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distribuição gratuita • edição 2 • ano 1 • setembro 2012 Paulo de barros carvalho Emérito Puquiano Perfil Por dentro do gabinete do PGJ escritório tozzinifreire advogados Associados consultoria Cleary, Gottlieb, Steen & Hamilton artigos CADE – O novo sistema brasileiro de Defesa da concorrência sumário C a r ta d o e d i t o r P UC e m p a u ta r e t r o s p e c t i va profissão escritório Perfil e n t r e v i s ta áreas do direito C o n s u lt o r i a caderno de ideias 3 Crescimento e Continuidade 5 Direito e o Universo da Pós-graduação 11 Primeiro Semestre de 2012 16 AGU: A Advocacia do Interesse Público 22 TozziniFreire Advogados 28 Márcio Fernando Elias Rosa – Procurador-Geral de Justiça 40 Paulo de Barros Carvalho – Emérito Puquiano 48 Direito Desportivo 54 Cleary, Gottlieb, Steen & Hamilton 61 Artigos 62 A Revitalização do Contrato de Troca ou Permuta alunos Livros Giovanni Ettore Nanni 70 O Novo Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência Vanêssa Rodrigues da C. Pereira Fialdini 74 Comércio Eletrônico Luiz Phillip Nagy Guarani Moreira | Fernanda Costa 78 Desoneração da Folha de Salários Helga Klug Doin Vieira 86 Um Pouco de Europa Clarisse Laupman Ferraz Lima Giovanna Filippi Del Nero | Fernanda Rizzo 90 Contratos Internacionais de Seguros - Breve Análise Gustavo Amado León | Antônio Márcio da Cunha Guimarães 94 As Duas Faces do Neoconstitucionalismo Pedro Mauricio Garcia Dotto 100 A Responsabilidade pela Ocupação de áreas Públicas de Risco Mariana de Castro Abreu 106 Moots: A Prática da Arbitragem Além dos Muros da Universidade 110 Estante Fórum Jurídico Filipe Facchini edição 2 • ano 1 • Setembro 2012 Editor-Chefe Filipe Facchini [email protected] Coordenadora Editorial de Matérias Raquel Arruda Soufen [email protected] Editores de Matérias Coordenadora Editorial de Artigos Clara Pacce Pinto Serva [email protected] Crescimento e continuidade Vice-Coordenadora Editorial de Artigos Isabela Cassará [email protected] Editores de Artigos Ana Carolina Di Giacomo [email protected] Marcella Thompson Vaz Guimarães [email protected] André Avillés [email protected] Monyse Almeida [email protected] Elisa de Oliveira [email protected] Otávio Augusto Bressan Cruz [email protected] Arthur Deucher Figueiredo [email protected] Mylena Pesso de Abreu [email protected] Giovanna Cezario [email protected] Reginaldo Penezi Júnior [email protected] Eduardo Aguirre Gigante [email protected] Rodrigo Yves Favoretto Dias [email protected] Gustavo Léon [email protected] Thaís Cardim Bambozzi [email protected] Julia Schulz [email protected] Victor Gregolin [email protected] Kátia Vilhena [email protected] Wallace Silva [email protected] Uma mensagem para todos os puquianos Luis Gustavo Dias [email protected] Financeiro e Marketing Guilherme Garcia de Oliveira [email protected] Colaboradores Flávio Belliboni, Raul Agripino, Sebastião Giacheto Ferreira Júnior ASSOCIAÇÃO DE ALUNOS E EX-ALUNOS DA FACULDADE DE DIREITO DA PUC-SP Diretor-Presidente Filipe Facchini [email protected] Projeto gráfico e direção de arte Raquel Matsushita Diretor Financeiro Guilherme Garcia de Oliveira [email protected] Produção e diagramação Juliana Freitas / Entrelinha Design www.entrelinha.art.br Diretor Executivo Luis Gustavo Dias [email protected] Associe-se www.associacaosapientia.org.br realização Nota aos leitores As opiniões expressas nos textos são de seus autores e não necessariamente da revista Fórum Jurídico ou da Associação Sapientia de Alunos e Ex-alunos da Faculdade de Direito da PUC-SP. Tiragem: 4.000 exemplares Publicação semestral 2 Fórum j urí di co © Todos os direito reservados. É proibida a reprodução ou transmissão de qualquer parte desta publicação em qualquer formato ou através de qualquer meio, seja eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer sistema de armazenamento e recuperação de dados, sem autorização prévia por escrito. foto da capa Wagner Tetsuo expediente c a r ta d o e d i t o r Quando fizemos o lançamento oficial da revista Fórum Jurídico e da Associação de Alunos e Ex-Alunos da Faculdade de Direito da PUC/SP (apelidada de Associação Sapientia), em março desse ano, recebemos excelentes comentários, incentivos e observações que vieram dos mais variados “setores” da nossa Faculdade. O retorno positivo foi, sem dúvida, muito além do esperado. Nesses seis meses que separaram as edições da Fórum Jurídico tivemos a felicidade de fechar novas e importantes parcerias para a Associação Sapientia, além de encontrarmos nossa revista citada em diversos sites como fonte para matérias e artigos. Agora, com a segunda edição da Fórum Jurídico, chegamos a um ponto importante para a (ainda curta) história do principal projeto da Associação Sapientia: a continuidade. Sem dúvida esse é um dos grandes desafios de um projeto assim, talvez o mais difícil deles. A segunda edição com certeza mostra a consistência e seriedade da Associação Sapientia e de seus projetos, além do comprometimento que todos os editores da revista e diretores da Associação têm com a Faculdade. Comprometimento este que foi essencial para o sucesso da presente edição, tanto por parte dos membros mais antigos, que souberam manter a qualidade do projeto, quanto dos membros novos, que se interessaram e, sem dúvida, são o futuro de todo o projeto. Fórum j u r í di co 3 c a r ta d o e d i t o r P UC e m p a u t a Filipe Facchini Pós-Graduação Direito e o Universo da Pós-Graduação Brasão da Associação Sapientia de alunos e ex-alunos da Faculdade de Direito da PUC-SP Digo que são o futuro pois, pela sua renovação, a Fórum Jurídico passará em breve por uma situação ainda desconhecida, que é a saída de alguns alunos de quinto ano que fizeram parte da idealização do projeto – dentre os quais me incluo – que, devido à formatura, serão obrigados a deixar o corpo editorial dessa revista discente. Continuarão, entretanto, colaborando para a continuidade da Sapientia. A mensagem que fica - não só para os atuais e futuros editores, mas também para todos os puquianos - é que tanto a Associação Sapientia, quanto revista Fórum Jurídico, são projetos idealizados para perdurarem, independentemente de quem faça parte. O único requisito é, acima de tudo, ser Direito PUC/SP, e isso eu tenho certeza que todos os que leram esta carta são. Então carreguem o projeto como se pertencesse a vocês, pois, de fato, pertence. Convido a todos para que nos ajudem a dar continuidade a nossa história e fazer nossa Faculdade uma instituição cada dia melhor. Boa leitura! Filipe Facchini Editor-Chefe 4 Fórum j urí di co Elisa de Oliveira Silva e Thais Bambozzi Coordenação: Ana Carolina Di Giacomo Hoje vivemos o auge da difusão do conhecimento, tendo a chamada “Educação Continuada” como um de seus grandes expoentes. Parte disto é resultado da globalização e das crises econômicas que fazem com que o mercado de trabalho se torne cada vez mais exigente e competitivo, absorvendo apenas os profissionais mais qualificados. Mas também, há os constantes anseios pelo aprendizado mais aprofundado e pela renovação do conhecimento. Neste contexto, a Pós-Graduação lato sensu é um grande diferencial para o profissional, propiciando-lhe melhores chances de inserção no mercado de trabalho. Por meio desta, o indivíduo tem a oportunidade de ampliar sua rede de relacionamentos, o chamado networking, e suas perspectivas profissionais. Já na Pós-Graduação stricto sensu, tem-se um aprofundamento teórico intenso, que visa o desenvolvimento da pesquisa científica e a preparação de profissionais para o meio acadêmico. O ambiente universitário da PUC-SP reflete perfeitamente essa dinâmica de aprendizagem. A PUC interage com seus viventes de modo a estimular a criação intelectual e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo, na medida em que busca atender as finalidades do ensino superior. Para tanto, a educação superior da PUC-SP tem como foco precípuo a participação desses indivíduos no desenvolvimento da sociedade. Afi- arquivo fórum Jurídico De grandiosa importância no mundo do Direito, a Pós-Graduação strictu e lato sensu da PUC-SP é muito almejada pelos formados na carreira jurídica Coordenadoria de Especialização, Aperfeiçoamento e Extensão (COGEAE). Rua Consolação, 881, Consolação - SP nal, um profissional de Direito precisa se adequar às transformações desta, bem como às instáveis questões que permeiam as complexas relações humanas. Acompanhá-las é justamente sua tarefa, visto que, se não o fizer, acabará perdendo sua essência e função social. Deste modo, a PUC-SP oferece um Programa de Pós-Graduação pioneiro no Brasil. Trata-se de um sistema especial de cursos que englobam o desenvolvimento da pesquisa científica e o treinamento avançado do profissional. Seu objetivo imediato é proporcionar ao estudante aprofundamento científico ou técnico-profissional não adquirido no âmbito da graduação. Diante disso, indaga-se: ser bacharel em Direito ainda é o bastante? A única certeza é que para se tornar um profissional de excelência é preciso estar disposto a se aperfeiçoar sempre. Fórum j u r í di co 5 Pós-Graduação arquivo fórum Jurídico P UC e m p a u t a Doutorado em Direito. Há núcleos de pesquisa em Direito Civil, Comercial, Constitucional, Penal, Humanos, dentre outros. Para o processo seletivo do Mestrado, primeiramente há uma prova de proficiência em um idioma estrangeiro e de conhecimentos jurídicos no núcleo escolhido pelo estudante. Então, ocorre a análise de documentos e do projeto da pesquisa e, por fim, uma entrevista com o coordenador do núcleo ou com o orientador indicado pelo aluno. Quanto ao Doutorado, o processo seletivo ocorre quase da mesma forma, a única mudança é que deve ser realizada uma prova de proficiência de dois idiomas. É necessário ser bacharel em Direito, para o Mestrado, e bacharel e mestre em Direito, para o Doutorado. Os alunos procuram fazer uma ou duas disciplinas por semestre. No total, o aluno do Mestrado precisa fazer seis disciplinas e o do Doutorado duas. No primeiro, o aluno deve Pós-Graduação Compreende os diferentes níveis da educação formal. Compõe-se por cursos a serem realizados após a conclusão do curso de Graduação (Bacharelado ou Licenciatura). Salas de aula localizadas no prédio do COGEAE Modalidades e Aspectos Gerais Pós-Graduação Lato Sensu O Programa de Pós-Graduação lato sensu engloba vinte cursos de especialização e seis cursos de extensão. Apenas os interessados na especialização em Direito Empresarial precisarão passar por um processo seletivo. A matrícula é realizada por ordem de chegada e são necessários o diploma da graduação e os documentos de identificação pessoal. O preço das mensalidades depende do curso de especialização de interesse, mas em média equivale à quantia de R$ 980,00. Sobre este valor, o máximo de desconto que pode ser obtido é de 10%, por meio de convênios com empresas e associações, como a AASP. As turmas são compostas por cerca de trinta alunos. As aulas ocorrem duas vezes por semana, pela manhã e a noite, ou aos sábados, das 8h às 17h. A duração total do curso é de dois anos e meio com a entrega de uma monografia ao final deste. Os cursos são ministrados na própria COGEAE (Coordenadoria Geral de Especialização, 6 Fórum j urí di co Lato Sensu Aperfeiçoamento e Extensão), instituição que coordena apenas a Pós-Graduação lato sensu, a Especialização e o MBA. Há, também, cursos ministrados nas unidades da PUC-SP em Perdizes e no Ipiranga e nas cidades de Barueri e Sorocaba. A maior procura tem sido pelos seguintes cursos: o tradicional de Direito Civil, o de Direito Internacional e o de Direito Ambiental, hoje em ascensão. Dentre os professores, conta-se com um time composto pelos profissionais mais qualificados no mundo jurídico, como Luiz Guilherme Arcaro Conci,Thereza Arruda Alvim, Clarissa Ferreira Macedo D’Isep, entre outros. Cursos Modalidades Pós-Graduação Stricto Sensu Já a Pós-Graduação stricto sensu, direcionada para a área de docência, oferece 28 programas entre mestrado e doutorado. O programa de Direito, que é executado apenas no campus de Perdizes, compreende 17 Núcleos de Pesquisa dividos em 5 Linhas de Pesquisa. Desse modo, o candidato se inscreve em apenas um dos núcleos para fazer o Mestrado ou Os cursos nesta modalidade correspondem à especialização ou aperfeiçoamento e possuem caráter eminentemente prático, com o objetivo precípuo de dar continuidade à formação acadêmica e profissional. Extensão A principal diferença entre os cursos de especialização e os cursos de extensão reside na carga horária. Assim como os de especialização, os cursos de extensão têm como finalidade aprimorar os conhecimentos do aluno em alguma área de sua preferência, no entanto, são cursos de curta duração. Obs: Para aqueles que desejam realizar um curso de extensão é interessante saber que esta modalidade possui um número menor de exigências para o ingresso, podendo, inclusive, ser realizado por não graduados. Especialização A especialização dá oportunidade ao graduado de concentrar-se em uma área específica, ligada à primeira graduação ou não. A duração mínima do curso é de 360 horas. Vale ressaltar que são cursos com enfoque prático, voltados para o mercado de trabalho e, de modo geral, apresentam menos exigências que os cursos de MBA e LLM. Reconhecimento Titulação Certificado de conclusão de curso Não são reconhecidos pelo MEC Fórum j u r í di co 7 Pós-Graduação Strictu Sensu Cursos Os cursos desta modalidade têm foco na formação de docentes. É requisito indispensável àqueles que almejam a carreira de pesquisador ou cientista. arquivo fórum Jurídico P UC e m p a u t a Mestrados Acadêmico: Curso voltado para o ensino e a pesquisa. Para obtenção do título de Mestre é necessária a preparação e defesa de dissertação (estudo científico aprofundado). Profissional: “Mestrado Profissional” é a designação do Mestrado que enfatiza estudos e técnicas diretamente voltadas ao desempenho de um alto nível de qualificação profissional. Esta ênfase é a única diferença em relação ao acadêmico. Modalidades Doutorado Os cursos de doutorado aprofundam os conhecimentos visando a formação de pesquisadores e docentes para atuar academicamente. É necessária a elaboração de uma tese (estudo científico aprofundado que deve trazer uma inovação). Pós Doutorado É uma especialização ou um estágio acadêmico realizado em uma universidade para aprimorar o nível de excelência em uma determinada área. Essa modalidade é indicada ao portador do título de doutor. Ou seja, após concluir o doutorado, o pesquisador tem a opção de aperfeiçoar ainda mais seus estudos em uma área específica. Livre Docência É um título concedido no Brasil por uma instituição de ensino superior, mediante concurso público, apenas para portadores do título de Doutor. Em algumas universidades públicas a livre-docência é requisito para a candidatura a professor titular. Reconhecimento Titulação 8 Fórum j urí di co Diploma/Título de Mestre, Doutor e Livre Docente Reconhecidos pelo MEC Parte da biblioteca localizada no prédio da COGEAE, na Consolação levar, no mínimo, um ano e meio para completar o curso e, no máximo, dois anos e meio. No Doutorado, diferentemente, o prazo é de quatro a seis anos. No Mestrado, há cerca de dez alunos por sala e no Doutorado, quinze. Quando a Pós chega ao fim, cada aluno recebe o Titulo de Mestre ou de Doutor reconhecido pelo MEC. Os núcleos mais procurados são o de Direito Tributário, Direito Constitucional e Direito Processual Civil, sendo Tributário o mais procurado dentre todos os núcleos oferecidos. O corpo docente é composto por inúmeros juristas de peso, tais como: Maria Helena Diniz, Tércio Sampaio, Paulo de Barros Carvalho,Fabio Ulhoa Coelho, Nelson Nery Júnior e Arruda Alvim. A mensalidade é de R$ 1.909,00, sendo 50% das vagas destinadas a alunos da PUC e as demais, a alunos de outras universidades. Tal valor pode, entretanto, ser diminuído, desde que o aluno concorra à bolsa de estudos e seja selecionado. A seleção é de competência de cada Programa de Estudo da Pós-Graduação e as informações devem ser adquiridas diretamente no Programa escolhido. As mais conhecidas são: Capes, CNPq, FAPESP e Fundação FORD. Aluno ouvinte É possível, ainda, que o aluno assista aulas como ouvinte. Ele não participa de avaliações e do controle de frequência em aula, mas adquire o conhecimento ministrado. Para tanto, é preciso de autorização ao professor escolhido, seguido do preenchimento de uma ficha na Secretaria Acadêmica - localizada no quarto andar do Prédio Novo da PUC - e do pagamento de uma taxa semestral de R$1.115,00 por disciplina, referente à utilização do espaço físico da Universidade. RECONHECIMENTO DA PÓS-GRADUAÇÃO Vale dizer que o Programa de Pós-Graduação stricto sensu de Direito da PUC-SP, em uma escala de 1 a 7, possui nota 6 na avaliação da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). Para ambas as modalidades de Pós, a instituição oferece cursos de grande relevância e imponência no mundo jurídico, que visam proporcionar uma formação completa ao aluno. Com certeza, um aluno que faz Pós-Graduação na PUC-SP será reconhecido não somente pela sua base técnico-jurídica, mas também por sua formação intelectual e olhar crítico. n Fórum j u r í di co 9 retrospectiva Primeiro Semestre de 2012 Balanço semestral Tendo em vista a natureza dinâmica da sociedade, o Direito acompanha mudanças, incorporando progressos e direcionando avanços. Desse modo, ao considerar as necessidades de sabê-lo e de apreender o que a ele é novo, apresentamos um panorama do 1º semestre de 2012, contendo algumas leis novas, decisões proferidas e acontecimentos que se sucederam ELISA DE OLIVEIRA, WALLACE SILVA e KÁTIA VILHENA / COORDENAÇÃO: OTÁVIO AUGUSTO BRESSAN CRUZ Direito Internacional Em 12.01.2012, o Decreto nº 7.667 promulgou o Tratado Constitutivo da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), tornando o Brasil signatário do grupo econômico criado em 23 de maio de 2008. Tal grupo é formado pelas uniões aduaneiras Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) e Comunidade Andina de Nações (CAN). Com a entrada do Brasil, o bloco agora possui 12 membros: Brasil, Argentina, Bolívia, Chile, Equador, Guiana, Peru, Suriname, Venezuela, Uruguai, Paraguai e Colômbia. Direito Falimentar e Social 22.01.2012: Após oito anos de litígio e discussões a respeito da competência para julgamento do caso “Pinheirinho”, o terreno no qual residiam 6.000 pessoas na cidade de São José dos Campos foi desocupado com a ajuda de força policial, sendo reintegrado à massa falida após anos de ocupação. O caso teve repercussão internacional e serviu de cenário para a discussão dos eventuais conflitos entre os direitos dos particulares frente aos direitos sociais. Direito Internacional 08.02.2012: A Lei americana, denominada “Foreign Account Tax Compliance Act“ (FACTA), editada em 2010, começa a gerar reflexos nas relações internacionais entre países com o início da divulgação de pareceres. Produzida com o objetivo de atacar a evasão fiscal, obriga as instituições financeiras e outros participantes do mercado, ainda que residentes fora dos EUA, a informarem diretamente ao governo norte-americano as movimentações de bens que possam lhe ser relevantes, sob pena de limitações às operações de quem não colaborar. A lei levantou a discussão do vigência e eficácia de atos normativos editados fora do território nacional. Juristas brasileiros dizem, ainda, que, caso seja aplicada, a lei poderá ferir direitos constitucionais de sigilo bancário e fiscal e dará ao fisco estrangeiro maior alcance do que o nacional. Outras nações já divulgaram o interesse de editar normas semelhantes. Fórum j u r í di co 11 retrospectiva Primeiro Semestre de 2012 Direito Eleitoral 16.02.2012 – Por maioria de votos, o Pleno do STF decidiu em favor da constitucionalidade da Lei “Ficha Limpa”, que poderá ser aplicada nas eleições deste ano, alcançando atos e fatos ocorridos antes de sua vigência. No mérito, ressaltou-se o significativo avanço democrático de tal dispositivo ao pretender banir da vida pública a imoralidade e improbidade. Em 05.07.2012, terminou o prazo previsto pela Justiça Eleitoral para que os partidos políticos e coligações apresentassem nos cartórios eleitorais o requerimento de registro de candidatura e concorresse às eleições deste ano. Os critérios estabelecidos pela Lei tiveram que ser obedecidos em tais processos. 28.02.2012: Acórdão do TJ-SP, sob a relatoria do Desembargador Pereira Calças, por unanimidade de votos decretou a nulidade de deliberação de Assembleia Geral de credores que aprovou o plano de recuperação judicial, uma vez que feria disposições constitucionais e de ordem pública. O caso gerou inúmeras polêmicas em relação à possibilidade da vontade da Assembleia Geral prevalecer em detrimento da aplicação de disposições da lei ou da Constituição, principalmente quanto a credores e terceiros que não possuem meios eficazes de manifestação da vontade e defesa de seus direitos. Questionou-se, ainda, a possibilidade do magistrado fazer o controle material dos termos do acordo, o que vai contra a jurisprudência dominante sobre o assunto. Direito Constitucional A Emenda Constitucional nº 69, de 30 de março de 2012, alterou artigos da Constituição Federal, transferindo da União para o Distrito Federal as atribuições de organização e manutenção da Defensoria Pública do Distrito Federal. Direito Constitucional Direito Penal 16.02.2012: Por seis votos a cinco, o STF reconheceu a autonomia do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para investigar magistrados sem depender de ação das corregedorias locais. Decidiu-se, ainda, que os julgamentos dos magistrados realizados pelo CNJ ocorrerão em sessões públicas. A defesa da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) foi diretamente rebatida nos pontos em que defendia a atuação do CNJ apenas após a abertura de processo nos respectivos tribunais de origem. O STF também afirmou que é constitucional a Resolução que prevê a apuração das irregularidades pelos tribunais, bem como a necessidade de informar ao Conselho o eventual arquivamento do caso. 12.04.2012 - Por maioria de votos, o Pleno do STF julgou procedente o pedido formulado em ADPF ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde - CNTS, declarando a inconstitucionalidade da interpretação de que a interrupção da gravidez de feto anencéfalo seria conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, I e II, do Código Penal. Prevaleceu o voto do Ministro Relator Marco Aurélio, que realçou o direito da gestante de submeter-se a antecipação terapêutica de parto e a incolumidade física do feto anencéfalo que, se sobreviver ao parto, será por poucas horas ou dias, não devendo tal gravidez ser preservada a qualquer custo. 12 Fórum j urí di co Direito Eleitoral Direito Constitucional 18.04.2012. A Ministra Cármen Lúcia, formada pela PUC-MG, mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais, especialista em Direito de Empresa pela Fundação Dom Cabral, e, ainda, doutora em Direito do Estado pela USP, tomou posse da Presidência do TSE para um mandato de dois anos. É a primeira mulher a presidir o Tribunal Superior Eleitoral, sucedendo o Ministro Ricardo Lewandowski. A vice-presidência passa a ser do Ministro Marco Aurélio. 19.04.2012. O Ministro Ayres Britto foi empossado na Presidência do Supremo Tribunal Federal, sucedendo o Ministro Cezar Peluso. O novo Presidente exercerá o cargo até o início de novembro deste ano, quando se aposentará compulsoriamente ao completar 70 anos. O Ministro Joaquim Barbosa é quem ocupa agora a vice-presidência. Homenagem Editada a Lei nº 12.612, de 16.04.2012, que declarou o educador Paulo Freire o Patrono da Educação Brasileira. Ele é considerado um dos pensadores mais notáveis da Pedagogia mundial, tendo atuado como promotor do movimento da pedagogia crítica, na qual o educando cresce em conhecimento junto com o educador e cria sua própria forma de aprendizado. Também foi precursor do método de alfabetização dialético chamado Pedagogia do Oprimido. Paulo Freire teve brilhante passagem como professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sendo sempre lembrado como um dos maiores expoentes da casa. Direitos Humanos O Decreto nº 7.722, de 20.04.2012, dispõe sobre a execução das Resoluções nº 1540 de 2004 e nº 1977 de 2011, adotadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas em 28 de abril de 2004 e em 20 de abril de 2011. Tais Resoluções tratam do combate à proliferação de armas de destruição em massa e da vigência do Comitê 1540 das Nações Unidas, que adota a politica de desarmamento e não proliferação de armas nucleares, químicas e biológicas. A regulamentação faz parte da política de Relações Internacionais do governo brasileiro. Direito Constitucional 26.04.2012. O Plenário julgou improcedente o pedido formulado em ADPF, ajuizada pelo Partido Democratas - DEM, contra atos da Universidade de Brasília - UnB, do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade de Brasília - Cepe e do Centro de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília - Cespe, os quais instituíram sistema de reserva de 20% de vagas no processo de seleção para ingresso de estudantes, com base em critério étnico-racial. Em 03.05.2012, o Supremo declarou a constitucionalidade do ProUni. Em síntese, no voto-vista, o Ministro Joaquim Barbosa sustentou que o ProUni é coerente com diversos dispositivos constitucionais que preveem a redução de desigualdades sociais. Fórum j u r í di co 13 retrospectiva Primeiro Semestre de 2012 Direito Processual Penal 27.06.2012. Ao longo dos debates no último semestre, o Supremo sinalizou em seus julgamentos que deverá ser reconhecido o poder investigatório do Ministério Público, pontuando, entretanto, haver a necessidade de se estabelecer um código de conduta. Este assunto sempre foi motivo de grandes debates. A primeira corrente defende a possibilidade de investigação criminal a cargo do MP, desde que os investigados sejam membros do MP e a polícia tenha se omitido da investigação. A segunda corrente, por sua vez, entende pela possibilidade de investigação, em todos os casos, inclusive para investigações complementares. Direito Penal A Lei nº 15.654, de 29.05.2012, alterou as Leis nº 12.037, de 1o de outubro de 2009 (Identificação criminal do civilmente identificado) e nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), para prever a possibilidade da coleta de perfil genético como forma de identificação criminal. A alteração gerou polêmica inclusive em relação ao seu cotejo frente às disposições da Constituição Federal. Direito Econômico Entrou em vigor, neste semestre, a Lei nº 12.529, de 30.11.2011, que alterou de maneira significativa a estrutura do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), acompanhada do Decreto nº 7.738, de 29.05.2012, que versa basicamente sobre organização e cargos no Conselho. Com a nova regulamentação, fica mais rígida a burocracia e fiscalização de fusões, aquisições e incorporações de empresas no Brasil. As alterações provocaram intensas discussões em relação aos limites da interferência estatal na ordem econômica, inclusive em relação aos eventuais conflitos de competência, como o que ocorre entre o CADE e o Banco Central do Brasil. 14 Fórum j urí di co Direito Constitucional 29.06.2012. A Corte Especial do STJ consolidou seu entendimento em dez novas súmulas sem efeito vinculante. As novas súmulas se referem a matérias de cunho processual, previdenciário, arbitragem e outras recorrentes e relevantes. A uniformização da jurisprudência por meio da edição destes instrumentos, ainda que controversos, faz parte das recentes medidas do Judiciário brasileiro na busca de maior celeridade e eficiência. Além disso, elas estão acompanhadas de outras que dizem respeito à modernização e ampliação estrutural, entre outras. Processual Civil 02.07.2012: O STJ definiu algumas situações em que não há necessidade de prova em relação ao dano moral sofrido, entendendo ser inevitável a ocorrência de dano às vítimas. Como nos casos de perda de um filho, atrasos em voos, emissão de diploma não reconhecido pelo MEC, entre outros. No Brasil, discutem-se intensamente os limites da razoabilidade na aplicação de indenizações por danos morais, para que não se crie “um mercado” do dano moral como ocorre em outros países. No entanto, busca-se um equilíbrio que consiga tutelar a defesa dos direitos constitucionais de integridade moral e não abrir possibilidade para especulações e abusos de direito. n profissão advocacia geral da união Composta por cerca de 12.000 advogados públicos, a AGU tem prestado relevantes serviços ao País e à sociedade brasileira Marcella Thompson e Thais Bambozzi Coordenação: Reginaldo Penezi Júnior 16 Fórum j urí di co Criada pela Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, a Advocacia-Geral da União está prevista no art. 131 em seu Título IV, concernente à organização dos poderes; Capítulo IV, que trata das funções essenciais à Justiça, e Seção II, denominada “Da Advocacia Pública”. Nos termos desse dispositivo, “a Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo”. No entanto, até o advento da Lei Complementar n. 73/93 – diploma que regulamenta a Instituição –, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo estavam a cargo da “Advocacia Consultiva da União” e a representação judicial da União competia ao Ministério Público, com exceção das causas de natureza fiscal, que, a partir da promulgação da Carta Política de 88, passaram à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Antes de 1993 era possível, por exemplo, que um Procurador da República movesse ação, como defensor da ordem pública, contra a União e que outro Procurador da República a defendesse. O órgão ministerial, portanto, assumia uma função híbrida: acusava e defendia, era fiscal da lei e, ao mesmo tempo, advogado da União. Com a criação da Advocacia-Geral da União, eliminou-se tal inconveniente. O constituinte de 1988, enxergando a necessidade de organizar Arquivo Fórum Jurídico AGU: A Advocacia do Interesse Público Unidade da AGU em São Paulo, situada na Rua da Consolação em instituição única a representação judicial e extrajudicial da União, desincumbiu o Ministério Público desta tarefa, propiciando-lhe uma área de atuação mais específica. Assim, como anota João Carlos Souto, “o resgate do sentido do Ministério Público, como instituição permanente e voltada para a ‘defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis’, assegurando-lhe inclusive ampla independência funcional e administrativa, foi, inegavelmente, uma medida sensata e de amplo alcance social tomada pela Assembleia Nacional Constituinte”1. Preleciona Celso Antônio Bandeira de Mello que “o Estado, concebido que é para a realização de interesses públicos (situação, pois, inteiramente diversa da dos particulares), só poderá defender seus próprios interesses privados quando, sobre não se chocarem com os interesses públicos propriamente ditos, coincidam com a realização deles.”2 No entanto, em tema de Advocacia de Estado, é comum o equívoco de entendê-la como sendo a instituição responsável pelo patrocínio 1 SOUTO, João Carlos. A União Federal em Juízo. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 34. 2 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 28ª ed., Malheiros, 2011, p. 66. Advocacia de Estado x Advocacia de Governo Fórum j u r í di co 17 profissão Em tema de Advocacia de Estado, é comum o equívoco de entendê-la como sendo a instituição responsável pelo patrocínio de interesses estritamente estatais, como se a defesa do Estado fosse estranha à defesa do interesse público de interesses estritamente estatais, como se a defesa do Estado fosse estranha à defesa do interesse público. Parcela dos que assim entendem partem da premissa de que a missão da Advocacia Pública consiste na defesa do interesse público secundário (interesse individual do Estado, como sujeito de direitos) e não do interesse público primário (pertinente à coletividade), pelo qual se encarregaria de zelar, com exclusividade, o Ministério Público. Esse argumento é superado pela lição de Diogo Figueiredo Moreira Neto, segundo o qual a advocacia pública se divide em três ramos: i) a advocacia da sociedade, que defende interesses individuais, coletivos e difusos indisponíveis, indicados em lei; ii) a advocacia dos necessitados, que defende interesses individuais daqueles que a lei reconhece como pobres e indefesos; e iii) a advocacia de Estado, que defende os interesses cometidos aos entes públicos nos quais se desdobra internamente o Estado, os interesses públicos.3 3 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. As funções essenciais à Justiça na Constituição de 1988. Revista de Direito da Procuradoria Geral, Rio de Janeiro, n. 43, 1991, p. 36-7. 