Volume 13 – Completo - Coleção: Gestão da Saúde Pública
Transcrição
Volume 13 – Completo - Coleção: Gestão da Saúde Pública
C oleç ão Gestão da Saúde Pública Universidade Federal de Santa Catarina Centro Socioeconômico Departamento de Ciências da Administração Coleção: Gestão da Saúde Pública Contribuições para a Gestão do SUS Volume 13 Maurício Fernandes Pereira Alexandre Marino Costa Gilberto de Oliveira Moritz Denise Aparecida Bunn Organizadores Editora Fundação Boiteux Florianópolis 2013 ©2013 Departamento de Ciências da Administração CSE/UFSC. Todos os direitos reservados. Os conceitos em trabalhos assinados são de exclusiva responsabilidade de seus autores. As matérias desta publicação podem ser livremente transcritas, desde que seja indicada a fonte. O conteúdo desta obra foi licenciado temporária e gratuitamente para utilização no âmbito do Curso de Especialização em Gestão da Saúde Pública, através da UFSC. O leitor se compromete a utilizar o conteúdo desta obra para aprendizado pessoal, sendo que a reprodução e distribuição ficarão limitadas ao âmbito interno dos cursos. A citação desta obra em trabalhos acadêmicos e/ou profissionais poderá ser feita com indicação da fonte. A cópia desta obra sem autorização expressa ou com intuito de lucro constitui crime contra a propriedade intelectual, com sanções previstas no Código Penal, artigo 184, Parágrafos 1º ao 3º, sem prejuízo das sanções cíveis cabíveis à espécie. C764 Contribuições para a Gestão do SUS / Maurício Fernandes Pereira, Alexandre Marino Costa, Gilberto de Oliveira Moritz, Denise Aparecida Bunn, organizadores. – Florianópolis : Fundação Boiteux, 2013. 220 p. – (Gestão da Saúde Pública; v. 13) Inclui referências ISBN: 978-85-7840-084-2 (coleção) 978-85-7840-141-2 1. Saúde pública – Administração. 2. Sistema Único de Saúde (Brasil). 3. Políticas Públicas. 4. Produção científica. 5. Pesquisa. I. Pereira, Maurício Fernandes. II. Costa, Alexandre Marino. III. Moritz, Gilberto de Oliveira. IV. Bunn, Denise Aparecida. CDU: 614 Catalogação na publicação por: Onélia Silva Guimarães CRB-14/071 PRESIDENTA DA REPÚBLICA Dilma Rousseff MINISTRO DA SAÚDE Alexandre Padilha PREFEITO DE FLORIANÓPOLIS Cesar Souza Júnior VICE-PREFEITO DE FLORIANÓPOLIS João Antônio Heinzen Amin Helou SECRETÁRIO DA SAÚDE DE FLORIANÓPOLIS Carlos Daniel Magalhães da Silva Júnior UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA Reitora Roselane Neckel Vice-Reitora Lúcia Helena Pacheco CENTRO SOCIOECONÔMICO Diretora Elisete Dahmer Pfitscher Vice-Diretor Rolf Hermann Erdmann DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA ADMINISTRAÇÃO Chefe do Departamento Marcos Baptista Lopez Dalmau Subchefe do Departamento Marilda Todescat PROJETO MINISTÉRIO DA SAÚDE/PMF/UFSC/CSE/CAD Coordenador do Projeto Maurício Fernandes Pereira Subcoordenador do Projeto Alexandre Marino Costa Coordenador Pedagógico João Nilo Linhares Coordenador Técnico Gilberto de Oliveira Moritz Coordenador Administrativo Luis Carlos Cancellier de Olivo Comissão Editorial Luís Moretto Neto Alexandre Marino Costa Gilberto de Oliveira Moritz Alessandra de Linhares Jacobsen Maurício Fernandes Pereira João Nilo Linhares Marcos Baptista Lopez Dalmau Projeto Gráfico Annye Cristiny Tessaro Rita Castelan Minatto Capa e Ilustração Adriano Schmidt Reibnitz Diagramação Joice Balboa Revisão de Português* e Normalização da ABNT Evillyn Kjellin Pattussi Patrícia Regina da Costa Raquel Coelho Sergio Luiz Meira *Esta obra foi revisada conforme o Novo Acordo Ortográfico. Sumário Apresentação Acolhimento de Enfermagem com Classificação de Risco em uma Unidade de Pronto Atendimento 9 13 Michele Elisa Sardá Análise sobre a Inserção da Especialidade de Estomatologia do Hospital Universitário no Sistema de Regulação de Florianópolis e seus Benefícios na Prática Odontológica 25 Nilse Terezinha Rohden Análise do Processo de Produção da Saúde no Acolhimento Humanizado através da Gestão de Processos: uma revisão bibliográfica 46 Rafaela Jaque Marcelino de Abreu Conhecimento das Necessidades Básicas em Saúde e o Agendamento do Atendimento na ESF-02 de Santo Amaro da Imperatriz (SC) 67 Renara Prestes Oliveira Análise da Realização e a Avaliação do Atendimento Antirrábico Humano Realizado pela Equipe de Estratégia Saúde da Família dos Centros de Saúde do Distrito Sanitário Leste do Município de Florianópolis, Considerando-se Indicadores Epidemiológicos 89 Solange Alberti Andrzejewski Planejamento Estratégico em Saúde: um desafio no gerenciamento cotidiano de unidades básicas de saúde 120 Thaise Alana Goronzi Análise da Implementação da Homeopatia na Grande Florianópolis 140 Vera Lúcia Bridi Parcerias Público-Privadas para Consolidação do SUS 158 Waldileuza Ferreira Rodrigues Barbosa Qualidade de Vida no Trabalho: origem, evolução e conceitos – uma revisão bibliográfica 178 Wilmar do Nascimento Percepções e Ações dos Profissionais de Saúde, Sobre Planejamento, na Equipe de Saúde da Família, da Regional Centro, do Município de Florianópolis Wilmar José Elias Junior 201 Summary Presentation Acceptance of Nursing with Risk Classification in a Unit of Prompt Service 9 13 Michele Elisa Sardá Analysis on the insertion of the Specialty of Stomatology of the University Hospital in Regulation System of Florianópolis and its Benefits in the Dental Practice 25 Nilse Terezinha Rohden Analysis of Production Process of Health in Home Humanized Through Process Management: a literature review 46 Rafaela Jaque Marcelino de Abreu The Knowledge About the Basic Needs in Health Care Concerning the Schedule Of Treatment In The ESF-02 of Santo Amaro da Imperatriz 67 Renara Prestes Oliveira Analysis of Achievement and Evaluation of Human Service Performed by Antirrábico Team Strategy for Family Health Centers of Health District Health of the City of East Florianópolis Whereas up Indicators Epidemiological Solange Alberti Andrzejewski 89 Strategic Planning in Health: a challenge in the management of everyday basic health units 120 Thaise Alana Goronzi Review of the Implementation of Homeopathy in Great Florianópolis 140 Vera Lúcia Bridi Public-Private Partnerships for Consolidation of SUS 158 Waldileuza Ferreira Rodrigues Barbosa Quality of Life at Work: origin, evolution and concepts – a literature review 178 Wilmar do Nascimento Perceptions and Actions of Health Professionals, About Planning, the Family Health Team, the Regional Centre, in Florianópolis Wilmar José Elias Junior 201 Apresentação O Curso de Especialização Lato Sensu em Gestão da Saúde Pública qualificou servidores que atuam na área da Saúde e proporcionou subsídios para que melhorassem suas ações e contribuíssem para a qualidade dos serviços prestados no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Esse aperfeiçoamento foi importante, pois auxiliou na prática diária de cada profissional. Por isso, estamos certos de que oferecemos a possibilidade de reflexão sobre a forma de agir de cada um, principalmente com relação aos preceitos da ética e da moral. O referido Curso, com carga horária de 420 horas foi finalizado em dezembro de 2012 e teve como público participante servidores integrantes do SUS, na região da Grande Florianópolis. O sucesso do empreendimento foi indiscutível, com a aprovação de mais de 70% do seu corpo discente. Além disso, como produto da sua aprendizagem, cada estudante apresentou, ao final, um trabalho de conclusão de curso no qual pôde demonstrar as habilidades e os conhecimentos adquiridos para a análise e a solução de problemas do cotidiano da sua organização. A divulgação dos trabalhos científicos produzidos pelos servidores integrantes do SUS, na região da Grande Florianópolis, por ocasião da conclusão do curso de pós-graduação em Gestão da Saúde Pública, é parte do processo de aprimoramento do Sistema Único de Saúde, na medida em que traz ao público a visão dos próprios servidores sobre determinados tópicos. Compreendemos, assim, a responsabilidade do nosso sistema educacional e, em especial, do ensino superior em administração, no que se refere a preparar profissionais para que atuem no mundo moderno. Esse é o nosso comprometimento. Com o intuito de documentar todos os trabalhos desenvolvidos neste curso, serão publicadas 13 obras, divididas em volumes, esta com dez artigos produzidos pelos estudantes do curso. Nesses trabalhos, será possível constatar as dificuldades do SUS e as possíveis soluções para cada questão levantada. Além disso, alguns trabalhos observam as melhorias já identificadas do Sistema Único de Saúde (SUS). Apresentação Abrimos o último volume da coleção Gestão da Saúde Pública com o artigo de Michele Elisa Sardá, intitulado Acolhimento de Enfermagem com Classificação de Risco em uma Unidade de Pronto Atendimento, o qual, utilizando a revisão de literatura como eixo norteador, propõe a fundamentação dos aspectos relacionados ao processo de acolhimento com classificação de risco em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), bem como à atuação do profissional enfermeiro nesse processo. Com base nessa fundamentação, há a referência dos benefícios que essa proposta traz para os pacientes no momento em que chegam a uma unidade de saúde. Verificou-se também a importância de um processo de acolhimento satisfatório, em que o profissional enfermeiro tem um papel fundamental na classificação de risco para determinar aspectos prioritários de atendimento desde a chegada do cliente na unidade até o seu atendimento. O segundo trabalho publicado neste volume, de autoria de Nilse Terezinha Rohden, analisa a relevância para a prática odontológica da inclusão da especialidade de Estomatologia do Hospital Universitário no Sistema de Regulação de Florianópolis. Os dados analisados confirmam a dificuldade dos profissionais da rede básica de saúde em descrever, com detalhes, o problema encontrado. O sistema permite orientá-los quanto às descrições clínicas adequadas, instrumentalizando o regulador e auxiliando-o a abreviar a espera do paciente. Análise do Processo de Produção da Saúde no Acolhimento Humanizado Através da Gestão de Processos: uma revisão bibliográfica é o artigo de Rafaela Jaque Marcelino de Abreu, que tem por objetivo analisar a contribuição da gestão de processos para a qualidade do trabalho no acolhimento. Foi realizada uma revisão de literatura através de uma pesquisa bibliográfica e documental, com análise qualitativa dos dados. O estudo se inicia com a Política Nacional de Humanização, passando pela evolução do processo de trabalho no acolhimento e encerrando com a interligação entre o processo de trabalho em acolhimento e a questão comportamental. Foi possível concluir que a gestão de processos é uma ferramenta que permite a melhoria contínua da produção de saúde, tendo o enfermeiro um papel de destaque no processo de acolhimento humanizado, na avaliação e na realização da classificação de risco. 10 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Apresentação Renara Prestes Oliveira, em seu trabalho, trata das necessidades básicas em saúde na forma de atendimento e serviços prestados ao usuário, apresenta-se como proposta de maior resolutividade aos serviços de saúde, a fim de proporcionar acesso igualitário aos usuários de maneira humanizada e promover a qualidade de vida. A pesquisa foi realizada na ESF-02 de Santo Amaro da Imperatriz (SC) com o objetivo de analisar as necessidades básicas de atendimento em saúde dos usuários para construção de agenda da ESF-02 adequada ao fluxo da demanda. Solange Alberti Andrzejewski, em seu trabalho, objetiva avaliar os aspectos epidemiológicos e o atendimento antirrábico humano realizado pelas equipes da Estratégia Saúde da Família nos nove centros de saúde do Distrito Sanitário Leste. Foi aplicado um questionário para 61 profissionais de tais centros. Sua pesquisa mostrou como está o conhecimento desses profissionais sobre a raiva humana e como estão efetuando esse atendimento, e aponta como principal sugestão a elaboração de capacitações em serviços para as equipes de saúde. Planejamento Estratégico em Saúde: um desafio no gerenciamento cotidiano de unidades básicas de saúde tem como objetivo conhecer de que forma se constituiu o planejamento estratégico em saúde, descrever os desafios encontrados para sua efetivação e relatar os resultados alcançados com o planejamento local em saúde e o reflexo para o usuário. Os desafios encontrados para a efetivação, no CS Prainha, do planejamento estratégico em saúde estão relacionados à política ineficaz de gestão de pessoas e políticas de planejamento pouco efetivas. Contudo, alguns indicadores de saúde melhoraram após a implementação do planejamento local em saúde, como o grau de satisfação dos usuários com os serviços prestados pelo centro de saúde. Análise da Implementação da Homeopatia na Grande Florianópolis é o título do trabalho de Vera Lúcia Bridi, que aborda a adequação da oferta de consultas especializadas de homeopatia no processo de regionalização do SUS da Grande Florianópolis. Os dados do Sistema Informacional do SUS, referentes às consultas homeopáticas executadas nessa região, em 2011, formam a base para a análise situacional da oferta. Verificou-se que, na Grande Florianópolis, a regulamentação ministerial para oferta de consultas homeopáticas está inadequada e que a oferta desses serviços encontra-se ainda muito restrita. O oitavo artigo publicado, de Waldileuza Ferreira Rodrigues Barbosa, descreve o processo de contratualização realizado em Florianópolis, contribuindo, assim, com os demais municípios que optarem por fazê-lo. Os dados Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 11 Apresentação apresentados referem-se ao período de 2008 a 2011, no qual foram publicados 17 editais e firmados 54 contratos. Os resultados apresentam as etapas do processo de contratualização e revelam como a parceria público-privada é um valioso recurso em favor da qualificação da gestão do SUS na esfera municipal. O artigo Qualidade de Vida no Trabalho: origem, evolução e conceitos – uma revisão bibliográfica, de Wilmar do Nascimento, tem como objetivo principal descrever, através de estudo teórico-bibliográfico, a origem, a evolução e os conceitos da Qualidade de Vida no Trabalho (QVT), mostrando a sua importância e o que ela representa tanto para a empresa como para os funcionários, e que na prática são necessárias muita vontade e disposição para sua efetivação. O autor pretendeu também, a partir de seu artigo, propor um estudo mais avançado para a elaboração de um modelo de QVT no setor de combate ao mosquito Aedes aegypti, do Departamento de Endemias da Secretaria de Saúde de Florianópolis. Finalmente, o décimo artigo, de Wilmar José Elias Junior, constitui-se em uma pesquisa descritiva de natureza qualitativa que identifica as percepções e ações dos profissionais de saúde de uma Unidade Local de Saúde (ULS) do município de Florianópolis sobre planejamento estratégico na Equipe de Saúde da Família (ESF). Os dados foram colhidos através de questionários semiestruturados aplicados a esses profissionais e analisados a partir da técnica de análise de conteúdo na modalidade de análise categorial temática. Percebeu-se, que o planejamento estratégico representa um grande aliado das ESF para consolidar o seu principal objetivo, qual seja: a mudança no modelo assistencial vigente. Desejamos a todos vocês uma excelente leitura! Maurício Fernandes Pereira Alexandre Marino Costa Gilberto de Oliveira Moritz Denise Aparecida Bunn Organizadores 12 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Acolhimento de Enfermagem com Classificação de Risco em uma Unidade de Pronto Atendimento Aluna: Michele Elisa Sardá1 Orientador: Prof. João Rogério Sanson2 Tutora: Maria Luciana Biondo Silva3 Resumo Abstract Este artigo propõe a fundamentação dos aspectos relacionados ao processo de acolhimento com classificação de risco em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), bem como à atuação do profissional enfermeiro nesse processo. Com base nessa fundamentação, há a referência dos benefícios que essa proposta traz para os pacientes no momento que chegam a uma unidade de saúde. Para tanto, utiliza-se a revisão de literatura como eixo norteador. Verificou-se a importância de um processo de acolhimento satisfatório, em que o profissional enfermeiro tem um papel fundamental na classificação de risco para determinar aspectos prioritários de atendimento desde a chegada do cliente na unidade até o seu atendimento. The present article proposes substantiate aspects related to the host process conducted with risk rating on a unit of prompt service as well as the role of the professional nurse in this process. This references the benefits that this proposal back to customers when they reach a health facility. At the same we use the literature review as a guideline. Thus, we conclude the importance of a process in which the host satisfactory professional nurse acts as a key role in risk classification to determine aspects related to compliance since the arrival of the unit to the customer service received by this. Key words: Nursing. Nurse. Nursing Reception. Risk Classification. Palavras-chave: Enfermagem. Enfermeiro. Acolhimento de Enfermagem. Classificação de Risco. 1 Enfermeira da Universidade Federal de Santa Catarina. Especialista em Enfermagem PréHospitalar. E-mail: [email protected]. 2 Doutorado em Economia (PhD, 1979) e mestrado em Desenvolvimento Econômico (MA, 1973), ambos pela Universidade Vanderbilt, EUA. E-mail: [email protected]. 3 Possui graduação em Administração pela Universidade do Vale do Itajaí (2000). Especialização (Lato Sensu) em Gestão de Pessoas nas Organizações pela Universidade Federal de Santa Catarina (2011). E-mail: [email protected]. Acolhimento de Enfermagem com Classificação de Risco em uma Unidade de Pronto Atendimento 1 Introdução Para Gomes e Pinheiro (2005, p. 46): O acolhimento é um modo de operar os processos de trabalho em saúde de forma a atender a todos que procuram os serviços de saúde, ouvindo seus pedidos e assumindo no serviço uma postura capaz de acolher, escutar e dar respostas mais adequadas aos clientes. Implica em prestar um atendimento com resolutividade e responsabilização. É, portanto, uma estratégia para promover mudanças na organização do processo de trabalho em saúde visando garantir a todos o acesso à integralidade. Trata-se de um novo olhar no atendimento humanizado ao paciente. Complementa-se, portanto, o acolhimento com a classificação de risco a esses clientes. A Classificação de Risco é um processo dinâmico de identificação dos casos que necessitam de atendimento, de acordo com o potencial de risco, agravos à saúde ou grau de sofrimento. Esses aspectos são importantes para organizar o serviço, já que absorvem uma demanda desordenada de clientes que procuram o atendimento com diferentes patologias e gravidades, possibilitando assim um atendimento prioritário de acordo com a urgência do caso; e não simplesmente por ordem de chegada. Esse procedimento, no entanto, deve ser realizado pela equipe de enfermagem, sempre com a presença do profissional enfermeiro. Este artigo tem como objetivo descrever a proposta de Acolhimento com Classificação de Risco em uma Unidade de Pronto Atendimento. Para tanto, realizou-se uma revisão bibliográfica, tendo como objetivo o atendimento ao cliente que procura o serviço de urgência e emergência através do acolhimento com classificação de risco, mediante a escuta qualificada na atuação do profissional enfermeiro. 2 Aspectos Relacionados ao Acolhimento de Enfermagem com Classificação de Risco Segundo Smeltzer et al. (2009, p. 10): 14 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Michele Elisa Sardá # João Rogério Sanson # Maria Luciana Biondo Silva [...] o paciente que procura atendimento para um problema ou problemas de saúde (quantidades crescentes de pessoas apresentam múltiplos problemas de saúde) é, além de uma pessoa um membro de família e um cidadão na comunidade. As necessidades dos pacientes variam, dependendo de seus problemas, circunstâncias associadas a experiências pregressas. Dentre as funções importantes da enfermeira na prestação de cuidados de saúde estão a de identificar as necessidades imediatas do paciente e de empreender as medidas para abordá-las. O Ministério da Saúde define pronto atendimento como “a unidade destinada a prestar, dentro do horário estabelecido de saúde, a assistência a doente com ou sem riscos de vida, cujos agravos à saúde necessitam de atendimento imediato”. (BRASIL, 1985) A Portaria n. 2.048 do Ministério da Saúde propõe a implantação nas unidades de atendimento às urgência do acolhimento e da “triagem classificatória de risco”. De acordo com essa portaria, esse processo deve ser realizado por profissional de saúde, de nível superior, mediante treinamento específico e utilização de protocolos preestabelecidos e tem por objetivo avaliar o grau de urgência das queixas dos pacientes, colocando-os em ordem de prioridade para o atendimento. (BRASIL, 2002) De acordo com Figueiredo e Vieira (2011, p. 178): Um atendimento bem estruturado e organizado tem no acolhimento uma forma de separar a maioria dos clientes que chegam para serem atendidos pela equipe de saúde, sendo o enfermeiro o profissional encarregado de fazer o primeiro contato para avaliar o quadro geral e proceder aos devidos encaminhamentos. Muitas vezes a população procura as unidades de pronto atendimento por encontrar dificuldades e pelo fato de as unidades locais de saúde não conseguirem absorver a demanda de clientes da sua área de abrangência. As unidades de pronto atendimento deveriam, no entanto, atender a clientes em estado de urgência e emergência. Porém, não é o que se observa hoje, e isso muitas vezes é criticado pela população, principalmente quando se trata do tempo de espera na consulta médica. É em decorrência dessa questão que muitas unidades de pronto atendimento vêm inserindo o sistema de acolhimento com classificação de risco para aperfeiçoar o atendimento. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 15 Acolhimento de Enfermagem com Classificação de Risco em uma Unidade de Pronto Atendimento Nesse processo, o enfermeiro possui o papel de realizar uma avaliação sucinta do quadro do cliente, visando identificar o nível de gravidade ou a prioridade de assistência da equipe e cuidados de enfermagem. (FIGUEIREDO; VIEIRA, 2011) Beck e Minuzi (2008) caracterizam o acolhimento não como um espaço ou um local, mas como uma postura ética que se constrói em meio a imperativos de necessidade, de direito e da solidariedade humana. Desse modo ele não se constitui como uma etapa do processo, mas como ação que deve ocorrer em todos os locais e momentos da Unidade. Colocar em ação o acolhimento como diretriz operacional requer uma nova atitude na área da saúde e implica reorganização do serviço de saúde a partir da problematização dos processos de trabalho de modo a possibilitar a intervenção de toda a equipe, multiprofissional, encarregada da escuta e resolução do problema do usuário. Implica também mudanças estruturais na forma de gestão da unidade, ampliando os espaços democráticos de discussão/decisão, os espaços de escuta, trocas e decisões coletivas; além de uma postura de compromisso em dar respostas às necessidades de saúde trazidas pelo usuário. Acolher com resolutividade pressupõe que todas as pessoas que procuram a unidade de saúde, por demanda espontânea, deverão ser acolhidas por profissional da equipe técnica. O profissional deve escutar a queixa, identificar riscos e vulnerabilidade (escuta qualificada) e se responsabilizar por dar uma resposta ao problema. Nesse funcionamento, o acolhimento deixa de ser uma ação pontual e isolada dos processos de produção de saúde. Uma postura acolhedora implica estar atento e poroso à diversidade cultural, racial e étnica. (SOUZA et al., 2008) Mais que uma previsão legal, a classificação de risco é entendida como uma necessidade para melhor organizar o fluxo de clientes que procuram as portas de entrada de urgência/emergência, garantindo um atendimento resolutivo e humanizado àqueles em situações de sofrimento agudo ou crônico agudizado de qualquer natureza. Através do acolhimento com classificação de risco, podem-se citar resultados satisfatórios representados a seguir: • otimizar o acesso dos clientes aos serviços de urgência e emergência mudando a forma tradicional de entrada por ordem de chegada; 16 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Michele Elisa Sardá # João Rogério Sanson # Maria Luciana Biondo Silva • humanizar as relações entre profissionais de saúde e clientes no que tange à forma de escutar esse cliente com seus problemas e demandas; • realizar uma abordagem integral a partir de parâmetros humanitários de solidariedade e cidadania; • avaliar o cliente logo na sua chegada à UPA, humanizando o atendimento; • reduzir o tempo para o atendimento médico, fazendo com que o cliente seja visto precocemente de acordo com a sua gravidade, uma vez que o paciente já foi avaliado por um profissional capacitado; • aperfeiçoar o trabalho em equipe com a integração e complementaridade das atividades exercidas por cada categoria, buscando o atendimento por riscos apresentados e por complexidade do caso. Ao selecionar os clientes nesse processo, o enfermeiro estará separando as situações em categorias, certificando-se de que os casos mais sérios serão atendidos e tratados primeiro. Nesse método existe um protocolo no qual o profissional enfermeiro e o técnico de enfermagem, baseados na ausculta dos sinais e sintomas, classificam o usuário através de cores. Utiliza-se como referência o Protocolo de Manchester, norteador na classificação de risco da Prefeitura Municipal de Florianópolis. A figura a seguir representa os passos desde a chegada do cliente na unidade até o seu atendimento, em que é possível observar como esse sistema de classificação ocorre no município de Florianópolis. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 17 Acolhimento de Enfermagem com Classificação de Risco em uma Unidade de Pronto Atendimento CLASSIFICAÇÃO DE RISCO CHEGADA DO CLIENTE EMERGÊNCIA ? NÃO É EMERGÊNCIA? ATENDIMENTO MÉDICO IMEDIATO ACOLHIMENTO SINAIS VITAIS CLASSIFICAÇÃO DE RISCO ENFERMEIRO E/OU MÉDICO RISCO AMARELO RISCO VERDE ATENDIMENTO MÉDICO PRIORIZADO ATENDIMENTO MÉDICO NÃO PRIORIZADO RISCO AZUL ATENDIMENTO MAIOR QUE 120 MIN. Figura 1: Organograma da chegada do paciente até o seu atendimento Fonte: Florianópolis (2013) Significado das cores: a) Vermelho: emergência, atendimento imediato; b) Amarelo: atendimento prioritário sobre os clientes classificados como verdes; c) Verde: sem risco de morte imediato (atendidos após os clientes classificados em vermelho e amarelo); d) Azul: quadro crônico sem sofrimento agudo ou caso social (deverá ser preferencialmente encaminhado para atendimento em Unidade Local de Saúde ou atendido pelo Serviço Social). Se desejar, o cliente poderá ser atendido após os pacientes classificados em Vermelho, Amarelo e Verde. 18 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Michele Elisa Sardá # João Rogério Sanson # Maria Luciana Biondo Silva 3 Sinais e Sintomas Relacionados com Classificação por Cores A classificação por cores tem por objetivo priorizar o atendimento ao cliente no momento da chegada ao serviço; sendo ele classificado conforme critérios e situações mencionados a seguir. A Figura 2 representa esse tipo de atendimento de acordo com a prioridade e o tempo de espera através das cores. Figura 2: Classificação de risco por meio de identificação das cores Fonte: Florianópolis (2013) A classificação de risco realizada pelo profissional enfermeiro através das cores mencionadas anteriormente baseia-se em sinais e sintomas; estes estão relacionados abaixo conforme a prioridade no atendimento: • Vermelho a) Politraumatizado grave – lesão grave de um ou mais órgãos e sistemas; ECG < 12; Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 19 Acolhimento de Enfermagem com Classificação de Risco em uma Unidade de Pronto Atendimento b) Queimaduras com mais de 25% de área de superfície corporal queimada ou com problemas respiratórios; c) Trauma cranioencefálico grave – ECG <12; d) Estado mental alterado ou em coma – ECG <12; história de uso de drogas; e) Comprometimentos da coluna vertebral; f) Desconforto respiratório grave; g) Dor no peito associada à falta de ar e cianose (dor em aperto, facada, agulhada com irradiação para um ou ambos os membros superiores, ombro, região cervical e mandíbula, de início súbito, de forte intensidade acompanhada de sudorese, náuseas e vômitos ou queimação epigástrica, acompanhada de perda de consciência, com história anterior de IAM, angina, embolia pulmonar, aneurisma ou diabetes; qualquer dor torácica com duração superior a 30 minutos, sem melhora com repouso); h) Perfurações no peito, abdome e cabeça; i) Crises convulsivas (inclusive pós-crise); j) Intoxicações exógenas ou tentativas de suicídio com Glasgow abaixo de 12; k) Anafilaxia ou reações alérgicas associadas à insuficiência respiratória; l) Tentativas de suicídio; m)Complicações de diabetes; n) Parada cardiorrespiratória; o) Alterações de sinais vitais em paciente sintomático; p) Pulso > 140 ou < 45; q) PA diastólica < 130 mmHg; r) PA sistólica < 80 mmHg; s) FR >34 ou <10; t) Hemorragias não controláveis; u) Infecções graves – febre, exantema petequial ou púrpura, alteração do nível de consciência. Há muitas condições e sinais perigosos de alerta, que deverão ser levados em consideração, pois podem representar condições em que o paciente poderá piorar repentinamente: 20 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Michele Elisa Sardá # João Rogério Sanson # Maria Luciana Biondo Silva a) Acidentes com veículos motorizados acima de 35 km/h; b) Forças de desaceleração, tais como quedas ou em explosões; c) Perda de consciência, mesmo que momentânea, após acidente; d) Negação violenta das óbvias injúrias graves com pensamentos de fugas e alterações de discurso e, ocasionalmente, com respostas inapropriadas; e) Fraturas da 1ª e da 2ª costela; f) Fraturas da 9ª, da 10ª e da 11ª costela ou mais de três costelas; g) Possível aspiração; h) Possível contusão pulmonar. • Amarelo a) Politraumatizado com Glasgow entre 13 e 15; sem alterações de sinais vitais; b) Cefaleia intensa de início súbito ou rapidamente progressiva, acompanhada de sinais ou sintomas neurológicos, paraestesias, alterações do campo visual, dislalia, afasia; c) Trauma cranioencefálico leve (ECG entre 13 e 15); d) Diminuição do nível de consciência; e) Alteração aguda de comportamento – agitação, letargia ou confusão mental; f) História de convulsão/pós-ictal – convulsão nas últimas 24 horas; g) Dor torácica intensa; h) Antecedentes com problemas respiratórios, cardiovasculares e metabólicos (diabetes); i) Crise asmática; j) Diabético apresentando sudorese, alteração do estado mental, visão turva, febre, vômitos, taquipneia, taquicardia; k) Desmaios; l) Estados de pânico, overdose; m)Alterações de sinais vitais em paciente sintomático; • FC < 50 ou > 140; • PA sistólica < 90 ou > 240; • PA diastólica > 130; Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 21 Acolhimento de Enfermagem com Classificação de Risco em uma Unidade de Pronto Atendimento • T < 35 ou 40; n) História recente de melena ou hematêmese ou enterorragia com PA sistólica, 100 ou FC > 120; o) Epistaxe com alteração de sinais vitais; p) Dor abdominal intensa com náuseas e vômitos, sudorese, com alteração de sinais vitais; (taquicardia ou bradicardia, hipertensão ou hipotensão, febre); q) Sangramento vaginal com dor abdominal e alteração de sinais vitais e gravidez confirmada ou suspeita; r) Náuseas/vômitos e diarreia persistente com sinais de desidratação grave – letargia, mucosas ressecadas, turgor pastoso, alteração de sinais vitais; s) Desmaios; t) Febre alta ( 39/40 º C); u) Fraturas anguladas e luxações com comprometimento neurovascular ou dor intensa; v) Intoxicação exógena sem alteração de sinais vitais, Glasgow de 15; w)Vítimas de abuso sexual; x) Imunodeprimidos com febre. • Verde a) Idade superior a 60 anos; b) Gestantes; c) Clientes escoltados; d) Deficientes físicos; e) Retornos com período inferior a 24 horas devido à não melhora do quadro; f) Impossibilidade de ambulação; g) Asma fora de crise; h) Enxaqueca – pacientes com diagnóstico anterior de enxaqueca; i) Dor de ouvido moderada a grave; j) Dor abdominal sem alteração de sinais vitais; k) Sangramento vaginal sem dor abdominal ou com dor abdominal leve; l) Vômitos e diarreia sem sinais de desidratação; 22 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Michele Elisa Sardá # João Rogério Sanson # Maria Luciana Biondo Silva m)História de convulsão sem alteração de consciência; n) Lombalgia intensa. • Azul a) Queixas crônicas sem alterações agudas; b) Solicitações como: trocas ou requisições de receitas médicas, avaliação de resultados de exames, solicitações de atestados médicos. 4 Considerações Finais José Galvão Alves (2007) define o setor de emergência como um local idealizado para o atendimento de pacientes agudamente doentes. Esse setor nos hospitais públicos do Brasil tem se caracterizado por concentrar um aglomerado de pessoas carentes, em um local inadequado ao mínimo necessário e tendo à frente uma equipe cansada, desmotivada e muitas vezes desesperada. São situações que fazem parte da nossa realidade, em que se utiliza como alternativa para prestar um atendimento organizado o acolhimento de enfermagem com classificação de risco, o que possibilita uma atenção ao cliente em situação grave. Com esse processo, é possível um atendimento conforme a gravidade no estado de saúde do cliente que procura um serviço de emergência. No entanto, é através da equipe de saúde capacitada que se conseguirá um atendimento com qualidade. Portanto, precisa-se de uma equipe preparada técnica e emocionalmente para o convívio com o doente, com famílias aflitas e mesmo com a morte. Referências ALVES, José Galvão. Emergências clínicas. Rio de Janeiro: Rúbio, 2007. BECK, C. L. C; MINUZI, D. O. Acolhimento como proposta de reorganização da assistência à saúde: uma análise bibliográfica. Saúde Santa Maria, Santa Maria, v. 34a, n. 1-2, 2008. BRASIL. Ministério da Saúde. Política nacional de atenção às urgências. 2. ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2004. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 23 Acolhimento de Enfermagem com Classificação de Risco em uma Unidade de Pronto Atendimento ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. Acolhimento nas práticas de produção de saúde. Brasília, 2006. Disponível em: <http://portal.saude.gov. br/portal/arquivos/pdf>. Acesso em: 24 maio 2013. ______. Ministério da Saúde. Terminologia básica em saúde. 2. ed. Brasília: Centro de Documentação do Ministério da Saúde, 1985. ______. Portaria n. 2048/GM, de 5 de novembro de 2002. 2002. Disponível em: <http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2002/Gm/ GM-2048.htm>. Acesso em: 27 maio 2013. FLORIANÓPOLIS. Secretaria Municipal de Saúde. Saiba como funciona o atendimento nas UPAs 24 horas. [2013]. Disponível em: <http://www.pmf. sc.gov.br/entidades/saude/index.php?pagina=notpagina¬i=5113>. Acesso em: 24 maio 2013. GIGLIO-JACQUEMOT, Armelle. Urgências e emergências em saúde: perspectivas de profissionais e usuários. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005. GOMES, M. C. P. A.; PINHEIRO, R. Acolhimento e vínculo: práticas de integralidade na gestão do cuidado em saúde em grandes centros urbanos. Interface – Comunicação, Saúde e Educação, Botucatu, v. 9, agosto, 2005. FIGUEIREDO, Nébia Maria Almeida de.; VIEIRA, Álvaro Alberto de Bittencourt. Emergência: atendimento e cuidados de enfermagem. 4. ed. São Caetano do Sul, SP: Yendis Editora, 2011. SMELTZER, Suzanne C. et al. Brunner & Suddarth: tratado de enfermagem médico-cirúrgica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009. SOUZA, E. C. F. et al. Acesso e acolhimento na atenção básica: uma análise da percepção dos usuários e profissionais de saúde. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 24, Suplemento 1, p. 100-110, 2008. 24 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Análise sobre a Inserção da Especialidade de Estomatologia do Hospital Universitário no Sistema de Regulação de Florianópolis e seus Benefícios na Prática Odontológica Aluna: Nilse Terezinha Rohden1 Orientador: Alexandre Marino Costa2 Tutora: Maria Luciana Biondo Silva3 Resumo Abstract Este estudo analisa a relevância para a prática odontológica da inclusão da especialidade de Estomatologia do Hospital Universitário no Sistema de Regulação de Florianópolis. Os resultados apresentados reforçam a importância da descrição ampla dos dados colhidos nos exames clínicos e complementares para o diagnóstico inicial e monitoramento dos pacientes faltosos. Conclui-se que a inclusão dessa especialidade no sistema de regulação coopera para a divulgação dos serviços de Estomatologia, promovendo discussões sobre o tema. Os dados analisados confirmam a dificuldade dos profissionais da rede básica de saúde em descrever, com detalhes, o problema encontrado. O sistema permite orientá-los quanto às descrições clínicas adequadas, instrumentalizando o regulador e auxiliando-o a abreviar a espera do paciente. This study examines the relevance to dental practice, the inclusion of the specialty of Stomatology of the University Hospital in Regulation System of Florianópolis. The presented results reinforce the importance of broad description of the data collected in clinical and complementary exams for early diagnosis and monitoring of patients defaulting. We conclude that the inclusion of this specialty in the regulatory system cooperates to advertise the services of Stomatology, promoting discussions on the topic. The analyzed data confirm the difficulty of professionals in primary health care in describing, in detail, the problem found The system can advise them on the appropriate clinical descriptions, equipping the regulator and assisting you to shorten patient waiting. Palavras-chave: Estomatologia. Sistema de Regulação. Odontologia. 1 Key words: Stomatology. Regulation System. Dentistry. Especialista em Endodontia pela Escola de Aperfeiçoamento Profissional – ABO/SC. E-mail: [email protected]. 2 Doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2004). E-mail: [email protected]. 3 Graduada em Administração pela Universidade do Vale do Itajaí (2000). Especialista (Lato Sensu) em Gestão de Pessoas nas Organizações pela Universidade Federal de Santa Catarina (2011). E-mail: [email protected]. Análise sobre a Inserção da Especialidade de Estomatologia do Hospital Universitário no Sistema de Regulação de Florianópolis e seus Benefícios na Prática Odontológica 1 Introdução Embora o Ministério da Saúde tenha sido criado em 1953, desde 1808 a saúde pública brasileira já se encontrava formalmente estruturada. Nas décadas de 1970 e 1980, a atenção à saúde vivenciou o movimento da Reforma Sanitária, que teve como grande conquista inserções na Constituição Federal de 1988 que estabeleceram a saúde como direito do cidadão e dever do Estado, o qual, para tanto, criou o Sistema Único de Saúde (SUS). Em 1990, a Lei n. 8.080 regulamentou as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, organização e funcionamento dos serviços correspondentes. (BRASIL, 1990b) A assistência odontológica é uma das vertentes da atenção à saúde e tem na Estomatologia um dos principais pilares da promoção da saúde bucal, uma vez que o seu campo de estudo é a prevenção, diagnostico e tratamento de todas as doenças que se manifestam na cavidade da boca e no complexo maxilomandibular. Cabe também à Estomatologia a observação de manifestações bucais que possam estar relacionadas a doenças sistêmicas, bem como fazer o devido encaminhamento ao médico de eleição. Em 1992, o Conselho Federal de Odontologia (CFO) reconheceu a importância da Estomatologia e a oficializou como uma importante especialidade odontológica. (BRASIL, 2004) Apesar de sua importância, a Estomatologia ainda é pouco divulgada entre a própria classe odontológica, haja vista a dificuldade que profissionais tanto da rede pública quanto privada ainda encontram para efetivar os devidos encaminhamentos, ora por desconhecerem os trâmites ou até o próprio fluxo, ora por não saberem da existência desse inestimável trabalho. (BRASIL, 2008a) Todavia, um grande avanço foi a inserção desse serviço em 2010 no SISREG – sistema on-line disponibilizado pelo DATASUS, criado para o gerenciamento do complexo regulatório do SUS, e da rede básica à internação hospitalar, a fim de humanizar os serviços, obter maior controle e otimização do fluxo e otimizar a utilização dos recursos, além de integrar a regulação às áreas de avaliação, controle e auditoria. Em Santa Catarina, o centro de referência em Estomatologia para os municípios de todo o Estado é o Ambulatório de Estomatologia do Hospital Universitário – Universidade Federal de Santa Catarina (HU/UFSC) e tem seu atendimento realizado junto às demais especialidades médicas ofertadas nesse hospital. (BRASIL, 2013) Este estudo propõe-se a analisar os reflexos que a estruturação de um sistema de regulação de referência na especialidade de Estomatologia está 26 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Nilse Terezinha Rohden # Alexandre Marino Costa # Maria Luciana Biondo Silva causando em todos profissionais da saúde envolvidos e a consequente otimização nos tratamentos das afecções bucais especialmente voltados às lesões cancerizáveis que acometem a cavidade bucal e anexos. 2 Revisão de Literatura Para realização desta pesquisa, foi necessário resgatar os conceitos acerca dos temas que possibilitam uma melhor compreensão do objeto deste estudo. Dessa forma, serão apresentados a seguir os seguintes temas: Sistema Único de Saúde, Sistema Nacional de Regulação, Protocolo de Atenção à Saúde Bucal de Florianópolis e Política Nacional de Saúde Bucal, observando, nesse último, o acesso aos serviços odontológicos especializados, a definição dos serviços de estomatologia e os centros de referência em serviços odontológicos. 2.1 Sistema Único de Saúde SUS O Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecido pela Constituição de 1988, é definido como uma nova formulação política e organizacional com O objetivo de reordenar os serviços e ações de saúde. O SUS é considerado um sistema, por abranger um conjunto de unidades, ações e serviços que interagem para um fim comum, tendo em vista a promoção, proteção e recuperação da saúde. (BRASIL, 1990a) Em 1990, o direito à saúde foi estabelecido pela Lei n. 8.080 – a Lei Orgânica da Saúde – que reconhece a existência de fatores determinantes da saúde e outras condições para sua promoção e recuperação, entre elas a organização e o funcionamento dos sistemas de saúde. Os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde também foram definidos: universalidade, equidade e integralidade. A universalidade garante, a todos os cidadãos, acesso ao sistema, tendo em vista a saúde como direito de todos e dever do Estado. A equidade assegura, de acordo com a complexidade de cada caso, ações e serviços em saúde, com o objetivo de reduzir as disparidades sociais e regionais; e, por fim, a integralidade reconhece cada pessoa como um ser indivisível, o qual deve ser atendido como tal, por um sistema também integral. (BRASIL, 1990b) A organização do SUS é regida pelos princípios da regionalização e hierarquização, resolubilidade, descentralização, participação dos cidadãos e complementação do setor privado. A regionalização e a hierarquização Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 27 Análise sobre a Inserção da Especialidade de Estomatologia do Hospital Universitário no Sistema de Regulação de Florianópolis e seus Benefícios na Prática Odontológica afirmam que o sistema deve ser organizado em níveis crescentes de complexidade, numa área geográfica delimitada e com a definição da população a ser atendida; isso permite um maior conhecimento dos problemas de saúde de uma determinada população, favorecendo, assim, a vigilância, a educação e a atenção em saúde. A resolubilidade exige que o serviço, em seu nível de competência, esteja capacitado para enfrentar e resolver os problemas que a população necessite. A descentralização é a redistribuição das responsabilidades de saúde entre as três esferas de governo (municipal, estadual e federal), sendo os municípios os maiores responsáveis pelas ações de promoção de saúde, o que se denomina municipalização da saúde. A participação dos cidadãos é a garantia de que os usuários do sistema atuem, em todos os níveis de complexidade, na formulação e controle das políticas de saúde. Já a complementaridade do setor privado é a contratação do setor privado quando o setor público for insuficiente para resolver determinado problema, seguindo, todavia, os mesmos princípios doutrinários e organizacionais do sistema. (BRASIL, 1990a) Com a ampliação do Sistema Único de Saúde, o Ministério da Saúde tem apoiado a implementação de uma política de educação para o SUS, buscando uma efetiva aproximação entre o sistema público de saúde e o sistema formador, juntamente com propostas de mudança na formação dos profissionais da saúde orientadas pelas novas diretrizes curriculares. (BRASIL, 2006b) Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em 1990, os cursos de graduação em odontologia passaram a buscar, para o formando, o perfil de um profissional generalista, humanista, crítico e reflexivo, que atue em todos os níveis de atenção em saúde. Tal lei destaca a importância do desenvolvimento de habilidades mais abrangentes que possibilitem a observação e identificação das afecções bucomaxilofaciais mais prevalentes, que, associadas ao raciocínio lógico e a uma análise crítica, permitam a e execução de planos terapêuticos adequados. (BRASIL, 2008b) Assim, as universidades devem buscar adequar seus acadêmicos e futuros profissionais a uma realidade voltada para o social, desenvolvendo atividades de ensino-aprendizagem vinculadas ao SUS, preparando o acadêmico para o desenvolvimento de atividades em equipes interdisciplinares e multidisciplinares e direcionando pesquisas para áreas que venham a render frutos à comunidade. Devem ser articuladas redes de aprendizado que abranjam a academia e os serviços, para alcançar o objetivo de atender às demandas 28 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Nilse Terezinha Rohden # Alexandre Marino Costa # Maria Luciana Biondo Silva prementes e melhorar a assistência à saúde da população, mediante maior capacitação dos profissionais. (SOUZA, 2010) Atualmente, observam-se sinais de mudança no panorama do trabalho odontológico, destacando-se a redução do exercício liberal estrito, a popularização dos sistemas de odontologia de grupo, e o aumento do percentual de profissionais com vínculo público, sobretudo com o crescimento expressivo dos postos de trabalho na rede pública de serviços de odontologia. A inclusão do cirurgião-dentista no Programa Saúde da Família (PSF) e o surgimento dos Centros de Especialidades Odontológicas (CEO) na rede do SUS têm grande impacto nesses números. A integralidade norteia a formação de um profissional mais justo, ético, humano, independentemente do mercado de trabalho em que ingressará, se público ou privado. Diante desse novo panorama, é natural o questionamento quanto ao papel das universidades em desenvolver nos acadêmicos de odontologia habilidades e competências para descrever lesões bucais. A capacidade de detectar essas lesões, assim como de comunicar-se com outros profissionais no encaminhamento dos pacientes para diagnóstico e tratamento, são habilidades desejáveis aos egressos dos cursos de graduação em odontologia. (BRASIL, 2008a) 2.2 Apresentação do Serviço Nacional de Regulação (SISREG) O Serviço Nacional de Regulação (SISREG) é um sistema de informação gerencial do Ministério da Saúde que funciona on-line em computadores conectados à internet. Esse aplicativo foi desenvolvido para o gerenciamento de todo o Complexo Regulatório dos serviços de saúde do SUS, desde as ações da rede básica aos serviços de internação hospitalar, visando garantir a humanização durante o atendimento ao usuário, bem como a organização do acesso aos serviços e o controle adequado do fluxo para a otimização dos recursos disponíveis. Com o fluxo de usuários nos diferentes níveis do sistema, gera-se uma demanda por serviços de saúde, e a população deve ter acesso aos serviços de forma adequada, de acordo com a complexidade de que necessita. Assim, chama-se de regulação do acesso à assistência, ou regulação assistencial, o conjunto de relações, saberes, tecnologias e ações que intermedeiam essa demanda. (BRASIL, 2006a) Por sua vez, a ação regulatória envolve [...] o processo de operacionalização, monitoramento e avaliação da solicitação de procedimentos, realizada por um profissional de saúde, sendo Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 29 Análise sobre a Inserção da Especialidade de Estomatologia do Hospital Universitário no Sistema de Regulação de Florianópolis e seus Benefícios na Prática Odontológica observado, além das questões clínicas, o cumprimento de protocolos estabelecidos para disponibilizar a alternativa assistencial mais adequada a cada caso. (BRASIL, 2006c, p. 17) Com a Central Nacional de Regulação da Alta Complexidade (CNRAC), a regulação tem sua abrangência ampliada aos procedimentos de alta complexidade. Seu objetivo principal é regular o fluxo da referência interestadual de pacientes que necessitam de assistência hospitalar de alta complexidade, em caráter eletivo — desde que haja ausência ou insuficiência avaliada e comprovada de oferta de serviços em seu estado de residência —, garantindo o acesso aos procedimentos realizados e contemplados pela CNRAC e o seu financiamento extrateto. O nível primário do sistema deve ser a porta de entrada dos usuários, para atender e resolver os principais problemas de saúde. Os demais problemas deverão ser referenciados para os níveis secundário e terciário de atenção (BRASIL, 1990a). Denomina-se referência o trânsito do nível de menor para o de maior complexidade. Em contrapartida, a contrarreferência compreende o trânsito do nível de maior para o de menor grau de complexidade. Esse trânsito é considerado fundamental para a efetivação dos princípios do SUS, em especial a integralidade. (SILVA, 2013) Devido à oferta insuficiente de serviços de saúde de maior complexidade para suprir a demanda da população, o governo federal publicou a Portaria/GM n. 399, de 22 de fevereiro de 2006, que estabelece a regulação da oferta como uma estratégia gerencial da organização dos serviços. Dois anos depois é instituída a Política Nacional de Regulação do SUS através da Portaria n. 1.559, de 1 de agosto de 2008, estruturada em torno de três eixos fundamentais: recursos financeiros suficientes para implantação e custeio dos Complexos Reguladores; instrumentos para sua operacionalização; e capacitação permanente dos colaboradores. (BRASIL, 2006c) O Complexo Regulador instituído pela Política Nacional de Regulação do SUS é composto