emérito - Rackcdn.com

Transcrição

emérito - Rackcdn.com
distribuição gratuita • edição 2 • ano 1 • setembro 2012
Paulo de barros carvalho
Emérito
Puquiano
Perfil Por dentro do gabinete do PGJ
escritório tozzinifreire advogados Associados
consultoria Cleary, Gottlieb, Steen & Hamilton
artigos CADE – O novo sistema brasileiro de
Defesa da concorrência
sumário
C a r ta d o e d i t o r
P UC e m p a u ta
r e t r o s p e c t i va
profissão
escritório
Perfil
e n t r e v i s ta
áreas do direito
C o n s u lt o r i a
caderno de ideias
3 Crescimento e Continuidade
5 Direito e o Universo da Pós-graduação
11 Primeiro Semestre de 2012
16 AGU: A Advocacia do Interesse Público
22 TozziniFreire Advogados
28 Márcio Fernando Elias Rosa – Procurador-Geral de Justiça
40 Paulo de Barros Carvalho – Emérito Puquiano
48 Direito Desportivo
54 Cleary, Gottlieb, Steen & Hamilton
61 Artigos
62 A Revitalização do Contrato de Troca ou Permuta
alunos
Livros
Giovanni Ettore Nanni
70 O Novo Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência
Vanêssa Rodrigues da C. Pereira Fialdini
74 Comércio Eletrônico
Luiz Phillip Nagy Guarani Moreira | Fernanda Costa
78 Desoneração da Folha de Salários
Helga Klug Doin Vieira
86 Um Pouco de Europa
Clarisse Laupman Ferraz Lima
Giovanna Filippi Del Nero | Fernanda Rizzo
90 Contratos Internacionais de Seguros - Breve Análise
Gustavo Amado León | Antônio Márcio da Cunha Guimarães
94 As Duas Faces do Neoconstitucionalismo
Pedro Mauricio Garcia Dotto
100 A Responsabilidade pela Ocupação de áreas Públicas de Risco
Mariana de Castro Abreu
106 Moots: A Prática da Arbitragem Além dos Muros da Universidade
110 Estante Fórum Jurídico
Filipe Facchini
edição 2 • ano 1 • Setembro 2012
Editor-Chefe
Filipe Facchini
[email protected]
Coordenadora Editorial
de Matérias
Raquel Arruda Soufen
[email protected]
Editores de Matérias
Coordenadora Editorial
de Artigos
Clara Pacce Pinto Serva
[email protected]
Crescimento e
continuidade
Vice-Coordenadora
Editorial de Artigos
Isabela Cassará
[email protected]
Editores de Artigos
Ana Carolina Di Giacomo
[email protected]
Marcella Thompson Vaz Guimarães
[email protected]
André Avillés
[email protected]
Monyse Almeida
[email protected]
Elisa de Oliveira
[email protected]
Otávio Augusto Bressan Cruz
[email protected]
Arthur Deucher Figueiredo
[email protected]
Mylena Pesso de Abreu
[email protected]
Giovanna Cezario
[email protected]
Reginaldo Penezi Júnior
[email protected]
Eduardo Aguirre Gigante
[email protected]
Rodrigo Yves Favoretto Dias
[email protected]
Gustavo Léon
[email protected]
Thaís Cardim Bambozzi
[email protected]
Julia Schulz
[email protected]
Victor Gregolin
[email protected]
Kátia Vilhena
[email protected]
Wallace Silva
[email protected]
Uma mensagem
para todos
os puquianos
Luis Gustavo Dias
[email protected]
Financeiro e Marketing
Guilherme Garcia de Oliveira
[email protected]
Colaboradores
Flávio Belliboni, Raul Agripino,
Sebastião Giacheto Ferreira Júnior
ASSOCIAÇÃO DE ALUNOS E EX-ALUNOS
DA FACULDADE DE DIREITO DA PUC-SP
Diretor-Presidente
Filipe Facchini
[email protected]
Projeto gráfico e direção de arte
Raquel Matsushita
Diretor Financeiro
Guilherme Garcia de Oliveira
[email protected]
Produção e diagramação
Juliana Freitas / Entrelinha Design
www.entrelinha.art.br
Diretor Executivo
Luis Gustavo Dias
[email protected]
Associe-se
www.associacaosapientia.org.br
realização
Nota aos leitores
As opiniões expressas nos textos são de seus
autores e não necessariamente da revista Fórum
Jurídico ou da Associação Sapientia de Alunos e
Ex-alunos da Faculdade de Direito da PUC-SP.
Tiragem: 4.000 exemplares
Publicação semestral
2
Fórum j urí di co
© Todos os direito reservados.
É proibida a reprodução ou transmissão de qualquer
parte desta publicação em qualquer formato
ou através de qualquer meio, seja eletrônico
ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou
qualquer sistema de armazenamento e recuperação
de dados, sem autorização prévia por escrito.
foto da capa
Wagner Tetsuo
expediente
c a r ta d o e d i t o r
Quando fizemos o lançamento oficial da
revista Fórum Jurídico e da Associação de
Alunos e Ex-Alunos da Faculdade de Direito
da PUC/SP (apelidada de Associação Sapientia), em março desse ano, recebemos excelentes comentários, incentivos e observações que
vieram dos mais variados “setores” da nossa
Faculdade. O retorno positivo foi, sem dúvida, muito além do esperado.
Nesses seis meses que separaram as edições da Fórum Jurídico tivemos a felicidade
de fechar novas e importantes parcerias para
a Associação Sapientia, além de encontrarmos
nossa revista citada em diversos sites como
fonte para matérias e artigos.
Agora, com a segunda edição da Fórum Jurídico, chegamos a um ponto importante para
a (ainda curta) história do principal projeto da
Associação Sapientia: a continuidade. Sem dúvida esse é um dos grandes desafios de um projeto assim, talvez o mais difícil deles.
A segunda edição com certeza mostra a
consistência e seriedade da Associação Sapientia e de seus projetos, além do comprometimento que todos os editores da revista e
diretores da Associação têm com a Faculdade. Comprometimento este que foi essencial
para o sucesso da presente edição, tanto por
parte dos membros mais antigos, que souberam manter a qualidade do projeto, quanto
dos membros novos, que se interessaram e,
sem dúvida, são o futuro de todo o projeto.
Fórum j u r í di co
3
c a r ta d o e d i t o r
P UC e m p a u t a
Filipe Facchini
Pós-Graduação
Direito e o Universo da Pós-Graduação
Brasão da Associação
Sapientia de alunos e
ex-alunos da Faculdade
de Direito da PUC-SP
Digo que são o futuro pois, pela sua renovação, a Fórum Jurídico passará em breve por
uma situação ainda desconhecida, que é a saída de alguns alunos de quinto ano que fizeram parte da idealização do projeto – dentre
os quais me incluo – que, devido à formatura,
serão obrigados a deixar o corpo editorial dessa
revista discente. Continuarão, entretanto, colaborando para a continuidade da Sapientia.
A mensagem que fica - não só para os atuais
e futuros editores, mas também para todos os
puquianos - é que tanto a Associação Sapientia, quanto revista Fórum Jurídico, são projetos
idealizados para perdurarem, independentemente de quem faça parte. O único requisito
é, acima de tudo, ser Direito PUC/SP, e isso
eu tenho certeza que todos os que leram esta
carta são. Então carreguem o projeto como se
pertencesse a vocês, pois, de fato, pertence.
Convido a todos para que nos ajudem a dar
continuidade a nossa história e fazer nossa Faculdade uma instituição cada dia melhor.
Boa leitura!
Filipe Facchini
Editor-Chefe
4
Fórum j urí di co
Elisa de Oliveira Silva e Thais Bambozzi
Coordenação: Ana Carolina Di Giacomo
Hoje vivemos o auge da difusão do conhecimento, tendo a chamada “Educação Continuada” como um de seus grandes expoentes. Parte disto é resultado da globalização e das crises
econômicas que fazem com que o mercado de
trabalho se torne cada vez mais exigente e competitivo, absorvendo apenas os profissionais mais
qualificados. Mas também, há os constantes anseios pelo aprendizado mais aprofundado e pela
renovação do conhecimento.
Neste contexto, a Pós-Graduação lato sensu é um
grande diferencial para o profissional, propiciando-lhe melhores chances de inserção no mercado de
trabalho. Por meio desta, o indivíduo tem a oportunidade de ampliar sua rede de relacionamentos,
o chamado networking, e suas perspectivas profissionais. Já na Pós-Graduação stricto sensu, tem-se um
aprofundamento teórico intenso, que visa o desenvolvimento da pesquisa científica e a preparação de
profissionais para o meio acadêmico.
O ambiente universitário da PUC-SP reflete
perfeitamente essa dinâmica de aprendizagem. A
PUC interage com seus viventes de modo a estimular a criação intelectual e o desenvolvimento
do espírito científico e do pensamento reflexivo,
na medida em que busca atender as finalidades
do ensino superior.
Para tanto, a educação superior da PUC-SP
tem como foco precípuo a participação desses indivíduos no desenvolvimento da sociedade. Afi-
arquivo fórum Jurídico
De grandiosa importância no mundo do Direito, a Pós-Graduação strictu e
lato sensu da PUC-SP é muito almejada pelos formados na carreira jurídica
Coordenadoria de Especialização, Aperfeiçoamento e Extensão
(COGEAE). Rua Consolação, 881, Consolação - SP
nal, um profissional de Direito precisa se adequar
às transformações desta, bem como às instáveis
questões que permeiam as complexas relações
humanas. Acompanhá-las é justamente sua tarefa, visto que, se não o fizer, acabará perdendo sua
essência e função social.
Deste modo, a PUC-SP oferece um Programa de Pós-Graduação pioneiro no Brasil. Trata-se de um sistema especial de cursos que englobam o desenvolvimento da pesquisa científica
e o treinamento avançado do profissional. Seu
objetivo imediato é proporcionar ao estudante
aprofundamento científico ou técnico-profissional não adquirido no âmbito da graduação.
Diante disso, indaga-se: ser bacharel em Direito
ainda é o bastante? A única certeza é que para
se tornar um profissional de excelência é preciso
estar disposto a se aperfeiçoar sempre.
Fórum j u r í di co
5
Pós-Graduação
arquivo fórum Jurídico
P UC e m p a u t a
Doutorado em Direito. Há núcleos de pesquisa em Direito Civil, Comercial, Constitucional,
Penal, Humanos, dentre outros.
Para o processo seletivo do Mestrado, primeiramente há uma prova de proficiência em um
idioma estrangeiro e de conhecimentos jurídicos
no núcleo escolhido pelo estudante. Então, ocorre
a análise de documentos e do projeto da pesquisa
e, por fim, uma entrevista com o coordenador do
núcleo ou com o orientador indicado pelo aluno.
Quanto ao Doutorado, o processo seletivo
ocorre quase da mesma forma, a única mudança
é que deve ser realizada uma prova de proficiência de dois idiomas. É necessário ser bacharel em
Direito, para o Mestrado, e bacharel e mestre em
Direito, para o Doutorado.
Os alunos procuram fazer uma ou duas
disciplinas por semestre. No total, o aluno do
Mestrado precisa fazer seis disciplinas e o do
Doutorado duas. No primeiro, o aluno deve
Pós-Graduação
Compreende os diferentes níveis da educação formal. Compõe-se por cursos a serem realizados após a
conclusão do curso de Graduação (Bacharelado ou Licenciatura).
Salas de aula localizadas no prédio do COGEAE
Modalidades e Aspectos Gerais
Pós-Graduação Lato Sensu
O Programa de Pós-Graduação lato sensu engloba vinte cursos de especialização e seis cursos
de extensão. Apenas os interessados na especialização em Direito Empresarial precisarão passar
por um processo seletivo.
A matrícula é realizada por ordem de chegada e são necessários o diploma da graduação e os
documentos de identificação pessoal. O preço das
mensalidades depende do curso de especialização
de interesse, mas em média equivale à quantia de
R$ 980,00. Sobre este valor, o máximo de desconto que pode ser obtido é de 10%, por meio de convênios com empresas e associações, como a AASP.
As turmas são compostas por cerca de trinta
alunos. As aulas ocorrem duas vezes por semana,
pela manhã e a noite, ou aos sábados, das 8h às 17h.
A duração total do curso é de dois anos e meio
com a entrega de uma monografia ao final deste.
Os cursos são ministrados na própria COGEAE (Coordenadoria Geral de Especialização,
6
Fórum j urí di co
Lato Sensu
Aperfeiçoamento e Extensão), instituição que
coordena apenas a Pós-Graduação lato sensu, a
Especialização e o MBA. Há, também, cursos ministrados nas unidades da PUC-SP em Perdizes e
no Ipiranga e nas cidades de Barueri e Sorocaba.
A maior procura tem sido pelos seguintes cursos:
o tradicional de Direito Civil, o de Direito Internacional e o de Direito Ambiental, hoje em ascensão.
Dentre os professores, conta-se com um time
composto pelos profissionais mais qualificados
no mundo jurídico, como Luiz Guilherme Arcaro Conci,Thereza Arruda Alvim, Clarissa Ferreira Macedo D’Isep, entre outros.
Cursos
Modalidades
Pós-Graduação Stricto Sensu
Já a Pós-Graduação stricto sensu, direcionada
para a área de docência, oferece 28 programas
entre mestrado e doutorado.
O programa de Direito, que é executado apenas no campus de Perdizes, compreende 17 Núcleos de Pesquisa dividos em 5 Linhas de Pesquisa.
Desse modo, o candidato se inscreve em apenas um dos núcleos para fazer o Mestrado ou
Os cursos nesta modalidade correspondem à especialização ou aperfeiçoamento e
possuem caráter eminentemente prático, com o objetivo precípuo de dar continuidade à formação acadêmica e profissional.
Extensão
A principal diferença entre os cursos de especialização e os cursos de extensão
reside na carga horária. Assim como os de especialização, os cursos de extensão têm como finalidade aprimorar os conhecimentos do aluno em alguma área
de sua preferência, no entanto, são cursos de curta duração.
Obs: Para aqueles que desejam realizar um curso de extensão é interessante
saber que esta modalidade possui um número menor de exigências para o ingresso, podendo, inclusive, ser realizado por não graduados.
Especialização
A especialização dá oportunidade ao graduado de concentrar-se em uma área específica, ligada à primeira graduação ou não. A duração mínima do curso é de 360 horas. Vale
ressaltar que são cursos com enfoque prático, voltados para o mercado de trabalho e,
de modo geral, apresentam menos exigências que os cursos de MBA e LLM.
Reconhecimento
Titulação
Certificado de conclusão de curso
Não são reconhecidos pelo MEC
Fórum j u r í di co
7
Pós-Graduação
Strictu Sensu
Cursos
Os cursos desta modalidade têm foco na formação de docentes. É requisito indispensável àqueles que almejam a carreira de pesquisador ou cientista.
arquivo fórum Jurídico
P UC e m p a u t a
Mestrados
Acadêmico:
Curso voltado para o ensino e a pesquisa. Para obtenção do título de Mestre é necessária a preparação e defesa de dissertação (estudo científico aprofundado).
Profissional:
“Mestrado Profissional” é a designação do Mestrado que enfatiza estudos e
técnicas diretamente voltadas ao desempenho de um alto nível de qualificação profissional. Esta ênfase é a única diferença em relação ao acadêmico.
Modalidades
Doutorado
Os cursos de doutorado aprofundam os conhecimentos visando a formação de pesquisadores e docentes para atuar academicamente. É necessária a elaboração de uma tese (estudo científico aprofundado que deve
trazer uma inovação).
Pós Doutorado
É uma especialização ou um estágio acadêmico realizado em uma universidade para aprimorar o nível de excelência em uma determinada área. Essa
modalidade é indicada ao portador do título de doutor. Ou seja, após concluir
o doutorado, o pesquisador tem a opção de aperfeiçoar ainda mais seus estudos em uma área específica.
Livre Docência
É um título concedido no Brasil por uma instituição de ensino superior, mediante concurso público, apenas para portadores do título de Doutor. Em
algumas universidades públicas a livre-docência é requisito para a candidatura a professor titular.
Reconhecimento
Titulação
8
Fórum j urí di co
Diploma/Título de Mestre, Doutor e Livre Docente
Reconhecidos pelo MEC
Parte da biblioteca localizada no prédio da COGEAE, na Consolação
levar, no mínimo, um ano e meio para completar o curso e, no máximo, dois anos e meio.
No Doutorado, diferentemente, o prazo é de
quatro a seis anos.
No Mestrado, há cerca de dez alunos por sala
e no Doutorado, quinze. Quando a Pós chega ao
fim, cada aluno recebe o Titulo de Mestre ou de
Doutor reconhecido pelo MEC.
Os núcleos mais procurados são o de Direito Tributário, Direito Constitucional e Direito Processual Civil, sendo Tributário o mais
procurado dentre todos os núcleos oferecidos. O corpo docente é composto por inúmeros juristas de peso, tais como: Maria Helena Diniz, Tércio Sampaio, Paulo de Barros
Carvalho,Fabio Ulhoa Coelho, Nelson Nery
Júnior e Arruda Alvim.
A mensalidade é de R$ 1.909,00, sendo 50%
das vagas destinadas a alunos da PUC e as demais, a alunos de outras universidades. Tal valor
pode, entretanto, ser diminuído, desde que o
aluno concorra à bolsa de estudos e seja selecionado. A seleção é de competência de cada
Programa de Estudo da Pós-Graduação e as
informações devem ser adquiridas diretamente
no Programa escolhido. As mais conhecidas são:
Capes, CNPq, FAPESP e Fundação FORD.
Aluno ouvinte
É possível, ainda, que o aluno assista aulas como
ouvinte. Ele não participa de avaliações e do controle de frequência em aula, mas adquire o conhecimento ministrado. Para tanto, é preciso de
autorização ao professor escolhido, seguido do
preenchimento de uma ficha na Secretaria Acadêmica - localizada no quarto andar do Prédio
Novo da PUC - e do pagamento de uma taxa
semestral de R$1.115,00 por disciplina, referente
à utilização do espaço físico da Universidade.
RECONHECIMENTO DA PÓS-GRADUAÇÃO
Vale dizer que o Programa de Pós-Graduação
stricto sensu de Direito da PUC-SP, em uma escala de 1 a 7, possui nota 6 na avaliação da CAPES
(Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior). Para ambas as modalidades de Pós,
a instituição oferece cursos de grande relevância
e imponência no mundo jurídico, que visam proporcionar uma formação completa ao aluno.
Com certeza, um aluno que faz Pós-Graduação na PUC-SP será reconhecido não somente
pela sua base técnico-jurídica, mas também por
sua formação intelectual e olhar crítico. n
Fórum j u r í di co
9
retrospectiva
Primeiro Semestre de 2012
Balanço semestral
Tendo em vista a natureza dinâmica da sociedade, o Direito
acompanha mudanças, incorporando progressos e direcionando
avanços. Desse modo, ao considerar as necessidades de sabê-lo
e de apreender o que a ele é novo, apresentamos um panorama
do 1º semestre de 2012, contendo algumas leis novas, decisões
proferidas e acontecimentos que se sucederam
ELISA DE OLIVEIRA, WALLACE SILVA e KÁTIA VILHENA / COORDENAÇÃO: OTÁVIO AUGUSTO BRESSAN CRUZ
Direito
Internacional
Em 12.01.2012, o Decreto nº 7.667 promulgou o Tratado Constitutivo da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), tornando o
Brasil signatário do grupo econômico criado
em 23 de maio de 2008. Tal grupo é formado
pelas uniões aduaneiras Mercado Comum do
Sul (MERCOSUL) e Comunidade Andina de Nações (CAN). Com a entrada do Brasil, o bloco
agora possui 12 membros: Brasil, Argentina,
Bolívia, Chile, Equador, Guiana, Peru, Suriname, Venezuela, Uruguai, Paraguai e Colômbia.
Direito Falimentar e Social
22.01.2012: Após oito anos de litígio e discussões a respeito da competência para julgamento do caso “Pinheirinho”, o
terreno no qual residiam 6.000 pessoas na cidade de São
José dos Campos foi desocupado com a ajuda de força policial, sendo reintegrado à massa falida após anos de ocupação. O caso teve repercussão internacional e serviu de cenário para a discussão dos eventuais conflitos entre os direitos
dos particulares frente aos direitos sociais.
Direito Internacional
08.02.2012: A Lei americana, denominada “Foreign
Account Tax Compliance Act“ (FACTA), editada em
2010, começa a gerar reflexos nas relações internacionais entre países com o início da divulgação
de pareceres. Produzida com o objetivo de atacar a
evasão fiscal, obriga as instituições financeiras e outros participantes do mercado, ainda que residentes
fora dos EUA, a informarem diretamente ao governo
norte-americano as movimentações de bens que
possam lhe ser relevantes, sob pena de limitações
às operações de quem não colaborar. A lei levantou a
discussão do vigência e eficácia de atos normativos
editados fora do território nacional. Juristas brasileiros dizem, ainda, que, caso seja aplicada, a lei poderá
ferir direitos constitucionais de sigilo bancário e fiscal e dará ao fisco estrangeiro maior alcance do que
o nacional. Outras nações já divulgaram o interesse
de editar normas semelhantes.
Fórum j u r í di co
11
retrospectiva
Primeiro Semestre de 2012
Direito Eleitoral
16.02.2012 – Por maioria de votos,
o Pleno do STF decidiu em favor da
constitucionalidade da Lei “Ficha
Limpa”, que poderá ser aplicada
nas eleições deste ano, alcançando
atos e fatos ocorridos antes de sua
vigência. No mérito, ressaltou-se o
significativo avanço democrático de
tal dispositivo ao pretender banir da
vida pública a imoralidade e improbidade. Em 05.07.2012, terminou o
prazo previsto pela Justiça Eleitoral
para que os partidos políticos e coligações apresentassem nos cartórios eleitorais o requerimento de registro de candidatura e concorresse
às eleições deste ano. Os critérios
estabelecidos pela Lei tiveram que
ser obedecidos em tais processos.
28.02.2012: Acórdão do TJ-SP, sob a relatoria do Desembargador Pereira Calças, por unanimidade de votos decretou a nulidade de deliberação de Assembleia Geral de credores que aprovou o plano de recuperação judicial, uma vez
que feria disposições constitucionais e de ordem pública. O caso gerou inúmeras polêmicas em relação à possibilidade da vontade da Assembleia Geral
prevalecer em detrimento da aplicação de disposições da lei ou da Constituição, principalmente quanto a credores e terceiros que não possuem meios
eficazes de manifestação da vontade e defesa de seus direitos. Questionou-se, ainda, a possibilidade do magistrado fazer o controle material dos termos
do acordo, o que vai contra a jurisprudência dominante sobre o assunto.
Direito Constitucional
A Emenda Constitucional nº 69, de 30 de março de
2012, alterou artigos da Constituição Federal, transferindo da União para o Distrito Federal as atribuições de organização e manutenção da Defensoria
Pública do Distrito Federal.
Direito Constitucional
Direito Penal
16.02.2012: Por seis votos a cinco, o STF reconheceu a autonomia do CNJ (Conselho Nacional
de Justiça) para investigar magistrados sem depender de ação das corregedorias locais. Decidiu-se, ainda, que os julgamentos dos magistrados
realizados pelo CNJ ocorrerão em sessões públicas. A defesa da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) foi diretamente rebatida nos
pontos em que defendia a atuação do CNJ apenas
após a abertura de processo nos respectivos tribunais de origem. O STF também afirmou que é
constitucional a Resolução que prevê a apuração
das irregularidades pelos tribunais, bem como a
necessidade de informar ao Conselho o eventual
arquivamento do caso.
12.04.2012 - Por maioria de votos, o Pleno
do STF julgou procedente o pedido formulado em ADPF ajuizada pela Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Saúde - CNTS,
declarando a inconstitucionalidade da interpretação de que a interrupção da gravidez de
feto anencéfalo seria conduta tipificada nos
artigos 124, 126 e 128, I e II, do Código Penal.
Prevaleceu o voto do Ministro Relator Marco
Aurélio, que realçou o direito da gestante de
submeter-se a antecipação terapêutica de
parto e a incolumidade física do feto anencéfalo que, se sobreviver ao parto, será por
poucas horas ou dias, não devendo tal gravidez ser preservada a qualquer custo.
12
Fórum j urí di co
Direito Eleitoral
Direito Constitucional
18.04.2012. A Ministra Cármen
Lúcia, formada pela PUC-MG, mestre em Direito Constitucional pela
Universidade Federal de Minas
Gerais, especialista em Direito de
Empresa pela Fundação Dom Cabral, e, ainda, doutora em Direito
do Estado pela USP, tomou posse
da Presidência do TSE para um
mandato de dois anos. É a primeira mulher a presidir o Tribunal
Superior Eleitoral, sucedendo o
Ministro Ricardo Lewandowski. A
vice-presidência passa a ser do
Ministro Marco Aurélio.
19.04.2012. O Ministro Ayres Britto foi empossado na Presidência do Supremo Tribunal Federal, sucedendo o Ministro Cezar Peluso. O novo Presidente exercerá o cargo até o início de novembro
deste ano, quando se aposentará compulsoriamente ao completar 70 anos. O Ministro Joaquim Barbosa é quem ocupa agora a
vice-presidência.
Homenagem
Editada a Lei nº 12.612, de 16.04.2012,
que declarou o educador Paulo Freire
o Patrono da Educação Brasileira. Ele
é considerado um dos pensadores
mais notáveis da Pedagogia mundial, tendo atuado como promotor do
movimento da pedagogia crítica, na
qual o educando cresce em conhecimento junto com o educador e cria
sua própria forma de aprendizado.
Também foi precursor do método
de alfabetização dialético chamado
Pedagogia do Oprimido. Paulo Freire teve brilhante passagem como
professor da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, sendo sempre
lembrado como um dos maiores expoentes da casa.
Direitos Humanos
O Decreto nº 7.722, de 20.04.2012, dispõe sobre
a execução das Resoluções nº 1540 de 2004 e nº
1977 de 2011, adotadas pelo Conselho de Segurança
das Nações Unidas em 28 de abril de 2004 e em 20
de abril de 2011. Tais Resoluções tratam do combate
à proliferação de armas de destruição em massa e
da vigência do Comitê 1540 das Nações Unidas, que
adota a politica de desarmamento e não proliferação
de armas nucleares, químicas e biológicas. A regulamentação faz parte da política de Relações Internacionais do governo brasileiro.
Direito Constitucional
26.04.2012. O Plenário julgou improcedente o pedido
formulado em ADPF, ajuizada pelo Partido Democratas
- DEM, contra atos da Universidade de Brasília - UnB,
do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade de Brasília - Cepe e do Centro de Promoção
de Eventos da Universidade de Brasília - Cespe, os
quais instituíram sistema de reserva de 20% de vagas
no processo de seleção para ingresso de estudantes,
com base em critério étnico-racial. Em 03.05.2012,
o Supremo declarou a constitucionalidade do ProUni.
Em síntese, no voto-vista, o Ministro Joaquim Barbosa
sustentou que o ProUni é coerente com diversos dispositivos constitucionais que preveem a redução de
desigualdades sociais.
Fórum j u r í di co
13
retrospectiva
Primeiro Semestre de 2012
Direito Processual Penal
27.06.2012. Ao longo dos debates no último semestre, o Supremo sinalizou em seus julgamentos que deverá ser reconhecido o
poder investigatório do Ministério Público, pontuando, entretanto, haver a necessidade de se estabelecer um código de conduta.
Este assunto sempre foi motivo de grandes debates. A primeira
corrente defende a possibilidade de investigação criminal a cargo do MP, desde que os investigados sejam membros do MP e a
polícia tenha se omitido da investigação. A segunda corrente, por
sua vez, entende pela possibilidade de investigação, em todos
os casos, inclusive para investigações complementares.
Direito Penal
A Lei nº 15.654, de 29.05.2012, alterou as Leis nº
12.037, de 1o de outubro de 2009 (Identificação
criminal do civilmente identificado) e nº 7.210, de
11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), para
prever a possibilidade da coleta de perfil genético
como forma de identificação criminal. A alteração
gerou polêmica inclusive em relação ao seu cotejo frente às disposições da Constituição Federal.
Direito Econômico
Entrou em vigor, neste semestre, a Lei nº 12.529, de
30.11.2011, que alterou de maneira significativa a estrutura do Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(CADE), acompanhada do Decreto nº 7.738, de 29.05.2012,
que versa basicamente sobre organização e cargos no Conselho. Com a nova regulamentação, fica mais rígida a burocracia e fiscalização de fusões, aquisições e incorporações
de empresas no Brasil. As alterações provocaram intensas
discussões em relação aos limites da interferência estatal
na ordem econômica, inclusive em relação aos eventuais
conflitos de competência, como o que ocorre entre o CADE e
o Banco Central do Brasil.
14
Fórum j urí di co
Direito
Constitucional
29.06.2012. A Corte Especial do STJ
consolidou seu entendimento em dez
novas súmulas sem efeito vinculante.
As novas súmulas se referem a matérias de cunho processual, previdenciário, arbitragem e outras recorrentes
e relevantes. A uniformização da jurisprudência por meio da edição destes
instrumentos, ainda que controversos,
faz parte das recentes medidas do Judiciário brasileiro na busca de maior
celeridade e eficiência. Além disso,
elas estão acompanhadas de outras
que dizem respeito à modernização e
ampliação estrutural, entre outras.
Processual Civil
02.07.2012: O STJ definiu algumas situações em que não há necessidade de
prova em relação ao dano moral sofrido,
entendendo ser inevitável a ocorrência
de dano às vítimas. Como nos casos
de perda de um filho, atrasos em voos,
emissão de diploma não reconhecido
pelo MEC, entre outros. No Brasil, discutem-se intensamente os limites da
razoabilidade na aplicação de indenizações por danos morais, para que não se
crie “um mercado” do dano moral como
ocorre em outros países. No entanto,
busca-se um equilíbrio que consiga tutelar a defesa dos direitos constitucionais de integridade moral e não abrir
possibilidade para especulações e abusos de direito. n
profissão
advocacia geral da união
Composta por cerca de 12.000
advogados públicos, a AGU tem
prestado relevantes serviços
ao País e à sociedade brasileira
Marcella Thompson e Thais Bambozzi
Coordenação: Reginaldo Penezi Júnior
16
Fórum j urí di co
Criada pela Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, a Advocacia-Geral da União está
prevista no art. 131 em seu Título IV, concernente à organização dos poderes; Capítulo IV,
que trata das funções essenciais à Justiça, e Seção
II, denominada “Da Advocacia Pública”.
Nos termos desse dispositivo, “a Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a
União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as
atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo”.
No entanto, até o advento da Lei Complementar n. 73/93 – diploma que regulamenta a
Instituição –, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo estavam
a cargo da “Advocacia Consultiva da União” e
a representação judicial da União competia ao
Ministério Público, com exceção das causas de
natureza fiscal, que, a partir da promulgação da
Carta Política de 88, passaram à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
Antes de 1993 era possível, por exemplo, que
um Procurador da República movesse ação,
como defensor da ordem pública, contra a União
e que outro Procurador da República a defendesse. O órgão ministerial, portanto, assumia uma
função híbrida: acusava e defendia, era fiscal da lei
e, ao mesmo tempo, advogado da União.
Com a criação da Advocacia-Geral da União,
eliminou-se tal inconveniente. O constituinte
de 1988, enxergando a necessidade de organizar
Arquivo Fórum Jurídico
AGU: A Advocacia
do Interesse Público
Unidade da AGU em São Paulo, situada na Rua da Consolação
em instituição única a representação judicial e
extrajudicial da União, desincumbiu o Ministério Público desta tarefa, propiciando-lhe uma
área de atuação mais específica.
Assim, como anota João Carlos Souto, “o resgate do sentido do Ministério Público, como
instituição permanente e voltada para a ‘defesa
da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis’, assegurando-lhe inclusive ampla independência funcional e administrativa, foi, inegavelmente, uma
medida sensata e de amplo alcance social tomada
pela Assembleia Nacional Constituinte”1.
Preleciona Celso Antônio Bandeira de Mello
que “o Estado, concebido que é para a realização de interesses públicos (situação, pois, inteiramente diversa da dos particulares), só poderá defender seus próprios interesses privados
quando, sobre não se chocarem com os interesses públicos propriamente ditos, coincidam
com a realização deles.”2
No entanto, em tema de Advocacia de Estado, é comum o equívoco de entendê-la como
sendo a instituição responsável pelo patrocínio
1 SOUTO, João Carlos. A União Federal em Juízo. São Paulo:
Saraiva, 1998, p. 34.
2 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito
Administrativo, 28ª ed., Malheiros, 2011, p. 66.
Advocacia de Estado x Advocacia de Governo
Fórum j u r í di co
17
profissão
Em tema de Advocacia
de Estado, é comum o
equívoco de entendê-la
como sendo a instituição
responsável pelo patrocínio
de interesses estritamente
estatais, como se a
defesa do Estado fosse
estranha à defesa do
interesse público
de interesses estritamente estatais, como se a
defesa do Estado fosse estranha à defesa do interesse público.