18 Fórum j urí di co advocacia geral da união Depreende-se, pois, com base nesse ensinamento, que a Advocacia Pública é gênero do qual são espécies a advocacia da sociedade, que diz respeito ao Ministério Público; a advocacia dos necessitados, consistente na Defensoria Pública; e, a advocacia do Estado, concernente à Advocacia-Geral da União e às Procuradorias Estaduais e do Distrito Federal. Para a Advogada da União Luciana Pires Csipai, “a maior preocupação e desafio é justamente mudar o paradigma de que a AGU deve defender cegamente interesses governamentais secundários. Nosso papel, ao contrário, é focado em garantir a prevalência do interesse público – daí a diferenciação entre advocacia de governo (defesa do interesse do governante do momento) e advocacia de Estado (defesa do interesse da União, com base na ordem constitucional e legal). Às vezes tais interesses coincidem, às vezes não, e cabe a nós assegurar que, nesta segunda hipótese, prevaleça o interesse público primário”. Estrutura da AGU Advogado-Geral da União Conselho Superior da AGU Adjuntos Gabinete da AGU Departamento de Gestão Estratégica Departamento de Tecnologia da Informação Competência Consultiva A AGU, como já visto, além de representar judicial e extrajudicialmente a União, desempenha atividade de consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo. Nesse sentido, a Instituição orienta os agentes da Administração Pública direta e, por intermédio dos órgãos vinculados, as autarquias e fundações públicas, a fim de atribuir segurança jurídica aos atos administrativos a serem praticados por tais entes e exercer o controle prévio da legalidade dos gastos públicos. Assim, a Consultoria da Advocacia-Geral da União se presta a dar a devida formatação jurídico-constitucional na execução das políticas públicas, na realização de licitações e contratos administrativos e na proposição de medidas legislativas de competência do Poder Executivo. Escola da AGU Corregedoria-Geral da AGU Secretaria-Geral de Administração Procuradoria-Geral da União Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional Consultoria-Geral da União Secretaria-Geral de Consultoria ProcuradoriaGeral Federal Secretaria-Geral de Contencioso Procuradoria-Geral do BACEN Fórum j u r í di co 19 profissão advocacia geral da união Dra. Luciana Pires Csipai, Advogada da União em São Paulo cação; a criação e execução das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), como a defesa da implementação do programa “Minha Casa, MinhaVida”, na área de infraestrutura; a demarcação de áreas indígenas e de territórios quilombolas, na área social; entre outros conjuntos de ações do Estado para o bem coletivo. ‘ Nosso papel é focado em garantir a prevalência do interesse público – daí a diferenciação entre advocacia de governo e advocacia de Estado. Luciana Pires Csipai Carreiras Arquivo Fórum Jurídico Competência Contenciosa Ademais, desenvolve atividades de conciliação e arbitragem, com o escopo de resolver administrativamente os litígios entre a União, autarquias e fundações públicas, evitando-se a provocação do Judiciário. Realizam as atividades consultivas o Advogado-Geral da União, ao prestar consultoria e assessoramento jurídico ao Presidente da República; a Consultoria-Geral da União; as Consultorias Jurídicas dos Estados; as Consultorias Jurídicas junto aos Ministérios; a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional junto ao Ministério da Fazenda; e a Procuradoria-Geral Federal. Como exemplo de atividades realizadas pela AGU no tocante à sua competência consultiva, pode-se citar o assessoramento prestado aos dirigentes do Governo Federal na criação e defesa do sistema de cotas e do ENEM, na área da edu20 Fórum j urí di co A atuação contenciosa, por sua vez, consiste propriamente na representação judicial e extrajudicial da União, abrangendo, na qualidade de representados, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, os órgãos públicos que exercem função essencial à justiça, bem como as autarquias e fundações públicas federais. A AGU, nesse sentido, atua como procuradora da União, de modo a resguardar os interesses dos referidos entes nas ações judiciais em que a União figurar como ré, autora ou, ainda, terceira interessada. A representação extrajudicial, por sua vez, dá-se perante entidades não vinculadas à Justiça, a exemplo de órgãos administrativos da própria União ou do âmbito estadual e municipal. O desempenho da competência contenciosa ocorre da seguinte forma: o Advogado-Geral da União representa a União perante o STF; o Procurador-Geral da União, perante o STJ nas questões cíveis e trabalhistas e, o Procurador-Geral da Fazenda Nacional, nas questões tributárias; os Procuradores Regionais, junto aos Tribunais Regionais Federais; os Procuradores Chefes nos Estados, junto à 1ª instância nas Capitais (Justiça Federal e Trabalhista); e, os Procuradores Seccionais e Escritórios de Representação, junto à 1ª instância no interior. A AGU é chefiada pelo Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente da República dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada. Já ocuparam tal cargo os atuais Ministros do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes e José Antonio Dias Toffolli; atualmente, Luís Inácio Adams o ocupa. Compete ao Advogado-Geral da União, além da representação judicial da União perante o Supremo Tribunal Federal e da assessoria ao Presidente da República em assuntos de natureza jurídica, defender leis e atos normativos impugnados em Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade; editar enunciados de súmulas administrativas; fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e demais atos normativos, a ser uniformemente seguida pelos órgãos e entidades da Administração Federal; unificar a jurisprudência administrativa e garantir a correta aplicação das leis; prevenir e dirimir as controvérsias entre os órgãos jurídicos da Administração Federal, entre outros. Para o ingresso na Advocacia Geral da União, o interessado deve prestar concurso público de provas e títulos. Estas são as carreiras, a saber: Advogado da União, Procurador da Fazenda Nacional, Procurador Federal ou Procurador do Banco Central. Para cada uma dessas carreiras, há um concurso específico, que exige do candidato, entre outros requisitos, o bacharelado em Direito e o registro de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil. Para a investidura no cargo, após a aprovação no concurso público, deverão ser comprovados dois anos de prática forense. O Procurador da Fazenda Nacional tem competência restrita a matérias tributárias. Ele possui autonomia plena para realizar o controle e a cobrança da dívida ativa da União. E, assim, cobra judicialmente débitos fiscais não quitados, sendo responsável, ainda, pela assessoria e consultoria jurídica do Ministério da Fazenda. No que se refere ao Procurador Federal, compete representar judicial e extrajudicialmente as autarquias e fundações públicas e prestar atividades de consultoria e assessoramento jurídico a essas entidades. Quanto ao Procurador do Banco Central, este representa judicial e extrajudicialmente o Banco Central (BACEN), presta atividades de consultoria e assessoria jurídica no âmbito desta autarquia federal. Além disso, apura a liquidez e certeza dos créditos inerentes as suas atividades e inscreve esses créditos em dívida ativa.Também dá assistência aos dirigentes do BACEN no controle de legalidade dos atos por eles praticados ou já efetivados, entre outras atribuições expressas no Regimento Interno do Banco Central do Brasil. Por fim, vale salientar que a AGU, por ter natureza de função essencial à Justiça, busca a viabilização das políticas públicas em conformidade com o ordenamento jurídico e visa à proteção dos interesses do país e da sociedade, não sendo vinculada a nenhum dos três poderes que representa. n Fórum j u r í di co 21 escritório TozziniFreire Advogados Plano aberto Com pouco menos de 40 anos de existência, o crescente TozziniFreire Advogados diferencia-se pelo padrão de governança corporativa e estrutura profissionalizada Gustavo León, Kátia Vilhena e Marcella Thompson / fotos: Wagner Tetsuo Ao lado, sede do TozziniFreire Advogados, em São Paulo 22 Fórum j urí di co Fundado em 1976, TozziniFreire Advogados nasceu de uma amizade dos tempos do ginásio entre o Dr. Syllas Tozzini e o Dr. José Luis de Salles Freire. Começou como escritório de pequeno porte, para atuar, sobretudo, nas áreas de Direto Societário e de Direito Tributário. Logo, o escritório registrou enorme crescimento, à medida que passou a atuar nos mais diversos ramos do Direito Empresarial. Hoje, ainda sendo considerado jovem entre os escritórios full-service, TozziniFreire conquistou o posto de referência na advocacia empresarial, tornando-se uma das maiores organizações de advogados da América Latina. Ao longo desses 36 anos, quanto à atuação na advocacia empresarial, TozziniFreire tem desempenhado papel de relevân- cia nas mais significativas operações conduzidas no Brasil, contribuindo indiretamente para o crescimento econômico do país. No último ano, por exemplo, assessorou a Kirin na aquisição da Schincariol, incluindo a fase de disputa com os minoritários da empresa de bebidas brasileira, bem como o Casino no controle do Pão de Açúcar. Inovação profissional TozziniFreire construiu sua história com iniciativas inovadoras para o mercado jurídico em termos de governança corporativa e estrutura profissionalizada. Dentre as inovações, no início da década de 1990, o escritório criou um modelo de plano de carreira composto por regras de conduta, entre Fórum j u r í di co 23 escritório outros requisitos. O percurso profissional, assim, deixou de ser meramente deliberado pelos sócios mais antigos, passando a ser pré-estabelecido por regras escritas, com base em tempo e mérito. Traçou-se o caminho a ser perseguido pelo estagiário ou pelo advogado para integrar a sociedade como sócio, à proporção que foram implantadas avaliações periódicas de desempenho, sendo inclusive os sócios submetidos a avaliações anuais. Superação, Valores e Ética No plano de carreiras criado por TozziniFreire, a conduta dos sócios é avaliada anualmente por Dez Mandamentos, os quais dividem-se em dois grupos, denominados Competência e Resultado. Quanto aos mandamentos de Competência, são analisados: capacidade de gerenciamento, envolvimento com o negócio TozziniFreire, expertise, foco no cliente, postura de sócio e visão comercial. Os mandamentos de Resultado, por sua vez, são: horas individuais (utilização), produtividade da equipe, rentabilidade do centro de excelência e resultado (percentual e absoluta), geração de negócios e de novos clientes. Ademais, TozziniFreire Advogados prioriza os valores éticos no exercício da advocacia empresarial, contando com um Código de Ética próprio, que 24 Fórum j urí di co TozziniFreire Advogados Biblioteca do TozziniFreire Advogados, contemplando diversos premios conquistados pelo escritorio Modelo open space de escritorio e o sistema de baias serve de norte para a conduta de seus advogados, excedendo em muito os ditames previstos no Estatuto de Ética da OAB. Equipe Observado o plano de carreira, hoje, o escritório é composto por 175 estagiários, 284 advogados e 66 sócios, além de contar com corpo administrativo de 420 funcionários. A equipe TozziniFreire distribui-se por sete escritórios, sendo seis no Brasil e um no exterior. TozziniFreire Advogados pos sui unidades em São Paulo (dois endereços), em Campinas, no Rio de Janeiro, em Brasília e em Porto Alegre. No exterior, o escritório localiza-se na cidade norte-americana de Nova York. Estrutura e Organização TozziniFreire Advogados inovou, também, em sua estrutura TozziniFreire Advogados prioriza os valores éticos, contando com um Código de Ética próprio escritório divide-se em equipes menores, de acordo com a área de atuação. Intensifica-se, assim, a proximidade entre estagiários, advogados e sócios, primeiramente, devido à não existência de barreiras físicas e, também, devido à unidade menor de frequente comunicação que cada equipe representa. Responsabilidade Social e organização, implantando o modelo open space, o qual corresponde a um sistema de baias que extinguiu a separação física entre estagiários, advogados e sócios. Desse modo, no escritório, nenhum advogado ou sócio possui sala fechadanas palavras do sócio-fundador Dr. José Luis de Salles Freire,“é tudo um plano aberto”. Além da organização física, para facilitar o contato, o O escritório também preza pela Responsabilidade Social, realizando parcerias com ONGs, como a “Parceiros da Educação”, e promovendo ações com foco em redução de resíduos, reciclagem de materiais e desenvolvimento sustentável. Ainda nesse sentido, TozziniFreire Advogados também promove oficinas com alunos da UNIBES – União Brasileiro Israelita do Bem Estar Social, com o objetivo de transmitir conceitos de democracia e dos três poderes. Contratação e Estágio Para ingressar no escritório como estagiário, o estudante de Direito deve cursar excelente instituição de ensino e, ao menos, possuir o inglês como língua estrangeira. Diante da enorme concorrência no mercado de trabalho, são considerados como diferenciais cursos extracurriculares, participação acadêmica, experiências no exterior, experiências profissionais desvinculadas do mundo jurídico e o domínio de línguas estrangeiras. Além da análise do currículo, TozziniFreire Advogados valoriza o desenvolvimento do candidato no momento da entrevista. Características em conformidade com os ideais do escritório são vistas como pontos fundamentais na contratação, já que o estagiário possui a perspectiva de se tornar sócio futuramente. Em TozziniFreire, o estágio é visto como um período de aprendizado, já que, a partir dessa experiência, o estudante de Direito começa a traçar seus planos para exercício da advocacia no futuro. 1 Aprimoramento Profissional Para TozziniFreire Advogados, a realização de Pós-Graduação no exterior consiste em fator de destaque entre os advogados de hoje em dia. O escritório, assim, dá incentivo financeiro ao profissional que se interessar em cursar especialização jurídica ou LLM no exterior. Ademais, a experiência da advocacia no exterior também é estimulada, e com o objetivo de proporcionar isso a seus advogados, TozziniFreire indi1 A falta de artigo se deu por pedido expresso do escritório TozziniFreire Advogados. Fórum j u r í di co 25 escritório TozziniFreire Advogados preza pela abolição de barreiras físicas que apartam estagiários, advogados e sócios. Na palavras do sócio-fundador, Dr. Freire, "é tudo um plano aberto" Dr. José Luis de Salles Freire: sócio-fundador do escritório TozziniFreire Advogados ca alguns de seus profissionais para programas de estágio em escritórios internacionais. Para conhecer um pouco mais sobre a filosofia do TozziniFreire Advogados, acompanhe nossa entrevista com o sócio-fundador do escritório, Dr. José Luis de Salles Freire: 1. Qual é a importância de um estagiário ter feito algum programa de intercâmbio? E de um advogado ter feito algum programa de LLM? Por que isso, hoje em dia, está cada vez mais importante? Como isso é valorado pelo escritório? O mercado de trabalho está cada vez mais concorrido. Seja qual for a área que o advogado desejar se colocar, ele tem que se diferenciar dentro daquele mercado. Uma forma de se diferenciar é tentar um intercâmbio ou um curso de mestrado no exterior. Hoje, incentivamos isso, mas os próprios advogados já têm o estudo no exterior em mente, sejam os advogados que atuam no contencioso ou no consultivo. O que eu digo sempre é: “não vá fazer um mestrado logo após encerrar a faculdade, trabalhe um pouco mais e adquira mais experiência”. Por exemplo, nos Estados Unidos, as aulas são muito participativas e as pessoas, por muito mais vezes, querem dar suas opiniões, então, se o aluno já vem com uma experiência, ele participa mais e tem condições de ver, daquilo que se está aprendendo, comparando com aquilo que já fez profissionalmente, o que está ajudando e o que pode aplicar. Se os bacharéis de Direito, hoje, se formam em média com 23 anos, seria bom ingressar no mestrado no exterior com 26 ou 27 anos, com pelo menos três anos de experiência aqui no Brasil. Depois do mestrado, é muito comum também que os advogados façam um período de treinamento no exterior. É importante ver como funciona uma sociedade de advogados lá fora, ou mesmo uma empresa. A experiência cultural, além da experiência profissional, também é muito importante. 2. Qual o conselho que você daria para os atuais estudantes de direito que querem seguir carreira no Direito Privado? 26 Fórum j urí di co Algumas das Recentes Premiações do TozziniFreire Advogados Global Competition Review Integrou o Ranking GCR 100 (2010), conquistando o posto de principal publicação internacional da área de Direito Concorrencial. Global Arbitration Review Integrou o Ranking GAR 100 (2011 e 2012) Latin Lawyer International Financial Law Review Winner of the Deal of the year (2007, 2009 e 2010) Latin Lawyer 250: Recommended Firm (2010) IFLR 1000: Recommended Firm (2012) Listado no Ranking IFLR 1000 (2011) Top Ranked Global (2012) Chambers & Partners Top Ranked Latin America (2009, 2010, 2011 e 2012) Latin America Awards for Excellence (2011) É importante cursar uma boa faculdade como a PUC, por exemplo. A PUC é uma das escolas que mais admiramos na contratação, pois oferece uma boa formação. Deve haver preocupação em aproveitar os dois primeiros anos da faculdade para ter experiências diversas. A partir daí, procurar um estágio em uma instituição de reputação. Não é só um ótimo escritório que dá oportunidade para o estagiário de aprendizado. Penso que se deve trabalhar bastante durante o período do estágio. A Lei do Estágio não veio para beneficiar o estagiário, mas, pelo contrário, por vezes é prejudicial. Há muitos estagiários, por exemplo, que fazem trabalhos forenses, mas, se o período está limitado a 6 horas, passa-se mais tempo fora do escritório do que dentro dele, e eu considero importantíssimo ficar também dentro do escri- tório, para ver como funciona. É essencial planejar a carreira, ter uma estratégia, se perguntar “o que eu quero fazer?”, “com que área que eu me identifico mais?”. Pensar em fazer um estágio, depois pensar em fazer, por exemplo, um mestrado no exterior. É importante para o advogado jovem uma especialização. Logo de início, facilita a carreira o fato de você estar em um escritório e se poder falar “o advogado conhece essa área”, pois começa a receber mais serviços naquela determinada área. 3. Pesquisamos no site de TozziniFreire Advogados e percebemos que nós não estudamos várias áreas na faculdade. Por exemplo, não temos matéria específica para Direito Securitário, Energia e Aviação. Como fazer com que o estudante de direito desperte interesse por essas áreas? Existe um distanciamento muito grande entre o currículo oferecido pelas faculdades e a prática.Acho que as escolas estão fazendo o esforço de começar a introduzir esses assuntos. As matérias que a faculdade não oferece, os advogados têm de aprender através de cursos de especialização. Também, o escritório deve proporcionar um treinamento nessas áreas. Nós temos aqui uma diretoria técnica, que foi pioneira no Brasil, para fins de seleção e treinamento de advogados. Nos LLMs, a pessoa pode começar a focar em algumas dessas áreas; no exterior, existe um currículo um pouco mais amplo do que existe aqui no Brasil. Também é difícil falar que nos cinco anos de uma Faculdade de Direito dê para ver tudo isso que a gente faz, acho que é um pouco utópico, tem algumas coisas que são a especialidade da especialidade. n Fórum j u r í di co 27 perfil Márcio fernando elias Rosa Por dentro do gabinete No cargo de Procurador Geral de Justiça desde abril, Márcio Fernando Elias Rosa, Mestre e Doutor pela PUC, nos concedeu entrevista em seu gabinete Giovanna Cezario / Coordenação: Luis Gustavo DIas / Fotos: Wagner Tetsuo O Procurador Geral de Justiça em sua biblioteca perfil SOBRE O procurador geral de justiça Márcio Fernando Elias Rosa é Mestre e Doutor em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Hoje ocupa o cargo de Procurador Geral de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo. É, ainda, professor universitário e leciona na Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo. 30 Fórum j urí di co Márcio fernando elias Rosa Como a PUC-SP influiu em sua formação profissional? Fiz na PUC os cursos de mestrado e doutoramento, que foram fundamentais para a visão que tenho hoje da ciência jurídica e do Direito. Isso porque, a minha graduação foi no período anterior à 1.988, já o mestrado e o doutoramento foram realizados em período posterior. Sobretudo porque foquei em Direito do Estado e Direito Constitucional - e o estudo do Direito Constitucional em um período de liberdades públicas, de Estado Democrático, ganha uma relevância muito maior. Os cursos de mestrado e doutoramento foram indispensáveis para a formação do meu acervo intelectual em torno da aplicação do Direito, assim como para o meu exercício profissional. Como promotor de justiça e, agora, como procurador de justiça, a visão contemporânea do Direito Constitucional que obtive na PUC transformou-se, também, em ferramenta indispensável para que eu possa cumprir com alguma correção o meu trabalho. O que diria aos alunos da PUC que pretendem seguir carreira pública? Valorize o espaço da PUC. Valorize o espaço da “Academia”, porque nele, qualquer que seja a idade, do primeiro-anista àquele prestes ao pré-doutoramento, todos são Os cursos de mestrado e doutoramento foram indispensáveis para a formação do meu acervo intelectual iguais. São alunos. O aluno tem uma característica: a ele incumbe aprender; e, para isso, ele precisa estar disponível, precisa estar disposto. A PUC, até arquitetonicamente, favorece as pessoas a se conhecerem, se gostarem e estabelecerem entre si relações, inclusive com o corpo docente. O que eu diria é: Não perca nunca sua condição de aluno, estando na PUC, tendo a idade que tiver. Ainda que já seja um profissional do Direito consagrado, estando na PUC, seja aluno, se comporte como tal, porque o aluno tem essa pré-disposição a apreender. Qual a sua rotina como Procurador-Geral de Justiça? Hoje, mais do que nunca, a atuação do Ministério Público não se limita à função jurisdicional. Há uma vastidão de atuações que vão além do judiciário. Estas são nossas atua- ções, sobretudo no campo dos direitos sociais, na tutela dos interesses difusos e coletivos, nos inquéritos civis etc., que na primeira instância são atuações de promotores. Na segunda instância, nos Tribunais, oficiam-se procuradores de justiça, que acabam oficiando quase sempre em grau de recurso. O procurador-geral de justiça faz a representação do MP como um todo; exerce a representação Não perca nunca sua condição de aluno Fórum j u r í di co 31 perfil Márcio fernando elias Rosa A boa procuradoria-geral é aquela que atua de maneira absolutamente integrada com os promotores e procuradores de justiça política, mas também conduz a administração, a gestão orçamentária. Além disso, ele tem as competências que chamamos de “competências originárias”, como um promotor e como um procurador, pode processar criminalmente os prefeitos, pode ajuizar ações de improbidade contra algumas autoridades; também têm os feitos de competência originária, como o controle de constitucionalidade. Logo, o Procurador-Geral de Justiça é ao mesmo tempo promotor, procurador e exerce a representação ou chefia da instituição. A rotina do gabinete é extremamente agradável, porque além de conciliar toda essa atividade - que é uma atividade do Ministério Público -, estabelece-se todo dia contato com os promotores de justiça. A boa procuradoria-geral é aquela que atua de maneira absolutamente integrada com os promotores e procuradores de justiça. Essa é a rotina do gabinete. 32 Fórum j urí di co Quais suas metas como Procurador-Geral de Justiça? Ser procurador-geral é extremamente grave, porque o MP, no Brasil - sobretudo o MP de São Paulo -, tem grande expressão jurídica, social e política. O Procurador-Geral de Justiça tem que se manter sempre compatível com este patrimônio que a instituição construiu ao longo de décadas e décadas. O Ministério Público do Estado de São Paulo sempre foi responsável por profundas transformações no cenário jurídico como, por exemplo: a luta em razão do poder investigatório, que começou na década de 70 do século passado; a luta em torno da Tutela de Interesses Difusos e Coletivos (Lei nº 7.347/85); a Lei da Ação Civil Pública, que nasceu de projeto feito aqui dentro; o Código de Defesa do Consumidor; o ECA; as contribuições para a Lei de Improbidade; o Estatuto do Idoso; e, recentemente, a Lei de Lavagem de Dinheiro. Tudo isso passou pelo Ministé- rio Público de São Paulo, por promotores de justiça e por procuradores de justiça. Então, o Procurador-Geral de Justiça tem a enorme responsabilidade de conduzir com cuidado este patrimônio, que não é dele, e que foi feito ao longo de muito tempo. Agora, as minhas metas, dentre tantas outras, são: uma atuação extremamente pró-ativa, prestando serviço para a população e posicionando-me de uma maneira clara sobre os temas que interessam à população e à Instituição, vide o tema do poder investigatório e a questão do Código Florestal, em que, recentemente, posicionei-me publicamente em favor do veto total. Já criei aqui um Núcleo de Políticas Públicas, para definir estratégias de atuação no campo dos direitos sociais. Existem dois órgãos responsáveis por isso hoje na administração superior. O Núcleo de Políticas Públicas e o Centro de Apoio Operacional, que definem me- tas e estratégias a serem levadas para discussão e aprovação de todos os promotores e procuradores. Essa é uma prioridade. Outra prioridade é a criação de um Núcleo de Comunicação Social. Falo claramente: o MP precisa fazer propaganda e publicidade. Propaganda, que vem de propagar, de tentar convencer as pessoas, como exemplo, a propaganda religiosa, a propaganda eleitoral. A propaganda é no sentido de que o MP é essencial para o Estado Democrático de Direito. As pessoas precisam aprender isso e ter consciência disso; e a publicidade é a prestação de serviço, é divulgar, informar. O MP precisa caminhar permanentemente nessas duas vertentes. Além disso, nós precisamos melhor disponibilizar para os promotores meios para a produção de provas e a atuação no crime. Criamos, para isso, uma Coordenadoria de Inteligência, que funciona de maneira integrada com a Polícia Civil e Polícia Militar. temente o aperfeiçoamento. É de conservar a autocrítica; é de saber que o MP está a serviço da população, a serviço dos interesses superiores da população; é de conservar-se permanentemente fiel àquilo que a Qual o maior desafio em estar no comando do Ministério Público do Estado de São Paulo? O maior desafio é fazer mais e melhor. Não, simplesmente, repetir e dar continuidade ao que vem sendo feito. O maior desafio é o de buscar permanen- Constituição exige, ou seja, um MP atuante na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. É esse o perfil do MP. Está lá no Artigo 127 da Constituição. É um compromisso ético de todo promotor, de todo pro- o MP é essencial para o Estado Democrático de Direito Fórum j u r í di co 33 perfil curador e do Procurador-Geral com a população, o de aperfeiçoar-se permanentemente, para que o MP seja capaz de interferir na vida das pessoas para melhorá-las. O grande papel do MP é esse. É trabalhar como facilitador da vida das pessoas, como um instrumento de realização de justiça. Eu tenho uma frase, que usei no meu discurso de posse, em que falo o seguinte: “Nós precisamos manejar a lei para encontrar o Direito e fazer Justiça”. Não é isso que nós fazemos? Você faz a interpretação da norma legal, da lei, que é um instrumento de direito estatal, cujo resultado final vai ser ou não a produção da justiça. O grande papel é esse. É ser intérprete da lei de modo a chegar àquele fim, de apresentação da Justiça, sobretudo, da Justiça Social. Está em tramitação no Congresso Nacional a PEC nº 37/2011, que retira o poder de investigação criminal do Márcio fernando elias Rosa Ministério Público sob o argumento da falta de regras para a investigação criminal pelo MP e pelo despreparo dos seus membros. De que modo o Sr. enxerga essa PEC? Nós temos duas frentes nessa questão. Uma é a discussão de caso concreto, que é feita no Supremo, e que possui um maior número de votos favoráveis ao poder investigatório do MP. A outra frente é a da PEC nº 37/2011, que está no Congresso, e quer mudar o artigo 144, da Constituição, para dizer que a investigação criminal só pode ser feita pela Polícia Civil ou Federal. A possibilidade de o Ministério Público investigar para formar a opinio delicti, oferecer a ação penal, a denúncia ou requer o arquivamento, é um instrumento de defesa do cidadão, é um instrumento de defesa da sociedade. A possibilidade de um Ministério Público com independência para realizar trabalho complemen- tar de investigação é um instrumento que quer aperfeiçoar a justiça penal. O que se discute é isso. Retirar ou não da sociedade esse instrumento, confiando-o só para a Polícia. Não é razoável, porque enfraquece a sociedade, enfraquece aqueles que podem eventualmente ser vítimas de crimes e favorece aqueles que foram autores de crimes. A sociedade necessita ou não que mais alguém com independência possa investigar? A resposta é: sim, necessita. Não há o fortalecimento de nenhuma instituição com o fim do poder de investigação do MP, mas sim o enfraquecimento de um instrumento de defesa da sociedade. Quais os casos que o MP investiga hoje? Aqueles em que ele detecta a necessidade, para formar o seu convencimento. Se nós somos os titulares da ação penal, como consta do artigo 129, I, da Constituição, não é razoável que aquele conjunto de provas A PEC 37 é inconstitucional 34 Fórum j urí di co não possa ter a minha interferência, porque, afinal de contas, é a minha opinião. Os membros do MP estão despreparados para produzir provas? Não há dúvida de que eles estão preparados para isso. Aliás, eles estão preparados para o que é muito mais sério e definitivo, que é a Ação Penal. Eles não só estão preparados, como são vocacionados para isso. Quem é capaz de determinar o juízo, a interpretação da lei penal no primeiro momento? Só o promotor. Então, não é razoável que ele não possa participar da elucidação do fato, da conduta, para saber se ela subsumi-se ou não, se ela encaixa-se ou não, à norma penal incriminadora. Agora, o MP não quer a primazia da investigação. Não se trata disso. Esse trabalho é policial, esse trabalho tem que ser feito pela polícia científica, pela polícia civil. O que o MP quer é conservar a possibilidade dele, quando necessário, investigar. O Sr. acredita que quais razões motivaram a propositura da PEC nº 37/2011? É uma junção de muitos interesses, e nem todos legítimos. Há interesses corporativistas, daqueles que imaginam o possível fortalecimento das carreiras policiais, o que é um grande Nós precisamos manejar a lei para encontrar o Direito e fazer Justiça equívoco. Há o interesse político em retirar um instrumento de atuação do MP, que é perfeitamente legítimo e constitucional; e há o interesse óbvio na impunidade, daqueles que se sentem investigados pelo MP. O MP, quando realiza uma investigação, sempre contrapõe-se a interesses poderosos, interesses políticos e econômicos (lavagem de dinheiro, improbidade). Portanto, há este interesse pessoal de fugir de uma responsabilização penal. Tudo isso está permeado por uma questão grave e tem um grave equívoco de interpretação, porque não há dúvida de que da Constituição Federal decorre lógica e, obviamente, a possibilidade do MP investigar. A PEC 37 é inconstitucional. Se ela for aprovada, nós estaremos em face de uma norma constitucional inconstitucional. No entanto, a simples discussão da PEC, na minha ótica, já é inadequada, porque ela sugere que a Constituição não permite, quando sabemos que permite. O Supremo está em vias de declarar que sim. Então, o que permeia essa discussão, junto destes interesses todos, é um grave equívoco de interpretação da lei. O que o Sr. achou do anteprojeto do Código Penal apresentado. Atende às principais reivindicações da sociedade? Quais pontos deveriam ser aprimorados? O Ministério Público de São Paulo já constituiu uma comissão para apresentar propostas e sugestões. Cabe ao legislador penal selecionar adequadamente os bens jurídicos que merecem ser tutelados e realizar um trabalho de codificação. Sou favorável a codificação de boa parte, senão de tudo, que hoje é legislação penal