana relacionada à UNCED foi bastante resistente. Mesmo
com uma posição de
desacordo, pelo seu poder econômico, politico e
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diplomático, os EUA não podia negar seu papel como líder mundial durante a
Rio-92. Contra as chamadas do Congresso americano, da opinião pública e da
comunidade internacional o Presidente Bush foi orientado para não participar na
Conferência. As razões pela não participação do Presidente americano
concentraram na inclusão de metas concretas e cronogramas na Convenção sobre
Mudança Climática. Apesar disso, depois de concessões por parte de países
europeus, Bush decidiu no último momento de ir à Conferência e participar na
maior reunião de chefes de Estado e um momento histórico para o meio ambiente
(SENATE
CONGRESSIONAL
RECORD,
1990),
(SENATE
CONGRESSIONAL RECORD, 1992b).
Os EUA não foram simplesmente obstrucionistas na Rio-92. Sua
participação foi uma função do seu poder na estrutura internacional e da
diplomacia ambiental. De grande medida, a atuação dos EUA na formação de
políticas e acordos ambientais internacionais pode ser entendida como uma
tentativa de exportação dos objetivos de políticas nacionais ambientais ou para
proteger os interesses econômicos domésticos contra ameaças de regulação
internacional (FALKNER, 2005). Numa declaração para o Congresso um mês
antes da Rio-92, o Senador John Kerry chamou a atenção para essa análise,
lamentando que,
114
“... the U.S. negotiating position has been to weaken language, to
substitute generalities for specifics, guidelines for binding schedules,
vague promises for firm commitments, and we seem to have taken the lead
not in trying to break through the obstacles to global cooperation but rather
to paper them over and to achieve not the strongest possible set of
agreements but, rather, a set of least-common-denominator agreements
designed to produce the appearance of doing something while minimizing
the reality. And nowhere has this tendency been more visible or more
damaging than our leadership, so-called, in the area of global warming.”
(SENATE CONGRESSIONAL RECORD, 1992b, p. 7)
Quando a questão de mudança climática chegou à agenda internacional na
década de oitenta, os EUA foram um dos únicos países que tinham dado atenção
para esse assunto. O argumento maior contra a assinatura da Convenção sobre
Mudanças Climáticas sustentou que o conteúdo do acordo seria usado apenas
como uma vantagem para os competidores dos EUA, aproveitando as restrições
grandes e custos potenciais altas os quais o país teria que lidar. O Presidente Bush
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não foi para a Rio-92 quase exclusivamente pela proposta de limitar e estabilizar
emissões de CO2 até o ano 2000 aos níveis de 1990 – mesmo quando isso foi
possível, de acordo com projeções dentro do próprio governo, e talvez ia
acontecer de qualquer jeito. Os países Europeus, que se dedicaram muito mais
para esse objetivo cederam na negociação com os EUA e tiraram os cronogramas
concretos, eventualmente colocando linguagem intencionalmente vaga em prol do
alvo de estabilização das emissões de efeito de estufa (HOPGOOD, 2003).
Na área da biodiversidade os EUA também começaram na vanguarda. Para
racionalizar os tratados internacionais já existentes sobre espécies ameaçadas e
florestas tropicais, os EUA começaram o esforço inicial para a proteção global da
biodiversidade. Enquanto isso, na Rio-92, surgiu resistência no Executivo contra a
linguagem contido na Convenção sobre Diversidade Biológica sobre a
transferência de tecnologias e financiamento. Essa posição indicou o medo de
perder seu lugar dominante na indústria de biotecnologia e para proteger os
produtos alimentares biologicamente modificados (HOPGOOD, 2003). Durante a
Rio-92, depois das negociações e das emendas na linguagem da Convenção sobre
Mudanças Climáticas os EUA a assinaram e logo depois a convenção (que não
possuiu compromissos concretos) foi ratificada8. A Convenção sobre a
8 Quando a Convenção sobre Mudanças Climáticas adotou o Protocolo de Quioto em 1997 os
EUA foi resistente aos elementos vinculativos. Assinou em 1997, mas nunca foi ratificado no
Congresso. Mudanças de política do governo Bush em 2003 resultou no abandono do acordo.