Parcela dos que assim entendem partem da
premissa de que a missão da Advocacia Pública
consiste na defesa do interesse público secundário
(interesse individual do Estado, como sujeito de
direitos) e não do interesse público primário (pertinente à coletividade), pelo qual se encarregaria
de zelar, com exclusividade, o Ministério Público.
Esse argumento é superado pela lição de Diogo Figueiredo Moreira Neto, segundo o qual a
advocacia pública se divide em três ramos: i) a
advocacia da sociedade, que defende interesses
individuais, coletivos e difusos indisponíveis, indicados em lei; ii) a advocacia dos necessitados,
que defende interesses individuais daqueles que
a lei reconhece como pobres e indefesos; e iii)
a advocacia de Estado, que defende os interesses
cometidos aos entes públicos nos quais se desdobra internamente o Estado, os interesses públicos.3
3 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. As funções essenciais à Justiça na Constituição de 1988. Revista de Direito da
Procuradoria Geral, Rio de Janeiro, n. 43, 1991, p. 36-7.
18
Fórum j urí di co
advocacia geral da união
Depreende-se, pois, com base nesse ensinamento, que a Advocacia Pública é gênero do
qual são espécies a advocacia da sociedade, que
diz respeito ao Ministério Público; a advocacia dos necessitados, consistente na Defensoria
Pública; e, a advocacia do Estado, concernente
à Advocacia-Geral da União e às Procuradorias
Estaduais e do Distrito Federal.
Para a Advogada da União Luciana Pires
Csipai, “a maior preocupação e desafio é justamente mudar o paradigma de que a AGU deve
defender cegamente interesses governamentais secundários. Nosso papel, ao contrário, é
focado em garantir a prevalência do interesse
público – daí a diferenciação entre advocacia
de governo (defesa do interesse do governante
do momento) e advocacia de Estado (defesa do
interesse da União, com base na ordem constitucional e legal). Às vezes tais interesses coincidem, às vezes não, e cabe a nós assegurar que,
nesta segunda hipótese, prevaleça o interesse
público primário”.
Estrutura da AGU
Advogado-Geral da União
Conselho
Superior da AGU
Adjuntos
Gabinete da AGU
Departamento de
Gestão Estratégica
Departamento
de Tecnologia
da Informação
Competência Consultiva
A AGU, como já visto, além de representar judicial e extrajudicialmente a União, desempenha
atividade de consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo.
Nesse sentido, a Instituição orienta os agentes da Administração Pública direta e, por intermédio dos órgãos vinculados, as autarquias e
fundações públicas, a fim de atribuir segurança
jurídica aos atos administrativos a serem praticados por tais entes e exercer o controle prévio da
legalidade dos gastos públicos.
Assim, a Consultoria da Advocacia-Geral da
União se presta a dar a devida formatação jurídico-constitucional na execução das políticas
públicas, na realização de licitações e contratos
administrativos e na proposição de medidas legislativas de competência do Poder Executivo.
Escola da AGU
Corregedoria-Geral da AGU
Secretaria-Geral de
Administração
Procuradoria-Geral da União
Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional
Consultoria-Geral da União
Secretaria-Geral
de Consultoria
ProcuradoriaGeral Federal
Secretaria-Geral
de Contencioso
Procuradoria-Geral do
BACEN
Fórum j u r í di co
19
profissão
advocacia geral da união
Dra. Luciana Pires
Csipai, Advogada da
União em São Paulo
cação; a criação e execução das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), como
a defesa da implementação do programa “Minha
Casa, MinhaVida”, na área de infraestrutura; a demarcação de áreas indígenas e de territórios quilombolas, na área social; entre outros conjuntos de
ações do Estado para o bem coletivo.
‘
Nosso papel é focado
em garantir a prevalência
do interesse público –
daí a diferenciação entre
advocacia de governo
e advocacia de Estado.
Luciana Pires Csipai
Carreiras
Arquivo Fórum Jurídico
Competência Contenciosa
Ademais, desenvolve atividades de conciliação e arbitragem, com o escopo de resolver
administrativamente os litígios entre a União,
autarquias e fundações públicas, evitando-se a
provocação do Judiciário.
Realizam as atividades consultivas o Advogado-Geral da União, ao prestar consultoria e
assessoramento jurídico ao Presidente da República; a Consultoria-Geral da União; as Consultorias Jurídicas dos Estados; as Consultorias
Jurídicas junto aos Ministérios; a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional junto ao Ministério
da Fazenda; e a Procuradoria-Geral Federal.
Como exemplo de atividades realizadas pela
AGU no tocante à sua competência consultiva,
pode-se citar o assessoramento prestado aos dirigentes do Governo Federal na criação e defesa
do sistema de cotas e do ENEM, na área da edu20
Fórum j urí di co
A atuação contenciosa, por sua vez, consiste
propriamente na representação judicial e extrajudicial da União, abrangendo, na qualidade de
representados, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, os órgãos públicos que exercem
função essencial à justiça, bem como as autarquias e fundações públicas federais.
A AGU, nesse sentido, atua como procuradora
da União, de modo a resguardar os interesses dos
referidos entes nas ações judiciais em que a União
figurar como ré, autora ou, ainda, terceira interessada. A representação extrajudicial, por sua vez,
dá-se perante entidades não vinculadas à Justiça,
a exemplo de órgãos administrativos da própria
União ou do âmbito estadual e municipal.
O desempenho da competência contenciosa
ocorre da seguinte forma: o Advogado-Geral
da União representa a União perante o STF; o
Procurador-Geral da União, perante o STJ nas
questões cíveis e trabalhistas e, o Procurador-Geral da Fazenda Nacional, nas questões tributárias; os Procuradores Regionais, junto aos
Tribunais Regionais Federais; os Procuradores
Chefes nos Estados, junto à 1ª instância nas Capitais (Justiça Federal e Trabalhista); e, os Procuradores Seccionais e Escritórios de Representação, junto à 1ª instância no interior.
A AGU é chefiada pelo Advogado-Geral da
União, de livre nomeação pelo Presidente da
República dentre cidadãos maiores de trinta e
cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada. Já ocuparam tal cargo os atuais
Ministros do Supremo Tribunal Federal Gilmar
Mendes e José Antonio Dias Toffolli; atualmente, Luís Inácio Adams o ocupa.
Compete ao Advogado-Geral da União, além
da representação judicial da União perante o Supremo Tribunal Federal e da assessoria ao Presidente da República em assuntos de natureza jurídica, defender leis e atos normativos impugnados
em Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade;
editar enunciados de súmulas administrativas; fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos
tratados e demais atos normativos, a ser uniformemente seguida pelos órgãos e entidades da Administração Federal; unificar a jurisprudência administrativa e garantir a correta aplicação das leis;
prevenir e dirimir as controvérsias entre os órgãos
jurídicos da Administração Federal, entre outros.
Para o ingresso na Advocacia Geral da União,
o interessado deve prestar concurso público de
provas e títulos. Estas são as carreiras, a saber:
Advogado da União, Procurador da Fazenda
Nacional, Procurador Federal ou Procurador
do Banco Central.
Para cada uma dessas carreiras, há um concurso específico, que exige do candidato, entre
outros requisitos, o bacharelado em Direito e
o registro de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil. Para a investidura no cargo, após
a aprovação no concurso público, deverão ser
comprovados dois anos de prática forense.
O Procurador da Fazenda Nacional tem
competência restrita a matérias tributárias. Ele
possui autonomia plena para realizar o controle
e a cobrança da dívida ativa da União. E, assim,
cobra judicialmente débitos fiscais não quitados,
sendo responsável, ainda, pela assessoria e consultoria jurídica do Ministério da Fazenda.
No que se refere ao Procurador Federal,
compete representar judicial e extrajudicialmente as autarquias e fundações públicas e
prestar atividades de consultoria e assessoramento jurídico a essas entidades.
Quanto ao Procurador do Banco Central, este
representa judicial e extrajudicialmente o Banco
Central (BACEN), presta atividades de consultoria e assessoria jurídica no âmbito desta autarquia
federal. Além disso, apura a liquidez e certeza dos
créditos inerentes as suas atividades e inscreve esses créditos em dívida ativa.Também dá assistência
aos dirigentes do BACEN no controle de legalidade dos atos por eles praticados ou já efetivados,
entre outras atribuições expressas no Regimento
Interno do Banco Central do Brasil.
Por fim, vale salientar que a AGU, por ter
natureza de função essencial à Justiça, busca a
viabilização das políticas públicas em conformidade com o ordenamento jurídico e visa à
proteção dos interesses do país e da sociedade,
não sendo vinculada a nenhum dos três poderes
que representa. n
Fórum j u r í di co
21
escritório
TozziniFreire Advogados
Plano
aberto
Com pouco menos de 40 anos de existência, o crescente
TozziniFreire Advogados diferencia-se pelo padrão
de governança corporativa e estrutura profissionalizada
Gustavo León, Kátia Vilhena e Marcella Thompson / fotos: Wagner Tetsuo
Ao lado, sede do
TozziniFreire Advogados,
em São Paulo
22
Fórum j urí di co
Fundado em 1976, TozziniFreire Advogados nasceu de uma
amizade dos tempos do ginásio
entre o Dr. Syllas Tozzini e o Dr.
José Luis de Salles Freire. Começou como escritório de pequeno porte, para atuar, sobretudo,
nas áreas de Direto Societário e
de Direito Tributário. Logo, o escritório registrou enorme crescimento, à medida que passou a
atuar nos mais diversos ramos do
Direito Empresarial. Hoje, ainda
sendo considerado jovem entre
os escritórios full-service, TozziniFreire conquistou o posto de
referência na advocacia empresarial, tornando-se uma das
maiores organizações de advogados da América Latina.
Ao longo desses 36 anos,
quanto à atuação na advocacia
empresarial, TozziniFreire tem
desempenhado papel de relevân-
cia nas mais significativas operações conduzidas no Brasil, contribuindo indiretamente para o
crescimento econômico do país.
No último ano, por exemplo,
assessorou a Kirin na aquisição
da Schincariol, incluindo a fase
de disputa com os minoritários
da empresa de bebidas brasileira,
bem como o Casino no controle
do Pão de Açúcar.
Inovação profissional
TozziniFreire construiu sua
história com iniciativas inovadoras para o mercado jurídico em
termos de governança corporativa e estrutura profissionalizada.
Dentre as inovações, no
início da década de 1990, o
escritório criou um modelo
de plano de carreira composto por regras de conduta, entre
Fórum j u r í di co
23
escritório
outros requisitos. O percurso
profissional, assim, deixou de
ser meramente deliberado pelos
sócios mais antigos, passando a
ser pré-estabelecido por regras
escritas, com base em tempo e
mérito. Traçou-se o caminho a
ser perseguido pelo estagiário
ou pelo advogado para integrar
a sociedade como sócio, à proporção que foram implantadas
avaliações periódicas de desempenho, sendo inclusive os sócios
submetidos a avaliações anuais.
Superação, Valores e Ética
No plano de carreiras criado por TozziniFreire, a conduta dos sócios é avaliada anualmente por Dez Mandamentos,
os quais dividem-se em dois
grupos, denominados Competência e Resultado. Quanto aos
mandamentos de Competência,
são analisados: capacidade de
gerenciamento, envolvimento
com o negócio TozziniFreire,
expertise, foco no cliente, postura de sócio e visão comercial.
Os mandamentos de Resultado,
por sua vez, são: horas individuais (utilização), produtividade da equipe, rentabilidade do
centro de excelência e resultado
(percentual e absoluta), geração
de negócios e de novos clientes.
Ademais, TozziniFreire Advogados prioriza os valores éticos no exercício da advocacia
empresarial, contando com um
Código de Ética próprio, que
24
Fórum j urí di co
TozziniFreire Advogados
Biblioteca do TozziniFreire
Advogados, contemplando
diversos premios
conquistados pelo escritorio
Modelo open space
de escritorio e o
sistema de baias
serve de norte para a conduta de
seus advogados, excedendo em
muito os ditames previstos no
Estatuto de Ética da OAB.
Equipe
Observado o plano de carreira, hoje, o escritório é composto
por 175 estagiários, 284 advogados e 66 sócios, além de contar
com corpo administrativo de
420 funcionários. A equipe TozziniFreire distribui-se por sete
escritórios, sendo seis no Brasil e
um no exterior.
TozziniFreire Advogados pos­
sui unidades em São Paulo
(dois endereços), em Campinas,
no Rio de Janeiro, em Brasília e
em Porto Alegre. No exterior, o
escritório localiza-se na cidade
norte-americana de Nova York.
Estrutura e Organização
TozziniFreire Advogados inovou, também, em sua estrutura
TozziniFreire
Advogados prioriza
os valores éticos,
contando com um
Código de
Ética próprio
escritório divide-se em equipes menores, de acordo com
a área de atuação. Intensifica-se, assim, a proximidade entre
estagiários, advogados e sócios,
primeiramente, devido à não
existência de barreiras físicas e,
também, devido à unidade menor de frequente comunicação
que cada equipe representa.
Responsabilidade Social
e organização, implantando o
modelo open space, o qual corresponde a um sistema de baias
que extinguiu a separação física entre estagiários, advogados e sócios. Desse modo, no
escritório, nenhum advogado
ou sócio possui sala fechadanas palavras do sócio-fundador
Dr. José Luis de Salles Freire,“é
tudo um plano aberto”.
Além da organização física, para facilitar o contato, o
O escritório também preza
pela Responsabilidade Social,
realizando parcerias com ONGs,
como a “Parceiros da Educação”, e promovendo ações com
foco em redução de resíduos,
reciclagem de materiais e desenvolvimento sustentável. Ainda
nesse sentido, TozziniFreire Advogados também promove oficinas com alunos da UNIBES
– União Brasileiro Israelita do
Bem Estar Social, com o objetivo de transmitir conceitos de
democracia e dos três poderes.
Contratação e Estágio
Para ingressar no escritório
como estagiário, o estudante
de Direito deve cursar excelente instituição de ensino e, ao
menos, possuir o inglês como
língua estrangeira. Diante da
enorme concorrência no mercado de trabalho, são considerados como diferenciais cursos
extracurriculares, participação
acadêmica, experiências no
exterior, experiências profissionais desvinculadas do mundo jurídico e o domínio de línguas estrangeiras.
Além da análise do currículo, TozziniFreire Advogados
valoriza o desenvolvimento
do candidato no momento da
entrevista. Características em
conformidade com os ideais
do escritório são vistas como
pontos fundamentais na contratação, já que o estagiário
possui a perspectiva de se tornar sócio futuramente.
Em TozziniFreire, o estágio é visto como um período
de aprendizado, já que, a partir
dessa experiência, o estudante
de Direito começa a traçar seus
planos para exercício da advocacia no futuro.
1
Aprimoramento Profissional
Para TozziniFreire Advogados, a realização de Pós-Graduação no exterior consiste
em fator de destaque entre os
advogados de hoje em dia. O
escritório, assim, dá incentivo
financeiro ao profissional que
se interessar em cursar especialização jurídica ou LLM
no exterior.
Ademais, a experiência da
advocacia no exterior também
é estimulada, e com o objetivo de proporcionar isso a seus
advogados, TozziniFreire indi1 A falta de artigo se deu por
pedido expresso do escritório
TozziniFreire Advogados.
Fórum j u r í di co
25
escritório
TozziniFreire
Advogados preza pela
abolição de barreiras
físicas que apartam
estagiários, advogados
e sócios. Na palavras
do sócio-fundador,
Dr. Freire, "é tudo um
plano aberto"
Dr. José Luis de
Salles Freire:
sócio-fundador
do escritório
TozziniFreire Advogados
ca alguns de seus profissionais
para programas de estágio em
escritórios internacionais.
Para conhecer um pouco
mais sobre a filosofia do TozziniFreire Advogados, acompanhe nossa entrevista com o
sócio-fundador do escritório,
Dr. José Luis de Salles Freire:
1. Qual é a importância de
um estagiário ter feito algum programa de intercâmbio? E de um advogado ter
feito algum programa de
LLM? Por que isso, hoje em
dia, está cada vez mais importante? Como isso é valorado pelo escritório?
O mercado de trabalho está
cada vez mais concorrido. Seja
qual for a área que o advogado
desejar se colocar, ele tem que
se diferenciar dentro daquele
mercado. Uma forma de se diferenciar é tentar um intercâmbio ou um curso de mestrado
no exterior. Hoje, incentivamos
isso, mas os próprios advogados
já têm o estudo no exterior em
mente, sejam os advogados que
atuam no contencioso ou no
consultivo. O que eu digo sempre é: “não vá fazer um mestrado logo após encerrar a faculdade, trabalhe um pouco mais e
adquira mais experiência”. Por
exemplo, nos Estados Unidos,
as aulas são muito participativas e as pessoas, por muito mais
vezes, querem dar suas opiniões,
então, se o aluno já vem com
uma experiência, ele participa
mais e tem condições de ver,
daquilo que se está aprendendo,
comparando com aquilo que já
fez profissionalmente, o que está
ajudando e o que pode aplicar.
Se os bacharéis de Direito, hoje,
se formam em média com 23
anos, seria bom ingressar no
mestrado no exterior com 26
ou 27 anos, com pelo menos
três anos de experiência aqui
no Brasil. Depois do mestrado,
é muito comum também que
os advogados façam um período de treinamento no exterior.
É importante ver como funciona uma sociedade de advogados
lá fora, ou mesmo uma empresa. A experiência cultural, além
da experiência profissional,
também é muito importante.
2. Qual o conselho que você
daria para os atuais estudantes
de direito que querem seguir
carreira no Direito Privado?
26
Fórum j urí di co
Algumas das Recentes Premiações do TozziniFreire Advogados
Global Competition Review
Integrou o Ranking GCR 100 (2010), conquistando o posto de principal
publicação internacional da área de Direito Concorrencial.
Global Arbitration Review
Integrou o Ranking GAR 100 (2011 e 2012)
Latin Lawyer
International
Financial Law Review
Winner of the Deal of the year (2007, 2009 e 2010)
Latin Lawyer 250: Recommended Firm (2010)
IFLR 1000: Recommended Firm (2012)
Listado no Ranking IFLR 1000 (2011)
Top Ranked Global (2012)
Chambers & Partners
Top Ranked Latin America (2009, 2010, 2011 e 2012)
Latin America Awards for Excellence (2011)
É importante cursar uma boa
faculdade como a PUC, por
exemplo. A PUC é uma das
escolas que mais admiramos na
contratação, pois oferece uma
boa formação. Deve haver preocupação em aproveitar os dois
primeiros anos da faculdade
para ter experiências diversas.
A partir daí, procurar um estágio em uma instituição de
reputação. Não é só um ótimo
escritório que dá oportunidade
para o estagiário de aprendizado. Penso que se deve trabalhar
bastante durante o período do
estágio. A Lei do Estágio não
veio para beneficiar o estagiário, mas, pelo contrário, por
vezes é prejudicial. Há muitos
estagiários, por exemplo, que
fazem trabalhos forenses, mas, se
o período está limitado a 6 horas, passa-se mais tempo fora do
escritório do que dentro dele,
e eu considero importantíssimo
ficar também dentro do escri-
tório, para ver como funciona.
É essencial planejar a carreira,
ter uma estratégia, se perguntar
“o que eu quero fazer?”, “com
que área que eu me identifico mais?”. Pensar em fazer um
estágio, depois pensar em fazer,
por exemplo, um mestrado no
exterior. É importante para o
advogado jovem uma especialização. Logo de início, facilita a
carreira o fato de você estar em
um escritório e se poder falar
“o advogado conhece essa área”,
pois começa a receber mais serviços naquela determinada área.
3. Pesquisamos no site de TozziniFreire Advogados e percebemos que nós não estudamos várias áreas na faculdade.
Por exemplo, não temos matéria específica para Direito
Securitário, Energia e Aviação. Como fazer com que o
estudante de direito desperte
interesse por essas áreas?
Existe um distanciamento muito grande entre o currículo oferecido pelas faculdades e a prática.Acho que as escolas estão
fazendo o esforço de começar
a introduzir esses assuntos. As
matérias que a faculdade não
oferece, os advogados têm de
aprender através de cursos de
especialização. Também, o escritório deve proporcionar um
treinamento nessas áreas. Nós
temos aqui uma diretoria técnica, que foi pioneira no Brasil,
para fins de seleção e treinamento de advogados. Nos LLMs, a
pessoa pode começar a focar em
algumas dessas áreas; no exterior,
existe um currículo um pouco
mais amplo do que existe aqui
no Brasil. Também é difícil falar
que nos cinco anos de uma Faculdade de Direito dê para ver
tudo isso que a gente faz, acho
que é um pouco utópico, tem
algumas coisas que são a especialidade da especialidade. n
Fórum j u r í di co
27
perfil
Márcio fernando elias Rosa
Por
dentro
do
gabinete
No cargo de Procurador
Geral de Justiça desde
abril, Márcio Fernando
Elias Rosa, Mestre e Doutor
pela PUC, nos concedeu
entrevista em seu gabinete
Giovanna Cezario / Coordenação: Luis Gustavo DIas / Fotos: Wagner Tetsuo
O Procurador
Geral de Justiça
em sua biblioteca
perfil
SOBRE O procurador
geral de justiça
Márcio Fernando Elias Rosa é
Mestre e Doutor em Direito do
Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Hoje ocupa o cargo de Procurador Geral de Justiça do Ministério Público do Estado de São
Paulo. É, ainda, professor universitário e leciona na Escola
Superior do Ministério Público
do Estado de São Paulo.
30
Fórum j urí di co
Márcio fernando elias Rosa
Como a PUC-SP influiu em
sua formação profissional?
Fiz na PUC os cursos de mestrado e doutoramento, que
foram fundamentais para a visão que tenho hoje da ciência
jurídica e do Direito. Isso porque, a minha graduação foi no
período anterior à 1.988, já o
mestrado e o doutoramento
foram realizados em período
posterior. Sobretudo porque
foquei em Direito do Estado
e Direito Constitucional - e
o estudo do Direito Constitucional em um período de
liberdades públicas, de Estado
Democrático, ganha uma relevância muito maior.
Os cursos de mestrado e doutoramento foram indispensáveis
para a formação do meu acervo
intelectual em torno da aplicação do Direito, assim como para
o meu exercício profissional.
Como promotor de justiça e,
agora, como procurador de
justiça, a visão contemporânea
do Direito Constitucional que
obtive na PUC transformou-se, também, em ferramenta
indispensável para que eu possa cumprir com alguma correção o meu trabalho.
O que diria aos alunos da
PUC que pretendem seguir
carreira pública?
Valorize o espaço da PUC.
Valorize o espaço da “Academia”, porque nele, qualquer
que seja a idade, do primeiro-anista àquele prestes ao pré-doutoramento, todos são
Os cursos de mestrado e doutoramento
foram indispensáveis para a formação
do meu acervo intelectual
iguais. São alunos. O aluno
tem uma característica: a ele
incumbe aprender; e, para isso,
ele precisa estar disponível,
precisa estar disposto. A PUC,
até arquitetonicamente, favorece as pessoas a se conhecerem, se gostarem e estabelecerem entre si relações, inclusive
com o corpo docente.
O que eu diria é: Não perca
nunca sua condição de aluno,
estando na PUC, tendo a idade
que tiver. Ainda que já seja um
profissional do Direito consagrado, estando na PUC, seja
aluno, se comporte como tal,
porque o aluno tem essa pré-disposição a apreender.
Qual a sua rotina como Procurador-Geral de Justiça?
Hoje, mais do que nunca, a
atuação do Ministério Público
não se limita à função jurisdicional. Há uma vastidão de
atuações que vão além do judiciário. Estas são nossas atua-
ções, sobretudo no campo dos
direitos sociais, na tutela dos
interesses difusos e coletivos,
nos inquéritos civis etc., que
na primeira instância são atuações de promotores.
Na segunda instância, nos Tribunais, oficiam-se procuradores de justiça, que acabam
oficiando quase sempre em
grau de recurso. O procurador-geral de justiça faz a representação do MP como um
todo; exerce a representação
Não perca
nunca sua
condição
de aluno
Fórum j u r í di co
31
perfil
Márcio fernando elias Rosa
A boa procuradoria-geral é aquela
que atua de maneira absolutamente
integrada com os promotores
e procuradores de justiça
política, mas também conduz
a administração, a gestão orçamentária. Além disso, ele tem
as competências que chamamos de “competências originárias”, como um promotor
e como um procurador, pode
processar criminalmente os
prefeitos, pode ajuizar ações
de improbidade contra algumas autoridades; também têm
os feitos de competência originária, como o controle de
constitucionalidade. Logo, o
Procurador-Geral de Justiça
é ao mesmo tempo promotor,
procurador e exerce a representação ou chefia da instituição.
A rotina do gabinete é extremamente agradável, porque
além de conciliar toda essa
atividade - que é uma atividade do Ministério Público -,
estabelece-se todo dia contato
com os promotores de justiça.
A boa procuradoria-geral é
aquela que atua de maneira
absolutamente integrada com
os promotores e procuradores de justiça. Essa é a rotina
do gabinete.
32
Fórum j urí di co
Quais suas metas como Procurador-Geral de Justiça?
Ser procurador-geral é extremamente grave, porque o MP,
no Brasil - sobretudo o MP de
São Paulo -, tem grande expressão jurídica, social e política. O
Procurador-Geral de Justiça tem
que se manter sempre compatível com este patrimônio que a
instituição construiu ao longo
de décadas e décadas.
O Ministério Público do Estado de São Paulo sempre foi responsável por profundas transformações no cenário jurídico
como, por exemplo: a luta em
razão do poder investigatório,
que começou na década de 70
do século passado; a luta em
torno da Tutela de Interesses
Difusos e Coletivos (Lei nº
7.347/85); a Lei da Ação Civil
Pública, que nasceu de projeto feito aqui dentro; o Código
de Defesa do Consumidor; o
ECA; as contribuições para a
Lei de Improbidade; o Estatuto do Idoso; e, recentemente, a
Lei de Lavagem de Dinheiro.
Tudo isso passou pelo Ministé-
rio Público de São Paulo, por
promotores de justiça e por
procuradores de justiça. Então,
o Procurador-Geral de Justiça
tem a enorme responsabilidade de conduzir com cuidado
este patrimônio, que não é
dele, e que foi feito ao longo
de muito tempo.
Agora, as minhas metas, dentre tantas outras, são: uma atuação extremamente pró-ativa,
prestando serviço para a população e posicionando-me
de uma maneira clara sobre
os temas que interessam à população e à Instituição, vide o
tema do poder investigatório
e a questão do Código Florestal, em que, recentemente,
posicionei-me publicamente
em favor do veto total.
Já criei aqui um Núcleo de
Políticas Públicas, para definir
estratégias de atuação no campo dos direitos sociais. Existem
dois órgãos responsáveis por
isso hoje na administração superior. O Núcleo de Políticas
Públicas e o Centro de Apoio
Operacional, que definem me-
tas e estratégias a serem levadas
para discussão e aprovação de
todos os promotores e procuradores. Essa é uma prioridade.
Outra prioridade é a criação
de um Núcleo de Comunicação Social. Falo claramente:
o MP precisa fazer propaganda e publicidade. Propaganda, que vem de propagar, de
tentar convencer as pessoas,
como exemplo, a propaganda
religiosa, a propaganda eleitoral. A propaganda é no sentido de que o MP é essencial
para o Estado Democrático de
Direito. As pessoas precisam
aprender isso e ter consciência disso; e a publicidade é a
prestação de serviço, é divulgar, informar. O MP precisa
caminhar permanentemente
nessas duas vertentes.
Além disso, nós precisamos
melhor disponibilizar para os
promotores meios para a produção de provas e a atuação no
crime. Criamos, para isso, uma
Coordenadoria de Inteligência, que funciona de maneira
integrada com a Polícia Civil
e Polícia Militar.
temente o aperfeiçoamento. É
de conservar a autocrítica; é de
saber que o MP está a serviço
da população, a serviço dos interesses superiores da população; é de conservar-se permanentemente fiel àquilo que a
Qual o maior desafio em
estar no comando do Ministério Público do Estado
de São Paulo?
O maior desafio é fazer mais e
melhor. Não, simplesmente, repetir e dar continuidade ao que
vem sendo feito. O maior desafio é o de buscar permanen-
Constituição exige, ou seja, um
MP atuante na defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. É esse o
perfil do MP. Está lá no Artigo
127 da Constituição.
É um compromisso ético de
todo promotor, de todo pro-
o MP é
essencial
para o Estado
Democrático
de Direito
Fórum j u r í di co
33
perfil
curador e do Procurador-Geral
com a população, o de aperfeiçoar-se permanentemente, para
que o MP seja capaz de interferir na vida das pessoas para
melhorá-las. O grande papel
do MP é esse. É trabalhar como
facilitador da vida das pessoas,
como um instrumento de realização de justiça.
Eu tenho uma frase, que usei
no meu discurso de posse,
em que falo o seguinte: “Nós
precisamos manejar a lei para
encontrar o Direito e fazer
Justiça”. Não é isso que nós
fazemos? Você faz a interpretação da norma legal, da lei, que
é um instrumento de direito
estatal, cujo resultado final vai
ser ou não a produção da justiça. O grande papel é esse. É
ser intérprete da lei de modo a
chegar àquele fim, de apresentação da Justiça, sobretudo, da
Justiça Social.
Está em tramitação no Congresso Nacional a PEC nº
37/2011, que retira o poder
de investigação criminal do
Márcio fernando elias Rosa
Ministério Público sob o argumento da falta de regras
para a investigação criminal
pelo MP e pelo despreparo
dos seus membros. De que
modo o Sr. enxerga essa PEC?
Nós temos duas frentes nessa questão. Uma é a discussão
de caso concreto, que é feita
no Supremo, e que possui um
maior número de votos favoráveis ao poder investigatório
do MP. A outra frente é a da
PEC nº 37/2011, que está no
Congresso, e quer mudar o artigo 144, da Constituição, para
dizer que a investigação criminal só pode ser feita pela Polícia Civil ou Federal.
A possibilidade de o Ministério Público investigar para
formar a opinio delicti, oferecer a ação penal, a denúncia
ou requer o arquivamento, é
um instrumento de defesa do
cidadão, é um instrumento de
defesa da sociedade. A possibilidade de um Ministério Público com independência para
realizar trabalho complemen-
tar de investigação é um instrumento que quer aperfeiçoar a justiça penal. O que se
discute é isso. Retirar ou não
da sociedade esse instrumento,
confiando-o só para a Polícia.
Não é razoável, porque enfraquece a sociedade, enfraquece
aqueles que podem eventualmente ser vítimas de crimes
e favorece aqueles que foram
autores de crimes. A sociedade necessita ou não que mais
alguém com independência
possa investigar? A resposta é:
sim, necessita.
Não há o fortalecimento de
nenhuma instituição com o
fim do poder de investigação
do MP, mas sim o enfraquecimento de um instrumento de
defesa da sociedade. Quais os
casos que o MP investiga hoje?
Aqueles em que ele detecta a
necessidade, para formar o seu
convencimento. Se nós somos os titulares da ação penal,
como consta do artigo 129, I,
da Constituição, não é razoável
que aquele conjunto de provas
A PEC 37 é
inconstitucional
34
Fórum j urí di co
não possa ter a minha interferência, porque, afinal de contas,
é a minha opinião.
Os membros do MP estão
despreparados para produzir provas?
Não há dúvida de que eles estão preparados para isso. Aliás,
eles estão preparados para o
que é muito mais sério e definitivo, que é a Ação Penal.
Eles não só estão preparados,
como são vocacionados para
isso. Quem é capaz de determinar o juízo, a interpretação
da lei penal no primeiro momento? Só o promotor. Então,
não é razoável que ele não
possa participar da elucidação
do fato, da conduta, para saber
se ela subsumi-se ou não, se
ela encaixa-se ou não, à norma
penal incriminadora.
Agora, o MP não quer a primazia da investigação. Não se
trata disso. Esse trabalho é policial, esse trabalho tem que ser
feito pela polícia científica, pela
polícia civil. O que o MP quer
é conservar a possibilidade dele,
quando necessário, investigar.
O Sr. acredita que quais razões motivaram a propositura da PEC nº 37/2011?
É uma junção de muitos interesses, e nem todos legítimos.
Há interesses corporativistas,
daqueles que imaginam o possível fortalecimento das carreiras policiais, o que é um grande
Nós precisamos manejar
a lei para encontrar
o Direito e fazer Justiça
equívoco. Há o interesse político em retirar um instrumento
de atuação do MP, que é perfeitamente legítimo e constitucional; e há o interesse óbvio
na impunidade, daqueles que se
sentem investigados pelo MP.
O MP, quando realiza uma
investigação, sempre contrapõe-se a interesses poderosos,
interesses políticos e econômicos (lavagem de dinheiro,
improbidade). Portanto, há
este interesse pessoal de fugir
de uma responsabilização penal. Tudo isso está permeado
por uma questão grave e tem
um grave equívoco de interpretação, porque não há dúvida de que da Constituição
Federal decorre lógica e, obviamente, a possibilidade do
MP investigar.
