Baixar o Roteiro

Transcrição

Baixar o Roteiro
A PRINCESA
Roteiro de Rafael Duarte e Taísa Ennes Marques
Argumento de Rafael Duarte
Flat - Int./Dia
As sombras do quarto impecável tomam forma com os primeiros
raios de sol capturados pela janela. Além do vidro, a selva de
concreto da metrópole, centenas de metros abaixo, começa a se
movimentar.
O sol vermelho do amanhecer alcança a aresta da janela,
revelando a silhueta de AURORA. Sob os lençóis brancos que
se confundem com sua pele, ela jaz adormecida na cama enorme
ajustada em paralelo perfeito com a janela ao fundo.
Um som vindo da porta do quarto perturba seu sono. Ela se
vira sobre as costas, espalhando os cabelos acobreados pelo
travesseiro e aprumando as mãos sobre o peito.
Um HOMEM gordo de terno executivo entra no quarto, pela porta
que fica ao lado direito, carregando um pacote na mão esquerda.
É um vestido de festa, branco, envolvido pelo plástico da
lavanderia. Na mão direita, ele carrega um par de sapatos de
salto alto.
O homem larga o vestido sobre uma cadeira branca ao lado da
cama, e os sapatos ao pé da cadeira. Ele se debruça na cama
sobre Aurora, dá um beijo em seu rosto e sai do quarto pela
mesma porta.
O sol agora ilumina o quarto completamente. Na parede oposta
à cama há um camiseiro claro e depois um guarda-roupas. De
frente para a cama, uma televisão de 50 polegadas e logo além,
um grande espelho de corpo inteiro. O branco das paredes e
cortinas é quebrado pelo padrão cor de salmão do carpete e pelos
detalhes vermelhos das dobradiças do camiseiro e guarda-roupas.
Na mesinha sob a janela há um diário vermelho, um conjunto de
caneta tinteiro e um vaso de vidro com uma rosa vemelha.
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Desperta, Aurora abre os olhos e nota o vestido apoiado sobre
sua cadeira branca com encosto de veludo vermelho.
Sobre a cama, há um relógio de ponteiros. São sete horas.
Sala de ginástica - Int./Dia
Aurora corre na esteira da sala de ginástica, vestindo agora
shorts e um top de lycra com o cabelo preso em um rabo de
cavalo.
Além da esteira, uma bicicleta ergométrica branca, uma estante
de pesos, um conjunto de colchonetes e uma balança de chão são
os únicos adornos do lugar. À frente da esteira, um espelho
de parede permite que Aurora se enxergue durante o exercício.
A sala é envolta por janelas de vidro por todos os lados,
oferecendo uma enorme vista da manhã metropolitana.
A mulher desce da esteira e se pesa na balança. À confirmação do
resultado no visor, Aurora suspira decepcionada.
Ela sobe na esteira
velocidade maior.
e
prossegue
correndo,
agora
em
uma
Flat - Int./Dia
O quarto se estende até uma área grande que serve como sala de
jantar. Uma mesa de vidro com quatro lugares é iluminada pelo
janelão da sala. O café da manhã está servido sobre a mesa em
uma toalha branca.
Do lado direito da janela
abrigando um canário.
há
uma
gaiola
pendurada
no
teto
Aurora, escolhe uma maçã vermelha de uma vasilha de metal, que
reflete seu rosto distorcido.
Ela se escora na mesa e morde a maçã enquanto observa a vista
da cidade. Um mar de prédios pontuado, de tanto em tanto,
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por gigantescos arranha-céus de vidro que se erguem sobre a
metrópole.
O movimento do pássaro na gaiola chama a atenção de Aurora.
Ele também está observando os arranha-céus da cidade. Em
silêncio, ele vira seu olhar para Aurora e os dois se encaram
intensamente, como se em um embate mental.
Beira da lagoa - Ext./Entardecer
O sol está se pondo atrás da lagoa de onde Aurora, nua, vem
saindo em direção à praia. Seu cabelo vermelho está solto e
molhado, secando ao vento.