115
Diversidade Biológica foi assinado por virtualmente todos os países na Rio-92,
menos os EUA. A resistência dos EUA ao acordo sobre mudança de clima e as
concessões que ocorreram deu o tom aos outros debates e debilitou as negociações
da Convenção sobre Diversidade Biológica e sobre as Florestas (BRUNNÉE,
2004), (SENATE CONGRESSIONAL RECORD, 1992a).
Desde a Rio-92, e ainda mais a partir das negociações do Protocolo de
Quioto, os EUA se tornaram uma força recalcitrante no âmbito de negociação e
política ambiental multilateral. A participação no debate e nos acordos desde 1972
até os dias de hoje é resultado da atuação dos ativistas dentro e fora do governo
que constantemente enfrentam barreiras e resistência, sejam do próprio governo
ou do setor empresário. Através do sistema política pluralista, aos poucos e com
muita dedicação, os ativistas conseguiram fortalecer os EUA numa rede complexa
de multilateralismo (HOPGOOD, 2003).
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A partir da Rio-92, a questão do meio ambiente recebeu muita atenção no
Brasil. Pelas grandes reservas de recursos naturais, a extensão da sua diversidade
biológica, a ênfase na indústria de energias renováveis e sua participação na
política multilateral, o Brasil se tornou o país mais identificado com o meio
ambiente (SILVA, 2006). Como uma nação fundada em um orgulho profunda da
natureza, (o próprio nome é um tipo de árvore), o meio ambiente cabia facilmente
na cultural brasileira. A maneira que a questão do meio ambiente foi ligada com
outras questões centrais para o Estado e a sociedade civil, e que pode ser abordado
de uma variedade de perspectivas, a integraram nos valores nacionais de modo
legítimo. Mesmo assim, a questão do meio ambiente continua complexa. Políticas
e instituições se fortaleceram, mas permanecem bastante limitadas nas áreas de
implementação e fiscalização. A promoção da conscientização da população por
parte da sociedade civil colocou o meio ambiente na lista de prioridades e
interesses gerais nacionais, mas hoje ainda não alcance a sociedade inteira. Pelo
processo de desenvolvimento econômico nas últimas décadas, o Brasil passa por
duas situações: primeiro, que é similar aos países desenvolvidos, que tem que
alterar padrões de produção e consumo para lidar com as crises ambientais, e
segundo, que possui outra parte da população que não tem acesso às necessidades
116
mais básicas, fazendo difícil considerar a dimensão ambiental do desenvolvimento
(LAGO, 2006).
O Brasil tem grande potencial para ampliar o debate sobre a realização do
desenvolvimento através da criação de padrões de produção e consumo que são
ambientalmente, economicamente e socialmente sustentáveis. O fato que países
desenvolvidos como só EUA tem recursos financeiros e tecnológicos maiores não
necessariamente significa que seria mais fácil para esses conseguir criar um
modelo mais sustentável. Esses países enfrentem grandes obstáculos políticos e
sociais para mudar seus padrões de produção e consumo. É possível identificar a
vantagem do Brasil nesse âmbito por ser um país de potência média, território
extensivo, densidade populacional baixa, e contrastes sociais profundos. O Brasil
possui condições únicas para realizar um avanço qualitativo em muitas áreas,
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dentre destas a área ambiental (LAGO, 2006).
3.5.
O futuro do movimento ambientalista em suas arenas discursivas
Olhando para o futuro, é importante lembrar o passado e entender como e
porquê chegamos ao presente e quais são as possibilidades para frente. A questão
do meio ambiente mudou bastante desde a Conferência em Estocolmo. A partir de
1972, a politização da questão ambiental na arena internacional discursiva
descobriu pontos de divergência entre países como os Estados Unidos e o Brasil,
resultando na transformação da agenda internacional, da maneira que as Nações
Unidas abordam a questão ambiental e o próprio conceito do meio ambiente.