A PEC 37 é inconstitucional.
Se ela for aprovada, nós estaremos em face de uma norma
constitucional inconstitucional.
No entanto, a simples discussão da PEC, na minha ótica, já
é inadequada, porque ela sugere que a Constituição não
permite, quando sabemos que
permite. O Supremo está em
vias de declarar que sim.
Então, o que permeia essa discussão, junto destes interesses
todos, é um grave equívoco de
interpretação da lei.
O que o Sr. achou do anteprojeto do Código Penal
apresentado. Atende às principais reivindicações da sociedade? Quais pontos deveriam ser aprimorados?
O Ministério Público de São
Paulo já constituiu uma comissão para apresentar propostas e sugestões. Cabe ao
legislador penal selecionar
adequadamente os bens jurídicos que merecem ser tutelados e realizar um trabalho
de codificação. Sou favorável
a codificação de boa parte,
senão de tudo, que hoje é legislação penal extravagante.
Já não é mais o Direito Penal
do Código Penal, é quase que
um direito penal em capítulos, porque tem muitos tipos
penais espalhados. Isso é ruim,
porque dificulta a aplicação da
lei penal e, em última instânFórum j u r í di co
35
perfil
Márcio fernando elias Rosa
cia, gera a insegurança jurídica
e descrença na sua aplicação.
O Ministério Público, porque
é o titular da ação penal pública e, ao mesmo tempo, o órgão
controlador externo da atividade policial, possui o privilégio de atuar da investigação até
a execução da pena.Tal visão
de todas as fases permite que
tenhamos uma melhor compreensão deste fato. Por isso,
precisamos reunir a legislação,
trabalhar pela codificação e
excluir algumas contradições.
Nos tempos atuais, temos que
trabalhar para isso, e temos que
ser mais seletivos na escolha dos
bens jurídicos que devem ser
tutelados. Não há dúvida, é a
vida, patrimônio, honra e propriedade. Devemos ser econômicos nas descrições desses tipos, por que, talvez, comecemos
a fortalecer o ramo do Direito
Administrativo
sancionador,
quer dizer, vamos punir condu-
A defesa da
moralidade
é um direito
36
Fórum j urí di co
tas que não constituem crimes
com intervenção do Estado, por
meio de intervenção de atividades, bloqueios, impedimentos
de bens, multa e deixar a justiça
penal para aquilo que de fato
constitui crime grave.
Não esqueçamos nunca que estamos em um regime de liberdades. A intervenção do Estado,
a pretexto de punir condutas
delituosas, tem de ser nos marcos da legalidade, senão você
fortalece o Estado e isso também não é bom.
Em junho completou-se 20
anos da Lei de Improbidade
Administrativa. Quais os principais avanços obtidos nesse
período? Como a sociedade
pode colaborar com o MP
para a plena aplicação da lei?
A Lei de Improbidade talvez tenha sido o primeiro instrumento legal que ajudou a reescrever
a história republicana brasileira
pós 1988, no campo da moralidade. Depois, tivemos a Lei de
Responsabilidade Fiscal, agora
a Lei de Acesso à Informação. E
vão surgindo novos.
A Lei de Improbidade possui
a grande virtude de descrever
como ilícita a conduta daquele
que aufere vantagem econômica
com o enriquecimento ilícito,
daquele que causa prejuízo ao
patrimônio público e daquele
que viola princípios. Isso é absolutamente novo, só passou a
existir a partir de 1992. Durante
toda a história do Brasil, corrupção e improbidade eram obter
vantagem econômica. O que
não é verdade, porque comete
corrupção quem causa prejuízo
para o patrimônio público.
Logo, quais foram os grandes
avanços? A Constituição no art.
129, que deu ao MP a legitimidade para o inquérito civil e
defesa do patrimônio público,
e depois a Lei n. 8429, que revogou as anteriores e passou a
admitir outras duas espécies de
improbidade. Era impensável
no Brasil, por exemplo, há 20
anos, imaginar a suspensão de
direitos políticos de ímprobo.
Era impensável a condenação
por nepotismo - contratar parentes era uma característica da
administração brasileira. Quando isso muda? Muda a partir
de 1988 - sobretudo a partir
de 1992 -, quando se criou este
instrumento de defesa da moralidade. A defesa da moralidade é
um direito fundamental do cidadão, está no artigo 5º associado à ação popular, mas constitui
um direito fundamental do cidadão. Direito à administração
proba, à administração honesta.
Este foi o grande avanço.
No que se refere à colaboração
para a plena aplicação da lei, o
MP depende substancialmente
da atuação independente do
Tribunal de Contas, da atuação
das entidades da sociedade civil e das associações, porque são
eles que trazem a notícia.
Hoje, aqui em São Paulo, há
uma intensa campanha para
a aplicação da Ficha Limpa na
sua inteireza, já nessa eleição
Como o MP de São Paulo
vê a Lei da Ficha Limpa e
qual a sua importância para
nossa democracia?
Este é um outro instrumento
essencial para podermos viver,
de fato, em um Estado republicano. Nós temos duas preocupações, a República e a
Democracia. É típico da República a absoluta ausência da
administração, do Governo e
do Estado. Transparência é a
ausência de qualquer espaço
para irresponsabilidade.
A Lei da Ficha Limpa tem essa
ambição, porque quer levar ao
conhecimento de todos e impedir a elegibilidade de quem
já tenha sofrido condenações
por um tipo específico. Impede que tais indivíduos integrem o Governo; impede
que exerçam mandato popular,
porque não está, segundo critério da lei, em condições de
realizá-lo. O MP apoiou e participou do projeto. Hoje, aqui
em São Paulo, há uma intensa
campanha para a aplicação da
Ficha Limpa na sua inteireza,
já nessa eleição.
Nós criamos aqui o Disque-Denúncia Eleitoral, que está
funcionando junto com duas
entidades da sociedade civil,
Movimento de Combate a
Corrupção Eleitoral (MCCE)
e Pensamento Nacional de Bases Empresariais (PNBE), e o
mote é justamente este: a aplicação irrestrita da Lei da Ficha
Limpa, é isso que nós precisamos fazer.
Fórum j u r í di co
37
perfil
No que tange à recente polêmica envolvendo os precatórios dos desembargadores do Tribunal de Justiça de
São Paulo, quais as principais dificuldades encontradas pelo MP para a investigação e posterior repressão
das irregularidades eventualmente descobertas?
Não há, neste momento, qualquer dificuldade. O passo inicial é o mais difícil. Delimitar
exatamente o fato a ser investigado. Esse é o cuidado que se
deve ter quando se inicia uma
investigação: qual fato a se investigar. Jamais podemos, em
qualquer caso, investigar fatos
indeterminados. A partir daí,
não há dificuldades algumas,
porque o Tribunal de Justiça
colabora, coopera.
Portanto, tudo aquilo necessitado pelo MP tem sido obtido. Todos os esclarecimentos
necessários têm sido obtidos
do Tribunal, que não esboçou
e não vai esboçar - eu tenho
certeza -, nenhuma reação
contrária, porque o TJ, mais do
que ninguém, sabe que este é o
campo de atuação do MP, este
é o nosso papel. O TJ é o primeiro a sempre se posicionar
de maneira respeitosa em relação a este espaço do MP.
Recentemente o STF declarou a constitucionalidade da
criação de varas colegiadas
especializadas na repressão
38
Fórum j urí di co
Márcio fernando elias Rosa
Há formas
de atuação
integrada
no MP
ao crime organizado em Alagoas. O Sr. considera que essa
estrutura pode ser aproveitada no MP para aprimorar a
segurança de seus membros,
quando lidam com essa espécie de criminalidade?
Para o crime organizado, o MP
de São Paulo tem uma atuação
histórica muito positiva. São os
grupos de atuação GAECO,
que começaram em São Paulo,
ao lado da promotoria de justiça criminal.
A grande vantagem é que esse
grupo foca-se em uma só forma
de repressão, que é o crime organizado, enquanto que a promotoria atua em todas as áreas.
Ambos conseguem conservar
muita eficiência - as promotorias de justiça mais e os grupos
menos, porque eles trabalham
de maneira mais seletiva.
O modelo de criação de promotoria de crime organizado
ou de vara especializada em
crime organizado tem as suas
vantagens e desvantagens. A
desvantagem é que você acaba
pessoalizando os juízes e promotores que atuarão e nem
sempre isto é adequado, porque o profissional acaba sendo
facilmente identificado.
Nessas hipóteses em que há
gravidade extraordinária, eu
prefiro que a atuação seja a
mais despersonalizada possível.
Quem atua é o MP de SP, até
porque o MP é feito da atuação
de todos os promotores, não
de um ou dois. Quanto menos
personalizadas forem as atua-
ções do MP, melhor será. Melhor para o profissional e melhor para a elucidação do crime.
O princípio da independência funcional, garantidor da
autonomia dos Promotores
e Procuradores, impede uma
atuação mais conjunta dos
membros do MP na elaboração de teses de acusação?
A independência funcional
é uma característica de todo
agente político, porque estes
atuam segundo seu convencimento pessoal. Não é possível
imaginar que o Promotor de
Justiça ou o Juízo de Direito
não possam atuar permanentemente com independência,
porque ela é essencial para a
formação de suas convicções.
Mais importante que uma atuação integrada é a atuação segundo a sua convicção. Transponha isso para o Judiciário,
imagine o juiz sendo obrigado
a decidir em um sentido ou em
outro sentido porque a administração superior, o tribunal,
fechou uma tese. Tenho uma
Ministério público de São Paulo nas redes sociais
O Ministério Público de São Paulo disponibilizou duas novas ferramentas para a comunicação com a sociedade: o facebook e o twitter:
www.facebook.com/ministeriopublicodoestadodesaopaulo
www.twitter.com/mpsp_oficial
visão refratária da súmula vinculante por conta disso. O que
moderniza o Direito? A nova
interpretação. Se você torna
isso estagne, e interdita qualquer posicionamento contrário,
você não renova o Direito.
Porque somos extremamente favoráveis à independência
funcional? Primeiro, porque
ela é a essência do promotor
de justiça, é a vida do promotor, e mais, é o oxigênio, o que
garante que ele viva como o
promotor. A possibilidade de
atuar liberto de qualquer interferência externa. Segundo, ela não impede a atuação
uniforme. O que precisamos é
criar um instrumento de aproximação, porque se a tese for
legítima, ou seja, quando ela é
democraticamente discutida e
construída, nada impede que
todo mundo trabalhe no mesmo sentido. Nós começamos a
fazer isso.
Criamos uma rede de atuação
integrada na área do meio ambiente em todo o Estado, uma
rede de atuação integrada no
campo de direitos sociais. Nós
temos um núcleo na região de
Ribeirão Preto que é espetacular. Agora estamos criando
para a violência doméstica.
Há formas de atuação integrada
do MP, porque há o princípio
da unidade. E qual é a ideia de
unidade? É todo mundo falando a mesma língua, mas respeitando, sobretudo, aqueles que
fazem um discurso diferente,
porque pode ali estar o acerto.
Pode estar na discordância a renovação do Direito. n
Nessas hipóteses em que há
gravidade extraordinária, eu
prefiro que a atuação seja a
mais despersonalizada possível
Fórum j u r í di co
39
e n t r e v i s ta
Pa u l o d e B a r r o s C a r va l h o
Emérito
*
puquiano
elisa de oliveira / Coordenação: raquel arruda soufen / Fotos: Wagner Tetsuo
Graduado pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo em 1967, Paulo de Barros Carvalho é uma
personalidade expoente do mundo jurídico-acadêmico. Mestre,
doutor e livre-docente em Direito Tributário pela PUC-SP. Especialista em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio
Vargas de São Paulo. Mestre em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo. Professor Emérito e Titular da PUC-SP e
da Universidade de São Paulo, onde coordena o Programa de
Pós-Graduação. É presidente do IBET – Instituto Brasileiro de
Estudos Tributários, presidente de honra do IGA-IDEPE – Instituto Geral Ataliba e Instituto Internacional de Direito Público
e Empresarial, presidente da Editora Noeses, diretor e membro
do Conselho Editorial de várias revistas, como a Revista de Estudos Tributários, Revista de Direito Tributário e a Revista de
Direito Público. Pertenceu aos quadros do Ministério da Fazenda, tendo exercido o cargo de Presidente de Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes.
Professor Emérito
Paulo de Barros Carvalho
* Existem apenas duas personalidades que receberam a titulação de "Eméritos" pela
PUC-SP: Celso Antônio Bandeira de Melo e Paulo de Barros Carvalho.
Fórum j u r í di co
41
e n t r e v i s ta
Pa u l o d e B a r r o s C a r va l h o
atualidades jurídicas
Atualmente, o Brasil cresce no cenário internacional.
Mesmo com a crise econômica, a economia brasileira
continua em expansão. Isso
tem grande impacto no Direito Tributário brasileiro?
Muito impacto. Impacto interno, porque o universo de contribuintes vai, não só, se expandindo, aumentando, como vai
se fortalecendo, as pessoas vão
ficando mais ricas; o número
de milionários vai aumentando,
bem como o número de empresas mais expressivas em termos econômicos/financeiros, e
o tributo vive disso. Além disso,
muitas empresas brasileiras estão expandindo-se para outros
países, o que é um problema
tributário também, pois a legislação não estava preparada para
isso, estava apenas preparada
para defender a empresa nacional contra a força das empresas
estrangeiras, que vinham para o
Brasil e concorriam em desigualdade de condições.
Agora há muitas empresas
nacionais que estão fora do
Brasil, a Petrobrás é uma delas, a Vale e outras. Isso cria
42
Fórum j urí di co
uma outra perspectiva para
os exames tributários. Afinal,
esse dinheiro que está lá fora,
é ganho lá fora. O que fazer?
Como fazer? Há uma série de
implicações no campo do direito tributário.
Nós somos um dos países
com a maior carga tributária
do mundo. Ao seu ver, essa
política tem que mudar?
A carga tributária brasileira é
uma carga tributária grande.
Há países com cargas tributárias mais intensas, mais fortes.
No entanto, o nosso sistema
é muito bom. Tenho dito isso
com certa insistência. Nosso
sistema jurídico tributário é
muito bom, o que não quer
dizer que ele funcione para o
bem. Há uma série de princípios constitucionais que deveriam ser aplicados e acabam
não sendo. Há uma série de
críticas nesse sentido. Sou contra reformas estruturais.
Acho que devemos reformar
alguns pontos do sistema e não
fazer uma reforma total. Eu integro a Comissão Senatorial do
Pacto Federativo que está trabalhando numa Reforma do
Sistema Federativo. Trata-se de
um grupo notável, são 14 membros - 4 juristas, 4 economistas,
4 cientistas políticos e mais 2
técnicos importantes - que estudam o Pacto Federativo e o
que está o ameaçando. Diria que
o que está ameaçando o Pacto
Federativo hoje é a guerra fiscal do ICMS; são as disputas dos
royalties de petróleo, nas quais
os estados estão disputando qual
deles fica com mais; o fundo de
participação dos estados e a renegociação da dívida dos estados com a União. A Presidente
da República e o Presidente do
Senado elegeram esses quatro
pontos como os que estão ameaçando a estabilidade da Federação Brasileira e compuseram
esse grupo, chamado de grupo
dos especialistas ou dos notáveis,
que se reúne em Brasília para
discutir esses temas.
Como a guerra fiscal pode
ser combatida?
Há uma série de tentativas de
combate à guerra fiscal, uma
delas é a Comissão Senatorial
do Pacto Federativo, encarregada de estudar o problema
da guerra fiscal e indicar remédios, meios para evitá-la. A
guerra fiscal do ICMS é a mais
importante, mas há a guerra
fiscal do ISS e a guerra fiscal
do IPVA. Uma série de medidas já estão sendo pensadas,
discutidas e trabalhadas para
serem implantadas.
O Senhor acredita que a
edição de uma súmula favorecerá esse sistema?
Poderia eventualmente favorecer um ponto ou outro. Mas o
que estamos fazendo nessa Comissão é uma reestruturação da
Lei Complementar nº 24, de
1975, que trata dos convênios e,
portanto, dos incentivos fiscais,
isenções e etc. do ICMS.
O Senhor pode falar um
pouco sobre os demais pontos abordados nessa Comissão que integra?
Os outros pontos são: as disputas dos valores correspondentes aos royalties de petróleo entre estados produtores
e estados adjacentes – estes
não são produtores, mas sofrem o impacto da produção
e dos problemas ambientais.
Os estados não produtores
de petróleo também querem
participar dos royalties. Há
também o fundo de participa-
ção dos estados, cujo problema foi a partilha do fundo entre os estados, que era feita de
maneira a destinar 85% para
os estados do nordeste, norte e
centro-oeste e 15% para os estados do sul e sudeste, porque
estes precisariam menos. Mas
esses valores arrecadados, que
vêm do IR, do IPI e etc., não
têm critério no que concerne
à distribuição entre os estados
da região. O STF decidiu que
até o final do ano tem que ser
estabelecido um critério. Se
não, essas distribuições não serão feitas. A partir de janeiro de
2013 não haverá mais distribuição das verbas se não se encontrar um critério, e nós estamos
discutindo esse critério.
A renegociação da dívida dos
estados também é um dos
itens. Nesse caso o problema
consiste no fato de os juros no
Brasil estarem caindo. Os juros quando essas dívidas foram
contraídas eram bem altos, o
Brasil estava em um momento
histórico e econômico diferente. Os estados têm pleiteado
o reajuste dos juros para os dias
atuais. Qual é o critério? Quais
índices adotar? É isso que a
Comissão está estudando.
divulgação
Nosso sistema jurídico tributário é muito bom, o que
não quer dizer que ele funcione para o bem.
Capa do livro Curso de Direito
Tributário (Ed. Saraiva, 2012)
Fórum j u r í di co
43
e n t r e v i s ta
Pa u l o d e B a r r o s C a r va l h o
Travar contato com a linguagem é um modo
de se explorar o texto e interpretá-lo.
Essa Comissão deve atender
a algum prazo?
Até o dia 12 de setembro
deste ano nós temos que terminar os trabalhos, apresentando as propostas.
gem, ato administrativo sem
linguagem, contrato sem linguagem, de maneira que travar contato com a linguagem
é um modo de se explorar o
texto e interpretá-lo.
Filosofia
A abordagem da filosofia e a
questão da linguagem, principalmente no âmbito tributário, foram de primordial
importância para o reconhecimento de suas publicações
no mundo jurídico. O Senhor
teve alguma dificuldade para
inovar dessa maneira?
Senti muita dificuldade, porque tive que estudar muito, filosofia não se aprende de um
dia para o outro. Filosofia é reflexão perante a vida, perante
a existência. Não é um livro
que se estuda, nem dois, nem
três, nem dez. É uma atitude
que a pessoa assume perante a
existência e vai mantendo essa
atitude. Percebi que se quisesse
me aprofundar em direito tributário e em qualquer campo
do Direito – e isso estende-se
a tudo mais, para a Economia,
Política, Antropologia, etc. –
teria que fazer reflexões sobre
o Direito: “o que é o Direito?”, “Como ele se apresenta?”
Em suas publicações o senhor frisa muito o pensamento filosófico, a lógica
jurídica e a teoria da linguagem. Porque optou por estudar esses temas?
O Direito apresenta-se na
forma de linguagem. Onde
houver Direito, haverá uma
linguagem por meio da qual
o Direito será expresso, de tal
modo que se você tirar a linguagem, por exemplo, do Código Civil, o que resta? Resta a
capa, restam as folhas brancas.
Então digo que o mais importante é a linguagem. Mas qual
linguagem? Hoje existem as
teorias da linguagem. Existe a
semiótica, que é a teoria geral
dos signos, e esse é o meio de
se explorar qualquer documento. No campo do Direito
é impressionante, porque não
existe sentença sem linguagem,
não existe acórdão sem lingua44
Fórum j urí di co
etc. Isso é Filosofia do Direito.
Quando se pergunta sobre o
objeto que estamos examinando ou tentando conhecer, estamos no campo da epistemologia, que é a teoria geral do
conhecimento científico (uma
parte da filosofia).
Na medida em que fui me deparando com isso, verifiquei
que o aprofundamento jurídico está na razão direta da reflexão filosófica. Foi por isso que
enveredei por esse caminho.
Essa linha de pensamento
apresentou dificuldade para
ser aceita no mundo jurídico?
Foi difícil. Digo sempre que
hoje em dia é fácil irradiar no
Direito essas posições mais filosóficas que tomamos. No
começo, quando fui apresentar
uma tese para titularidade em
outra faculdade, já como professor titular da PUC, houve
um clima de muita expectativa.
Eu vinha com essas orientações
de filosofia a que me referi; estudando o direito tributário,
mas refletindo filosoficamente
sobre ele. Quando apresentei
a tese com o tema “Fundamentos Jurídicos da Incidência”, lembro-me que essa tese
causou muito impacto, porque
dizia que a realidade era composta pela linguagem, que havia uma diferença entre fato e
evento (evento é o que ocorre,
mas não está passado em linguagem própria e o fato está
sempre passado em linguagem
própria com o verbo no passado). Quando isso foi apresentado, houve uma reação muito
grande – mesmo tendo me saído muito bem no concurso.
po de estudos tem mais de 27
anos ininterruptos, aliás, há até
um livro comemorativo de
seus 25 anos - habituei-me a
defender, a fundamentar as minhas proposições e discutia isso
com os integrantes, estes foram
também se fortalecendo nessas posições e daí surgiu uma
doutrina e uma escola, que se
chama hoje Constructivismo
Lógico-Semântico.
pós-graduação
Até hoje é bem discutido o
seu posicionamento a respeito do fato gerador e o
fato de essa terminologia ser
equivocada. O que o Senhor
pensa sobre isso?
Na época em que criei a teoria
senti-me numa posição difícil,
porque não adiantava discutir
ou brigar. Eu vi que precisava
ouvir atentamente as questões,
as críticas e depois tinha que
pensar nelas, para saber como
responder a elas. Foi nesse
exercício de ouvir atentamente, recolher as críticas e depois
ver como poderia esquivar-me
delas, que eu fui fortalecendo cada vez mais essa posição.
Como sempre lidei com grupo de estudos – o nosso gru-
Qual a sua percepção do programa de Pós-Graduação da
PUC. Temos um diferencial?
A PUC é uma das pioneiras em
termos de programa de Pós-Graduação no Brasil. Com a
abertura que o Ministério da
Educação e Cultura propiciou, nós começamos o curso
de Pós-Graduação em Direito,
que sempre foi o curso mais
difundido no Brasil. É aberto a
todos os estados do Brasil, não
se circunscreve a advogados,
promotores, enfim, juristas,
apenas de São Paulo, recebe
estudantes do Piauí, Alagoas,
Rio Grande do Sul, Paraná, de
todo o Brasil. Isso deu um caráter nacional ao curso de PósFórum j u r í di co
45
e n t r e v i s ta
Pa u l o d e B a r r o s C a r va l h o
A PUC é uma das pioneiras em termos de
programa de Pós-Graduação no Brasil.
-Graduação da PUC, sendo o
curso mais expressivo no que
concerne a essa participação
de outros estados.
O lato sensu começou de uma
forma brilhante, porque Geraldo Ataliba era o reitor e tinha
muita iniciativa nesse campo.
Ele trazia professores de fora;
“Quem são os professores
bons da Europa?”; “Quem é o
catedrático de Roma? Micheli, pronto. Então vamos trazer.”. Geraldo Ataliba, como
reitor, dava condições para que
nós trouxéssemos professores.
Convidávamos o professor,
que dava aulas e depois havia
discussões. Isso foi chamando
a atenção de vários centros no
Brasil, atraindo estudantes para
cá. Houve pessoas ilustres que
estudaram aqui nesses tempos.
Uma delas foi o senador Dornelles, que era Procurador-Geral
da Fazenda Nacional, e vinha do
Rio de Janeiro com mais não sei
quantos procuradores, todos os
sábados, para estudar no Pós-Graduação lato sensu.
O stricto sensu é excelente. Tem
nota 6, que é a maior nota.
Quer dizer, a maior nota é 7,
mas nota 7 ocorre só naqueles
casos em que se trata de pon46
Fórum j urí di co
to de referência internacional,
quando têm estudantes de vários lugares do mundo, como
ocorreu com o Professor Paulo Freire em termos de Educação. Em Direito não existe
nenhum curso com nota 7.
O que o Senhor pensa a respeito da realização de doutorado no exterior?
Tenho um ponto de vista bem
peculiar com relação a isso.
Porque quando a pessoa vai fazer doutorado, ela já está num
certo ponto da vida, em que se
torna difícil ir para o exterior.
A pessoa já se casou, o marido
ou a esposa trabalha em determinado lugar. Há filhos. Ir
para o exterior torna-se algo
muito difícil. O retorno não é
excepcional, o aluno pode estudar aqui aquilo que gostaria
de estudar lá. Com a internet
e os novos recursos tecnológicos, hoje a pessoa conhece
o que quiser.
Mas para muitos isso é algo
importante, porque se passa
um tempo fora estudando em
outro ambiente, desarticula-se
da vida normal aqui e passa-se
a ter que estudar, já que se está
em um ambiente estranho,
não se conhece muita gente.
Não creio, no entanto, que
seja algo decisivo, sabe? Outra
coisa, se a pessoa já está encaminhada na vida profissional
aqui, esse intervalo de tempo
pode prejudicá-la, porque ela
sai da mídia profissional, desaparece e quem não está presente, não é notado.
mundo puc
Primeiramente, gostaríamos
de saber qual é o seu sentimento pela faculdade?
Bem, eu fui criado na PUC. Estudei na PUC, depois continuei
nesta faculdade como professor
voluntário, lecionava ajudando
outros professores. Em 1970
– veja quanto tempo, são 42
anos – fui nomeado professor-assistente do Professor Geraldo Ataliba de direito tributário.
Nesta mesma época, o Michel
Temer também era assistente
dele, em Direito Constitucional. Desde então, fui prestando
todos os concursos.
Eu fiz apenas um curso em
outra faculdade, que equivaleria ao mestrado. Era o curso
de especialização em direito
comercial, de dois anos de du-
ração. Isso deu-me a possibilidade de fazer o doutorado na
PUC. Em seguida, fiz a livre-docência na PUC e o concurso para titular da casa.
O Senhor, apesar de ter feito
essa especialização em outra
faculdade, na área de Direito
Comercial, resolveu migrar
totalmente para o Direito
Tributário.
Sim, porque na época eu pertencia ao Ministério da Fazenda e trabalhava com tributos,
de modo que fui me aperfeiçoando em tributos. Era o que
correspondia à minha atividade profissional.
O Senhor sempre pensou
em seguir carreira acadêmica, ou foi algo que foi acontecendo em sua vida?
Smpre imaginei.
Que conselho o Senhor daria para aquele estudante que
quer seguir a área acadêmica?
O conselho é que continue na
Academia. Por exemplo: forme-se, e continue fazendo especialização na COGEAE, ou
no IBET (sendo a área de direito tributário) e depois siga para
o Mestrado. Antigamente era
mais fácil entrar no Mestrado,
hoje a procura é muito grande.
Por fim, gostaríamos que falasse para os leitores da nossa Revista o que pensa sobre
a faculdade, se foi bom para
o Senhor passar por ela, se
é bom permanecer ligado a
ela de alguma forma, como
no programa de Pós-Graduação, ou andando pela faculdade. O que isso representa
para o Senhor?
Para mim a PUC representa
muito, porque, como disse, fui
criado lá. Comecei há muitos
anos na PUC e, sem parar, fiz
todo esse percurso, concluí
essa trajetória. De modo que,
sou até suspeito para falar sobre isso, eu acho a PUC ex-
celente. E tenho experiência
em outras faculdades também,
passei 12 anos lecionando em
outra faculdade como professor titular. Noto que há uma
diferença. A PUC tem uma vis
atractiva. As pessoas se reúnem
lá dentro da PUC mesmo,
ou nos barzinhos em volta,
ou nas lanchonetes de dentro, circulam pelos corredores; de modo que a PUC tem
um encanto todo especial. A
PUC tem esse caráter nacional, que outras faculdades não
têm. Recebe alunos do Piauí,
do Pará, do Rio Grande do
Sul, da Bahia, como Tácio
da Gama, do Rio Grande do
Norte, como Robson Maia
Lins, ambos atualmente professores da PUC e integrantes
do nosso escritório. n
Fórum j u r í di co
47
Áreas do Direito
Direito desportivo
área
Por dentro da
Coordenação: Otávio Augusto Bressan Cruz
Redator: Reginaldo Penezi Júnior / fotos: Arquivo Fórum Jurídico
Com o mercado
jurídico-desportivo
em franca
expansão, o
Direito Desportivo
representa um vasto
ramo de atuação
para advogados
Estádio do Pacaembu,
fundado em 1940
48
Fórum j urí di co
Talvez nunca um ramo jurídico tenha crescido tanto como
o Direito Desportivo.
Desde 1998 – ano da promulgação da Lei Pelé –, aumentou-se consideravelmente o número de profissionais do esporte
e, consequentemente, o conjunto de leis referentes a atividades
desportivas também ampliou.
Nesse contexto, algumas
faculdades de Direito já colocam o Direito Desportivo
entre as disciplinas optativas
do curso, oferecem especialização na área e promovem
painéis e debates em torno do
tema. Atual­mente, a Pontifícia
Universidade Católica de São
Paulo conta com renomados
juristas dedicados à matéria,
como o professor Roberto
Armelin, bacharel e mestre em
Direito Processual Civil pela
PUC-SP e um dos coordenadores do curso de Direito
Desportivo da Faculdade.
Entretanto, apesar da expansão do mercado jurídico-desportivo, há um reduzido
número de profissionais militantes nessa área relativamente
nova, que fica ainda mais atraente em razão da iminência dos
grandes jogos mundiais que o
Brasil sediará.
Nesse cenário, percebe-se
que por trás da aparente simplicidade do esporte existe uma
complexa legislação, além de
um gigantesco volume de receitas que o envolve.
Entre os principais temas de
direito desportivo, está a relação trabalhista entre clubes e
atletas, assuntos relacionadas ao
direito de arena e de imagem,
questões referentes ao doping,
entre outros.
A atuação na área do Direito Desportivo, portanto, trata-se
de um desafio, eis que exige do
profissional um conhecimento
amplo do Direito.
Fórum j u r í di co
49
Áreas do Direito
Os indivíduos têm
o direito público
subjetivo de demandar,
em face do poder
estatal, prestações
que lhes permitam o
exercício do desporto
Em seguida, são apresentados alguns aspectos legais sobre
matéria desportiva, além da legislação referente aos grandes
jogos mundiais.
Regulamentação
do Direito Desportivo
O Direito Desportivo pode
ser dividido, para fins didáticos,
em Direito Desportivo Privado e Direito Desportivo Público. O primeiro consiste nas
normas emanadas de associações, federações ou organizações desportivas, sendo que o
segundo diz respeito ao conjunto de normas desportivas
provenientes do Estado.
A Constituição Federal, no
seu art. 24, IX, defere à União
o poder de editar normas gerais sobre desporto. Com efeito, existem três leis que, agrupadas, poderiam formar, por
assim dizer, um “Código de
Direito Desportivo”, a saber:
a Lei n. 9.615, de 24.3.1998,
50
Fórum j urí di co
Direito desportivo
também conhecida como “Lei
Pelé”, que institui normas gerais sobre desporto; a Lei n.
10.671, de 15.5.2003, que estabelece normas de proteção
e defesa do torcedor; e a Lei
n. 11.438, de 29.12.2006, que
trata dos incentivos e benefícios para fomentar as atividades de caráter desportivo.
Além dessas leis e de outros
diplomas que versam especificamente sobre matéria de Direito Desportivo, é importante
lembrar que este ramo jurídico
também se relaciona com diversas outras normas que, encontradiças em outras searas do
Direito, aplicam-se subsidiariamente ao desporto.
A Constituição portuguesa
serviu de inspiração à nossa Lei
Maior de 1988, que, dentro do
seu título sobre a ordem social,
consagra o desporto ao prever,
no art. 217, caput, o dever do
Estado “fomentar práticas desportivas formais e não-formais,
como direito de cada um”.
O Estado brasileiro, portanto,
é devedor do cidadão quanto a
essa matéria, assim como o é em
relação à saúde e à educação. Por
força da mencionada previsão
constitucional, os indivíduos
têm o direito público subjetivo
de demandar, em face do poder
estatal, prestações positivas que
lhes permitam o exercício do
direito ao desporto.
A Constitucionalização
do Direito Desportivo
Lei Pelé
O fenômeno da constitucionalização do Direito Desportivo, ou seja, da inserção do
desporto no texto constitucional, tem diferentes aspectos no
direito comparado.