extravagante. Já não é mais o Direito Penal do Código Penal, é quase que um direito penal em capítulos, porque tem muitos tipos penais espalhados. Isso é ruim, porque dificulta a aplicação da lei penal e, em última instânFórum j u r í di co 35 perfil Márcio fernando elias Rosa cia, gera a insegurança jurídica e descrença na sua aplicação. O Ministério Público, porque é o titular da ação penal pública e, ao mesmo tempo, o órgão controlador externo da atividade policial, possui o privilégio de atuar da investigação até a execução da pena.Tal visão de todas as fases permite que tenhamos uma melhor compreensão deste fato. Por isso, precisamos reunir a legislação, trabalhar pela codificação e excluir algumas contradições. Nos tempos atuais, temos que trabalhar para isso, e temos que ser mais seletivos na escolha dos bens jurídicos que devem ser tutelados. Não há dúvida, é a vida, patrimônio, honra e propriedade. Devemos ser econômicos nas descrições desses tipos, por que, talvez, comecemos a fortalecer o ramo do Direito Administrativo sancionador, quer dizer, vamos punir condu- A defesa da moralidade é um direito 36 Fórum j urí di co tas que não constituem crimes com intervenção do Estado, por meio de intervenção de atividades, bloqueios, impedimentos de bens, multa e deixar a justiça penal para aquilo que de fato constitui crime grave. Não esqueçamos nunca que estamos em um regime de liberdades. A intervenção do Estado, a pretexto de punir condutas delituosas, tem de ser nos marcos da legalidade, senão você fortalece o Estado e isso também não é bom. Em junho completou-se 20 anos da Lei de Improbidade Administrativa. Quais os principais avanços obtidos nesse período? Como a sociedade pode colaborar com o MP para a plena aplicação da lei? A Lei de Improbidade talvez tenha sido o primeiro instrumento legal que ajudou a reescrever a história republicana brasileira pós 1988, no campo da moralidade. Depois, tivemos a Lei de Responsabilidade Fiscal, agora a Lei de Acesso à Informação. E vão surgindo novos. A Lei de Improbidade possui a grande virtude de descrever como ilícita a conduta daquele que aufere vantagem econômica com o enriquecimento ilícito, daquele que causa prejuízo ao patrimônio público e daquele que viola princípios. Isso é absolutamente novo, só passou a existir a partir de 1992. Durante toda a história do Brasil, corrupção e improbidade eram obter vantagem econômica. O que não é verdade, porque comete corrupção quem causa prejuízo para o patrimônio público. Logo, quais foram os grandes avanços? A Constituição no art. 129, que deu ao MP a legitimidade para o inquérito civil e defesa do patrimônio público, e depois a Lei n. 8429, que revogou as anteriores e passou a admitir outras duas espécies de improbidade. Era impensável no Brasil, por exemplo, há 20 anos, imaginar a suspensão de direitos políticos de ímprobo. Era impensável a condenação por nepotismo - contratar parentes era uma característica da administração brasileira. Quando isso muda? Muda a partir de 1988 - sobretudo a partir de 1992 -, quando se criou este instrumento de defesa da moralidade. A defesa da moralidade é um direito fundamental do cidadão, está no artigo 5º associado à ação popular, mas constitui um direito fundamental do cidadão. Direito à administração proba, à administração honesta. Este foi o grande avanço. No que se refere à colaboração para a plena aplicação da lei, o MP depende substancialmente da atuação independente do Tribunal de Contas, da atuação das entidades da sociedade civil e das associações, porque são eles que trazem a notícia. Hoje, aqui em São Paulo, há uma intensa campanha para a aplicação da Ficha Limpa na sua inteireza, já nessa eleição Como o MP de São Paulo vê a Lei da Ficha Limpa e qual a sua importância para nossa democracia? Este é um outro instrumento essencial para podermos viver, de fato, em um Estado republicano. Nós temos duas preocupações, a República e a Democracia. É típico da República a absoluta ausência da administração, do Governo e do Estado. Transparência é a ausência de qualquer espaço para irresponsabilidade. A Lei da Ficha Limpa tem essa ambição, porque quer levar ao conhecimento de todos e impedir a elegibilidade de quem já tenha sofrido condenações por um tipo específico. Impede que tais indivíduos integrem o Governo; impede que exerçam mandato popular, porque não está, segundo critério da lei, em condições de realizá-lo. O MP apoiou e participou do projeto. Hoje, aqui em São Paulo, há uma intensa campanha para a aplicação da Ficha Limpa na sua inteireza, já nessa eleição. Nós criamos aqui o Disque-Denúncia Eleitoral, que está funcionando junto com duas entidades da sociedade civil, Movimento de Combate a Corrupção Eleitoral (MCCE) e Pensamento Nacional de Bases Empresariais (PNBE), e o mote é justamente este: a aplicação irrestrita da Lei da Ficha Limpa, é isso que nós precisamos fazer. Fórum j u r í di co 37 perfil No que tange à recente polêmica envolvendo os precatórios dos desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo, quais as principais dificuldades encontradas pelo MP para a investigação e posterior repressão das irregularidades eventualmente descobertas? Não há, neste momento, qualquer dificuldade. O passo inicial é o mais difícil. Delimitar exatamente o fato a ser investigado. Esse é o cuidado que se deve ter quando se inicia uma investigação: qual fato a se investigar. Jamais podemos, em qualquer caso, investigar fatos indeterminados. A partir daí, não há dificuldades algumas, porque o Tribunal de Justiça colabora, coopera. Portanto, tudo aquilo necessitado pelo MP tem sido obtido. Todos os esclarecimentos necessários têm sido obtidos do Tribunal, que não esboçou e não vai esboçar - eu tenho certeza -, nenhuma reação contrária, porque o TJ, mais do que ninguém, sabe que este é o campo de atuação do MP, este é o nosso papel. O TJ é o primeiro a sempre se posicionar de maneira respeitosa em relação a este espaço do MP. Recentemente o STF declarou a constitucionalidade da criação de varas colegiadas especializadas na repressão 38 Fórum j urí di co Márcio fernando elias Rosa Há formas de atuação integrada no MP ao crime organizado em Alagoas. O Sr. considera que essa estrutura pode ser aproveitada no MP para aprimorar a segurança de seus membros, quando lidam com essa espécie de criminalidade? Para o crime organizado, o MP de São Paulo tem uma atuação histórica muito positiva. São os grupos de atuação GAECO, que começaram em São Paulo, ao lado da promotoria de justiça criminal. A grande vantagem é que esse grupo foca-se em uma só forma de repressão, que é o crime organizado, enquanto que a promotoria atua em todas as áreas. Ambos conseguem conservar muita eficiência - as promotorias de justiça mais e os grupos menos, porque eles trabalham de maneira mais seletiva. O modelo de criação de promotoria de crime organizado ou de vara especializada em crime organizado tem as suas vantagens e desvantagens. A desvantagem é que você acaba pessoalizando os juízes e promotores que atuarão e nem sempre isto é adequado, porque o profissional acaba sendo facilmente identificado. Nessas hipóteses em que há gravidade extraordinária, eu prefiro que a atuação seja a mais despersonalizada possível. Quem atua é o MP de SP, até porque o MP é feito da atuação de todos os promotores, não de um ou dois. Quanto menos personalizadas forem as atua- ções do MP, melhor será. Melhor para o profissional e melhor para a elucidação do crime. O princípio da independência funcional, garantidor da autonomia dos Promotores e Procuradores, impede uma atuação mais conjunta dos membros do MP na elaboração de teses de acusação? A independência funcional é uma característica de todo agente político, porque estes atuam segundo seu convencimento pessoal. Não é possível imaginar que o Promotor de Justiça ou o Juízo de Direito não possam atuar permanentemente com independência, porque ela é essencial para a formação de suas convicções. Mais importante que uma atuação integrada é a atuação segundo a sua convicção. Transponha isso para o Judiciário, imagine o juiz sendo obrigado a decidir em um sentido ou em outro sentido porque a administração superior, o tribunal, fechou uma tese. Tenho uma Ministério público de São Paulo nas redes sociais O Ministério Público de São Paulo disponibilizou duas novas ferramentas para a comunicação com a sociedade: o facebook e o twitter: www.facebook.com/ministeriopublicodoestadodesaopaulo www.twitter.com/mpsp_oficial visão refratária da súmula vinculante por conta disso. O que moderniza o Direito? A nova interpretação. Se você torna isso estagne, e interdita qualquer posicionamento contrário, você não renova o Direito. Porque somos extremamente favoráveis à independência funcional? Primeiro, porque ela é a essência do promotor de justiça, é a vida do promotor, e mais, é o oxigênio, o que garante que ele viva como o promotor. A possibilidade de atuar liberto de qualquer interferência externa. Segundo, ela não impede a atuação uniforme. O que precisamos é criar um instrumento de aproximação, porque se a tese for legítima, ou seja, quando ela é democraticamente discutida e construída, nada impede que todo mundo trabalhe no mesmo sentido. Nós começamos a fazer isso. Criamos uma rede de atuação integrada na área do meio ambiente em todo o Estado, uma rede de atuação integrada no campo de direitos sociais. Nós temos um núcleo na região de Ribeirão Preto que é espetacular. Agora estamos criando para a violência doméstica. Há formas de atuação integrada do MP, porque há o princípio da unidade. E qual é a ideia de unidade? É todo mundo falando a mesma língua, mas respeitando, sobretudo, aqueles que fazem um discurso diferente, porque pode ali estar o acerto. Pode estar na discordância a renovação do Direito. n Nessas hipóteses em que há gravidade extraordinária, eu prefiro que a atuação seja a mais despersonalizada possível Fórum j u r í di co 39 e n t r e v i s ta Pa u l o d e B a r r o s C a r va l h o Emérito * puquiano elisa de oliveira / Coordenação: raquel arruda soufen / Fotos: Wagner Tetsuo Graduado pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em 1967, Paulo de Barros Carvalho é uma personalidade expoente do mundo jurídico-acadêmico. Mestre, doutor e livre-docente em Direito Tributário pela PUC-SP. Especialista em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. Mestre em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo. Professor Emérito e Titular da PUC-SP e da Universidade de São Paulo, onde coordena o Programa de Pós-Graduação. É presidente do IBET – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, presidente de honra do IGA-IDEPE – Instituto Geral Ataliba e Instituto Internacional de Direito Público e Empresarial, presidente da Editora Noeses, diretor e membro do Conselho Editorial de várias revistas, como a Revista de Estudos Tributários, Revista de Direito Tributário e a Revista de Direito Público. Pertenceu aos quadros do Ministério da Fazenda, tendo exercido o cargo de Presidente de Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes. Professor Emérito Paulo de Barros Carvalho * Existem apenas duas personalidades que receberam a titulação de "Eméritos" pela PUC-SP: Celso Antônio Bandeira de Melo e Paulo de Barros Carvalho. Fórum j u r í di co 41 e n t r e v i s ta Pa u l o d e B a r r o s C a r va l h o atualidades jurídicas Atualmente, o Brasil cresce no cenário internacional. Mesmo com a crise econômica, a economia brasileira continua em expansão. Isso tem grande impacto no Direito Tributário brasileiro? Muito impacto. Impacto interno, porque o universo de contribuintes vai, não só, se expandindo, aumentando, como vai se fortalecendo, as pessoas vão ficando mais ricas; o número de milionários vai aumentando, bem como o número de empresas mais expressivas em termos econômicos/financeiros, e o tributo vive disso. Além disso, muitas empresas brasileiras estão expandindo-se para outros países, o que é um problema tributário também, pois a legislação não estava preparada para isso, estava apenas preparada para defender a empresa nacional contra a força das empresas estrangeiras, que vinham para o Brasil e concorriam em desigualdade de condições. Agora há muitas empresas nacionais que estão fora do Brasil, a Petrobrás é uma delas, a Vale e outras. Isso cria 42 Fórum j urí di co uma outra perspectiva para os exames tributários. Afinal, esse dinheiro que está lá fora, é ganho lá fora. O que fazer? Como fazer? Há uma série de implicações no campo do direito tributário. Nós somos um dos países com a maior carga tributária do mundo. Ao seu ver, essa política tem que mudar? A carga tributária brasileira é uma carga tributária grande. Há países com cargas tributárias mais intensas, mais fortes. No entanto, o nosso sistema é muito bom. Tenho dito isso com certa insistência. Nosso sistema jurídico tributário é muito bom, o que não quer dizer que ele funcione para o bem. Há uma série de princípios constitucionais que deveriam ser aplicados e acabam não sendo. Há uma série de críticas nesse sentido. Sou contra reformas estruturais. Acho que devemos reformar alguns pontos do sistema e não fazer uma reforma total. Eu integro a Comissão Senatorial do Pacto Federativo que está trabalhando numa Reforma do Sistema Federativo. Trata-se de um grupo notável, são 14 membros - 4 juristas, 4 economistas, 4 cientistas políticos e mais 2 técnicos importantes - que estudam o Pacto Federativo e o que está o ameaçando. Diria que o que está ameaçando o Pacto Federativo hoje é a guerra fiscal do ICMS; são as disputas dos royalties de petróleo, nas quais os estados estão disputando qual deles fica com mais; o fundo de participação dos estados e a renegociação da dívida dos estados com a União. A Presidente da República e o Presidente do Senado elegeram esses quatro pontos como os que estão ameaçando a estabilidade da Federação Brasileira e compuseram esse grupo, chamado de grupo dos especialistas ou dos notáveis, que se reúne em Brasília para discutir esses temas. Como a guerra fiscal pode ser combatida? Há uma série de tentativas de combate à guerra fiscal, uma delas é a Comissão Senatorial do Pacto Federativo, encarregada de estudar o problema da guerra fiscal e indicar remédios, meios para evitá-la. A guerra fiscal do ICMS é a mais importante, mas há a guerra fiscal do ISS e a guerra fiscal do IPVA. Uma série de medidas já estão sendo pensadas, discutidas e trabalhadas para serem implantadas. O Senhor acredita que a edição de uma súmula favorecerá esse sistema? Poderia eventualmente favorecer um ponto ou outro. Mas o que estamos fazendo nessa Comissão é uma reestruturação da Lei Complementar nº 24, de 1975, que trata dos convênios e, portanto, dos incentivos fiscais, isenções e etc. do ICMS. O Senhor pode falar um pouco sobre os demais pontos abordados nessa Comissão que integra? Os outros pontos são: as disputas dos valores correspondentes aos royalties de petróleo entre estados produtores e estados adjacentes – estes não são produtores, mas sofrem o impacto da produção e dos problemas ambientais. Os estados não produtores de petróleo também querem participar dos royalties. Há também o fundo de participa- ção dos estados, cujo problema foi a partilha do fundo entre os estados, que era feita de maneira a destinar 85% para os estados do nordeste, norte e centro-oeste e 15% para os estados do sul e sudeste, porque estes precisariam menos. Mas esses valores arrecadados, que vêm do IR, do IPI e etc., não têm critério no que concerne à distribuição entre os estados da região. O STF decidiu que até o final do ano tem que ser estabelecido um critério. Se não, essas distribuições não serão feitas. A partir de janeiro de 2013 não haverá mais distribuição das verbas se não se encontrar um critério, e nós estamos discutindo esse critério. A renegociação da dívida dos estados também é um dos itens. Nesse caso o problema consiste no fato de os juros no Brasil estarem caindo. Os juros quando essas dívidas foram contraídas eram bem altos, o Brasil estava em um momento histórico e econômico diferente. Os estados têm pleiteado o reajuste dos juros para os dias atuais. Qual é o critério? Quais índices adotar? É isso que a Comissão está estudando. divulgação Nosso sistema jurídico tributário é muito bom, o que não quer dizer que ele funcione para o bem. Capa do livro Curso de Direito Tributário (Ed. Saraiva, 2012) Fórum j u r í di co 43 e n t r e v i s ta Pa u l o d e B a r r o s C a r va l h o Travar contato com a linguagem é um modo de se explorar o texto e interpretá-lo. Essa Comissão deve atender a algum prazo? Até o dia 12 de setembro deste ano nós temos que terminar os trabalhos, apresentando as propostas. gem, ato administrativo sem linguagem, contrato sem linguagem, de maneira que travar contato com a linguagem é um modo de se explorar o texto e interpretá-lo. Filosofia A abordagem da filosofia e a questão da linguagem, principalmente no âmbito tributário, foram de primordial importância para o reconhecimento de suas publicações no mundo jurídico. O Senhor teve alguma dificuldade para inovar dessa maneira? Senti muita dificuldade, porque tive que estudar muito, filosofia não se aprende de um dia para o outro. Filosofia é reflexão perante a vida, perante a existência. Não é um livro que se estuda, nem dois, nem três, nem dez. É uma atitude que a pessoa assume perante a existência e vai mantendo essa atitude. Percebi que se quisesse me aprofundar em direito tributário e em qualquer campo do Direito – e isso estende-se a tudo mais, para a Economia, Política, Antropologia, etc. – teria que fazer reflexões sobre o Direito: “o que é o Direito?”, “Como ele se apresenta?” Em suas publicações o senhor frisa muito o pensamento filosófico, a lógica jurídica e a teoria da linguagem. Porque optou por estudar esses temas? O Direito apresenta-se na forma de linguagem. Onde houver Direito, haverá uma linguagem por meio da qual o Direito será expresso, de tal modo que se você tirar a linguagem, por exemplo, do Código Civil, o que resta? Resta a capa, restam as folhas brancas. Então digo que o mais importante é a linguagem. Mas qual linguagem? Hoje existem as teorias da linguagem. Existe a semiótica, que é a teoria geral dos signos, e esse é o meio de se explorar qualquer documento. No campo do Direito é impressionante, porque não existe sentença sem linguagem, não existe acórdão sem lingua44 Fórum j urí di co etc. Isso é Filosofia do Direito. Quando se pergunta sobre o objeto que estamos examinando ou tentando conhecer, estamos no campo da epistemologia, que é a teoria geral do conhecimento científico (uma parte da filosofia). Na medida em que fui me deparando com isso, verifiquei que o aprofundamento jurídico está na razão direta da reflexão filosófica. Foi por isso que enveredei por esse caminho. Essa linha de pensamento apresentou dificuldade para ser aceita no mundo jurídico? Foi difícil. Digo sempre que hoje em dia é fácil irradiar no Direito essas posições mais filosóficas que tomamos. No começo, quando fui apresentar uma tese para titularidade em outra faculdade, já como professor titular da PUC, houve um clima de muita expectativa. Eu vinha com essas orientações de filosofia a que me referi; estudando o direito tributário, mas refletindo filosoficamente sobre ele. Quando apresentei a tese com o tema “Fundamentos Jurídicos da Incidência”, lembro-me que essa tese causou muito impacto, porque dizia que a realidade era composta pela linguagem, que havia uma diferença entre fato e evento (evento é o que ocorre, mas não está passado em linguagem própria e o fato está sempre passado em linguagem própria com o verbo no passado). Quando isso foi apresentado, houve uma reação muito grande – mesmo tendo me saído muito bem no concurso. po de estudos tem mais de 27 anos ininterruptos, aliás, há até um livro comemorativo de seus 25 anos - habituei-me a defender, a fundamentar as minhas proposições e discutia isso com os integrantes, estes foram também se fortalecendo nessas posições e daí surgiu uma doutrina e uma escola, que se chama hoje Constructivismo Lógico-Semântico. pós-graduação Até hoje é bem discutido o seu posicionamento a respeito do fato gerador e o fato de essa terminologia ser equivocada. O que o Senhor pensa sobre isso? Na época em que criei a teoria senti-me numa posição difícil, porque não adiantava discutir ou brigar. Eu vi que precisava ouvir atentamente as questões, as críticas e depois tinha que pensar nelas, para saber como responder a elas. Foi nesse exercício de ouvir atentamente, recolher as críticas e depois ver como poderia esquivar-me delas, que eu fui fortalecendo cada vez mais essa posição. Como sempre lidei com grupo de estudos – o nosso gru- Qual a sua percepção do programa de Pós-Graduação da PUC. Temos um diferencial? A PUC é uma das pioneiras em termos de programa de Pós-Graduação no Brasil. Com a abertura que o Ministério da Educação e Cultura propiciou, nós começamos o curso de Pós-Graduação em Direito, que sempre foi o curso mais difundido no Brasil. É aberto a todos os estados do Brasil, não se circunscreve a advogados, promotores, enfim, juristas, apenas de São Paulo, recebe estudantes do Piauí, Alagoas, Rio Grande do Sul, Paraná, de todo o Brasil. Isso deu um caráter nacional ao curso de PósFórum j u r í di co 45 e n t r e v i s ta Pa u l o d e B a r r o s C a r va l h o A PUC é uma das pioneiras em termos de programa de Pós-Graduação no Brasil. -Graduação da PUC, sendo o curso mais expressivo no que concerne a essa participação de outros estados. O lato sensu começou de uma forma brilhante, porque Geraldo Ataliba era o reitor e tinha muita iniciativa nesse campo. Ele trazia professores de fora; “Quem são os professores bons da Europa?”; “Quem é o catedrático de Roma? Micheli, pronto. Então vamos trazer.”. Geraldo Ataliba, como reitor, dava condições para que nós trouxéssemos professores. Convidávamos o professor, que dava aulas e depois havia discussões. Isso foi chamando a atenção de vários centros no Brasil, atraindo estudantes para cá. Houve pessoas ilustres que estudaram aqui nesses tempos. Uma delas foi o senador Dornelles, que era Procurador-Geral da Fazenda Nacional, e vinha do Rio de Janeiro com mais não sei quantos procuradores, todos os sábados, para estudar no Pós-Graduação lato sensu. O stricto sensu é excelente. Tem nota 6, que é a maior nota. Quer dizer, a maior nota é 7, mas nota 7 ocorre só naqueles casos em que se trata de pon46 Fórum j urí di co to de referência internacional, quando têm estudantes de vários lugares do mundo, como ocorreu com o Professor Paulo Freire em termos de Educação. Em Direito não existe nenhum curso com nota 7. O que o Senhor pensa a respeito da realização de doutorado no exterior? Tenho um ponto de vista bem peculiar com relação a isso. Porque quando a pessoa vai fazer doutorado, ela já está num certo ponto da vida, em que se torna difícil ir para o exterior. A pessoa já se casou, o marido ou a esposa trabalha em determinado lugar. Há filhos. Ir para o exterior torna-se algo muito difícil. O retorno não é excepcional, o aluno pode estudar aqui aquilo que gostaria de estudar lá. Com a internet e os novos recursos tecnológicos, hoje a pessoa conhece o que quiser. Mas para muitos isso é algo importante, porque se passa um tempo fora estudando em outro ambiente, desarticula-se da vida normal aqui e passa-se a ter que estudar, já que se está em um ambiente estranho, não se conhece muita gente. Não creio, no entanto, que seja algo decisivo, sabe? Outra coisa, se a pessoa já está encaminhada na vida profissional aqui, esse intervalo de tempo pode prejudicá-la, porque ela sai da mídia profissional, desaparece e quem não está presente, não é notado. mundo puc Primeiramente, gostaríamos de saber qual é o seu sentimento pela faculdade? Bem, eu fui criado na PUC. Estudei na PUC, depois continuei nesta faculdade como professor voluntário, lecionava ajudando outros professores. Em 1970 – veja quanto tempo, são 42 anos – fui nomeado professor-assistente do Professor Geraldo Ataliba de direito tributário. Nesta mesma época, o Michel Temer também era assistente dele, em Direito Constitucional. Desde então, fui prestando todos os concursos. Eu fiz apenas um curso em outra faculdade, que equivaleria ao mestrado. Era o curso de especialização em direito comercial, de dois anos de du- ração. Isso deu-me a possibilidade de fazer o doutorado na PUC. Em seguida, fiz a livre-docência na PUC e o concurso para titular da casa. O Senhor, apesar de ter feito essa especialização em outra faculdade, na área de Direito Comercial, resolveu migrar totalmente para o Direito Tributário. Sim, porque na época eu pertencia ao Ministério da Fazenda e trabalhava com tributos, de modo que fui me aperfeiçoando em tributos. Era o que correspondia à minha atividade profissional. O Senhor sempre pensou em seguir carreira acadêmica, ou foi algo que foi acontecendo em sua vida? Smpre imaginei. Que conselho o Senhor daria para aquele estudante que quer seguir a área acadêmica? O conselho é que continue na Academia. Por exemplo: forme-se, e continue fazendo especialização na COGEAE, ou no IBET (sendo a área de direito tributário) e depois siga para o Mestrado. Antigamente era mais fácil entrar no Mestrado, hoje a procura é muito grande. Por fim, gostaríamos que falasse para os leitores da nossa Revista o que pensa sobre a faculdade, se foi bom para o Senhor passar por ela, se é bom permanecer ligado a ela de alguma forma, como no programa de Pós-Graduação, ou andando pela faculdade. O que isso representa para o Senhor? Para mim a PUC representa muito, porque, como disse, fui criado lá. Comecei há muitos anos na PUC e, sem parar, fiz todo esse percurso, concluí essa trajetória. De modo que, sou até suspeito para falar sobre isso, eu acho a PUC ex- celente. E tenho experiência em outras faculdades também, passei 12 anos lecionando em outra faculdade como professor titular. Noto que há uma diferença. A PUC tem uma vis atractiva. As pessoas se reúnem lá dentro da PUC mesmo, ou nos barzinhos em volta, ou nas lanchonetes de dentro, circulam pelos corredores; de modo que a PUC tem um encanto todo especial. A PUC tem esse caráter nacional, que outras faculdades não têm. Recebe alunos do Piauí, do Pará, do Rio Grande do Sul, da Bahia, como Tácio da Gama, do Rio Grande do Norte, como Robson Maia Lins, ambos atualmente professores da PUC e integrantes do nosso escritório. n Fórum j u r í di co 47 Áreas do Direito Direito desportivo área Por dentro da Coordenação: Otávio Augusto Bressan Cruz Redator: Reginaldo Penezi Júnior / fotos: Arquivo Fórum Jurídico Com o mercado jurídico-desportivo em franca expansão, o Direito Desportivo representa um vasto ramo de atuação para advogados Estádio do Pacaembu, fundado em 1940 48 Fórum j urí di co Talvez nunca um ramo jurídico tenha crescido tanto como o Direito Desportivo. Desde 1998 – ano da promulgação da Lei Pelé –, aumentou-se consideravelmente o número de profissionais do esporte e, consequentemente, o conjunto de leis referentes a atividades desportivas também ampliou. Nesse contexto, algumas faculdades de Direito já colocam o Direito Desportivo entre as disciplinas optativas do curso, oferecem especialização na área e promovem painéis e debates em torno do tema. Atualmente, a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo conta com renomados juristas dedicados à matéria, como o professor Roberto Armelin, bacharel e mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP e um dos coordenadores do curso de Direito Desportivo da Faculdade. Entretanto, apesar da expansão do mercado jurídico-desportivo, há um reduzido número de profissionais militantes nessa área relativamente nova, que fica ainda mais atraente em razão da iminência dos grandes jogos mundiais que o Brasil sediará. Nesse cenário, percebe-se que por trás da aparente simplicidade do esporte existe uma complexa legislação, além de um gigantesco volume de receitas que o envolve. Entre os principais temas de direito desportivo, está a relação trabalhista entre clubes e atletas, assuntos relacionadas ao direito de arena e de imagem, questões referentes ao doping, entre outros. A atuação na área do Direito Desportivo, portanto, trata-se de um desafio, eis que exige do profissional um conhecimento amplo do Direito. Fórum j u r í di co 49 Áreas do Direito Os indivíduos têm o direito público subjetivo de demandar, em face do poder estatal, prestações que lhes permitam o exercício do desporto Em seguida, são apresentados alguns aspectos legais sobre matéria desportiva, além da legislação referente aos grandes jogos mundiais. Regulamentação do Direito Desportivo O Direito Desportivo pode ser dividido, para fins didáticos, em Direito Desportivo Privado e Direito Desportivo Público. O primeiro consiste nas normas emanadas de associações, federações ou organizações desportivas, sendo que o segundo diz respeito ao conjunto de normas desportivas provenientes do Estado. A Constituição Federal, no seu art. 24, IX, defere à União o poder de editar normas gerais sobre desporto. Com efeito, existem três leis que, agrupadas, poderiam formar, por assim dizer, um “Código de Direito Desportivo”, a saber: a Lei n. 9.615, de 24.3.1998, 50 Fórum j urí di co Direito desportivo também conhecida como “Lei Pelé”, que institui normas gerais sobre desporto; a Lei n. 10.671, de 15.5.2003, que estabelece normas de proteção e defesa do torcedor; e a Lei n. 11.438, de 29.12.2006, que trata dos incentivos e benefícios para fomentar as atividades de caráter desportivo. Além dessas leis e de outros diplomas que versam especificamente sobre matéria de Direito Desportivo, é importante lembrar que este ramo jurídico também se relaciona com diversas outras normas que, encontradiças em outras searas do Direito, aplicam-se subsidiariamente ao desporto. A Constituição portuguesa serviu de inspiração à nossa Lei Maior de 1988, que, dentro do seu título sobre a ordem social, consagra o desporto ao prever, no art. 217, caput, o dever do Estado “fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um”. O Estado brasileiro, portanto, é devedor do cidadão quanto a essa matéria, assim como o é em relação à saúde e à educação. Por força da mencionada previsão constitucional, os indivíduos têm o direito público subjetivo de demandar, em face do poder estatal, prestações positivas que lhes permitam o exercício do direito ao desporto. A Constitucionalização do Direito Desportivo Lei Pelé O fenômeno da constitucionalização do Direito Desportivo, ou seja, da inserção do desporto no texto constitucional, tem diferentes aspectos no direito comparado. Deveras, enquanto nos países de regime fechado a previsão constitucional do desporto se deu para servir de instrumento a serviço do Estado e como forma de propagação da ideologia dos seus regimes, as Constituições dos Estados Democráticos de Direito estabelecem o desporto como direito dos indivíduos, oponíveis contra todos e, sobretudo, contra o próprio Estado. A Lei n. 9.615, de 24.3.1998, chamada de Lei Pelé, foi criada com o fim de substituir a legislação anterior, batizada de Lei Zico, e dar melhor trato sobre a matéria desportiva. Com noventa e seis dispositivos e bastante abrangente, a Lei Pelé contempla normas gerais sobre o esporte brasileiro; traça os princípios gerais do Direito Desportivo e as suas finalidades. Entre as diversas inovações trazidas pela Lei Pelé, destaca-se a extinção do instituto do “passe” no futebol brasileiro, que engessava o vínculo de trabalho entre o atleta e o clube e era tido como escravagista, de modo que interferia na liberdade de trabalho do esportista. Entretanto, originaram-se outros problemas na área futebolística, como a migração precoce de jogadores dos clubes. Questão de relevo tratada pela Lei Pelé é o direito de arena - espécie de direito de imagem -, consistente no montante econômico devido ao jogador pela sua participação em eventos desportivos televisionados. Atualmente, debate-se acerca do art. 87-A da Lei Pelé, novo dispositivo acrescentado pela Lei n. 12.395, de 16.3.2011, que inovou no sentido de definir a natureza da verba paga pelo uso e exploração de imagem – “de natureza civil”, de acordo com a sua redação – e, ainda, por não apresentar critérios para a fixação do pagamento devido ao atleta. Estatuto do Torcedor O conjunto normativo da Lei n. 10.671, de 15.5.2003, trata de inúmeros aspectos da relação existente entre torcedores, clubes e organizadores de espetáculos esportivos. Nesse sentido, diz-se que ele funciona como um “Código de Defesa do Consumidor do Esporte”. O Estatuto de Defesa do Torcedor tem como principais objetivos garantir a segurança necessária nas arenas desportivas; combater a violência e a criminalidade em eventos es- Aspectos Principais da Lei Geral da Copa Bebidas