Neste processo, o meio ambiente se tornou uma questão central nos objetivos da
maioria do mundo de se desenvolverem e atingirem um nível maior de bem estar
material e social. Através da politização do debate, se distanciando do foco na
ciência sobre a crise ambiental, o conflito entre o crescimento econômico e a
proteção de meio ambiente encontrou uma resolução. Para o Brasil esses dois
objetivos se reforçaram mutualmente e o desenvolvimento sustentável se tornou
conceito consagrado no Estado, no mercado, e na sociedade civil.
As mudanças na participação dos EUA e o Brasil na UNCHE e na
UNCED ocorreram de acordo com uma continuidade ao nível nacional
relacionada ao contexto e os interesses particulares. Os EUA, o pioneiro na
117
política ambiental, desempenhou um papel central em Estocolmo como líder
global. No entanto, na Rio-92, foi muito resistente aos debates. Essa diferença não
necessariamente indica uma mudança na atuação americana com respeito à
questão ambiental e a política internacional. Pelo contrário aponta para uma
continuidade clara. A sua participação em Estocolmo foi lógica pela necessidade
de exportar os padrões nacionais já existentes para o âmbito internacional para
evitar maior competição no mercado internacional. Na Rio-92, os debates e os
acordos específicos não corresponderam aos interesses particulares (na verdade
alguns foram diretamente contra seus interesses) e, como resultado, a política
multilateral foi quase abandonada.
Da maneira que as mudanças na participação dos EUA nas Conferências
da ONU indicam uma continuidade ao nível nacional, para o Brasil isso é ainda
mais verdadeiro. Mesmo com uma ruptura política clara no período entre
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Estocolmo e a Rio-92, os interesses nacionais determinaram a participação do
Brasil na política ambiental internacional. Em 1972, a sua agenda foi determinada
pelas políticas desenvolvimentistas do governo militar e o foco na soberania
nacional para justificar essas políticas que resultaram em degradação ambiental
flagrante. Em 1992, após da abertura econômica ao longo das décadas de setenta e
oitenta e da transição democrática, os projetos desenvolvimentistas visavam as
oportunidades no mercado internacional. Para o Brasil, liderar as negociações
internacionais sobre a questão ambiental e desenhar as políticas internacionais
assegurava os próprios interesses econômicos e as possibilidades de crescimento.
O país tinha interesse em receber a UNCED, mas não queria sediar a Comissão
para o Desenvolvimento Sustentável que poderia ser um obstáculo ao
desenvolvimento de indústria nacional e de recursos naturais.
O trabalho abordado acima se trata de um tema complexo que atravessa
várias áreas de estudo e análise. Além da comparação entre os EUA e o Brasil, a
variável temporal acrescenta outra dimensão de análise e de dificuldade. Jürgen
Habermas forneceu uma teoria abrangente que formou uma base grande para
pensar sobre as conferências da ONU como momentos discursivos importantes da
construção do conceito do meio ambiente e do movimento ambientalista. O
pensamento de Michel Foucault questionou o uso de uma teoria universal para
esse tipo de análise e ajudou a aprofundar mais nessa análise. Para Habermas, o
projeto de Foucault parte de um conceito do social que não é sociológico. Neste
118
sentido, e segundo sua ênfase metodológica na genealogia, o pensamento de
Foucault representa o de um historicista radical que, pelo caráter histórico deste
trabalho, tinha uma contribuição significativa (HABERMAS, 1994).