Deveras, enquanto nos países de regime fechado a previsão constitucional do desporto
se deu para servir de instrumento a serviço do Estado e
como forma de propagação da
ideologia dos seus regimes, as
Constituições dos Estados Democráticos de Direito estabelecem o desporto como direito
dos indivíduos, oponíveis contra todos e, sobretudo, contra o
próprio Estado.
A Lei n. 9.615, de 24.3.1998,
chamada de Lei Pelé, foi criada
com o fim de substituir a legislação anterior, batizada de Lei
Zico, e dar melhor trato sobre
a matéria desportiva.
Com noventa e seis dispositivos e bastante abrangente,
a Lei Pelé contempla normas
gerais sobre o esporte brasileiro; traça os princípios gerais
do Direito Desportivo e as
suas finalidades.
Entre as diversas inovações
trazidas pela Lei Pelé, destaca-se a extinção do instituto do
“passe” no futebol brasileiro,
que engessava o vínculo de trabalho entre o atleta e o clube e
era tido como escravagista, de
modo que interferia na liberdade de trabalho do esportista.
Entretanto, originaram-se
outros problemas na área futebolística, como a migração precoce de jogadores dos clubes.
Questão de relevo tratada
pela Lei Pelé é o direito de arena - espécie de direito de imagem -, consistente no montante
econômico devido ao jogador
pela sua participação em eventos desportivos televisionados.
Atualmente, debate-se acerca do art. 87-A da Lei Pelé,
novo dispositivo acrescentado pela Lei n. 12.395, de
16.3.2011, que inovou no
sentido de definir a natureza
da verba paga pelo uso e exploração de imagem – “de natureza civil”, de acordo com a sua
redação – e, ainda, por não apresentar critérios para a fixação do
pagamento devido ao atleta.
Estatuto do Torcedor
O conjunto normativo da
Lei n. 10.671, de 15.5.2003,
trata de inúmeros aspectos da
relação existente entre torcedores, clubes e organizadores
de espetáculos esportivos. Nesse
sentido, diz-se que ele funciona
como um “Código de Defesa
do Consumidor do Esporte”.
O Estatuto de Defesa do
Torcedor tem como principais
objetivos garantir a segurança
necessária nas arenas desportivas; combater a violência e a
criminalidade em eventos es-
Aspectos Principais da Lei Geral da Copa
Bebidas nos estádios
Marcas e Patentes
A lei não dispõe expressamente se
proíbe ou libera a venda de bebidas
alcoólicas nos estádios.
Diante disso, membros do Governo
interpretam que a venda é permitida, ao passo que outros parlamentares entendem que a permissão
para tanto dependerá da legislação
específica de cada Estado.
A marca da FIFA e dos símbolos
da Copa são protegidos pela lei.
Assim, empresas não patrocinadoras que fizerem publicidade
vinculada à Copa e venderem ingressos, bem como as emissoras que exibirem partidas, deverão indenizar a FIFA pelos danos
sofridos por esta entidade.
Ingressos
Responsabilidade Civil
Ao vetar dispositivo que previa
a inaplicabilidade das normas
municipais e estaduais sobre
descontos, a Presidente da República viabilizou a permissão
da venda de meias-entradas nos
jogos da Copa para quaisquer categorias de ingressos.
De acordo com a Lei Geral da
Copa, a União assumirá a responsabilidade civil por danos
decorrentes de incidentes ou
acidentes de segurança relacionados aos eventos desportivos.
Direitos de transmissão
dos jogos
É garantido à FIFA o direito de
indicar empresas autorizadas a
realizar a transmissão dos jogos
mundiais, inclusive a fazer a cobertura jornalística dos eventos.
Feriados e férias escolares
O texto prevê a possibilidade de a
União decretar feriados nacionais
as datas de jogos da seleção brasileira e, sobretudo, que os estados
e municípios declarem feriado os
dias de jogos realizados em seus
respectivos territórios.
Dos crimes
A lei tipificou, em seu capítulo VI, intitulado “utilização indevida de símbolos oficiais”, quatro infrações penais, que poderão ser imputadas
até 31.12.2014 e somente mediante representação da FIFA.
Entre as condutas tipificadas, estão a reprodução ou falsificação de
símbolos da FIFA, sendo que as penas previstas para cada tipo são de
detenção de três meses a um ano ou multa.
Fórum j u r í di co
51
Áreas do Direito
Direito desportivo
-se que tal incentivo não exclui
outros vigentes.
Copa do Mundo e
Jogos Olímpicos
Museu do Futebol: local
perfeito para quem gosta
não apenas de futebol,
mas, sobretudo, da
história do povo brasileiro
Existem três leis que,
agrupadas, poderiam
formar, por assim
dizer, um “Código de
Direito Desportivo”:
a Lei Pelé; o Estatuto
de Defesa do Torcedor
e a Lei Federal de
Incentivo ao Esporte
52
Fórum j urí di co
portivos; assegurar o acesso às
informações relativas aos jogos; resguardar a manutenção
da higiene nas dependências
dos estádios; garantir a qualidade dos gêneros alimentícios
oferecidos nos locais das competições; assegurar a presença
de equipes médicas para atendimento dos torcedores nos
ginásios; entre outros.
Lei Federal de Incentivo ao Esporte
A Lei federal n. 11.438, de
29.12.2006, foi criada com o
objetivo de estimular pessoas físicas e jurídicas a patrocinarem realização de projetos
desportivos e paradesportivos.
Como contraprestação a isso,
o Governo Federal concede
incentivos fiscais àqueles que
fomentam o desporto – frise-
Em meio a muitos debates e inquietações em torno
dos mega eventos desportivos
que se aproximam, duas leis
se destacam nesse repertório,
quais sejam, a Lei n. 12.633,
de 5.6.2012 – a Lei Geral da
Copa – e a Lei n. 12.462, de
5.8.2011, que instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas. Em seguida, apresentam-se alguns dos
aspectos mais importantes
desses diplomas.
Lei Geral da Copa
A Lei Geral da Copa vale
tanto para a Copa das Confederações de 2013, quanto para
a Copa do Mundo de 2014, e
foi editada com o objetivo de
assegurar o cumprimento das
garantias firmadas entre Governo Federal Brasileiro e a
Federação Internacional de
Futebol (FIFA).
A FIFA, após eleger o Brasil
anfitrião das competições mundiais de futebol, elencou uma série de exigências ao País, como
forma de garantir que os compromissos dela com parceiros e
patrocinadores sejam cumpridos. Entretanto, algumas das exigências feitas são incompatíveis
com a legislação brasileira.
Regime Diferenciado
de Contratações
A realização dos grandes
eventos desportivos a serem
sediados no País exige um
sem-número de obras infraestruturais e benfeitorias, as
quais o Estado brasileiro, consequentemente, comprometeu-se a executar.
Para tanto, o Brasil trava
uma verdadeira luta contra o
tempo e precisa, infalivelmente, ser pontual na concretização
do seu compromisso, já que
a conclusão intempestiva das
atividades necessárias e acessórias aos espetáculos mundiais
arruinaria a própria finalidade
pela qual foram concebidas as
competições internacionais,
que são periódicas, com datas
certas de início e término.
Tendo em vista simplificar
e dar celeridade aos procedimentos de licitação necessários à realização dos eventos
desportivos, foi instituído,
através da Lei n. 12.462, de
5.8.2011, o polêmico Regime
Diferenciado de Contratações
Públicas (RDC), a funcionar
paralelamente à Lei n. 8.666,
de 21.6.1993, que estatui normas gerais sobre licitações e
contratos administrativos pertinentes a obras e serviços.
Uma notória diferença entre o RDC e a Lei Geral de
Licitações concerne às fases de
licitação. Com ela, apenas a documentação de habilitação do
participante que apresentar a
melhor proposta será analisada,
o que torna o processo de licitação mais célere.
Regulamentado pelo Decreto Federal n. 7.581, de
11.10.2011, o RDC aquece o
debate doutrinário, acadêmico e jurisprudencial, porque,
entre outras razões, levanta
dúvidas quanto à constitucionalidade de alguns de seus
dispositivos. A obra Regime
Diferenciado de Contratações Públicas1, coordenada por Márcio
Cammarosano, Augusto Neves Dal Pozzo e Rafael Valim,
consiste em leitura fundamental para uma compreensão crítica sobre o tema.
No livro mencionado, um
dos apontamentos feito por
Roberto Dias e João Paulo
Ferreira2 diz respeito ao art. 6º,
caput e § 3º, da Lei do RDC,
que mitigam a publicidade dos
processos licitatórios, porquanto tais dispositivos preveem que
o orçamento estimado para as
contratações é sigiloso até o
término do procedimento licitatório, com acesso restrito
apenas aos órgãos instituídos
de controle, afastando a ciência
aos licitantes e à população em
geral, impedindo, dessa forma,
1 Regime Diferenciado de Contratações
Públicas – RDC (Lei n. 12.462/11; Decreto n. 7.581/11): aspectos fundamentais.
Márcio Cammarosano, Augusto Neves Dal
Pozzo e Rafael Valim (Coord.). 2ª ed. rev.,
ampl. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
2 Op. cit., p. 55.
o controle prévio dos atos administrativos pelo cidadão.
Essas são algumas questões
polêmicas do RDC, que sem
dúvida fomentará ainda mais calorosas discussões. Alguns aspectos da Lei n. 12.462, de 5.8.2011,
ainda são obscuros. Cabe aos
seus intérpretes iluminar o seu
conteúdo e traçar a verdadeira
exegese de seus dispositivos, a
fim de lhes dar, na prática, a melhor aplicação e conformidade
com o Direito posto.
Panorama Geral
Com o crescimento do Direito Desportivo, fica claro
que o desporto não é apenas
entretenimento. Além de ser
ferramenta eficaz de promoção
social, de viabilizar a melhoria
na situação financeira daqueles
que se profissionalizam no esporte, pode ser fonte de riqueza para o Brasil, ao atrair turistas interessados em assistir aos
grandes eventos desportivos.
Para promover um crescimento saudável do desporto
brasileiro, faz-se necessária uma
regulamentação específica. Algumas questões, entretanto, são
controvertidas e pendem de
julgamento no Supremo Tribunal Federal. Enquanto isso
não ocorre, incumbe à população analisar até que ponto a
consecução das políticas desportivas é salutar ao desenvolvimento do País. n
Fórum j u r í di co
53
CONSULTORIA
c l e a r y, G o t t l i e b , S t e e n & H a m i l t o n
Mundiais com
maestria
Giovanna Cezario / Coordenação: Filipe Facchini
Imagens fornecidas pelo cleary Gottlieb
Exercendo atividade em
14 países, a Consultoria
em Direito Estrangeiro
Cleary, Gottlieb, Steen
& Hamilton tem
costumeiramente sido
figura de destaque no
Direito Global
Na página ao lado,
sede do Cleary
Gottlieb localizada
em One Liberty
Plaza, Nova York
54
Fórum j urí di co
Cleary, Gottlieb, Steen &
Hamilton foi fundado após a
2ª Guerra Mundial, tendo seus
primeiros escritórios em Nova
York e Washington D.C. Desde o início, cultivaram a ideia
de ser uma firma global, de
modo que já em 1950 houve
a expansão dos negócios para a
Europa, com a participação no
Plano Marshall.
No entanto, na América Latina, a efervescência política dos
anos 70 e 80 fizeram com que a
firma não se estabelecesse na região. Passado este período, a firma atuou na aplicação de planos
de reestruturação de dívida e na
privatização de empresas em
países como Brasil, Chile e Argentina. Sua entrada efetiva no
mercado brasileiro se deu somente em 2011, visando alcançar as empresas que adquiriram
rapidamente grande relevância
no cenário internacional.
Pautados pela excelência na
prestação de serviços, o Cleary,
Gottlieb conquistou o mercado de 14 países na América,
Europa e Ásia.
Equipe
O escritório de São Paulo
é gerido pelos sócios Francisco Cestero e Juan Giraldez e
composto por seis associados.
Para fortificar a equipe durante
o ano, sócios americanos alternam-se em visitas ao escritório.
Assim, aliado àqueles integrantes que atuam virtualmente, ou
seja, à longa distância, a atuação
no Brasil e região abarca, pelo
menos, 30 associados, quatro
sócios estrangeiros e os dois sócios residentes no Brasil.
Fórum j u r í di co
55
CONSULTORIA
Representávamos
grandes multinacionais
brasileiras e fazíamos
isso de Nova York.
Somos os advogados
da Vale e da Petrobrás
e somos uma das três
firmas no painel do
BNDES para serviços
legais internacionais
c l e a r y, G o t t l i e b , S t e e n & H a m i l t o n
avaliação positiva, ocorrerá a
promoção do associado.
Plano de carreira
Para os brasileiros que se interessam em fazer parte da Equipe
Cleary Gottlieb, há a exigência
de se contratar apenas advogados
que tenham feito LL.M e que
sejam membros da BAR (Ordem dos Advogados dos EUA).
De acordo com o plano de
carreira, uma vez contratado
pelo escritório, o advogado
torna-se associado e, passados
oito anos, poderá se tornar advogado sênior, consultor ou sócio. Para tal promoção, após seis
anos como associado, o advogado submete-se a avaliações,
sendo que, somente no caso de
Prática
A prática do escritório brasileiro é pautada em duas linhas
gerais. A primeira visa oferecer um pacote de serviços ao
cliente global, que tem interesse em se estabelecer no Brasil.
A segunda é direcionada aos
clientes brasileiros que visam
expandir seus negócios para
além das fronteiras do país.
O pacote para os clientes estrangeiros oferece o suporte necessário para que estes adentrem
no mercado brasileiro.Também,
Linha do tempo
Abertura dos primeiros
escritórios em Nova Iorque e
Washington por quatro antigos
sócios de renovadas firmas de
advocacia em Wall Street, juntamente com advogados dos
departamentos de serviços do
pós-guerra dos Estados Unidos.
1946
Abertura do escritório em
Abertura do escritóBuenos Aires, primeira
rio em Roma. Suas
sede na América Latina.
principais práticas
envolvem antitruste,
fusões, aquisições e
mercado de capitais.
1971 Abertura do escritório
em Paris, iniciando o
longo processo de solidificação na Europa
56
Fórum j urí di co
1980
1991
Sala de reuniões do
escritório de São Paulo
1998
Abertura do escritório em Londres.
Seis anos depois, começaram a
atuar no direito inglês.
Abertura do escritório em Moscou.
Abertura do escritório
em São Paulo, visando
garantir maior presença nas transações
comerciais da região.
2009
2011
Abertura do escritório em Hong Kong,
caracterizando sua
expansão para a Ásia.
há suporte para a área de contencioso, como foi o caso do
Citibank vs. Opportunity/Daniel Dantas. Para tanto, o Cleary,
Gottlieb une forças com escritórios locais de grande renome.
Aos clientes brasileiros, o
principal serviço oferecido é a
administração da exposição das
empresas brasileiras no comércio
internacional. Este pacote trata
de assuntos como a necessidade
de captação de capital para financiamento, a entrada no mercado de capitais internacional, a
compra de ativos no mercado
internacional para a diversificação de receitas, entre outros.
A seguir, entrevista com
Francisco Cestero (sócio do
Cleary Gottlieb, que cuida da
firma brasileira juntamente
com Juan Giraldez).
Qual o diferencial do Cleary?
Nós nos consideramos como o
primeiro escritório verdadeira-
mente global. Na Europa, por
exemplo, nós temos escritórios
muito fortes que praticam a lei
local, não fazemos apenas consultoria. É o tipo de coisa que a
grande maioria dos escritórios
americanos não pode fazer,
porque sempre acabam ficando
muito americanizados, ao
contrário de nós, que somos
totalmente globais. E a diferença entre nós e os outros
escritórios é que temos o que
chamamos de Global Lockstep.
Lockstep quer dizer que todos os
sócios ganham o mesmo salário,
dependendo do tempo que estão na sociedade. Não seguimos
o sistema no qual cada um dos
sócios ganha pelo quanto trabalha, por quantos clientes tem,
como acontece aqui no Brasil e
nos Estados Unidos. Nosso plano de carreira resume-se a um
sistema de pontos pré-estabelecidos até a aposentadoria. Uma
coisa muito particular nossa é
que somos praticamente os únicos que aplicam esta regra globalmente. O sócio que fica em
Moscou, ganha o mesmo que o
sócio que está em Nova York,
São Paulo ou Londres.
Porque decidiram trazer seus
negócios para o Brasil?
Nós trabalhamos com o Brasil e
região há muito tempo. Somos
o primeiro escritório estrangeiro que entrou na América
do Sul, já há mais de 40 anos.
Representávamos grandes multinacionais brasileiras e fazíamos
isso de Nova York. Somos os
advogados da Vale e da Petrobrás e somos uma das três firmas no painel do BNDES para
serviços legais internacionais.
Nesse contexto, além de continuarmos no topo dos serviços
legais internacionais, também
percebemos que para penetrar
em um nível mais profundo,
não somente nas super estrelas
Fórum j u r í di co
57
CONSULTORIA
globais, mas em um próximo
nível de empresas, que estão se
tornando maiores e mais importantes, é essencial estar aqui.
Isso foi o que nos levou a abrir
o escritório brasileiro.
O Conselho Federal da OAB
definiu que Consultores em
Direito Estrangeiro não poderiam resolver questões sobre a legislação local.Como
o Cleary Gottlieb procede
quando recebe algo relacionado à legislação brasileira?
Nós recebemos várias questões
ligadas à lei brasileira. Nesses
casos, precisamos trabalhar com
um escritório brasileiro. Mas,
honestamente, fazemos isso
há muito tempo, então não é
um problema para nós. Temos
acesso aos melhores escritórios
brasileiros e sabemos a pessoa
certa para resolver cada tipo
de questão. Portanto, apenas
redirecionamos os clientes ou
trabalhamos junto com os ad-
c l e a r y, G o t t l i e b , S t e e n & H a m i l t o n
vogados brasileiros, nos casos
que tenham questões de direito
americano e brasileiro.
Estamos interessados na aplicação
correta da lei. Se esta será a regra, então que se aplique. O que
o Brasil faz hoje, restringindo a
prática da advocacia, costumava
ser a posição da Europa 30 anos
atrás. Pessoalmente, creio que, no
futuro, o Brasil terá um choque
e terá que fazer uma escolha de
quão global quer se tornar.
Apesar disso, para nós, o sistema
de agora funciona bem. Não
podemos competir em algumas
áreas, mas tudo bem. Nas áreas em que podemos competir,
há grandes negócios aqui para
serem feitos. Isso nos permite,
novamente, buscar esses grandes
advogados no Brasil e trabalhar
com eles quando precisarmos.
Como a Cleary Gottlieb opera com tantos sistemas jurídicos diferentes?
É claro que sempre precisamos
trabalhar com um advogado local muito bom, porque, às vezes,
existem armadilhas nas profundesas. Mas, os conceitos, em última análise, são bem parecidos.
Se você cria danos para alguém,
deve haver uma compensação.
Se não, o sistema não irá funcionar. Para saber como a compensação funciona, você deve ir aos
detalhes. Então, quando preciso
descer aos detalhes, tenho que
consultar um profissional da área.
O Brasil é diferente dos EUA
ou da Europa, mas no fim, tem
a mesma base. Nós, ocidentais,
somos baseados no mesmo
Código Romano, tudo vem da
mesma fonte. Desenvolvem-se
diferentemente, mas vieram
da mesma fonte. Talvez, Napoleão tenha alterado algumas
coisas, mas, no final das contas,
é a mesma coisa.
Pro bono já é uma tradição
nos EUA. Vocês podem fazer
isso no Brasil?
Prêmios
Law Firm Vault Guide to the Top 100 Law Firms, 2012
Top 10
Top 3
in Diversity Vault Guide to the Top 100 Law Firms, 2012
Innovative Law Firm Financial Times, 2011
U.S. Law Firm of the Year
Legal Business, 2011 e International Financial Law Review, 2011
Latin America Law firm of the Year
Chambers Global, 2012
Best Legal Advisor in Latin America Global Finance, 2012
58
Fórum j urí di co
Interior do
escritório de
Hong Kong
Certamente, podemos fazer
isso no Brasil. Nos EUA, existem muitas instituições que
apoiam o pro bono dos escritórios e os ajudam a administrar.
Na verdade, o sistema americano é todo organizado para permitir o escritório a fazer o pro
bono. Por isso, é muito fácil para
nós praticá-lo. Inclusive, temos
um grande sistema de pro bono
e já ganhamos muitos prêmios.
Aqui, é um pouco mais difícil.
Primeiro, porque o pro bono tende a ser sobre a lei local. Já que
não praticamos a lei local, é mais
difícil para fazermos pro bono.
Além disso, na América Latina, o pro bono parece ser muito
político. Isso é triste, porque
uma vez que o pro bono é visto
como forma de fazer política,
fica muito difícil para os
advogados ajudarem. Estamos
envolvidos
com
pessoas
que tentaram desenvolver o
sistema pro bono no Brasil, e
esperam que isso funcione,
porque realmente acreditam
neste projeto. Com esperança, vamos desenvolver mais e
mais. Mas novamente, as firmas
brasileiras têm mais chances de
fazer, uma vez que é algo muito pontual e regional.
Está presente no escritório o
perfil workaholic?
A indústria de serviços, e não
somente as firmas de advocacia,
infelizmente faz com que
você desista de determinados
estilos de vida. Você não está
em seu próprio negócio, você
serve outras pessoas. E, então,
quando um cliente liga num
sábado de manhã, e estou na
apresentação da minha filha,
eu simplesmente não posso
deixar de atender. Isso, infelizmente, é difícil. Mas, diferente de outros lugares, que
isto se torna uma medição do
seu comprometimento com
a firma; para nós, esta não é
uma medida. Quando nada
Estamos interessados
na aplicação correta
da lei. Se esta será a
regra, então que se
aplique. O que o Brasil
faz hoje, restringindo
a prática da advocacia,
costumava ser a
posição da Europa
30 anos atrás
Fórum j u r í di co
59
retranca
c l e a r y, G o t t l i e b , S t e e n & H a m i l t o n
duo tem que ser flexível, mas
todos temos que fazer escolhas. Isso tudo é uma escolha,
é uma escolha da vida.
Recepção do
escritório
de São Paulo
Além da dedicação
ao escritório,
encorajamos os
advogados associados
a escrever livros, fazer
pro bono, ser professor,
porque tudo isso
torna o associado um
advogado melhor
60
Fórum j urí di co
está acontecendo, vá para casa.
Mas, se a Grécia liga em meio
à crise financeira, vamos querer estar no topo da lista para
ajudá-los e, neste caso, temos
que trabalhar.
Além da dedicação ao escritório, encorajamos os advogados
associados a escrever livros,
fazer pro bono, ser professor,
porque tudo isso torna o associado um advogado melhor.
Pensamos que isso faz uma
atmosfera melhor. O que não
significa que o associado poderá sair do escritório às sete
horas da noite todos os dias.
Nós acreditamos que o indiví-
caderno de ideias
Qual o perfil ideal do advogado do Cleary Gottlieb?
Somos muito meticulosos. Então, nós recrutamos nas melhores faculdades de Direito.
Observamos diversos fatores.
Notas são muito importantes,
mas a habilidade de falar línguas estrangeiras também é.
Temos negócios globais, portanto se você souber falar mais
de uma língua, isso é um diferencial pra você. Também é
levado em consideração a habilidade do indivíduo em lidar
com pessoas. Mas, a coisa mais
importante é a base acadêmica.
Buscamos sempre pessoas que
estão no “topo do jogo”.
Pode-se dizer que os princípios fundamentais da firma
são diversidade e inclusão?
Como isso é feito na prática?
Sem diversidade e inclusão não
conseguiríamos ser globais.
Quero dizer, isso faz sentido
comercial para nós, porque
nos permite crescer na prática.
Agora, no sentido moral de diversidade, tentamos ser o mais
inclusivo possível. Procuramos
diversidade quando contratamos, isto é, sempre procuramos pelos grupos identificados
como a minoria, de pobreza e
etnia, à orientação sexual. n
artigos
A Revitalização do Contrato de Troca ou Permuta Giovanni Ettore Nanni
O Novo Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência Vanêssa Rodrigues da C. Pereira Fialdini
Comércio Eletrônico Luiz Phillip Nagy Guarani Moreira
Fernanda Costa
Desoneração da Folha de Salários Helga Klug Doin Vieira
Um Pouco de Europa Clarisse Laupman Ferraz Lima
Giovanna Filippi Del Nero
Fernanda Rizzo
Contratos Internacionais de Seguros - Breve Análise Gustavo Amado León
Antônio Márcio da Cunha Guimarães
As Duas Faces do Neoconstitucionalismo Pedro Mauricio Garcia Dotto
A Responsabilidade pela Ocupação de Áreas Públicas de Risco Mariana de Castro Abreu
Fórum j u r í di co
61
artigo
A revitalização do
contrato de troca ou
permuta: em prol da
problematização e da
formação crítica
Giovanni Ettore Nanni
Introdução
Alguns institutos do Direito Civil são tachados como vetustos e inúteis em razão da pequena relevância que lhes é atribuída pela doutrina clássica.
De fato, no contexto dos contratos tradicionais, aqueles comumente citados em exemplos de sala de aula, diversas figuras são pouco
utilizadas. Porém, isso não significa que padecem de completo esquecimento, relegados ao
desuso absoluto.
Na realidade, diante do grande desenvolvimento do mundo contemporâneo empresarial,
em que são pactuados sofisticados negócios jurídicos, muitos atípicos, os institutos de Direito
Civil passam a ser empregados em novas variantes, impulsionados pelo surgimento de complexas operações comerciais, societárias, imobiliárias etc., que transformam o cenário habitual e
exigem uma reflexão crítica.
O propósito do presente artigo, usando como
modelo o contrato de troca, é chamar a atenção
para a necessidade do estudo renovado do Direito Civil, fugindo-se dos arquétipos clássicos.
Assim, após explanação da tradicional ideia
acerca de referido contrato, exemplifica-se seu
emprego em algumas vertentes, revelando sua
importância no atual momento, concluindo pela
necessidade de se revisitar os conceitos tradicionais, em defesa da problematização.
Nota histórica e visão
tradicional da troca ou permuta
Giovanni Ettore Nanni é Mestre e Doutor em Direito
Civil pela PUC/SP. Professor de Direito Civil nos Cursos de Graduação e de Pós-Graduação Stricto Sensu na
PUC/SP. Presidente do Instituto de Direito Privado –
IDP. Advogado em São Paulo.
62
Fórum j urí di co
A origem da troca ou permuta coincide
com o surgimento do contrato e da noção de
obrigação. Na civilização antiga, as obrigações
eram preponderantemente coletivas, pactuadas dentro de cada grupo social em interesse
da comunhão.
Indica Clovis Bevilaqua1 que, dada a coesão
e a solidariedade dos grupos sociais primitivos,
são as relações que se travam entre eles, isto é, as
obrigações de grupo a grupo, de corpo social a
corpo social, que, realmente, iniciam a construção do direito das obrigações.
As obrigações, que nada mais eram do que
contratos, geralmente trocas, não eram contraídas por todos os membros da coletividade, mas
usualmente os chefes, na qualidade de gestores
dos negócios comuns, ou as pessoas por eles indicadas, que realizavam os negócios, obrigando
todos os demais integrantes.
Com o desenvolvimento dos grupos, é fato
histórico que antes do aparecimento da moeda,
as relações comerciais eram concretizadas mediante a troca dos mais variados produtos. É o
caso de permutas de objetos por outros, frutas,
animais, utensílios e tudo mais que se conseguisse realizar.
Clovis Bevilaqua2, entre várias formas de permuta existentes, cita um exemplo que ocorria na
Colômbia russa, em que o estrangeiro vinha depositar, na orla do mar, as mercadorias que desejava vender, e retirava-se em seguida. O indígena,
por seu turno, quando os estranhos desertavam
a praia, trazia os objetos que possuía e julgava
equivalentes, colocava-os ao lado das mercadorias ofertadas e retirava-se.Voltava o estrangeiro,
e, se a troca lhe convinha, carregava os objetos do
indígena, abandonando os seus; se, porém, não
lhe pareciam de valor suficiente a equipararem-se com as suas mercadorias, afastava-se novamente, deixando tudo em seu lugar, para que
o indígena viesse acrescentar alguma coisa ao
preço oferecido. Se não chegavam a um acordo,
cada qual se retirava para o seu lado, conduzindo
o que lhe pertencia.
1 BEVILAQUA, Clovis. Direito das obrigações. 8. ed. Rio de
Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1954, p. 32.
2 Direito das obrigações, p. 43.
A pesquisa entre autores que versam sobre
o tema possibilita o exame de diversos outros
exemplos, os quais convergem para a conclusão de que o contrato de troca é o mais antigo
da civilização.
Porém, com o surgimento da moeda, a compra e venda paulatinamente se transforma no
contrato mais importante3. E consequentemente
se afirma que a troca, também designada como
escambo, não tem mais nenhuma aplicabilidade
nem relevância.
Atualmente, as permutas ocupam
exíguo espaço nos Códigos, porque a
troca por excelência, na vida de todos
os dias, é a que se faz por dinheiro
Alude-se ao quase desaparecimento da troca ou permuta4, que entrou em declínio com a
consolidação da moeda. Atualmente, as permutas
ocupam exíguo espaço nos Códigos, porque a
troca por excelência, na vida de todos os dias, é a
que se faz por dinheiro5. Segundo a afirmação de
Orlando Gomes6, hoje usa-se raramente, diminuto sendo seu interesse do ponto de vista prático.
3 Para uma recomposição histórica do período pré-capitalista,
desde as operações com mercadoria até a utilização de moeda
como meio comum de troca, vide WEBER, Max. História geral
da economia. São Paulo: Centauro, 2006, capítulo III, em especial
p. 191-194 e p. 226-230.
4 MONTEIRO, Washington de Barros; MALUF, Carlos Alberto Dabus; SILVA, Regina Beatriz Tavares. Curso de direito civil:
v. 5: direito das obrigações, 2ª parte: dos contratos em geral, das
várias espécies de contrato, dos atos unilaterais, da responsabilidade civil. 36. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 139.
5 Clovis Bevilaqua, Direito das obrigações, p. 237.
6 GOMES, Orlando. Contratos. 23. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2001, p. 268.
Fórum j u r í di co
63
artigo
A despeito da consideração de
muitos de que o contrato de permuta
consubstancia mera reminiscência
histórica, a verdade é que se constata
uma evidente revitalização
Em Portugal, por exemplo, embora presente no
Código Civil de 1867, a troca não foi regulada no
Código Civil de 1966 por se considerar que corresponde a um estágio primitivo da economia, tornando-se dispensável a partir do momento em que
o dinheiro assume a função de meio geral de trocas7.
No entanto, embora não seja utilizada em larga
escala cotidiana, o que se pretende mostrar é justamente o contrário do que enfatiza a doutrina.
Conceito, objeto e sua revitalização
Não há como negar que a permuta muito se
assemelha à compra e venda.Tanto é assim que o
artigo 533, caput, do Código Civil manda aplicar
à troca as disposições referentes à compra e venda,
com duas exceções: (i) as despesas com o instrumento da troca devem ser arcadas meio a meio
pelas partes, salvo convenção em contrário (art.
533, I, CC); (ii) a troca de valores desiguais entre
ascendentes e descendentes, sem consentimento
dos outros descendentes e do cônjuge do alienante, é passível de anulação (art. 533, II, CC).
Caio Mario da Silva Pereira8 define a troca,
também chamada permuta, escambo ou barganha, como o contrato mediante o qual uma das
7 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito das obrigações. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2009, v. 3, p. 169.
8 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil:
v. 3: contratos: declaração unilateral de vontade: responsabilidade
civil. Revista e atualizada por Regis Fichtner. 13. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2009, p. 170.
64
Fórum j urí di co
Giovanni Ettore Nanni
partes se obriga a transferir à outra uma coisa,
recebendo em contraprestação coisa diversa, diferente de dinheiro.
Embora não se pretenda abordar os contornos
teóricos do tema em estudo, vale frisar que se trata de um contrato cujos caracteres se equiparam
à compra e venda, pois bilateral, oneroso, comutativo, translatício do domínio, consensual via de
regra, e só por exceção solene9. É uma espécie de
contrato de alienação, entre os quais também se
enquadram a compra e venda e a doação10.
Pela troca permuta-se coisa por coisa, ou posse por posse. Tudo que é suscetível de venda é
permutável, tudo que é suscetível de propriedade ou posse também o é, exceto o dinheiro. Os
bens que são objeto de propriedade intelectual
(literária, artística ou científica) ou de propriedade industrial são permutáveis11.
A despeito da consideração de muitos de que
o contrato de permuta consubstancia mera reminiscência histórica, a verdade é que se constata uma evidente revitalização.
Nesse sentido, enfatiza Paulo Lôbo12: “No
direito brasileiro atual ocorre uma revitalização
da permuta, a exemplo do contrato mediante o
qual o proprietário de um imóvel urbano cede-o
a um incorporador em troca de apartamentos do
edifício que será nele construído. Outro exemplo, no campo do direito intelectual, é a cessão
de direitos de difusão de uma obra em canais de
televisão em troca de espaço publicitário.”