por Centrais de Regulação que atuam em três níveis de gestão da regulação da oferta de serviços, do nível primário ao terciário. Para operacionalização das Centrais de Regulação, o Ministério da Saúde desenvolveu um aplicativo via web denominado Sistema de Regulação (SISREG), informatizando assim o Complexo Regulador. Tal inovação tecnológica tem favorecido substancialmente a consolidação dos conceitos de referência e 30 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Nilse Terezinha Rohden # Alexandre Marino Costa # Maria Luciana Biondo Silva contrarreferência em saúde, que são diretrizes da organização da oferta de serviços da rede de atenção à saúde. (BRASIL, 2006c) Silva (2013) afirmou que o nível secundário de atenção (média complexidade) requer uma estrutura robusta para efetivar a regulação. A média complexidade tem a característica de lidar com um grande volume de pacientes, e, em vários casos, é gerado, nesse nível de assistência, um grande volume de demanda reprimida, necessitando de estudos e ações que impactem diretamente nessa situação. A rede de serviços oferecida pelo SUS é organizada em três níveis de complexidade crescente. O nível primário de atenção, ou baixa complexidade, compreende ações de promoção e proteção da saúde, prevenção de agravos, diagnóstico, tratamento, e reabilitação e manutenção da saúde dos indivíduos. O nível secundário de atenção, ou média complexidade, compreende um conjunto de ações e serviços ambulatoriais e hospitalares que visam atender os principais problemas de saúde da população, cuja prática clínica demande a disponibilidade de profissionais especializados e a utilização de recursos tecnológicos de apoio diagnóstico e terapêutico e não justifique a sua oferta em todos os municípios do país. (BRASIL, 2002) Na odontologia, o nível secundário é representado particularmente pelos Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs), e as especialidades oferecidas são: estomatologia (serviço especializado para diagnóstico de lesões de boca, com ênfase em câncer bucal), endodontia, periodontia, cirurgia e traumatologia bucomaxilofacial, prótese dentária e atendimento a portadores de necessidades especiais. O nível terciário de atenção, ou alta complexidade, envolve alta tecnologia e alto custo, objetivando propiciar à população acesso a serviços qualificados, integrando-os aos demais níveis de atenção à saúde. (BRASIL, 2008a) 2.3 Protocolo de Atenção à Saúde Bucal de Florianópolis/SC Com a adesão ao Pacto pela Saúde, ocorrida em julho de 2007, o município de Florianópolis passou a assumir gradativamente os serviços de média e alta complexidade com seus próprios protocolos de acesso via SISREG, expressamente delineados. Eles são compostos pela definição das unidades solicitantes e unidades executantes, estando subdivididos em marcação de consultas e exames; definição do fluxo de acesso para a regulação; organiza- Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 31 Análise sobre a Inserção da Especialidade de Estomatologia do Hospital Universitário no Sistema de Regulação de Florianópolis e seus Benefícios na Prática Odontológica ção dos protocolos clínicos de acesso aos exames e consultas especializados. (FLORIANÓPOLIS, 2013) Caberá ao cirurgião-dentista assistente do usuário o preenchimento da justificativa clínica e hipótese diagnóstica na requisição de exames e encaminhamentos de consultas especializadas, para que a Unidade Básica de Saúde possa ordenar o acesso de seus usuários, classificando-os adequadamente como rotina, prioridade ou urgência. As solicitações registradas no sistema devem conter ainda o nome do profissional que fez o encaminhamento e seu número de registro no CRO. (FLORIANÓPOLIS, 2011) O marcador responsável pela inclusão dos pacientes na regulação deverá limitar-se a transcrever os dados descritos no encaminhamento/requisição de exames. Os encaminhamentos dos pacientes para a regulação deverão ser acompanhados diariamente, através do SISREG, pelos centros de saúde, cabendo a eles avisar aos pacientes quando as consultas forem agendadas; reenviar ao regulador as solicitações devolvidas; cancelar as solicitações quando indicadas pelo regulador; e solicitar orientações quando necessárias. O centro de saúde (unidade solicitante) é responsável pela impressão da marcação e entrega aos pacientes. Os encaminhamentos dos cirurgiões-dentistas da atenção básica estão entre os procedimentos cem por cento regulados e devem, necessariamente, seguir o protocolo municipal de saúde bucal, elaborado de acordo com as diretrizes do protocolo nacional de saúde bucal. (BRASIL, 2008b) Nesse contexto, temos a inclusão da especialidade odontológica de estomatologia como nossa única referência desse serviço, que era pouco conhecido da comunidade e tinha seus agendamentos efetuados de maneira informal. Criou-se uma forma oficial e sistematizada de atendimento. O processo de inserção da estomatologia passa por um olhar especial e leva a uma análise da eficiência do SISREG. Tem-se aqui, por parte dos profissionais envolvidos, uma identificação total com as diretrizes e objetivos do programa, numa troca constante e rica que enobrece o trabalho em conjunto e tem como objetivo e resultado final a otimização dos serviços e o consequente bem-estar do fragilizado paciente. Avaliar a importância da inclusão dos serviços de estomatologia ofertados pela equipe de especialistas do HU aos usuários do SUS é a proposta deste estudo, e suas conclusões certamente serão devidamente consideradas no âmbito dos serviços do SISREG. 32 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Nilse Terezinha Rohden # Alexandre Marino Costa # Maria Luciana Biondo Silva 2.4 Política Nacional de Saúde Bucal: acesso aos serviços odontológicos especializados O documento Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal aponta para uma reorganização da atenção em saúde bucal em todos os níveis de atenção e para o desenvolvimento de ações intersetoriais, tendo o conceito do cuidado como eixo de reorientação do modelo, respondendo a uma concepção de saúde não centrada somente na assistência aos doentes, mas, sobretudo, na promoção da boa qualidade de vida e intervenção nos fatores que a colocam em risco.(BRASIL, 2004) A Política Nacional de Saúde Bucal (PNSB), publicada em 2004, buscou viabilizar a oferta da atenção secundária por meio dos Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs). Os CEOs são estabelecimentos especializados em saúde bucal, participantes do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), e ofertam, minimamente, os serviços de diagnóstico bucal com ênfase no diagnóstico do câncer de boca, periodontia especializada, cirurgia oral menor dos tecidos moles e duros, endodontia e atendimento a pessoas com necessidades especiais. Os encaminhamentos aos centros especializados são efetuados pelos profissionais da atenção básica, após os primeiros atendimentos ao paciente. A regulação baseia-se na garantia de critérios de acesso identificados de forma pública, incluídos na rede assistencial, em função da análise de risco e das necessidades do usuário, com a efetivação de protocolos de referência e contrarreferência, resolução da urgência e emergência, provendo o acesso à estrutura hospitalar quando necessário. (BRASIL, 2004) Neste estudo, entre a demanda e a oferta de consultas especializadas em odontologia, administradas pelo Complexo Regulador de Florianópolis, consideram-se apenas os encaminhamentos feitos à especialidade de estomatologia, que tem seus serviços efetuados no ambulatório do HU. 2.5 Definição dos Serviços de Estomatologia Disciplina aprovada, regulamentada e reconhecida pelo Conselho Federal de Odontologia em 1992, a Estomatologia é uma especialidade da odontologia que engloba o diagnóstico, tratamento e a prevenção das doenças de boca. É no seu âmbito que se procede o diagnóstico de doenças através de biópsias, bem como cirurgias para remoção de lesões benignas e diagnóstico diferencial de tumores malignos. Para realizar o seu trabalho, o estomatologista atua em conjunto com profissionais de áreas afins, tais como: cirurgia bucomaxilofacial, Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 33 Análise sobre a Inserção da Especialidade de Estomatologia do Hospital Universitário no Sistema de Regulação de Florianópolis e seus Benefícios na Prática Odontológica otorrinolaringologia, dermatologia, cirurgia de cabeça e pescoço, radiologia, oncologia, infectologia, anestesiologia, clínica geral, fonoaudiologia, nutrição e outras. (BRASIL, 2008a) O câncer de boca é uma denominação que inclui os cânceres de lábio e de cavidade oral (mucosa bucal, gengivas, palato duro, língua oral e assoalho de boca). O câncer de lábio é mais frequente em pessoas brancas e registra maior ocorrência no lábio inferior do que no superior. O câncer em outras regiões da boca acomete principalmente tabagistas, e os riscos aumentam quando o tabagista é também alcoólatra. Se não for detectado de maneira precoce, o câncer bucal pode exigir tratamentos que vão da cirurgia (para a sua remoção) à radioterapia ou quimioterapia. Esse câncer pode ser fatal, com uma taxa de sobrevivência de cinco anos de 50%. Uma das razões pelas quais esse prognóstico é tão negativo é o fato de os primeiros sintomas não serem reconhecidos logo. O diagnóstico precoce é fundamental para o sucesso do tratamento. (BRASIL, 2004) Para o Instituto Nacional do Câncer (INCA), a vigilância é um dos principais componentes do planejamento e monitoramento de programas de controle de câncer, e um sistema vigilante bem estruturado oferece informações importantes sobre a magnitude e o impacto da doença, bem como sobre os efeitos das medidas de prevenção. Quanto mais fidedignas forem essas informações, melhor será a leitura da distribuição de incidência e mortalidade da doença, melhorando a compreensão de seus determinantes e possibilitando estabelecer hipóteses de nexos causais. Um extenso trabalho de controle, prevenção, pesquisa e ensino é desenvolvido pelo INCA, maior referência de câncer no Brasil, o que lhe confere condições de protagonizar as diretrizes de abordagem do câncer em todo território nacional. Com o lançamento da Política Nacional de Atenção Oncológica, o governo trabalha no sentido de reconhecer o câncer como um problema de saúde pública, conclamando as secretarias estaduais e municipais de saúde, os centros de pesquisa, as universidades e a sociedade de forma geral para a estruturação e realização de ações de controle da doença por meio da Rede de Atenção Oncológica. (BRASIL, 2008a) 2.6 Centros de Referência dos Serviços Odontológicos A Portaria n. 74/GM, de 20 de janeiro de 2004, “[...] indica a necessidade de suporte por uma rede especializada de serviços odontológicos especializados [...]” (BRASIL, 2006d), e a Portaria n. 599/GM, de 23 de março de 34 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Nilse Terezinha Rohden # Alexandre Marino Costa # Maria Luciana Biondo Silva 2006, “Define a implantação de Especialidades Odontológicas (CEOs) e de Laboratórios Regionais de Próteses Dentárias (LRPDs) e estabelece critérios, normas e requisitos para seu credenciamento.” (BRASIL, 2006d) A Prefeitura Municipal de Florianópolis dispõe de dois Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs), localizados junto às policlínicas do Estreito e do Centro, e oferece vagas para tratamento com os especialistas em bucomaxilofacial, que também executam, entre outros procedimentos, biópsias da região bucal. Cada Centro de Especialidade Odontológica (CEO) tem atualmente em seu quadro um cirurgião-dentista bucomaxilofacial que executa cirurgia de amplitude maior que a rotina das Unidades Básicas de Saúde comporta. Seguindo a normativa da implantação do CEO, essa especialidade, amparada pelo Conselho Federal de Odontologia, tem, nas atribuições inerentes à sua área de atuação, além da realização dos procedimentos cirúrgicos em seus variados graus de complexidade, o tratamento das lesões bucais diversas e, atualmente, delega grande parcela desses tratamentos à especialidade de estomatologia, colaborando, em intercâmbio constante, na realização das cirurgias de maior porte, especialmente nas biópsias. Também colaboram nessas empreitadas cirúrgicas, médicos-cirurgiões de cabeça e pescoço e otorrinolaringologistas. Muito embora não esteja ainda configurado no SISREG como centro de referência, o Laboratório de Patologia Bucal da Faculdade de Odontologia da UFSC é o principal centro de exames anatomopatológicos e histopatológicos utilizado pelos profissionais da saúde do SUS em Santa Catarina para o encaminhamento dos materiais colhidos, pertinentes à cavidade bucal e seus anexos. O cirurgião-dentista especialista em patologia bucal deve ser o profissional indicado para analisar esse material. Um convênio firmado em 2010 com o Imperial Hospital de Caridade também contempla a odontologia, oferecendo os serviços de cirurgião-dentista bucomaxilofacial; porém, por questões burocráticas e de ordem prática, essa oferta se efetivou apenas em 2012 e tem seu alvo nas cirurgias de grande porte, especialmente na implantação de um serviço para cirurgias ortognáticas. Os casos biopsiados também convergem para o Laboratório de Patologia Bucal da UFSC. Em Santa Catarina, o maior centro de referência em estomatologia é o Ambulatório de Estomatologia do HU/UFSC, que realiza seu atendimento junto às demais especialidades médicas do Hospital Universitário. (FLORIANÓPOLIS, 2011) Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 35 Análise sobre a Inserção da Especialidade de Estomatologia do Hospital Universitário no Sistema de Regulação de Florianópolis e seus Benefícios na Prática Odontológica No Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago, vinculado à Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), um grupo interdisciplinar de cirurgiões dentistas presta atendimento especializado emergencial e ambulatorial a pacientes com traumas de face e outras doenças bucais. O setor é referência para todo o Estado de Santa Catarina e um dos poucos a oferecer este tipo de atendimento pelo SUS. A equipe tem atenção especial voltada ao diagnóstico precoce e tratamento do câncer de boca e às vítimas de acidentes com ferimentos graves na face atendendo, também, sequelas de tratamentos oncológicos que necessitem de implantes dentários e enxertos ósseos na face. Em agosto de 2010, numa articulação entre os profissionais do Complexo Regulador de Florianópolis e dessa laboriosa equipe do Ambulatório de Estomatologia do HU, o serviço foi inserido no SISREG como unidade de atendimento secundário. Durante o processo de adaptação ao sistema, verificaram-se dificuldades na determinação das prioridades de atendimento, principalmente pelo fato de muitos pedidos de consulta não fornecerem a descrição clínica adequada das lesões. Além de atender a todos os encaminhamentos feitos a partir das Unidades Locais de Saúde (ULS) dos municípios da Grande Florianópolis, o ambulatório também presta atendimento aos casos mais complexos oriundos das demais regionais de saúde do Estado de SC, incluídas no sistema pela regulação estadual. Quando não há disponibilidade do estomatologista, os especialistas em cirurgia bucomaxilofacial são os profissionais de odontologia eleitos para diagnosticar e prever as lesões bucais e tratá-las, motivo pelo qual são citados neste estudo. Especialidade Unidade executante Abrangência territorial Consulta em bucomaxilofacial CEO UFSC CEO Policlínica Centro CEO Policlínica Continente Hospital Universitário Hospital de Caridade 18ª Regional de Saúde Município de Florianópolis Município de Florianópolis Estado de SC Estado de SC Consulta em estomatologia Hospital Universitário Estado de SC Quadro 1: Especialidades bucomaxilofacial e estomatologia ofertadas e reguladas pelo Complexo Regulador de Florianópolis e Unidades Executantes Fonte: Florianópolis (2013) 36 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Nilse Terezinha Rohden # Alexandre Marino Costa # Maria Luciana Biondo Silva Até o presente momento, apenas o CEO da UFSC tem pactuado o número de atendimento por município da 18ª Regional de Saúde. As solicitações provenientes das demais regionais de saúde do Estado de Santa Catarina têm sua primeira regulação efetuada pelo Complexo Regulador do Estado de SC, que transfere para a regulação de Florianópolis apenas a demanda que não encontra oferta de serviços em outras regionais de saúde e necessita dos trabalhos de especialistas que atuam no Hospital Universitário. 3 Metodologia Jacobsen (2011) orienta que uma análise feita a partir dos relatórios gerados pelo Sistema de Regulação (SISREG) é um estudo quantitativo, descritivo e exploratório transversal. Os dados computados referem-se às agendas de estomatologia, cem por cento reguladas, desde o início de sua adesão ao SISREG, em agosto de 2010, até 30 de setembro de 2012, através do site <http://sisregiii.saude.gov.br>. Suspeita-se que os dados concernentes ao início do programa SISREG não representem uma leitura da real demanda desses serviços no SUS, pois a oferta da especialidade de estomatologia ainda é pouco divulgada. O objetivo é avaliar, a posteriori, a adesão dos profissionais aos encaminhamentos através do sistema, a divulgação desses serviços disponibilizados pelo SUS, assim como divulgar e suscitar discussões sobre o assunto. Estão sendo analisadas, nesta pesquisa, apenas as solicitações pertinentes à estomatologia, não se diferenciando os pedidos para a alta complexidade, pois casos que demandam tratamentos cirúrgicos em ambiente hospitalar são automaticamente triados e organizados em uma agenda interna, a qual ainda não tem ainda organização no sistema, uma vez que envolve profissionais de escalas diferentes e não está no âmbito deste nosso estudo. Apenas as solicitações de primeira consulta foram incluídas nesta análise; porém, considerando a gravidade de muitos casos, grande parte dos pacientes faltantes foi rastreada e reinserida no sistema como primeira consulta. A coleta dos dados foi feita através do acesso ao site do Sistema Nacional de Regulação (SISREG III), um sistema de informação do Ministério da Saúde, nas opções relatório de produção ambulatorial, unidade executante e procedimento, obtendo-se os dados referentes ao número de serviços especializados regulados e de consultas não comparecidas. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 37 Análise sobre a Inserção da Especialidade de Estomatologia do Hospital Universitário no Sistema de Regulação de Florianópolis e seus Benefícios na Prática Odontológica Na opção consulta ambulatorial devolvida pela regulação, feita mês a mês nas duas especialidades em questão, obtiveram-se as solicitações devolvidas pelo dentista-regulador. Na opção autorização ambulatorial, segundo a especialidade desejada informada, obteve-se o número de solicitações existentes, isto é, o número de pacientes que aguardam atendimento especializado. Os dados computados foram considerados apenas até a data da proposta deste estudo, ou seja, até 30 de setembro de 2012, mesmo que o dia da leitura tenha sido posterior e outros pedidos já tivessem modificado o quadro. As limitações encontradas neste estudo estão, principalmente, nos erros de encaminhamento e refletem a dificuldade com a qual o profissional, seja ele médico ou cirurgião-dentista, se depara na opção de escolha do especialista. A falta de registros anteriores dificulta e limita esta análise. Das solicitações existentes no Ciasc, antigo registro de lista de espera de pacientes, nada pôde ser extraído em relação a nosso estudo. Os dados coletados para este estudo referem-se às solicitações inseridas no SISREG exclusivamente para a especialidade de estomatologia. Os atendimentos de emergência não foram computados. 4 Análise e Apresentação dos Resultados Com a adesão ao Pacto pela Saúde, em 2007, o município de Florianópolis passou a assumir os serviços de média e alta complexidade. O acesso à assistência especializada é feito a partir das unidades básicas de saúde, que agendam os serviços, on-line, pelo SISREG. (FLORIANÓPOLIS, 2013) Para as especialidades odontológicas, o Sistema de Regulação de Florianópolis optou pela regulação total (100%) dos procedimentos. Essa opção teve como base o alto grau de diversidade e dificuldade dos procedimentos solicitados e a pouca oferta desses serviços especializados, objetivando, assim, otimizar os trabalhos. Concorre também para essa decisão o fato de as solicitações não se restringirem, na odontologia, à consulta especializada, mas a procedimentos que demandam diferentes abordagens profissionais e ambientes distintos para serem realizados. Em Santa Catarina, o Ambulatório de Estomatologia do Hospital Universitário é a única referência na especialidade e efetua seu atendimento junto às demais especilidades médicas do Hospital Universitário. Dispõe de uma equipe formada por cirurgiões-dentistas especialistas em estomatolo- 38 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Nilse Terezinha Rohden # Alexandre Marino Costa # Maria Luciana Biondo Silva gia, residentes e graduandos em odontologia. Integra, ainda, esta equipe um residente em cirurgia bucomaxilofacial, especialidade essa que atua em parceria constante com a estomatologia. A equipe conta com suporte técnico de cirurgiões-dentistas especialistas em patologia bucal e com um laboratório instalado nas dependências da Faculdade de Odontologia. 4.1 Atividades Desenvolvidas no Centro de Referência O Ambulatório de Estomatologia do HU atende às solicitações de consultas para diagnóstico, prevenção e tratamento das doenças da cavidade bucal. Entre os procedimentos realizados estão as biópsias, cirurgias para retirada de lesões benignas e diagnóstico diferencial de tumores malignos. Atua em conjunto com profissionais de áreas afins, tais como: cirurgia bucomaxilofacial, otorrinolaringologia, dermatologia, cirurgia de cabeça e pescoço, radiologia, oncologia, infectologia, anestesiologia, clínica geral, fonoaudiologia, nutrição, entre outras, no estabelecimento de diagnóstico de doenças, pois muitas manifestações estomatológicas podem refletir a presença de doenças sistêmicas não específicas da cavidade bucal. A grande ênfase da estomatologia é a prevenção, especialmente das lesões cancerizáveis. Acredita-se que, através da informação e do autoexame, há condições para alertar a população com relação à descoberta precoce de alterações em mucosa bucal e à necessidade de procurar um profissional da área para avaliação, bem como receber orientações sobre fatores predisponentes do câncer bucal, tais como fumo e álcool. (BRASIL, 2008a) Tabela 1: Número de consultas reguladas e absenteísmos em estomatologia, correspondentes ao período de 1 de agosto de 2010 a 30 de setembro de 2012 em Florianópolis Variável Consulta em estomatologia Regulados (n.) (%) Absenteísmo (n.) (%) 540 196 (100) (36,29) Fonte: Brasil (2013) O alto número de absenteísmo reforça a importância da descrição ampla dos dados colhidos nos exames clínicos e complementares. O monitoramento dos pacientes faltosos e com diagnóstico inicial suspeito é de fundamental importância, pois muitos pacientes declinam do atendimento por medo do diagnóstico, e, quando buscam ajuda, o tratamento já pode estar comprometido. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 39 Análise sobre a Inserção da Especialidade de Estomatologia do Hospital Universitário no Sistema de Regulação de Florianópolis e seus Benefícios na Prática Odontológica Tabela 2: Número de solicitações pendentes de consultas em estomatologia em Florianópolis no mês de setembro de 2012 Variável Consulta em estomatologia Solicitações (n.) (%) 102 2,95 Fonte: Brasil (2013) Não obstante o empenho profissional da equipe referenciada em atender prontamente essa demanda, nem sempre se alcança o ideal. Alguns pacientes aguardam tempo maior que o desejável; porém, a equipe não mede esforços para analisar, em sintonia com a regulação, os casos que merecem prioridade, baseados unicamente nas descrições dos profissionais. O regulador deve ter um olhar especial para essa clientela, pois há que se considerar que boa parcela desses agendamentos não pode ter seu atendimento protelado. Na possibilidade de tratar-se de lesões pré-cancerizáveis ou cancerizáveis, o fator tempo pode ser a diferença no tratamento em relação à cura. Tabela 3: Número de consultas especializadas em estomatologia devolvidas pela regulação, correspondentes ao período de 10 de agosto de 2010 a 30 de setembro de 2012 em Florianópolis Variável Consulta em estomatologia Devolvidos (n.) (%) 53 3,48 Fonte: Brasil (2013) Ao regulador cabe a responsabilidade de avaliar com frequência apurada e com o máximo de rigor todos os encaminhamentos. Quando as descrições forem vagas ou insuficientes, cabe ao regulador devolvê-las imediatamente ao profissional solicitante, para que este complemente os dados. Casos de encaminhamentos errados também são devolvidos, com as devidas explicações, pelo regulador. É, também, altamente recomendável que o regulador monitore o absenteísmo e contate a unidade solicitante visando averiguar os reais motivos das faltas. 