Depois de nos distanciarmos da teoria de Habermas, agora com uma visão
mais profunda do movimento ambientalista no Brasil e nos EUA, podemos voltar
para examinar a sua aplicação. É importante não esquecer os instrumentos que
Foucault fornece e os objetivos que ressalta, mas às vezes é necessário possuir
mais do que instrumentos e indicações. A questão ambiental agora recebe bastante
discussão e atenção – o que falta é ação imediata e concreta. Na hora de agir, de
criar políticas, de negociar ou abordar qualquer tipo de atividade social
significativa e urgente é preciso um nível de convicção de razão ou moralidade.
Para Habermas, a análise de Foucault não facilita isso. O que resta é a importância
de um alvo como a ética discursiva (HABERMAS, 1994).
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Mesmo com as relações complexas e os fatores internos e externos que
determinaram a participação do Brasil e dos EUA nas Conferências, o modelo
discursivo da ONU legitimou o debate e os acordos comuns que os produziu. A
importância
das
Conferências
internacionais
como
arenas
discursivas
democráticas para a questão do meio ambiente é evidente no fato que hoje o
conceito de proteção ambiental atinge os mais diversos setores da sociedade. Na
teoria da ação comunicativa, a criação de uma visão coerente do mundo é possível
através do debate público. Isso é evidente pela atividade da sociedade civil, ambos
os níveis internacional e nacional. Todavia, olhando o Brasil e os EUA ao nível
nacional, a formação dos conceitos, valores, normas e opiniões associadas com a
proteção do meio ambiente não necessariamente correspondem à atuação no
debate internacional.
Considerando os limites de uma teoria abrangente, após uma análise
detalhada que descobre as relações complexas que determinam a política nacional
e internacional, é possível aplicar a teoria da ação comunicativa para comparar o
movimento ambientalista no Brasil e nos EUA. O modelo discursivo
desenvolvido por Habermas fornece uma estrutura teórica para comparar a
racionalidade e moralidade de ordens sociais diferentes. A proposta aqui não é tão
grandiosa, principalmente depois de considerar os limites de uma análise
descendente, de cima para baixo a partir de uma teoria universal. Assim,
concentrando nos processos discursivos de criar uma visão coerente relacionada
119
aos valores e conceitos do movimento ambientalista no Brasil e nos EUA, é
possível analisar sua racionalização e criar um quadro comparativo no qual se
pode interpretar a legitimidade do desenvolvimento desses conceitos e do próprio
movimento ambientalista.
Nos EUA, a formação do movimento ambientalista de baixo para cima,
com forte participação da sociedade civil, através do debate público e aberto no
sistema democrático resultou numa conscientização abrangente na base da
sociedade para legitimar as políticas e instituições que visam a proteção da
natureza e o próprio conceito do meio ambiente. No Brasil, a falta de participação
da sociedade civil durante o período inicial de formação de normas e políticas
ambientais teve uma efeito deslegitimador no qual os valores associados com a
proteção do meio ambiente não entraram na cultura de forma geral. A partir da
abertura política no Brasil, a explosão de entidades que pautavam pela questão do
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meio ambiente abriu o espaço discursivo e contribuiu para uma conscientização
maior, mas o poder do Estado permanece como força motriz da política. Assim a
expansão progressiva do Estado burocrático ameaça os processos de
racionalização comunicativa e a formação de uma visão coerente do meio
ambiente na sociedade. Nos EUA, pela mesma estrutura política que garante um
espaço discursivo para a sociedade civil atuar, há ameaças para a construção de
uma visão coerente sobre a questão do meio ambiente. Aqui são menos ligados ao
Estado e mais com as forças do mercado e o setor empresário. A influência desses
sistemas na racionalização dos conceitos que determinam a visão do meio
ambiente é refletida na atuação nas Conferências e o destaque dos interesses
nacionais na negociação internacional, indicando a necessidade de abrir ainda
mais o espaço discursivo para a racionalização comunicativa.