E Otavio Luiz Rodrigues Junior13 exemplifica algumas situações em que verifica a pre9 Idem, p. 170.
10 No mesmo sentido: LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes.
Direito das obrigações, v. 3, p. 11-240.
11 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. 3. ed.
Rio de Janeiro: Borsoi, 1972, v. 39, p. 378.
12 LÔBO, Paulo. Direito civil: contratos. São Paulo: Saraiva,
2011, p. 271.
13 RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Código Civil
comentado: compra e venda, troca, contrato estimatório: artigos
481 a 537, volume VI, tomo I. São Paulo: Atlas, 2008, p. 484.
sença de tal tipo contratual nos dias de hoje:
“Na atualidade, observa-se a celebração de
permutas, sob os mais variegados nomes jurídicos, em negócios como a troca de: (a) espaços
publicitários por diárias de hotel; (b) refeições
por refeições, entre lojas de comida rápida nos
centros comerciais, destinadas à alimentação
dos respectivos atendentes, que passam a ter
um cardápio mais diversificado; (c) ingressos de
cinema por refeições; (d) livros didáticos por
outros, realizados por pais de alunos de anos
letivos diferentes. É de ser notado que esses
contratos aperfeiçoam-se em dinâmicos e modernos setores da Economia, como é o caso do
mercado de publicidade e propaganda.”
Diante de tal cenário, são citadas algumas situações práticas em que a troca ou permuta é
utilizada em acentuada escala, evidenciando sua
importância.
Troca ou permuta no mercado imobiliário
Nas grandes cidades é bastante comum que o
incorporador, para adquirir a área em que o prédio será edificado, dê em permuta ao proprietário
do terreno uma ou algumas unidades de apartamento. A prestação do incorporador é adimplida
no futuro, quando a construção é concluída.
Destarte, seja como contrato definitivo ou
preliminar, o terreno é dado em troca de coisa
futura, ou seja, a área a ser construída14.
Essa figura, que revigorou o instituto da troca, passou a ser praticada no Brasil com frequência entre a década de oitenta e noventa, pois
nos centros urbanos mais avançados e populosos,
os preços dos terrenos destinados a edificações,
principalmente aquelas de maior capacidade
construtiva, cresceram de maneira desmesurada. Isso fez com que, de um lado, as habitações
populares, para os cidadãos de baixa renda, se
tornassem cada vez mais inacessíveis e, por outro, houve uma considerável dilação dos prazos
para a realização das obras, eis que tanto os construtores quanto os adquirentes finais deveriam,
inicialmente, pagar o preço do terreno. Assim,
novas formas mercadológicas de realizar as construções foram propostas, com o retorno do contrato de permuta.15
O compromisso, ou promessa, de permuta
está sujeito às mesmas regras do compromis14 AZEVEDO JÚNIOR, José Osório de. Compra e venda,
troca ou permuta. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 138.
15 LIMA, Frederico Henrique Viegas de. Sobre o contrato de
promessa de permuta imobiliária (um aspecto de direito comparado
para a aproximação de seu conteúdo). Revista de Direito Imobiliário. São Paulo: Instituto de Registro Imobiliário do Brasil; Revista
dos Tribunais, v. 34, jul./dez. 1994, p. 76-77.
Fórum j u r í di co
65
artigo
so de venda e compra. No que diz respeito às
incorporações imobiliárias, existe disposição
expressa, qual seja a do artigo 32, “a”, da Lei n.
4.591/1964, que, em combinação com o artigo 39, vai às últimas consequências, permitindo até a promessa de permuta do terreno com
coisa futura, isto é, com unidades que ainda vão
ser construídas.16
Troca ou permuta nos contratos
internacionais e no mercado financeiro
Nos contratos internacionais e no mercado
financeiro a situação não é diferente.
Atualmente, a permuta é usada em contratos
internacionais em que o dinheiro não é atrativo por causa das oscilações monetárias ou pela
multiplicidade de moedas. Também nas relações
contratuais de larga duração entre empresas que
se aprovisionam mutuamente, surgem intercâmbios de coisas que logo se compensam.17
16 AZEVEDO JÚNIOR, José Osório de. Compromisso de
compra e venda. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 259.
17 LORENZETTI, Ricardo Luis. Tratado de los contratos.
Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, 2003, v. 1, p. 464.
66
Fórum j urí di co
Giovanni Ettore Nanni
Nos negócios internacionais, com operações
ditas de compensação, o emprego recorrente
do contrato de permuta se verifica, como no
exemplo do produtor de petróleo que entrega
parte de sua produção em troca de fornecimento de mercadorias.18
Consoante ilustra Carlos Ferreira de Almeida19, nos negócios internacionais, as trocas sem
mediação monetária (por exemplo, petróleo
ou outras matérias-primas contra máquinas
ou transferência de tecnologia) têm presença
significativa, em especial desde os anos setenta
do século XX, que marcam a intensificação do
comércio internacional com países do leste da
Europa e com países em vias de desenvolvimento, desprovidos de moeda convertível (non
market economies).
Já no âmbito financeiro, ainda que regulado
por normas próprias do mercado de capitais, espécie de contratos derivativos, o swap é informado por um princípio operativo básico, que é a
troca de vantagens comparativas, o qual faz ape18 LÔBO, Paulo. Direito civil: contratos, p. 271.
19 ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos II: conteúdo;
contratos de troca. Coimbra: Almedina, 2007, p. 134.
lo à teoria econômica das vantagens comparativas.20 A própria expressão inglesa swap significa
troca ou permuta.
O Banco Central do Brasil define o swap
como:“Derivativo financeiro que tem por finalidade promover a troca (simultaneamente) de
ativos financeiros entre os agentes econômicos
envolvidos, por exemplo: Uma empresa possui
um ativo financeiro indexado a variação do dólar comercial e deseja trocar a variação deste
ativo financeiro (dólar comercial) por uma determinada taxa pré-fixada sem se desfazer do
ativo financeiro, neste caso ela poderá através
de um swap de taxas realizar tal operação.”21
Embora não sem divergência22, a doutrina reconhece que o swap é uma espécie de permuta23,
pois, explica Carlos Ferreira de Almeida24, ao se
referir à natureza das obrigações, como todas são
prestações em dinheiro, mas em nenhuma delas
se reconhece uma função de meio de pagamento (de preço), deve-se concluir a favor da sua
qualificação como contrato de permuta.
Troca ou permuta de ações ou quotas
No campo das sociedades anônimas, que são
regidas pela Lei n. 6.404/1976, permite-se a
aquisição de controle da companhia aberta por
meio de oferta pública, que pode conter permuta, total ou parcial, por valores mobiliários
(art. 257, § 1º). O projeto de instrumento de
oferta de permuta deve ser submetido à Co20 CALHEIROS, Maria Clara. O contrato de swap. Coimbra:
Coimbra Editora, 2000, p. 53.
21 http://www.bcb.gov.br/glossario.asp?Definicao=219&idiom
a=P&idpai=GLOSSARIO. Acesso em: 16 abr. 2012.
22 CALHEIROS, Maria Clara. O contrato de swap, p. 119-125.
23 ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos II: conteúdo;
contratos de troca, p. 136; RODRIGUES JUNIOR, Otavio
Luiz. Código Civil comentado: compra e venda, troca, contrato
estimatório: artigos 481 a 537, volume VI, tomo I, p. 484.
24 ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos II: conteúdo;
contratos de troca, p. 136.
Nos negócios internacionais, as
trocas sem mediação monetária têm
presença significativa, em especial
desde os anos setenta do século XX
missão de Valores Mobiliários (CVM) com o
pedido de registro prévio da oferta, mediante
observância de seus requisitos típicos (art. 259).
Conquanto seja regida por lei especial e supervisionada pela Comissão de Valores Mobiliários, cuida-se de operação disciplinada, ainda que subsidiariamente, pelo artigo 533 do
Código Civil.25
Além dessa previsão específica, a troca de
ações é usual em operações de alienação de
participações societárias, nas quais são permutadas ações de emissão de determinada empresa, detidas por uma companhia, por outras
pertencentes à contraparte no contrato, por
intermédio de escambo de ativos.
Igual negócio jurídico se costuma realizar
em relação a sociedades de responsabilidade
limitada, por meio de troca de quotas por outras de distintas pessoas jurídicas ou por diferentes bens, de variada natureza.
Considerações finais: a necessidade da
problematização e da formação crítica
Se o contrato de troca estivesse praticamente sepultado, como alude a doutrina tradicio25 RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Código Civil
comentado: compra e venda, troca, contrato estimatório: artigos
481 a 537, volume VI, tomo I, p. 494; CARVALHOSA, Modesto.
Comentários à lei de sociedades anônimas: 4º volume: tomo II:
arts. 243 a 300: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com as
modificações da Lei n. 11.941, de 27 de maio de 2009. 4. ed. São
Paulo: Saraiva, 2011, p. 256-257.
Fórum j u r í di co
67
artigo
nal, certamente não seria possível exemplificar
o seu emprego nas várias hipóteses citadas no
texto. Surge aí um problema sintomático.
Evidente que os temas aqui retratados merecem um estudo particular de suas especificidades, eis que suscitam muitas discussões teóricas. E mais, é notável a importância dessa outra
roupagem da permuta como instrumento para
viabilizar novos negócios. Tudo isso demonstra
a necessidade de repensar o passado, alinhando-se com a atualidade.
O Direito, rememorando as palavras
de Miguel Reale, precisa ser
operativo e a interpretação vive sob
a égide da concretude, aliada ao
dinamismo das situações jurídicas
Porém, não é esse o objetivo do artigo, o
qual primordialmente expressa a preocupação com o estudo e o ensino do Direito Civil
mediante automática reprodução de conceitos
clássicos – alguns inclusive superados –, sem
a devida reflexão com o dinâmico universo
negocial contemporâneo. As noções teóricas
têm um significado diverso quando se imagina
o contexto de hoje, com múltiplos contratos
atípicos, alguns coligados, outros, porém, típicos, mas com estrutura totalmente diferenciada do passado.
Como enfatiza Pietro Perlingieri26, uma dos
maiores civilistas italianos da atualidade, a problematização deve ser garantida nos textos jurí26 PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Tradução de Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008, p. 78.
68
Fórum j urí di co
Giovanni Ettore Nanni
dicos e nos métodos de ensino. Os estudos universitários, acrescenta Perlingieri27, não podem
de qualquer forma se reduzir a uma função de
noção e meramente informativa, mas devem
sempre visar à formação crítica, ao gosto pela
argumentação adequada e razoável de qualquer
solução frente a problemas antigos e novos.
A verdade é que o fenômeno jurídico nada
mais é que um aspecto dinâmico da complexa
cultura de uma comunidade28, e que, portanto, como bem assevera Norberto Bobbio29, as
normas jurídicas são produtos culturais (produtos
da civilização humana), como uma estátua, uma
casa, uma moeda, uma poesia etc. As ciências
humanas, que têm como objeto de pesquisa os
produtos culturais, desenvolveram duas técnicas
de pesquisa: uma relativa à origem, chamada de
genética, e outra relacionada à função, dita teleológica, dos produtos culturais. A primeira leva
em consideração o objeto como um evento em
que se deve determinar as causas que o produziram; a segunda, como um meio pelo qual se
deve investigar o fim ao qual é empregado.
Explica Gustavo Visentini30 que o legislador dispõe para o futuro com base na experiência maturada no passado, até o dia da
elaboração da lei: o direito é concebido no
passado em relação ao fato que deverá regular, o qual é futuro relativamente à formulação da lei, e em geral acerca do direito existente. Esta é realmente uma condição
impossível: o futuro não repete o passado, os
casos são sempre novos. Por isso, o intérprete se encontra na necessidade de reestruturar
ao presente um conceito que foi pensado no
27 Idem, p. 84.
28 Ibidem, p. 81.
29 BOBBIO, Norberto. Sul ragionamento giuridico dei giuristi. In: BOBBIO, Norberto. Saggi sulla scienza giuridica. Torino:
Giappichelli, 2011, p. 44.
30 VISENTINI, Gustavo. Lezioni di teoria generale del diritto.
3. ed. Padova: Cedam, 2008, p. 88-89.
passado; deve renovar a norma pensada no
passado para aplica-la hoje.
Nesse cenário, muito apropriadas as palavras de
Agostinho Alvim31, um dos fundadores da Faculdade Paulista de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo:“Outra grande tarefa do
juiz, a desafiar a sua cultura, é a de adaptar as leis
às ocorrências da vida atual, adaptação imprescindível, uma vez que a lei começa a envelhecer e a
se desajustar desde o dia em que é promulgada.”
Tais considerações oriundas da Teoria Geral
do Direito, conjugadas com o modelo do contrato de troca aqui tomado como exemplo, expressam não só a necessidade, porém também o
alerta de que o professor, o aluno, o intérprete,
o juiz, o operador do direito não podem tachar
como superados determinados institutos jurídicos sem o devido cotejo com o presente, sem
a imperiosa atenção ao complexo e dinâmico
cenário negocial atual, sem revisitar os conceitos tradicionais.
O Direito, rememorando as palavras de Miguel Reale, precisa ser operativo e a interpretação vive sob a égide da concretude, aliada ao
dinamismo das situações jurídicas, pelo que o
panorama de ontem não é exatamente igual
ao atual. Por isso se requer a problematização
e a formação crítica, com visão axiológica. A
interpretação é, portanto, por definição, diz
Perlingieri32, lógico-sistemática e teleológica-axiológica, isto é, finalizada à realização dos
valores constitucionais.
Em suma, ensinar e aplicar o Direito exige
devoção ao ato de repensar o clássico, com problematização e formação crítica, sem olvidar o
nocivo risco da atração pela errônea e precipitada
novidade, isto é, desprovida de sustentação legal.
Eis o desafio de hoje e de sempre. n
31 ALVIM, Agostinho. O político, o advogado, o juiz, o professor. Revista da Universidade Católica de São Paulo. São Paulo:
[s.e.], v. 9, n. 17, mar. 1956 (separata), p. 14.
32 PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, p. 618-619.
Fórum j u r í di co
69
artigo
O NOVO SISTEMA
BRASILEIRO DE DEFESA
DA CONCORRÊNCIA
Vanêssa Rodrigues da C. Pereira Fialdini
Introdução
Em 29 de maio de 2012 entrou em vigor a Lei
Ordinária nº 12.529, que reestrutura o Sistema
Brasileiro de Defesa da Concorrência. O normativo trouxe diversas e substanciais alterações ao
sistema concorrencial, bem como aos critérios de
submissão e avaliação de estruturas e condutas.
Neste artigo, buscamos delinear as principais
alterações trazidas pela Lei 12.529/2011.
Estrutura do Sistema Brasileiro
de Defesa da Concorrência
Vanêssa Rodrigues da Cunha Pereira Fialdini é Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia.
Pós-graduada em Comércio Exterior pela Fundação Armando Álvares Penteado. Mestre em Direito das Relações
Econômicas Internacionais pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. Mestre emComparative Law pela
Cumberland School of Law – Samford University e pela
The University of Durham. Sócia de Fialdini Advogados.
70
Fórum j urí di co
Antes da entrada em vigor da Lei nº 12.529/2011,
o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência era
formado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), pela Secretaria de Direito Econômico (SDE), do Ministério da Justiça, e
pela Secretaria de Acompanhamento Econômico
(SEAE), do Ministério da Fazenda.
O CADE tinha por função precípua julgar,
em instância administrativa, possíveis infrações da
ordem econômica. A SDE era responsável pelo
acompanhamento das práticas de mercado e instauração de processo administrativo para apuração
de infrações. Finalmente, à SEAE competia executar as ações do Ministério da Fazenda na área
do direito econômico, tanto no âmbito da defesa
da concorrência quanto na defesa do consumidor.
A partir do final de maio, no entanto, a maior
parte das atribuições relativas à proteção à concorrência, antes dividida entre os órgãos mencionados,
foi concentrada no CADE – o que levou este Conselho a ser taxado como “SuperCADE”. O órgão
passou a reunir as atividades do Sistema Brasileiro
de Direito da Concorrência, incorporando institucionalmente o departamento de concorrência da
SDE (que passará a cuidar apenas de assuntos relativos à defesa do consumidor, com a denominação
de Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor).
A SEAE continua sendo parte do sistema, como
responsável pela advocacia da concorrência, ou
seja, por zelar junto aos órgãos e agências governamentais para que não haja medidas que inibam
a livre concorrência. Suas atribuições instrutórias,
no entanto, foram incorporadas pelo CADE.
Dentro dessa nova estrutura, o CADE passa a
ter a seguinte composição:
Tribunal Administrativo de Defesa Econômica, é
o órgão judicante do CADE, composto por um
Presidente e seis Conselheiros. Seus membros
são nomeados pelo Presidente da República,
depois de aprovados pelo Senado Federal para
mandato de 4 (quatro) anos, não coincidentes,
sendo vedada a recondução e o uso, a qualquer
tempo, de informações privilegiadas obtidas em
decorrência do cargo exercido.
Superintendência-Geral, responsável por fiscalizar o cumprimento da Lei, monitorando
e acompanhando as práticas de mercado. Tem
como funções a análise dos negócios das empresas em tempo hábil, para evitar a paralisação do
processo à espera de uma decisão; e a investigação de cartel, antes exercida pela SDE.
Departamento de Estudos Econômicos, responsável pela elaboração de estudos e pareceres econômicos. É dirigido por um Economista-Chefe,
que deve zelar pelo rigor e atualização técnica e
científica das decisões do órgão, sendo nomeado, em conjunto, pelo Superintendente-Geral e
pelo Presidente do Tribunal. Pode participar das
reuniões do Tribunal, mas sem direito de voto.
Procuradoria Federal, competente para representar o CADE judicial e extrajudicialmente.Tem por
atribuições prestar consultoria e assessoramento
jurídico ao CADE; promover a execução judicial
das decisões e julgados do CADE; emitir pareceres,
sempre que solicitada; e zelar pelo cumprimento
da Nova Lei. O Procurador-Chefe é nomeado
pelo Presidente da República, depois de aprovado
pelo Senado Federal para mandato de 2 (dois) anos,
permitida sua recondução para um único período. Da mesma forma que o Economista-Chefe, o
Procurador-Chefe pode participar, sem direito de
voto, das reuniões do Tribunal.
Por fim, cumpre destacar que o Procurador-Geral da República, de ofício ou a requerimento do Conselheiro-Relator e ouvido o Conselho
Superior, designará membro do Ministério Público Federal para emitir parecer, nos processos
administrativos para imposição de sanções administrativas por infrações à ordem econômica.
Critérios de Submissão de Atos
de Concentração
Na vigência da Lei nº 8.884/94, as empresas
que tivessem registrado, no ano anterior a uma
operação, faturamento bruto anual igual ou superior a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões
de reais) deviam, obrigatoriamente, submeter todos os seus negócios de concentração à apreciação do CADE, inclusive a compra de pequenas
empresas. Além disso, se a operação resultasse em
controle de 20% (vinte por cento) ou mais de determinado mercado relevante, também deveria
ser previamente aprovada por aquele órgão.
No âmbito da nova regulação antitruste, para
que uma operação seja submetida à aprovação do
CADE, é necessário que um dos grupos econômicos nela envolvidos tenha registrado, no ano
anterior à operação, faturamento bruto anual
igual ou superior a R$ 750.000.000,00 (setecentos e cinquenta milhões de reais) e o outro grupo
A partir do final de maio a maior parte
das atribuições relativas à proteção
à concorrência foi concentrada no
CADE taxado como “SuperCADE"
Fórum j u r í di co
71
artigo
econômico envolvido tenha registrado, no último
balanço, faturamento bruto anual igual ou superior a R$ 75.000.000,00 (setenta e cinco milhões
de reais)1. Ficam excluídas do âmbito de apreciação do órgão, portanto, as operações de menor
monta e sem potencial lesivo à concorrência.
Condutas Anticoncorrenciais
Segundo o artigo 36 da Lei nº 12.529/2011,
são consideradas condutas infratoras da ordem
econômica, independentemente de culpa,
aquelas tendentes a:
l Limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência;
l Dominar mercado relevante de bens ou ser1 Valores estabelecidos pela Portaria Interministerial nº 994, de
30 de maio de 2012. A Lei 12.529/2011 trazia valores inferiores,
de R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais) e R$
30.000.000,00 (trinta milhões de reais), respectivamente.
72
Fórum j urí di co
Va n ê s s a R o d r i g u e s d a C . P e r e i r a F i a l d i n i
viços (sendo que a conquista de mercado
resultante de processo natural fundado na
maior eficiência de agente econômico não
caracteriza conduta anticoncorrencial);
l Aumentar arbitrariamente os lucros;
l Exercer de forma abusiva posição dominante.
Presume-se que há posição dominante sempre que uma empresa ou grupo de empresas for
capaz de alterar, unilateral ou coordenadamente,
as condições de mercado ou quando controlar
20% (vinte por cento) ou mais do mercado relevante, podendo esse percentual ser alterado pelo
CADE para setores específicos da economia.
São, portanto, exemplos de condutas ilícitas:
combinar preços de bens ou serviços; produzir ou
comercializar propositalmente uma quantidade limitada de bens com o fim de pressionar a demanda; limitar o acesso de novas empresas ao mercado
ou criar dificuldades ao funcionamento de empresa concorrente; vender mercadoria ou prestar serviços injustificadamente abaixo do preço de custo;
subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço, ou subordinar a
prestação de um serviço à utilização de outro ou à
aquisição de um bem (“venda casada”).
A legislação revogada estabelecia que a multa
aplicável às hipóteses de condutas anticoncorrenciais praticadas por empresas podia variar de
1% a 30% sobre o faturamento bruto da empresa no último exercício. A norma atual dispõe
que as penalidades serão de 0,1% a 20% do valor do faturamento bruto da empresa, grupo ou
conglomerado no exercício anterior à instauração do processo administrativo, dependendo,
ainda, do ramo de atividade empresarial em que
ocorreu a infração. No entanto, a multa nunca
será inferior à vantagem auferida, quando for
possível sua estimação.
No caso de pessoas físicas ou jurídicas de direito
público ou privado e associações, com ou sem personalidade jurídica, que não exerçam atividade em-
presarial - não sendo possível, portanto, a utilização
de critério do valor do faturamento bruto - a multa
poderá variar entre R$ 50.000,00 (cinquenta mil
reais) e R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais).
Por fim, a nova Lei estabelece que, no caso de
administrador direta ou indiretamente responsável pela infração cometida, será aplicada multa
de 1% (um por cento) a 20% (vinte por cento)
daquela aplicada à empresa ou às pessoas jurídicas/entidades, conforme o caso.2 Ademais, a
penalidade só será aplicada em caso de culpa ou
dolo comprovada do administrador.
Destaca-se ainda que, em caso de reincidência,
as multas cominadas serão aplicadas em dobro.
Revisão de Atos de Concentração
A legislação anterior previa a análise e
controle posteriores à operação, ou seja, via de
regra era possível a conclusão do negócio antes
da aprovação do CADE, sendo que a rejeição
do ato implicaria na sua desconstituição, total
ou parcial. Isso gerava enormes impactos nos
casos de não aprovação das operações ou de
aprovações condicionadas, uma vez que é bastante difícil, ou mesmo impossível, retornar ao
estado anterior à efetivação da operação, considerando que as decisões por vezes levavam anos
para serem proferidas.
A Lei atual inovou ao estabelecer a obrigatoriedade de análise e controle prévios, sendo,
portanto, necessária a aprovação do CADE para
que o negócio possa ser concluído.
Em princípio, o órgão deve manifestar-se
quanto à aprovação ou não do ato de concentração em até 240 (duzentos e quarenta) dias a contar do protocolo de petição das partes interessadas, ou de sua emenda. Contudo, a Lei é omissa
2 No regramento anterior esse percentual era de até 50%
(cinquenta por cento).
quanto à aprovação tácita e, portanto, os atos de
concentração não apreciados pelo CADE no
prazo acima referido não podem ser reputados
tacitamente aprovados, sob pena de nulidade.
Em suma, pode-se concluir que as modificações trazidas pela atual legislação antitruste objetivam agilizar as atividades de avaliação das condutas e estruturas potencialmente prejudiciais
à concorrência, em especial os procedimentos
relativos a fusões e aquisições.
Um passo importante nesse sentido foi eliminar a necessidade de submissão ao CADE de
as modificações trazidas pela
atual legislação antitruste
objetivam agilizar as atividades
de avaliação das condutas e
estruturas potencialmente
prejudiciais à concorrência
operações sem grande relevância econômica
para o mercado. Já com relação à obrigatoriedade de aprovação prévia de atos de concentração,
é medida salutar no sentido de evitar os problemas causados pelo desfazimento de operações
já consolidadas, mas é de extrema importância
que o CADE atue de forma ágil na avaliação
das operações, sob pena de paralisar o mercado.
Por fim, é importante destacar, embora os
atos do CADE sejam revestidos de formalidades similares às dos órgãos judiciais, a natureza
de seus atos é idêntica à dos atos de qualquer
órgão administrativo. Não fazem, portanto, coisa
julgada, estando sempre sujeitos à revisão pelo
Poder Judiciário, em observância ao princípio da
inafastabilidade da jurisdição, inscrito no art. 5º,
inciso XXXV da Constituição Federal. n
Fórum j u r í di co
73
artigo
Luiz Phillip Nagy Guarani Moreira
F e r n a n d a C o s ta
COMÉRCIO ELETRÔNICO
Luiz Phillip Nagy Guarani Moreira estudante do 4º semestre do curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Estagiário na área Societária do escritório de advocacia Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados.
Fernanda Costa estudante do 4º semestre do curso de
Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Monitora em Direito Civil da Professora Dra. Cláudia
Haidamus Perri. Estagiária na área Tributária do escritório de advocacia Prado Borges Advogados.
74
Fórum j urí di co
Um Mundo Sem Fronteiras
Com a revolução informática iniciada nos anos
80, percebe-se que os antigos modelos de comunicação e de negócios passaram a não mais se mostrar habilitados para o mundo globalizado, o qual
pode ser visto como um “novo mundo”. O pós
guerra fria trouxe uma série de mudanças no cenário internacional e, vivemos, nas palavras de Peter
Drucker, a chamada Era Digital1. A alavanca principal desta “nova Era” foi o surgimento da internet.
O que começou como um projeto acadêmico-militar de conexão entre os centros de pesquisa
norte americanos nos anos 60, a Advanced Research
Projects Agency Network (ARPANet), tornou-se,
com a virada do milênio, a principal ferramenta
de integração global, sendo definida pela Suprema
Corte Americana como “Paraíso democrático, de livre
expressão e participação política humana.”2 Cerca de
2,267 bilhões de pessoas acessam a rede mundial,
conforme dados da InternetWorld Stats 2011, representando 32,7% da população do planeta,3 número
que se multiplica ano a ano.
Para Fábio Ulhôa Coelho, “A expansão da internet deve muito ao extraordinário potencial para o incremento de negócios e atendimento aos consumidores
revelado pelo comércio eletrônico. Na segunda metade
dos anos 1990, a rede popularizou-se e ultrapassou os
circuitos universitários, em razão das comodidades oferecidas ao ato de consumo.”4
Nesta esteira, não cabe mais a antiga e ingênua
visão surgida no início da expansão virtual, que
acreditava em um mundo digital “anárquico”. A
resposta é a sensata conclusão de Patrícia Peck,
1 DRUCKER, Peter. Sociedade Pós-Capitalista. São Paulo: Pioneira, 1995 p. 61.
2 LORENZETTI, Ricardo L. Comércio Eletrônico. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2004 p. 22.
3 http://www.internetworldstats.com/stats.htm, Acesso em
27.06.2012.
4 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, vol. 3. 13ª
ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 47.
na qual afirma: “Historicamente todos os veículos que
compõem a sociedade convergente passaram a ter relevância jurídica no momento em que se tornaram instrumentos de comunicação de massa, pois a massificação
do comportamento exige que a conduta passe a ser abordada pelo Direito, sob pena de se criar insegurança no
Ordenamento Jurídico e na sociedade.“5
A velocidade das transformações não pode ser
uma barreira intransponível aos operadores do direito, que devem atender às possibilidades de conflitos que se criam nestes novos campos de atuação
da sociedade moderna, por meio de interpretações
atuais e inteligentes dos dispositivos legais. Não temos a pretensão de esgotar o tema, fonte de diversas
teses e pesquisas, mas de indicar as principais características do comércio eletrônico, a empresa inserida
no meio digital, os contratos virtuais e a proteção ao
consumidor nas compras realizadas na internet.
Comércio Eletrônico: Conceito
Considera-se comércio eletrônico nada mais que a
compra e venda de produtos ou prestação de serviços realizada por meio da transmissão eletrônica de
informações.6 Desta forma, toda compra feita pela
rede mundial de computadores entra nesta categoria, na qual o que define comércio digital não é
a natureza do bem ou serviço, mas sim, se a declaração de vontade é transmitida eletronicamente.7
O comércio eletrônico traz inúmeras vantagens,
tais como comparação de preços entre fornecedores, redução de custos com deslocamento para o
ato da compra, economia de tempo, redução de
5 PECK, Patrícia. Direito Digital São Paulo: Saraiva, 2002. p. 26
6 FINKELSTEIN, Maria Eugênia Reis. Direito do Comércio
Eletrônico,2ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011, p. 38.
7 “Nome de Domínio é aquele que identifica o Lugar em que
o consumidor ou adquirente pode comprar o produto ou serviço (...). Ele é, assim, o endereço eletrônico que o consumidor
deve digitar no navegador para acessar o estabelecimento virtual.”
(COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial - vol.
3.13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 48).
custos com pessoal, fim das barreiras geográficas.
Para explorar esta atividade econômica, nasce a figura dos estabelecimentos empresariais virtuais.
Estabelecimento Empresarial Virtual
O conceito de estabelecimento empresarial encontra-se inserido no art. 1.142 do Código Civil:
“considera-se estabelecimento todo o complexo de bens
organizados para exercício da empresa.” Antes da ascensão do comércio eletrônico, o estabelecimento
empresarial era sempre físico, ou seja, a empresa
encontrava-se instalada em imóvel fisicamente
acessível ao consumidor.
O estabelecimento virtual não torna obsoleto o
conceito previsto na lei. Da mesma forma, ele reúne
bens físicos e imateriais para a exploração da atividade econômica, devendo possuir estoque, funcionários, podendo vwir a ter fundo de empresa8 e sendo objeto unitário de direitos e negócios jurídicos
translativos ou constitutivos que sejam compatíveis
com sua natureza. A ínsita diferenciação refere-se
à acessibilidade do consumidor no ato da compra,
caracterizado pela manifestação de aceitação das
ofertas por meio da transmissão eletrônica de dados.
Identifica-se o estabelecimento virtual pelo
nome de domínio9, tendo-se em vista que o nome
proposto não pode desrespeitar os direitos de marca de terceiros. Assim, antes de se obter o registro
de um nome de domínio, há a obrigação do empresário de averiguar se há algum titular do registro
industrial no Instituto Nacional da Propriedade
8 Fundo de empresa é o valor agregado ao conjunto de bens que
compõem o estabelecimento empresarial, possuindo valor acima do
patrimônio líquido avaliado a preços de mercado.Para Finkelstein:
“Pode se falar em fundo de empresa em estabelecimento virtual, pois,
muitas vezes, quem adquire um estabelecimento virtual pode pagar
preço muito maior que a soma do valor de cada bem. Isso porque,
(...), o estabelecimento virtual tem seu próprio valor, independentemente dos equipamentos e programas empregados.” (FINKELSTEIN, Maria Eugênia Reis. Direito do Comércio Eletrônico, p. 51).
9 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. vol. 1 e
vol. 3 – 13ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2012 p.52.
Fórum j u r í di co
75
artigo
Luiz Phillip Nagy Guarani Moreira
F e r n a n d a C o s ta
Industrial (INPI). O órgão responsável pelo assentamento dos nomes de domínio é o Órgão Gestor
da Internet no Brasil (CGI.br), criado pela Portaria
Interministerial nº 147, de 31 de maio de 1995.10
O CGI.br é composto por membros do governo,
setor empresarial, terceiro setor e da comunidade
acadêmica, e tem como finalidade a coordenação
das iniciativas de serviços da internet no país.
Contratos Virtuais
Outra inovação à ciência jurídica advinda da informática foram os contratos virtuais. Na legislação
vigente, para um negócio jurídico ser considerado
válido requer a presença de partes capazes, objeto
idôneo e forma prescrita ou não defesa em lei.11
Deste modo, não existindo vedação legal ou
previsão ad solemnitatem, qualquer contrato consensual pode ser celebrado por meio eletrônico.
A grande controvérsia sobre o uso destes instrumentos se resume à força comprobatória de vontade que tais documentos teriam, tendo-se em
vista a impessoalidade dos meios digitais.
Arnoldo Wald constata: “Em todos os países, reconheceu-se que a técnica eletrônica se firmou, inicialmente,
sem que o direito acompanhasse o progresso tecnológico.