nos estádios Marcas e Patentes A lei não dispõe expressamente se proíbe ou libera a venda de bebidas alcoólicas nos estádios. Diante disso, membros do Governo interpretam que a venda é permitida, ao passo que outros parlamentares entendem que a permissão para tanto dependerá da legislação específica de cada Estado. A marca da FIFA e dos símbolos da Copa são protegidos pela lei. Assim, empresas não patrocinadoras que fizerem publicidade vinculada à Copa e venderem ingressos, bem como as emissoras que exibirem partidas, deverão indenizar a FIFA pelos danos sofridos por esta entidade. Ingressos Responsabilidade Civil Ao vetar dispositivo que previa a inaplicabilidade das normas municipais e estaduais sobre descontos, a Presidente da República viabilizou a permissão da venda de meias-entradas nos jogos da Copa para quaisquer categorias de ingressos. De acordo com a Lei Geral da Copa, a União assumirá a responsabilidade civil por danos decorrentes de incidentes ou acidentes de segurança relacionados aos eventos desportivos. Direitos de transmissão dos jogos É garantido à FIFA o direito de indicar empresas autorizadas a realizar a transmissão dos jogos mundiais, inclusive a fazer a cobertura jornalística dos eventos. Feriados e férias escolares O texto prevê a possibilidade de a União decretar feriados nacionais as datas de jogos da seleção brasileira e, sobretudo, que os estados e municípios declarem feriado os dias de jogos realizados em seus respectivos territórios. Dos crimes A lei tipificou, em seu capítulo VI, intitulado “utilização indevida de símbolos oficiais”, quatro infrações penais, que poderão ser imputadas até 31.12.2014 e somente mediante representação da FIFA. Entre as condutas tipificadas, estão a reprodução ou falsificação de símbolos da FIFA, sendo que as penas previstas para cada tipo são de detenção de três meses a um ano ou multa. Fórum j u r í di co 51 Áreas do Direito Direito desportivo -se que tal incentivo não exclui outros vigentes. Copa do Mundo e Jogos Olímpicos Museu do Futebol: local perfeito para quem gosta não apenas de futebol, mas, sobretudo, da história do povo brasileiro Existem três leis que, agrupadas, poderiam formar, por assim dizer, um “Código de Direito Desportivo”: a Lei Pelé; o Estatuto de Defesa do Torcedor e a Lei Federal de Incentivo ao Esporte 52 Fórum j urí di co portivos; assegurar o acesso às informações relativas aos jogos; resguardar a manutenção da higiene nas dependências dos estádios; garantir a qualidade dos gêneros alimentícios oferecidos nos locais das competições; assegurar a presença de equipes médicas para atendimento dos torcedores nos ginásios; entre outros. Lei Federal de Incentivo ao Esporte A Lei federal n. 11.438, de 29.12.2006, foi criada com o objetivo de estimular pessoas físicas e jurídicas a patrocinarem realização de projetos desportivos e paradesportivos. Como contraprestação a isso, o Governo Federal concede incentivos fiscais àqueles que fomentam o desporto – frise- Em meio a muitos debates e inquietações em torno dos mega eventos desportivos que se aproximam, duas leis se destacam nesse repertório, quais sejam, a Lei n. 12.633, de 5.6.2012 – a Lei Geral da Copa – e a Lei n. 12.462, de 5.8.2011, que instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas. Em seguida, apresentam-se alguns dos aspectos mais importantes desses diplomas. Lei Geral da Copa A Lei Geral da Copa vale tanto para a Copa das Confederações de 2013, quanto para a Copa do Mundo de 2014, e foi editada com o objetivo de assegurar o cumprimento das garantias firmadas entre Governo Federal Brasileiro e a Federação Internacional de Futebol (FIFA). A FIFA, após eleger o Brasil anfitrião das competições mundiais de futebol, elencou uma série de exigências ao País, como forma de garantir que os compromissos dela com parceiros e patrocinadores sejam cumpridos. Entretanto, algumas das exigências feitas são incompatíveis com a legislação brasileira. Regime Diferenciado de Contratações A realização dos grandes eventos desportivos a serem sediados no País exige um sem-número de obras infraestruturais e benfeitorias, as quais o Estado brasileiro, consequentemente, comprometeu-se a executar. Para tanto, o Brasil trava uma verdadeira luta contra o tempo e precisa, infalivelmente, ser pontual na concretização do seu compromisso, já que a conclusão intempestiva das atividades necessárias e acessórias aos espetáculos mundiais arruinaria a própria finalidade pela qual foram concebidas as competições internacionais, que são periódicas, com datas certas de início e término. Tendo em vista simplificar e dar celeridade aos procedimentos de licitação necessários à realização dos eventos desportivos, foi instituído, através da Lei n. 12.462, de 5.8.2011, o polêmico Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), a funcionar paralelamente à Lei n. 8.666, de 21.6.1993, que estatui normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras e serviços. Uma notória diferença entre o RDC e a Lei Geral de Licitações concerne às fases de licitação. Com ela, apenas a documentação de habilitação do participante que apresentar a melhor proposta será analisada, o que torna o processo de licitação mais célere. Regulamentado pelo Decreto Federal n. 7.581, de 11.10.2011, o RDC aquece o debate doutrinário, acadêmico e jurisprudencial, porque, entre outras razões, levanta dúvidas quanto à constitucionalidade de alguns de seus dispositivos. A obra Regime Diferenciado de Contratações Públicas1, coordenada por Márcio Cammarosano, Augusto Neves Dal Pozzo e Rafael Valim, consiste em leitura fundamental para uma compreensão crítica sobre o tema. No livro mencionado, um dos apontamentos feito por Roberto Dias e João Paulo Ferreira2 diz respeito ao art. 6º, caput e § 3º, da Lei do RDC, que mitigam a publicidade dos processos licitatórios, porquanto tais dispositivos preveem que o orçamento estimado para as contratações é sigiloso até o término do procedimento licitatório, com acesso restrito apenas aos órgãos instituídos de controle, afastando a ciência aos licitantes e à população em geral, impedindo, dessa forma, 1 Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC (Lei n. 12.462/11; Decreto n. 7.581/11): aspectos fundamentais. Márcio Cammarosano, Augusto Neves Dal Pozzo e Rafael Valim (Coord.). 2ª ed. rev., ampl. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2012. 2 Op. cit., p. 55. o controle prévio dos atos administrativos pelo cidadão. Essas são algumas questões polêmicas do RDC, que sem dúvida fomentará ainda mais calorosas discussões. Alguns aspectos da Lei n. 12.462, de 5.8.2011, ainda são obscuros. Cabe aos seus intérpretes iluminar o seu conteúdo e traçar a verdadeira exegese de seus dispositivos, a fim de lhes dar, na prática, a melhor aplicação e conformidade com o Direito posto. Panorama Geral Com o crescimento do Direito Desportivo, fica claro que o desporto não é apenas entretenimento. Além de ser ferramenta eficaz de promoção social, de viabilizar a melhoria na situação financeira daqueles que se profissionalizam no esporte, pode ser fonte de riqueza para o Brasil, ao atrair turistas interessados em assistir aos grandes eventos desportivos. Para promover um crescimento saudável do desporto brasileiro, faz-se necessária uma regulamentação específica. Algumas questões, entretanto, são controvertidas e pendem de julgamento no Supremo Tribunal Federal. Enquanto isso não ocorre, incumbe à população analisar até que ponto a consecução das políticas desportivas é salutar ao desenvolvimento do País. n Fórum j u r í di co 53 CONSULTORIA c l e a r y, G o t t l i e b , S t e e n & H a m i l t o n Mundiais com maestria Giovanna Cezario / Coordenação: Filipe Facchini Imagens fornecidas pelo cleary Gottlieb Exercendo atividade em 14 países, a Consultoria em Direito Estrangeiro Cleary, Gottlieb, Steen & Hamilton tem costumeiramente sido figura de destaque no Direito Global Na página ao lado, sede do Cleary Gottlieb localizada em One Liberty Plaza, Nova York 54 Fórum j urí di co Cleary, Gottlieb, Steen & Hamilton foi fundado após a 2ª Guerra Mundial, tendo seus primeiros escritórios em Nova York e Washington D.C. Desde o início, cultivaram a ideia de ser uma firma global, de modo que já em 1950 houve a expansão dos negócios para a Europa, com a participação no Plano Marshall. No entanto, na América Latina, a efervescência política dos anos 70 e 80 fizeram com que a firma não se estabelecesse na região. Passado este período, a firma atuou na aplicação de planos de reestruturação de dívida e na privatização de empresas em países como Brasil, Chile e Argentina. Sua entrada efetiva no mercado brasileiro se deu somente em 2011, visando alcançar as empresas que adquiriram rapidamente grande relevância no cenário internacional. Pautados pela excelência na prestação de serviços, o Cleary, Gottlieb conquistou o mercado de 14 países na América, Europa e Ásia. Equipe O escritório de São Paulo é gerido pelos sócios Francisco Cestero e Juan Giraldez e composto por seis associados. Para fortificar a equipe durante o ano, sócios americanos alternam-se em visitas ao escritório. Assim, aliado àqueles integrantes que atuam virtualmente, ou seja, à longa distância, a atuação no Brasil e região abarca, pelo menos, 30 associados, quatro sócios estrangeiros e os dois sócios residentes no Brasil. Fórum j u r í di co 55 CONSULTORIA Representávamos grandes multinacionais brasileiras e fazíamos isso de Nova York. Somos os advogados da Vale e da Petrobrás e somos uma das três firmas no painel do BNDES para serviços legais internacionais c l e a r y, G o t t l i e b , S t e e n & H a m i l t o n avaliação positiva, ocorrerá a promoção do associado. Plano de carreira Para os brasileiros que se interessam em fazer parte da Equipe Cleary Gottlieb, há a exigência de se contratar apenas advogados que tenham feito LL.M e que sejam membros da BAR (Ordem dos Advogados dos EUA). De acordo com o plano de carreira, uma vez contratado pelo escritório, o advogado torna-se associado e, passados oito anos, poderá se tornar advogado sênior, consultor ou sócio. Para tal promoção, após seis anos como associado, o advogado submete-se a avaliações, sendo que, somente no caso de Prática A prática do escritório brasileiro é pautada em duas linhas gerais. A primeira visa oferecer um pacote de serviços ao cliente global, que tem interesse em se estabelecer no Brasil. A segunda é direcionada aos clientes brasileiros que visam expandir seus negócios para além das fronteiras do país. O pacote para os clientes estrangeiros oferece o suporte necessário para que estes adentrem no mercado brasileiro.Também, Linha do tempo Abertura dos primeiros escritórios em Nova Iorque e Washington por quatro antigos sócios de renovadas firmas de advocacia em Wall Street, juntamente com advogados dos departamentos de serviços do pós-guerra dos Estados Unidos. 1946 Abertura do escritório em Abertura do escritóBuenos Aires, primeira rio em Roma. Suas sede na América Latina. principais práticas envolvem antitruste, fusões, aquisições e mercado de capitais. 1971 Abertura do escritório em Paris, iniciando o longo processo de solidificação na Europa 56 Fórum j urí di co 1980 1991 Sala de reuniões do escritório de São Paulo 1998 Abertura do escritório em Londres. Seis anos depois, começaram a atuar no direito inglês. Abertura do escritório em Moscou. Abertura do escritório em São Paulo, visando garantir maior presença nas transações comerciais da região. 2009 2011 Abertura do escritório em Hong Kong, caracterizando sua expansão para a Ásia. há suporte para a área de contencioso, como foi o caso do Citibank vs. Opportunity/Daniel Dantas. Para tanto, o Cleary, Gottlieb une forças com escritórios locais de grande renome. Aos clientes brasileiros, o principal serviço oferecido é a administração da exposição das empresas brasileiras no comércio internacional. Este pacote trata de assuntos como a necessidade de captação de capital para financiamento, a entrada no mercado de capitais internacional, a compra de ativos no mercado internacional para a diversificação de receitas, entre outros. A seguir, entrevista com Francisco Cestero (sócio do Cleary Gottlieb, que cuida da firma brasileira juntamente com Juan Giraldez). Qual o diferencial do Cleary? Nós nos consideramos como o primeiro escritório verdadeira- mente global. Na Europa, por exemplo, nós temos escritórios muito fortes que praticam a lei local, não fazemos apenas consultoria. É o tipo de coisa que a grande maioria dos escritórios americanos não pode fazer, porque sempre acabam ficando muito americanizados, ao contrário de nós, que somos totalmente globais. E a diferença entre nós e os outros escritórios é que temos o que chamamos de Global Lockstep. Lockstep quer dizer que todos os sócios ganham o mesmo salário, dependendo do tempo que estão na sociedade. Não seguimos o sistema no qual cada um dos sócios ganha pelo quanto trabalha, por quantos clientes tem, como acontece aqui no Brasil e nos Estados Unidos. Nosso plano de carreira resume-se a um sistema de pontos pré-estabelecidos até a aposentadoria. Uma coisa muito particular nossa é que somos praticamente os únicos que aplicam esta regra globalmente. O sócio que fica em Moscou, ganha o mesmo que o sócio que está em Nova York, São Paulo ou Londres. Porque decidiram trazer seus negócios para o Brasil? Nós trabalhamos com o Brasil e região há muito tempo. Somos o primeiro escritório estrangeiro que entrou na América do Sul, já há mais de 40 anos. Representávamos grandes multinacionais brasileiras e fazíamos isso de Nova York. Somos os advogados da Vale e da Petrobrás e somos uma das três firmas no painel do BNDES para serviços legais internacionais. Nesse contexto, além de continuarmos no topo dos serviços legais internacionais, também percebemos que para penetrar em um nível mais profundo, não somente nas super estrelas Fórum j u r í di co 57 CONSULTORIA globais, mas em um próximo nível de empresas, que estão se tornando maiores e mais importantes, é essencial estar aqui. Isso foi o que nos levou a abrir o escritório brasileiro. O Conselho Federal da OAB definiu que Consultores em Direito Estrangeiro não poderiam resolver questões sobre a legislação local.Como o Cleary Gottlieb procede quando recebe algo relacionado à legislação brasileira? Nós recebemos várias questões ligadas à lei brasileira. Nesses casos, precisamos trabalhar com um escritório brasileiro. Mas, honestamente, fazemos isso há muito tempo, então não é um problema para nós. Temos acesso aos melhores escritórios brasileiros e sabemos a pessoa certa para resolver cada tipo de questão. Portanto, apenas redirecionamos os clientes ou trabalhamos junto com os ad- c l e a r y, G o t t l i e b , S t e e n & H a m i l t o n vogados brasileiros, nos casos que tenham questões de direito americano e brasileiro. Estamos interessados na aplicação correta da lei. Se esta será a regra, então que se aplique. O que o Brasil faz hoje, restringindo a prática da advocacia, costumava ser a posição da Europa 30 anos atrás. Pessoalmente, creio que, no futuro, o Brasil terá um choque e terá que fazer uma escolha de quão global quer se tornar. Apesar disso, para nós, o sistema de agora funciona bem. Não podemos competir em algumas áreas, mas tudo bem. Nas áreas em que podemos competir, há grandes negócios aqui para serem feitos. Isso nos permite, novamente, buscar esses grandes advogados no Brasil e trabalhar com eles quando precisarmos. Como a Cleary Gottlieb opera com tantos sistemas jurídicos diferentes? É claro que sempre precisamos trabalhar com um advogado local muito bom, porque, às vezes, existem armadilhas nas profundesas. Mas, os conceitos, em última análise, são bem parecidos. Se você cria danos para alguém, deve haver uma compensação. Se não, o sistema não irá funcionar. Para saber como a compensação funciona, você deve ir aos detalhes. Então, quando preciso descer aos detalhes, tenho que consultar um profissional da área. O Brasil é diferente dos EUA ou da Europa, mas no fim, tem a mesma base. Nós, ocidentais, somos baseados no mesmo Código Romano, tudo vem da mesma fonte. Desenvolvem-se diferentemente, mas vieram da mesma fonte. Talvez, Napoleão tenha alterado algumas coisas, mas, no final das contas, é a mesma coisa. Pro bono já é uma tradição nos EUA. Vocês podem fazer isso no Brasil? Prêmios Law Firm Vault Guide to the Top 100 Law Firms, 2012 Top 10 Top 3 in Diversity Vault Guide to the Top 100 Law Firms, 2012 Innovative Law Firm Financial Times, 2011 U.S. Law Firm of the Year Legal Business, 2011 e International Financial Law Review, 2011 Latin America Law firm of the Year Chambers Global, 2012 Best Legal Advisor in Latin America Global Finance, 2012 58 Fórum j urí di co Interior do escritório de Hong Kong Certamente, podemos fazer isso no Brasil. Nos EUA, existem muitas instituições que apoiam o pro bono dos escritórios e os ajudam a administrar. Na verdade, o sistema americano é todo organizado para permitir o escritório a fazer o pro bono. Por isso, é muito fácil para nós praticá-lo. Inclusive, temos um grande sistema de pro bono e já ganhamos muitos prêmios. Aqui, é um pouco mais difícil. Primeiro, porque o pro bono tende a ser sobre a lei local. Já que não praticamos a lei local, é mais difícil para fazermos pro bono. Além disso, na América Latina, o pro bono parece ser muito político. Isso é triste, porque uma vez que o pro bono é visto como forma de fazer política, fica muito difícil para os advogados ajudarem. Estamos envolvidos com pessoas que tentaram desenvolver o sistema pro bono no Brasil, e esperam que isso funcione, porque realmente acreditam neste projeto. Com esperança, vamos desenvolver mais e mais. Mas novamente, as firmas brasileiras têm mais chances de fazer, uma vez que é algo muito pontual e regional. Está presente no escritório o perfil workaholic? A indústria de serviços, e não somente as firmas de advocacia, infelizmente faz com que você desista de determinados estilos de vida. Você não está em seu próprio negócio, você serve outras pessoas. E, então, quando um cliente liga num sábado de manhã, e estou na apresentação da minha filha, eu simplesmente não posso deixar de atender. Isso, infelizmente, é difícil. Mas, diferente de outros lugares, que isto se torna uma medição do seu comprometimento com a firma; para nós, esta não é uma medida. Quando nada Estamos interessados na aplicação correta da lei. Se esta será a regra, então que se aplique. O que o Brasil faz hoje, restringindo a prática da advocacia, costumava ser a posição da Europa 30 anos atrás Fórum j u r í di co 59 retranca c l e a r y, G o t t l i e b , S t e e n & H a m i l t o n duo tem que ser flexível, mas todos temos que fazer escolhas. Isso tudo é uma escolha, é uma escolha da vida. Recepção do escritório de São Paulo Além da dedicação ao escritório, encorajamos os advogados associados a escrever livros, fazer pro bono, ser professor, porque tudo isso torna o associado um advogado melhor 60 Fórum j urí di co está acontecendo, vá para casa. Mas, se a Grécia liga em meio à crise financeira, vamos querer estar no topo da lista para ajudá-los e, neste caso, temos que trabalhar. Além da dedicação ao escritório, encorajamos os advogados associados a escrever livros, fazer pro bono, ser professor, porque tudo isso torna o associado um advogado melhor. Pensamos que isso faz uma atmosfera melhor. O que não significa que o associado poderá sair do escritório às sete horas da noite todos os dias. Nós acreditamos que o indiví- caderno de ideias Qual o perfil ideal do advogado do Cleary Gottlieb? Somos muito meticulosos. Então, nós recrutamos nas melhores faculdades de Direito. Observamos diversos fatores. Notas são muito importantes, mas a habilidade de falar línguas estrangeiras também é. Temos negócios globais, portanto se você souber falar mais de uma língua, isso é um diferencial pra você. Também é levado em consideração a habilidade do indivíduo em lidar com pessoas. Mas, a coisa mais importante é a base acadêmica. Buscamos sempre pessoas que estão no “topo do jogo”. Pode-se dizer que os princípios fundamentais da firma são diversidade e inclusão? Como isso é feito na prática? Sem diversidade e inclusão não conseguiríamos ser globais. Quero dizer, isso faz sentido comercial para nós, porque nos permite crescer na prática. Agora, no sentido moral de diversidade, tentamos ser o mais inclusivo possível. Procuramos diversidade quando contratamos, isto é, sempre procuramos pelos grupos identificados como a minoria, de pobreza e etnia, à orientação sexual. n artigos A Revitalização do Contrato de Troca ou Permuta Giovanni Ettore Nanni O Novo Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência Vanêssa Rodrigues da C. Pereira Fialdini Comércio Eletrônico Luiz Phillip Nagy Guarani Moreira Fernanda Costa Desoneração da Folha de Salários Helga Klug Doin Vieira Um Pouco de Europa Clarisse Laupman Ferraz Lima Giovanna Filippi Del Nero Fernanda Rizzo Contratos Internacionais de Seguros - Breve Análise Gustavo Amado León Antônio Márcio da Cunha Guimarães As Duas Faces do Neoconstitucionalismo Pedro Mauricio Garcia Dotto A Responsabilidade pela Ocupação de Áreas Públicas de Risco Mariana de Castro Abreu Fórum j u r í di co 61 artigo A revitalização do contrato de troca ou permuta: em prol da problematização e da formação crítica Giovanni Ettore Nanni Introdução Alguns institutos do Direito Civil são tachados como vetustos e inúteis em razão da pequena relevância que lhes é atribuída pela doutrina clássica. De fato, no contexto dos contratos tradicionais, aqueles comumente citados em exemplos de sala de aula, diversas figuras são pouco utilizadas. Porém, isso não significa que padecem de completo esquecimento, relegados ao desuso absoluto. Na realidade, diante do grande desenvolvimento do mundo contemporâneo empresarial, em que são pactuados sofisticados negócios jurídicos, muitos atípicos, os institutos de Direito Civil passam a ser empregados em novas variantes, impulsionados pelo surgimento de complexas operações comerciais, societárias, imobiliárias etc., que transformam o cenário habitual e exigem uma reflexão crítica. O propósito do presente artigo, usando como modelo o contrato de troca, é chamar a atenção para a necessidade do estudo renovado do Direito Civil, fugindo-se dos arquétipos clássicos. Assim, após explanação da tradicional ideia acerca de referido contrato, exemplifica-se seu emprego em algumas vertentes, revelando sua importância no atual momento, concluindo pela necessidade de se revisitar os conceitos tradicionais, em defesa da problematização. Nota histórica e visão tradicional da troca ou permuta Giovanni Ettore Nanni é Mestre e Doutor em Direito Civil pela PUC/SP. Professor de Direito Civil nos Cursos de Graduação e de Pós-Graduação Stricto Sensu na PUC/SP. Presidente do Instituto de Direito Privado – IDP. Advogado em São Paulo. 62 Fórum j urí di co A origem da troca ou permuta coincide com o surgimento do contrato e da noção de obrigação. Na civilização antiga, as obrigações eram preponderantemente coletivas, pactuadas dentro de cada grupo social em interesse da comunhão. Indica Clovis Bevilaqua1 que, dada a coesão e a solidariedade dos grupos sociais primitivos, são as relações que se travam entre eles, isto é, as obrigações de grupo a grupo, de corpo social a corpo social, que, realmente, iniciam a construção do direito das obrigações. As obrigações, que nada mais eram do que contratos, geralmente trocas, não eram contraídas por todos os membros da coletividade, mas usualmente os chefes, na qualidade de gestores dos negócios comuns, ou as pessoas por eles indicadas, que realizavam os negócios, obrigando todos os demais integrantes. Com o desenvolvimento dos grupos, é fato histórico que antes do aparecimento da moeda, as relações comerciais eram concretizadas mediante a troca dos mais variados produtos. É o caso de permutas de objetos por outros, frutas, animais, utensílios e tudo mais que se conseguisse realizar. Clovis Bevilaqua2, entre várias formas de permuta existentes, cita um exemplo que ocorria na Colômbia russa, em que o estrangeiro vinha depositar, na orla do mar, as mercadorias que desejava vender, e retirava-se em seguida. O indígena, por seu turno, quando os estranhos desertavam a praia, trazia os objetos que possuía e julgava equivalentes, colocava-os ao lado das mercadorias ofertadas e retirava-se.Voltava o estrangeiro, e, se a troca lhe convinha, carregava os objetos do indígena, abandonando os seus; se, porém, não lhe pareciam de valor suficiente a equipararem-se com as suas mercadorias, afastava-se novamente, deixando tudo em seu lugar, para que o indígena viesse acrescentar alguma coisa ao preço oferecido. Se não chegavam a um acordo, cada qual se retirava para o seu lado, conduzindo o que lhe pertencia. 1 BEVILAQUA, Clovis. Direito das obrigações. 8. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1954, p. 32. 2 Direito das obrigações, p. 43. A pesquisa entre autores que versam sobre o tema possibilita o exame de diversos outros exemplos, os quais convergem para a conclusão de que o contrato de troca é o mais antigo da civilização. Porém, com o surgimento da moeda, a compra e venda paulatinamente se transforma no contrato mais importante3. E consequentemente se afirma que a troca, também designada como escambo, não tem mais nenhuma aplicabilidade nem relevância. Atualmente, as permutas ocupam exíguo espaço nos Códigos, porque a troca por excelência, na vida de todos os dias, é a que se faz por dinheiro Alude-se ao quase desaparecimento da troca ou permuta4, que entrou em declínio com a consolidação da moeda. Atualmente, as permutas ocupam exíguo espaço nos Códigos, porque a troca por excelência, na vida de todos os dias, é a que se faz por dinheiro5. Segundo a afirmação de Orlando Gomes6, hoje usa-se raramente, diminuto sendo seu interesse do ponto de vista prático. 3 Para uma recomposição histórica do período pré-capitalista, desde as operações com mercadoria até a utilização de moeda como meio comum de troca, vide WEBER, Max. História geral da economia. São Paulo: Centauro, 2006, capítulo III, em especial p. 191-194 e p. 226-230. 4 MONTEIRO, Washington de Barros; MALUF, Carlos Alberto Dabus; SILVA, Regina Beatriz Tavares. Curso de direito civil: v. 5: direito das obrigações, 2ª parte: dos contratos em geral, das várias espécies de contrato, dos atos unilaterais, da responsabilidade civil. 36. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 139. 5 Clovis Bevilaqua, Direito das obrigações, p. 237. 6 GOMES, Orlando. Contratos. 23. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 268. Fórum j u r í di co 63 artigo A despeito da consideração de muitos de que o contrato de permuta consubstancia mera reminiscência histórica, a verdade é que se constata uma evidente revitalização Em Portugal, por exemplo, embora presente no Código Civil de 1867, a troca não foi regulada no Código Civil de 1966 por se considerar que corresponde a um estágio primitivo da economia, tornando-se dispensável a partir do momento em que o dinheiro assume a função de meio geral de trocas7. No entanto, embora não seja utilizada em larga escala cotidiana, o que se pretende mostrar é justamente o contrário do que enfatiza a doutrina. Conceito, objeto e sua revitalização Não há como negar que a permuta muito se assemelha à compra e venda.Tanto é assim que o artigo 533, caput, do Código Civil manda aplicar à troca as disposições referentes à compra e venda, com duas exceções: (i) as despesas com o instrumento da troca devem ser arcadas meio a meio pelas partes, salvo convenção em contrário (art. 533, I, CC); (ii) a troca de valores desiguais entre ascendentes e descendentes, sem consentimento dos outros descendentes e do cônjuge do alienante, é passível de anulação (art. 533, II, CC). Caio Mario da Silva Pereira8 define a troca, também chamada permuta, escambo ou barganha, como o contrato mediante o qual uma das 7 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito das obrigações. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2009, v. 3, p. 169. 8 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: v. 3: contratos: declaração unilateral de vontade: responsabilidade civil. Revista e atualizada por Regis Fichtner. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 170. 64 Fórum j urí di co Giovanni Ettore Nanni partes se obriga a transferir à outra uma coisa, recebendo em contraprestação coisa diversa, diferente de dinheiro. Embora não se pretenda abordar os contornos teóricos do tema em estudo, vale frisar que se trata de um contrato cujos caracteres se equiparam à compra e venda, pois bilateral, oneroso, comutativo, translatício do domínio, consensual via de regra, e só por exceção solene9. É uma espécie de contrato de alienação, entre os quais também se enquadram a compra e venda e a doação10. Pela troca permuta-se coisa por coisa, ou posse por posse. Tudo que é suscetível de venda é permutável, tudo que é suscetível de propriedade ou posse também o é, exceto o dinheiro. Os bens que são objeto de propriedade intelectual (literária, artística ou científica) ou de propriedade industrial são permutáveis11. A despeito da consideração de muitos de que o contrato de permuta consubstancia mera reminiscência histórica, a verdade é que se constata uma evidente revitalização. Nesse sentido, enfatiza Paulo Lôbo12: “No direito brasileiro atual ocorre uma revitalização da permuta, a exemplo do contrato mediante o qual o proprietário de um imóvel urbano cede-o a um incorporador em troca de apartamentos do edifício que será nele construído. Outro exemplo, no campo do direito intelectual, é a cessão de direitos de difusão de uma obra em canais de televisão em troca de espaço publicitário.” E Otavio Luiz Rodrigues Junior13 exemplifica algumas situações em que verifica a pre9 Idem, p. 170. 10 No mesmo sentido: LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito das obrigações, v. 3, p. 11-240. 11 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972, v. 39, p. 378. 12 LÔBO, Paulo. Direito civil: contratos. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 271. 13 RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Código Civil comentado: compra e venda, troca, contrato estimatório: artigos 481 a 537, volume VI, tomo I. São Paulo: Atlas, 2008, p. 484. sença de tal tipo contratual nos dias de hoje: “Na atualidade, observa-se a celebração de permutas, sob os mais variegados nomes jurídicos, em negócios como a troca de: (a) espaços publicitários por diárias de hotel; (b) refeições por refeições, entre lojas de comida rápida nos centros comerciais, destinadas à alimentação dos respectivos atendentes, que passam a ter um cardápio mais diversificado; (c) ingressos de cinema por refeições; (d) livros didáticos por outros, realizados por pais de alunos de anos letivos diferentes. É de ser notado que esses contratos aperfeiçoam-se em dinâmicos e modernos setores da Economia, como é o caso do mercado de publicidade e propaganda.” Diante de tal cenário, são citadas algumas situações práticas em que a troca ou permuta é utilizada em acentuada escala, evidenciando sua importância. Troca ou permuta no mercado imobiliário Nas grandes cidades é bastante comum que o incorporador, para adquirir a área em que o prédio será edificado, dê em permuta ao proprietário do terreno uma ou algumas unidades de apartamento. A prestação do incorporador é adimplida no futuro, quando a construção é concluída. Destarte, seja como contrato definitivo ou preliminar, o terreno é dado em troca de coisa futura, ou seja, a área a ser construída14. Essa figura, que revigorou o instituto da troca, passou a ser praticada no Brasil com frequência entre a década de oitenta e noventa, pois nos centros urbanos mais avançados e populosos, os preços dos terrenos destinados a edificações, principalmente aquelas de maior capacidade construtiva, cresceram de maneira desmesurada. Isso fez com que, de um lado, as habitações populares, para os cidadãos de baixa renda, se tornassem cada vez mais inacessíveis e, por outro, houve uma considerável dilação dos prazos para a realização das obras, eis que tanto os construtores quanto os adquirentes finais deveriam, inicialmente, pagar o preço do terreno. Assim, novas formas mercadológicas de realizar as construções foram propostas, com o retorno do contrato de permuta.15 O compromisso, ou promessa, de permuta está sujeito às mesmas regras do compromis14 AZEVEDO JÚNIOR, José Osório de. Compra e venda, troca ou permuta. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 138. 