Ela brinca com os pés dentro d’água, enterrando-os na areia e
chutando a água, enquanto caminha para o chão seco onde há um
vestido vermelho estendido. Aurora pega a roupa e veste sobre o
corpo. O vestido é leve e solto, um vestido de verão.
A mulher permanece contemplando o por-do-sol avermelhado com uma
expressão serena, até que um barulho perturba o silêncio. Uma
revoada de pássaros assustados alça vôo de uma das árvores da
floresta que fica além da praia. Alarmada, ela procura com os
olhos o que pode ter assustado os animais.
Banheiro - Int./Dia
Enrolada em uma toalha branca e sentada em um banco de madeira,
Aurora arranca a folha com cera de uma de suas pernas e reprime
o gemido de dor apertando os lábios.
O banheiro é grande e claro. Sobre a pia de mármore há um grande
armário com diversos cremes e apetrechos de maquiagem. No meio
do armário, um espelho rodeado de lâmpadas fluorescentes.
No aparato de cera quente que está ao seu lado, Aurora mexe um
palito de madeira no potinho e aplica o material em mais um
trecho de sua perna. Depois pega mais uma das folhas brancas e
cola em cima da cera.
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Banheiro - Int./Dia
O vapor quente embaça o vidro temperado do box do chuveiro.
Atrás dele, Aurora depila as axilas com uma gilete, emoldurada
pela luz do sol que entra pela janela além do box.
Depois, ela derruba sabonete líquido sobre uma esponja de banho
e começa a se esfregar. Esfrega primeiro o pescoço e os ombros.
No seu ombro direito há uma cicatriz circular. Lentamente, ela
passa a esfregar os braços. A esponja vai descendo em direção ao
seu umbigo. Com alguma hesitação, desce além.
Aurora abre os lábios e deixa escapar um suspiro. Com os olhos
fechados, ela pode sentir as gotas de água tocando sua pele uma
a uma, como se alongadas pelo eco de sua respiração.
O baque surdo de um pássaro batendo na janela do banheiro
interrompe o momento, deixando uma pequenina mancha de sangue no
vidro. O susto faz com que a mulher retome a consciência e cubra
a si mesma com as mãos, constrangida.
Aurora abre a porta do box, pega a toalha branca pendurada do
lado de fora e se enrola. Sua respiração permanece ofegante por
mais alguns instantes, enquanto tenta se acalmar.
Banheiro - Int./Dia
De pé na frente da pia, Aurora fita a si mesma no espelho.
Estica delicadamente a pele ao redor dos olhos, buscando
imperfeições. Dentre alguns tubos sobre a pia, ela escolhe
um. Aplica com seus dedos finos uma camada sobre os olhos,
massageando pacientemente.
Ela devolve o tubo para a seleção sobre a pia e escolhe mais um.
Aplica sobre o buço. Ela se percebe no espelho ampliador ao lado
da pia: uma ruiva com bigode de creme. Usando uma esponja de
face áspera, ela remove o creme.
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Analisando cada centímetro do seu rosto, ela encontra uma
minúscula marca de acne. Com o indicador, cobre a imperfeição e
se analisa. Tira o dedo. Põe o dedo. Tira o dedo.
Do lado do espelho ela tira um secador que fica preso à parede e
o usa para secar os cabelos, alisando-os com uma escova.
Depois, transforma suas sobrancelhas em dois riscos perfeitos
com uma pinça, mais espessos perto do nariz e finas até sumir
para o lado de fora do rosto.
Finalmente, ela observa seu rosto no espelho. Sua mão encontra
um levíssimo relevo do vidro, que distorce seu rosto.
Floresta - Ext./Entardecer
Aurora, de vestido vermelho e descalça, corre assustada entre as
árvores, fugindo de alguma coisa. Ela tropeça em uma raiz e cai
no chão.
Banheiro - Int./Dia
Ela perde o fôlego por um segundo e se apoia com as mãos na
pia para não cair. Com o braço, esbarra em um vidro de perfume
redondo, que cai da superfície de mármore e se quebra em uma
miríade de caquinhos.
Flat - Int./Entardecer
No relógio do quarto são seis e meia.