Podemos afirmar que houve, de início, a assunção, pelos
meios comerciais, de um risco calculado para fazer funcionar
o sistema, elaborando-se em seguida, as normas cabíveis.”12
Trazendo resposta ao impasse, cuidou a própria
tecnologia de desenvolver mecanismos de autenticação pessoal, por meio dos certificados digitais,
a criptografia assimétrica (em que o contratante
se identifica por duas senhas, uma de conheci10 Portaria interministerial alterada pelo Decreto Presidencial
nº 4.829 de 3 de setembro de 2003.
11 Art. 104 Código Civil: “A validade do ato jurídico requer
agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e na forma prescrita ou não defesa em lei”.
12 GRECO, Marco Aurélio e MARTINS, Ives Gandra da Silva
(coordenadores) e outros. Direito e Internet: Relações Jurídicas
na sociedade informatizada. p. 19
76
Fórum j urí di co
mento público e outra privada), marcas d’água
digitais, entre outras ferramentas.
Comércio Eletrônico no Brasil
e a Proteção ao Consumidor
Segundo o levantamento WebShoppers13 apresentado em março deste ano, o faturamento do setor de comércio eletrônico no país atingiu a marca de R$ 18,7 bilhões em 2011, um crescimento
de 26% em relação a 2010. Foram realizados 53,4
milhões de pedidos em 2011, um crescimento de
34%. O valor médio nas compras virtuais foi de
R$ 350,00 número que já alcança o tiquet médio
gasto por consumidores nos shoppings brasileiros.
Na importante tarefa de se criar mecanismos de
garantia dos direitos destes consumidores, um ponto que merece destaque é o dever de informar. O
fornecedor é responsável não só pela idealização do
produto, mas como pela sua comunicação. O dever
de informar é inerente à própria atividade empresarial, e a falha na comunicação pode dar ensejo à
obrigação de reparar o dano causado.14
As ofertas online devem obedecer ao disposto
no art. 31 do Código de Defesa do Consumidor
(CDC),15 assegurando informações corretas, claras,
precisas, ostensivas e em língua portuguesa. Este
dispositivo ganha relevo no atual cenário em que
as pessoas passam a realizar compras online numa
frequência habitual. As empresas relacionam-se,
indistintamente, com consumidores cujo nível de
percepção da realidade é diversificado: de jovens
13 http://www1.folha.uol.com.br/mercado/1061168-comercio-eletronico-cresce-26-mas-fica-abaixo-do-esperado.
shtml,acessado em 24 de junho de 2012.
14 FINKELSTEIN, Maria Eugênia Reis. Direito do Comércio Eletrônico. 2ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011, p. 238.
15 CDC Art. 31: “A oferta e apresentação de produtos ou serviços
devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e
em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem,
entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à
saúde e segurança dos consumidores”.
a idosos, passando por indivíduos com maior ou
menor familiaridade com as ferramentas digitais.
Portanto, a linguagem ideal no relacionamento
com o consumidor, sem dúvida, é aquela que privilegie a honestidade na apresentação do produto
e condições da venda, de maneira a permitir a sua
fácil identificação pelo comprador.
A aceitação de uma oferta online torna a proposta um contrato em definitivo, sendo que geralmente a aceitação se faz mediante um simples
‘’click’’ na tecla ‘’ok’’. Este ato obriga o proponente a entregar tudo que foi prometido, sob pena
de sofrer as sanções previstas no art. 56 do CDC.16
Em contrapartida, o consumidor tem garantido o seu direito de arrependimento. O art. 49 do
CDC dispõe que o consumidor pode desistir do
ato da compra no prazo de sete dias contados da
assinatura ou do recebimento do serviço.17
Nas compras virtuais, muitos entendem que o
consumidor encontra-se fragilizado, uma vez que
não teve o tempo necessário para refletir sobre as
reais implicações da aquisição (tratam-se das chamadas “compras por impulso”), caracterizando o
estado de hipossuficiência. Seu direito de arrepen16 Neste ponto, Claudia Lima Marques enfatiza:“Ser irrevogável
significa, no sistema do CDC, que o ato criado não desaparecerá do
mundo jurídico por vontade unilateral do fornecedor: uma vez criado
e válido, terá efeitos, pelo menos o da vinculação.” (MARQUES,
Cláudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. –
São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2003 p. 410).
17 CDC art. 49: “O consumidor pode desistir do contrato, no
prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento
comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.”
dimento existe per se, sem que seja necessária qualquer justificativa.18 Logo, neste caso, deve a empresa
ressarcir o consumidor das quantias pagas até então.
Conclusão
É quase impossível conceber um mundo, nos
moldes atuais, sem a internet. Prevê-se com segurança que, cada vez mais, o Direito terá o papel
de regular as relações jurídicas na sociedade informatizada. As ferramentas digitais para negócios e o
comércio serão cada vez mais utilizados e não há
dúvidas de que outras inovações surgirão em breve.
Devido à celeridade destas transformações é
sensato concluir que a introdução de leis muito
específicas sobre o comércio eletrônico não surtiria
o efeito pretendido,tanto em termos de defasagem pela velocidade das mudanças -, como na regulação
excessiva que limita os negócios. Caberia, no caso, a
utilização ponderada dos métodos de interpretação
e de integração das normas jurídicas existentes, que
são plenamente capazes solucionar os conflitos que
eventualmente possam vir a existir. n
18 Finkelstein esclarece: “O Código de Defesa do Consumidor
prevê duas hipóteses em que o consumidor goza do direito de
arrependimento: na compra por impulso, quando é abordado por
vendedores ambulantes fora do estabelecimento comercial, em casa
quando o consumidor está sujeito a técnicas agressivas de venda, (...)
ou no caso de compras a distância, realizadas pelo telefone, em que
o consumidor não tem contato com o bem ou não tem possibilidade de negociar os serviços que deseja. Aqui se enquadram as
compras realizadas pela Internet. Ademais, o marketing agressivo, via
spams, vem caracterizando a forma de comercializar pela Internet.”
(FINKELSTEIN, Maria Eugênia Reis. Direito do Comércio Eletrônico. – 2ª ed. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2011 p. 253).
Referências bibliográficas
COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. vol. 1 e vol. 3 – 13ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2012.
FINKELSTEIN, Maria Eugênia Reis. Direito do Comércio Eletrônico. – 2ª ed. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
LORENZETTI, Ricardo L. Comércio Eletrônico. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
PECK, Patrícia. Direito Digital. – São Paulo: Saraiva, 2002.
GRECO, Marco Aurélio; MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.) e outros. Direito & Internet – Relações jurídicas na sociedade informatizada. 1ª ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. – São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2003.
DRUCKER, Peter. Sociedade Pós-Capitalista. São Paulo: Pioneira, 1995.
Fórum j u r í di co
77
artigo
Desoneração da
Folha de Salários
Helga Klug Doin Vieira, Professora de Direito Previdenciário na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Mestre e Doutora em Direito Público pela PUC-SP.
78
Fórum j urí di co
Helga Klug Doin Vieira
Introdução
A desoneração da folha de salários pode ser entendida como troca da base contributiva da empresa para custeio da seguridade social, singularmente
previdência social, prevista na Constituição Federal no art. 195, I, “a”. O conceito, contudo, surgiu
da alteração específica da qual resultou a adoção
do faturamento da empresa como base de cálculo.
Essa mudança da base contributiva encontra respaldo constitucional a partir das Emendas Constitucionais 41/2003 e 47/2005, que promoveram
o acréscimo do §9º, no art. 195, dispondo que “as
contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste
artigo poderão ter alíquotas e bases de cálculo diferenciadas
em razão da atividade econômica, da utilização intensa de
mão de obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho”.
Para determinados setores da economia já é
uma realidade a desoneração da folha de salários,
a qual foi discutida e recomendada pela equipe
econômica do Governo, implementada inicialmente pelo Poder Executivo por meio de Medida
Provisória, e posteriormente transformada em lei,
pelo Poder Legislativo.
A alteração da base de cálculo foi rapidamente
estendida para outros setores da economia, como
estratégia imediata de manutenção da competitividade da indústria brasileira no mercado globalizado e ampliação das relações formais de trabalho.
Considerando as perdas de recursos que a
adoção da nova base gera para o orçamento do
sistema de seguridade social e para o custeio
previdenciário, a proposta de análise do tema
demanda reflexões preliminares, alicerçadas no
modelo de proteção social adotado para a sociedade brasileira na Constituição Federal. Inicialmente, cumpre ao intérprete conhecer o sistema
jurídico positivado para efetivamente avaliar e
interpretar a ordem firmada. É fundamental um
pensamento jurídico sistematizado, para que as
parcelas interpretadas não sofram distorções ante
o arquétipo jurídico firmado.
Claus Wilheim Canaris, na teoria “O Pensamento
Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito”,1
demonstra a necessidade da adoção do pensar sistemático e ressalta a importância da avaliação do sistema na solução dos problemas jurídicos, considerando que a unidade jurídica se norteia pelos objetivos
e princípios traçados em cada aparelho jurídico, os
quais estabelecem a conformação axiológica, teleológica e ideológica, caracterizando e imprimindo-lhe diferencial em relação a outros sistemas.
Diretriz Constitucional
A diretriz da ordem constitucional vigente tem
os objetivos fundamentais da República Federativa
do Brasil arrolados no art. 3º, apontando as realizações desejadas pela sociedade, as quais devem ser
organizadas pelo Estado.
1 CANARIS, Claus Wilheim. O Pensamento Sistemático e Conceito de
Sistema na Ciência do Direito. 5a Ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian.
O pacto constitucional, baseado na solidariedade, retrata o comprometimento mútuo assumido pela malha social, com a finalidade deformar
uma sociedade livre e justa; reduzir desigualdades
sociais e regionais; garantir o desenvolvimento
nacional, no campo econômico, social e individual; erradicar a miséria e a marginalização; bem
como promover o bem estar de todos.
O alicerce edificante desses objetivos se assenta no valor social do trabalho, posto como
primazia na Lei Maior, valor que permite a realização do bem estar de toda a sociedade e realização da dignidade da pessoa humana.
A conformação jurídica estruturada é de Estado Democrático de Direito, onde a jurisdição
aplicará leis pré-existentes e, no qual vige a legalidade, a separação de poderes, o respeito aos direitos individuais e o princípio de que todo poder emana do povo e em seu nome será exercido.
A análise da efetividade da estrutura jurídica
do Estado brasileiro permite acrescer: trata-se de
Estado Democrático de Direito Social, no qual,
além da igualdade formal e da dignidade da pesFórum j u r í di co
79
artigo
soa humana, deve haver uma firme determinação no sentido de promover o desenvolvimento
econômico, com justiça social, mediante a partilha equitativa dos ônus e benefícios da vida
em sociedade, pela redistribuição do que estiver
concentrado e pela adoção de providências que
impeçam as distorções econômicas e sociais.
Perante as premissas constitucionais e doutrinárias, é possível, de início, desenvolver uma análise
sistemática da “Ordem Econômica” e da “Ordem
Social” estabelecidas no Texto Maior. Ambas estão alicerçadas no valor social do trabalho, como a
base geradora de desenvolvimento econômico e da
justiça social, representando esse valor por um critério teleológico adotado pela estrutura ordenada.
A Ordem Social, no que se refere à seguridade
social, tem como meta a proteção de riscos sociais específicos, permitindo ao homem sua inserção no mercado de trabalho com a finalidade
de realizar a sua dignidade humana.
Assim, as ações da seguridade social figuram
como relevantes no texto constitucional, sendo
as únicas com orçamento próprio, apartado do
orçamento fiscal da União, com o objetivo de
imprimir autonomia econômica e segurança jurídica ao sistema e aos cidadãos.
O Seguro Social no Brasil
A história da proteção social brasileira está ligada ao modelo dos seguros sociais introduzido
em 1883 na Alemanha, por Otto von BismarCK,
e adotado no Brasil a partir de 1923, pela Lei
Eloy Chaves, estabelecendo proteção social aos
trabalhadores da iniciativa privada.
Os seguros sociais são de introdução recente na vida dos trabalhadores e das sociedades.
No Brasil têm apenas 89 anos de existência e,
considerada a dinamicidade da malha social e a
diversidade econômica, exigiram nestes poucos
decênios inúmeros ajustes e reformas para que
80
Fórum j urí di co
Helga Klug Doin Vieira
a proteção instituída cumprisse seu importante
papel perante a sociedade.
Na sua gênese, a previdência social destinava-se apenas aos trabalhadores empregados, segurados obrigatórios, e seu custeio era provido
pelos próprios obreiros e empregadores.
Foi na Constituição Federal de 1934 que ficou estabelecido o custeio tríplice: União, empregadores e trabalhadores passariam a arcar com
os custos previdenciários, com iguais valores.
A Lei nº 129/1935 regulamentou o preceito
constitucional, mas, em razão dos diferentes regimes jurídicos que estruturavam os institutos,
a União se eximiu de cumprir a sua parcela no
custeio estabelecido.
Unificação Jurídica da Proteção Social
Em 1960, com a unificação jurídica dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), por
meio da Lei Orgânica da Previdência Social
(LOPS) ficou definitivamente firmada a contribuição tripartite.
Considerando que a União era devedora
da Previdência Social desde 1935, seus débitos foram apurados e consolidados na Lei nº
3.807/1960 - LOPS (art. 135/137), ficando
definida a forma como deveria ser resgatada a
dívida pretérita do Estado com o seguro social.
Com o fim de dar cumprimento ao custeio
estabelecido e condições para resgate da dívida,
a União ficou autorizada a criar “quotas de previdência”, decorrentes de alíquotas adicionais
sobre operações tributárias específicas.
As quotas foram criadas, mas a dívida nunca foi
paga. Mesmo arrecadando essas quotas específicas,
a União não cumpriu com sua parte no custeio,
onerando o sistema e levando a previdência social
a condições econômicas insustentáveis.
Considerando a natureza das contribuições
previdenciárias, cabia ao Poder Executivo exa-
minar e aprovar as contas relativas às contribuições previdenciárias.
Ante a absoluta autonomia e falta de controle externo dos recursos, o Poder Executivo,
além de não integralizar sua parcela contributiva, utilizava recursos dessas contribuições para
finalidades distintas das previstas, direcionando-os para promover desenvolvimento econômico, por meio de obras públicas.
Esse permanente desvio gerou sérios problemas para a proteção social, colocando-a em
risco e contrariando toda a axiologia do seguro
institucionalizado.
e determinar contribuição ao importador de bens
ou serviços do exterior.
Nessa Nova Ordem, novamente foram levantados os débitos que a União tinha com a Previdência Social, considerando que ela era uma devedora
contumaz. Os valores apurados pela Fundação Getúlio Vargas eram aproximadamente os mesmos da
dívida externa brasileira daquele ano.
O modelo de seguridade social instituído não
agradou exatamente o Poder Executivo, considerando que os recursos da seguridade social,
incluídos os previdenciários, agora restaram restritos em razão das limitações constitucionais, o
Constituição Federal de 1988
o Poder Executivo, além de
não integralizar sua parcela
contributiva, utilizava recursos
dessas contribuições para
finalidades distintas das previstas,
direcionando-os para obras públicas
A Constituição Federal de 1988 operou grandes mudanças na proteção social brasileira, através da institucionalização de um sistema de proteção básico e universal, denominado seguridade
social, o que representou um expressivo avanço.
Nesse sistema, o direito à saúde é de todos; a
previdência social, como seguro social, é dever
os indivíduos incluídos econômica e socialmente, sendo obrigatória para quem aufere rendimento de trabalho; e, a assistência social surge
com a finalidade de superar a exclusão social e
de imprimir a todos uma existência digna.
O arquétipo constitucional projeta a exequibilidade do sistema de seguridade ao definir fontes de
custeio próprias, delimitando as bases econômicas
de financiamento no art. 195, I, da Carta Maior.
Este determina como sujeitos passivos o empregador, as empresas e as entidades a elas equiparadas
na forma da lei; e, como bases econômicas, a folha
de salários e demais rendimentos do trabalho pagos
ou creditados à pessoa física, receita ou faturamento, ou ainda o lucro. Estabelece também contribuições para os trabalhadores e segurados facultativos
da previdência social, além de adotar as receitas de
concursos de prognósticos como base contributiva
que veio a afetar a mobilidade econômica e financeira do governo.
O Poder Executivo, organizador do sistema,
manteve administrativamente as ações da seguridade social dentro dos Ministérios, dando a cada
área de atuação autonomia, como prevê o preceito constitucional do art. 195, § 2º:“a proposta
orçamentária da seguridade social será elaborada de forma integrada pelos órgãos responsáveis
pela saúde, previdência e assistência social tendo
em vista as metas e prioridades estabelecidas na
lei de diretrizes orçamentárias, ficando assegurada, a cada área, a gestão de seus recursos”.
A diversidade e a ampliação de recursos disponibilizados para a proteção social despertou
Fórum j u r í di co
81
artigo
a desoneração da folha de salários
significa substituição da base
econômica consubstanciada na
totalidade das remunerações pagas
ou creditadas aos trabalhadores
empregados por outra base
econômica: o faturamento
no Poder Executivo grande interesse. Deste
modo, ficou estabelecido na lei que parte desses
recursos seria arrecadada pelo Instituto Nacional
do Seguro Social (INSS), autarquia criada em
1990; e parte, pela administração direta, através
da Secretaria da Receita Federal.
Dessa arrecadação partilhada os recursos
administrados pela administração direta nem
sempre foram alocados no orçamento da seguridade social, gerando prejuízos para o sistema
de proteção social.
Além do mais, o Poder Executivo sempre atuou
politicamente junto ao Poder Legislativo na busca
da liberação de recursos da seguridade social para
outras finalidades. A afirmação pode ser verificada pelo exame da produção legislativa dos últimos
vinte anos, em que leis autorizam a abertura do orçamento da seguridade social para beneficiar diferentes áreas de atuação do governo, demonstrando
claramente que os interesses do Estado não se sediam na seguridade social, nem na previdência social e, muito menos, nas diretrizes da Carta Maior.
Da Folha de Salários
Dentre as bases contributivas de custeio da
seguridade social está a “folha de salários e demais
rendimentos pagos ou creditados a qualquer título à
82
Fórum j urí di co
Helga Klug Doin Vieira
pessoa física”,2 pela empresa ou empregador,
como demonstrado anteriormente.
Essa base econômica é fonte histórica de custeio da previdência social, passando a compor
recursos da seguridade social juntamente com
as demais contribuições sociais, arroladas no art.
195, da Lei Maior. Trata-se de forma direta de
financiamento do sistema de proteção social.
Folha de salários representa a totalidade das
remunerações pagas pelo empregador aos seus
trabalhadores empregados, incluídas as gorjetas,
liberalidades e tempo posto a disposição, excluídos os recursos previstos na legislação específica.
No entanto, folha de salários também é base
de cálculo utilizada para contribuições sociais
que se destinam a outras áreas distintas da seguridade social, como: seguro acidente de trabalho,
salário educação, FGTS, INCRA, SEBRAE e
Sistema “S”. Assim, folha de salários é uma base
econômica extremamente onerada.
Na Consolidação das Leis da Previdência
Social (CLPS – Decreto nº 89.312/1984), para
cada benefício incidia uma alíquota específica
sobre a folha de salários. A Lei nº 8.212/1991
adotou alíquota única de 20%, incidente sobre a
totalidade das remunerações pagas ou creditadas
a qualquer título a trabalhadores empregados e
avulsos, ressalvado o seguro de acidente de trabalho, que adota alíquota distinta.
A teleologia constitucional atribuiu responsabilidades para as pessoas físicas e jurídicas no
custeio da seguridade social, mas estabeleceu
maior carga contributiva para as pessoas jurídicas, em razão da capacidade contributiva e da
realização da justiça social.
O propósito desse trabalho não tem por finalidade verificar se a folha de salários é instrumento próprio de custeio para o sistema de proteção
social, mas objetiva mensurar se a substituição da
2 Art. 195, CF.
base econômica afetará a segurança jurídica do
Sistema de Seguridade Social, especialmente da
Previdência Social.
Considerando o pacto constituído, as alterações das bases contributivas do sistema não podem restringir recursos diretos do orçamento de
seguridade social, sob pena de colocá-lo em situação de vulnerabilidade; e, muito menos torná-lo
dependente de recursos advindos do orçamento
fiscal da União, o que representaria retrocesso na
segurança jurídica da proteção social.
Visíveis foram os avanços na redução das desigualdades sociais em duas décadas, demonstrando que a proteção adotada e posta a serviço da
sociedade vem cumprindo importante papel na
realização do equilíbrio social.
Deste modo, as bases econômicas de sustentação podem ser alteradas em razão de interesses
econômicos e sociais, mas não é possível se admitir mais um sistema dependente de recursos
do orçamento fiscal, especialmente considerando a desastrosa história das relações da União e
do seguro social.
Desoneração da Folha de Salários
A economia globalizada exige do governo medidas que promovam a competitividade, baseadas
em estudos, para atender interesses de desenvolvimento econômico e social, respeitadas a axiologia,
a teleologia e a ideologia postas na Magna Carta.
A excessiva onerosidade da carga tributária brasileira necessita adequação inadiável, por
meio de reformas. Entretanto, o ajuste não pode
ser pontual e precipitado, especialmente quando
os resultados repercutem na proteção social. As
propostas de reformas devem ter alicerces sólidos, sediados em estudos ordenados que revelem
as consequências econômicas, sociais e jurídicas
das mudanças para a sociedade.
A contribuição previdenciária sobre a folha
de salários resulta em recursos para custeio da
previdência social e a desoneração da folha de
salários significa substituição da base econômica
consubstanciada na totalidade das remunerações
pagas ou creditadas aos trabalhadores empregados por outra base econômica: o faturamento.
Essa substituição reduz de forma evidente os
recursos previdenciários, considerando que em
algumas situações o empregador ou empresa
contribuirão com menor valor em relação à base
anterior e, nesses casos, a União se compromete em ressarcir o sistema. Historicamente, já está
comprovado que o Estado sempre foi devedor
da previdência social brasileira, não inspirando
confiança a intenção do governo.
Fórum j u r í di co
83
artigo
Diante do quadro caótico, onde o
Estado gasta mais em de juros do
que investe na proteção social, resta
evidente que a desvinculação de
receitas de impostos e contribuições
é forma de mobilidade política e
econômica ao Poder Executivo
O interesse apregoado pelo Estado na desoneração da folha de salários reside na retomada do
crescimento econômico industrial, na competitividade do mercado globalizado e na promoção
do pleno emprego para a sociedade brasileira.
No entanto, cumpre lembrar que, em 1994,
no governo de Itamar Franco, foi criado, por
meio de Emenda Constitucional, o “Fundo
Social de Emergência”, posteriormente denominado “Fundo de Estabilização Fiscal” na gestão de Fernando Henrique Cardoso. Tal fundo
permitiu a desvinculação de 20% de todos os
impostos e contribuições da União.
Criado como um fundo de emergência, com
a finalidade de suprir o financeiro da Fazenda
Pública e gerar estabilização econômica, seus
recursos foram incorporados à governabilidade de tal forma que o governo já não consegue prescindir dessa receita, tendo necessidade
de reintroduzi-la por Emenda Constitucional a
cada período. A última Emenda autoriza a desvinculação de receitas até 2015.
As denominadas contribuições previdenciárias
estão preservadas constitucionalmente da desvinculação de receitas. Os recursos de contribuições
previdenciárias foram vinculados ao pagamento
de benefícios previdenciários, conforme estabelece o art. 167, XI, do Texto Maior, como uma
84
Fórum j urí di co
Helga Klug Doin Vieira
garantia para os segurados da previdência social,
coibindo a utilização desses recursos para outras
áreas de atuação do governo, inclusive custeio de
ações de saúde e assistência social.
É luminar o interesse do governo na mudança da base econômica. A vedação de desvinculação, instituída pela Emenda Constitucional nº
20/1998, existe apenas com relação à contribuição incidente sobre a folha de salários e contribuições das pessoas físicas, especialmente trabalhadores; as demais contribuições de seguridade
social podem ser desvinculadas.
Conclusão
Para finalizar e concluir cabe uma breve apreciação da Lei Orçamentária Anual da União para
apontar a necessidades do Poder Executivo face
à enorme dívida publica, a qual vem dificultando
a promoção de novos investimentos pelo Estado,
bem como atravancando a melhoria da qualidade de vida na sociedade brasileira.
Dívida pública, em linhas gerais, é a soma
do que o Estado brasileiro3 deve em razão de
déficits orçamentários passados, podendo ser
interna e externa.
Nos últimos anos foi verificada a diminuição
da dívida pública externa, quando comparada
com o produto interno bruto (PIB), mas enorme
foi o crescimento da dívida interna, especialmente a do Governo Federal. Esse crescimento não
está relacionado a novos investimentos, mas, sobretudo, aos gastos desmedidos do governo, além
dos custos de política monetária.
Como observado, o crescimento da dívida
pública interna não resultou de gastos com áreas sociais, como tenta fazer crer o governo. Está
relacionado, especialmente, a juros e custos da
máquina administrativa. Segundo a Lei Orça-
mentária Anual (Lei nº 12.595/2012), a previsão de custos de juros decorrentes da dívida
pública interna, que hoje totaliza em cerca de 2
trilhões de reais, será de aproximadamente 670
bilhões de reais.
O orçamento da seguridade social arrecada
recursos diretos correspondentes a 535 bilhões
de reais, sendo expressiva a parcela destes decorrente de contribuições sociais incidentes sobre a
folha de salários.
Recursos de seguridade social são significativamente inferiores aos valores despendidos
para pagamento de juros da dívida do governo.
É um paradoxo!
Diante do quadro caótico, onde o Estado gasta
mais em de juros do que investe na proteção social, resta evidente que a desvinculação de receitas
de impostos e contribuições é forma de mobilidade política e econômica ao Poder Executivo.
Ainda que reconhecida a necessidade da desoneração da folha de salários, porquanto setores que
empregam grande número de trabalhadores estejam
onerados pela base econômica adotada, a reforma
deve ser promovida de modo sistemático e obedecidos os parâmetros fixados na Constituição Federal.
O modo simplista adotado pelo Poder Executivo e respaldado pelo Poder Legislativo, sem
um estudo adequado, é extremamente deletério
e preocupante, considerando que a partir da troca
da base contributiva, não se aplica mais a vedação constitucional sobre os recursos coletados, e a
desvinculação ocorre de modo imediato, gerando
perdas de recursos para a previdência social.
O decréscimo de participação da indústria na
composição do PIB exige efetivas medidas do
Estado, no entanto claro está que o Estado não
quer diminuir a sua arrecadação, e a desoneração
da folha tem como objetivo maior a composição
de recursos imediatos para a mobilidade política
e econômica do Poder Executivo.
Diante de todo o exposto o que de fato tem significado para o presente estudo é a preservação do
sistema de seguridade social, especialmente a manutenção da sua autonomia por meio de recursos
e orçamento próprios, desvinculados dos do orçamento fiscal da União, conquista de longos anos de
luta e que lhe imprimem segurança jurídica.
A alteração de base, com o preceito da desvinculação de receita, coloca o sistema em risco, pois
a União tem por prática aviltar o seguro social. n
3 União, estados, Distrito Federal e Municípios.
Fórum j u r í di co
85
artigo
Clarisse Laupman Ferraz Lima
G i o v a n n a F i l i pp i D e l N e r o
Fernanda Rizzo
Um Pouco de Europa
“Desejo falar-vos hoje da Europa. Este nobre continente compreende no seu conjunto uma das regiões
mais cultivadas da Terra: goza de um clima temperado
e constante. É o berço de todas as grandes raças das
quais saíram os povos ocidentais. É a fonte da Fé e
da Moral cristãs. Está na origem de todas as religiões,
as artes, as filosofias e as ciências dos tempos antigos
e modernos. Mas é da Europa que partiu esta vaga
de espantosas paixões nacionalistas que tiveram a sua
origem nos países alemães, e vimos que no século XX
estas paixões destruíram a paz e fizeram soçobrar as
esperanças de toda a Humanidade...”1
Clarisse Laupman Ferraz Lima professora de Direito
Internacional na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre e Doutoranda
em Direito Internacional pela PUC-SP.
Giovanna Filippi Del Nero estudante do 10º semestre
da faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Participou do Núcleo de Arbitragem
da PUC-SP, para preparação para o Willem C. VIS International Commercial Arbitration Moot – 2011. Estagiária na
área de contencioso cível do escritório Sergio Bermudes.
Fernanda Rizzo estudante do 10º semestre da faculdade
de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. Estagiária na área de contencioso cível do escritório Araújo e Policastro Advogados.
86
Fórum j urí di co
Assim, incitava Churchill à formação do que
hoje chamaríamos de União Europeia. Com
todo seu ufanismo e majestade nos apresentava,
em 1947, o único caminho, o de uma Europa
unida em bloco, para que os Estados do Continente Europeu, massacrados por duas grandes
guerras, voltassem a brilhar no cenário internacional. Mais que brilhar, determinava que a
Europa recuperasse sua voz e se fizesse respeitar
comercial e economicamente.
Muitos foram os passos desde então. Muitas
foram às vitórias deste modelo de integração.
Surgiram a Comunidade Europeia, 1958, depois
a União Europeia, 1993, e o Euro.2 Muitos foram os anos de bonança, prosperidade e, hoje, em
2012, estamos vivendo outro surpreendente momento.Vivemos a primeira grande crise do modelo de bloco europeu de integração econômica.
Primeira, pois se inicia em 2008 e permanece até
agora, provocando uma série de questões e chegando a colocar todo o bloco em xeque.
1 Discurso de Churchill na ONU em 1947 www.maltez.info.
com . Acesso em: 12.07.2012.
2 A moeda escritural, nos contratos e afins, a partir de 1999 e a
moeda física, notas e moedas, a partir de 2002.
O modelo de bloco econômico europeu baseia-se, basicamente, na supranacionalidade3 e no respeito a princípios como igualdade entre os nacionais
e as cinco liberdades do mercado comum (Livre
circulação de bens, pessoas, serviços, concorrência e
capital4). Com isto, o que for resolvido pela maioria dos Estados-membros da União Europeia serve
aos demais membros do bloco. Porém, os tempos de
tempestades têm nos mostrado o enfraquecimento
desta união e as diferenças entre os seus “iguais”.
A crise europeia exige atenção da comunidade internacional, na medida em que a estabilidade econômica e política da União Europeia
influencia de forma intensa todas as relações internacionais do cenário mundial atual.
3 Opção na qual, por decisão do país membro, há uma delegação parcial de soberania em relação ao bloco econômico. Com
isto, as deliberações do Bloco sobre os assuntos delegados, determinadas por maioria absoluta, são acatadas como lei. Exemplo da
União Europeia – artigo 3o-B: “(...) Nos domínios que não sejam
das suas atribuições exclusivas, a Comunidade intervém apenas,
de acordo com o princípio da subsidiariedade, se e na medida
em que os objetivos da ação encarada não possam ser suficientemente realizados pelos estados-membros, e possam pois, devido
à dimensão ou aos efeitos da ação prevista, ser melhor alcançados
ao nível comunitário. A ação da Comunidade não deve exceder o
necessário para atingir os objetivos do presente Tratado.”
4 Chamamos de cinco liberdades a fase de mercado comum na
qual podem circular livremente as pessoas, isto é, podem viver na
França e trabalhar na Inglaterra, por exemplo. Os produtos fabricados em um país podem ser comercializados sem impostos nos
outros, portanto, liberdade de bens. E assim também ocorrendo
com os serviços, concorrência e capital.
Por um lado, a crise decorre do desequilíbrio
entre as economias dos países centrais e países periféricos que hoje coabitam no bloco, gerando discussões sobre a necessidade de instauração de uma
política fiscal comum em prol da manutenção da
saúde da União. De outro lado, a crise aponta para
a ruptura da União, com a saída de países cujas economias encontram-se fragilizadas, e se estabelece
um clima de animosidade dentro da Comunidade.
A crise financeira dentro da Europa se deu basicamente por problemas fiscais. Alguns Estados
periféricos, como Grécia, gastaram mais do que
arrecadaram e não conseguiram honrar com seus
compromissos com relação ao bloco, tais quais o
endividamento limite sobre o PIB de 60%, previsto no Tratado de Maastricht. A partir desse
fato outros estados, como Portugal, Itália, Irlanda,
entre outros, também fraquejaram, endividados,
gerando um efeito dominó, o que causou grande
desconfiança ao mercado internacional.
A crise europeia exige atenção da
comunidade internacional, na medida
em que influencia de forma intensa
todas as relações internacionais do
cenário mundial atua
Fórum j u r í di co
87
artigo
Clarisse Laupman Ferraz Lima
G i o v a n n a F i l i pp i D e l N e r o
Fernanda Rizzo
Com tais questões de âmbito fiscal, outros problemas mais antigos e sem solução vieram à tona e
a crise europeia foi se intensificando cada vez mais.