15 LIMA, Frederico Henrique Viegas de. Sobre o contrato de promessa de permuta imobiliária (um aspecto de direito comparado para a aproximação de seu conteúdo). Revista de Direito Imobiliário. São Paulo: Instituto de Registro Imobiliário do Brasil; Revista dos Tribunais, v. 34, jul./dez. 1994, p. 76-77. Fórum j u r í di co 65 artigo so de venda e compra. No que diz respeito às incorporações imobiliárias, existe disposição expressa, qual seja a do artigo 32, “a”, da Lei n. 4.591/1964, que, em combinação com o artigo 39, vai às últimas consequências, permitindo até a promessa de permuta do terreno com coisa futura, isto é, com unidades que ainda vão ser construídas.16 Troca ou permuta nos contratos internacionais e no mercado financeiro Nos contratos internacionais e no mercado financeiro a situação não é diferente. Atualmente, a permuta é usada em contratos internacionais em que o dinheiro não é atrativo por causa das oscilações monetárias ou pela multiplicidade de moedas. Também nas relações contratuais de larga duração entre empresas que se aprovisionam mutuamente, surgem intercâmbios de coisas que logo se compensam.17 16 AZEVEDO JÚNIOR, José Osório de. Compromisso de compra e venda. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 259. 17 LORENZETTI, Ricardo Luis. Tratado de los contratos. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, 2003, v. 1, p. 464. 66 Fórum j urí di co Giovanni Ettore Nanni Nos negócios internacionais, com operações ditas de compensação, o emprego recorrente do contrato de permuta se verifica, como no exemplo do produtor de petróleo que entrega parte de sua produção em troca de fornecimento de mercadorias.18 Consoante ilustra Carlos Ferreira de Almeida19, nos negócios internacionais, as trocas sem mediação monetária (por exemplo, petróleo ou outras matérias-primas contra máquinas ou transferência de tecnologia) têm presença significativa, em especial desde os anos setenta do século XX, que marcam a intensificação do comércio internacional com países do leste da Europa e com países em vias de desenvolvimento, desprovidos de moeda convertível (non market economies). Já no âmbito financeiro, ainda que regulado por normas próprias do mercado de capitais, espécie de contratos derivativos, o swap é informado por um princípio operativo básico, que é a troca de vantagens comparativas, o qual faz ape18 LÔBO, Paulo. Direito civil: contratos, p. 271. 19 ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos II: conteúdo; contratos de troca. Coimbra: Almedina, 2007, p. 134. lo à teoria econômica das vantagens comparativas.20 A própria expressão inglesa swap significa troca ou permuta. O Banco Central do Brasil define o swap como:“Derivativo financeiro que tem por finalidade promover a troca (simultaneamente) de ativos financeiros entre os agentes econômicos envolvidos, por exemplo: Uma empresa possui um ativo financeiro indexado a variação do dólar comercial e deseja trocar a variação deste ativo financeiro (dólar comercial) por uma determinada taxa pré-fixada sem se desfazer do ativo financeiro, neste caso ela poderá através de um swap de taxas realizar tal operação.”21 Embora não sem divergência22, a doutrina reconhece que o swap é uma espécie de permuta23, pois, explica Carlos Ferreira de Almeida24, ao se referir à natureza das obrigações, como todas são prestações em dinheiro, mas em nenhuma delas se reconhece uma função de meio de pagamento (de preço), deve-se concluir a favor da sua qualificação como contrato de permuta. Troca ou permuta de ações ou quotas No campo das sociedades anônimas, que são regidas pela Lei n. 6.404/1976, permite-se a aquisição de controle da companhia aberta por meio de oferta pública, que pode conter permuta, total ou parcial, por valores mobiliários (art. 257, § 1º). O projeto de instrumento de oferta de permuta deve ser submetido à Co20 CALHEIROS, Maria Clara. O contrato de swap. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 53. 21 http://www.bcb.gov.br/glossario.asp?Definicao=219&idiom a=P&idpai=GLOSSARIO. Acesso em: 16 abr. 2012. 22 CALHEIROS, Maria Clara. O contrato de swap, p. 119-125. 23 ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos II: conteúdo; contratos de troca, p. 136; RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Código Civil comentado: compra e venda, troca, contrato estimatório: artigos 481 a 537, volume VI, tomo I, p. 484. 24 ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos II: conteúdo; contratos de troca, p. 136. Nos negócios internacionais, as trocas sem mediação monetária têm presença significativa, em especial desde os anos setenta do século XX missão de Valores Mobiliários (CVM) com o pedido de registro prévio da oferta, mediante observância de seus requisitos típicos (art. 259). Conquanto seja regida por lei especial e supervisionada pela Comissão de Valores Mobiliários, cuida-se de operação disciplinada, ainda que subsidiariamente, pelo artigo 533 do Código Civil.25 Além dessa previsão específica, a troca de ações é usual em operações de alienação de participações societárias, nas quais são permutadas ações de emissão de determinada empresa, detidas por uma companhia, por outras pertencentes à contraparte no contrato, por intermédio de escambo de ativos. Igual negócio jurídico se costuma realizar em relação a sociedades de responsabilidade limitada, por meio de troca de quotas por outras de distintas pessoas jurídicas ou por diferentes bens, de variada natureza. Considerações finais: a necessidade da problematização e da formação crítica Se o contrato de troca estivesse praticamente sepultado, como alude a doutrina tradicio25 RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Código Civil comentado: compra e venda, troca, contrato estimatório: artigos 481 a 537, volume VI, tomo I, p. 494; CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: 4º volume: tomo II: arts. 243 a 300: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com as modificações da Lei n. 11.941, de 27 de maio de 2009. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 256-257. Fórum j u r í di co 67 artigo nal, certamente não seria possível exemplificar o seu emprego nas várias hipóteses citadas no texto. Surge aí um problema sintomático. Evidente que os temas aqui retratados merecem um estudo particular de suas especificidades, eis que suscitam muitas discussões teóricas. E mais, é notável a importância dessa outra roupagem da permuta como instrumento para viabilizar novos negócios. Tudo isso demonstra a necessidade de repensar o passado, alinhando-se com a atualidade. O Direito, rememorando as palavras de Miguel Reale, precisa ser operativo e a interpretação vive sob a égide da concretude, aliada ao dinamismo das situações jurídicas Porém, não é esse o objetivo do artigo, o qual primordialmente expressa a preocupação com o estudo e o ensino do Direito Civil mediante automática reprodução de conceitos clássicos – alguns inclusive superados –, sem a devida reflexão com o dinâmico universo negocial contemporâneo. As noções teóricas têm um significado diverso quando se imagina o contexto de hoje, com múltiplos contratos atípicos, alguns coligados, outros, porém, típicos, mas com estrutura totalmente diferenciada do passado. Como enfatiza Pietro Perlingieri26, uma dos maiores civilistas italianos da atualidade, a problematização deve ser garantida nos textos jurí26 PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Tradução de Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 78. 68 Fórum j urí di co Giovanni Ettore Nanni dicos e nos métodos de ensino. Os estudos universitários, acrescenta Perlingieri27, não podem de qualquer forma se reduzir a uma função de noção e meramente informativa, mas devem sempre visar à formação crítica, ao gosto pela argumentação adequada e razoável de qualquer solução frente a problemas antigos e novos. A verdade é que o fenômeno jurídico nada mais é que um aspecto dinâmico da complexa cultura de uma comunidade28, e que, portanto, como bem assevera Norberto Bobbio29, as normas jurídicas são produtos culturais (produtos da civilização humana), como uma estátua, uma casa, uma moeda, uma poesia etc. As ciências humanas, que têm como objeto de pesquisa os produtos culturais, desenvolveram duas técnicas de pesquisa: uma relativa à origem, chamada de genética, e outra relacionada à função, dita teleológica, dos produtos culturais. A primeira leva em consideração o objeto como um evento em que se deve determinar as causas que o produziram; a segunda, como um meio pelo qual se deve investigar o fim ao qual é empregado. Explica Gustavo Visentini30 que o legislador dispõe para o futuro com base na experiência maturada no passado, até o dia da elaboração da lei: o direito é concebido no passado em relação ao fato que deverá regular, o qual é futuro relativamente à formulação da lei, e em geral acerca do direito existente. Esta é realmente uma condição impossível: o futuro não repete o passado, os casos são sempre novos. Por isso, o intérprete se encontra na necessidade de reestruturar ao presente um conceito que foi pensado no 27 Idem, p. 84. 28 Ibidem, p. 81. 29 BOBBIO, Norberto. Sul ragionamento giuridico dei giuristi. In: BOBBIO, Norberto. Saggi sulla scienza giuridica. Torino: Giappichelli, 2011, p. 44. 30 VISENTINI, Gustavo. Lezioni di teoria generale del diritto. 3. ed. Padova: Cedam, 2008, p. 88-89. passado; deve renovar a norma pensada no passado para aplica-la hoje. Nesse cenário, muito apropriadas as palavras de Agostinho Alvim31, um dos fundadores da Faculdade Paulista de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo:“Outra grande tarefa do juiz, a desafiar a sua cultura, é a de adaptar as leis às ocorrências da vida atual, adaptação imprescindível, uma vez que a lei começa a envelhecer e a se desajustar desde o dia em que é promulgada.” Tais considerações oriundas da Teoria Geral do Direito, conjugadas com o modelo do contrato de troca aqui tomado como exemplo, expressam não só a necessidade, porém também o alerta de que o professor, o aluno, o intérprete, o juiz, o operador do direito não podem tachar como superados determinados institutos jurídicos sem o devido cotejo com o presente, sem a imperiosa atenção ao complexo e dinâmico cenário negocial atual, sem revisitar os conceitos tradicionais. O Direito, rememorando as palavras de Miguel Reale, precisa ser operativo e a interpretação vive sob a égide da concretude, aliada ao dinamismo das situações jurídicas, pelo que o panorama de ontem não é exatamente igual ao atual. Por isso se requer a problematização e a formação crítica, com visão axiológica. A interpretação é, portanto, por definição, diz Perlingieri32, lógico-sistemática e teleológica-axiológica, isto é, finalizada à realização dos valores constitucionais. Em suma, ensinar e aplicar o Direito exige devoção ao ato de repensar o clássico, com problematização e formação crítica, sem olvidar o nocivo risco da atração pela errônea e precipitada novidade, isto é, desprovida de sustentação legal. Eis o desafio de hoje e de sempre. n 31 ALVIM, Agostinho. O político, o advogado, o juiz, o professor. Revista da Universidade Católica de São Paulo. São Paulo: [s.e.], v. 9, n. 17, mar. 1956 (separata), p. 14. 32 PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, p. 618-619. Fórum j u r í di co 69 artigo O NOVO SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA Vanêssa Rodrigues da C. Pereira Fialdini Introdução Em 29 de maio de 2012 entrou em vigor a Lei Ordinária nº 12.529, que reestrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. O normativo trouxe diversas e substanciais alterações ao sistema concorrencial, bem como aos critérios de submissão e avaliação de estruturas e condutas. Neste artigo, buscamos delinear as principais alterações trazidas pela Lei 12.529/2011. Estrutura do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência Vanêssa Rodrigues da Cunha Pereira Fialdini é Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia. Pós-graduada em Comércio Exterior pela Fundação Armando Álvares Penteado. Mestre em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre emComparative Law pela Cumberland School of Law – Samford University e pela The University of Durham. Sócia de Fialdini Advogados. 70 Fórum j urí di co Antes da entrada em vigor da Lei nº 12.529/2011, o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência era formado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), pela Secretaria de Direito Econômico (SDE), do Ministério da Justiça, e pela Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE), do Ministério da Fazenda. O CADE tinha por função precípua julgar, em instância administrativa, possíveis infrações da ordem econômica. A SDE era responsável pelo acompanhamento das práticas de mercado e instauração de processo administrativo para apuração de infrações. Finalmente, à SEAE competia executar as ações do Ministério da Fazenda na área do direito econômico, tanto no âmbito da defesa da concorrência quanto na defesa do consumidor. A partir do final de maio, no entanto, a maior parte das atribuições relativas à proteção à concorrência, antes dividida entre os órgãos mencionados, foi concentrada no CADE – o que levou este Conselho a ser taxado como “SuperCADE”. O órgão passou a reunir as atividades do Sistema Brasileiro de Direito da Concorrência, incorporando institucionalmente o departamento de concorrência da SDE (que passará a cuidar apenas de assuntos relativos à defesa do consumidor, com a denominação de Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor). A SEAE continua sendo parte do sistema, como responsável pela advocacia da concorrência, ou seja, por zelar junto aos órgãos e agências governamentais para que não haja medidas que inibam a livre concorrência. Suas atribuições instrutórias, no entanto, foram incorporadas pelo CADE. Dentro dessa nova estrutura, o CADE passa a ter a seguinte composição: Tribunal Administrativo de Defesa Econômica, é o órgão judicante do CADE, composto por um Presidente e seis Conselheiros. Seus membros são nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovados pelo Senado Federal para mandato de 4 (quatro) anos, não coincidentes, sendo vedada a recondução e o uso, a qualquer tempo, de informações privilegiadas obtidas em decorrência do cargo exercido. Superintendência-Geral, responsável por fiscalizar o cumprimento da Lei, monitorando e acompanhando as práticas de mercado. Tem como funções a análise dos negócios das empresas em tempo hábil, para evitar a paralisação do processo à espera de uma decisão; e a investigação de cartel, antes exercida pela SDE. Departamento de Estudos Econômicos, responsável pela elaboração de estudos e pareceres econômicos. É dirigido por um Economista-Chefe, que deve zelar pelo rigor e atualização técnica e científica das decisões do órgão, sendo nomeado, em conjunto, pelo Superintendente-Geral e pelo Presidente do Tribunal. Pode participar das reuniões do Tribunal, mas sem direito de voto. Procuradoria Federal, competente para representar o CADE judicial e extrajudicialmente.Tem por atribuições prestar consultoria e assessoramento jurídico ao CADE; promover a execução judicial das decisões e julgados do CADE; emitir pareceres, sempre que solicitada; e zelar pelo cumprimento da Nova Lei. O Procurador-Chefe é nomeado pelo Presidente da República, depois de aprovado pelo Senado Federal para mandato de 2 (dois) anos, permitida sua recondução para um único período. Da mesma forma que o Economista-Chefe, o Procurador-Chefe pode participar, sem direito de voto, das reuniões do Tribunal. Por fim, cumpre destacar que o Procurador-Geral da República, de ofício ou a requerimento do Conselheiro-Relator e ouvido o Conselho Superior, designará membro do Ministério Público Federal para emitir parecer, nos processos administrativos para imposição de sanções administrativas por infrações à ordem econômica. Critérios de Submissão de Atos de Concentração Na vigência da Lei nº 8.884/94, as empresas que tivessem registrado, no ano anterior a uma operação, faturamento bruto anual igual ou superior a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais) deviam, obrigatoriamente, submeter todos os seus negócios de concentração à apreciação do CADE, inclusive a compra de pequenas empresas. Além disso, se a operação resultasse em controle de 20% (vinte por cento) ou mais de determinado mercado relevante, também deveria ser previamente aprovada por aquele órgão. No âmbito da nova regulação antitruste, para que uma operação seja submetida à aprovação do CADE, é necessário que um dos grupos econômicos nela envolvidos tenha registrado, no ano anterior à operação, faturamento bruto anual igual ou superior a R$ 750.000.000,00 (setecentos e cinquenta milhões de reais) e o outro grupo A partir do final de maio a maior parte das atribuições relativas à proteção à concorrência foi concentrada no CADE taxado como “SuperCADE" Fórum j u r í di co 71 artigo econômico envolvido tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual igual ou superior a R$ 75.000.000,00 (setenta e cinco milhões de reais)1. Ficam excluídas do âmbito de apreciação do órgão, portanto, as operações de menor monta e sem potencial lesivo à concorrência. Condutas Anticoncorrenciais Segundo o artigo 36 da Lei nº 12.529/2011, são consideradas condutas infratoras da ordem econômica, independentemente de culpa, aquelas tendentes a: l Limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência; l Dominar mercado relevante de bens ou ser1 Valores estabelecidos pela Portaria Interministerial nº 994, de 30 de maio de 2012. A Lei 12.529/2011 trazia valores inferiores, de R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais) e R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais), respectivamente. 72 Fórum j urí di co Va n ê s s a R o d r i g u e s d a C . P e r e i r a F i a l d i n i viços (sendo que a conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico não caracteriza conduta anticoncorrencial); l Aumentar arbitrariamente os lucros; l Exercer de forma abusiva posição dominante. Presume-se que há posição dominante sempre que uma empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar, unilateral ou coordenadamente, as condições de mercado ou quando controlar 20% (vinte por cento) ou mais do mercado relevante, podendo esse percentual ser alterado pelo CADE para setores específicos da economia. São, portanto, exemplos de condutas ilícitas: combinar preços de bens ou serviços; produzir ou comercializar propositalmente uma quantidade limitada de bens com o fim de pressionar a demanda; limitar o acesso de novas empresas ao mercado ou criar dificuldades ao funcionamento de empresa concorrente; vender mercadoria ou prestar serviços injustificadamente abaixo do preço de custo; subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à utilização de outro ou à aquisição de um bem (“venda casada”). A legislação revogada estabelecia que a multa aplicável às hipóteses de condutas anticoncorrenciais praticadas por empresas podia variar de 1% a 30% sobre o faturamento bruto da empresa no último exercício. A norma atual dispõe que as penalidades serão de 0,1% a 20% do valor do faturamento bruto da empresa, grupo ou conglomerado no exercício anterior à instauração do processo administrativo, dependendo, ainda, do ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração. No entanto, a multa nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação. No caso de pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado e associações, com ou sem personalidade jurídica, que não exerçam atividade em- presarial - não sendo possível, portanto, a utilização de critério do valor do faturamento bruto - a multa poderá variar entre R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais). Por fim, a nova Lei estabelece que, no caso de administrador direta ou indiretamente responsável pela infração cometida, será aplicada multa de 1% (um por cento) a 20% (vinte por cento) daquela aplicada à empresa ou às pessoas jurídicas/entidades, conforme o caso.2 Ademais, a penalidade só será aplicada em caso de culpa ou dolo comprovada do administrador. Destaca-se ainda que, em caso de reincidência, as multas cominadas serão aplicadas em dobro. Revisão de Atos de Concentração A legislação anterior previa a análise e controle posteriores à operação, ou seja, via de regra era possível a conclusão do negócio antes da aprovação do CADE, sendo que a rejeição do ato implicaria na sua desconstituição, total ou parcial. Isso gerava enormes impactos nos casos de não aprovação das operações ou de aprovações condicionadas, uma vez que é bastante difícil, ou mesmo impossível, retornar ao estado anterior à efetivação da operação, considerando que as decisões por vezes levavam anos para serem proferidas. A Lei atual inovou ao estabelecer a obrigatoriedade de análise e controle prévios, sendo, portanto, necessária a aprovação do CADE para que o negócio possa ser concluído. Em princípio, o órgão deve manifestar-se quanto à aprovação ou não do ato de concentração em até 240 (duzentos e quarenta) dias a contar do protocolo de petição das partes interessadas, ou de sua emenda. Contudo, a Lei é omissa 2 No regramento anterior esse percentual era de até 50% (cinquenta por cento). quanto à aprovação tácita e, portanto, os atos de concentração não apreciados pelo CADE no prazo acima referido não podem ser reputados tacitamente aprovados, sob pena de nulidade. Em suma, pode-se concluir que as modificações trazidas pela atual legislação antitruste objetivam agilizar as atividades de avaliação das condutas e estruturas potencialmente prejudiciais à concorrência, em especial os procedimentos relativos a fusões e aquisições. Um passo importante nesse sentido foi eliminar a necessidade de submissão ao CADE de as modificações trazidas pela atual legislação antitruste objetivam agilizar as atividades de avaliação das condutas e estruturas potencialmente prejudiciais à concorrência operações sem grande relevância econômica para o mercado. Já com relação à obrigatoriedade de aprovação prévia de atos de concentração, é medida salutar no sentido de evitar os problemas causados pelo desfazimento de operações já consolidadas, mas é de extrema importância que o CADE atue de forma ágil na avaliação das operações, sob pena de paralisar o mercado. Por fim, é importante destacar, embora os atos do CADE sejam revestidos de formalidades similares às dos órgãos judiciais, a natureza de seus atos é idêntica à dos atos de qualquer órgão administrativo. Não fazem, portanto, coisa julgada, estando sempre sujeitos à revisão pelo Poder Judiciário, em observância ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, inscrito no art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal. n Fórum j u r í di co 73 artigo Luiz Phillip Nagy Guarani Moreira F e r n a n d a C o s ta COMÉRCIO ELETRÔNICO Luiz Phillip Nagy Guarani Moreira estudante do 4º semestre do curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Estagiário na área Societária do escritório de advocacia Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados. Fernanda Costa estudante do 4º semestre do curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Monitora em Direito Civil da Professora Dra. Cláudia Haidamus Perri. Estagiária na área Tributária do escritório de advocacia Prado Borges Advogados. 74 Fórum j urí di co Um Mundo Sem Fronteiras Com a revolução informática iniciada nos anos 80, percebe-se que os antigos modelos de comunicação e de negócios passaram a não mais se mostrar habilitados para o mundo globalizado, o qual pode ser visto como um “novo mundo”. O pós guerra fria trouxe uma série de mudanças no cenário internacional e, vivemos, nas palavras de Peter Drucker, a chamada Era Digital1. A alavanca principal desta “nova Era” foi o surgimento da internet. O que começou como um projeto acadêmico-militar de conexão entre os centros de pesquisa norte americanos nos anos 60, a Advanced Research Projects Agency Network (ARPANet), tornou-se, com a virada do milênio, a principal ferramenta de integração global, sendo definida pela Suprema Corte Americana como “Paraíso democrático, de livre expressão e participação política humana.”2 Cerca de 2,267 bilhões de pessoas acessam a rede mundial, conforme dados da InternetWorld Stats 2011, representando 32,7% da população do planeta,3 número que se multiplica ano a ano. Para Fábio Ulhôa Coelho, “A expansão da internet deve muito ao extraordinário potencial para o incremento de negócios e atendimento aos consumidores revelado pelo comércio eletrônico. Na segunda metade dos anos 1990, a rede popularizou-se e ultrapassou os circuitos universitários, em razão das comodidades oferecidas ao ato de consumo.”4 Nesta esteira, não cabe mais a antiga e ingênua visão surgida no início da expansão virtual, que acreditava em um mundo digital “anárquico”. A resposta é a sensata conclusão de Patrícia Peck, 1 DRUCKER, Peter. Sociedade Pós-Capitalista. São Paulo: Pioneira, 1995 p. 61. 2 LORENZETTI, Ricardo L. Comércio Eletrônico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004 p. 22. 3 http://www.internetworldstats.com/stats.htm, Acesso em 27.06.2012. 4 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, vol. 3. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 47. na qual afirma: “Historicamente todos os veículos que compõem a sociedade convergente passaram a ter relevância jurídica no momento em que se tornaram instrumentos de comunicação de massa, pois a massificação do comportamento exige que a conduta passe a ser abordada pelo Direito, sob pena de se criar insegurança no Ordenamento Jurídico e na sociedade.“5 A velocidade das transformações não pode ser uma barreira intransponível aos operadores do direito, que devem atender às possibilidades de conflitos que se criam nestes novos campos de atuação da sociedade moderna, por meio de interpretações atuais e inteligentes dos dispositivos legais. Não temos a pretensão de esgotar o tema, fonte de diversas teses e pesquisas, mas de indicar as principais características do comércio eletrônico, a empresa inserida no meio digital, os contratos virtuais e a proteção ao consumidor nas compras realizadas na internet. Comércio Eletrônico: Conceito Considera-se comércio eletrônico nada mais que a compra e venda de produtos ou prestação de serviços realizada por meio da transmissão eletrônica de informações.6 Desta forma, toda compra feita pela rede mundial de computadores entra nesta categoria, na qual o que define comércio digital não é a natureza do bem ou serviço, mas sim, se a declaração de vontade é transmitida eletronicamente.7 O comércio eletrônico traz inúmeras vantagens, tais como comparação de preços entre fornecedores, redução de custos com deslocamento para o ato da compra, economia de tempo, redução de 5 PECK, Patrícia. Direito Digital São Paulo: Saraiva, 2002. p. 26 6 FINKELSTEIN, Maria Eugênia Reis. Direito do Comércio Eletrônico,2ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011, p. 38. 7 “Nome de Domínio é aquele que identifica o Lugar em que o consumidor ou adquirente pode comprar o produto ou serviço (...). Ele é, assim, o endereço eletrônico que o consumidor deve digitar no navegador para acessar o estabelecimento virtual.” (COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial - vol. 3.13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 48). custos com pessoal, fim das barreiras geográficas. Para explorar esta atividade econômica, nasce a figura dos estabelecimentos empresariais virtuais. Estabelecimento Empresarial Virtual O conceito de estabelecimento empresarial encontra-se inserido no art. 1.142 do Código Civil: “considera-se estabelecimento todo o complexo de bens organizados para exercício da empresa.” Antes da ascensão do comércio eletrônico, o estabelecimento empresarial era sempre físico, ou seja, a empresa encontrava-se instalada em imóvel fisicamente acessível ao consumidor. O estabelecimento virtual não torna obsoleto o conceito previsto na lei. Da mesma forma, ele reúne bens físicos e imateriais para a exploração da atividade econômica, devendo possuir estoque, funcionários, podendo vwir a ter fundo de empresa8 e sendo objeto unitário de direitos e negócios jurídicos translativos ou constitutivos que sejam compatíveis com sua natureza. A ínsita diferenciação refere-se à acessibilidade do consumidor no ato da compra, caracterizado pela manifestação de aceitação das ofertas por meio da transmissão eletrônica de dados. Identifica-se o estabelecimento virtual pelo nome de domínio9, tendo-se em vista que o nome proposto não pode desrespeitar os direitos de marca de terceiros. Assim, antes de se obter o registro de um nome de domínio, há a obrigação do empresário de averiguar se há algum titular do registro industrial no Instituto Nacional da Propriedade 8 Fundo de empresa é o valor agregado ao conjunto de bens que compõem o estabelecimento empresarial, possuindo valor acima do patrimônio líquido avaliado a preços de mercado.Para Finkelstein: “Pode se falar em fundo de empresa em estabelecimento virtual, pois, muitas vezes, quem adquire um estabelecimento virtual pode pagar preço muito maior que a soma do valor de cada bem. Isso porque, (...), o estabelecimento virtual tem seu próprio valor, independentemente dos equipamentos e programas empregados.” (FINKELSTEIN, Maria Eugênia Reis. Direito do Comércio Eletrônico, p. 51). 9 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. vol. 1 e vol. 3 – 13ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2012 p.52. Fórum j u r í di co 75 artigo Luiz Phillip Nagy Guarani Moreira F e r n a n d a C o s ta Industrial (INPI). O órgão responsável pelo assentamento dos nomes de domínio é o Órgão Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), criado pela Portaria Interministerial nº 147, de 31 de maio de 1995.10 O CGI.br é composto por membros do governo, setor empresarial, terceiro setor e da comunidade acadêmica, e tem como finalidade a coordenação das iniciativas de serviços da internet no país. Contratos Virtuais Outra inovação à ciência jurídica advinda da informática foram os contratos virtuais. Na legislação vigente, para um negócio jurídico ser considerado válido requer a presença de partes capazes, objeto idôneo e forma prescrita ou não defesa em lei.11 Deste modo, não existindo vedação legal ou previsão ad solemnitatem, qualquer contrato consensual pode ser celebrado por meio eletrônico. A grande controvérsia sobre o uso destes instrumentos se resume à força comprobatória de vontade que tais documentos teriam, tendo-se em vista a impessoalidade dos meios digitais. Arnoldo Wald constata: “Em todos os países, reconheceu-se que a técnica eletrônica se firmou, inicialmente, sem que o direito acompanhasse o progresso tecnológico. Podemos afirmar que houve, de início, a assunção, pelos meios comerciais, de um risco calculado para fazer funcionar o sistema, elaborando-se em seguida, as normas cabíveis.”12 Trazendo resposta ao impasse, cuidou a própria tecnologia de desenvolver mecanismos de autenticação pessoal, por meio dos certificados digitais, a criptografia assimétrica (em que o contratante se identifica por duas senhas, uma de conheci10 Portaria interministerial alterada pelo Decreto Presidencial nº 4.829 de 3 de setembro de 2003. 11 Art. 104 Código Civil: “A validade do ato jurídico requer agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e na forma prescrita ou não defesa em lei”. 12 GRECO, Marco Aurélio e MARTINS, Ives Gandra da Silva (coordenadores) e outros. Direito e Internet: Relações Jurídicas na sociedade informatizada. p. 19 76 Fórum j urí di co mento público e outra privada), marcas d’água digitais, entre outras ferramentas. Comércio Eletrônico no Brasil e a Proteção ao Consumidor Segundo o levantamento WebShoppers13 apresentado em março deste ano, o faturamento do setor de comércio eletrônico no país atingiu a marca de R$ 18,7 bilhões em 2011, um crescimento de 26% em relação a 2010. Foram realizados 53,4 milhões de pedidos em 2011, um crescimento de 34%. O valor médio nas compras virtuais foi de R$ 350,00 número que já alcança o tiquet médio gasto por consumidores nos shoppings brasileiros. Na importante tarefa de se criar mecanismos de garantia dos direitos destes consumidores, um ponto que merece destaque é o dever de informar. O fornecedor é responsável não só pela idealização do produto, mas como pela sua comunicação. O dever de informar é inerente à própria atividade empresarial, e a falha na comunicação pode dar ensejo à obrigação de reparar o dano causado.14 As ofertas online devem obedecer ao disposto no art. 31 do Código de Defesa do Consumidor (CDC),15 assegurando informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa. Este dispositivo ganha relevo no atual cenário em que as pessoas passam a realizar compras online numa frequência habitual. As empresas relacionam-se, indistintamente, com consumidores cujo nível de percepção da realidade é diversificado: de jovens 13 http://www1.folha.uol.com.br/mercado/1061168-comercio-eletronico-cresce-26-mas-fica-abaixo-do-esperado. shtml,acessado em 24 de junho de 2012. 