Mesmo com as limitações nos debates que formaram as Conferências da
ONU em 1972 e 1992, e a dificuldade de criar acordos comuns que estabeleceram
passos concretos e compromissos definitivos para os participantes, os debates
fazem parte de um processo maior. A teoria da ação comunicativa não destaca o
resultado dos processos discursivos, mas o próprio processo em si. As
conferências discutidas aqui refletem esse principio. Logo depois da sua
participação na Rio-92 o Senador Al Gore comenta sobre sua experiência na
UNCED.
120
“My own impressions are at this moment that this meeting was a
tremendous success for the world community, in that a very powerful
learning process took place for people of all nations around the world and
their leaders. I believe deeply that the substantive policy and program
changes necessary to protect the Earth's environment will come more
easily after the Earth summit than before the Earth summit. There is a
danger, however, and that is that people will have the impression that
substantive changes were made there when precious few were actually
concluded. Most of the success was psychological and symbolic. That is
not to discount the importance of what was achieved there. It is rather to
underscore the urgent necessity to make use of this success in accelerating
the changes in policy now so urgently needed.” (SENATE
CONGRESSIONAL RECORD, 1992a).
A participação dos EUA e o Brasil em Estocolmo e na Rio-92 contribuía
para a formação desse processo, mas pelos fatores complexos que determinam
essa participação e a tendência dos interesses nacionais a dominar o debate é
importante buscar espaços para a articulação de outros interesses e para processos
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discursivos menos limitados. O modelo discursivo das Conferências da ONU tem
muito potencial para esse tipo de expansão. A partir da Rio-92, a aplicação maior
do conceito de governança, usando órgãos e instituições especializadas, para lidar
com as questões do meio ambiente criou o potencial para distanciar a política
ambiental do sistema político tradicional. Sair do modelo de política internacional
baseado na negociação interestadual possibilita um projeto mais aberto para a
participação da sociedade civil global e os processos discursivos que poderiam
oferecer e criar soluções coerentes, legítimas e justas para os problemas
ambientais.
4
Considerações Finais
Este trabalho foi um estudo do movimento ambientalista como parte de uma
transformação abrangente de atitudes por parte de diversos setores da sociedade.
Mostrou como a proteção ao meio ambiente não é apenas um valor crescente, mas
também como faz parte de uma nova ontologia na qual as pessoas se relacionam e
enfrentam o mundo. Vimos que o movimento ambientalista e o próprio conceito
do meio ambiente foram construídos ao longo dos últimos cinquenta anos e, neste
período, se transformaram e se definiram de maneiras diferentes em contextos
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diferentes. Pelo caráter global desta questão, e seu fortalecimento paralelo ao
desenvolvimento do sistema das Nações Unidas, não foi por acaso que foi
destacado o papel central da política e negociação internacional.
Quando pensamos no meio ambiente e no movimento ambientalista, a
imagem é muito abrangente e pode tomar várias formas, dependendo da
perspectiva ou contexto. No Brasil e nos EUA, o significado desses é bastante
diferente. Foi observado que a participação desses países nas conferências da
ONU refletiu diretamente tanto as suas experiências e circunstâncias particulares
como as transformações dessas ao longo do tempo. Percebeu-se que os fatores
políticos, históricos e econômicos formaram agendas diferentes em contextos
diferentes, sendo determinados por relações internas e externas complexas entre a
sociedade e o Estado. Ao final das contas, tanto para o Brasil quanto para os EUA,
as mudanças na participação nas conferências refletiram simultaneamente as
mudanças na agenda internacional e as demandas econômicas nacionais.