A questão migratória, por exemplo, é de grande
influência na Europa hoje e sempre e nos traz lembranças assombrosas da migração descontrolada e
desesperada advinda da Segunda Grande Guerra,
decorrente da perseguição nazista. Desta feita, incontroverso que a Europa atual tem que se preocupar de forma severa com o xenofobismo. Os
imigrantes que já foram vistos como mão de obra
barata, hoje, são tidos como intrusos no bloco que,
em tese, garante a liberdade de circulação de pessoas. Não estamos falando aqui de latinos ou americanos. Estamos falando de espanhóis na Alemanha,
por exemplo, tanto quanto os gregos ou turcos.
A política imigratória foi tema da última eleição
francesa que derrubou o então poderoso político
europeu Nicolas Sarkozy, que defendia uma política de restrição aos imigrantes. O xenofobismo está
nas ruas quando alemães culpam os gregos ou italianos pela crise. Essa designação de culpa não está
correta. Não podemos ser unidos na riqueza e inimigos na pobreza, não são estes os votos conjugais.
Não são esses os votos de fidelidade professados
pelos princípios fundamentais da União Europeia.5
Além de, ou melhor, junto com os problemas
imigratórios temos a falta de empregos. É essa a
5 “Artigo A: Pelo presente Tratado, as Altas Partes Contratantes
instituem entre si uma União Europeia, adiante designada por
aUnião”. (...) A União funda-se nas Comunidades Europeias,
completadas pelas políticas e formas de cooperação instituídas
pelo presente Tratado. A União tem por missão organizar de
forma coerente e solidária as relações entre os Estados-membros
e entre os respectivos povos.titueArtigo B: A União atribui-se os seguintes objetivos: (...) a afirmação da sua identidade na
cena internacional, nomeadamente através da execução de uma
política externa e de segurança comum, que inclua a definição,
a prazo, de uma política de defesa comum, que poderá conduzir,
no momento próprio, a uma defesa comum; o reforço da defesa
dos direitos e dos interesses dos nacionais dos seus Estados-membros, mediante a instituição de uma cidadania da União;
o desenvolvimento de uma estreita cooperação no domínio da
justiça e dos assuntos internos; (...).m
88
Fórum j urí di co
Os tratados assinados fizeram
da União Europeia um Organismo
Internacional vivo e, como tal,
têm em sua essência a perenidade
e o desejo de prosseguir, seja
qual for a adversidade
grande responsável por ressaltar quem é nacional e
qual sua origem. Quando não existe o desemprego
as diferenças diminuem. Se tiver trabalho qual a importância de o vizinho de mesa ser alemão como
eu ou inglês? Só me importarei em olhar para além
de meu ombro quando já não tiver renda. Essa é a
triste realidade que enfrenta a Europa hoje.
Com o desemprego, surge outra questão: a
previdência. Posso confiar nos fundos de pensão? Aposentar-me-ei com quantos anos? Essas
dúvidas constantes geram protestos entre idosos e jovens. Há conflito entre gerações. Não o
cultural, mas sim um conflito de interesses: com
quanto vou ter que contribuir para sustentar
aquele que não produz?
Somada à questão do emprego, salta a questão
das políticas agrícolas. Quando da instituição da
União Europeia pelo Tratado de Roma, previu-se uma série de medidas para garantir o bem
estar duradouro do bloco, dentre as quais uma
política agrícola comum visando aumentar a
produtividade no campo, garantir um bom nível de vida para a população rural, estabilizar os
mercados, e garantir os fornecimentos regulares
e preços razoáveis no abastecimento ao consumidor. Parecia medida suficiente para o sucesso
da unidade político-econômica.
No entanto, a referida política agrícola exigia
a injeção de recursos pelos países de economia
consolidada nos países de economia insipiente,
o que culminou não na esperada emersão desses
países, mas sim em sua dependência financeira.
Essa mesma política fez valer um programa de
subsídios ainda hoje debatido dentro da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Em um momento de crise, a primeira providência, ou mais conservadora, seria manter
medidas protecionistas. No entanto, a União
Europeia não está em condições de fazê-lo neste momento em que a competição com países
emergentes, como os BRICS, não seria salutar.
Contudo, esses países também devem estar solidários, compreensivos ao momento vivido pelo
bloco parceiro , uma vez que não lhes interessa
perder esse mercado consumidor.
Dentro das perspectivas apresentadas seria
fácil acreditar na derrocada da União Europeia:
os estados mais fortes sobreviveriam e os fracos
voltariam a ser satélites dos demais.
Num momento de crise é mais fácil pensar
em algo que nos é conhecido, confortável. E já
são muitas as notícias internacionais de protestos populares na Grécia e no resto da Europa.
Há também alguns estudiosos, como o premiado economista alemão Thilo Sarrazin, que
pensam ser melhor, neste momento, voltar ao
status quo anterior e acabar com a União Europeia. Acreditar nesta hipótese seria desacreditar
no Direito Internacional e em tudo o que ele
construiu nos últimos 65 anos. Os tratados assinados fizeram da União Europeia um Organismo Internacional vivo e, como tal, têm em sua
essência a perenidade e o desejo de prosseguir,
seja qual for a adversidade. n
Referências bibliográficas:
http://eur-lex.europa.eu/pt/treaties/dat/11992M/htm/11992M.html#0001000001. Acesso em: 05.08.2012.
http://europa.eu.int . Acesso em: 05.08.2012.
BERCHARDT, Klaus Dieter. O ABC do Direito Comunitário. Luxemburgo: Comissão Europeia, 2000.
CYRAN, Olivier. Alemães com Medo do Espantalho Grego. in Le Monde Diplomatique Brasil. Edição: julho/2012.
Fórum j u r í di co
89
artigo
G u s tav o A m a d o L e ó n
Antônio Márcio da Cunha Guimarães
Contratos
Internacionais
de Seguros breve análise
Gustavo Amado León estudante do 8o semestre da faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. Estagiário na área societária do escritório Mattos
Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados.
Antônio Márcio da Cunha Guimarães Professor de
Direito Internacional na Faculdade de Direito e na Pós-Graduação stricto sensu da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre e Doutor em Direito Internacional pela PUC-SP. Professor Avaliador do Ministério
da Educação e da Secretaria Estadual da Educação do
Estado de São Paulo
90
Fórum j urí di co
Introdução
O presente artigo tem o escopo de delimitar a
natureza dos contratos de seguros, definindo seu
conceito jurídico e utilização. Dentro dessa perspectiva, será analisada a importância do mercado
securitário para a economia do Brasil, além de
explicar como funcionam os órgãos reguladores e
ilustrar um pouco da trajetória do instituto ao longo da história brasileira.
Em 1808, ano da abertura dos portos do até então Brasil colônia, o príncipe regente D. João VI assinou o decreto que autorizava o funcionamento da
primeira companhia de seguros no país. Esta cuidava de seguros marítimos, que era a mais importante
via de locomoção para longas distâncias. Era o início da proteção à economia.
Após a proclamação da independência, autorizou-se, em 1828, o funcionamento da primeira
companhia de seguros do Império, a Sociedade de
Seguros Mútuos Brasileiros, também voltada para o
mercado marítimo. A partir do Código Comercial
de 1850, regularam-se os seguros marítimos e surgiram inúmeras seguradoras nacionais. Já nessa época se falava em diversos tipos de seguros, tais como
seguro de maços de papéis e cartas, para o caso de
extravio; em seguros de incêndio e vida; além de já
existir o seguro contra a mortalidade de escravos, os
quais ainda eram considerados mercadorias.
Com o desenvolvimento, mesmo que lento, da
economia brasileira e percebendo se tratar de uma
tendência mundial, o Governo Brasileiro criou uma
maneira de fiscalizar e regular o negócio securitário, protegendo as companhias nacionais, criando
órgãos estatais de controle e impedindo legalmente
que empresas estrangeiras invadissem o mercado
econômico brasileiro.
Em um cenário de desenvolvimento econômico, aumento populacional e incremento técnico-científico, o mercado de seguros expandiu de
tal forma que nas primeiras décadas do século XX
já havia seguros obrigatórios como, por exemplo,
o seguro de proteção a acidentes de trabalho.
Ao final da década de 1940, criou-se o Instituto
de Resseguro do Brasil (IRB) que fez desenvolver a
atividade securitária no nosso país. E daí por diante,
por meio de alterações legislativas, a quantidade de
contratações de seguros só cresceu, hoje sendo considerado o momento de massificação dessa relação
jurídica contratual. Contribuiu para isso também
o aumento no poder aquisitivo do brasileiro, que
culminou na criação da cultura do protecionismo.
O instituto jurídico do Seguro
A origem do seguro está intimamente ligada
à necessidade de segurança inerente à natureza
humana. Com a constatação da impossibilidade
de se evitar os riscos aos quais estamos expostos
na vida cotidiana, o ser humano atua de forma a
reduzir suas consequências por meio do instituto
jurídico do seguro.
A noção de seguro está em constante desenvolvimento, adequando-se às necessidades da população
e da economia. 1 Nesse sentido, pode-se definir o
instituto jurídico do seguro como sendo um sistema
protetor das pessoas, físicas ou jurídicas, dos diversos
riscos, que podem ser resultar em consequências
catastróficas, provenientes de todas as atividades humanas, como a própria vida pessoal ou profissional. 2
O contrato de seguro constitui-se em contrato solene, consensual, aleatório e de boa fé,
estabelecido entre o segurador e o segurado.
Ademais, a tutela dos seguros se inclui no direito
privado, visto que tem por base um negócio jurídico obrigacional e produto da autonomia privada.
Assim, por meio do fenômeno do seguro, temos
a figura do segurado e da empresa seguradora, a
qual aceita a transferência do risco por meio de
1 AEBERHARD, René. Notions générales en matière d’ássurance.
2 SILVA, Rita Gonçalves Ferreira da. Do contrato de seguro de
responsabilidade civil geral. Coimbra: Editora Coimbra, 2007.
um contrato, estabelecendo, a posteriori da análise
do risco, um valor a ser pago pelo segurado, denominado prêmio de seguro.
Segundo a visão de base atuarial, seguro é um
sistema de gestão matemática de riscos, estruturado no conceito do mutualismo e nas leis estatísticas da probabilidade.
Mutualismo é um dos alicerces da atividade
seguradora. Trata-se de um sistema não muito
complexo, em que um grupo de pessoas com
interesses comuns unem suas forças para a constituição de um fundo único, cuja intenção seja
suprir, em determinado momento, a ocorrência
de um acidente ou um evento danoso inesperado
ou imprevisto, além de necessidades fortuitas dos
membros afetados – conforme exposto na obra
Contratos Internacionais de Seguros.3
É pela aplicação do princípio do mutualismo
que as empresas de seguros conseguem repartir
os riscos tomados, diminuindo, desse modo, os
prejuízos que o sinistro poderia-lhes trazer.
A importância dos Seguros na Economia
Percebe-se que os indivíduos segurados, ao contribuírem para o grupo protegido administrado
pela companhia seguradora, geram uma poupança
interna no nosso sistema econômico. Os mencionados recursos não ficam apenas aguardando o pagamento de um futuro sinistro (indenização a um
evento danoso protegido pelo contrato de seguros).
Servem para desenvolver a economia, uma vez que
as companhias seguradoras investem na produção e
no desenvolvimento de novos produtos, auxiliando a formação do capital e, consequentemente, a
produção econômica.
As companhias seguradoras e todo o mercado
securitário participam ativamente do processo
3 GUIMARAES, Antonio Marcio da Cunha. Contratos Internacionais de Seguros. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2002.
Fórum j u r í di co
91
artigo
G u s tav o A m a d o L e ó n
Antônio Márcio da Cunha Guimarães
econômico, visto que auxiliam diretamente o
conjunto formador da poupança interna do país,
restaurando o equilíbrio econômico-financeiro
daqueles que tiveram perdas com eventos danosos por meio do ressarcimento.
Os Órgãos de Controle do
Mercado Securitário no Brasil
A consolidação do Sistema Nacional de Seguros Privados no Brasil se deu em 1966, com
a edição do Decreto-lei nº 73, que veio regular todas as operações de seguros e resseguros
no nosso país, definindo as estruturas e alçadas
de cada órgão envolvido. A nossa Constituição
Federal atual traz, em seu artigo 21, inciso VIII,
como competência da União a administração e
fiscalização das operações de seguros. Além disso,
somente o referido ente político poderá legislar
sobre seguros, como se afirma no artigo 22, inciso VII da Magna Carta.
O artigo 8º do Decreto-lei nº73/66 institui
o Sistema Nacional de Seguros Privados, que é
constituído por:
• Conselho Nacional de Seguros Privados CNSP;
• Superintendência de Seguros Privados - SUSEP;
• Resseguradores;
• Sociedades autorizadas a operar em seguros
privados;
• Corretores habilitados.
O Conselho Nacional de Seguros Privados é
o órgão que, dentre outras competências dispostas no artigo 32 do diploma legal, normatiza as
atividades securitárias do país e a política de seguros privados; regula a constituição, organização,
funcionamento e fiscalização dos que exercerem
atividades subordinadas ao referido Decreto-lei,
bem como a aplicação das penalidades previstas.
92
Fórum j urí di co
Desta feita, é este o órgão que decide, em última
instância, as pendências no campo de seguros, regulamentando os seguros obrigatórios e estabelecendo os limites às operações de seguros no país.
A Superintendência de Seguros Privados é o
órgão fiscalizador da constituição, organização,
funcionamento e operação das Sociedades Seguradoras na qualidade de executora da política
traçada pelo CNSP. É considerada uma autarquia,
vinculada ao Ministério da Fazenda e criada pelo
mesmo Decreto-lei nº 73/1966. A SUSEP será
administrada por um Superintendente escolhido
pelo Presidente da República, mediante indicação do Ministro da Fazenda.
Com o fim do monopólio do resseguro no
Brasil, antes exercido pelo Instituto de Resseguros
do Brasil (IRB), abriu-se o mercado para resseguradoras nacionais ou estrangeiras ingressarem no
negócio securitário do Brasil e, por isso, estas foram introduzidas ao Sistema Nacional de Seguros
Privados Brasileiros.
Ademais das resseguradoras, temos as companhias seguradoras e as corretoras de seguros que
fazem parte do sistema supra citado.As primeiras
são tidas como investidores institucionais, pois
lastreiam suas operações, garantidas por ativos,
formando, assim, a poupança interna do país. Já a
corretora, pessoa física ou jurídica, é o intermediário legalmente autorizado a angariar e promover contratos de seguro entre as Sociedades
Seguradoras e as pessoas físicas ou jurídicas de
Direito Privado, sempre representando os interesses dos segurados.
condições e restrições. Messineo4 afirma que a
consensualidade, como simples acordo de vontades, constante de todo contrato, não deixa de existir pelo fato de a ordem jurídica descer a maiores
detalhes de regramento do contrato, restringindo a
liberdade convencional, ainda que à simples liberdade de adesão, ou melhor, de contratar.
Washington de Barros Monteiro5 aponta que
o contrato de seguro é bilateral, pois gera entre
as partes contratantes recíprocas obrigações. É
também aleatório, porque o ganho ou a perda das
partes está na dependência de circunstâncias futuras e incertas, previstas no contrato e que constituem o risco, referente à pessoas ou coisas.
De uma maneira mais abrangente, podemos
dizer6 que os contratos de seguros, assim como
outros que possuem os mesmos requisitos, são
contratos de cláusulas regulamentares, as quais melhor
se coadunam com o direito positivo brasileiro.
O contrato de seguro é real, só sendo obrigatório após o pagamento do prêmio pelo segurado
em favor da Companhia Seguradora, para que esta
assuma o risco do eventual futuro prejuízo. É também, bilateral e sinalagmático, porquanto pressupõe obrigações recíprocas, principais e correlativas,
ou seja, interdependentes, servindo umas e outras.
Risco – é a exposição do patrimônio ou da vida
à uma possibilidade de ocorrer um dado prejuízo.
Prêmio – é o valor total pago (à vista ou em
parcelas) pelo segurado em favor da Cia. Seguradora para que esta corra o risco em seu lugar.
Indenização – é o valor a ser ressarcido pela
companhia a fim de recompor o patrimônio
lesado ou, em caso de seguro de vida, o paga-
Os elementos do contrato de Seguros
O contrato de seguro é formado por uma série
de elementos que o caracterizam e lhe dão plena
existência. Embora se admita como certa a liberdade contratual, esta não é absoluta, mas, ao contrário, está subordinada a regras jurídicas que impõem
4 MESSINEO, Francesco. Introduzione – in Dottrina generale
del contratto. 3a ed. Milão: Editora Giuffrè, p. 7, n. 3, apud Ruy
Nunes Pereira, op. cit., pág. 326;
5 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil
– 5o Vol. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 333.
6 Vide obra em que este autor explana sobre tal ideia: GUIMARAES, Antonio Marcio da Cunha. Contratos Internacionais de
Seguros. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2002.
mento de uma quantia em dinheiro previamente
estipulada pelas partes, uma vez que o valor da
vida humana é inestimável, mas as partes podem
indicar um valor de indenização.
Interesse segurável – é um requisito essencial
do contrato de seguro, correspondendo ao interesse do segurado de que o sinistro não se produza.
Conclusão
Foi possível notar, após o estudo dos seguros e
seus institutos, a importância que possuem e sua
influência na economia nacional e internacional.
Atualmente, o instituto do seguro é algo do
nosso cotidiano, denotando sua essencialidade no
âmbito da vida pessoal, por nos munir de segurança. As mudanças que ele proporcionou na vida de
toda sociedade foram marcantes e imprescindíveis, tornando-o algo fundamental, tanto para os
cidadãos, quanto para pessoas jurídicas nacionais e
internacionais. Certamente esse mercado só tende a crescer e ganhar cada vez mais importância
nos setores da economia mundial. n
Referências bibliográficas
RIBEIRO, Amadeu Cavalhaes. Direito de Seguros. Editora Atlas, 2006
GUIMARAES, Antonio Marcio da Cunha. Contratos
Internacionais de Seguros. São Paulo, Editora RT - Revista dos
Tribunais, 2002.
MARTINEZ, Pedro Romano. Direito dos Seguros, Editora
Principia: Cascais
CAMPOS, João Elísio Ferraz de. Seguro desenvolvido, economia
forte e justiça social.
GODINHO, Thiago. Elementos de Direito Internacional Público e
Privado. Editora Atlas, São Paulo: 2010.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil – 5o
Vol. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 1991.
http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=4025 Acesso
em: 13.07.2012.
http://jus.com.br/revista/texto/3777/contrato-de-seguro
Acesso em: 13.07.2012.
http://www.rbrs.com.br/paper/paper_interna.cfm?id=11
Acesso em: 13.07.2012.
http://www.tudosobreseguros.org.br/sws/portal/pagina.
php?l=267 Acesso em 13.07.2012.
Fórum j u r í di co
93
artigo
AS DUAS FACES DO
NEOCONSTITUCIONALISMO:
DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO
SIMBÓLICA À CONCRETIZAÇÃO
CONSTITUCIONAL
Pedro Mauricio Garcia Dotto é estudante do 8° semestre do curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Monitor em Direito Constitucional
da Professora Flavia de Campos Pinheiro e estagiário da
Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
94
Fórum j urí di co
Pedro Mauricio Garcia Dotto
Introdução
O objetivo do presente estudo consiste na
análise dos pólos extremos e antagônicos que
exsurgem como possibilidade face ao fenômeno do constitucionalismo do pós Segunda
Guerra Mundial. O chamado neoconstitucionalismo é caracterizado pela positivação dos
direitos fundamentais, mormente econômicos
e sociais, e pela edificação do Estado Democrático de Direito como mecanismo de proteção
dos grupos minoritários.
Por um lado, emergem condições jurídico-políticas favoráveis ao atingimento da justiça
social, assegurando-se um mínimo existencial
digno a todos, ao mesmo tempo em que se
busca uma democracia de cunho substancial.1
Contudo, em sua face mais perversa, o neoconstitucionalismo se apresenta como mera
retórica, despido do seu caráter supostamente diretivo e vinculante. É o que o jusfilósofo
Marcelo Neves chama de constitucionalização
simbólica, a qual implica, essencialmente, em
uma “representação ilusória em relação à realidade
constitucional, servindo antes para imunizar o sistema político contra outras alternativas.” 2
Em decorrência deste duplo aspecto, o constitucionalismo contemporâneo (neoconstitucionalismo) apresenta uma séria problemática.
Portanto, não devemos descuidar do quanto
adverte Müller: “a positivação do direito moderno
como textificação é faca de dois gumes. Como já se
assinalou, ela pode ser desvirtuada na direção do sim1 Para Alexandre Morais da Rosa, “a legitimação do Estado
Democrático de Direito deve suplantar a mera democracia formal, para
alcançar a democracia material, na qual os Direitos Fundamentais devem
ser respeitados, efetivados e garantidos, sob pena de deslegitimação paulatina das instituições estatais.” – em Garantismo Jurídico e Controle
de Constitucionalidade Material: Aportes Hermêuticos. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p. 5.
2 NEVES, Marcelo. A Constitucionalização Simbólica. 2ª ed. São
Paulo: WMF Martins Fontes, 2007, p. 98.
bólico de má qualidade, mas também pode ser levada
precisamente ao pé da letra.” 3
É este embate que o presente trabalho se propõe a abordar.
Constitucionalização Simbólica e Morte
Espiritual da Constituição
Em um belo texto, intitulado Réquiem para uma
Constituição, Comparato já alertava para o paulatino desvirtuamento que nossa Carta Constitucional vinha sofrendo. De forma sub-reptícia,
mas incisiva, dava-se aos poucos o esvaziamento
da Constituição de 1988, o qual o notável jurista
ilustra com uma metáfora histórica. A saber:
“As ordenações do Reino de Portugal, que vigoraram
entre nós por muito tempo, mesmo depois da Independência, cominavam dois tipos de pena capital: a morte
natural e a morte espiritual. A primeira atingia o corpo,
a segunda a alma. O excomungado continuava a viver;
mas só fisicamente: sua alma fora executada pela autoridade episcopal, aliada ao braço secular do Estado.” 4
Logo em seguida, anuncia, em tom lúgubre:
“Algo de semelhante está em vias de suceder com a
Constituição Federal de 5 de outubro de 1988. Ela
continuará a fazer parte, materialmente, do mundo dos
vivos, mas será um corpo sem alma.”5 6
Esta imagem traduz com primor a noção
de constitucionalização simbólica proposta por
3 MÜLLER, Friedrich. Quem é o Povo?. 6ª ed. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 88.
4 COMPARATO, Fábio Konder. Réquiem para uma Constituição.
In: LESBAUPIN, Ivo. (Org.). O Desmonte da Nação. Petrópolis:
Vozes, 1999, p. 15.
5 Idem.
6 Observe-se que, à mesma época, Paulo Bonavides também
protestava contra o que ele denominou de golpe de Estado institucional. À semelhança da morte espiritual da Constituição, pode-se dizer que “com o golpe de Estado institucional as instituições não
mudam de nome; mudam, sim, de teor, substância e essência. De sorte
que uma vez levado a cabo, a conseqüência fatal, no caso específico do
Brasil, é a conversão do País constitucional em País neocolonial.” – em
BONAVIDES, Paulo. Do País Constitucional ao País Neocolonial. 4ª
ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2009, p. 24.
Marcelo Neves. A Constituição como embuste,
engodo. Uma Carta Constitucional que formalmente assegura a todos, indistintamente, o acesso aos direitos fundamentais, mas que na prática
os (re)nega e os (só)nega diuturnamente. Tal é o
quadro formulado em se tratando de uma constitucionalização simbólica.
Segundo Neves, “fala-se de constitucionalização
simbólica quando o problema do funcionamento hipertroficamente político-ideólogico da atividade e textos
constitucionais afeta os alicerces do sistema jurídico
Há um abismo intransponível
entre o ordenamento jurídicoconstitucional e sua concretização
efetiva na “realidade constitucional
constitucional. Isso ocorre quando as instituições constitucionais básicas – os direitos fundamentais (civis,
políticos e sociais), a ‘separação’ de poderes e a eleição
democrática – não encontra ressonância generalizada
na práxis dos órgãos estatais nem na conduta e expectativas da população.”7
Pode-se dizer que há um abismo intransponível entre o ordenamento jurídico-constitucional e sua concretização efetiva na “realidade
constitucional”. De modo a aclarar com um
exemplo, vale recorrer a Neves quando afirma
que “ao contrário da generalização do direito que
decorreria do principio da igualdade, proclamado simbólico-ideologicamente na Constituição, a ‘realidade
constitucional’ é então particularista, inclusive no que
concerne a prática dos órgãos estatais”. Em sínte7 NEVES, Marcelo. A Constitucionalização Simbólica. 2ª ed. São
Paulo: WMF Martins Fontes, 2007,p. 100
Fórum j u r í di co
95
artigo
A Constituição deve ser tomada
em sua materialidade, por meio
da efetiva concretização de suas
diretrizes no âmbito fático
se, poderíamos dizer que “ao texto constitucional
simbolicamente includente contrapõe-se a realidade
constitucional excludente”.8
Desnecessário assinalar que, com um olhar
mais atento ao nosso entorno, percebe-se claramente as profundas contradições existentes entre, por um lado, o rol de direitos fundamentais
elencados em nosso Texto Constitucional e, por
outro, sua efetiva aplicação/observância por parte do Poder Publico. E isto - ressalte-se - após
quase vinte cinco anos de sua promulgação! Estaríamos diante de um caso de constitucionalização simbólica? Não seria descabido perguntar...
Se a constitucionalização simbólica impede
que a Carta Constitucional cumpra seus propósitos declarados,9 sua função latente é a de
anestesiar possíveis manifestações populares e a
de apaziguar suas reivindicações, sob a alegação de que, em um tempo futuro, suas carências
seriam devidamente satisfeitas. É um artifício,
trompe l’oeil (ilusão de ótica), como bem assinala Comparato. Aliás, sua verdadeira finalidade
consiste, sobretudo, em conservar o status quo
e os privilégios da elite política, considerando
que “imuniza o sistema político contra outras alternativas e transferem-se as soluções dos problemas
para um futuro remoto.” 10
8 Idem.
9 Atente-se ao art. 3º da nossa CF (Objetivos Fundamentais da
República Federativa do Brasil) em comparação com a realidade
social preponderante em nosso país.
10 NEVES, Marcelo. A Constitucionalização Simbólica. 2ª ed.
São Paulo: WMFMartins Fontes, 2007,p. 101.
96
Fórum j urí di co
Pedro Mauricio Garcia Dotto
Concretização Constitucional: Levando a
Constituição a Sério.
De início, vale recordar que, desde o princípio do nosso Estado Brasileiro, enfrentamos uma
grave distorção entre o plano discursivo e o da
práxis por parte de nossos governantes. Na lição
do historiador Marco Antonio Villa: “O país já
nasceu com uma organização política antidemocrática. E o poder nunca se reconheceu como arbitrário. Ao
contrário, D. Pedro I inaugurou o arbítrio travestido
de defensor das liberdades – a esquizofrenia de um
discurso liberal e uma prática repressiva.” 11
Por conseguinte, não causaria tamanha estranheza em nós o fato de haver um profundo fosso entre nossa matriz constitucional e a
atuação dos órgãos estatais. A única diferença
residiria exatamente no foco da esquizofrenia
governamental: não mais um discurso liberal e
uma prática despótica e arbitrária, senão que
um discurso – consubstanciado no pacto constitucional – compromissório, social e dirigente
convivendo com uma práxis de viés absentista, privativista e individualista. É esta a grande
contradição nos dias atuais.12
Entretanto, note-se como é custoso e árduo
nos desvencilharmos da nossa pesada carga histórica repleta de opressão e autoritarismo para
caminharmos em direção a uma sociedade mais
livre, justa e solidária, como aponta nossa Constituição Federal,13 tal qual uma bússola talhada
no peito da nossa nação, não permitindo que
11 VILA, Marco Antonio. A História das Constituições Brasileiras.
1ª ed. São Paulo: Leya, 2011. p. 20
12 Como aponta Lênio Streck: “Estamos, assim, em face de um
sério problema: de um lado temos uma sociedade carente de realização
de direitos e, de outro, uma Constituição Federal que garante estes
direitos de forma mais ampla possível. Este é o contraponto. Daí
a necessária indagação: qual é o papel do Direito e da dogmática
jurídica neste contexto?” - STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica
Jurídica e(m) Crise. 10ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado
Editora, 2011, p. 47.
13 Vide artigo 3°, I.
esqueçamos jamais o pacto assumido. É por isso
que a elaboração da Constituição da República, no exercício pleno do poder constituinte do
povo, não se esgota com a promulgação do diploma constitucional, mas se prolonga no tempo,
dia após dia, acarretando uma vivência em compasso com a rede axiológica por ela estabelecida.
Não é por outra razão que Müller sustenta
com fulgor que “a constituição de si mesmo não
se faz por meio da redação e subscrição de um papel
chamado ‘Constituição’. Uma associação se constitui
realmente pela práxis, não pelo diploma; não por meio
da entrada em vigor, mas pela vigência: diariamente, na
duração histórica.” 14
Daí que a Constituição Federal não deve ser
encarada somente como um “já-dado”, irremediavelmente fechado e acabado; mera instân14 MÜLLER, Friedrich. Fragmentos (sobre) o Poder Constituinte
do Povo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 26.
cia de legitimação formal do sistema jurídico.
Nem mesmo como uma carta de princípios
sem pretensão de afetar a realidade que a circunda e de vincular a conduta dos agentes estatais.15 A Constituição deve ser tomada em sua
materialidade, por meio da efetiva concretização de suas diretrizes no âmbito fático. Ela deve
conduzir a atividade legislativa, o agir da Administração Pública e a atuação do Judiciário, bem
como influir na ação dos particulares. E isto só
se dá em virtude da observância, por parte do
Poder Público, dos preceitos constitucionais e
15 Lembrando o constitucionalista português Canotilho: “O
problema é este: afinal a Constituição é apenas um esqueleto normativo,
um esqueleto do governo, ou é um esquema matricial de uma comunidade? E não é preciso ser uma Constituição dirigente: a Constituição é ou
não mais que um esquema de governo? A Constituição é ou não mais
do que a reafirmação de ideias clássicas? Nós dizemos: a Constituição é
mais e deve sê-lo.” – entrevista em COUTINHO, Jacinto Nelson
de Miranda. (Org.). Canotilho e a Constituição Dirigente. Rio de
Janeiro: Renovar, 2003, p. 18.
Fórum j u r í di co
97
artigo
Pedro Mauricio Garcia Dotto
à condição de existência. Outrossim, impõe-se
a persecução de uma democracia mais efetiva e
participativa, que transborde as raias estreitas de
um mandato eletivo e se coloque como dever
ético de uma cidadania atenta aos rumos da comunidade política na qual está inserida. E nós,
como integrantes das carreiras jurídicas, temos
uma grande responsabilidade na difusão e defesa
da cultura constitucional.
Conclusão
da incessante cobrança popular para a sua plena
realização, uma vez que o Texto Constitucional,
considerado exclusivamente em si mesmo, nada
pode executar.
Nesse sentido, aduz Konrad Hesse que:
“Embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas. A Constituição
transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar
a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida,
se, a despeito de todos os questionamentos e reservas
provenientes dos juízos de conveniência, se puder identificar a vontade de concretizar essa ordem.” 16
Desse modo, devemos nos esforçar para alçar
os direitos fundamentais abstratamente previstos
16 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991, p. 19.
98
Fórum j urí di co
Como dito anteriormente, o neoconstitucionalismo apresenta, sob a mesma rubrica, duas vias
diametralmente opostas. Uma é da constitucionalização simbólica, da Constituição-placebo, aparentemente calcada no Estado Democrático de
Direito, conquanto dele muito distante na prática
efetiva dos órgãos estatais. Ordem constitucional
irredutivelmente comprometida com o status quo,
com a manutenção dos privilégios de uma elite, e
inimiga de qualquer mudança que vise modificar
o cenário sociopolítico. A outra via é da concretização constitucional, na qual se vislumbra uma
Constituição-dirigente, sinceramente comprometida com os direitos fundamentais e sua aplicação/proteção. Ordem constitucional voltada para
a transformação social e redução das desigualdades, promoção de valores e aprofundamento das
instituições democráticas.
Vale recordar que o neoconstitucionalismo é
um movimento que nasceu das cinzas da barbárie institucionalizada que vicejou no século
passado, tendo surgido e se consolidado principalmente nos países do continente europeu.
Entretanto, migrou mais tarde para outros países,
difundindo-se largamente na América Latina.
Países periféricos, como o nosso, abraçaram o
neoconstitucionalismo e encontram nele condição de possibilidade para se emanciparem de um
passado autoritário e buscarem uma sociedade
mais igualitária. A Constituição assume, neste
ponto, papel fundamental na orientação normativa das práticas sociais e estatais.