14 FINKELSTEIN, Maria Eugênia Reis. Direito do Comércio Eletrônico. 2ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011, p. 238. 15 CDC Art. 31: “A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores”. a idosos, passando por indivíduos com maior ou menor familiaridade com as ferramentas digitais. Portanto, a linguagem ideal no relacionamento com o consumidor, sem dúvida, é aquela que privilegie a honestidade na apresentação do produto e condições da venda, de maneira a permitir a sua fácil identificação pelo comprador. A aceitação de uma oferta online torna a proposta um contrato em definitivo, sendo que geralmente a aceitação se faz mediante um simples ‘’click’’ na tecla ‘’ok’’. Este ato obriga o proponente a entregar tudo que foi prometido, sob pena de sofrer as sanções previstas no art. 56 do CDC.16 Em contrapartida, o consumidor tem garantido o seu direito de arrependimento. O art. 49 do CDC dispõe que o consumidor pode desistir do ato da compra no prazo de sete dias contados da assinatura ou do recebimento do serviço.17 Nas compras virtuais, muitos entendem que o consumidor encontra-se fragilizado, uma vez que não teve o tempo necessário para refletir sobre as reais implicações da aquisição (tratam-se das chamadas “compras por impulso”), caracterizando o estado de hipossuficiência. Seu direito de arrepen16 Neste ponto, Claudia Lima Marques enfatiza:“Ser irrevogável significa, no sistema do CDC, que o ato criado não desaparecerá do mundo jurídico por vontade unilateral do fornecedor: uma vez criado e válido, terá efeitos, pelo menos o da vinculação.” (MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. – São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2003 p. 410). 17 CDC art. 49: “O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.” dimento existe per se, sem que seja necessária qualquer justificativa.18 Logo, neste caso, deve a empresa ressarcir o consumidor das quantias pagas até então. Conclusão É quase impossível conceber um mundo, nos moldes atuais, sem a internet. Prevê-se com segurança que, cada vez mais, o Direito terá o papel de regular as relações jurídicas na sociedade informatizada. As ferramentas digitais para negócios e o comércio serão cada vez mais utilizados e não há dúvidas de que outras inovações surgirão em breve. Devido à celeridade destas transformações é sensato concluir que a introdução de leis muito específicas sobre o comércio eletrônico não surtiria o efeito pretendido,tanto em termos de defasagem pela velocidade das mudanças -, como na regulação excessiva que limita os negócios. Caberia, no caso, a utilização ponderada dos métodos de interpretação e de integração das normas jurídicas existentes, que são plenamente capazes solucionar os conflitos que eventualmente possam vir a existir. n 18 Finkelstein esclarece: “O Código de Defesa do Consumidor prevê duas hipóteses em que o consumidor goza do direito de arrependimento: na compra por impulso, quando é abordado por vendedores ambulantes fora do estabelecimento comercial, em casa quando o consumidor está sujeito a técnicas agressivas de venda, (...) ou no caso de compras a distância, realizadas pelo telefone, em que o consumidor não tem contato com o bem ou não tem possibilidade de negociar os serviços que deseja. Aqui se enquadram as compras realizadas pela Internet. Ademais, o marketing agressivo, via spams, vem caracterizando a forma de comercializar pela Internet.” (FINKELSTEIN, Maria Eugênia Reis. Direito do Comércio Eletrônico. – 2ª ed. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2011 p. 253). Referências bibliográficas COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. vol. 1 e vol. 3 – 13ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2012. FINKELSTEIN, Maria Eugênia Reis. Direito do Comércio Eletrônico. – 2ª ed. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. LORENZETTI, Ricardo L. Comércio Eletrônico. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. PECK, Patrícia. Direito Digital. – São Paulo: Saraiva, 2002. GRECO, Marco Aurélio; MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.) e outros. Direito & Internet – Relações jurídicas na sociedade informatizada. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. – São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2003. DRUCKER, Peter. Sociedade Pós-Capitalista. São Paulo: Pioneira, 1995. Fórum j u r í di co 77 artigo Desoneração da Folha de Salários Helga Klug Doin Vieira, Professora de Direito Previdenciário na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre e Doutora em Direito Público pela PUC-SP. 78 Fórum j urí di co Helga Klug Doin Vieira Introdução A desoneração da folha de salários pode ser entendida como troca da base contributiva da empresa para custeio da seguridade social, singularmente previdência social, prevista na Constituição Federal no art. 195, I, “a”. O conceito, contudo, surgiu da alteração específica da qual resultou a adoção do faturamento da empresa como base de cálculo. Essa mudança da base contributiva encontra respaldo constitucional a partir das Emendas Constitucionais 41/2003 e 47/2005, que promoveram o acréscimo do §9º, no art. 195, dispondo que “as contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas e bases de cálculo diferenciadas em razão da atividade econômica, da utilização intensa de mão de obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho”. Para determinados setores da economia já é uma realidade a desoneração da folha de salários, a qual foi discutida e recomendada pela equipe econômica do Governo, implementada inicialmente pelo Poder Executivo por meio de Medida Provisória, e posteriormente transformada em lei, pelo Poder Legislativo. A alteração da base de cálculo foi rapidamente estendida para outros setores da economia, como estratégia imediata de manutenção da competitividade da indústria brasileira no mercado globalizado e ampliação das relações formais de trabalho. Considerando as perdas de recursos que a adoção da nova base gera para o orçamento do sistema de seguridade social e para o custeio previdenciário, a proposta de análise do tema demanda reflexões preliminares, alicerçadas no modelo de proteção social adotado para a sociedade brasileira na Constituição Federal. Inicialmente, cumpre ao intérprete conhecer o sistema jurídico positivado para efetivamente avaliar e interpretar a ordem firmada. É fundamental um pensamento jurídico sistematizado, para que as parcelas interpretadas não sofram distorções ante o arquétipo jurídico firmado. Claus Wilheim Canaris, na teoria “O Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito”,1 demonstra a necessidade da adoção do pensar sistemático e ressalta a importância da avaliação do sistema na solução dos problemas jurídicos, considerando que a unidade jurídica se norteia pelos objetivos e princípios traçados em cada aparelho jurídico, os quais estabelecem a conformação axiológica, teleológica e ideológica, caracterizando e imprimindo-lhe diferencial em relação a outros sistemas. Diretriz Constitucional A diretriz da ordem constitucional vigente tem os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil arrolados no art. 3º, apontando as realizações desejadas pela sociedade, as quais devem ser organizadas pelo Estado. 1 CANARIS, Claus Wilheim. O Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. 5a Ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian. O pacto constitucional, baseado na solidariedade, retrata o comprometimento mútuo assumido pela malha social, com a finalidade deformar uma sociedade livre e justa; reduzir desigualdades sociais e regionais; garantir o desenvolvimento nacional, no campo econômico, social e individual; erradicar a miséria e a marginalização; bem como promover o bem estar de todos. O alicerce edificante desses objetivos se assenta no valor social do trabalho, posto como primazia na Lei Maior, valor que permite a realização do bem estar de toda a sociedade e realização da dignidade da pessoa humana. A conformação jurídica estruturada é de Estado Democrático de Direito, onde a jurisdição aplicará leis pré-existentes e, no qual vige a legalidade, a separação de poderes, o respeito aos direitos individuais e o princípio de que todo poder emana do povo e em seu nome será exercido. A análise da efetividade da estrutura jurídica do Estado brasileiro permite acrescer: trata-se de Estado Democrático de Direito Social, no qual, além da igualdade formal e da dignidade da pesFórum j u r í di co 79 artigo soa humana, deve haver uma firme determinação no sentido de promover o desenvolvimento econômico, com justiça social, mediante a partilha equitativa dos ônus e benefícios da vida em sociedade, pela redistribuição do que estiver concentrado e pela adoção de providências que impeçam as distorções econômicas e sociais. Perante as premissas constitucionais e doutrinárias, é possível, de início, desenvolver uma análise sistemática da “Ordem Econômica” e da “Ordem Social” estabelecidas no Texto Maior. Ambas estão alicerçadas no valor social do trabalho, como a base geradora de desenvolvimento econômico e da justiça social, representando esse valor por um critério teleológico adotado pela estrutura ordenada. A Ordem Social, no que se refere à seguridade social, tem como meta a proteção de riscos sociais específicos, permitindo ao homem sua inserção no mercado de trabalho com a finalidade de realizar a sua dignidade humana. Assim, as ações da seguridade social figuram como relevantes no texto constitucional, sendo as únicas com orçamento próprio, apartado do orçamento fiscal da União, com o objetivo de imprimir autonomia econômica e segurança jurídica ao sistema e aos cidadãos. O Seguro Social no Brasil A história da proteção social brasileira está ligada ao modelo dos seguros sociais introduzido em 1883 na Alemanha, por Otto von BismarCK, e adotado no Brasil a partir de 1923, pela Lei Eloy Chaves, estabelecendo proteção social aos trabalhadores da iniciativa privada. Os seguros sociais são de introdução recente na vida dos trabalhadores e das sociedades. No Brasil têm apenas 89 anos de existência e, considerada a dinamicidade da malha social e a diversidade econômica, exigiram nestes poucos decênios inúmeros ajustes e reformas para que 80 Fórum j urí di co Helga Klug Doin Vieira a proteção instituída cumprisse seu importante papel perante a sociedade. Na sua gênese, a previdência social destinava-se apenas aos trabalhadores empregados, segurados obrigatórios, e seu custeio era provido pelos próprios obreiros e empregadores. Foi na Constituição Federal de 1934 que ficou estabelecido o custeio tríplice: União, empregadores e trabalhadores passariam a arcar com os custos previdenciários, com iguais valores. A Lei nº 129/1935 regulamentou o preceito constitucional, mas, em razão dos diferentes regimes jurídicos que estruturavam os institutos, a União se eximiu de cumprir a sua parcela no custeio estabelecido. Unificação Jurídica da Proteção Social Em 1960, com a unificação jurídica dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), por meio da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) ficou definitivamente firmada a contribuição tripartite. Considerando que a União era devedora da Previdência Social desde 1935, seus débitos foram apurados e consolidados na Lei nº 3.807/1960 - LOPS (art. 135/137), ficando definida a forma como deveria ser resgatada a dívida pretérita do Estado com o seguro social. Com o fim de dar cumprimento ao custeio estabelecido e condições para resgate da dívida, a União ficou autorizada a criar “quotas de previdência”, decorrentes de alíquotas adicionais sobre operações tributárias específicas. As quotas foram criadas, mas a dívida nunca foi paga. Mesmo arrecadando essas quotas específicas, a União não cumpriu com sua parte no custeio, onerando o sistema e levando a previdência social a condições econômicas insustentáveis. Considerando a natureza das contribuições previdenciárias, cabia ao Poder Executivo exa- minar e aprovar as contas relativas às contribuições previdenciárias. Ante a absoluta autonomia e falta de controle externo dos recursos, o Poder Executivo, além de não integralizar sua parcela contributiva, utilizava recursos dessas contribuições para finalidades distintas das previstas, direcionando-os para promover desenvolvimento econômico, por meio de obras públicas. Esse permanente desvio gerou sérios problemas para a proteção social, colocando-a em risco e contrariando toda a axiologia do seguro institucionalizado. e determinar contribuição ao importador de bens ou serviços do exterior. Nessa Nova Ordem, novamente foram levantados os débitos que a União tinha com a Previdência Social, considerando que ela era uma devedora contumaz. Os valores apurados pela Fundação Getúlio Vargas eram aproximadamente os mesmos da dívida externa brasileira daquele ano. O modelo de seguridade social instituído não agradou exatamente o Poder Executivo, considerando que os recursos da seguridade social, incluídos os previdenciários, agora restaram restritos em razão das limitações constitucionais, o Constituição Federal de 1988 o Poder Executivo, além de não integralizar sua parcela contributiva, utilizava recursos dessas contribuições para finalidades distintas das previstas, direcionando-os para obras públicas A Constituição Federal de 1988 operou grandes mudanças na proteção social brasileira, através da institucionalização de um sistema de proteção básico e universal, denominado seguridade social, o que representou um expressivo avanço. Nesse sistema, o direito à saúde é de todos; a previdência social, como seguro social, é dever os indivíduos incluídos econômica e socialmente, sendo obrigatória para quem aufere rendimento de trabalho; e, a assistência social surge com a finalidade de superar a exclusão social e de imprimir a todos uma existência digna. O arquétipo constitucional projeta a exequibilidade do sistema de seguridade ao definir fontes de custeio próprias, delimitando as bases econômicas de financiamento no art. 195, I, da Carta Maior. Este determina como sujeitos passivos o empregador, as empresas e as entidades a elas equiparadas na forma da lei; e, como bases econômicas, a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados à pessoa física, receita ou faturamento, ou ainda o lucro. Estabelece também contribuições para os trabalhadores e segurados facultativos da previdência social, além de adotar as receitas de concursos de prognósticos como base contributiva que veio a afetar a mobilidade econômica e financeira do governo. O Poder Executivo, organizador do sistema, manteve administrativamente as ações da seguridade social dentro dos Ministérios, dando a cada área de atuação autonomia, como prevê o preceito constitucional do art. 195, § 2º:“a proposta orçamentária da seguridade social será elaborada de forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde, previdência e assistência social tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias, ficando assegurada, a cada área, a gestão de seus recursos”. A diversidade e a ampliação de recursos disponibilizados para a proteção social despertou Fórum j u r í di co 81 artigo a desoneração da folha de salários significa substituição da base econômica consubstanciada na totalidade das remunerações pagas ou creditadas aos trabalhadores empregados por outra base econômica: o faturamento no Poder Executivo grande interesse. Deste modo, ficou estabelecido na lei que parte desses recursos seria arrecadada pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia criada em 1990; e parte, pela administração direta, através da Secretaria da Receita Federal. Dessa arrecadação partilhada os recursos administrados pela administração direta nem sempre foram alocados no orçamento da seguridade social, gerando prejuízos para o sistema de proteção social. Além do mais, o Poder Executivo sempre atuou politicamente junto ao Poder Legislativo na busca da liberação de recursos da seguridade social para outras finalidades. A afirmação pode ser verificada pelo exame da produção legislativa dos últimos vinte anos, em que leis autorizam a abertura do orçamento da seguridade social para beneficiar diferentes áreas de atuação do governo, demonstrando claramente que os interesses do Estado não se sediam na seguridade social, nem na previdência social e, muito menos, nas diretrizes da Carta Maior. Da Folha de Salários Dentre as bases contributivas de custeio da seguridade social está a “folha de salários e demais rendimentos pagos ou creditados a qualquer título à 82 Fórum j urí di co Helga Klug Doin Vieira pessoa física”,2 pela empresa ou empregador, como demonstrado anteriormente. Essa base econômica é fonte histórica de custeio da previdência social, passando a compor recursos da seguridade social juntamente com as demais contribuições sociais, arroladas no art. 195, da Lei Maior. Trata-se de forma direta de financiamento do sistema de proteção social. Folha de salários representa a totalidade das remunerações pagas pelo empregador aos seus trabalhadores empregados, incluídas as gorjetas, liberalidades e tempo posto a disposição, excluídos os recursos previstos na legislação específica. No entanto, folha de salários também é base de cálculo utilizada para contribuições sociais que se destinam a outras áreas distintas da seguridade social, como: seguro acidente de trabalho, salário educação, FGTS, INCRA, SEBRAE e Sistema “S”. Assim, folha de salários é uma base econômica extremamente onerada. Na Consolidação das Leis da Previdência Social (CLPS – Decreto nº 89.312/1984), para cada benefício incidia uma alíquota específica sobre a folha de salários. A Lei nº 8.212/1991 adotou alíquota única de 20%, incidente sobre a totalidade das remunerações pagas ou creditadas a qualquer título a trabalhadores empregados e avulsos, ressalvado o seguro de acidente de trabalho, que adota alíquota distinta. A teleologia constitucional atribuiu responsabilidades para as pessoas físicas e jurídicas no custeio da seguridade social, mas estabeleceu maior carga contributiva para as pessoas jurídicas, em razão da capacidade contributiva e da realização da justiça social. O propósito desse trabalho não tem por finalidade verificar se a folha de salários é instrumento próprio de custeio para o sistema de proteção social, mas objetiva mensurar se a substituição da 2 Art. 195, CF. base econômica afetará a segurança jurídica do Sistema de Seguridade Social, especialmente da Previdência Social. Considerando o pacto constituído, as alterações das bases contributivas do sistema não podem restringir recursos diretos do orçamento de seguridade social, sob pena de colocá-lo em situação de vulnerabilidade; e, muito menos torná-lo dependente de recursos advindos do orçamento fiscal da União, o que representaria retrocesso na segurança jurídica da proteção social. Visíveis foram os avanços na redução das desigualdades sociais em duas décadas, demonstrando que a proteção adotada e posta a serviço da sociedade vem cumprindo importante papel na realização do equilíbrio social. Deste modo, as bases econômicas de sustentação podem ser alteradas em razão de interesses econômicos e sociais, mas não é possível se admitir mais um sistema dependente de recursos do orçamento fiscal, especialmente considerando a desastrosa história das relações da União e do seguro social. Desoneração da Folha de Salários A economia globalizada exige do governo medidas que promovam a competitividade, baseadas em estudos, para atender interesses de desenvolvimento econômico e social, respeitadas a axiologia, a teleologia e a ideologia postas na Magna Carta. A excessiva onerosidade da carga tributária brasileira necessita adequação inadiável, por meio de reformas. Entretanto, o ajuste não pode ser pontual e precipitado, especialmente quando os resultados repercutem na proteção social. As propostas de reformas devem ter alicerces sólidos, sediados em estudos ordenados que revelem as consequências econômicas, sociais e jurídicas das mudanças para a sociedade. A contribuição previdenciária sobre a folha de salários resulta em recursos para custeio da previdência social e a desoneração da folha de salários significa substituição da base econômica consubstanciada na totalidade das remunerações pagas ou creditadas aos trabalhadores empregados por outra base econômica: o faturamento. Essa substituição reduz de forma evidente os recursos previdenciários, considerando que em algumas situações o empregador ou empresa contribuirão com menor valor em relação à base anterior e, nesses casos, a União se compromete em ressarcir o sistema. Historicamente, já está comprovado que o Estado sempre foi devedor da previdência social brasileira, não inspirando confiança a intenção do governo. Fórum j u r í di co 83 artigo Diante do quadro caótico, onde o Estado gasta mais em de juros do que investe na proteção social, resta evidente que a desvinculação de receitas de impostos e contribuições é forma de mobilidade política e econômica ao Poder Executivo O interesse apregoado pelo Estado na desoneração da folha de salários reside na retomada do crescimento econômico industrial, na competitividade do mercado globalizado e na promoção do pleno emprego para a sociedade brasileira. No entanto, cumpre lembrar que, em 1994, no governo de Itamar Franco, foi criado, por meio de Emenda Constitucional, o “Fundo Social de Emergência”, posteriormente denominado “Fundo de Estabilização Fiscal” na gestão de Fernando Henrique Cardoso. Tal fundo permitiu a desvinculação de 20% de todos os impostos e contribuições da União. Criado como um fundo de emergência, com a finalidade de suprir o financeiro da Fazenda Pública e gerar estabilização econômica, seus recursos foram incorporados à governabilidade de tal forma que o governo já não consegue prescindir dessa receita, tendo necessidade de reintroduzi-la por Emenda Constitucional a cada período. A última Emenda autoriza a desvinculação de receitas até 2015. As denominadas contribuições previdenciárias estão preservadas constitucionalmente da desvinculação de receitas. Os recursos de contribuições previdenciárias foram vinculados ao pagamento de benefícios previdenciários, conforme estabelece o art. 167, XI, do Texto Maior, como uma 84 Fórum j urí di co Helga Klug Doin Vieira garantia para os segurados da previdência social, coibindo a utilização desses recursos para outras áreas de atuação do governo, inclusive custeio de ações de saúde e assistência social. É luminar o interesse do governo na mudança da base econômica. A vedação de desvinculação, instituída pela Emenda Constitucional nº 20/1998, existe apenas com relação à contribuição incidente sobre a folha de salários e contribuições das pessoas físicas, especialmente trabalhadores; as demais contribuições de seguridade social podem ser desvinculadas. Conclusão Para finalizar e concluir cabe uma breve apreciação da Lei Orçamentária Anual da União para apontar a necessidades do Poder Executivo face à enorme dívida publica, a qual vem dificultando a promoção de novos investimentos pelo Estado, bem como atravancando a melhoria da qualidade de vida na sociedade brasileira. Dívida pública, em linhas gerais, é a soma do que o Estado brasileiro3 deve em razão de déficits orçamentários passados, podendo ser interna e externa. Nos últimos anos foi verificada a diminuição da dívida pública externa, quando comparada com o produto interno bruto (PIB), mas enorme foi o crescimento da dívida interna, especialmente a do Governo Federal. Esse crescimento não está relacionado a novos investimentos, mas, sobretudo, aos gastos desmedidos do governo, além dos custos de política monetária. Como observado, o crescimento da dívida pública interna não resultou de gastos com áreas sociais, como tenta fazer crer o governo. Está relacionado, especialmente, a juros e custos da máquina administrativa. Segundo a Lei Orça- mentária Anual (Lei nº 12.595/2012), a previsão de custos de juros decorrentes da dívida pública interna, que hoje totaliza em cerca de 2 trilhões de reais, será de aproximadamente 670 bilhões de reais. O orçamento da seguridade social arrecada recursos diretos correspondentes a 535 bilhões de reais, sendo expressiva a parcela destes decorrente de contribuições sociais incidentes sobre a folha de salários. Recursos de seguridade social são significativamente inferiores aos valores despendidos para pagamento de juros da dívida do governo. É um paradoxo! Diante do quadro caótico, onde o Estado gasta mais em de juros do que investe na proteção social, resta evidente que a desvinculação de receitas de impostos e contribuições é forma de mobilidade política e econômica ao Poder Executivo. Ainda que reconhecida a necessidade da desoneração da folha de salários, porquanto setores que empregam grande número de trabalhadores estejam onerados pela base econômica adotada, a reforma deve ser promovida de modo sistemático e obedecidos os parâmetros fixados na Constituição Federal. O modo simplista adotado pelo Poder Executivo e respaldado pelo Poder Legislativo, sem um estudo adequado, é extremamente deletério e preocupante, considerando que a partir da troca da base contributiva, não se aplica mais a vedação constitucional sobre os recursos coletados, e a desvinculação ocorre de modo imediato, gerando perdas de recursos para a previdência social. O decréscimo de participação da indústria na composição do PIB exige efetivas medidas do Estado, no entanto claro está que o Estado não quer diminuir a sua arrecadação, e a desoneração da folha tem como objetivo maior a composição de recursos imediatos para a mobilidade política e econômica do Poder Executivo. Diante de todo o exposto o que de fato tem significado para o presente estudo é a preservação do sistema de seguridade social, especialmente a manutenção da sua autonomia por meio de recursos e orçamento próprios, desvinculados dos do orçamento fiscal da União, conquista de longos anos de luta e que lhe imprimem segurança jurídica. A alteração de base, com o preceito da desvinculação de receita, coloca o sistema em risco, pois a União tem por prática aviltar o seguro social. n 3 União, estados, Distrito Federal e Municípios. Fórum j u r í di co 85 artigo Clarisse Laupman Ferraz Lima G i o v a n n a F i l i pp i D e l N e r o Fernanda Rizzo Um Pouco de Europa “Desejo falar-vos hoje da Europa. Este nobre continente compreende no seu conjunto uma das regiões mais cultivadas da Terra: goza de um clima temperado e constante. É o berço de todas as grandes raças das quais saíram os povos ocidentais. É a fonte da Fé e da Moral cristãs. Está na origem de todas as religiões, as artes, as filosofias e as ciências dos tempos antigos e modernos. Mas é da Europa que partiu esta vaga de espantosas paixões nacionalistas que tiveram a sua origem nos países alemães, e vimos que no século XX estas paixões destruíram a paz e fizeram soçobrar as esperanças de toda a Humanidade...”1 Clarisse Laupman Ferraz Lima professora de Direito Internacional na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre e Doutoranda em Direito Internacional pela PUC-SP. Giovanna Filippi Del Nero estudante do 10º semestre da faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Participou do Núcleo de Arbitragem da PUC-SP, para preparação para o Willem C. VIS International Commercial Arbitration Moot – 2011. Estagiária na área de contencioso cível do escritório Sergio Bermudes. Fernanda Rizzo estudante do 10º semestre da faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Estagiária na área de contencioso cível do escritório Araújo e Policastro Advogados. 86 Fórum j urí di co Assim, incitava Churchill à formação do que hoje chamaríamos de União Europeia. Com todo seu ufanismo e majestade nos apresentava, em 1947, o único caminho, o de uma Europa unida em bloco, para que os Estados do Continente Europeu, massacrados por duas grandes guerras, voltassem a brilhar no cenário internacional. Mais que brilhar, determinava que a Europa recuperasse sua voz e se fizesse respeitar comercial e economicamente. Muitos foram os passos desde então. Muitas foram às vitórias deste modelo de integração. Surgiram a Comunidade Europeia, 1958, depois a União Europeia, 1993, e o Euro.2 Muitos foram os anos de bonança, prosperidade e, hoje, em 2012, estamos vivendo outro surpreendente momento.Vivemos a primeira grande crise do modelo de bloco europeu de integração econômica. Primeira, pois se inicia em 2008 e permanece até agora, provocando uma série de questões e chegando a colocar todo o bloco em xeque. 1 Discurso de Churchill na ONU em 1947 www.maltez.info. com . Acesso em: 12.07.2012. 2 A moeda escritural, nos contratos e afins, a partir de 1999 e a moeda física, notas e moedas, a partir de 2002. O modelo de bloco econômico europeu baseia-se, basicamente, na supranacionalidade3 e no respeito a princípios como igualdade entre os nacionais e as cinco liberdades do mercado comum (Livre circulação de bens, pessoas, serviços, concorrência e capital4). Com isto, o que for resolvido pela maioria dos Estados-membros da União Europeia serve aos demais membros do bloco. Porém, os tempos de tempestades têm nos mostrado o enfraquecimento desta união e as diferenças entre os seus “iguais”. A crise europeia exige atenção da comunidade internacional, na medida em que a estabilidade econômica e política da União Europeia influencia de forma intensa todas as relações internacionais do cenário mundial atual. 3 Opção na qual, por decisão do país membro, há uma delegação parcial de soberania em relação ao bloco econômico. Com isto, as deliberações do Bloco sobre os assuntos delegados, determinadas por maioria absoluta, são acatadas como lei. Exemplo da União Europeia – artigo 3o-B: “(...) Nos domínios que não sejam das suas atribuições exclusivas, a Comunidade intervém apenas, de acordo com o princípio da subsidiariedade, se e na medida em que os objetivos da ação encarada não possam ser suficientemente realizados pelos estados-membros, e possam pois, devido à dimensão ou aos efeitos da ação prevista, ser melhor alcançados ao nível comunitário. A ação da Comunidade não deve exceder o necessário para atingir os objetivos do presente Tratado.” 