40 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Nilse Terezinha Rohden # Alexandre Marino Costa # Maria Luciana Biondo Silva 4.2 Benefícios do Sistema de Regulação para a Especialidade de Estomatologia A estomatologia é uma especialidade nova e ainda pouco conhecida que vem ganhando espaço especialmente entre os profissionais de saúde com visão mais ampla sobre as doenças da boca e do complexo maxilomandibular. Muitos pacientes ainda não são adequadamente atendidos, pela falta de esclarecimentos dos profissionais quanto à oferta, pelo SUS, e quanto ao acesso a esses serviços especializados. O olhar clínico capaz de detectar lesões, assim como a capacidade de comunicar-se com outros profissionais no encaminhamento dos pacientes para um correto diagnóstico e tratamento, são habilidades desejáveis a todos os profissionais da saúde, especialmente aos cirurgiões-dentistas. (MELLO; MOYSÉS; CARCERERI, 2011) Muitos pacientes ainda são direcionados aos médicos, cuja agenda trabalha no limite, e a demora nos atendimentos pode tornar-se uma lacuna importante, por protelar o início do tratamento, especialmente em lesões cancerizáveis. Nesse sentido, as solicitações reguladas por um cirurgião-dentista somam na presteza do atendimento pelo especialista mais adequado. (SOUZA, 2010) 5 Considerações Finais Trata-se de uma amostra pequena que traduz significativas dificuldades no serviço de estomatologia, ainda pouco conhecido da população e, até mesmo, entre os profissionais da saúde. Atendimentos deixam de ser prontamente efetuados quando a rede básica de saúde desconhece as ofertas disponíveis. Com a adesão ao Pacto pela Saúde, em julho de 2007, o município de Florianópolis passou a assumir gradativamente os serviços de média e alta complexidade e desenhou seus próprios protocolos de acesso aos serviços, via SISREG. A odontologia entrou nesse programa de forma tímida e se firmou à medida que mais profissionais foram contratados e que novas especialidades odontológicas começaram a ser ofertadas dentro da rede SUS. Atualmente, a odontologia tem expressão importante juntamente com os demais agendamentos do SISREG. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 41 Análise sobre a Inserção da Especialidade de Estomatologia do Hospital Universitário no Sistema de Regulação de Florianópolis e seus Benefícios na Prática Odontológica A inclusão no Sistema de Regulação coopera com a divulgação desses serviços nos meios interessados, repercutindo, divulgando e promovendo discussões sobre o tema. Nesta análise de dados, podemos colher informações que levem a repensar formas de facilitar aos profissionais da rede pública de Santa Catarina o acesso à educação profissional permanente. Resultados concretos já podem ser colhidos com discussões sobre como orientar melhor os profissionais da rede básica quanto às descrições clínicas adequadas, instrumentalizando melhor o regulador e auxiliando-o a abreviar a espera do paciente. A Prefeitura Municipal de Florianópolis, dentro de sua rotina em educação continuada, já promoveu cursos, ministrados pelos professores de estomatologia da UFSC, e continua em estreita ligação com profissionais da rede básica, numa troca constante de experiência e saberes. Os dados analisados confirmam as dificuldades que os profissionais encontram para descrever com detalhes o problema encontrado. Os profissionais solicitantes têm respaldo concreto no SISREG, pois toda solicitação pode ser rastreada e monitorada, e a figura do regulador torna-se o elo de comunicação entre os profissionais. Atualmente a Estomatologia tem ocupado um espaço considerável nas discussões de classe. O Conselho Regional de Odontologia de Santa Catarina, valendo-se da já conhecida Semana da Saúde Bucal, que acontece nos meses de outubro, lançou, em 2012, a campanha contra o câncer de boca. Amplamente divulgada na mídia, tal campanha conta com diversas peças publicitárias, como cartazes, anúncios de televisão, camisetas, destacando sempre a importância de a população ficar atenta a essa doença tão séria e tão pouco divulgada. Referências BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de Regulação, Avaliação e Controle de Sistemas. Departamento Nacional de Auditoria do SUS. Curso básico de regulação, controle, avaliação e auditoria do SUS. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2006a. 256 p. (Série A. Normas e Manuais Técnicos). Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/curso_basico_ regulacao.pdf>. Acesso em: 15 maio 2013. 42 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Nilse Terezinha Rohden # Alexandre Marino Costa # Maria Luciana Biondo Silva ______. Ministério da Saúde. Manual do regulador/autorizador SISREG III. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2008d. Disponível em: <http://www. saude.mt.gov.br/arquivo/1485>. Acesso em: 15 maio 2013. ______. Ministério da Saúde. Portaria n. 373, de 27 de fevereiro de 2002. 2002. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2002/ prt0373_27_02_2002.html>. Acesso em: 28 maio 2013. ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2004. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_ brasil_sorridente.pdf>. Acesso em: 15 maio 2013. ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Manual de especialidades em saúde bucal. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2008a. 128 p. (Série A. Normas e Manuais Técnicos). Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_ especialidades_saude_bucal.pdf>. Acesso em: 15 maio 2013. ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde bucal. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2008b. 92 p. (Série A. Normas e Manuais Técnicos) (Cadernos de Atenção Básica, n. 17). Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_bucal.pdf>. Acesso em: 15 maio 2013. ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Regulação, Avaliação e Controle de Sistemas. Diretrizes para a implantação de complexos reguladores. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2006c. 68 p. (Série A. Normas e Manuais Técnicos). Disponível em <http:// bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/DiretrizesImplantComplexosReg2811. pdf>. Acesso em: 15 maio 2013. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 43 Análise sobre a Inserção da Especialidade de Estomatologia do Hospital Universitário no Sistema de Regulação de Florianópolis e seus Benefícios na Prática Odontológica ______. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Departamento de Apoio à Descentralização. Coordenação-Geral de Apoio à Gestão Descentralizada. Diretrizes operacionais dos pactos pela vida, em defesa do SUS e de gestão. 2. ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2006b. 76 p. (Série A. Normas e Manuais Técnicos). Disponível em: <http://www.saude.caop.mp.pr. gov.br/arquivos/File/volume1.pdf>. Acesso em: 15 maio 2013. ______. Ministério da Saúde. Secretaria Nacional de Assistência à Saúde. ABC do SUS: doutrinas e princípios. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 1990a. Disponível em: <http://www.editais.ufu.br/sites/editais.ufu.br/files/Ed_01_2011_ PET_Saude_FAMED_UFU_Texto_abc_sus_doutrinas.pdf>. Acesso em: 15 maio 2013. _______. Portal SISREG. [2013]. Disponível em: <http://portal.saude.gov. br/portal/saude/Gestor/visualizar_texto.cfm?idtxt=26581>. Acesso em: 1 maio 2013. ______. Portaria GM n. 1.559, de 1º de agosto de 2008. 2008c. Disponível em: <http://www.saude.mt.gov.br/upload/legislacao/1559%5B2870-120110-SES-MT%5D.pdf>. Acesso em: 15 maio 2013. ______. Portaria n. 599/GM, de 23 de março de 2006. 2006d. Disponível em: <http://www.brasilsus.com.br/legislacoes/gm/885-599.html>. Acesso em: 28 maio 2013. ______. Presidência da República. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. 1990b. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080. htm>. Acesso em: 15 maio 2013. FLORIANÓPOLIS. Prefeitura Municipal de Florianópolis. Secretaria Municipal de Saúde. Protocolo de acesso: filas de espera: unidades solicitantes: unidades executantes. Florianópolis: SMS, [2013]. Disponível em: <http:// portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/Protocolo_FilaEspera_Florianopolis. pdf>. Acesso em: 7 maio 2013. 44 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Nilse Terezinha Rohden # Alexandre Marino Costa # Maria Luciana Biondo Silva ______. Prefeitura Municipal de Florianópolis. Secretaria Municipal de Saúde. Protocolo de atenção à saúde bucal. Florianópolis: SMS, 2011. JACOBSEN, A. de L. Metodologia do trabalho científico. Florianópolis: Departamento de Ciências da Administração/CSE/UFSC; Fundação Boiteux, 2011. MELLO, A. L. S. F.; MOYSÉS, S. J.; CARCERERI, D. L. Ensino ou Serviço? A Universidade e o Curso de Odontologia na rede de atenção à saúde bucal. O Mundo da Saúde, São Paulo, v. 35, n. 4, p. 364-372, 2011. Disponível em: <http://www.saocamilo-sp.br/pdf/mundo_saude/88/01_EnsinoouServico.pdf>. Acesso em: 7 jun. 2013. SILVA, J. M. B. A gestão do fluxo assistencial regulado no Sistema Único de Saúde. [2013]. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/ saude/profissional/visualizar_texto.cfm?idtxt=24560&janela=2>. Acesso em: 6 maio 2013. SOUZA, A. L. de. Integração ensino-serviço no curso de graduação em odontologia da Universidade Federal de Santa Catarina. 2010. 122 p. Dissertação (Mestrado em Odontologia). Programa de Pós-Graduação em Odontologia, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010. Disponível em: <http://www.tede.ufsc.br/teses/ PODO0362-D.pdf>. Acesso em: 20 maio 2013. SOUZA, M. F. de. A gestão do cuidado odontológico no programa saúde da família no centro de saúde Goiânia–Belo Horizonte. 2010. 34 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização). Curso de Especialização em Atenção Básica em Saúde da Família, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2010. Disponível em: <http://www.nescon. medicina.ufmg.br/biblioteca/imagem/2831.pdf>. Acesso em: 7 junho 2013. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. Relatório Social 2010. 2010. Disponível em: <http://agecom.paginas.ufsc.br/files/2012/05/ RelatorioSocial_UFSC_2010_web.pdf>. Acesso em: 7 junho 2013. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 45 Análise do Processo de Produção da Saúde no Acolhimento Humanizado através da Gestão de Processos: uma revisão bibliográfica Aluna: Rafaela Jaque Marcelino de Abreu1 Orientador: Gilberto de Oliveira Moritz2 Tutora: Maria Luciana Biondo Silva3 Resumo Abstract O acolhimento estabelece uma estratégia que requer mudanças na organização do processo de trabalho em saúde. Este estudo tem por objetivo analisar a contribuição da gestão de processos para a qualidade do trabalho no acolhimento. Foi realizada uma revisão de literatura através de uma pesquisa bibliográfica e documental, com análise qualitativa dos dados. O estudo se inicia com a Política Nacional de Humanização, passando pela evolução do processo de trabalho no acolhimento e encerrando com a interligação entre o processo de trabalho em acolhimento e a questão comportamental. Foi possível concluir que a gestão de processos é uma ferramenta que permite a melhoria contínua da produção de saúde, tendo o enfermeiro um papel de destaque no processo de acolhimento humanizado, pela avaliação e pela realização da classificação de risco. The host establishes a strategy that requires changes in the organization of the work process in health. This study aims to analyze the contribution of management processes for the quality of employment in the host. We performed a literature review through a bibliographical and documentary, with qualitative data analysis. The study begins with the National Humanization Policy, through the progress of work on the reception and ending with the interconnection between the process of working on reception and ending with the connection between the work process and host behavioral issue. It was concluded that the management of processes is a tool that enables continuous improvement of the production of health, the nurse has a role in the process of humanized care, assessment and implementation of risk classification. Key words: Host. Humanization. Nurse. Palavras-chave: Acolhimento. Humaniza- Case management. ção. Enfermeiro. Gestão de processos. 1 Graduação em Enfermagem pela UNIVALI (2008). E-mail: [email protected]. Doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC (2004). E-mail: [email protected]. 3 Graduação em Administração pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI (2000). Especialização (Lato Sensu) em Gestão de Pessoas nas Organizações pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC (2011). E-mail: [email protected]. 2 Rafaela Jaque Marcelino de Abreu # Gilberto de Oliveira Moritz # Maria Luciana Biondo Silva 1 Introdução Os serviços de saúde, diversamente de qualquer outro, têm como item de trabalho o próprio ser humano, o qual é o sujeito principal e a favor do qual se desenvolvem todas as ações em saúde (COSTA; CAMBIRIBA, 2010). “O trabalho em saúde caracteriza-se pelo encontro entre pessoas que trazem um sofrimento ou necessidades de saúde e outras que dispõem de conhecimentos específicos ou instrumentos que podem solucionar o problema apresentado.” (SANTOS, 2010, p. 14) Os indivíduos procuram os serviços de saúde buscando atenção, apoio e resolução de seus problemas. Muitas vezes eles madrugam em filas, esperando vaga de atendimento, que poderão ou não conseguir, o que os remete a situações constrangedoras, pois muitas vezes saem da unidade sem receber a devida atenção, sem ser ouvidos com singularidade e sem receber uma resposta positiva ou um encaminhamento adequado. (CAMPOS, 1997, p. 46) Por conseguinte, o trabalho dos profissionais de saúde nas unidades de pronto atendimento é marcado pela imprevisibilidade e, muitas vezes, desprovido de rotinas, pois a alta demanda força a organização do trabalho com o intuito de suportar a grande procura por atendimento. Ao analisarmos o Sistema Único de Saúde (SUS), percebemos que, apesar de seus importantes avanços e da considerável melhoria em relação ao acesso às ações e aos serviços, a qualidade do atendimento ao usuário ainda é caracterizada como precária, o que se concretiza nas filas de espera, no cuidado desumanizado, na presença de pacientes sendo atendidos nos corredores, entre outras realidades. (GARLET et al., 2009, p. 94) Dentro de Sistema Único de Saúde, desenvolveu-se um sistema chamado Humaniza SUS, o qual tem como objetivo efetivar os princípios do SUS no cotidiano das práticas de atenção e gestão, qualificando a saúde pública no Brasil e incentivando trocas solidárias entre gestores, trabalhadores e usuários, tentando atender cada vez melhor ao usuário. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 47 Análise do Processo de Produção da Saúde no Acolhimento Humanizado através da Gestão de Processos: uma revisão bibliográfica Analisando o acolhimento a partir da identificação de seus pressupostos e dos mecanismos que viabilizam sua implantação e das potencialidades qualificadoras da assistência, pôde-se avaliar sua efetividade enquanto instrumento para a humanização da atenção à saúde. Esse conhecimento possibilita intervir nas relações entre trabalhadores de saúde e usuários e no próprio processo de trabalho, na tentativa de transformar os serviços em espaços resolutivos de construção de sujeitos valorizados, autônomos e criativos. (BECK; MINUZI, 2008, p. 2) [...] o acolhimento assume a condição de reorganizador do processo de trabalho, identificando demandas dos usuários e replanejando o atendimento dos mesmos. Busca ampliar e qualificar o acesso dos usuários, humanizando o atendimento e impulsionando a reorganização do processo de trabalho nas unidades de saúde. Desse modo, o acolhimento é mais do que uma triagem qualificada ou uma escuta interessada, pressupondo um conjunto formado por atividades de escuta, identificação de problemas e intervenções resolutivas para seu enfrentamento. Isso pode possibilitar a ampliação da capacidade da equipe de saúde em responder às demandas dos usuários, reduzindo a centralidade das consultas médicas e melhor utilizando o potencial dos demais trabalhadores de saúde. (FRANCO; BUENO; MERHY, 1999, p. 242) O acolhimento possibilita regular o acesso por meio da oferta de ações e serviços mais adequados, contribuindo para a satisfação do usuário. Portanto, quando o usuário recebe atenção, seja pelo atendimento prestado, pelo vínculo já estabelecido com os trabalhadores ou ainda pela acolhida oferecida, o retorno a esse serviço se dá com maior frequência, pois a qualidade no atendimento está evidenciada. Segundo Matumoto (1998 apud BECK; MINUZI, 2008, p. 2), Assumir uma postura mais solidária e respeitosa para com o outro e valorizar o ser humano são elementos importantes na prática do acolhimento, mas, apesar do benefício que pode trazer para o atendimento em saúde e, conseqüentemente, na qualidade de vida do usuário, [o acolhimento] ainda é pouco utilizado, em algumas instituições, por alguns trabalhadores. 48 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Rafaela Jaque Marcelino de Abreu # Gilberto de Oliveira Moritz # Maria Luciana Biondo Silva Esse acolhimento deve ser iniciado desde a porta do setor de atendimento do SUS, sendo realizado por todos que ali trabalham, voltando o enfermeiro a ser o principal dos atendentes, o qual deverá fazer uma triagem justa e humanizada, focando no real problema de cada indivíduo que busca esse serviço. Este estudo tem por objetivo analisar a contribuição da gestão de processos para a qualidade do processo de trabalho no acolhimento. O estudo se inicia com a Política Nacional de Humanização, passando pela evolução do processo de trabalho no acolhimento e encerrando com a interligação entre o processo de trabalho em acolhimento e a questão comportamental. 2 A Política Nacional de Humanização (Humaniza SUS) e o Processo de Trabalho no Acolhimento Humanizado Segundo Oliveira (2009), para analisar o processo de Acolhimento com Avaliação e Classificação de Risco, é preciso, primeiramente, abordar a Política Nacional de Humanização, também conhecida pela sigla PHN ou por Humaniza SUS. [...] as políticas são critérios e parâmetros orientativos para o processo decisório dos executivos e profissionais de uma empresa. [...] as políticas estabelecidas no planejamento estratégico definem os critérios e os parâmetros de sustentação para a estrutura decisória inerente à administração de processos; e as estratégias estabelecidas pelo planejamento estratégico definem as ações-focos para a aplicação dos processos. (OLIVEIRA, 2009, p. 176) Dessa forma, o primeiro passo para que se promova uma gestão do processo de trabalho é delinear a política pela qual esse processo será direcionado. A Política Nacional de Humanização promove uma mudança não apenas nos processos de produção de saúde, mas também nos processos de suporte, tais como a gestão de materiais, a gestão de recursos humanos, a gestão financeira e toda aquela que influenciar direta ou indiretamente os processos de produção da saúde. A Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS aposta na indissociabilidade entre os modos de produzir saúde e os modos de gerir os processos de trabalho, entre atenção e gestão, Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 49 Análise do Processo de Produção da Saúde no Acolhimento Humanizado através da Gestão de Processos: uma revisão bibliográfica entre clínica e política, entre produção de saúde e produção de subjetividade. Tem por objetivo provocar inovações nas práticas gerenciais e nas práticas de produção de saúde, propondo para os diferentes coletivos/equipes implicados nestas práticas o desafio de superar limites e experimentar novas formas de organização dos serviços e novos modos de produção e circulação de poder. (BRASIL, 2009a, p. 4) Com a implantação da Política Nacional de Humanização, a produção de saúde foi reestruturada. A interligação de processos com o planejamento estratégico macro, do qual advém a política pública de saúde, fica mais evidente na Figura 1. Figura 1: Interligação dos processos da gestão da saúde pública com seu respectivo planejamento estratégico Fonte: Adaptada de Oliveira (2009, p. 177) Como é possível observar na Figura 1, Oliveira (2009) apresenta um esquema de como ocorre a intervenção do planejamento estratégico na administração de processos. A Política Nacional de Humanização, nesse contexto, 50 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Rafaela Jaque Marcelino de Abreu # Gilberto de Oliveira Moritz # Maria Luciana Biondo Silva direciona as estratégias traduzidas em projetos e processos, de forma a atingir os objetivos estabelecidos. O cotidiano dos serviços de saúde, em suas relações com os modos de fazer a atenção e a gestão, é matéria constituinte e, portanto, primordial na construção de processos de formação que busquem enfrentar os desafios da concretização do SUS e de seu princípio de integralidade, alterando as práticas de saúde e dos sujeitos nelas implicados. Nesta direção, vários autores têm sinalizado que as políticas de formação dos profissionais de saúde implicam a apreensão da complexidade que permeia o SUS na atualidade e, deste modo, requerem ações de formação que se engendrem em um processo de construção coletiva com os sujeitos envolvidos. (BRASIL, 2010, p. 15) “A Política de Humanização da Atenção e da Gestão (PNH) é uma iniciativa inovadora no SUS. Criada em 2003, a PNH tem por objetivo qualificar práticas de gestão e de atenção em saúde.” (BRASIL, 2010, p. 6) Na perspectiva da humanização, isso corresponde à produção de novas atitudes por parte de trabalhadores, gestores e usuários, de novas éticas no campo do trabalho, incluindo aí o campo da gestão e das práticas de saúde, superando problemas e desafios do cotidiano do trabalho. Diante disso, a humanização se relaciona com o acolhimento de modo que o usuário seja acolhido de forma correlacionada à bondade, à benevolência e à hospitalidade, voltando ao melhor atendimento individualizado possível a cada usuário, enfatizando seus problemas. A Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS tem como propósitos: a) contagiar trabalhadores, gestores e usuários do SUS com os princípios e as diretrizes da humanização; b) fortalecer iniciativas de humanização existentes; c) desenvolver tecnologias relacionadas e de compartilhamento das práticas de gestão e de atenção; d) aprimorar, ofertar e divulgar estratégias e metodologias de apoio a mudanças sustentáveis dos modelos de atenção e de gestão; e) implementar processos de acompanhamento e avaliação, ressaltando saberes gerados no SUS e experiências coletivas bem-sucedidas. [...] Na prática, os resultados que queremos são: Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 51 Análise do Processo de Produção da Saúde no Acolhimento Humanizado através da Gestão de Processos: uma revisão bibliográfica a) redução de filas e do tempo de espera, com ampliação do acesso; b) atendimento acolhedor e resolutivo baseado em critérios de risco; c) implantação de modelo de atenção com responsabilização e vínculo; d) garantia dos direitos dos usuários; e) valorização do trabalho na saúde; f) gestão participativa nos serviços. (BRASIL, 2013) Com a compreensão da repercussão da Política Nacional de Humanização no processo de produção da saúde, é possível avançar para o estudo do processo de trabalho no acolhimento humanizado. 