Nas palavras de Lênio Streck:
“Com as Constituições democráticas do século XX
assume um lugar de destaque outro aspecto, qual seja,
o da Constituição como norma diretiva fundamental,
que dirige os poderes publicos e condiciona os particulares de tal maneira que assegura a realização dos valores
constitucionais (direitos sociais, direito a educação, à subsistência ou ao trabalho). A nova concepção de constitucionalismo une precisamente a ideia de Constituição
como norma fundamental de garantia, com a noção de
Constituição enquanto norma diretiva fundamental.” 17
É esta a via que se impõe: o neoconstitucionalismo enquanto dirigente da atuação dos órgãos
públicos e dos cidadãos na esfera privada, com
vistas à concretização plena e indiscriminada dos
direitos fundamentais e à conservação e aprimoramento do Estado Democrático de Direito.
Ainda que haja uma grande distância a percorrer, e note-se um claro descaso e descompromisso do Poder Público para com a efetivação
dos direitos e garantias proclamados no bojo da
17 STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica. Jurisdição Constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2004, p. 101.
impõe-se a persecução de
uma democracia mais efetiva e
participativa, que transborde as raias
estreitas de um mandato eletivo e se
coloque como dever ético
Constituição Federal, lá permanecem eles, albergados em cláusula pétrea, aguardando o momento da sua concretização.
O caminho está posto. Nossa Constituição
Federal é extraordinária no que tange ao rol de
direitos fundamentais e aos instrumentos disponíveis para sua realização. É preciso, enfim, levar
a Constituição a sério. Em toda sua extensão, sua
materialidade e sua potência normativa. E, a título de arremate, nos posicionamos com Müller
quando ele assevera que:
“Afinal de contas, não se estatuem impunemente
textos de normas e textos constitucionais, que foram
concebidos como pré-compreensão insincera. Os textos
podem revidar.” 18
Resta dar vida à Constituição. n
18 MÜLLER, Friedrich. Quem é o Povo?. Op. cit., p. 90.
Referências bibliográficas
1) NEVES, Marcelo. A Constitucionalização Simbólica. 2ª rd. São Paulo: WMFMartins Fontes, 2007.
2) HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991.
3) MÜLLER, Friedrich. Quem é o Povo? A questão fundamental da democracia. 6ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
4) MÜLLER, Friedrich. Fragmentos (sobre) o Poder Constituinte do Povo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004
6) ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo Jurídico e Controle de Constitucionalidade Material: Aportes Hermenêuticos. 2ª ed. Rio
de Janeiro: Lumen Júris, 2011.
7) STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 10ª ed.Porto
Alegre: Livraria dos Advogados Editora, 2011.
8) STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica. Jurisdição Constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2004.
9) COMPARATO, Fabio Konder. Réquiem para uma Constituição. In: LESBAUPIN, Ivo. (Org.). O Desmonte da Nação. Petrópolis:
Vozes, 1999
10) VILA, Marco Antonio. A História das Constituições Brasileiras. 1ª ed. São Paulo: Leya, 2011
11) BONAVIDES, Paulo. Do País Constitucional ao País Neocolonial. 4ª. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2009
12) COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. (Org.). Canotilho e a Constituição Dirigente. Rio de Janeiro: Renovar, 2003,
Fórum j u r í di co
99
artigo
A responsabilidade
pela ocupação de áreas
públicas de risco
Mariana de Castro Abreu. Aluna do 10º Semestre do
curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo. Estagiária de Direito no Escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados, na área
de Terceiro Setor, Cultura e Responsabilidade Social.
100
Fórum j urí di co
Mariana de Castro Abreu
Introdução
Da obrigação de fiscalização pelas
empresas concessionárias
O presente artigo busca defender, sob o ponto de vista jurídico, a responsabilidade de empresas
concessionárias de energia elétrica, quando agirem
de forma omissa quanto ao seu dever de fiscalização, pelos prejuízos causados aos ocupantes de
boa-fé de faixas de segurança de reservatórios de
usinas hidrelétricas, que consistem em uma das áreas públicas de risco mais comuns.
O estudo teve como ponto de partida o entendimento exarado em acórdão proferido pelo
Superior Tribunal de Justiça1 (STJ), no qual, em
suma, negou-se a possibilidade de indenização aos
ocupantes de boa-fé de áreas públicas, sob o fundamento de que estes não exerceriam posse sobre
tais áreas.
Dessa maneira, será feita uma análise visando
fomentar a discussão acerca do tema e ventilar argumentos que se contrapõem à tese defendida pelo
STJ, tendo como fundamento uma interpretação
sistemática do ordenamento jurídico, que abrange
principalmente a teoria da culpa administrativa, o
princípio da dignidade da pessoa humana e o direito fundamental à moradia.
No final da década de 90, teve início o processo de privatização de diversas empresas públicas do
setor energético brasileiro e, desde então, essas empresas passaram por inúmeras cisões parciais, o que
acarretou na concessão do uso de bens públicos para
a geração de energia elétrica a empresas privadas.
A título de exemplo, podemos citar o caso da
Companhia Energética de São Paulo (CESP), que
teve seus ativos adquiridos por diversas empresas privadas multinacionais, tais como a Duke Energy,AES
Tietê S.A. e a Companhia Paulista de Força e Luz
(CPFL), que atualmente são responsáveis por grande
parte da produção de energia elétrica no Brasil.
Dessa forma, essas empresas privadas passaram
a celebrar contratos de concessão de uso de bens
públicos com o Poder Público e, assim, assumiram
todas as responsabilidades e deveres legais inerentes
à geração de energia elétrica que antes cabiam exclusivamente à Administração Pública.2
Além da geração de energia elétrica, as empresas
concessionárias assumiram uma série de obrigações,
dentre as quais, a de fiscalizar3 o entorno dos reser-
1 “PROCESSO CIVIL - ADMINISTRATIVO - AÇÃO
DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - IMÓVEL FUNCIONAL - OCUPAÇÃO IRREGULAR - INEXISTÊNCIA DE
POSSE - DIREITO DE RETENÇÃO E À INDENIZAÇÃO
NÃO CONFIGURADO - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - EFEITO INFRINGENTE - VEDAÇÃO. 1. Embargos
de declaração com nítida pretensão infringente. Acórdão que
decidiu motivadamente a decisão tomada. 2. Posse é o direito
reconhecido a quem se comporta como proprietário. Posse e
propriedade, portanto, são institutos que caminham juntos, não
havendo de se reconhecer a posse a quem, por proibição legal,
não possa ser proprietário ou não possa gozar de qualquer dos
poderes inerentes à propriedade. 3. A ocupação de área pública,
quando irregular, não pode ser reconhecida como posse, mas
como mera detenção. 4. Se o direito de retenção ou de indenização pelas acessões realizadas depende da configuração da posse,
não se pode, ante a consideração da inexistência desta, admitir o
surgimento daqueles direitos, do que resulta na inexistência do
dever de se indenizar as benfeitorias úteis e necessárias. 5. Recurso não provido.”(STJ, 2ª Turma, REsp n.º 863939 /RJ, Min.
Relatora Eliana Calmon. Data do Julgamento: 04.11.2008)
2 “As sociedades da iniciativa privada que, por título jurídico
individual (concessão ou permissão), desempenham serviço
público por delegação resultante da descentralização administrativa por colaboração, na medida em que elas exercem atividade
pública, lógica e razoável a identidade do regime de responsabilidade de seus atos como se o Estado a executasse diretamente”
(MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Responsabilidade Civil
Extracontratual do Estado. Coord. Rosa Maria de Andrade Nery
e Rogério Donnini. Ed.Revista dos Tribunais. 2009.p.564)
3 Confira-se o disposto na minuta padrão de contrato de concessão de uso de bem público para geração de energia elétrica
do Ministério de Minas e Energia. Disponível em: http://www.
aneel.gov.br/. Acesso em: 06.07.2012.
“Cláusula oitava – Encargos da concessionária e condições de
exploração da UHE. (...) Subcláusula segunda – A concessionária
deverá adotar, no que diz respeito a cessão de direito de uso de
áreas marginais e ilhas do reservatório a ser formado pela Usina
Hidrelétrica, os seguintes procedimentos:
I – realizar vistoria permanente e manter diagnóstico anualmente
atualizado da situação das áreas marginais ao reservatório e ilhas com
identificação e cadastramento das ocupações à disposição da ANEEL.”
vatórios e impedir que ocupações por particulares
ocorressem nestas áreas, uma vez que servem como
faixas de segurança dos reservatórios e devem permanecer desocupadas em razão dos procedimentos
de engenharia determinados pelo Ministério de
Minas e Energia e pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) para a construção e funcionamento de usinas hidrelétricas.
Em termos técnicos, a faixa de segurança do
reservatório representa a área que margeia todo
o contorno do lago gerado pelo represamento
das águas fluviais e é definida com base no nível
máximo ideal de água presente no reservatório
para a geração de energia elétrica.
Esse nível máximo ideal de água é estabelecido com base na denominada cota máxima
normal de operação que, por sua vez, consiste no ponto “até o qual as águas se elevarão em
condições normais de operação, correspondendo, pois,
à elevação máxima do nível que a água do reservatório pode atingir em situação extraordinária de
grande enchente”4.
Nesse sentido, diante do constante risco de alagamento que acomete toda a região do entorno
próximo à usina hidrelétrica, é claro que a permanência de pessoas ocupando essa faixa é algo extremamente perigoso para sua segurança e integridade
física e não pode ser tolerado de forma alguma.
Some-se isso ao fato de que essas faixas consistem em áreas de preservação permanente, conforme estabelece o Código Florestal,5 sendo a intervenção humana somente autorizada em casos
muito específicos, previstos em lei, após a conces-
4 REIS, Lineu Belico dos. Geração de energia elétrica: tecnologia, inserção ambiental, planejamento, operação e análise de
viabilidade. São Paulo: Ed.Manole, 2003, p.58.
5 Lei nº 4.771, de 15.09.1965 (Código Florestal): “Art. 2°
Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta
Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: (...) b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d’água
naturais ou artificiais”;
Fórum j u r í di co
101
artigo
Aquele que ocupa área pública
não poderá vir a ser considerado
possuidor e, em razão disso, o
imóvel pode ser reavido pelas
empresas concessionárias de
energia elétrica a qualquer tempo
são da competente licença ambiental.6
Por conta disso, a ocupação dessas áreas de forma irregular constitui um cenário extremamente
delicado e complexo que merece ser tratado com
zelo e diligência pelas empresas que exercem atividade pública, pois elas têm o dever de combater
esse tipo de situação.
Vale ressaltar, ademais, que as faixas de segurança dos reservatórios das hidrelétricas são bens
públicos de uso especial, destinadas à geração de
energia elétrica e, portanto, insuscetíveis de usucapião em qualquer de suas formas, previstas nos
artigos 183, § 3° e 191, parágrafo único, da Constituição Federal, e 102 do Código Civil.
Assim, a ocupação dessas áreas por particulares,
conforme bem ponderado pelo STJ no julgamento do REsp nº 863.939, não passa de mera detenção, ou seja, não possui qualquer proteção relacionada à posse, pois a lei impede que se operem os
efeitos possessórios em favor do ocupante irregular.
Conclui-se, então, que aquele que ocupa área
pública não poderá vir a ser considerado possuidor,
6 “Art. 4º do Código Florestal: A supressão de vegetação em
área de preservação permanente somente poderá ser autorizada
em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente
caracterizados e motivados em procedimentos administrativo
próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao
empreendimento proposto.
§ 1º A supressão de que trata o caput deste artigo dependerá de
autorização do órgão ambiental estadual competente, com anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal de
meio ambiente, ressalvado o disposto no art. § 2º deste artigo.”
102
Fórum j urí di co
Mariana de Castro Abreu
mas sim mero detentor do bem e, em razão disso,
por não estar sujeito à prescrição aquisitiva, o imóvel pode ser reavido pelas empresas concessionárias
de energia elétrica a qualquer tempo.7
Logo, considerando que as empresas se encontram privadas da posse em virtude de ocupação
irregular, a ação cabível é a de reintegração de
posse, pois é precisamente em hipóteses como
estas que os artigos 926 do Código de Processo
Civil e 1.210 do Código Civil preveem que os
possuidores terão o direito de serem reintegrados
na posse de seus imóveis.8
E é justamente diante desse panorama que há
o ajuizamento das ações de reintegração de posse
pelas empresas concessionárias, as quais fazem jus
à proteção possessória pleiteada devido à impossibilidade de convalidação da posse quando se está
a falar de ocupantes irregulares, mesmo nos casos
em que fariam jus à usucapião se em imóveis particulares estivessem inseridos.
Responsabilidade subjetiva das empresas
concessionárias de energia elétrica
Nos casos em questão, é evidente que a omissão das empresas concessionárias no que se refere
à prestação do serviço público, na forma que lhes
foi contratualmente imposta pela Administração
Pública, acaba por agravar a situação desses ocupantes irregulares.
Nada mais justo, portanto, que respondam as
empresas pelos prejuízos que tinham o dever de
7 “Bem público Área declarada de utilidade pública destinada
à formação do reservatório da Usina Hidroelétrica de Ilha Solteira Os bens públicos são inalienáveis, não admitem posse de
particulares e são insuscetíveis de usucapião Sentença de procedência parcial - Recurso não provido.” (Tribunal de Justiça de
São Paulo. Apelação n° 990.10.012138-3 São Paulo - SP).
8 “Art. 926. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em
caso de turbação e reintegrado no de esbulho.”
“Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em
caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.”
combater, vislumbrando-se, in casu, a responsabilidade por omissão quando verificada a ausência
ou má fiscalização das áreas públicas.
A responsabilidade por omissão é subjetiva, na
medida em que as empresas têm o dever jurídico de agir para impedir o evento danoso, mas
quedam-se inertes e contribuem para o agravamento da precariedade da ocupação.
Ou seja, sua inércia consiste na condição do
dano, pois se tivessem agido ativamente, teriam
impedido a ocorrência de tal resultado.
Essa forma de responsabilidade subjetiva se dá
por culpa anônima, caracterizada pela falta ou
pelo mau funcionamento do serviço que deveria
ter sido prestado pelas empresas concessionárias
de energia elétrica.
Nesse sentido é o entendimento de Celso
Antônio Bandeira de Mello, ao citar o Professor
Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, para quem
“a responsabilidade do Estado por omissão só pode
ocorrer na hipótese de culpa anônima, da organização e
funcionamento do serviço, que não funciona ou funcional
mal ou em atraso, e atinge os usuários do serviço ou os
nele interessados.”9
Diante dessa situação, vislumbra-se a hipótese de responsabilidade subjetiva das empresas
concessionárias por comportamento ilícito na
medida em que estavam juridicamente obrigadas a agir segundo padrões de eficiência, diligência, possibilidade, normalidade e previsibilidade,
a fim de evitar a ocupação irregular das áreas
públicas,10 mas não o fizeram.
Assim, em razão de as empresas não terem
exercido a vigilância e a proteção das áreas da
forma como era esperado, se faz devida a apli9 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.1016.
10 MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Responsabilidade Civil
Extracontratual do Estado. Coord. Rosa Maria de Andrade Nery
e Rogério Donnini. Ed. Revista dos Tribunais. 2009, p.568
Fórum j u r í di co
103
artigo
Mariana de Castro Abreu
A posição defendida pelo STJ
não se coaduna com a mais
completa e justa interpretação
sistemática do ordenamento
jurídico, limitando-se à mera
interpretação gramatical do
artigo de forma isolada
cação da teoria da culpa administrativa com as
correspondentes responsabilizações.
Além disso, desnecessário recordar que um dos
fundamentos da República Federativa do Brasil
é a dignidade da pessoa humana,11 princípio que
não pode ser relativizado, devendo permear e reger todas as relações jurídicas. Ademais, o direito
fundamental à moradia e a consecução do interesse
público na gestão das relações com o Poder Público
também contribuem para uma interpretação divergente daquela dada pelo STJ.
11 “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela
união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana;”
104
Fórum j urí di co
Nessa toada, entende-se que a posição defendida pelo STJ, que tem como base apenas o disposto
no artigo 1.21912 do Código Civil, segundo a qual
os ocupantes não fariam jus à indenização por não
terem a posse de fato, mas mera detenção da área,
não se coaduna com a mais completa e justa interpretação sistemática do ordenamento jurídico,
limitando-se à mera interpretação gramatical do
artigo de forma isolada.
Isso porque, havendo omissão das empresas
12 “Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização
das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem
detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo
valor das benfeitorias necessárias e úteis.”
concessionárias, a questão não pode ser resolvida apenas pela suscitação da impossibilidade de proteção possessória ao ocupante, com
a completa desconsideração dos sobreditos
princípios constitucionais.
Também não seria plausível uma possível
argumentação contrária de que haveria culpa exclusiva da vítima, uma vez que consiste
em obrigação das empresas concessionárias de
energia elétrica a contínua fiscalização das áreas
sob sua responsabilidade e a imediata adoção de
medidas que evitem, a todo custo, a perpetuação no tempo dessas ocupações.
Significa dizer que, caso a empresa não
cumpra com sua obrigação de fiscalização, de
forma a tolerar e até mesmo incentivar a permanência dessas ocupações, de maneira que
elas perdurem no tempo, se desenvolvam e ali
estabeleçam as moradias de famílias, a responsabilização da concessionária é medida que se
impõe até mesmo para que os ocupantes encontrem condições de reconstruir suas vidas
em local que não seja irregular.
Pelo exposto, com esteio na teoria da culpa
administrativa, associada aos princípios que vigoram atualmente no ordenamento jurídico
brasileiro, entende-se perfeitamente possível que
os ocupantes de áreas públicas, quando de boa
fé e após transcorrido lapso temporal capaz de
caracterizar a omissão das empresas concessionárias, sejam indenizados pelos danos sofridos.
Conclusão
Diante dessa situação, tem-se que as empresas concessionárias de energia elétrica, ao serem
omissas e permitirem a ocupação de bens públicos por pessoas de boa-fé, violam seu dever na
prestação do serviço público tal como estavam
obrigadas e, assim, acabam por lesar aqueles que
ali estabelecem suas moradias, devendo por isso
ser responsabilizadas mediante a configuração
de desfalque na fiscalização das áreas públicas.
Sem dúvida, a responsabilização das empresas concessionárias de energia elétrica, nos casos em que agirem de forma omissa, não apenas
colaborará para a melhor qualidade na prestação do serviço público, como permitirá que
aqueles que, por falta de oportunidade, acabam
por estabelecer suas moradias em locais não
permitidos, tenham uma chance de se firmar
em outro lugar, sem que fiquem ainda mais à
margem da sociedade.
É sabido que a mera compensação financeira não traz soluções imediatas e eficazes para
essas pessoas que se encontram privadas de seu
direito fundamental à moradia, mas, com toda
certeza, poderá ajudá-las no estabelecimento
de um novo lar em local seguro e permitido.n
Referências bibliográficas
TARTUCE, Flávio. Direito Civil - vol. 2. 3ª ed. São Paulo:
Método, 2008.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil.
6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35ª ed.
São Paulo: Malheiros, 2009.
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito
Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
Fórum j u r í di co
105
alunos
MOOTS
MOOTS
a prática da
Arbitragem além
dos muros da
Universidade
Pre moot de Belgrado
(membros da equipe:
Marcel Cardoso, Bruna
Barletta, Isabela
Deveza, Lina Yamaki e
Henrique Malerba)
O Vis Moot, o ELSA Moot e a
CAMARB são competições
que chegam a decisões
de litígios por meio da
arbitragem. Atualmente,
existem três competições
que a PUC participa
106
Fórum j urí di co
O que são os moots? A palavra moot tem uma lista bastante
extensa de significados; entre
eles, o que procuramos: simulação. Os moots são competições
que, simulando casos práticos,
chegam a decisões de litígios
por meio da arbitragem. Atualmente, existem três competições que a PUC participa: o
Vis Moot e o ELSA Moot (European Law School Association)
que são disputas internacionais;
e a nacional e mais recente,
CAMARB (Competição de Arbitragem da Câmara de Arbitragem
Empresarial – Brasil).
O ELSA Moot abarca a área
de Direito Internacional Público, sempre apresentando um
caso entre Estados na Organização Mundial do Comércio
(OMC), enquanto o Vis Moot
e a CAMARB trazem como
pano de fundo casos de Direito Internacional Privado, nos
quais dois ou mais litigantes
privados se enfrentam, em um
Tribunal Arbitral.
A eleição do grupo vencedor da competição é um verdadeiro julgamento. Assim, vence
aquele que tiver a melhor média entre o trabalho escrito e a
apresentação oral. Premiam-se
também os melhores oradores e
os melhores memorandos.
O dia a dia dos participantes
Em sua rotina diária, os participantes precisam conciliar
estudos, trabalho e a preparação
para a competição. Para superar
tal desafio, é importante desenvolver as habilidades de organização e de fixar prioridades.
O período de preparação
do ELSA Moot é organizado
da seguinte forma: as reuniões
se iniciam em abril, ocorrendo
mensalmente, com ajuda da
professora Marina Egydio de
Carvalho e do professor Cláudio Finkelstein. Os primeiros
encontros são uma iniciação
sobre a Organização Mundial
do Comércio (OMC), com
estudos sobre o tema, sobre os
sistemas de normas e sobre a legislação específica. Em meados
de outubro, o caso é liberado,
havendo um estudo detalhado
de suas peculiaridades. É feita,
primeiramente, a parte escrita
e, em seguida, a fase oral.
Para o Vis Moot, a preparação
é realizada por meio de fichamentos de doutrinas em inglês,
relativos à arbitragem internacional. As reuniões são realizadas com a frequência de 15
dias, para a discussão dos textos. Após a divulgação do caso,
por volta do mês de outubro,
iniciam-se os estudos específicos. O grupo conta com a coordenação do professor Cláudio
Finkelstein e de diversos alunos
da Pós-Graduação da PUC.
O preparatório para a CAMARB, no entanto, somente
se inicia após o caso ser apresentado, por volta do mês de
abril. Os estudos giram em
torno das questões centrais,
analisadas com profundidade.
arquivo fórum Jurídico
Giovanna Cezario, Gustavo Léon e Wallace Silva
Este grupo é auxiliado diretamente pelos advogados Napoleão Casado e Thiago Marinho e supervisionado pelo
professor Cláudio Finkelstein.
‘
A atividade é
muito bem vista
pelos escritórios
de advocacia.
Relatos
Para os antigos participantes
do ELSA Moot, como o recém-formado Guilherme Falco, e as
alunas do sexto semestre de Direito, Quézia Amaral e Beatriz
Rodrigues, o requisito básico
para o aluno participar destas
competições é o interesse e o
comprometimento. A dedicação é recompensada com grande aprendizado, pois se passa a
operar o Direito de uma forma
diferente, a fazer contatos e se
desenvolver profissionalmente.
Na opinião de Guilherme,
“precisa ser um aluno que quer
estudar e esteja comprometido e interessado. A atividade é
muito bem vista pelos escritórios de advocacia. Academicamente, seria ainda melhor que
a iniciação cientifica, principalmente porque no exterior
é assim o modelo de estudo,
através de moots”.
Já para Beatriz, “adquiri-se
uma visão menos tradicionalista do Direito para operar em
situações mais excepcionais.
Fórum j u r í di co
107
MOOTS
arquivo fórum Jurídico
alunos
Último painel de Bruna
e Isabela em Viena, no
qual enfrentaram uma
dupla do Zimbabue. No
meio os três árbitros,
na ordem, de Viena,
EUA e Espanha
‘
O moot é 50%
de preparo e
estudo, e outros
50% de empatia.
108
Fórum j urí di co
Há também outra visão de faculdade e campo profissional”.
“Você acaba conhecendo o
Direito Internacional de uma
maneira muito interativa, pois
tem que incorporar a defesa
de um país. Sem contar o fato
de trabalhar em grupo, o que
é sempre muito desafiador. Temos que construir a argumentação juntos, o que implica em
discussões, oposições de ideias,
e muito, mas muito trabalho!”,
opinou Quézia.
Para as participantes do Vis
Moot e da CAMARB, Bruna
Barletta e Isabela Deveza, que
este ano integram novamente
as equipes, uma das maiores
dificuldades é conciliar as reuniões com o estudo e trabalho.
“Você vai estudar muito, e
ponderar, por muitas vezes, se realmente vale a pena. Se perguntarem a minha conclusão, tem
um motivo pelo qual estou nessa
de novo, não é?!”, revelou Isabela. E ainda,“o moot é 50% de preparo e estudo, e outros 50% de
empatia do Tribunal Arbitral”.
A Bruna teve acesso a diversas experiências com moots.
Além do Vis Moot e da CAMARB, também participou
do Lucerne Academy for Human
Rights Implementations e da
Competição de Arbitragem da
Sciences Po. Para ela, os moots
foram um grande aprendizado,
despertando seu interesse pela
área. Hoje, ela trabalha diretamente com Arbitragem.
O desenvolvimento
profissional
O aluno que participa de um
moot torna-se diferenciado no
mercado de trabalho. O envolvimento credencia o competidor a pleitear um bom estágio,
uma vez que tanto os escritórios que financiam a competição, quanto os que oferecem
suporte técnico acompanham
o desenvolvimento do trabalho.
Assim, o contato profissional
acaba ocorrendo muito mais
cedo. Muitos dos participantes
encontraram um bom posicio-
namento profissional, atuando
hoje em arbitragem nos principais escritórios do país.
Na opinião do professor e
idealizador do projeto, Cláudio Finkelstein, “aquele aluno
sai da Universidade com um
conhecimento técnico do que
é arbitragem e como ela funciona que só se equipara à atuação na prática”.
Em sua avaliação pessoal, o desafio mais peculiar é
o exercício da retórica. Para
ele, “você, enquanto advogado, tem que adotar a linha de
conduta que melhor condiz
com o seu cliente. Se você
representa o requerido, deve
pensar como requerido para
defendê-lo. Já neste exercício,
passa uma semana, você entrega o memorando de uma
das partes; na semana seguinte,
tem que botar outra camisa.
Tudo aquilo que você defendeu é errado, não é razoável,
não tem respaldo. É um exercício de retórica ímpar”.
O apoio da PUC
A Faculdade de Direito dá
apoio institucional ao projeto.
Contudo, não disponibiliza verbas aos alunos para participarem dos moots. Para o Cláudio
Finkelstein,“é necessário recorrer à iniciativa privada, aos escritórios que se interessam pela
matéria, à própria Câmara de
Comércio Brasil-Canadá, que
Prêmios e Principais colocações
ELSA MOOT
Best Written Submission em 2010
2º Lugar - Pre-moot da UNICURITIBA em 2012
VIS MOOT
3º Lugar - Pre-moot do Veirano em 2012
Melhores notas dos painéis em 2012
Melhor memorial de requerida em 2011
Menção honrosa para Tiago Adão, orador do
time em 2011
CAMARB
Melhor memorial de requerida em 2012
Menção honrosa para Julia Schulz, oradora
do time em 2012
já vem dando suporte técnico e
financeiro desde o início e até
mesmo aos professores da faculdade, que apoiam com trabalho
e também financeiramente”.
Efetivamente, os grupos necessitam de apoio financeiro.
Muitas vezes, por falta de patrocínio, as equipes se apresentam com menos integrantes,
algo que acaba prejudicando o
rendimento na competição.
Expectativas futuras
O projeto dos moots é muito ambicioso, pois visa difundir o estudo do Comércio
Internacional e da Arbitragem
como forma de solução de
controvérsias. Estas são áreas
relativamente novas no Bra-
sil, portanto, para aqueles que
visam construir uma carreira
nessa temática, é um momento oportuno para começar sua
própria rede de contatos e entrar em um universo acadêmico inteiramente novo.
Por meio destas competições, há a oportunidade de
estudar tanto Direito Internacional Público, quanto Privado e Arbitragem. Tem-se a
mistura da prática com a teoria, o incentivo à retórica e
o desenvolvimento do raciocínio lógico, sempre visando
o crescimento pessoal e profissional de cada participante.
Para quem se interessar pelo
tema, vale a pena ficar atento
às palestras de promoção e se
inscrever para participar! n
Fórum j u r í di co
109
livros
e m d e s ta q u e
Bendito o que semeia / Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar! / O livro caindo n'alma
É germe – que faz a palma, / É chuva – que faz o mar.*
Giovanna Cezario e Reginaldo Penezi Júnior
O Advogado
Ruy Barbosa
– momentos
culminantes
de sua vida
profissional
RUBEM NOGUEIRA
459 páginas.
Editora Noeses
A impecável obra de Rubem Nogueira
apresenta etapas da brilhante atuação de Ruy
Barbosa como advogado.
O livro apresenta, logo de início, uma perfeita identificação do “Águia de Haia” com a
advocacia, discorre sobre o Ruy estudante, sua
estreia profissional e examina o seu desempenho no patrocínio de célebres causas que
fizeram história na jurisprudência dos tribunais brasileiros. São analisados, por exemplo, o
caso do primeiro habeas corpus sobre matéria
política; a questão do Conde Álvares Penteado versus Companhia Nacional de Tecidos de
Juta e a disputa do Acre entre a União e o
Estado do Amazonas.
A obra O Advogado Ruy Barbosa, além de revelar o pensamento jurídico de um dos maiores juristas que o País já teve, também acaba por
110
Fórum j urí di co
‘
Uma visão
imparcial e
objetiva, apoiada
em fontes
autênticas, do
maior de quantos
advogados já
conheceu o foro
brasileiro
trazer verdadeiras lições de História do Brasil.
Como o próprio Rubem Nogueira registrou
no encerramento de sua obra, trata-se de “uma
visão imparcial e objetiva, apoiada em fontes
autênticas, do maior de quantos advogados já
conheceu o foro brasileiro”.
Rubem Nogueira foi Professor Titular de Introdução ao Estudo do
Direito na Universidade Católica da Bahia, membro da Academia
de Letras Jurídicas, do Instituto dos Advogados do seu Estado,
Procurador-Geral de Justiça do Estado da Bahia, Consultor Jurídico
do Ministério da Justiça e teve assento na Câmara dos Deputados
por três legislaturas.
*Fonte da citação: poema O Livro das Américas, de Castro Alves, retirado do livro "O livro e a América"
Estante Fórum Jurídico
O Primeiro Ano –
Como se faz um
advogado
Scott Turow
O Competência
Tributária
Tradução: Heloísa Matias
e Maria Alice Máximo
200 páginas.
Editora Record
398 páginas.
Editora Noeses
Tácio L acerda
Gama
O renomado autor Scott Turow descreve com
maestria a experiência de seu primeiro ano na Faculdade de Direito de Harvard. Desde o momento
da matrícula até o último dia letivo, o personagem
passa por uma profunda transformação, deixando
de lado o que pensava ser a Faculdade de Direito
para encarar a realidade de forma crítica. A narrativa é conduzida em primeira pessoa, na forma
de um diário, o que torna o leitor bastante familiarizado com os anseios do personagem. É uma
obra que carrega uma profunda crítica ao estudo
do Direito, desde o famoso “método socrático” até
o aprendizado por meio de manuais.
Apesar de explorar o panorama jurídico norte
americano, que difere do brasileiro, o livro conserva a qualidade de ser universal e promove uma
identificação quase imediata entre o leitor e o personagem principal. O leitor, por vezes estudante
de Direito, não somente embarca na narrativa,
mas também identifica, nas experiências do jovem, grande parte de sua própria história, de suas
próprias dúvidas. O Primeiro Ano deve ser lido por
todos aqueles que passaram, passam e passarão pela
transformadora faculdade de Direito.
Este é um livro de Teoria Geral do Direito
que parte da conhecida categoria “competência” para oferecer um método de análise para
o aspecto dinâmico do Direito Tributário. Tudo
isso com a clara influência do pensamento de
Hans Kelsen, Lourival Vilanova e, com mais intensidade, dos modelos preconizados por Paulo
de Barros Carvalho.
O estudo parte de reflexões filosóficas e da teoria geral do direito para fundamentar uma “norma
de competência tributária”, categoria sistematizada pelo autor há mais de 10 anos e que foi testada à
exaustão em cursos de graduação e Pós-Graduação
da PUC, da USP e do IBET. Este instrumento teórico permite uma série de soluções para problemas candentes da tributação, mas serve, com ainda
mais intensidade, a um propósito maior: identificar
que existe em comum entre conceitos aparentemente diversos como os de inconstitucionalidade,
ilegalidade, nulidade, erro de fato, erro de direto,
improcedência das pretensões do contribuinte ou
da Fazenda Pública. Por oferecer um modelo teórico que responde a esta pergunta, com rigor e
clareza conceitual, é que este trabalho serve a todos
os que têm no Direito Tributário seu campo preferencial de atenções acadêmicas ou profissionais.
Scott Turow foi advogado e hoje é escritor de best-sellers do mundo
jurídico, como o famoso Acima de qualquer suspeita.
Tácio Lacerda Gama é graduado em Direito pela Universidade Federal da
Bahia em 1998, e mestre e doutor pela PUC-SP.
Fórum j u r í di co
111
r e v i s ta
apoio

Documentos relacionados