4 Chamamos de cinco liberdades a fase de mercado comum na qual podem circular livremente as pessoas, isto é, podem viver na França e trabalhar na Inglaterra, por exemplo. Os produtos fabricados em um país podem ser comercializados sem impostos nos outros, portanto, liberdade de bens. E assim também ocorrendo com os serviços, concorrência e capital. Por um lado, a crise decorre do desequilíbrio entre as economias dos países centrais e países periféricos que hoje coabitam no bloco, gerando discussões sobre a necessidade de instauração de uma política fiscal comum em prol da manutenção da saúde da União. De outro lado, a crise aponta para a ruptura da União, com a saída de países cujas economias encontram-se fragilizadas, e se estabelece um clima de animosidade dentro da Comunidade. A crise financeira dentro da Europa se deu basicamente por problemas fiscais. Alguns Estados periféricos, como Grécia, gastaram mais do que arrecadaram e não conseguiram honrar com seus compromissos com relação ao bloco, tais quais o endividamento limite sobre o PIB de 60%, previsto no Tratado de Maastricht. A partir desse fato outros estados, como Portugal, Itália, Irlanda, entre outros, também fraquejaram, endividados, gerando um efeito dominó, o que causou grande desconfiança ao mercado internacional. A crise europeia exige atenção da comunidade internacional, na medida em que influencia de forma intensa todas as relações internacionais do cenário mundial atua Fórum j u r í di co 87 artigo Clarisse Laupman Ferraz Lima G i o v a n n a F i l i pp i D e l N e r o Fernanda Rizzo Com tais questões de âmbito fiscal, outros problemas mais antigos e sem solução vieram à tona e a crise europeia foi se intensificando cada vez mais. A questão migratória, por exemplo, é de grande influência na Europa hoje e sempre e nos traz lembranças assombrosas da migração descontrolada e desesperada advinda da Segunda Grande Guerra, decorrente da perseguição nazista. Desta feita, incontroverso que a Europa atual tem que se preocupar de forma severa com o xenofobismo. Os imigrantes que já foram vistos como mão de obra barata, hoje, são tidos como intrusos no bloco que, em tese, garante a liberdade de circulação de pessoas. Não estamos falando aqui de latinos ou americanos. Estamos falando de espanhóis na Alemanha, por exemplo, tanto quanto os gregos ou turcos. A política imigratória foi tema da última eleição francesa que derrubou o então poderoso político europeu Nicolas Sarkozy, que defendia uma política de restrição aos imigrantes. O xenofobismo está nas ruas quando alemães culpam os gregos ou italianos pela crise. Essa designação de culpa não está correta. Não podemos ser unidos na riqueza e inimigos na pobreza, não são estes os votos conjugais. Não são esses os votos de fidelidade professados pelos princípios fundamentais da União Europeia.5 Além de, ou melhor, junto com os problemas imigratórios temos a falta de empregos. É essa a 5 “Artigo A: Pelo presente Tratado, as Altas Partes Contratantes instituem entre si uma União Europeia, adiante designada por aUnião”. (...) A União funda-se nas Comunidades Europeias, completadas pelas políticas e formas de cooperação instituídas pelo presente Tratado. A União tem por missão organizar de forma coerente e solidária as relações entre os Estados-membros e entre os respectivos povos.titueArtigo B: A União atribui-se os seguintes objetivos: (...) a afirmação da sua identidade na cena internacional, nomeadamente através da execução de uma política externa e de segurança comum, que inclua a definição, a prazo, de uma política de defesa comum, que poderá conduzir, no momento próprio, a uma defesa comum; o reforço da defesa dos direitos e dos interesses dos nacionais dos seus Estados-membros, mediante a instituição de uma cidadania da União; o desenvolvimento de uma estreita cooperação no domínio da justiça e dos assuntos internos; (...).m 88 Fórum j urí di co Os tratados assinados fizeram da União Europeia um Organismo Internacional vivo e, como tal, têm em sua essência a perenidade e o desejo de prosseguir, seja qual for a adversidade grande responsável por ressaltar quem é nacional e qual sua origem. Quando não existe o desemprego as diferenças diminuem. Se tiver trabalho qual a importância de o vizinho de mesa ser alemão como eu ou inglês? Só me importarei em olhar para além de meu ombro quando já não tiver renda. Essa é a triste realidade que enfrenta a Europa hoje. Com o desemprego, surge outra questão: a previdência. Posso confiar nos fundos de pensão? Aposentar-me-ei com quantos anos? Essas dúvidas constantes geram protestos entre idosos e jovens. Há conflito entre gerações. Não o cultural, mas sim um conflito de interesses: com quanto vou ter que contribuir para sustentar aquele que não produz? Somada à questão do emprego, salta a questão das políticas agrícolas. Quando da instituição da União Europeia pelo Tratado de Roma, previu-se uma série de medidas para garantir o bem estar duradouro do bloco, dentre as quais uma política agrícola comum visando aumentar a produtividade no campo, garantir um bom nível de vida para a população rural, estabilizar os mercados, e garantir os fornecimentos regulares e preços razoáveis no abastecimento ao consumidor. Parecia medida suficiente para o sucesso da unidade político-econômica. No entanto, a referida política agrícola exigia a injeção de recursos pelos países de economia consolidada nos países de economia insipiente, o que culminou não na esperada emersão desses países, mas sim em sua dependência financeira. Essa mesma política fez valer um programa de subsídios ainda hoje debatido dentro da Organização Mundial do Comércio (OMC). Em um momento de crise, a primeira providência, ou mais conservadora, seria manter medidas protecionistas. No entanto, a União Europeia não está em condições de fazê-lo neste momento em que a competição com países emergentes, como os BRICS, não seria salutar. Contudo, esses países também devem estar solidários, compreensivos ao momento vivido pelo bloco parceiro , uma vez que não lhes interessa perder esse mercado consumidor. Dentro das perspectivas apresentadas seria fácil acreditar na derrocada da União Europeia: os estados mais fortes sobreviveriam e os fracos voltariam a ser satélites dos demais. Num momento de crise é mais fácil pensar em algo que nos é conhecido, confortável. E já são muitas as notícias internacionais de protestos populares na Grécia e no resto da Europa. Há também alguns estudiosos, como o premiado economista alemão Thilo Sarrazin, que pensam ser melhor, neste momento, voltar ao status quo anterior e acabar com a União Europeia. Acreditar nesta hipótese seria desacreditar no Direito Internacional e em tudo o que ele construiu nos últimos 65 anos. Os tratados assinados fizeram da União Europeia um Organismo Internacional vivo e, como tal, têm em sua essência a perenidade e o desejo de prosseguir, seja qual for a adversidade. n Referências bibliográficas: http://eur-lex.europa.eu/pt/treaties/dat/11992M/htm/11992M.html#0001000001. Acesso em: 05.08.2012. http://europa.eu.int . Acesso em: 05.08.2012. BERCHARDT, Klaus Dieter. O ABC do Direito Comunitário. Luxemburgo: Comissão Europeia, 2000. CYRAN, Olivier. Alemães com Medo do Espantalho Grego. in Le Monde Diplomatique Brasil. Edição: julho/2012. Fórum j u r í di co 89 artigo G u s tav o A m a d o L e ó n Antônio Márcio da Cunha Guimarães Contratos Internacionais de Seguros breve análise Gustavo Amado León estudante do 8o semestre da faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Estagiário na área societária do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados. Antônio Márcio da Cunha Guimarães Professor de Direito Internacional na Faculdade de Direito e na Pós-Graduação stricto sensu da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre e Doutor em Direito Internacional pela PUC-SP. Professor Avaliador do Ministério da Educação e da Secretaria Estadual da Educação do Estado de São Paulo 90 Fórum j urí di co Introdução O presente artigo tem o escopo de delimitar a natureza dos contratos de seguros, definindo seu conceito jurídico e utilização. Dentro dessa perspectiva, será analisada a importância do mercado securitário para a economia do Brasil, além de explicar como funcionam os órgãos reguladores e ilustrar um pouco da trajetória do instituto ao longo da história brasileira. Em 1808, ano da abertura dos portos do até então Brasil colônia, o príncipe regente D. João VI assinou o decreto que autorizava o funcionamento da primeira companhia de seguros no país. Esta cuidava de seguros marítimos, que era a mais importante via de locomoção para longas distâncias. Era o início da proteção à economia. Após a proclamação da independência, autorizou-se, em 1828, o funcionamento da primeira companhia de seguros do Império, a Sociedade de Seguros Mútuos Brasileiros, também voltada para o mercado marítimo. A partir do Código Comercial de 1850, regularam-se os seguros marítimos e surgiram inúmeras seguradoras nacionais. Já nessa época se falava em diversos tipos de seguros, tais como seguro de maços de papéis e cartas, para o caso de extravio; em seguros de incêndio e vida; além de já existir o seguro contra a mortalidade de escravos, os quais ainda eram considerados mercadorias. Com o desenvolvimento, mesmo que lento, da economia brasileira e percebendo se tratar de uma tendência mundial, o Governo Brasileiro criou uma maneira de fiscalizar e regular o negócio securitário, protegendo as companhias nacionais, criando órgãos estatais de controle e impedindo legalmente que empresas estrangeiras invadissem o mercado econômico brasileiro. Em um cenário de desenvolvimento econômico, aumento populacional e incremento técnico-científico, o mercado de seguros expandiu de tal forma que nas primeiras décadas do século XX já havia seguros obrigatórios como, por exemplo, o seguro de proteção a acidentes de trabalho. Ao final da década de 1940, criou-se o Instituto de Resseguro do Brasil (IRB) que fez desenvolver a atividade securitária no nosso país. E daí por diante, por meio de alterações legislativas, a quantidade de contratações de seguros só cresceu, hoje sendo considerado o momento de massificação dessa relação jurídica contratual. Contribuiu para isso também o aumento no poder aquisitivo do brasileiro, que culminou na criação da cultura do protecionismo. O instituto jurídico do Seguro A origem do seguro está intimamente ligada à necessidade de segurança inerente à natureza humana. Com a constatação da impossibilidade de se evitar os riscos aos quais estamos expostos na vida cotidiana, o ser humano atua de forma a reduzir suas consequências por meio do instituto jurídico do seguro. A noção de seguro está em constante desenvolvimento, adequando-se às necessidades da população e da economia. 1 Nesse sentido, pode-se definir o instituto jurídico do seguro como sendo um sistema protetor das pessoas, físicas ou jurídicas, dos diversos riscos, que podem ser resultar em consequências catastróficas, provenientes de todas as atividades humanas, como a própria vida pessoal ou profissional. 2 O contrato de seguro constitui-se em contrato solene, consensual, aleatório e de boa fé, estabelecido entre o segurador e o segurado. Ademais, a tutela dos seguros se inclui no direito privado, visto que tem por base um negócio jurídico obrigacional e produto da autonomia privada. Assim, por meio do fenômeno do seguro, temos a figura do segurado e da empresa seguradora, a qual aceita a transferência do risco por meio de 1 AEBERHARD, René. Notions générales en matière d’ássurance. 2 SILVA, Rita Gonçalves Ferreira da. Do contrato de seguro de responsabilidade civil geral. Coimbra: Editora Coimbra, 2007. um contrato, estabelecendo, a posteriori da análise do risco, um valor a ser pago pelo segurado, denominado prêmio de seguro. Segundo a visão de base atuarial, seguro é um sistema de gestão matemática de riscos, estruturado no conceito do mutualismo e nas leis estatísticas da probabilidade. Mutualismo é um dos alicerces da atividade seguradora. Trata-se de um sistema não muito complexo, em que um grupo de pessoas com interesses comuns unem suas forças para a constituição de um fundo único, cuja intenção seja suprir, em determinado momento, a ocorrência de um acidente ou um evento danoso inesperado ou imprevisto, além de necessidades fortuitas dos membros afetados – conforme exposto na obra Contratos Internacionais de Seguros.3 É pela aplicação do princípio do mutualismo que as empresas de seguros conseguem repartir os riscos tomados, diminuindo, desse modo, os prejuízos que o sinistro poderia-lhes trazer. A importância dos Seguros na Economia Percebe-se que os indivíduos segurados, ao contribuírem para o grupo protegido administrado pela companhia seguradora, geram uma poupança interna no nosso sistema econômico. Os mencionados recursos não ficam apenas aguardando o pagamento de um futuro sinistro (indenização a um evento danoso protegido pelo contrato de seguros). Servem para desenvolver a economia, uma vez que as companhias seguradoras investem na produção e no desenvolvimento de novos produtos, auxiliando a formação do capital e, consequentemente, a produção econômica. As companhias seguradoras e todo o mercado securitário participam ativamente do processo 3 GUIMARAES, Antonio Marcio da Cunha. Contratos Internacionais de Seguros. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2002. Fórum j u r í di co 91 artigo G u s tav o A m a d o L e ó n Antônio Márcio da Cunha Guimarães econômico, visto que auxiliam diretamente o conjunto formador da poupança interna do país, restaurando o equilíbrio econômico-financeiro daqueles que tiveram perdas com eventos danosos por meio do ressarcimento. Os Órgãos de Controle do Mercado Securitário no Brasil A consolidação do Sistema Nacional de Seguros Privados no Brasil se deu em 1966, com a edição do Decreto-lei nº 73, que veio regular todas as operações de seguros e resseguros no nosso país, definindo as estruturas e alçadas de cada órgão envolvido. A nossa Constituição Federal atual traz, em seu artigo 21, inciso VIII, como competência da União a administração e fiscalização das operações de seguros. Além disso, somente o referido ente político poderá legislar sobre seguros, como se afirma no artigo 22, inciso VII da Magna Carta. O artigo 8º do Decreto-lei nº73/66 institui o Sistema Nacional de Seguros Privados, que é constituído por: • Conselho Nacional de Seguros Privados CNSP; • Superintendência de Seguros Privados - SUSEP; • Resseguradores; • Sociedades autorizadas a operar em seguros privados; • Corretores habilitados. O Conselho Nacional de Seguros Privados é o órgão que, dentre outras competências dispostas no artigo 32 do diploma legal, normatiza as atividades securitárias do país e a política de seguros privados; regula a constituição, organização, funcionamento e fiscalização dos que exercerem atividades subordinadas ao referido Decreto-lei, bem como a aplicação das penalidades previstas. 92 Fórum j urí di co Desta feita, é este o órgão que decide, em última instância, as pendências no campo de seguros, regulamentando os seguros obrigatórios e estabelecendo os limites às operações de seguros no país. A Superintendência de Seguros Privados é o órgão fiscalizador da constituição, organização, funcionamento e operação das Sociedades Seguradoras na qualidade de executora da política traçada pelo CNSP. É considerada uma autarquia, vinculada ao Ministério da Fazenda e criada pelo mesmo Decreto-lei nº 73/1966. A SUSEP será administrada por um Superintendente escolhido pelo Presidente da República, mediante indicação do Ministro da Fazenda. Com o fim do monopólio do resseguro no Brasil, antes exercido pelo Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), abriu-se o mercado para resseguradoras nacionais ou estrangeiras ingressarem no negócio securitário do Brasil e, por isso, estas foram introduzidas ao Sistema Nacional de Seguros Privados Brasileiros. Ademais das resseguradoras, temos as companhias seguradoras e as corretoras de seguros que fazem parte do sistema supra citado.As primeiras são tidas como investidores institucionais, pois lastreiam suas operações, garantidas por ativos, formando, assim, a poupança interna do país. Já a corretora, pessoa física ou jurídica, é o intermediário legalmente autorizado a angariar e promover contratos de seguro entre as Sociedades Seguradoras e as pessoas físicas ou jurídicas de Direito Privado, sempre representando os interesses dos segurados. condições e restrições. Messineo4 afirma que a consensualidade, como simples acordo de vontades, constante de todo contrato, não deixa de existir pelo fato de a ordem jurídica descer a maiores detalhes de regramento do contrato, restringindo a liberdade convencional, ainda que à simples liberdade de adesão, ou melhor, de contratar. Washington de Barros Monteiro5 aponta que o contrato de seguro é bilateral, pois gera entre as partes contratantes recíprocas obrigações. É também aleatório, porque o ganho ou a perda das partes está na dependência de circunstâncias futuras e incertas, previstas no contrato e que constituem o risco, referente à pessoas ou coisas. De uma maneira mais abrangente, podemos dizer6 que os contratos de seguros, assim como outros que possuem os mesmos requisitos, são contratos de cláusulas regulamentares, as quais melhor se coadunam com o direito positivo brasileiro. O contrato de seguro é real, só sendo obrigatório após o pagamento do prêmio pelo segurado em favor da Companhia Seguradora, para que esta assuma o risco do eventual futuro prejuízo. É também, bilateral e sinalagmático, porquanto pressupõe obrigações recíprocas, principais e correlativas, ou seja, interdependentes, servindo umas e outras. Risco – é a exposição do patrimônio ou da vida à uma possibilidade de ocorrer um dado prejuízo. Prêmio – é o valor total pago (à vista ou em parcelas) pelo segurado em favor da Cia. Seguradora para que esta corra o risco em seu lugar. Indenização – é o valor a ser ressarcido pela companhia a fim de recompor o patrimônio lesado ou, em caso de seguro de vida, o paga- Os elementos do contrato de Seguros O contrato de seguro é formado por uma série de elementos que o caracterizam e lhe dão plena existência. Embora se admita como certa a liberdade contratual, esta não é absoluta, mas, ao contrário, está subordinada a regras jurídicas que impõem 4 MESSINEO, Francesco. Introduzione – in Dottrina generale del contratto. 3a ed. Milão: Editora Giuffrè, p. 7, n. 3, apud Ruy Nunes Pereira, op. cit., pág. 326; 5 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil – 5o Vol. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 333. 6 Vide obra em que este autor explana sobre tal ideia: GUIMARAES, Antonio Marcio da Cunha. Contratos Internacionais de Seguros. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2002. mento de uma quantia em dinheiro previamente estipulada pelas partes, uma vez que o valor da vida humana é inestimável, mas as partes podem indicar um valor de indenização. Interesse segurável – é um requisito essencial do contrato de seguro, correspondendo ao interesse do segurado de que o sinistro não se produza. Conclusão Foi possível notar, após o estudo dos seguros e seus institutos, a importância que possuem e sua influência na economia nacional e internacional. Atualmente, o instituto do seguro é algo do nosso cotidiano, denotando sua essencialidade no âmbito da vida pessoal, por nos munir de segurança. As mudanças que ele proporcionou na vida de toda sociedade foram marcantes e imprescindíveis, tornando-o algo fundamental, tanto para os cidadãos, quanto para pessoas jurídicas nacionais e internacionais. Certamente esse mercado só tende a crescer e ganhar cada vez mais importância nos setores da economia mundial. n Referências bibliográficas RIBEIRO, Amadeu Cavalhaes. Direito de Seguros. Editora Atlas, 2006 GUIMARAES, Antonio Marcio da Cunha. Contratos Internacionais de Seguros. São Paulo, Editora RT - Revista dos Tribunais, 2002. MARTINEZ, Pedro Romano. Direito dos Seguros, Editora Principia: Cascais CAMPOS, João Elísio Ferraz de. Seguro desenvolvido, economia forte e justiça social. GODINHO, Thiago. Elementos de Direito Internacional Público e Privado. Editora Atlas, São Paulo: 2010. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil – 5o Vol. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 1991. http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=4025 Acesso em: 13.07.2012. http://jus.com.br/revista/texto/3777/contrato-de-seguro Acesso em: 13.07.2012. http://www.rbrs.com.br/paper/paper_interna.cfm?id=11 Acesso em: 13.07.2012. http://www.tudosobreseguros.org.br/sws/portal/pagina. php?l=267 Acesso em 13.07.2012. Fórum j u r í di co 93 artigo AS DUAS FACES DO NEOCONSTITUCIONALISMO: DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO SIMBÓLICA À CONCRETIZAÇÃO CONSTITUCIONAL Pedro Mauricio Garcia Dotto é estudante do 8° semestre do curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Monitor em Direito Constitucional da Professora Flavia de Campos Pinheiro e estagiário da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. 94 Fórum j urí di co Pedro Mauricio Garcia Dotto Introdução O objetivo do presente estudo consiste na análise dos pólos extremos e antagônicos que exsurgem como possibilidade face ao fenômeno do constitucionalismo do pós Segunda Guerra Mundial. O chamado neoconstitucionalismo é caracterizado pela positivação dos direitos fundamentais, mormente econômicos e sociais, e pela edificação do Estado Democrático de Direito como mecanismo de proteção dos grupos minoritários. Por um lado, emergem condições jurídico-políticas favoráveis ao atingimento da justiça social, assegurando-se um mínimo existencial digno a todos, ao mesmo tempo em que se busca uma democracia de cunho substancial.1 Contudo, em sua face mais perversa, o neoconstitucionalismo se apresenta como mera retórica, despido do seu caráter supostamente diretivo e vinculante. É o que o jusfilósofo Marcelo Neves chama de constitucionalização simbólica, a qual implica, essencialmente, em uma “representação ilusória em relação à realidade constitucional, servindo antes para imunizar o sistema político contra outras alternativas.” 2 Em decorrência deste duplo aspecto, o constitucionalismo contemporâneo (neoconstitucionalismo) apresenta uma séria problemática. Portanto, não devemos descuidar do quanto adverte Müller: “a positivação do direito moderno como textificação é faca de dois gumes. Como já se assinalou, ela pode ser desvirtuada na direção do sim1 Para Alexandre Morais da Rosa, “a legitimação do Estado Democrático de Direito deve suplantar a mera democracia formal, para alcançar a democracia material, na qual os Direitos Fundamentais devem ser respeitados, efetivados e garantidos, sob pena de deslegitimação paulatina das instituições estatais.” – em Garantismo Jurídico e Controle de Constitucionalidade Material: Aportes Hermêuticos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p. 5. 2 NEVES, Marcelo. A Constitucionalização Simbólica. 2ª ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007, p. 98. bólico de má qualidade, mas também pode ser levada precisamente ao pé da letra.” 3 É este embate que o presente trabalho se propõe a abordar. Constitucionalização Simbólica e Morte Espiritual da Constituição Em um belo texto, intitulado Réquiem para uma Constituição, Comparato já alertava para o paulatino desvirtuamento que nossa Carta Constitucional vinha sofrendo. De forma sub-reptícia, mas incisiva, dava-se aos poucos o esvaziamento da Constituição de 1988, o qual o notável jurista ilustra com uma metáfora histórica. A saber: “As ordenações do Reino de Portugal, que vigoraram entre nós por muito tempo, mesmo depois da Independência, cominavam dois tipos de pena capital: a morte natural e a morte espiritual. A primeira atingia o corpo, a segunda a alma. O excomungado continuava a viver; mas só fisicamente: sua alma fora executada pela autoridade episcopal, aliada ao braço secular do Estado.” 4 Logo em seguida, anuncia, em tom lúgubre: “Algo de semelhante está em vias de suceder com a Constituição Federal de 5 de outubro de 1988. Ela continuará a fazer parte, materialmente, do mundo dos vivos, mas será um corpo sem alma.”5 6 Esta imagem traduz com primor a noção de constitucionalização simbólica proposta por 3 MÜLLER, Friedrich. Quem é o Povo?. 6ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 88. 4 COMPARATO, Fábio Konder. Réquiem para uma Constituição. In: LESBAUPIN, Ivo. (Org.). O Desmonte da Nação. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 15. 5 Idem. 6 Observe-se que, à mesma época, Paulo Bonavides também protestava contra o que ele denominou de golpe de Estado institucional. À semelhança da morte espiritual da Constituição, pode-se dizer que “com o golpe de Estado institucional as instituições não mudam de nome; mudam, sim, de teor, substância e essência. De sorte que uma vez levado a cabo, a conseqüência fatal, no caso específico do Brasil, é a conversão do País constitucional em País neocolonial.” – em BONAVIDES, Paulo. Do País Constitucional ao País Neocolonial. 4ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2009, p. 24. Marcelo Neves. A Constituição como embuste, engodo. Uma Carta Constitucional que formalmente assegura a todos, indistintamente, o acesso aos direitos fundamentais, mas que na prática os (re)nega e os (só)nega diuturnamente. Tal é o quadro formulado em se tratando de uma constitucionalização simbólica. Segundo Neves, “fala-se de constitucionalização simbólica quando o problema do funcionamento hipertroficamente político-ideólogico da atividade e textos constitucionais afeta os alicerces do sistema jurídico Há um abismo intransponível entre o ordenamento jurídicoconstitucional e sua concretização efetiva na “realidade constitucional constitucional. Isso ocorre quando as instituições constitucionais básicas – os direitos fundamentais (civis, políticos e sociais), a ‘separação’ de poderes e a eleição democrática – não encontra ressonância generalizada na práxis dos órgãos estatais nem na conduta e expectativas da população.”7 Pode-se dizer que há um abismo intransponível entre o ordenamento jurídico-constitucional e sua concretização efetiva na “realidade constitucional”. De modo a aclarar com um exemplo, vale recorrer a Neves quando afirma que “ao contrário da generalização do direito que decorreria do principio da igualdade, proclamado simbólico-ideologicamente na Constituição, a ‘realidade constitucional’ é então particularista, inclusive no que concerne a prática dos órgãos estatais”. Em sínte7 NEVES, Marcelo. A Constitucionalização Simbólica. 2ª ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007,p. 100 Fórum j u r í di co 95 artigo A Constituição deve ser tomada em sua materialidade, por meio da efetiva concretização de suas diretrizes no âmbito fático se, poderíamos dizer que “ao texto constitucional simbolicamente includente contrapõe-se a realidade constitucional excludente”.8 Desnecessário assinalar que, com um olhar mais atento ao nosso entorno, percebe-se claramente as profundas contradições existentes entre, por um lado, o rol de direitos fundamentais elencados em nosso Texto Constitucional e, por outro, sua efetiva aplicação/observância por parte do Poder Publico. E isto - ressalte-se - após quase vinte cinco anos de sua promulgação! Estaríamos diante de um caso de constitucionalização simbólica? Não seria descabido perguntar... Se a constitucionalização simbólica impede que a Carta Constitucional cumpra seus propósitos declarados,9 sua função latente é a de anestesiar possíveis manifestações populares e a de apaziguar suas reivindicações, sob a alegação de que, em um tempo futuro, suas carências seriam devidamente satisfeitas. É um artifício, trompe l’oeil (ilusão de ótica), como bem assinala Comparato. Aliás, sua verdadeira finalidade consiste, sobretudo, em conservar o status quo e os privilégios da elite política, considerando que “imuniza o sistema político contra outras alternativas e transferem-se as soluções dos problemas para um futuro remoto.” 10 8 Idem. 9 Atente-se ao art. 3º da nossa CF (Objetivos Fundamentais da República Federativa do Brasil) em comparação com a realidade social preponderante em nosso país. 10 NEVES, Marcelo. A Constitucionalização Simbólica. 2ª ed. São Paulo: WMFMartins Fontes, 2007,p. 101. 96 Fórum j urí di co Pedro Mauricio Garcia Dotto Concretização Constitucional: Levando a Constituição a Sério. De início, vale recordar que, desde o princípio do nosso Estado Brasileiro, enfrentamos uma grave distorção entre o plano discursivo e o da práxis por parte de nossos governantes. Na lição do historiador Marco Antonio Villa: “O país já nasceu com uma organização política antidemocrática. E o poder nunca se reconheceu como arbitrário. Ao contrário, D. Pedro I inaugurou o arbítrio travestido de defensor das liberdades – a esquizofrenia de um discurso liberal e uma prática repressiva.” 11 Por conseguinte, não causaria tamanha estranheza em nós o fato de haver um profundo fosso entre nossa matriz constitucional e a atuação dos órgãos estatais. A única diferença residiria exatamente no foco da esquizofrenia governamental: não mais um discurso liberal e uma prática despótica e arbitrária, senão que um discurso – consubstanciado no pacto constitucional – compromissório, social e dirigente convivendo com uma práxis de viés absentista, privativista e individualista. É esta a grande contradição nos dias atuais.12 Entretanto, note-se como é custoso e árduo nos desvencilharmos da nossa pesada carga histórica repleta de opressão e autoritarismo para caminharmos em direção a uma sociedade mais livre, justa e solidária, como aponta nossa Constituição Federal,13 tal qual uma bússola talhada no peito da nossa nação, não permitindo que 11 VILA, Marco Antonio. A História das Constituições Brasileiras. 1ª ed. São Paulo: Leya, 2011. p. 20 12 Como aponta Lênio Streck: “Estamos, assim, em face de um sério problema: de um lado temos uma sociedade carente de realização de direitos e, de outro, uma Constituição Federal que garante estes direitos de forma mais ampla possível. Este é o contraponto. Daí a necessária indagação: qual é o papel do Direito e da dogmática jurídica neste contexto?” - STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. 10ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011, p. 47. 13 Vide artigo 3°, I. esqueçamos jamais o pacto assumido. É por isso que a elaboração da Constituição da República, no exercício pleno do poder constituinte do povo, não se esgota com a promulgação do diploma constitucional, mas se prolonga no tempo, dia após dia, acarretando uma vivência em compasso com a rede axiológica por ela estabelecida. Não é por outra razão que Müller sustenta com fulgor que “a constituição de si mesmo não se faz por meio da redação e subscrição de um papel chamado ‘Constituição’. Uma associação se constitui realmente pela práxis, não pelo diploma; não por meio da entrada em vigor, mas pela vigência: diariamente, na duração histórica.” 14 Daí que a Constituição Federal não deve ser encarada somente como um “já-dado”, irremediavelmente fechado e acabado; mera instân14 MÜLLER, Friedrich. Fragmentos (sobre) o Poder Constituinte do Povo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 26. cia de legitimação formal do sistema jurídico. Nem mesmo como uma carta de princípios sem pretensão de afetar a realidade que a circunda e de vincular a conduta dos agentes estatais.15 A Constituição deve ser tomada em sua materialidade, por meio da efetiva concretização de suas diretrizes no âmbito fático. Ela deve conduzir a atividade legislativa, o agir da Administração Pública e a atuação do Judiciário, bem como influir na ação dos particulares. E isto só se dá em virtude da observância, por parte do Poder Público, dos preceitos constitucionais e 15 Lembrando o constitucionalista português Canotilho: “O problema é este: afinal a Constituição é apenas um esqueleto normativo, um esqueleto do governo, ou é um esquema matricial de uma comunidade? E não é preciso ser uma Constituição dirigente: a Constituição é ou não mais que um esquema de governo? A Constituição é ou não mais do que a reafirmação de ideias clássicas? Nós dizemos: a Constituição é mais e deve sê-lo.” – entrevista em COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. (Org.). Canotilho e a Constituição Dirigente. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 18. Fórum j u r í di co 97 artigo Pedro Mauricio Garcia Dotto à condição de existência. Outrossim, impõe-se a persecução de uma democracia mais efetiva e participativa, que transborde as raias estreitas de um mandato eletivo e se coloque como dever ético de uma cidadania atenta aos rumos da comunidade política na qual está inserida. E nós, como integrantes das carreiras jurídicas, temos uma grande responsabilidade na difusão e defesa da cultura constitucional. Conclusão da incessante cobrança popular para a sua plena realização, uma vez que o Texto Constitucional, considerado exclusivamente em si mesmo, nada pode executar. Nesse sentido, aduz Konrad Hesse que: “Embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas. A Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de conveniência, se puder identificar a vontade de concretizar essa ordem.” 16 Desse modo, devemos nos esforçar para alçar os direitos fundamentais abstratamente previstos 16 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991, p. 19. 98 Fórum j urí di co Como dito anteriormente, o neoconstitucionalismo apresenta, sob a mesma rubrica, duas vias diametralmente opostas. Uma é da constitucionalização simbólica, da Constituição-placebo, aparentemente calcada no Estado Democrático de Direito, conquanto dele muito distante na prática efetiva dos órgãos estatais. Ordem constitucional irredutivelmente comprometida com o status quo, com a manutenção dos privilégios de uma elite, e inimiga de qualquer mudança que vise modificar o cenário sociopolítico. A outra via é da concretização constitucional, na qual se vislumbra uma Constituição-dirigente, sinceramente comprometida com os direitos fundamentais e sua aplicação/proteção. Ordem constitucional voltada para a transformação social e redução das desigualdades, promoção de valores e aprofundamento das instituições democráticas. Vale recordar que o neoconstitucionalismo é um movimento que nasceu das cinzas da barbárie institucionalizada que vicejou no século passado, tendo surgido e se consolidado principalmente nos países do continente europeu. Entretanto, migrou mais tarde para outros países, difundindo-se largamente na América Latina. Países periféricos, como o nosso, abraçaram o neoconstitucionalismo e encontram nele condição de possibilidade para se emanciparem de um passado autoritário e buscarem uma sociedade mais igualitária. A Constituição assume, neste ponto, papel fundamental na orientação normativa das práticas sociais e estatais. Nas palavras de Lênio Streck: “Com as Constituições democráticas do século XX assume um lugar de destaque outro aspecto, qual seja, o da Constituição como norma diretiva fundamental, que dirige os poderes publicos e condiciona os particulares de tal maneira que assegura a realização dos valores constitucionais (direitos sociais, direito a educação, à subsistência ou ao trabalho). A nova concepção de constitucionalismo une precisamente a ideia de Constituição como norma fundamental de garantia, com a noção de Constituição enquanto norma diretiva fundamental.” 