2.1 O Processo de Trabalho no Acolhimento Humanizado O acolhimento é classificado como ato ou efeito de acolher, que se expressa, em suas várias definições, como uma ação de aproximação, um “estar com” e um “estar perto de”, ou seja, uma atitude de inclusão. (FERREIRA, 1975) Essa atitude implica, por sua vez, estar em relação com algo ou alguém. É exatamente nesse sentido, de ação de “estar com” ou “estar perto de”, que se pode afirmar o acolhimento como uma das diretrizes de maior relevância ética/estética/política da Política Nacional de Humanização do SUS: a) ética no que se refere ao compromisso com o reconhecimento do outro, na atitude de acolhê-lo em suas diferenças, suas dores, suas alegrias, seus modos de viver, sentir e estar na vida; b) estética porque traz para as relações e os encontros do dia-a-dia a invenção de estratégias que contribuem para a dignificação da vida e do viver e, assim, para a construção de nossa própria humanidade; c) política porque implica o compromisso coletivo de envolver-se neste “estar com”, potencializando protagonismos e vida nos diferentes encontros. (BRASIL, 2008, p. 6) Como o acolhimento é um processo de trabalho que produz um serviço, faz-se necessário um resgate do conceito de processo. O processo é a “[...] forma pela qual um conjunto de atividades cria, trabalha e transfere insumos com o objetivo de produzir, com qualidade, um bem ou um serviço.” (CRUZ, 1998 apud PRÉVE, 2012, p. 81) 52 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Rafaela Jaque Marcelino de Abreu # Gilberto de Oliveira Moritz # Maria Luciana Biondo Silva Observa-se que o conceito de Cruz (1998 apud PRÉVE, 2012) acerca do processo informa que o objetivo não consiste apenas em produzir um bem ou um serviço, mas em produzir um bem ou um serviço com qualidade. Esse conceito leva à reflexão do que vem a ser a produção de bens e serviços com qualidade. Os processos possuem pontos “[...] importantes para verificar as oportunidades de melhoria, o conjunto de dados e de informações envolvido e as metas definidas para o aperfeiçoamento de um processo.” (PRÉVE, 2012, p. 86): a) fluxo de valor: refere-se a entradas e saídas e à agregação de algo em suas partes; b) eficácia: grau de aproveitamento que oferece o que o cliente quer; c) eficiência: grau de aproveitamento dos recursos que possibilitam gerar saída desejada e agregar valor ao processo; d) tempo de ciclo: necessário para transformação – entrada/saída, utilizando o menor tempo possível; e) custos: recursos utilizados em um processo. (PRÉVE, 2012, p. 86) Dessa forma, para que o processo de acolhimento tenha como resultado serviços de qualidade, é importante que ele agregue valor; atenda a expectativa do cliente, cujo termo apropriado, no caso da saúde pública, é usuário; tenha um alto grau de aproveitamento dos recursos utilizados, os quais nesse contexto são os profissionais, espaço e tecnologias empregadas (equipamentos, conhecimento e medicamentos); um curto tempo de ciclo; e os menores custos possíveis. Segundo Oliveira (2009, p. 28), [...] administração de processos é o conjunto estruturado e intuitivo das funções de planejamento, organização, direção e avaliação das atividades sequenciais, que apresentam relação lógica entre si, com a finalidade de atender e, preferencialmente, suplantar, com minimização dos conflitos interpessoais, as necessidades e expectativas dos clientes externos e internos das empresas. O processo tradicional de acolhimento, segundo Brasil (2004), consiste em atender aos usuários adotando o critério de ordem de chegada. Para ilustrar melhor como se dá esse processo de acolhimento, é possível apresentar Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 53 Análise do Processo de Produção da Saúde no Acolhimento Humanizado através da Gestão de Processos: uma revisão bibliográfica um exemplo fictício. Partindo da suposição da chegada de quatro usuários, os quais serão denominados A, B, C e D e chegaram nessa ordem ao local de atendimento em saúde, seria atendido primeiramente o usuário A, em seguida o usuário B, depois o usuário C e, por último, o usuário D, pois não há, nesse processo de acolhimento, avaliação do potencial de risco, agravo ou sofrimento. A Figura 2 apresenta a ilustração de como funciona o atendimento no acolhimento tradicional. Figura 2: O atendimento no acolhimento tradicional Fonte: Elaborada pela autora deste artigo Observa-se, na Figura 2, que os usuários são atendidos exatamente na mesma sequência da ordem de chegada. Não é levada em consideração, nesse contexto, a prioridade no atendimento conforme o estado de saúde do usuário. Segundo Brasil (2004, p. 7-8), na [...] definição tradicional de acolhimento, o objetivo principal é o repasse do problema tendo como foco a doença e o procedimento, e não o sujeito e suas necessidades. Desdobra-se daí a questão do acesso aos serviços que, de modo geral, é organizado burocraticamente a partir das filas por ordem de chegada, sem avaliação do potencial de risco, agravo ou grau de sofrimento. Este funcionamento demonstra a lógica perversa na qual grande 54 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Rafaela Jaque Marcelino de Abreu # Gilberto de Oliveira Moritz # Maria Luciana Biondo Silva parte dos serviços de saúde vem se apoiando para o desenvolvimento do trabalho cotidiano. Lógica essa, que tem produzido falta de estímulo dos profissionais, menor qualidade da capacitação técnica pela não inserção do conjunto de profissionais ligados à assistência, e não inclusão dos saberes que os usuários têm sobre sua saúde, seu corpo e seu grau de sofrimento. Acresce-se a isso a não integração de diferentes setores e projetos e a não articulação com a rede de serviços no sistema de encaminhamento de usuários a serviços especializados, tornando o processo de trabalho solitário e fragmentado. O que vemos é que este modo de operar o cotidiano tem produzido sofrimento e baixa na qualidade de vida não só dos usuários, mas também dos profissionais de saúde. Desta forma, um usuário cujo estado de saúde lhe possibilite aguardar para ser atendido, será atendido antes de um usuário que precise de atendimento imediato pelo potencial de risco, agravo ou grau de sofrimento. Analisando a perspectiva de processo, é possível observar que o acolhimento tradicional deixa a desejar, por não proporcionar de forma inteligente um atendimento considerando as necessidades específicas de cada usuário. A Política Nacional de Humanização (PHN) vem de encontro ao acolhimento tradicional, pois defende que o usuário, paciente, seja o protagonista do processo, uma vez que há o entendimento de que o usuário é um ser humano, que precisa de atenção personalizada para o seu estado de saúde específico. Com o objetivo de promover uma maior resolutividade do processo de trabalho, o acolhimento foi revisto, reordenado e reestruturado. A administração de processos é um ato de inteligência, pois corresponde a fazer muito mais, em termos de resultados, com muito menos, em termos de recursos. Ela refere-se à inovação, que é o processo de aplicar criatividade, mas sempre voltada a resultados efetivos. (OLIVEIRA, 2009, p. 158) Para uma melhor concepção do Acolhimento com Avaliação de Risco, é importante que se conheça a descrição desse processo apresentada pelo Ministério da Saúde: [...] o processo de Acolhimento e Classificação de Risco tem início com a procura do usuário ao Pronto Atendimento de saúde. [...] Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 55 Análise do Processo de Produção da Saúde no Acolhimento Humanizado através da Gestão de Processos: uma revisão bibliográfica O usuário ao procurar o Pronto Atendimento deverá direcionar-se à Central de Acolhimento, que terá como objetivos: a) direcionar e organizar o fluxo por meio da identificação das diversas demandas do usuário; b) determinar as áreas de atendimento em nível primário (ortopedia, suturas, consultas); c) acolher pacientes e familiares nas demandas de informações do processo de atendimento, tempo e motivo de espera; d) avaliação primária, baseada no protocolo de situação queixa, encaminhando os casos que necessitam para a Classificação de Risco pelo enfermeiro. Importante destacar que esta avaliação pode se dar por explicitação dos Usuários ou pela observação de quem acolhe, sendo necessário capacitação específica para este fim, não se entende aqui processo de triagem, pois não se produz conduta e sim direcionamento à Classificação de Risco. A Central de Acolhimento tem sua demanda atendida imediatamente sem precisar esperar consulta médica (procura por exames, consultas ambulatoriais, etc.), evitando atendimento médico de forma desnecessária. Após o atendimento inicial, o paciente é encaminhado para o consultório de enfermagem onde a classificação de risco é feita baseada nos seguintes dados: a) situação/queixa/duração (QPD); b) breve histórico (relatado pelo próprio paciente, familiar ou testemunhas); c) uso de medicações; d) verificação de sinais vitais; e) exame físico sumário buscando sinais objetivos; f) verificação da glicemia, eletrocardiograma se necessário. A classificação de risco se dará nos seguintes níveis: a) Vermelho: prioridade zero – emergência, necessidade de atendimento imediato. b) Amarelo: prioridade 1 – urgência, atendimento o mais rápido possível. c) Verdes: prioridade 2 – prioridade não urgente. d) Azuis: prioridade 3 – consultas de baixa complexidade – atendimento de acordo com o horário de chegada. (BRASIL, 2004, p. 25-27) Para uma melhor compreensão do atendimento no Acolhimento com Avaliação e Classificação de Risco, será utilizado o mesmo exemplo que ilustrou o acolhimento tradicional. 56 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Rafaela Jaque Marcelino de Abreu # Gilberto de Oliveira Moritz # Maria Luciana Biondo Silva Partindo da suposição da chegada de quatro usuários, os quais serão denominados A, B, C, D e que chegaram, nessa ordem, ao local de atendimento em saúde, a ordem de atendimento será determinada após a avaliação e classificação de risco do usuário. A Figura 3 apresenta como ficaria, nesse caso, a ordem de atendimento no Acolhimento com Avaliação e Classificação de Risco. Figura 3: O atendimento no acolhimento com avaliação e classificação de risco Fonte: Elaborada pela autora deste artigo Dessa forma se observa que, com base na informação de Brasil (2006), com a avaliação e classificação de risco, foi detectado que o paciente C é um caso de emergência e deve ser atendido imediatamente; por isso a esse usuário foi atribuída a cor vermelha. O usuário B tem urgência de atendimento, o que significa que deve ser atendido o mais rápido possível, e, por esse motivo, foi atribuída a ele a cor amarela. O usuário D não necessita de atendimento urgente, motivo pelo qual ele foi identificado com a cor verde. Por fim, o usuário A, que foi o primeiro a chegar, será o último a ser atendido, pois trata-se de uma consulta de baixa complexidade. Observa-se que houve uma reestruturação do processo de acolhimento visando a uma otimização de seus resultados. É necessário ressaltar que, após a Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 57 Análise do Processo de Produção da Saúde no Acolhimento Humanizado através da Gestão de Processos: uma revisão bibliográfica reestruturação, o processo de acolhimento, agora com avaliação e classificação de risco, está alinhado com a Política Nacional de Humanização, de acordo com o que está declarado em seus propósitos e em seus resultados esperados. Baseando-se em Oliveira (2009), fazendo, assim, uma junção entre teoria de gestão de processo e contexto do acolhimento, é possível afirmar que a mudança realizada no processo de acolhimento advém da Política Nacional de Humanização, que prevê a incorporação de valores na cultura dos serviços de saúde. As ações em saúde devem, portanto, incorporar tais valores. Os profissionais envolvidos também devem assimilar, praticar e propagar esses valores, de modo que eles sejam percebidos pelos que recebem esses serviços. Dessa forma, é interessante analisar a questão comportamental e sua interligação com o processo de produção de saúde no acolhimento. 3 A Questão Comportamental Interligada ao Processo de Acolhimento No que concerne ao processo de trabalho em saúde, Beck e Minuzi (2008) enfatizam a necessidade de cuidar, a humanização, o carinho, a atenção, o respeito e a responsabilidade como tão necessários quanto a assistência técnico-científica. Segundo as autoras, [...] o modo como o usuário é acolhido tende a fortalecer a relação entre trabalhador e usuário, evidenciando a necessidade do preparo dos trabalhadores para lidar com a população assistida, independente da instituição de saúde, na busca da otimização destes serviços. (BECK; MINUZI, 2008, p. 3) Esse vínculo deve se iniciar desde a entrada do usuário no estabelecimento, sendo atendido da melhor forma possível, respeitando os princípios do SUS. (BECK; MINUZI, 2008) Para os serviços em saúde e regastando o que preconiza a Política Nacional de Humanização, o vínculo estabelecido entre usuário e trabalhador é importante. É interessante resgatar, para uma melhor compreensão acerca de como deve ser realizado o atendimento do usuário, alguns princípios do SUS. O modelo de assistência à saúde proposto pelo SUS dita princípios e diretrizes em que o usuário deve ser o protagonista e seu atendimento deve 58 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Rafaela Jaque Marcelino de Abreu # Gilberto de Oliveira Moritz # Maria Luciana Biondo Silva estar baseado nos princípios de acessibilidade, integralidade e resolutividade. Segundo a Cartilha dos Direitos dos Usuários do SUS, para o primeiro princípio, “[...] todo cidadão tem direito a ser atendido com ordem e organização [...]. (BRASIL, 2006, p. 2). Terceiro princípio: todo cidadão tem direito a um tratamento humanizado e sem nenhuma discriminação.” (BRASIL, 2006, p. 4). Em 2009, o Ministério da Saúde, em sua cartilha denominada “Acolhimento e Classificação de Risco nos Serviços de Urgências”, apontou o “[...] acolhimento como postura e prática nas ações de atenção e gestão nas unidades de saúde [...].” (BRASIL, 2009b, p. 7) É importante que a questão comportamental esteja alinhada com o processo de acolhimento, que está alinhado à Política Nacional de Humanização. A questão comportamental influencia o resultado do processo de acolhimento. Pode-se afirmar que é preciso envolver os profissionais que atuam no processo de acolhimento por meio de um comprometimento com o resultado esperado. Uma prestação de serviços em saúde realmente comprometida com a clientela busca a criação de um espaço de atendimento em que o valor do trabalho de quem cuida está correlacionado à possibilidade de estabelecer-se um encontro com aquele que procura atendimento [...] (HAMMAD, 2010, p. 9). [...] de nada servem tantos conceitos, se, na prática concreta dos serviços de saúde, estes não resultam em alterações para a melhoria da qualidade de vida dos usuários e das condições de trabalho dos profissionais de saúde. (GOULART; CHIARI, 2010 apud HAMMAD, 2010, p. 40) A visão de Hammad (2010) vai ao encontro da de Oliveira (2009), que ressalta a importância da interligação dos processos com as questões comportamentais. Oliveira (2009, p. 251, 258) [...] destaca a importância da interligação dos processos para com as questões comportamentais, visto que o comprometimento é o processo interativo em que se consolida a responsabilidade isolada, ou solidária, pelos resultados esperados. [...] uma técnica que auxilia a evolução deste comprometimento é o trabalho realizado através de equipes multidisciplinares. Em seu trabalho sobre o acolhimento nas unidades de pronto atendimento, Giacomozzi (2008) observa o trabalho de equipe multiprofissional e acentua a atuação da equipe de enfermagem: “A ação de acolher, escutar e responder adequadamente a vítima de trauma durante seu atendimento dá Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 59 Análise do Processo de Produção da Saúde no Acolhimento Humanizado através da Gestão de Processos: uma revisão bibliográfica destaque à atuação do profissional e influencia a recuperação do paciente.” (GIACOMOZZI, 2008, p. 10) Dessa forma, acredita-se que a equipe multiprofissional promova o comprometimento com o processo por parte dos profissionais, de forma que eles se responsabilizem pelos resultados esperados. Ao resgatar o que está descrito no processo de acolhimento apresentado pelo Ministério da Saúde e no texto extraído do trabalho de Giacomozzi (2008), verifica-se que o profissional de enfermagem possui grande participação e envolvimento no processo de acolhimento. O acolhimento é atividade de todos os profissionais da equipe de saúde, entretanto tem destaque para a enfermagem, devido às atribuições profissionais, que dispõem maior presença e permanência no atendimento prestado e consequentemente maior aproximação com o usuário [...] (GIACOMOZZI, 2008, p. 10). Nessa perspectiva, ser da equipe de enfermagem significa ter o trabalho centrado no ser humano [...]. (BATISTA; BIANCHI, 2006 apud GIACOMOZZI, 2008, p. 10) Tais constatações levam à reflexão de que o acolhimento precisa ser considerado um instrumento de trabalho que incorpore as relações humanas, apropriado por todos os profissionais em saúde, em todos os setores, em cada sequência de atos e modos que compõem o processo de trabalho, não se limitando ao ato de receber. (SILVEIRA et al., 2013, p. 72) À medida que “[...] aprofundamos a análise sobre as interfaces da humanização e o trabalho da enfermagem e percebemos claramente que são necessárias alterações no mundo do trabalho e no modo atual de se produzir saúde.” (FRACOLLI; BERTOLOZZI, 2003, p. 13) Uma incursão por trabalhos e outros textos permite compreender que o acolhimento tem se efetivado como uma atividade, com hora e objetivo específico a ser alcançado (garantir o acesso dos usuários) e realizado por determinados profissionais, a depender do serviço, em local específico para esse fim, o que exprime a noção reduzida do acolhimento como: “[...] forma de organizar a oferta dos serviços (LEITE et al., 1999; PAIDÉIA, 2001 apud SILVEIRA et al., 2013, p. 72), havendo casos em que até um protocolo de acolhimento foi instituído, visando a esse fim.” (PAIDÉIA, 2002 apud SILVEIRA 60 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Rafaela Jaque Marcelino de Abreu # Gilberto de Oliveira Moritz # Maria Luciana Biondo Silva et al., 2013, p. 72). Já como instrumento de avaliação no critério de riscos às urgências e emergências, o acolhimento tem se traduzido em triagem, baseado em protocolos com modelo americano. Observa-se a necessidade de que os profissionais de saúde em geral, não apenas os que atuam no acolhimento, desenvolvam a habilidade de lidar com pessoas de forma humana e acolhedora. Esse é um dos aspectos comportamentais que podem ser trabalhados através de capacitações. Várias são as dimensões atingidas e afetadas no trauma que passam despercebidas nas discussões entre os profissionais, secretarias e políticas públicas de saúde. Aspectos como a situação financeira, familiar, emocional e individual da vítima (aspectos psicossocioemocionais) representam um importante elemento a ser observado quando se discutem as consequências sociais desse evento, de maneira que não podem ser negligenciadas nas discussões e políticas de combate e redução do trauma. 4 Considerações Finais Ao se fazer uma análise quanto à evolução da qualidade do processo de trabalho, é possível observar que, ao modificar o processo de trabalho do acolhimento, do tradicional para o com avaliação e classificação de risco, houve um aumento do fluxo de valor, pois o processo tem um serviço a mais agregado, a partir do momento em que o paciente já recebe um pré-diagnóstico na avaliação e classificação de risco, um aumento da eficácia, pois o atendimento é mais preciso e atende de forma mais assertiva o anseio do usuário/paciente, os recursos disponíveis no processo são melhor utilizados, o tempo de ciclo se torna menor, pois não se considera somente a ordem de chegada, mas o estado geral de saúde do paciente e se define a prioridade de atendimento com base neste critério; e se acredita existir uma consequente redução dos custos, visto que os recursos disponíveis para o processo são melhor empregados. Observa-se ainda que, no acolhimento tradicional, existe apenas um canal de escoamento por onde passam todos os casos com o critério de atendimento por ordem de chegada. Já no acolhimento com avaliação e classificação de risco, existem quatro canais de escoamento da demanda, um para cada tipo de risco, o que promove a agilidade no escoamento da demanda e resguarda a saúde dos usuários. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 61 Análise do Processo de Produção da Saúde no Acolhimento Humanizado através da Gestão de Processos: uma revisão bibliográfica Observa-se também que, ao se ler a descrição do processo de trabalho no acolhimento, se acredita que o processo de trabalho esteja inteiramente alinhado com o previsto na política nacional de saúde. No entanto, percebe-se, com base nos textos apresentados por meio de citação de outros autores, que a questão comportamental é de grande relevância no processo de Acolhimento com Avaliação e Classificação de Risco, para que ele contemple o disposto na Política Nacional de Humanização. Apesar de existirem ações, como a equipe multidisciplinar, que trabalha a questão do comprometimento, existem outras habilidades que, pelo que foi levantado neste estudo através da leitura de trabalho de outros autores, precisam ser desenvolvidas. A assistência do enfermeiro, necessária no acolhimento aos usuários que procuram o atendimento nas Unidades de Pronto Atendimento, abrange suas necessidades físicas e psicológicas, sociais e emocionais. Deve olhar o processo de humanização e sua relação com as práticas em saúde por um prisma não só individualizado, mas também holístico, envolvendo tudo o que o cerca, desde o mais primordial dos elementos até a total amplitude dos fatos. Para isso, o enfermeiro precisa ter sensibilidade aguçada e visualização globalizada dos fatos na cena que estiver analisando, voltando seus princípios para valores humanizados que garantam total segurança e promovam o restabelecimento físico, mental, moral e psicossocial do indivíduo, proporcionando uma triagem afetiva para uma classificação de risco desses pacientes, proporcionando a eles um melhor entendimento de seu caso e, muitas vezes, trazendo a resolutividade de seus problemas. “O vínculo entre o profissional/paciente estimula a autonomia e a cidadania, promovendo sua participação durante a prestação de serviço.” (CAMPOS, 1997 apud SCHIMITH; LIMA, 2004, p. 1.487). “Ao sentir-se acolhida, a população procura, além dos seus limites geográficos, serviços receptivos e resolutivos.” (RAMOS; LIMA, 2003 apud SCHIMITH; LIMA, 2004, p. 1.487) É possível analisar, através de todos os fatos e conhecimentos relacionados com este artigo, que todos os aspectos abordados pelo SUS na tentativa de humanizar o atendimento da saúde em todas as áreas relacionadas não têm atingido o objetivo necessário para um bom atendimento, o que aponta um paradoxo na evolução do processo de acolhimento; e isso se deve à questão comportamental. Embora muitos esforços estejam sendo empregados, mesmo com todo o empenho, tudo se perde na ampla demanda de serviços estressantes no que se diz respeito ao próprio tipo de trabalho, ou seja, com toda a pressão que a situação de risco à vida e emergência iminente proporciona, 62 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Rafaela Jaque Marcelino de Abreu # Gilberto de Oliveira Moritz # Maria Luciana Biondo Silva quanto pelo número reduzido de profissionais e até mesmo pela falta de material necessário a um atendimento sério e humanizado. Referências BECK, C. L. C.; MINUZI, D. O acolhimento como proposta de reorganização da assistência à saúde: uma análise bibliográfica. Revista Saúde, Santa Maria, v. 34, n. 1-2, p. 37-43, 2008. Disponível em: <http://tinyurl.com/ l3x9o34>. Acesso em: 17 jun. 2013. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. HumanizaSUS: acolhimento com avaliação e classificação de risco: um paradigma ético-estético no fazer em saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2004. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/ publicacoes/acolhimento.pdf>. Acesso em: 15 dez. 2012. ______. Ministério da Saúde. Carta dos direitos dos usuários da saúde: ilustrada. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2006. 12 p. (Série F. Comunicação e Educação em Saúde). Disponível em: <http://conselho.saude.gov.br/ biblioteca/livros/cartaaosusuarios01.pdf>. Acesso em: 19 jun. 2013. ______. Ministério da Saúde. Portal da Saúde. Objetivos do Humaniza SUS. [2013]. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/cidadao/ visualizar_texto.cfm?idtxt=28291>. Acesso em: 1 fev. 2013. ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. Acolhimento nas práticas de produção de saúde. 2. ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2008. (Série B. Textos Básicos de Saúde). Disponível em: <http://tinyurl.com/kxacego>. Acesso em: 17 jun. 2013. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 63 Análise do Processo de Produção da Saúde no Acolhimento Humanizado através da Gestão de Processos: uma revisão bibliográfica ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS. Acolhimento e classificação de risco nos serviços de urgência. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2009b. 56 p. (Série B. Textos Básicos de Saúde). Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/acolhimento_classificaao_risco_ servico_urgencia.pdf>. Acesso em: 19 jun. 2013. ______. Ministério da saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS. Redes de produção de saúde. Brasília, DF: Ministério da saúde, 2009a. 44 p. (Série B. Textos Básicos de Saúde). Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/redes_ producao_saude.pdf>. Acesso em: 17 jun. 2013. ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Humanização. Formação e intervenção. Brasília: Ministério da Saúde, 2010. 242 p. (Série B. Textos Básicos de Saúde) (Cadernos HumanizaSUS, 1) CAMPOS, G. W. S. Considerações sobre a arte e a ciência da mudança: revolução das coisas e reforma das pessoas: o caso da saúde. In: CECÍLIO, L. C. O. (Org.). Inventando a mudança na saúde. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1997. p. 29-87. COSTA, M. A. R.; CAMBIRIBA, M. da S. Acolhimento em enfermagem: a visão do profissional e a expectativa do usuário. Ciência, Cuidado e Saúde, Maringá, v. 9, n. 3, p. 494-502, jul.-set. 2010. Disponível em: <http://tinyurl. com/jwrvuyk>. Acesso em: 13 jun. 2013. FERREIRA, A. B. de H. Novo Dicionário Aurélio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975. FRACOLLI, L. A.; BERTOLOZZI, M. R. A Abordagem do processo saúde-doença das famílias e do coletivo: manual de enfermagem. 2003. Disponível em: <http://www.idssaude.org.br/enfermagem>. Acesso em: 7 set. 2012. 64 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Rafaela Jaque Marcelino de Abreu # Gilberto de Oliveira Moritz # Maria Luciana Biondo Silva FRANCO, T. B.; BUENO, W. S.; MERHY, E. E. O acolhimento e os processos de trabalho em saúde: o caso de Betim, Minas Gerais, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2, p. 345-353, abr.-jun. 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csp/v15n2/0319.pdf>. Acesso em: 13 jun. 2013. GARLET, E. R. et al. Organização do trabalho de uma equipe de saúde no atendimento ao usuário em situações de urgência e emergência. Texto Contexto Enfermagem, Florianópolis, v. 18, n. 2, p. 266-272, abr.-jun. 2009. GIACOMOZZI, L. M. Escala de acolhimento de enfermagem para o trauma. 2008. 90 p. Dissertação (Mestrado em Enfermagem). Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2008. Disponível em: <http://www.ppgenf.ufpr.br/Disserta%C3%A7%C3%A3o LeticiaGiacomozzi.pdf>. Acesso em: 5 jun. 2013. HAMMAD, V. M. A importância do acolhimento como prática no atendimento dos serviços de saúde. 2010. 26 f. Monografia (Especialização em Atenção Básica em Saúde da Família). Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Campos Gerais, 2010. Disponível em: <http://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/imagem/2429. pdf>. Acesso em: 5 jun. 2013. KLOCK, P. et al. Reflexões sobre a política nacional de humanização e suas interfaces no trabalho da enfermagem em instituição hospitalar. Ciência, Cuidado e Saúde, Maringá, v. 5, n. 3, p. 398-406, set.-dez. 2006. Disponível em: <http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/CiencCuidSaude/article/ view/5048/3263>. Acesso em: 5 jun. 2013. LEITE, J. C. A. et al. Acolhimento: reconstrução da prática de enfermagem em unidade básica de saúde. Revista Mineira de Enfermagem, Belo Horizonte, v. 3, n. 1-2, p. 2-6, jan.-dez. 1999. OLIVEIRA, D. P. R. Administração de processos: conceitos, metodologia, práticas. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 65 Análise do Processo de Produção da Saúde no Acolhimento Humanizado através da Gestão de Processos: uma revisão bibliográfica PRÉVE, A. D. Organização, sistemas e métodos. Florianópolis: Departamento de Ciências da Administração/CSE/CAD/UFSC; Fundação Boiteux, 2012. RAMOS, D. D.; LIMA, M. A. D. da S. Acesso e acolhimento aos usuários em uma unidade de saúde de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 19, n. 1, p. 27-34, jan.-fev. 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csp/v19n1/14902.pdf>. Acesso em: 17 jun. 2013. SANTOS, J. L. G. dos. A dimensão gerencial do trabalho do enfermeiro em um serviço hospitalar de emergência. 2010. 135 p. Dissertação (Mestrado em Enfermagem). Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010. Disponível em: <http://tinyurl.com/m87wo2y>. Acesso em: 17 jun. 2013. SCHIMITH, M. D.; LIMA, M. A. D. da S. Acolhimento e vínculo em uma equipe do Programa Saúde da Família. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 6, p. 1.487-1.494, nov.-dez. 2004. SILVA, B. Atendimento da equipe de enfermagem nas emergências. Revista de Enfermagem Brasileira, Florianópolis, v. 39, n. 8, p. 15-18, jul.-ago. 2010. Disponível em: <http://www.revistadeenfermagembrasileira.br/pdf/ v39n8>. Acesso em: 19 dez. 2012. SILVEIRA, M. de F. de A. et al. Acolhimento no programa saúde da família: um caminho para humanização da atenção à saúde. [2013]. Disponível em: <http://luciafreitas.com.br/acolhimento_no_programa_saude_ da_familia.pdf>. Acesso em: 19 jun. 2013. ZANARDO, G. et al. Enfermagem e Humanização. 2009. Disponível em: <www.unicruz.edu.br>. Acesso em: 7 jun. 2013. 66 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Conhecimento das Necessidades Básicas em Saúde e o Agendamento do Atendimento na ESF-02 de Santo Amaro da Imperatriz (SC) Aluna: Renara Prestes Oliveira1 Orientador: Mário de Souza Almeida2 Tutora: Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino3 Resumo Este estudo trata das necessidades básicas em saúde na forma de atendimento e serviços prestados ao usuário, e apresenta-se como proposta de maior resolutividade aos serviços de saúde, a fim de proporcionar acesso igualitário aos usuários de maneira humanizada e promover a qualidade de vida. A pesquisa foi realizada na ESF-02 de Santo Amaro da Imperatriz (SC) com objetivo de analisar as necessidades básicas de atendimento em saúde dos usuários para construção de agenda da ESF-02 adequada ao fluxo da demanda. Foi utilizado o método quantitativo-descritivo aplicado e intervencionista na análise documental da produção diária das consultas médicas. Apresentam-se a constituição da equipe de saúde ESF-02 e também aspectos demográficos da área e suas microáreas e serviços municipais em saúde. Abstract This study is about the basic needs in health care services and the quality of this services given to those who need it. This is a proposition of a improvement in the health care services, creating a equal access to all people, in a human away, preserving the quality of life. The research was made in the ESF-02 of Santo Amaro da Imperatriz and the objective was seek the knowledge of the basic needs of the consumers of the health care services and the schedule of ESF-02, in relation of the flux of patients. The method used was the quantitative, descriptive – applied and interventionist in the analysis of the diary documents of medical services. Also, present the formation of the health care team – ESF 02, and some demografic aspects of the area, and their micro-areas, besides the local services in health assistance. Key words: Basic needs. Schedule. ESF-02. Palavras-chave: Necessidades básicas. Santo Amaro da Imperatriz. Agenda. ESF-02. Santo Amaro da Imperatriz. 1 Aluna do Curso de Especialização em Gestão da Saúde Pública. E-mail: renaraprestes@ gmail.com. 2 Doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2004). E-mail: [email protected]. 3 Mestranda do curso de Administração Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Formação Pedagógica para Atuação em EaD – Unopar. E-mail: mileide. [email protected]. Conhecimento das Necessidades Básicas em Saúde e o Agendamento do Atendimento na ESF-02 de Santo Amaro da Imperatriz (SC) 1 Introdução O tema eleito para a pesquisa, Necessidades Básicas, foi abordado com foco na busca de maior resolutividade aos serviços de saúde, e pretendeu investigar as necessidades básicas de atendimento em saúde dos usuários para construção de agenda da Estratégia Saúde da Família 02 (ESF-02). Essa opção foi acompanhada do interesse pelo estudo do Planejamento Estratégico Local para aumento na resolutividade na Atenção Básica. Esse modelo despertou interesse a partir da prática profissional em ESF na qual os atendimentos aos usuários não correspondiam ao fluxo da demanda, fazendo com que a equipe de saúde trabalhasse continuamente sem vagas na agenda e sem uma abordagem eficiente coletiva na prevenção e promoção da saúde. Sob esse prisma, sabendo-se que a estratégia de saúde da Família é um importante instrumento na vigilância em saúde e na resolução de 85% da demanda à Unidade Básica de Saúde (UBS), conhecer as necessidades básicas dos usuários, como primeiro passo de um processo (diagnóstico da população) que pretende, ao fazer saúde, produzir qualidade de vida e resolutividade aos problemas para a população que busca atendimento nos serviços básicos de saúde, polarizou o núcleo da pesquisa. O estudo foi buscar informação no processo de atendimento da unidade básica de saúde, ESF-02, de Santo Amaro da Imperatriz, de abril a julho de 2012. Por isso se efetivou a pesquisa, instrumentalizada numa análise aplicada em documentos de produção diária das consultas médicas e ações da equipe, com o objetivo de avaliar as necessidades básicas de atendimento em saúde para construção de agenda da ESF-02, apontando o perfil diagnóstico de saúde dos usuários, descrevendo ações desenvolvidas pela equipe e identificando temas para educação continuada dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) no enfrentamento das necessidades básicas de saúde. Valeu também como referência o material publicado sobre o tema, dentro da linha do processo de Planejamento Estratégico – Análise Externa, Análise Interna e Matriz FOFA. (PEREIRA, 2010) Para análise e inferência dos resultados de pesquisa, referenciou-se a análise do conteúdo. Espera-se, com este trabalho, contribuir de alguma forma para acrescentar elementos fundamentais de avaliação a fim de intervencionar processos e ações para o aumento da resolutividade e qualidade no atendimento em saúde. 68 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Renara Prestes Oliveira # Mário de Souza Almeida # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino 2 Referencial Teórico O ser humano tem necessidades de vida, e a estratégia de saúde da família reverencia esses valores com um olhar prático e teórico, com um completo entendimento do cuidar em saúde. 2.1 Usuários do SUS/Cidadãos Cidadão: ser que se reconhece e reconhece o outro como portador de direitos sociais. Esse processo é um dos avanços constitucionais, o qual exige mudanças profundas na sociedade e na ação do Estado. Reconhecer cada usuário como cidadão significa reconhecer que todos têm direitos sociais (à educação, à saúde, ao trabalho etc.). Para tanto, faz-se necessário que todos sejam sujeitos políticos e sociais, aquele ser que atua, age, participa das decisões que o afetam, luta para determinar quais são os seus direitos e exige o que for necessário para que possa usufruí-los. (FELISBINO; MAGAJEWSKI, 2006) O Pacto em Defesa do SUS (2006) envolve prioridades, por exemplo: mostrar a saúde como direito de cidadania, e o SUS como sistema público universal garantidor desses direitos, que deve se firmar através de iniciativas que busquem a promoção e o desenvolvimento da cidadania como estratégia de mobilização social, em que a questão da saúde seja um direito. As ações do Pacto em Defesa do SUS devem contemplar a ampliação e o fortalecimento das relações com os movimentos sociais, em especial os que lutam pela saúde e cidadania e também pela elaboração e publicação da Carta dos Direitos dos Usuários do SUS. A Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde considera: o art. 196 da Constituição Federal, que garante o acesso igualitário a ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde; a lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre as condições para promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes; a lei n. 8.142, de 28 de dezembro de 1990, que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS e sobre as transferências intergovernamentais dos recursos financeiros na área da saúde; a necessidade de promover a atenção e gestão que fortaleçam a autonomia e o direito do cidadão. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 69 Conhecimento das Necessidades Básicas em Saúde e o Agendamento do Atendimento na ESF-02 de Santo Amaro da Imperatriz (SC) O primeiro princípio assegura ao cidadão o acesso ordenado e organizado aos sistemas de saúde, visando a um atendimento mais justo e eficaz. O acesso ocorre prioritariamente pelos serviços de saúde da Atenção Básica próximos ao local de moradia, em situações de urgência/emergência, em qualquer unidade do sistema; em caso de risco de vida, deverá ser assegurada a remoção do usuário em condições seguras. O encaminhamento à Atenção Especializada e Hospitalar será estabelecido em face da necessidade de saúde e indicação clínica; as informações sobre serviços de saúde devem estar disponíveis aos cidadãos nos locais onde é prestada assistência e nos espaços de controle social, e garantir acessibilidade (barreiras arquitetônicas e de comunicabilidade). O segundo princípio garante ao indivíduo o tratamento adequado e efetivo para seu problema, visando à melhoria da qualidade dos serviços prestados. É direito dos cidadãos ter atendimento resolutivo com qualidade, em face da natureza do agravo, com garantia de continuidade de atenção. O terceiro princípio assegura ao cidadão o atendimento acolhedor e livre de discriminação, visando à igualdade de tratamento e a uma relação mais pessoal e saudável. É direito dos cidadãos atendimento de forma humanizada, livre de qualquer discriminação, restrição ou negação por conta de idade, raça, cor, etnia, orientação sexual, identidade, de gênero, condições econômicas ou sociais, patologia e deficiência. O quarto princípio assegura ao cidadão o atendimento que respeite os valores e direitos dos pacientes, visando preservar sua cidadania durante o tratamento. O SUS reconhece que os usuários são portadores de direitos na saúde. Reconhecer direitos é respeitar, dar crédito, escutar, incluindo-os como protagonistas na construção terapêutica para a recuperação e produção da saúde. O quinto princípio assegura as responsabilidades que o cidadão também deve ter para que seu tratamento aconteça de forma adequada. É necessário comprometimento ao prestar informações nos atendimentos, seguir o plano de tratamento, assumir responsabilidade pela recusa a procedimentos recomendados, adotar comportamento respeitoso com demais usuários e profissionais, observar e cumprir o estatuto, atentar para situações de risco e possibilidades de redução da vulnerabilidade ao adoecimento e participar da promoção em saúde, desenvolvendo hábitos e atitudes saudáveis que melhorem a qualidade de vida. 70 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Renara Prestes Oliveira # Mário de Souza Almeida # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino O sexto princípio assegura o comprometimento dos gestores para que os princípios anteriores sejam cumpridos. Os gestores do SUS, das três esferas de governo se comprometem em adotar as providências necessárias para subsidiar a divulgação desta carta, competindo ao Município “prestar com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população”. (BRASIL, 1988) 2.2 Distrito Sanitário: ESF No Brasil, o Distrito Sanitário dispõe sobre as condições para promoção, proteção e recuperação da saúde e a organização e funcionamentos dos serviços (BRASIL, 1990). Assim, a implantação do Distrito Sanitário ou Estratégia de Saúde da Família deve ser considerada como processo social de mudanças das práticas sanitárias do SUS. Sobre a Estratégia de Saúde da Família (ESF): [...] a ESF tem como objetivo geral contribuir para a reorientação do modelo assistencial a partir da atenção básica, em conformidade, com os princípios do SUS, imprimindo uma nova dinâmica de atenção nas unidades básicas de saúde como definição de responsabilidades entre os serviços de saúde e a população. (BRASIL, 2000) Felisbino e Nunes (2004, s. p.) afirmam que Essa perspectiva faz com que a família passe a ser o objeto precípuo da Atenção, entendida a partir do ambiente onde vive. É nesse espaço que se constroem as relações intra e extrafamiliares e onde se desenvolve a luta pela melhoria das condições de vida. Sua estrutura é definida a partir da Unidade Básica de Saúde, com base nos seguintes princípios, de acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2000): a) Caráter substitutivo: Os serviços já existentes devem ser reordenados, reequipados ou reestruturados para atender às novas demandas da saúde; Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 71 Conhecimento das Necessidades Básicas em Saúde e o Agendamento do Atendimento na ESF-02 de Santo Amaro da Imperatriz (SC) b) Integralidade e hierarquização: A Unidade de Saúde da Família está inserida no primeiro nível de ações e serviços do Sistema Local – Atenção Básica – e deverá estar vinculada à rede de serviços que assegure referência e contrarreferência, sempre que o estado de saúde da pessoa exigir; c) Territorialização: Trabalha com território de abrangência definido – Distrito Sanitário – e é responsável pelo cadastramento e acompanhamento da população vinculada a essa área; d) Equipe multiprofissional: A ESF é composta por: um médico, um enfermeiro, um técnico de enfermagem e 4 a 6 agentes comunitários de saúde (ACS). Outros profissionais poderão ser incorporados à equipe como apoio, de acordo com as necessidades e possibilidades locais; e) Atendimento à saúde: É prestado na unidade básica de saúde ou no domicílio do paciente. Assim, profissionais e população acompanhada criam vínculos de corresponsabilidade, facilitando o atendimento aos problemas de saúde da comunidade. O Ministério da Saúde disponibiliza aos municípios um Sistema de Informação em Atenção Básica (SIAB) cuja alimentação é obrigatória, sob pena de perder os incentivos federais. O SIAB é um instrumento importante para planejar e avaliar o trabalho das equipes. Possibilita identificação imediata dos problemas de saúde e os gestores locais podem tomar medidas em tempo oportuno para o seu enfrentamento. Alguns estudos (DATASUS, 2012) demonstram que através dessa estratégia é possível: a) resolver 85% das demandas à UBS; b) efetivar a vigilância à saúde; c) racionalizar os serviços de alta complexidade/continuidade da assistência; d) ampliar as ações de promoção à saúde na intersetorialidade; e) identificar e fortalecer redes de proteção social governamental e/ou não governamental. Dessa forma, é importante a busca constante pela efetivação do modelo assistencial preconizado para a estratégia de saúde da família, de forma que a 72 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Renara Prestes Oliveira # Mário de Souza Almeida # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino população possa ser beneficiada com resultados dele advindos. (FELISBINO; NUNES, 2004) 2.3 Diagnóstico de Saúde Caracterização da situação de saúde do sistema para o qual se deseja planejar. Para determinação da situação, Felisbino e Nunes (2004) propõem as seguintes etapas: a) Etapa: Proceder à busca de todas as informações que permitam a adoção de ações de vigilância à saúde. Devem ser coletados diversos dados da realidade do município como: demográficos, socioeconômicos, epidemiológicos, recursos humanos e materiais, organização e gerência em saúde e organização administrativa; b) Etapa: Iniciar processo de distritalização, no qual se revelarão as circunstâncias de saúde a que cada grupo social está submetido dentro de um espaço territorial e social; c) Etapa: Identificação dos problemas. Estes devem ser bem delineados por território-área, priorizados, uma vez que não se pode resolver todos de uma só vez. Para tanto, na escolha dos problemas a serem priorizados, deve-se levar em conta a gravidade, importância para a comunidade, serviços, município, governo... e a capacidade e/ou possibilidade de sua resolução. Uma vez que a realidade muda, os problemas devem ser acompanhados e constantemente analisados. Isto significa dizer que se deve analisar numa velocidade maior do que a mudança da realidade mesma (MATUS, 1993); d) Etapa: Refere-se à determinação das ações que irão viabilizar o alcance da imagem-objetivo. Como ações globalizadoras inclui-se o sistema de referência e contrarreferência. Todo esse procedimento deve ser organizado através de uma central de agendamento das necessidades de saúde da população de uma forma eficaz, eficiente e efetiva, registrando a demanda atendida para análise e acompanhamento da resolutividade de cada unidade e do distrito como um todo; e) Etapa: Identificação de aliados, bem como as barreiras que possivelmente se contrapõem ao plano: políticos, econômicos e organizativos; f) Etapa: Momento tático-operacional. É o momento do estabelecimento das ações que irão incidir em mudanças situacionais. É preciso estabelecer condições para antecipar-se à realidade e não Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 73 Conhecimento das Necessidades Básicas em Saúde e o Agendamento do Atendimento na ESF-02 de Santo Amaro da Imperatriz (SC) apenas acompanhá-la. Isso significa pensar sobre o futuro, analisar tendências, dispor de uma rede de informações acerca de todas as ações desenvolvidas e seus resultados para, se necessário, intervir, refazer e/ou renegociar; g) Etapa: Elaboração de um sistema de informações que permita avaliar os indicadores de saúde, como: fichas de família, cadastro de unidade, produção diária, relatórios relacionados à cobertura de programas e funcionamentos dos serviços (SIA, SIAB, SIH, SIM, SINASC). É importante a realização de reuniões com grupos da comunidade do território-área específico para que possam opinar sobre as ações e dar sugestões para novas ações em sua localidade e a participação do CMS enquanto representante legítimo da sociedade no efetivo controle social. É de extrema importância o reconhecimento dos fatores internos e externos para adequação das atividades a serem desenvolvidas no cuidado em saúde, pois advêm dessa visão os resultados de um trabalho voltado ao enfrentamento dos problemas e às soluções. 2.4 Planejamento Estratégico Local para Aumento da Resolutividade em Atenção Básica Carlos Matus e Mário Testa são teóricos latino-americanos dedicados ao desenvolvimento de pesquisas e instrumentos de análises sociais, em particular do setor saúde. Segundo Matus (1993, p. 8), o planejamento moderno, enquanto cálculo que precede e preside a ação, é concebido justamente para servir ao dirigente político que busca ver adiante da curva do futuro”. Para Testa (1992), o centro da problemática estratégica é o poder. Não qualquer poder, mas sim, o que é ou pode ser exercido na “ação consciente do povo que luta por sua liberdade”. O autor fala em pensamento estratégico e preconiza que, se existe o método, este deve permitir sua revisão crítica de maneira contínua. Segundo Magajewski (2006), o planejamento estratégico local é um instrumento fundamental na construção social de uma prática sanitária: a vigilância sanitária. A forma de operacionalização tem se dado através de momentos educacionais de concentração que devem apresentar, ao seu final, um produto. Essas oficinas envolvem técnicos e lideranças comunitárias, e se 74 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Renara Prestes Oliveira # Mário de Souza Almeida # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino pretende garantir a participação cidadã de todos os munícipes no processo. O modelo básico está composto por três oficinas: a) oficina de territorialização: trabalha com elementos de geografia humana e com base no conceito de barreiras; b) oficina de microlocalização: localiza no território as microáreas de risco ou exclusão social; c) planejamento e programação local: através de um trabalho conjunto de técnicos e lideranças comunitárias, identifica e prioriza problemas, descreve-os e analisa-os, monta sistema de gerência e prestação de contas. O planejamento estratégico em saúde possibilita elaborar o diagnóstico de saúde da comunidade, seja demográfico, ambiental, epidemiológico ou sanitário. Se tiver um diagnóstico bem feito, será possível a identificação de problemas, sejam eles de ordem organizativa, assistencial ou de educação em saúde, permitindo promover o reordenamento dos serviços com base sólida e com maximização de recursos. Dessa forma, as ações são planejadas em coparticipação e corresponsabilidade dos usuários do sistema local de saúde. Essa união de esforços aumenta o vínculo de compromisso entre a comunidade, a equipe e os gestores, fazendo com que todos se envolvam na busca das soluções mais apropriadas para os problemas. (FELISBINO; MAGAJEWSKI, 2006) Planejamento Estratégico Local são ações comprometidas com a realidade presente no cotidiano dos grupos, conforme a possibilidade de resolução a curto, médio ou longo prazo. Ao planejar ações esclarecendo os meios e objetivos a serem alcançados, está se projetando uma maior resolutividade aos problemas da atenção básica. 2.5 Acolhimento versus Agenda Acolhimento é a humanização do atendimento, pressupondo a garantia de acesso a todas as pessoas (acessibilidade universal) ao sistema de saúde. Assim, o problema do usuário deve ser ouvido de forma qualificada, dando-lhe sempre uma resposta positiva e compromissada com a resolução do seu problema. O acolhimento deve garantir a resolutividade, ou seja, resolver efetivamente o problema do usuário. A proposta de acolhimento está sustentada no resgate da assistência resolutiva humana, centrada nas necessidades do Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 75 Conhecimento das Necessidades Básicas em Saúde e o Agendamento do Atendimento na ESF-02 de Santo Amaro da Imperatriz (SC) usuário. Nesse processo é importante buscar a participação da comunidade no cuidado da sua própria saúde. (NUNES, 2004) No posto de saúde, ou UBS, o paciente agenda as consultas para prevenção – ginecologista, obstetra, clínico geral, pediatra, dentista, psiquiatra, também vacinas e acompanhamento da hipertensão e diabetes. Quando há necessidade de exames de média e alta complexidade, especialidade médicas ou cirúrgicas, os pacientes são encaminhados para uma lista de espera de disponibilidade de vagas do governo do estado, pois a responsabilidade do município (prefeitura) é o atendimento básico. Segundo Felisbino (2006), as unidades de saúde, assim que são implantadas, costumam trabalhar afogadas, por causa das dificuldades de atendimento, que estão reprimidas e fluem no momento da instalação. Na medida em que os problemas de saúde coletivos são identificados e uma abordagem coletiva eficiente é colocada em prática, verifica-se uma tendência de desafogamento da unidade. A abordagem coletiva pode se dar através do trabalho com grupos na própria UBS ou na comunidade, visando realizar trabalhos de promoção da saúde específicos para cada fase da vida: grupo de bebês, de grávidas, de adolescentes, de idosos, doenças crônicas como hipertensão, diabetes e obesidade, entre outras. A assistência integral prestada através de consultas médicas e de enfermagem, realizadas de acordo com protocolos, constitui importante elemento de reorganização das rotinas de trabalho, contribuindo para a organização do fluxo de demanda. Outro fator que contribui é a assistência domiciliar, visitas dos ACS, que através de um processo de educação permanente monitoram situações de risco. (BRASIL, 2000) 2.6 Educação Permanente da Equipe O processo de educação permanente deve ser realizado, preferencialmente em serviço, de forma supervisionada, contínua e eficaz, para atender às necessidades e responder de forma dinâmica aos problemas. A educação permanente é um mecanismo no desenvolvimento da própria concepção de equipe e vinculação com a população, além de possibilitar o aperfeiçoamento profissional que caracteriza e fundamenta todo o trabalho da ESF. O planejamento das ações educativas precisa estar adequado às peculiaridades locais e regionais, à utilização dos recursos disponíveis e à busca de integração com 76 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Renara Prestes Oliveira # Mário de Souza Almeida # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino as universidades e instituições de ensino e capacitação de recursos humanos. (BRASIL, 2000) 2.7 Eficácia, Eficiência e Efetividade: modelo de gestão em saúde Numa compreensão ampliada sobre a determinação do processo saúde–doença, é importante que os profissionais da equipe de saúde tenham uma visão integrada dos problemas e dos recursos disponíveis para o seu enfrentamento. Para exercer as funções relativas ao gerenciamento do cuidado, as equipes de saúde necessitam de dois tipos de instrumentos distintos: a programação e a aplicação de desempenho (normas, regulamentos, rotinas) que orientam a organização do processo do trabalho. A gerência da prestação do cuidado tem como uma de suas missões o alcance da equidade. Para isso, é preciso que não se coloque como meta principal apenas a produção e a produtividade. O processo tem início com a identificação e a análise dos problemas, determinação das prioridades, definição dos objetivos, desenho das operações, identificação dos recursos e de instrumentos de avaliação. A avaliação deve, portanto, contribuir para a compreensão dos impactos possivelmente existentes, em decorrência das atividades desenvolvidas, permitindo corrigir distorções e alterar o rumo da programação, visando ao alcance dos objetivos. Segundo Nunes (2004), a eficiência e a efetividade dizem respeito à produção de efeitos positivos através da maximização na utilização dos recursos destinados à saúde, incrementando a qualidade e a quantidade dos serviços prestados à comunidade de acordo com a realidade local. Com certeza, o controle social, presente no SUS, permite que todos sejam sujeitos políticos e sociais, participantes ativos no exercício da cidadania. 