Foi visto que a discussão do conceito do meio ambiente pode ser abordada
de várias maneiras. Dentro dessa discussão existem elementos concretos a ser
medidos nas áreas técnicas e científicas, mas ficou registrado que o meio ambiente
é um conceito abrangente e socialmente construído. Foram utilizados conceitos,
inspirados no trabalho teórico de Jürgen Habermas, para entender melhor a
formação dessa nova ontologia. Partindo da hipótese de que a linguagem reside na
base da organização social, a teoria de ação comunicativa de Habermas (1987)
122
procura estabelecer as condições para a formação de sociedades justas e racionais
através de processos discursivos. Através da racionalização comunicativa, o
consenso é possível e assim ideias como o meio ambiente são formadas dentro do
mundo da vida e em relação com os sistemas (arena das instituições coercivas
ausente dos processos de racionalização e legitimação). Usamos essas ideias para
examinar os debates e os acordos que a UNCHE e a UNCED produziram e foi
ressaltada a importância da abertura do espaço discursivo no âmbito internacional
para a participação de países em desenvolvimento e representantes da sociedade
civil.
A ênfase no papel da sociedade civil no avanço e disseminação dos
conceitos e valores associados com a proteção ambiental mostrou uma nova
categoria para a associação e atividade política. Como ressaltaram Guimarães
(1991) e Le Prestre (2000), na década de sessenta, a atmosfera política foi tal que
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a questão ambiental se transformou numa plataforma política que transcendeu as
fronteiras nacionais, ligando demandas locais, nacionais e globais. A ecopolítica
surgiu como uma nova plataforma para atuação no âmbito político internacional,
tendo papel muito importante na formação do conceito do meio ambiente e
influenciando movimentos nacionais. Entre Estocolmo e a Rio-92, acompanhamos
o surgimento de um movimento ambientalista internacional que trouxe novas
questões sociais, econômicas e políticas ao debate sobre o meio ambiente e novos
valores e conceitos associados com a proteção do meio ambiente.
Na discussão da ecopolítica foi ressaltada a importância do espaço
discursivo democrático como um pré-requisito para o processo de racionalização
comunicativa. Autores como Walzer (1995) e Costa (2002) mostraram, junto aos
conceitos que a teoria de Habermas (2003) trouxe para essa análise, a importância
da sociedade civil como mediador de poder estatal que transformou os discursos
capazes de solucionar problemas, em questões de interesse geral (HABERMAS,
2003, p. 99). Assim, foi salientado que o surgimento da sociedade civil global
junto à articulação do movimento ambientalista ao nível internacional afetou a
criação de políticas e instituições legítimas com base em acordo pluralista e em
entendimento comum.
A partir da discussão de Liszt Vieira (2001), foram vistas as mudanças
recentes na relação entre a sociedade e o Estado que criaram um novo cenário
para a formação de consenso e acordos sobre o meio ambiente. Essas mudanças se
123
evidenciaram nas conferências internacionais da ONU sobre o meio ambiente em
1972 e 1992. Vimos a importância da sociedade civil global para a abertura do
espaço discursivo da ONU e a atividade e fortalecimento do movimento
ambientalista no sistema internacional. O papel da sociedade civil se destacou
desde 1972, mas em 1992 foi ainda maior. Costa (2002) contribuiu para entender
essa mudança, focando a luz na nova atividade da sociedade civil neste período. A
partir daqui, foi ressaltado que a reativação da sociedade civil em países da
América Latina e o Leste Europeu e os novos movimento sociais possibilitaram a
abertura dos debates sobre o meio ambiente e a disseminação maior por diversos
setores da sociedade.
A concepção da UNCHE e a UNCED como dois momentos de
racionalização comunicativa e a discussão das mudanças entre 1972 e 1992
ajudaram para refletir sobre as mudanças no movimento ambientalista e no
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consenso sobre problemas ambientais e soluções possíveis. Foi visto que os países
desenvolvidos que estabeleceram a agenda original das conferências enfrentaram
resistência de países em desenvolvimento, originando das demandas para
considerar a satisfação das necessidades básicas da maioria da população no
mundo. Foi evidenciado que a divisão entre esses países resultou numa mudança
na maneira de abordar a questão do meio ambiente. Assim, ficou registrado que,
no fundo, o meio ambiente foi menos pensado desde uma perspectiva científica.
De maneira geral, a proteção do meio ambiente se tornou uma questão cada vez
mais política e econômica, principalmente com consagração do conceito de
desenvolvimento sustentável na Rio-92.