17 É esta a via que se impõe: o neoconstitucionalismo enquanto dirigente da atuação dos órgãos públicos e dos cidadãos na esfera privada, com vistas à concretização plena e indiscriminada dos direitos fundamentais e à conservação e aprimoramento do Estado Democrático de Direito. Ainda que haja uma grande distância a percorrer, e note-se um claro descaso e descompromisso do Poder Público para com a efetivação dos direitos e garantias proclamados no bojo da 17 STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica. Jurisdição Constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 101. impõe-se a persecução de uma democracia mais efetiva e participativa, que transborde as raias estreitas de um mandato eletivo e se coloque como dever ético Constituição Federal, lá permanecem eles, albergados em cláusula pétrea, aguardando o momento da sua concretização. O caminho está posto. Nossa Constituição Federal é extraordinária no que tange ao rol de direitos fundamentais e aos instrumentos disponíveis para sua realização. É preciso, enfim, levar a Constituição a sério. Em toda sua extensão, sua materialidade e sua potência normativa. E, a título de arremate, nos posicionamos com Müller quando ele assevera que: “Afinal de contas, não se estatuem impunemente textos de normas e textos constitucionais, que foram concebidos como pré-compreensão insincera. Os textos podem revidar.” 18 Resta dar vida à Constituição. n 18 MÜLLER, Friedrich. Quem é o Povo?. Op. cit., p. 90. Referências bibliográficas 1) NEVES, Marcelo. A Constitucionalização Simbólica. 2ª rd. São Paulo: WMFMartins Fontes, 2007. 2) HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991. 3) MÜLLER, Friedrich. Quem é o Povo? A questão fundamental da democracia. 6ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. 4) MÜLLER, Friedrich. Fragmentos (sobre) o Poder Constituinte do Povo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004 6) ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo Jurídico e Controle de Constitucionalidade Material: Aportes Hermenêuticos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2011. 7) STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 10ª ed.Porto Alegre: Livraria dos Advogados Editora, 2011. 8) STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica. Jurisdição Constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. 9) COMPARATO, Fabio Konder. Réquiem para uma Constituição. In: LESBAUPIN, Ivo. (Org.). O Desmonte da Nação. Petrópolis: Vozes, 1999 10) VILA, Marco Antonio. A História das Constituições Brasileiras. 1ª ed. São Paulo: Leya, 2011 11) BONAVIDES, Paulo. Do País Constitucional ao País Neocolonial. 4ª. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2009 12) COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. (Org.). Canotilho e a Constituição Dirigente. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, Fórum j u r í di co 99 artigo A responsabilidade pela ocupação de áreas públicas de risco Mariana de Castro Abreu. Aluna do 10º Semestre do curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Estagiária de Direito no Escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados, na área de Terceiro Setor, Cultura e Responsabilidade Social. 100 Fórum j urí di co Mariana de Castro Abreu Introdução Da obrigação de fiscalização pelas empresas concessionárias O presente artigo busca defender, sob o ponto de vista jurídico, a responsabilidade de empresas concessionárias de energia elétrica, quando agirem de forma omissa quanto ao seu dever de fiscalização, pelos prejuízos causados aos ocupantes de boa-fé de faixas de segurança de reservatórios de usinas hidrelétricas, que consistem em uma das áreas públicas de risco mais comuns. O estudo teve como ponto de partida o entendimento exarado em acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça1 (STJ), no qual, em suma, negou-se a possibilidade de indenização aos ocupantes de boa-fé de áreas públicas, sob o fundamento de que estes não exerceriam posse sobre tais áreas. Dessa maneira, será feita uma análise visando fomentar a discussão acerca do tema e ventilar argumentos que se contrapõem à tese defendida pelo STJ, tendo como fundamento uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, que abrange principalmente a teoria da culpa administrativa, o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito fundamental à moradia. No final da década de 90, teve início o processo de privatização de diversas empresas públicas do setor energético brasileiro e, desde então, essas empresas passaram por inúmeras cisões parciais, o que acarretou na concessão do uso de bens públicos para a geração de energia elétrica a empresas privadas. A título de exemplo, podemos citar o caso da Companhia Energética de São Paulo (CESP), que teve seus ativos adquiridos por diversas empresas privadas multinacionais, tais como a Duke Energy,AES Tietê S.A. e a Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL), que atualmente são responsáveis por grande parte da produção de energia elétrica no Brasil. Dessa forma, essas empresas privadas passaram a celebrar contratos de concessão de uso de bens públicos com o Poder Público e, assim, assumiram todas as responsabilidades e deveres legais inerentes à geração de energia elétrica que antes cabiam exclusivamente à Administração Pública.2 Além da geração de energia elétrica, as empresas concessionárias assumiram uma série de obrigações, dentre as quais, a de fiscalizar3 o entorno dos reser- 1 “PROCESSO CIVIL - ADMINISTRATIVO - AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - IMÓVEL FUNCIONAL - OCUPAÇÃO IRREGULAR - INEXISTÊNCIA DE POSSE - DIREITO DE RETENÇÃO E À INDENIZAÇÃO NÃO CONFIGURADO - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - EFEITO INFRINGENTE - VEDAÇÃO. 1. Embargos de declaração com nítida pretensão infringente. Acórdão que decidiu motivadamente a decisão tomada. 2. Posse é o direito reconhecido a quem se comporta como proprietário. Posse e propriedade, portanto, são institutos que caminham juntos, não havendo de se reconhecer a posse a quem, por proibição legal, não possa ser proprietário ou não possa gozar de qualquer dos poderes inerentes à propriedade. 3. A ocupação de área pública, quando irregular, não pode ser reconhecida como posse, mas como mera detenção. 4. Se o direito de retenção ou de indenização pelas acessões realizadas depende da configuração da posse, não se pode, ante a consideração da inexistência desta, admitir o surgimento daqueles direitos, do que resulta na inexistência do dever de se indenizar as benfeitorias úteis e necessárias. 5. Recurso não provido.”(STJ, 2ª Turma, REsp n.º 863939 /RJ, Min. Relatora Eliana Calmon. Data do Julgamento: 04.11.2008) 2 “As sociedades da iniciativa privada que, por título jurídico individual (concessão ou permissão), desempenham serviço público por delegação resultante da descentralização administrativa por colaboração, na medida em que elas exercem atividade pública, lógica e razoável a identidade do regime de responsabilidade de seus atos como se o Estado a executasse diretamente” (MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado. Coord. Rosa Maria de Andrade Nery e Rogério Donnini. Ed.Revista dos Tribunais. 2009.p.564) 3 Confira-se o disposto na minuta padrão de contrato de concessão de uso de bem público para geração de energia elétrica do Ministério de Minas e Energia. Disponível em: http://www. aneel.gov.br/. Acesso em: 06.07.2012. “Cláusula oitava – Encargos da concessionária e condições de exploração da UHE. (...) Subcláusula segunda – A concessionária deverá adotar, no que diz respeito a cessão de direito de uso de áreas marginais e ilhas do reservatório a ser formado pela Usina Hidrelétrica, os seguintes procedimentos: I – realizar vistoria permanente e manter diagnóstico anualmente atualizado da situação das áreas marginais ao reservatório e ilhas com identificação e cadastramento das ocupações à disposição da ANEEL.” vatórios e impedir que ocupações por particulares ocorressem nestas áreas, uma vez que servem como faixas de segurança dos reservatórios e devem permanecer desocupadas em razão dos procedimentos de engenharia determinados pelo Ministério de Minas e Energia e pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) para a construção e funcionamento de usinas hidrelétricas. Em termos técnicos, a faixa de segurança do reservatório representa a área que margeia todo o contorno do lago gerado pelo represamento das águas fluviais e é definida com base no nível máximo ideal de água presente no reservatório para a geração de energia elétrica. Esse nível máximo ideal de água é estabelecido com base na denominada cota máxima normal de operação que, por sua vez, consiste no ponto “até o qual as águas se elevarão em condições normais de operação, correspondendo, pois, à elevação máxima do nível que a água do reservatório pode atingir em situação extraordinária de grande enchente”4. Nesse sentido, diante do constante risco de alagamento que acomete toda a região do entorno próximo à usina hidrelétrica, é claro que a permanência de pessoas ocupando essa faixa é algo extremamente perigoso para sua segurança e integridade física e não pode ser tolerado de forma alguma. Some-se isso ao fato de que essas faixas consistem em áreas de preservação permanente, conforme estabelece o Código Florestal,5 sendo a intervenção humana somente autorizada em casos muito específicos, previstos em lei, após a conces- 4 REIS, Lineu Belico dos. Geração de energia elétrica: tecnologia, inserção ambiental, planejamento, operação e análise de viabilidade. São Paulo: Ed.Manole, 2003, p.58. 5 Lei nº 4.771, de 15.09.1965 (Código Florestal): “Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: (...) b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d’água naturais ou artificiais”; Fórum j u r í di co 101 artigo Aquele que ocupa área pública não poderá vir a ser considerado possuidor e, em razão disso, o imóvel pode ser reavido pelas empresas concessionárias de energia elétrica a qualquer tempo são da competente licença ambiental.6 Por conta disso, a ocupação dessas áreas de forma irregular constitui um cenário extremamente delicado e complexo que merece ser tratado com zelo e diligência pelas empresas que exercem atividade pública, pois elas têm o dever de combater esse tipo de situação. Vale ressaltar, ademais, que as faixas de segurança dos reservatórios das hidrelétricas são bens públicos de uso especial, destinadas à geração de energia elétrica e, portanto, insuscetíveis de usucapião em qualquer de suas formas, previstas nos artigos 183, § 3° e 191, parágrafo único, da Constituição Federal, e 102 do Código Civil. Assim, a ocupação dessas áreas por particulares, conforme bem ponderado pelo STJ no julgamento do REsp nº 863.939, não passa de mera detenção, ou seja, não possui qualquer proteção relacionada à posse, pois a lei impede que se operem os efeitos possessórios em favor do ocupante irregular. Conclui-se, então, que aquele que ocupa área pública não poderá vir a ser considerado possuidor, 6 “Art. 4º do Código Florestal: A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimentos administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto. § 1º A supressão de que trata o caput deste artigo dependerá de autorização do órgão ambiental estadual competente, com anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal de meio ambiente, ressalvado o disposto no art. § 2º deste artigo.” 102 Fórum j urí di co Mariana de Castro Abreu mas sim mero detentor do bem e, em razão disso, por não estar sujeito à prescrição aquisitiva, o imóvel pode ser reavido pelas empresas concessionárias de energia elétrica a qualquer tempo.7 Logo, considerando que as empresas se encontram privadas da posse em virtude de ocupação irregular, a ação cabível é a de reintegração de posse, pois é precisamente em hipóteses como estas que os artigos 926 do Código de Processo Civil e 1.210 do Código Civil preveem que os possuidores terão o direito de serem reintegrados na posse de seus imóveis.8 E é justamente diante desse panorama que há o ajuizamento das ações de reintegração de posse pelas empresas concessionárias, as quais fazem jus à proteção possessória pleiteada devido à impossibilidade de convalidação da posse quando se está a falar de ocupantes irregulares, mesmo nos casos em que fariam jus à usucapião se em imóveis particulares estivessem inseridos. Responsabilidade subjetiva das empresas concessionárias de energia elétrica Nos casos em questão, é evidente que a omissão das empresas concessionárias no que se refere à prestação do serviço público, na forma que lhes foi contratualmente imposta pela Administração Pública, acaba por agravar a situação desses ocupantes irregulares. Nada mais justo, portanto, que respondam as empresas pelos prejuízos que tinham o dever de 7 “Bem público Área declarada de utilidade pública destinada à formação do reservatório da Usina Hidroelétrica de Ilha Solteira Os bens públicos são inalienáveis, não admitem posse de particulares e são insuscetíveis de usucapião Sentença de procedência parcial - Recurso não provido.” (Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação n° 990.10.012138-3 São Paulo - SP). 8 “Art. 926. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado no de esbulho.” “Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.” combater, vislumbrando-se, in casu, a responsabilidade por omissão quando verificada a ausência ou má fiscalização das áreas públicas. A responsabilidade por omissão é subjetiva, na medida em que as empresas têm o dever jurídico de agir para impedir o evento danoso, mas quedam-se inertes e contribuem para o agravamento da precariedade da ocupação. Ou seja, sua inércia consiste na condição do dano, pois se tivessem agido ativamente, teriam impedido a ocorrência de tal resultado. Essa forma de responsabilidade subjetiva se dá por culpa anônima, caracterizada pela falta ou pelo mau funcionamento do serviço que deveria ter sido prestado pelas empresas concessionárias de energia elétrica. Nesse sentido é o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello, ao citar o Professor Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, para quem “a responsabilidade do Estado por omissão só pode ocorrer na hipótese de culpa anônima, da organização e funcionamento do serviço, que não funciona ou funcional mal ou em atraso, e atinge os usuários do serviço ou os nele interessados.”9 Diante dessa situação, vislumbra-se a hipótese de responsabilidade subjetiva das empresas concessionárias por comportamento ilícito na medida em que estavam juridicamente obrigadas a agir segundo padrões de eficiência, diligência, possibilidade, normalidade e previsibilidade, a fim de evitar a ocupação irregular das áreas públicas,10 mas não o fizeram. Assim, em razão de as empresas não terem exercido a vigilância e a proteção das áreas da forma como era esperado, se faz devida a apli9 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.1016. 10 MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado. Coord. Rosa Maria de Andrade Nery e Rogério Donnini. Ed. Revista dos Tribunais. 2009, p.568 Fórum j u r í di co 103 artigo Mariana de Castro Abreu A posição defendida pelo STJ não se coaduna com a mais completa e justa interpretação sistemática do ordenamento jurídico, limitando-se à mera interpretação gramatical do artigo de forma isolada cação da teoria da culpa administrativa com as correspondentes responsabilizações. Além disso, desnecessário recordar que um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é a dignidade da pessoa humana,11 princípio que não pode ser relativizado, devendo permear e reger todas as relações jurídicas. Ademais, o direito fundamental à moradia e a consecução do interesse público na gestão das relações com o Poder Público também contribuem para uma interpretação divergente daquela dada pelo STJ. 11 “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana;” 104 Fórum j urí di co Nessa toada, entende-se que a posição defendida pelo STJ, que tem como base apenas o disposto no artigo 1.21912 do Código Civil, segundo a qual os ocupantes não fariam jus à indenização por não terem a posse de fato, mas mera detenção da área, não se coaduna com a mais completa e justa interpretação sistemática do ordenamento jurídico, limitando-se à mera interpretação gramatical do artigo de forma isolada. Isso porque, havendo omissão das empresas 12 “Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.” concessionárias, a questão não pode ser resolvida apenas pela suscitação da impossibilidade de proteção possessória ao ocupante, com a completa desconsideração dos sobreditos princípios constitucionais. Também não seria plausível uma possível argumentação contrária de que haveria culpa exclusiva da vítima, uma vez que consiste em obrigação das empresas concessionárias de energia elétrica a contínua fiscalização das áreas sob sua responsabilidade e a imediata adoção de medidas que evitem, a todo custo, a perpetuação no tempo dessas ocupações. Significa dizer que, caso a empresa não cumpra com sua obrigação de fiscalização, de forma a tolerar e até mesmo incentivar a permanência dessas ocupações, de maneira que elas perdurem no tempo, se desenvolvam e ali estabeleçam as moradias de famílias, a responsabilização da concessionária é medida que se impõe até mesmo para que os ocupantes encontrem condições de reconstruir suas vidas em local que não seja irregular. Pelo exposto, com esteio na teoria da culpa administrativa, associada aos princípios que vigoram atualmente no ordenamento jurídico brasileiro, entende-se perfeitamente possível que os ocupantes de áreas públicas, quando de boa fé e após transcorrido lapso temporal capaz de caracterizar a omissão das empresas concessionárias, sejam indenizados pelos danos sofridos. Conclusão Diante dessa situação, tem-se que as empresas concessionárias de energia elétrica, ao serem omissas e permitirem a ocupação de bens públicos por pessoas de boa-fé, violam seu dever na prestação do serviço público tal como estavam obrigadas e, assim, acabam por lesar aqueles que ali estabelecem suas moradias, devendo por isso ser responsabilizadas mediante a configuração de desfalque na fiscalização das áreas públicas. Sem dúvida, a responsabilização das empresas concessionárias de energia elétrica, nos casos em que agirem de forma omissa, não apenas colaborará para a melhor qualidade na prestação do serviço público, como permitirá que aqueles que, por falta de oportunidade, acabam por estabelecer suas moradias em locais não permitidos, tenham uma chance de se firmar em outro lugar, sem que fiquem ainda mais à margem da sociedade. É sabido que a mera compensação financeira não traz soluções imediatas e eficazes para essas pessoas que se encontram privadas de seu direito fundamental à moradia, mas, com toda certeza, poderá ajudá-las no estabelecimento de um novo lar em local seguro e permitido.n Referências bibliográficas TARTUCE, Flávio. Direito Civil - vol. 2. 3ª ed. São Paulo: Método, 2008. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010. Fórum j u r í di co 105 alunos MOOTS MOOTS a prática da Arbitragem além dos muros da Universidade Pre moot de Belgrado (membros da equipe: Marcel Cardoso, Bruna Barletta, Isabela Deveza, Lina Yamaki e Henrique Malerba) O Vis Moot, o ELSA Moot e a CAMARB são competições que chegam a decisões de litígios por meio da arbitragem. Atualmente, existem três competições que a PUC participa 106 Fórum j urí di co O que são os moots? A palavra moot tem uma lista bastante extensa de significados; entre eles, o que procuramos: simulação. Os moots são competições que, simulando casos práticos, chegam a decisões de litígios por meio da arbitragem. Atualmente, existem três competições que a PUC participa: o Vis Moot e o ELSA Moot (European Law School Association) que são disputas internacionais; e a nacional e mais recente, CAMARB (Competição de Arbitragem da Câmara de Arbitragem Empresarial – Brasil). O ELSA Moot abarca a área de Direito Internacional Público, sempre apresentando um caso entre Estados na Organização Mundial do Comércio (OMC), enquanto o Vis Moot e a CAMARB trazem como pano de fundo casos de Direito Internacional Privado, nos quais dois ou mais litigantes privados se enfrentam, em um Tribunal Arbitral. A eleição do grupo vencedor da competição é um verdadeiro julgamento. Assim, vence aquele que tiver a melhor média entre o trabalho escrito e a apresentação oral. Premiam-se também os melhores oradores e os melhores memorandos. O dia a dia dos participantes Em sua rotina diária, os participantes precisam conciliar estudos, trabalho e a preparação para a competição. Para superar tal desafio, é importante desenvolver as habilidades de organização e de fixar prioridades. O período de preparação do ELSA Moot é organizado da seguinte forma: as reuniões se iniciam em abril, ocorrendo mensalmente, com ajuda da professora Marina Egydio de Carvalho e do professor Cláudio Finkelstein. Os primeiros encontros são uma iniciação sobre a Organização Mundial do Comércio (OMC), com estudos sobre o tema, sobre os sistemas de normas e sobre a legislação específica. Em meados de outubro, o caso é liberado, havendo um estudo detalhado de suas peculiaridades. É feita, primeiramente, a parte escrita e, em seguida, a fase oral. Para o Vis Moot, a preparação é realizada por meio de fichamentos de doutrinas em inglês, relativos à arbitragem internacional. As reuniões são realizadas com a frequência de 15 dias, para a discussão dos textos. Após a divulgação do caso, por volta do mês de outubro, iniciam-se os estudos específicos. O grupo conta com a coordenação do professor Cláudio Finkelstein e de diversos alunos da Pós-Graduação da PUC. O preparatório para a CAMARB, no entanto, somente se inicia após o caso ser apresentado, por volta do mês de abril. Os estudos giram em torno das questões centrais, analisadas com profundidade. arquivo fórum Jurídico Giovanna Cezario, Gustavo Léon e Wallace Silva Este grupo é auxiliado diretamente pelos advogados Napoleão Casado e Thiago Marinho e supervisionado pelo professor Cláudio Finkelstein. ‘ A atividade é muito bem vista pelos escritórios de advocacia. Relatos Para os antigos participantes do ELSA Moot, como o recém-formado Guilherme Falco, e as alunas do sexto semestre de Direito, Quézia Amaral e Beatriz Rodrigues, o requisito básico para o aluno participar destas competições é o interesse e o comprometimento. A dedicação é recompensada com grande aprendizado, pois se passa a operar o Direito de uma forma diferente, a fazer contatos e se desenvolver profissionalmente. Na opinião de Guilherme, “precisa ser um aluno que quer estudar e esteja comprometido e interessado. A atividade é muito bem vista pelos escritórios de advocacia. Academicamente, seria ainda melhor que a iniciação cientifica, principalmente porque no exterior é assim o modelo de estudo, através de moots”. Já para Beatriz, “adquiri-se uma visão menos tradicionalista do Direito para operar em situações mais excepcionais. Fórum j u r í di co 107 MOOTS arquivo fórum Jurídico alunos Último painel de Bruna e Isabela em Viena, no qual enfrentaram uma dupla do Zimbabue. No meio os três árbitros, na ordem, de Viena, EUA e Espanha ‘ O moot é 50% de preparo e estudo, e outros 50% de empatia. 108 Fórum j urí di co Há também outra visão de faculdade e campo profissional”. “Você acaba conhecendo o Direito Internacional de uma maneira muito interativa, pois tem que incorporar a defesa de um país. Sem contar o fato de trabalhar em grupo, o que é sempre muito desafiador. Temos que construir a argumentação juntos, o que implica em discussões, oposições de ideias, e muito, mas muito trabalho!”, opinou Quézia. Para as participantes do Vis Moot e da CAMARB, Bruna Barletta e Isabela Deveza, que este ano integram novamente as equipes, uma das maiores dificuldades é conciliar as reuniões com o estudo e trabalho. “Você vai estudar muito, e ponderar, por muitas vezes, se realmente vale a pena. Se perguntarem a minha conclusão, tem um motivo pelo qual estou nessa de novo, não é?!”, revelou Isabela. E ainda,“o moot é 50% de preparo e estudo, e outros 50% de empatia do Tribunal Arbitral”. A Bruna teve acesso a diversas experiências com moots. Além do Vis Moot e da CAMARB, também participou do Lucerne Academy for Human Rights Implementations e da Competição de Arbitragem da Sciences Po. Para ela, os moots foram um grande aprendizado, despertando seu interesse pela área. Hoje, ela trabalha diretamente com Arbitragem. O desenvolvimento profissional O aluno que participa de um moot torna-se diferenciado no mercado de trabalho. O envolvimento credencia o competidor a pleitear um bom estágio, uma vez que tanto os escritórios que financiam a competição, quanto os que oferecem suporte técnico acompanham o desenvolvimento do trabalho. Assim, o contato profissional acaba ocorrendo muito mais cedo. Muitos dos participantes encontraram um bom posicio- namento profissional, atuando hoje em arbitragem nos principais escritórios do país. Na opinião do professor e idealizador do projeto, Cláudio Finkelstein, “aquele aluno sai da Universidade com um conhecimento técnico do que é arbitragem e como ela funciona que só se equipara à atuação na prática”. Em sua avaliação pessoal, o desafio mais peculiar é o exercício da retórica. Para ele, “você, enquanto advogado, tem que adotar a linha de conduta que melhor condiz com o seu cliente. Se você representa o requerido, deve pensar como requerido para defendê-lo. Já neste exercício, passa uma semana, você entrega o memorando de uma das partes; na semana seguinte, tem que botar outra camisa. Tudo aquilo que você defendeu é errado, não é razoável, não tem respaldo. É um exercício de retórica ímpar”. O apoio da PUC A Faculdade de Direito dá apoio institucional ao projeto. Contudo, não disponibiliza verbas aos alunos para participarem dos moots. Para o Cláudio Finkelstein,“é necessário recorrer à iniciativa privada, aos escritórios que se interessam pela matéria, à própria Câmara de Comércio Brasil-Canadá, que Prêmios e Principais colocações ELSA MOOT Best Written Submission em 2010 2º Lugar - Pre-moot da UNICURITIBA em 2012 VIS MOOT 3º Lugar - Pre-moot do Veirano em 2012 Melhores notas dos painéis em 2012 Melhor memorial de requerida em 2011 Menção honrosa para Tiago Adão, orador do time em 2011 CAMARB Melhor memorial de requerida em 2012 Menção honrosa para Julia Schulz, oradora do time em 2012 já vem dando suporte técnico e financeiro desde o início e até mesmo aos professores da faculdade, que apoiam com trabalho e também financeiramente”. Efetivamente, os grupos necessitam de apoio financeiro. Muitas vezes, por falta de patrocínio, as equipes se apresentam com menos integrantes, algo que acaba prejudicando o rendimento na competição. Expectativas futuras O projeto dos moots é muito ambicioso, pois visa difundir o estudo do Comércio Internacional e da Arbitragem como forma de solução de controvérsias. Estas são áreas relativamente novas no Bra- sil, portanto, para aqueles que visam construir uma carreira nessa temática, é um momento oportuno para começar sua própria rede de contatos e entrar em um universo acadêmico inteiramente novo. Por meio destas competições, há a oportunidade de estudar tanto Direito Internacional Público, quanto Privado e Arbitragem. Tem-se a mistura da prática com a teoria, o incentivo à retórica e o desenvolvimento do raciocínio lógico, sempre visando o crescimento pessoal e profissional de cada participante. Para quem se interessar pelo tema, vale a pena ficar atento às palestras de promoção e se inscrever para participar! n Fórum j u r í di co 109 livros e m d e s ta q u e Bendito o que semeia / Livros... livros à mão cheia... E manda o povo pensar! / O livro caindo n'alma É germe – que faz a palma, / É chuva – que faz o mar.* Giovanna Cezario e Reginaldo Penezi Júnior O Advogado Ruy Barbosa – momentos culminantes de sua vida profissional RUBEM NOGUEIRA 459 páginas. Editora Noeses A impecável obra de Rubem Nogueira apresenta etapas da brilhante atuação de Ruy Barbosa como advogado. O livro apresenta, logo de início, uma perfeita identificação do “Águia de Haia” com a advocacia, discorre sobre o Ruy estudante, sua estreia profissional e examina o seu desempenho no patrocínio de célebres causas que fizeram história na jurisprudência dos tribunais brasileiros. São analisados, por exemplo, o caso do primeiro habeas corpus sobre matéria política; a questão do Conde Álvares Penteado versus Companhia Nacional de Tecidos de Juta e a disputa do Acre entre a União e o Estado do Amazonas. A obra O Advogado Ruy Barbosa, além de revelar o pensamento jurídico de um dos maiores juristas que o País já teve, também acaba por 110 Fórum j urí di co ‘ Uma visão imparcial e objetiva, apoiada em fontes autênticas, do maior de quantos advogados já conheceu o foro brasileiro trazer verdadeiras lições de História do Brasil. Como o próprio Rubem Nogueira registrou no encerramento de sua obra, trata-se de “uma visão imparcial e objetiva, apoiada em fontes autênticas, do maior de quantos advogados já conheceu o foro brasileiro”. Rubem Nogueira foi Professor Titular de Introdução ao Estudo do Direito na Universidade Católica da Bahia, membro da Academia de Letras Jurídicas, do Instituto dos Advogados do seu Estado, Procurador-Geral de Justiça do Estado da Bahia, Consultor Jurídico do Ministério da Justiça e teve assento na Câmara dos Deputados por três legislaturas. *Fonte da citação: poema O Livro das Américas, de Castro Alves, retirado do livro "O livro e a América" Estante Fórum Jurídico O Primeiro Ano – Como se faz um advogado Scott Turow O Competência Tributária Tradução: Heloísa Matias e Maria Alice Máximo 200 páginas. Editora Record 398 páginas. Editora Noeses Tácio L acerda Gama O renomado autor Scott Turow descreve com maestria a experiência de seu primeiro ano na Faculdade de Direito de Harvard. Desde o momento da matrícula até o último dia letivo, o personagem passa por uma profunda transformação, deixando de lado o que pensava ser a Faculdade de Direito para encarar a realidade de forma crítica. A narrativa é conduzida em primeira pessoa, na forma de um diário, o que torna o leitor bastante familiarizado com os anseios do personagem. É uma obra que carrega uma profunda crítica ao estudo do Direito, desde o famoso “método socrático” até o aprendizado por meio de manuais. Apesar de explorar o panorama jurídico norte americano, que difere do brasileiro, o livro conserva a qualidade de ser universal e promove uma identificação quase imediata entre o leitor e o personagem principal. O leitor, por vezes estudante de Direito, não somente embarca na narrativa, mas também identifica, nas experiências do jovem, grande parte de sua própria história, de suas próprias dúvidas. O Primeiro Ano deve ser lido por todos aqueles que passaram, passam e passarão pela transformadora faculdade de Direito. Este é um livro de Teoria Geral do Direito que parte da conhecida categoria “competência” para oferecer um método de análise para o aspecto dinâmico do Direito Tributário. Tudo isso com a clara influência do pensamento de Hans Kelsen, Lourival Vilanova e, com mais intensidade, dos modelos preconizados por Paulo de Barros Carvalho. O estudo parte de reflexões filosóficas e da teoria geral do direito para fundamentar uma “norma de competência tributária”, categoria sistematizada pelo autor há mais de 10 anos e que foi testada à exaustão em cursos de graduação e Pós-Graduação da PUC, da USP e do IBET. Este instrumento teórico permite uma série de soluções para problemas candentes da tributação, mas serve, com ainda mais intensidade, a um propósito maior: identificar que existe em comum entre conceitos aparentemente diversos como os de inconstitucionalidade, ilegalidade, nulidade, erro de fato, erro de direto, improcedência das pretensões do contribuinte ou da Fazenda Pública. Por oferecer um modelo teórico que responde a esta pergunta, com rigor e clareza conceitual, é que este trabalho serve a todos os que têm no Direito Tributário seu campo preferencial de atenções acadêmicas ou profissionais. Scott Turow foi advogado e hoje é escritor de best-sellers do mundo jurídico, como o famoso Acima de qualquer suspeita. Tácio Lacerda Gama é graduado em Direito pela Universidade Federal da Bahia em 1998, e mestre e doutor pela PUC-SP. Fórum j u r í di co 111 r e v i s ta apoio