3 Metodologia Para atingir o objetivo desta pesquisa, utilizou-se a metodologia quantitativa, descritivo-teórica aplicada. Seguindo o entendimento de Minayo (1999), a pesquisa quantitativa utiliza a descrição matemática como uma linguagem para descrever as causas de um fenômeno, as relações entre as variáveis. O papel da estatística é estabelecer a relação entre o modelo teórico proposto Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 77 Conhecimento das Necessidades Básicas em Saúde e o Agendamento do Atendimento na ESF-02 de Santo Amaro da Imperatriz (SC) e os dados observados no mundo real. Deve ser utilizado como método de pesquisa quando o problema formulado tiver intenção de saber, por exemplo, a causa, o efeito ou consequência, qual incidência, qual a prevalência. Para Richardson (1999), o método quantitativo faz uma foto dos fatos. Não aceita outra realidade que não seja os fatos, os quais possam ser verificados, adotando o princípio da verificação. 3.1 Abordagem e Tipo de Estudo Esta pesquisa recebe diversas classificações, que são: predominantemente quantitativa, descritiva – aplicada e intervencionista. No que diz respeito às fontes de informações utilizadas, caracteriza-se como documental. Nesta pesquisa, a população em estudo concentrou-se nos usuários da ESF-02 de Santo Amaro da Imperatriz no período de abril a julho de 2012, alcançando o número de 730 consultas médicas na UBS, 64 consultas médicas em domicílio, 14 consultas de enfermagem em domicílio, 400 atendimentos de enfermagem em acolhimento, 50 usuários participantes de grupos HA/DIA (hipertensão e diabetes). Na coleta de dados que visava identificar as necessidades básicas de atendimento em relação à oferta de agendamento, utilizou-se o documento de produção diária do médico, com análise de conteúdo (microárea, idade, sexo, diagnóstico, exames, especialidades) e dados estatísticos. 4 Apresentação Com o intuito de descrever as necessidades básicas de atendimento em saúde dos usuários para a construção de agenda adequada à demanda, procurou-se sistematizar a pesquisa em duas etapas: reconhecimento das famílias cadastradas no ano de 2012, microáreas, cadastro DIA/HA, profissionais atuantes na equipe ESF-02, funcionários da UBS, serviços de referência e contrarreferência do município, identificação e análise do perfil diagnóstico de saúde dos usuários da ESF-02, atividades preventivas e educativas desenvolvidas e agenda da equipe. 78 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Renara Prestes Oliveira # Mário de Souza Almeida # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino 4.1 Características da Equipe 02 Com base nas informações do Sistema de Informação de Atenção Básica (SIAB), o consolidado no ano de 2012 para a ESF-02 são 1.232 famílias, 3.970 pessoas, sendo 1.995 do sexo masculino e 1.075 do sexo feminino. A área é dividida em sete microáreas com sete ACS atuantes, referindo 98 pessoas com DIA (diabetes) e 443 pessoas com HA (hipertensão). A cobertura de famílias visitadas ao mês pelas ACS é 90%, com 2,54% de pessoas cobertas com plano de saúde. A ESF-02 é composta de um médico, um enfermeiro, um técnico de enfermagem e sete ACS. A UBS é constituída por seis funcionários públicos para atendimento na recepção, farmácia e limpeza. O município tem como serviços de referência: dois laboratórios, hospital local e SAMU da região, e contrarreferência: hospital regional, hospital estadual infantil e maternidade para alto risco. 4.2 Identificação e Análise dos Dados O perfil diagnóstico de saúde dos usuários atendidos pela ESF-02 entre abril e julho de 2012, identificados e analisados, é demonstrado por microáreas e, ao final, visualizado em gráficos correspondentes ao perfil diagnóstico da área: a) Microárea 01 – 23% dos usuários necessitaram de atendimento de urgência (sem agendamento), 49% consultaram devido a problemas de saúde (com agendamento), 21% fizeram consultas de rotina (pré-natal, exames e ACD – acompanhamento e desenvolvimento de crianças), 7% das consultas foram para controle da HA e DIA e 0,7% necessitaram de atendimento especializado, sendo 62% do sexo feminino entre 20-60 anos de idade; b) Microárea 02 – 35% dos usuários necessitaram de atendimento de urgência (sem agendamento), 44% consultaram devido a problemas de saúde (com agendamento), 15% fizeram consultas de rotina (pré-natal, exames e ACD – acompanhamento e desenvolvimento de crianças), 6% de consultas foram para controle da HA e DIA e 0,7% necessitaram de atendimento especializado, sendo 61% do sexo feminino entre 20-60 anos de idade; c) Microárea 03 – 35% dos usuários necessitaram de atendimento de urgência (sem agendamento), 52% consultaram devido a problemas de saúde (com agendamento), 8% fizeram consultas de rotina Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 79 Conhecimento das Necessidades Básicas em Saúde e o Agendamento do Atendimento na ESF-02 de Santo Amaro da Imperatriz (SC) (pré-natal, exames e ACD – acompanhamento e desenvolvimento de crianças), 5% das consultas foram para controle da HA e DIA e 0,8% necessitaram de atendimento especializado, com 65% do sexo feminino entre 20-60 anos de idade; d) Microárea 04 – 28% dos usuários necessitaram de atendimento de urgência (sem agendamento), 49% consultaram devido a problemas de saúde (com agendamento), 15% fizeram consultas de rotina (pré-natal, exames e ACD – acompanhamento e desenvolvimento de crianças), 8% das consultas foram para controle da HA e DIA e 0,6% necessitaram de atendimento especializado, sendo 67% do sexo feminino entre 20-60 anos de idade; e) Microárea 05 – 29% dos usuários necessitaram de atendimento de urgência (sem agendamento), 46% consultaram devido a problemas de saúde (com agendamento), 12% fizeram consultas de rotina (pré-natal, exames e ACD – acompanhamento e desenvolvimento de crianças), 13% das consultas foram para controle da HA e DIA e 0,5% necessitaram de atendimento especializado, sendo 63% do sexo feminino entre 20-60 anos de idade; f) Microárea 06 – 33% dos usuários necessitaram de atendimento de urgência (sem agendamento), 49% consultaram devido a problemas de saúde (com agendamento), 8% fizeram consultas de rotina (pré-natal, exames e ACD – acompanhamento e desenvolvimento de crianças), 10% de consultas foram para controle da HA e DIA, 0,6% necessitaram de atendimento especializado, com 67% do sexo feminino entre 20-60 anos de idade; g) Microárea 07 – 28% dos usuários necessitaram de atendimento de urgência (sem agendamento), 50% consultaram devido a problemas de saúde (com agendamento), 22% fizeram consultas de rotina (pré-natal, exames e ACD – acompanhamento e desenvolvimento de crianças), 10% de consultas foram para controle da HA e DIA e 0,7% necessitaram de atendimento especializado, sendo 57% do sexo feminino entre 20-60 anos de idade. 4.2.1 O Perfil Diagnóstico de Saúde dos Usuários da ESF-02 As necessidades em atendimento analisadas a partir dos dados apresentados nas microáreas relatam o perfil diagnóstico da comunidade assistida 80 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Renara Prestes Oliveira # Mário de Souza Almeida # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino pela equipe e suas reais necessidades relacionadas à saúde dos usuários da ESF-02 (Gráficos 1 e 2). Gráfico 1: Atendimentos em saúde/Diagnósticos Clínicos Fonte: Elaborado pela autora deste artigo Gráfico 2: Atendimentos em saúde/Diagnósticos clínicos Fonte: Elaborado pela autora deste artigo A pesquisa mostra que as consultas com agendamento mensal para resolução de problemas de saúde, conforme mostram os gráficos (48%), mais as consultas agendadas para exames de rotina e controle de doenças crônicas HA/DIA (22%), somam um total de 70%. Esse valor evidencia que a população utiliza o sistema de agendamento prévio. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 81 Conhecimento das Necessidades Básicas em Saúde e o Agendamento do Atendimento na ESF-02 de Santo Amaro da Imperatriz (SC) A equipe ESF-02 atende a 232 famílias excedentes, segundo princípios do Ministério da Saúde (2000), portanto projeta-se que, com agendamentos de 12 consultas/turno, cada pessoa desta área poderá consultar 4 vezes/ano, mas o que acontece é a repetição do usuário em consultas dificultando o acesso de outros ao sistema e mantendo a agenda afogada continuamente. Segundo a Constituição Federal, deve-se assegurar ao cidadão o tratamento adequado e efetivo para seu problema, visando à melhoria da qualidade dos serviços prestados. Para Felisbino e Nunes (2004), é de extrema importância o reconhecimento dos fatores internos e externos para a adequação das atividades a serem desenvolvidas no cuidado em saúde, priorizando os problemas. O valor constatado na pesquisa, de 22% para atendimentos de prevenção e atividades de promoção, é significativamente baixo para uma estratégia de reorganização (ESF) na atenção básica, em conformidade com os princípios do SUS na definição de responsabilidades entre os serviços de saúde e a população. A saúde curativa mostra-se prioritária nos atendimentos em saúde desta população adstrita, mas, segundo Matus (1993), através de um Planejamento Estratégico Local comprometido com a realidade do cotidiano, visão integrada da equipe e enfoque coletivo, é possível alcançar maior resolutividade em saúde. 4.2.2 As Atividades Educativas Desenvolvidas pela Equipe ESF02 São dois grupos de hipertensos e diabéticos que se realizam mensalmente na comunidade e têm em média 15 participantes cada. Nesses encontros é aferida a PA (pressão arterial), é feito o HGT (hemoglicoteste), e são apresentados temas variados de prevenção e promoção pelos profissionais da equipe, é ofertado lanche saudável e ocorre, se necessário, o agendamento de consultas pelo médico. A pesquisa revela que 14% da população adstrita apresentam doenças crônicas (hipertensão e diabetes) e apenas 1% participa das atividades de promoção e/ou educação desenvolvidas pela equipe. Segundo Felisbino e Nunes (2004), com base na identificação dos problemas (diagnóstico) as ações devem ser planejadas em participação e corresponsabilidade com os usuários do sistema local de saúde, pois a união de esforços aumenta o vínculo de compromisso entre comunidade, equipe 82 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Renara Prestes Oliveira # Mário de Souza Almeida # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino e gestores, fazendo com que todos se envolvam na busca de soluções mais apropriadas para os problemas. 4.2.3 Determinação de Temas para Educação Continuada dos ACS (Agentes Comunitários de Saúde) para o Enfrentamento dos Problemas de Saúde dos Usuários A equipe ESF-02 não desenvolve atividades de educação continuada aos ACS. Os ACS desenvolvem importante papel na educação, prevenção e promoção da saúde na população, pois levam e trazem informações em saúde constituindo elos de comunicação num processo crescente e contínuo de vigilância sanitária. A educação continuada é um fator que contribui para a organização do fluxo de demanda, pois, através dos ACS que monitoram as situações de risco, esta deverá acontecer principalmente em serviço e com temas direcionados à solução dos principais problemas de saúde da população. De acordo com o Gráfico 2 (queixas clínicas), a pesquisa revela que as dores em geral (lombalgias, dorsalgias, artroses, torcicolos, dores abdominais, cólicas renais, dor de ouvido...) constituem o principal diagnóstico clínico dos usuários seguidos de IVAS (infecção das vias aéreas superiores), depressão, GECA (gastroenterite crônica aguda) e ITU (infecção do trato urinário). Contudo, esses são os temas para a educação continuada dos ACS, a fim de potencializar ações de promoção na saúde da população adstrita. 4.2.4 O Conteúdo da Agenda da ESF-02 Diante dos Problemas de Saúde dos Usuários A agenda de enfermagem atende o acolhimento no início dos turnos (manhã e tarde), consulta de puericultura (quarta-feira – tarde/semanal), pré-natal (quinta-feira – manhã/mensal) e visitas domiciliares (segunda-feira – manhã/semanal). O técnico de enfermagem realiza atendimento na UBS e, quando solicitado, realiza curativo e aplicação de medicação domiciliar com supervisão do enfermeiro. A agenda médica atual é demonstrada no Quadro 1. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 83 Conhecimento das Necessidades Básicas em Saúde e o Agendamento do Atendimento na ESF-02 de Santo Amaro da Imperatriz (SC) segundafeira Manhã Tarde terçafeira quarta- quinta- feira feira Visita Domiciliar Agenda Livre Reunião equipe Agenda livre Consulta/ Pré-natal / crianças de 0 a 2 anos HA/DIA HA/DIA Geral sextafeira Consulta Geral Consulta Geral Quadro 1: Agenda Médica ESF-02/2012 Fonte: Elaborado pela equipe ESF-02 A pesquisa relata que não há agenda para atividades de prevenção; e isso não promove o enfrentamento dos problemas e modificação do fluxo de demanda. Para Felisbino e Nunes (2004), na medida em que os problemas de saúde coletivos são identificados e uma abordagem eficiente é colocada em prática, verifica-se um desafogamento da unidade. Essa abordagem pode se dar por meio de grupos dirigidos pelos profissionais da equipe nas UBS ou comunidade, específicos para cada fase da vida. A seguir apresenta-se uma sugestão de agenda com base nas necessidades dos usuários. Manhã segunda- terça- quarta- quinta- sexta- feira feira feira feira feira Visita Domiciliar Agenda livre/ Educação em saúde - UBS idosos, obesos Tarde Reunião Equipe/ Educação Permanente/ ACS Agenda livre/ Pré-natal/ Educação em Crianças de 0 a 2 HA/DIA saúde- UBS anos/ exames (bebês) Consulta Geral Consulta Geral/ Educação em saúde – UBS (grávidas) Educação em saúde/ comunidades Consulta Geral Quadro 2: Agenda Médica e Equipe Fonte: Elaborado pela autora deste artigo O acréscimo na agenda da educação em saúde em forma coletiva (grupos/ UBS), abrangendo orientações em todas as fases de vida do ser, somando-se à educação continuada e permanente dos ACS para o enfrentamento dos principais problemas de saúde dos usuários em domicílio e saúde comunitária local para trocas de informações e maior interação com as famílias, proporcio- 84 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Renara Prestes Oliveira # Mário de Souza Almeida # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino nará efetividade e eficiência ao atendimento preventivo, promovendo saúde aos usuários e maior qualidade ao trabalho desenvolvido pela ESF-02 na diminuição dos atendimentos curativos em agenda. 5 Considerações Finais Esta pesquisa teve como objetivo analisar as necessidades básicas de atendimento em saúde para construção de agenda da ESF-02, assim como descrever atividades educativas, determinar temas para educação permanente dos ACS e apontar o conteúdo da agenda frente aos problemas de saúde dos usuários. Para tanto foi conduzida uma análise da produção diária da equipe entre os meses de abril a julho de 2012. Os resultados revelam que foi possível a resolução de 98% dos problemas da demanda à ESF. A atenção básica é a porta de entrada no cuidado em saúde com capacidade de prestar assistência integral às necessidades básicas da população. A Estratégia de Saúde da Família – ESF possibilita essa assistência porque amplia ações de promoção à saúde, efetivando a vigilância sanitária e racionalizando os serviços de alta complexidade através da continuidade do cuidado. Os dados mostram que a população utiliza o sistema de agendamento prévio mensal e demonstram que sua finalidade não é a prevenção, e sim a resolução de problemas (saúde curativa). A ESF deve focar suas ações nos problemas coletivos e, junto com a comunidade, buscar sugestões para adequar os recursos disponíveis aos serviços prestados ao usuário, como também solicitar melhorias ao sistema e à sua gestão. A equipe da ESF-02 apresenta-se completa quanto aos seus componentes profissionais e à quase totalidade de suas ações voltadas ao atendimento individual na UBS (consultas). O usuário que procura atendimento está na faixa de 20 a 60 anos, sendo a maioria do sexo feminino. Nota-se que em municípios pequenos pessoas do sexo masculino procuram menos esses serviços, utilizando-os somente em casos extremos de agravamento em sua saúde. A pesquisa aponta que o acolhimento da ESF-02 é realizado pelo enfermeiro, acontecendo de forma humanizada (preconizada pelo SUS), em que o usuário é orientado em suas necessidades. Percebeu-se a repetição de usuários no atendimento, cuja baixa instrução, o não comprometimento deste com o tratamento, crenças e hábitos culturais influenciam no processo Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 85 Conhecimento das Necessidades Básicas em Saúde e o Agendamento do Atendimento na ESF-02 de Santo Amaro da Imperatriz (SC) saúde–doença. É muito importante que essas influências e outras informações do usuário sejam analisadas pela equipe, e que os ACS e outros profissionais do sistema possam colaborar e/ou intervir na assistência, melhorando assim as condições de vida da população adstrita. Quanto ao assunto, Felisbino e Nunes (2004) dizem que essa perspectiva faz com que a família passe a ser o objeto precípuo da atenção, entendido a partir do ambiente onde vive. As atividades educativas desenvolvidas pela ESF-02 (grupo hipertensos e diabéticos) atingem 14% dos usuários cadastrados pela equipe, sendo este valor considerado muito baixo. A abordagem coletiva é um instrumento tático-operacional, o momento de ações que irão incidir em mudanças situacionais. Matus (1993, p. 12) diz que: [...] uma vez que a realidade muda, os problemas devem se acompanhados e constantemente analisados. A identificação dos problemas deve ser bem delineada pelo território-área e priorizados, levar em conta a gravidade, importância para a comunidade, serviços, município [...] e a capacidade de resolução dos mesmos. A lei n. 8.142, de 28 de dezembro de 1990, dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS e a necessidade de promover a atenção e gestão que fortaleçam a autonomia e o direito do cidadão. Portanto, a pesquisa revela que o usuário tampouco usufruiu de oportunidade (reuniões/ grupos de saúde) em sua comunidade, ocasionando o desconhecimento e a não prática aos seus direitos e deveres sociais. Os usuários costumam abordar seus problemas individualmente e diretamente ao gestor do sistema (hábito cultural) ao invés de discutir coletivamente em busca de soluções e iniciativas de promoção e desenvolvimento da cidadania. Verificou-se através do perfil diagnóstico quais são as principais queixas clínicas dos usuários (dores, IVAS, ITU, depressão), a fim de determinar os temas para a educação continuada dos ACS voltada ao enfrentamento dessas queixas. A ESF-02 não desenvolve a educação continuada em equipe, fato que não contribui para um maior dinamismo na resolutividade dos problemas em caráter preventivo. Isso mantém a agenda afogada para consultas, nas quais o usuário vai em busca desse cuidado, que poderá ser organizado em ações informativas coletivas pela equipe na comunidade ou na UBS. A educação continuada capacita os profissionais para um atendimento específico às necessidades identificadas numa compreensão ampliada do processo saúde–doença e visão integrada dos problemas e dos recursos ao seu enfrentamento. 86 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Renara Prestes Oliveira # Mário de Souza Almeida # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino O conteúdo da agenda atual da equipe, como mostra a pesquisa, está direcionado ao atendimento individual curativo. Os profissionais não atuam no planejamento estratégico local com ações voltadas à prevenção relacionada às fases da vida. Essas características de atuação no trabalho desenvolvidas por ESF são frequentes em locais onde a gestão não utiliza o planejamento e a avaliação de resultados e também não está organizada para atender efetivamente à sua população nas urgências (Unidade Pronto Atendimento – UPA/24 horas), sobrecarregando a UBS. É de extrema importância que os municípios organizem suas demandas, multipliquem ações educativas à população, e a ESF cumpra com seus objetivos contribuindo para uma mudança no paradigma da saúde. Quando a ESF atuar efetivamente numa agenda voltada às atividades preventivas e tiver o apoio de uma rede municipal eficaz nos serviços prestados à população, enfim o usuário terá acesso ordenado ao sistema, maior qualidade e resolutividade em saúde. Referências BRASIL. Decreto-lei n. 8080, de 19 de setembro de 1990. Princípios e Diretrizes do SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 1990. BRASIL. A implantação de uma Unidade de saúde da família. (Documento consulta) Brasília: Ministério da Saúde, 2000. ______. Portaria n. 648/06. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. ______. Ministério da Saúde. Portal da saúde. [2013] Disponível em: <http:// www.saude.gov.br/portalsaude/area/9/servicos.html>. Acesso em: 6 ago. 2012. DATASUS. Departamento de Informática do SUS. SIAB: indicadores de saúde, Santo Amaro da Imperatriz, 2012. FELISBINO, J. E.; MAGAJEWSKI, F. R. L. Planejamento e gerência de serviços em saúde da família. Curso de Especialização em Saúde Coletiva e da família. Palhoça: Unisul Virtual, 2006. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 87 Conhecimento das Necessidades Básicas em Saúde e o Agendamento do Atendimento na ESF-02 de Santo Amaro da Imperatriz (SC) FELISBINO, Janete Elza; NUNES, Elisete Pereira. Saúde da família: planejando e programando a saúde nos municípios. Tubarão: Editora Unisul, 2004. MATUS, Carlos. Política, planejamento e governo. Brasília: IPEA,1993. (Série IPEA) MENDES, Eugênio Vilaças et al. Distritos sanitários. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: ABRASCO, 1995. MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio de conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 6. ed. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Abrasco,1999. PEREIRA, M. F. Planejamento estratégico: teorias, modelos e processos. São Paulo: Atlas, 2010. RICHARDSON, Roberto Jarry. Pesquisa Social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas, 1999. TESTA, Mário. Pensar em saúde. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. 88 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Análise da Realização e a Avaliação do Atendimento Antirrábico Humano Realizado pela Equipe de Estratégia Saúde da Família dos Centros de Saúde do Distrito Sanitário Leste do Município de Florianópolis, Considerando-se Indicadores Epidemiológicos Aluna: Solange Alberti Andrzejewski1 Orientador: Marcos Abilio Bosquetti2 Tutor: Maria Luciana Biondo Silva3 Resumo Abstract Este artigo objetiva avaliar os aspectos epidemiológicos e o atendimento antirrábico humano realizado pelas equipes da Estratégia Saúde da Família nos nove centros de saúde do Distrito Sanitário Leste. Trata-se de uma pesquisa documental, de caráter descritivo com abordagem quantitativa. Foi aplicado um questionário para 61 profissionais de tais centros. Através da investigação epidemiológica, essas equipes atendem e acompanham pacientes acometidos por mordedura de animais utilizando os protocolos estabelecidos pela Norma Técnica para Tratamento Profilático Antirrábico Humano em conformidade com as diretrizes nacionais e internacionais para a proteção em humanos contra o vírus da raiva. A pesquisa mostra como está o conhecimento desses profissionais sobre raiva humana, como estão efetuando esse atendimento e aponta como principal sugestão a elaboração de capacitações em serviços para as equipes de saúde. This research work has aimed evaluate the human anti rabies epidemiologic aspects and related treatment activities developed by the family health care strategic teams from Florianopolis’ East Sanitation District. The research work presents a quantitative analysis of existing qualitative data and from information taken from a survey applied to 61 East District professionals. The epidemiologic investigation, the heath care and follow up of patients bitten by animals were accessed through form protocols based on the national Human Prophylactic Anti-rabies Standard that is in accordance to human protection to rabies viruses national and international guidelines. The research shows that the analysis of the processes used, available resources the capability of the personnel involved are key to point out training needs and adjustment of processes and resources. Palavras-chave: Antirrábico. Vigilância Epidemiológica. Saúde da Família. 