Partindo da perspectiva de Habermas, que procura estabelecer um
consenso racional, moral e legitimo, são os processos discursivos que importam e
que determinam a legitimidade dos resultados. Ficou registrado que o caráter
altamente procedimental das conferências da ONU representam exemplos
interessantes para medir e examinar a formação do conceito de meio ambiente.
Dessa perspectiva, quando olhamos a UNCHE e a UNCED como arenas
discursivas para a racionalização comunicativa e a criação de consenso, foi
evidente o valor da participação da sociedade civil e da deliberação democrática.
Foi estabelecido que as conferências, embora não tivessem criado políticas
obrigatórias e instituições concretas, tinham um valor simbólico importante para a
124
formação do conceito do meio ambiente, o movimento ambientalista e as
negociações futuras.
Olhando um pouco mais os fatores específicos que determinaram os
debates na UNCHE e na UNCED, descobrimos o papel importante das
experiências nacionais particulares dos participantes. Foram examinados os casos
específicos do Brasil e EUA, e percebeu-se que existiam atores específicos e
relações complexas de poder que determinaram o conteúdo e a direção dos
debates nas conferências. Foi destacado que para Habermas o processo e a
formação do consenso determinariam os resultados, mas a partir de uma
abordagem inspirado no pensamento de Foucault foi aplicado um olhar mais
profundo. Foi revelado que atores e fatores menos visíveis ao nível nacional e
internacional determinaram e definiram os próprios processos discursivos das
conferências, e consequentemente produziram os resultados (ou a falta de
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resultados).
A partir do estudo a nível nacional sobre o desenvolvimento do
movimento ambientalista e os valores e conceitos associados com a proteção do
meio ambiente no Brasil e nos EUA, foi visto a importância do contexto histórico,
econômico e político-social na formação das agendas e na participação nas
conferências. Foi argumentado, segundo uma perspectiva baseada nas ideias de
Foucault, que conceitos universais, como a ética discursiva que Habermas
pressupõe, devem ser questionados. Embora possam tirar a atenção das relações
de poder que atuam nos processos discursivos e produzem os debates, não
necessariamente devem ser descartados. Vimos que uma análise contextual no
nível da micropolítica revela elementos importantes na formação dos debates
democráticos e os processos discursivos relacionados à questão do meio ambiente
e ao movimento ambientalista. A partir desta perspectiva, interesses em conflito,
principalmente interesses econômicos nacionais, que determinaram os debates
durante a UNCHE e a UNCED, são mais bem compreendidos em todas as suas
dimensões.
Esse estudo foi, sobretudo, uma tentativa de examinar e entender melhor
uma das questões contemporâneas mais imperativas e indispensáveis. Mostrou a
importância do sistema internacional da ONU para a formação, disseminação e
legitimação das preocupações sobre o meio ambiente. Tentou estabelecer uma
visão multidimensional do movimento ambientalista e o próprio conceito do meio
125
ambiente. Afastamos da visão abrangente inspirada na teoria de Habermas sobre a
função procedimental das conferências para adotar um olhar contextual e crítico,
mas no processo voltamos para a importância de projetos democráticos coerentes
e otimistas. Uma questão como essa exige ação e determinação que Habermas
facilita pela sua teoria clara e destinada explicitamente à mudança social justa e
moral. Esse trabalho foi apenas o início de um caminho para frente e de projetos
futuros para explorar todos esses temas, teorias e objetos que foram introduzidos
aqui. Além da pesquisa e da bibliografia extensivas, uma lição importante surge
aqui que destaca que a destinação sempre depende do caminho percorrido –
mesmo numa situação urgente como a crise ambiental. Da mesma maneira, em
vez de uma pesquisa acabada, esse projeto deve ser pensado como um processo,
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um passo à frente, ou uma passagem por uma entrada nova e interessante.
5
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