A luz que entra pela janela é agora vermelha do por-do-sol. Ao
lado da cama, Aurora enrolada na toalha e com o cabelo preso em
um penteado alto, arruma as cutículas da mão com um alicate de
unhas. Sobre a escrivaninha estão espalhados diversos utensílios
de um estojo de maquiagem.
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Ela saca um alicate e usa para puxar a cutícula de um dos dedos.
Seu descuido faz um filete de sangue bem fino correr pelo canto
da unha. Ela geme baixinho com a dor enquanto utiliza um pedaço
de algodão para consertar o estrago.
De uma sorte de esmaltes dentro do estojo de maquiagem, ela
escolhe um vermelho. Mas depois de pensar por um segundos,
decide largá-lo de volta e usar o esmalte branco.
Flat - Int./Noite
Sentada na cama, Aurora come salada em uma pequena tigela e
assiste televisão. O programa exibe a seguinte manchete: “MODELO
MOSTRA CELULITE EM COPACABANA”. Sob a manchete, fotos de uma
modelo na praia. No relógio do quarto são nove horas.
Sem terminar a refeição, Aurora larga a tigela sob uma mesinha.
Flat - Int./Noite
Aurora está de frente para o espelho. No relógio do quarto são
onze e meia.
Sobre a cama, o vestido deixado pelo homem.
Ela desenrola a toalha de si e joga sobre a cama. Olha para seu
reflexo no espelho.
Floresta - Ext./Entardecer
A mulher está um pouco suja com a terra que grudou em sua pele
molhada. Ela entra floresta adentro, procurando cobertura das
árvores.
Flat - Int./Noite
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Agora de vestido, Aurora senta na cadeira branca. O vestido
branco é cavado, mas sufocante, limitando os movimentos da
mulher. No relógio do quarto são onze e quarenta e cinco.
Puxa para si os sapatos e tenta calçar o pé direito. Seu pé é
grande demais para o calçado. Atônita, ela procura pelo número
do sapato, olha para os lados e para o relógio. Onze e quarenta
e seis. Olha também para a porta, mas não há movimento.
Ela pensa por um instante.
Levanta e sai do quarto. Volta carregando uma espátula de
cozinha, um martelo e um rolo de gaze, que ela larga sobre a
cama. Na lâmina da espátula, Aurora enxerga mais uma vez seu
reflexo distorcido.
Ela posiciona a ferramenta sobre o dedão e os primeiros dedinhos
do pé direito. Levanta o martelo. No relógio do quarto são onze
e cinquenta. Ela desce o martelo sobre o cabo da espátula.
Floresta - Ext./Dia
Aurora está escondida atrás de um tronco. Ela respira fundo e
bate em retirada para atravessar uma clareira. Acima dela, o
pássaro amarelo risca o ar contra o por-do-sol.
Na outra ponta da clareira, um CAÇADOR aponta o seu rifle para a
mulher selvagem. Sujo e barbudo, ele fecha o olho direito, mira
com o esquerdo e aperta o gatilho.
A bala acerta Aurora no ombro direito e a derruba no chão. O
grito dela ecoa pela clareira.
Flat - Int./Noite
O grito preenche o silêncio do quarto. Os dedos do pé de Aurora
são decepados e um rio de sangue tinge o carpete claro.
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Ela imediatamente reprime o choro, limpando os olhos marejados
com a mão trêmula. Respira fundo e tenta controlar a tremedeira
no seu pé, para enrola-lo com a gaze, que logo fica empapada de
vermelho. No relógio do quarto são onze e cinquenta e cinco.
Clareira - Ext./Entardecer
Aurora está caída no gramado da clareira, ofegante. O grama ao
redor de seu ombro está manchada de vermelho.
Os passos do caçador se aproximam. Ela olha para cima e o rosto
dele aparece sobre a grama, tapando a luz do sol que se põe
atrás das árvores.
Ele faz um movimento e joga uma rede de caça sobre a mulher.
Flat - Int./Noite
Barulho de chaves na porta.
Aurora desliza o seu pé para dentro do sapato. Perfeito. Como o
sorriso que agora estampa seu rosto. É meia noite.
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