1 Key words: Anti rabies. Epidemiological Suveillance. Family Health. Graduação em Enfermagem pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC (1981). Especialização em Saúde Pública pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC (1990). E.mail: [email protected]. 2 Doutorado em Administração pela Universidade de São Paulo – USP (2009) modalidade sanduíche com estágios na Melbourne University, Australia (2008) e na McGill University, Canada (2007). E-mail: [email protected]. 3 Graduação em Administração pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI (2000). Especialização (Lato Sensu) em Gestão de Pessoas nas Organizações pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC (2011). E-mail: [email protected]. Análise da Realização e a Avaliação do Atendimento Antirrábico Humano Realizado pela Equipe de Estratégia Saúde da Família dos Centros de Saúde do Distrito Sanitário Leste do Município de Florianópolis, Considerando-se Indicadores Epidemiológicos 1 Introdução A raiva, que ainda é considerada um grave problema de saúde pública, é uma doença infecciosa, de etiologia viral e caráter zoonótico, e de alta letalidade, transmitida ao homem pela inoculação do vírus rábico, presente na saliva e em secreções de animais infectados. Estima-se que ocorram 55.000 óbitos de raiva humana ao ano, a maioria transmitida por cães, principalmente na África e Ásia. No Brasil, em 2011, ocorreram dois casos de raiva humana, ambos na região Nordeste, e, em 2012, foram confirmados dois casos, um no Nordeste e outro na região Centro-Oeste. Desde 1987, não há registro de casos de raiva humana nos estados do Sul, sendo o último caso ocorrido no estado do Paraná (BRASIL, 2009a). Devido ao elevado número de casos de raiva humana transmitida principalmente por cães nas décadas de 1950 e 1960 no Brasil, municípios e estados desenvolveram atividades e regulamentações direcionadas ao controle de zoonoses, particularmente a raiva. Em 1973, foi instituído no Brasil o Programa Nacional de Profilaxia da Raiva Humana (PNPR) com o objetivo de reduzir o número de casos humanos mediante o controle dessa zoonose em animais domésticos e realização de profilaxia em pessoas mordidas ou que tiveram possível contato com animais raivosos (GARCIA et al., 1999; FREITAS; SILVA, 2007) As ações do PNPR foram se expandindo gradativamente até sua implantação ser concluída, em todo território nacional, em 1977. Essas ações foram fortalecidas quando, em 1983, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) desenvolveu o Plano de Ação para Eliminação da Raiva Urbana das Principais Cidades da América Latina, resultando no compromisso internacional de eliminação da raiva humana transmitida por cães na América até 2012, o que ainda não ocorreu, mais um motivo para se manter o acompanhamento no atendimento desse agravo. Com a publicação da Portaria n. 5, de 21 de fevereiro de 2006, as epizootias e/ou mortes de animais passaram a ser reconhecidas como eventos sentinelas para a ocorrência de doenças em humanos e entraram na lista de notificação compulsória e imediata, o que representou um importante passo na vigilância e controle das zoonoses. (BRASIL, 2006) Alguns avanços foram obtidos no controle dessa doença, a exemplo da redução dos casos humanos e caninos devido, principalmente, às atividades 90 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Solange Alberti Andrzejewski #Marcos Abilio Bosquetti # Maria Luciana Biondo Silva direcionadas ao controle da raiva em cães. No Brasil, entretanto, ainda existem áreas endêmicas para o ciclo urbano, o qual envolve reservatórios domésticos, como cães e gatos. Por sua vez, observou-se a emergência do ciclo silvestre e seus reservatórios selvagens, como morcegos, cachorros do mato, raposas e primatas não humanos. (MAIA-ELKHPOURY; ROCHA; WADA, 2011) A profilaxia antirrábica destina-se à proteção de humanos com exposição ao vírus da raiva, através do uso de vacina e/ou soro contra a raiva. Para a adequada utilização desses produtos, existem protocolos estabelecidos pela Norma Técnica para Tratamento Profilático Antirrábico Humano, em conformidade com as diretrizes nacionais e internacionais preconizadas para a proteção em humanos, contra o vírus da raiva. A descentralização dos atendimentos em saúde para as equipes Estratégias Saúde da Família é um dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), e a descentralização da Vigilância Epidemiológica (VE) é um importante passo para a evolução do atendimento antirrábico humano, considerando ainda os aspectos conceituais de avaliação desses atendimentos. Será avaliada neste artigo a situação do atendimento antirrábico humano realizado pelas equipes Estratégia Saúde da Família. O resultado desta pesquisa servirá para avaliar o potencial dessas equipes e como a VE do Distrito Sanitário Leste gerenciará as questões abordadas, as dificuldades e os desafios para desenvolver as ações de prevenção e promoção dos cuidados de atendimento. 2 Descentralização da Vigilância Epidemiológica A descentralização da gestão da atenção à saúde representa um componente fundamental na consolidação do sistema de saúde do Brasil. Adotada para oferecer atenção integral e ampliada à população, essa estratégia vem sendo implementada nos municípios brasileiros, desde 1993, com vistas à reorganização dos sistemas locais de saúde inspirada nos princípios da integralidade, equidade, descentralização e participação popular. (BRASIL, 2009b) A descentralização da VE para os municípios ocorre gradualmente, com repasse das responsabilidades e também dos recursos da esfera federal para a esfera municipal (MELO; SANTOS, 2008). Assim, um grande passo para a reorientação das práticas de saúde é a descentralização da VE para a Equipe Saúde da Família, à medida que os profissionais incorporam-na como uma Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 91 Análise da Realização e a Avaliação do Atendimento Antirrábico Humano Realizado pela Equipe de Estratégia Saúde da Família dos Centros de Saúde do Distrito Sanitário Leste do Município de Florianópolis, Considerando-se Indicadores Epidemiológicos atividade cotidiana do trabalho e desde que o contexto político local seja favorável a esse processo de mudanças. 2.1 Conceituação de Epidemiologia A epidemiologia é o eixo da saúde pública que proporciona bases para a avaliação das medidas de profilaxia, fornece pistas para os diagnósticos de doenças transmissíveis ou não e enseja a verificação de hipóteses de causalidade. Ela estuda a distribuição da morbidade e da mortalidade a fim de traçar o perfil de saúde e doença nas comunidades humanas. Realiza testes de eficácia e de inocuidade de vacinas, desenvolve a vigilância epidemiológica, analisa os fatores ambientais e socioeconômicos que possam ter alguma influência na eclosão de doenças e nas condições de saúde e constitui um dos elos entre a comunidade e o governo, estimulando a prática da cidadania através do controle dos serviços de saúde, exercido pela sociedade. A Associação Internacional de Epidemiologia (IEA) cita três objetivos principais de epidemiologia: descrever a distribuição e a magnitude dos problemas de saúde nas populações humanas; proporcionar dados essenciais para o planejamento, execução e avaliação das ações de prevenção, controle e tratamento das doenças; e estabelecer prioridades e identificar fatores etiológicos na gênese das enfermidades. Pode-se dizer que uma definição precisa do termo epidemiologia não é fácil, pois sua temática é dinâmica e seu objeto complexo. De uma maneira mais simplificada, a epidemiologia define-se como: [...] ciência que estuda o processo saúde-doença em coletividades humanas, analisando a distribuição e os fatores determinantes das enfermidades, danos à saúde e eventos associados à saúde coletiva, propondo medidas específicas de prevenção, controle ou erradicação de doenças, e fornecendo indicadores que sirvam de suporte ao planejamento, administração e avaliação das ações de saúde. (GOLDBAUM, 1990, p. 247) 2.2 Prevenção A saúde pública e a epidemiologia são consideradas indissociáveis quanto aos seus objetivos sociais e quanto à sua prática, sendo a segunda o instrumento privilegiado para orientar a atuação da primeira. Se a saúde 92 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Solange Alberti Andrzejewski #Marcos Abilio Bosquetti # Maria Luciana Biondo Silva pública é a face tecnológica, a epidemiologia é a face científica. A saúde pública intervém buscando evitar doenças, prolongar a vida e desenvolver a saúde física e mental e a eficiência. A epidemiologia faz a observação exata, a sistematização científica dos eventos de saúde e doença em nível coletivo, orientando as ações de intervenção. (ALMEIDA FILHO; ROUQUAYROL, 1999) Saúde pública é a ciência e a arte de evitar doença, prolongar a vida e desenvolver a saúde física e mental e a eficiência, através dos esforços organizados da comunidade para saneamento do meio ambiente, o controle de infecções na comunidade, organização de serviços médicos e paramédicos, para diagnóstico precoce e o tratamento preventivo de doenças, e o aperfeiçoamento da máquina social, que irá assegurar a cada indivíduo, dentro da comunidade, um padrão de vida adequado à manutenção da saúde. (ALMEIDA FILHO; ROUQUAYROL, 1999, p. 25) A prevenção é abrangente, incluída não só a ação dos profissionais, mas cabe a eles uma importante parcela de ação preventiva com uma decisão técnica, com ação direta e parte de ação educativa. 2.3 Vigilância Epidemiológica e Estratégia Saúde da Família A Vigilância Epidemiológica (VE), segundo a Lei Orgânica de Saúde (BRASIL, 2009b), é o conjunto de ações que proporciona o conhecimento, a detecção e a prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes da saúde individual ou coletiva. Ela tem como finalidade recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle de doenças ou agravos. Essa concepção rompe com um modelo de atenção à saúde com enfoque biológico e centrado na atenção à doença e, para implementar medidas eficazes de controle, adota como paradigma o conhecimento dos fatores que determinam e condicionam o aparecimento de um agravo nos espaços coletivos. Segundo Brasil (1990), são funções da vigilância epidemiológica a coleta e o processamento de dados; a análise e a interpretação dos dados processados; a recomendação das medidas de controle apropriadas; a promoção das ações de controle indicadas; a avaliação da eficácia e da efetividade das medidas adotadas; e a divulgação das informações pertinentes. Tais funções estão pautadas, portanto, na tríade informação-decisão-ação. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 93 Análise da Realização e a Avaliação do Atendimento Antirrábico Humano Realizado pela Equipe de Estratégia Saúde da Família dos Centros de Saúde do Distrito Sanitário Leste do Município de Florianópolis, Considerando-se Indicadores Epidemiológicos Para que haja o fortalecimento da vigilância epidemiológica, é preciso ampliar sua atuação para além do controle das doenças transmissíveis, com a inclusão de outros agravos relevantes para a saúde da população. A atuação da VE deve ultrapassar o enfoque da doença, procurando identificar os fatores que determinam o processo saúde-doença e, assim, desenvolver práticas voltadas para a promoção da saúde. O Programa de Saúde da Família (PSF) assume papel fundamental, pois deve se constituir na porta de entrada do atendimento de saúde no SUS. A partir da década de 1960, a VE foi solidificada internacionalmente e compreendida como o conhecimento da história natural da doença e dos seus fatores condicionantes, permitindo indicar medidas eficazes e eficientes para prevenir e controlar determinadas doenças (MENCK; RACZ, 2004). A Portaria n. 104, de 25 de janeiro de 2011, Define as terminologias adotadas em legislação nacional, conforme o disposto no Regulamento Sanitário Internacional 2005 (RSI 2005), a relação de doenças, agravos e eventos em saúde pública de notificação compulsória em todo o território nacional e estabelece fluxo, critérios, responsabilidades [...]. (BRASIL, 2011, p. 37) Na Lista de Notificação Compulsória, está incluído, entre os agravos e eventos relacionados aos de interesse deste artigo, o atendimento antirrábico, e fazem parte da Lista Nacional de Notificação Compulsória Imediata a raiva humana, doença, morte ou evidência de animais com agente etiológico que pode acarretar a ocorrência de doenças em humanos, com destaque para os primatas não humanos, morcegos e canídeos. (BRASIL, 2011) O Programa Saúde da Família (PSF) foi implementado para modificar as práticas sanitárias, à medida que as ações estariam direcionadas para as famílias de cada território, permitindo conhecer mais de perto o estado de saúde da população local. Assim, existem maiores possibilidades de as Equipes Saúde da Família (ESF) desenvolverem com eficácia as funções inerentes à VE, implicando a melhoria dos indicadores de saúde dos grupos populacionais, uma vez que a ESF convive mais de perto com os problemas de saúde da população e tem condições de intervir oportunamente nos fatores determinantes do processo saúde-doença. 94 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Solange Alberti Andrzejewski #Marcos Abilio Bosquetti # Maria Luciana Biondo Silva Os serviços envolvidos na melhoria das condições de vida e saúde da população, a vigilância epidemiológica e a atenção básica em saúde atuam em diferentes escopos, mas agem integrados dentro de um mesmo objeto de trabalho, ou seja, na coletividade, dividindo suas atuações na detecção de agravos e resposta a eventos de saúde. Embora pesem alguns obstáculos enfrentados para a sua efetivação, a descentralização dos serviços e ações de saúde no país apresenta avanços, sobretudo na reorganização da Atenção Básica aos municípios, nos quais a Estratégia Saúde da Família (ESF) foi efetivamente adotada e o modelo de Vigilância da Saúde (VS) centrada na integralidade da atenção foi assumido. (ARAÚJO; ROCHA, 2007) A concepção de integralidade que fundamenta essa estratégia favorece a ação interdisciplinar do trabalho em equipe, implicando na possibilidade da prática de um profissional se reconstruir na prática do outro e, desse modo, alcançar maior impacto sobre os diferentes fatores que interferem no processo saúde-doença. (MAIA-ELKHPOURY; ROCHA; WADA, 2011) A VE tem como objetivo a análise permanente da situação de saúde da população e a organização e execução de práticas de saúde adequadas ao enfrentamento dos problemas existentes. Para a identificação de novas situações e potenciais ameaças sanitárias, a inserção da VE no cotidiano das rotinas das equipes de saúde da família traz, de forma gradativa, impacto nos principais indicadores de saúde, mudando a realidade e a qualidade de vida das populações. 3 Estratégia Saúde da Família A origem do Programa Saúde da Família teve início em 1994 como um dos programas propostos pelo governo federal aos municípios para implementar a atenção primária. A família passa a ser o objeto de atenção, no ambiente em que vive, permitindo se ter uma compreensão ampliada do processo saúde-doença. No âmbito da reorganização dos serviços de saúde, a Estratégia Saúde da Família vai ao encontro dos debates e análises referentes ao processo de mudança do paradigma que orienta o modelo de atenção à saúde vigente e que vem sendo enfrentado, desde a década de 1970, pelo conjunto de atores e sujeitos sociais comprometidos com um novo modelo que valorize as ações de promoção e proteção da saúde, prevenção das doenças e atenção integral às pessoas. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 95 Análise da Realização e a Avaliação do Atendimento Antirrábico Humano Realizado pela Equipe de Estratégia Saúde da Família dos Centros de Saúde do Distrito Sanitário Leste do Município de Florianópolis, Considerando-se Indicadores Epidemiológicos A Saúde da Família é entendida como uma estratégia de reorientação do modelo assistencial, operacionalizada mediante a implantação, em unidades básicas de saúde, de equipes multiprofissionais, as quais são responsáveis pelo acompanhamento de um número definido de famílias, localizadas em uma área geográfica delimitada. As equipes atuam com ações de promoção da saúde, prevenção, recuperação, reabilitação de doenças e agravos mais frequentes e na manutenção da saúde dessas famílias. O trabalho das Equipes Saúde da Família é o elemento-chave para a busca permanente de comunicação e troca de experiências e conhecimentos entre os integrantes da equipe e desses com o saber popular do agente comunitário de saúde. As equipes são compostas, no mínimo, por um médico de família, um enfermeiro, um técnico ou auxiliar de enfermagem e seis agentes comunitários de saúde. Quando ampliadas, contam ainda com um dentista, um auxiliar de consultório dentário e um técnico em higiene dental. Cada equipe se responsabiliza pelo acompanhamento de uma determinada área, e esta passa a ter corresponsabilidade no cuidado da saúde. A atuação das equipes ocorre principalmente nas unidades básicas de saúde, nas residências e na mobilização da comunidade, caracterizando-se como porta de entrada a um sistema hierarquizado e regionalizado de saúde, por ter território definido, com uma população delimitada, sob a sua responsabilidade, por intervir sobre os fatores de risco aos quais a comunidade está exposta, por prestar assistência integral, permanente e de qualidade, por realizar atividades de educação e promoção da saúde, por estabelecer vínculos de compromisso e de corresponsabilidade com a população, por estimular a organização das comunidades, para exercer o controle social das ações e serviços de saúde, por utilizar sistemas de informação para o monitoramento e a tomada de decisões, e por atuar de forma intersetorial, por meio de parcerias estabelecidas com diferentes segmentos sociais e institucionais, de forma a intervir em situações que transcendem a especificidade do setor saúde e que têm efeitos determinantes sobre as condições de vida e saúde dos indivíduos, das famílias e da comunidade. A Saúde da Família, como estratégia estruturante dos sistemas municipais de saúde, tem provocado um importante movimento com o intuito de reordenar o modelo de atenção no SUS. Busca maior racionalidade na utilização dos demais níveis assistenciais e tem produzido resultados positivos nos principais indicadores de saúde das populações assistidas pelas Equipes Saúde da Família. (MAIA-ELKHPOURY; ROCHA; WADA, 2011) 96 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Solange Alberti Andrzejewski #Marcos Abilio Bosquetti # Maria Luciana Biondo Silva 4 Raiva Conhecida desde a antiguidade e descrita por historiadores, estudiosos e religiosos, a raiva humana é uma das doenças infecciosas mais antigas e letais que acompanham a trajetória humana. No século XVIII, Pasteur afirmava que “Para se ter raiva, havia a necessidade de se ter envolvimento com um cão raivoso”. Em 1911, o veterinário Antonio Carini contesta essa idéia e levanta a possibilidade da participação dos morcegos como transmissores da raiva [...], mas, entre 1925 e 1929, após um possível surto de paralisia ascendente em humanos e botulismo em animais, na ilha de Trinidad, no Caribe, os médicos Hurst e Pawan desfizeram o erro diagnóstico e confirmaram que a doença em bovinos e humanos tratava-se de raiva transmitida por morcegos hematófagos. Em 1931-1932, aceitou-se finalmente a idéia de que morcegos hematófagos também podiam transmitir raiva aos animais e aos seres humanos. A historicidade dos relatos ao longo dos séculos demonstra a existência de inúmeras interfaces entre a raiva humana e animal; a complexidade dessa doença continua sendo um dos grandes desafios para a ciência, a raiva humana mantém-se em sua história natural como uma antropozoonose, com quadro de encefalite viral aguda transmitida por mamíferos; é de suma importância epidemiológica, pois apresenta 100% de letalidade. (FREITAS; SILVA, 2007, s. p.) Depois de instalada, a raiva não tem tratamento específico, e não se tem relato de imunidade natural no homem. No entanto, dispõe-se de medidas eficientes de prevenção tanto em relação ao ser humano quanto à fonte de infecção (vacina e soros homólogos e heterólogos), sendo considerada doença passível de eliminação no ciclo urbano. A raiva apresenta dois ciclos básicos de transmissão: urbano e silvestre. No ciclo urbano, as principais fontes de infecção são o cão e o gato. O morcego é o principal responsável pela manutenção do ciclo silvestre, por ser o único mamífero que voa, mantendo a disseminação do vírus ao transpor barreiras geográficas (CARDOSO; FERREIRA; FILGUEIRA, 2011). Ainda no ciclo silvestre, têm-se, entre outros animais, as raposas, macacos, quatis e guaxinins como agentes transmissores. Na zona rural, a doença afeta animais de produção, bovinos, equinos, suínos e caprinos, que contribuem como sentinelas, Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 97 Análise da Realização e a Avaliação do Atendimento Antirrábico Humano Realizado pela Equipe de Estratégia Saúde da Família dos Centros de Saúde do Distrito Sanitário Leste do Município de Florianópolis, Considerando-se Indicadores Epidemiológicos pois, quando adoecem com diagnóstico de raiva, sinalizam para a presença no ambiente de morcegos infectados com o vírus rábico. Na atualidade, persistem casos de raiva em todos os continentes, com exceção da Oceania. Alguns países da América (Uruguai, Barbados, Jamaica e Ilhas do Caribe), da Europa (Portugal, Espanha, Irlanda, Grã-Bretanha, Países Baixos e Bulgária) e da Ásia (Japão) encontram-se livres da infecção no seu ciclo urbano (transmitidas por cães e gatos). Entretanto, outros países (França e Inglaterra, EUA e Canadá) ainda enfrentam problemas quanto ao ciclo silvestre da doença relacionado especialmente com raposas. (GARCIA et al., 1999) Os casos de raiva humana transmitida por cão e gato estão controlados nas regiões Sul e Sudeste. No entanto, devido a modificações ambientais, vem sendo observado no país um novo perfil epidemiológico de raiva humana transmitida por morcegos hematófagos e não hematófagos (MENCK; RACZ, 2004). Em áreas urbanas, observa-se ainda a presença do vírus em pequenos primatas e carnívoros silvestres, que, ao se aproximarem das cidades, agridem as pessoas, contribuindo para o aparecimento de casos. (CARDOSO; FERREIRA; FILGUEIRA, 2011) O vírus rábico pertence à ordem Mononegavirales, família Rhabdoviridae e gênero Lyssavirus. A transmissão da raiva se dá pela penetração do vírus contido na saliva do animal infectado, principalmente pela mordedura e, mais raramente, pela arranhadura e lambedura de mucosas. O vírus penetra no organismo, multiplica-se no ponto de inoculação, atinge o sistema nervoso periférico e, posteriormente, o sistema nervoso central. A partir daí, dissemina-se para vários órgãos, incluindo glândulas salivares, nas quais também se replica e é eliminado pela saliva das pessoas ou animais enfermos. Nos cães e gatos, a eliminação de vírus pela saliva ocorre de dois a cinco dias antes do aparecimento dos sinais clínicos, persistindo durante toda a evolução da doença. A morte do animal acontece, em média, entre cinco e sete dias após a apresentação dos sintomas. Em relação aos animais silvestres, há poucos estudos sobre o período de transmissibilidade. (SOLLA; TEIXEIRA, 2006) O período de incubação é variável, desde dias até anos, com uma média de 45 dias no homem e de 10 dias a dois meses no cão. Em crianças, existe tendência para um período de incubação menor que no indivíduo adulto. O período de incubação está diretamente associado à localização, extensão e 98 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Solange Alberti Andrzejewski #Marcos Abilio Bosquetti # Maria Luciana Biondo Silva profundidade do ferimento ou contato com a saliva de animais infectados; à distância entre o local do ferimento e os troncos nervosos; e à concentração de partículas virais inoculadas e cepa viral. Após a introdução do vírus no organismo, há um período variável de incubação, no qual aparecem sintomas que duram de dois a quatro dias e são inespecíficos. O paciente apresenta mal-estar geral, pequeno aumento de temperatura, anorexia, cefaleia, náuseas, dor de garganta, entorpecimento, irritabilidade, inquietude e sensação de angústia. Podem ocorrer alterações de comportamento e hiperestesia e parestesia próximas ao local da mordedura, no trajeto de nervos periféricos. A infecção progride, surgindo manifestações de ansiedade e hiperexcitabilidade crescentes, febre, delírios, espasmos musculares involuntários e generalizados e/ou convulsões. Espasmos dos músculos da laringe, faringe e língua ocorrem quando o paciente vê ou tenta ingerir líquido, apresentando sialorreia intensa. O paciente se mantém consciente, com período de alucinações, até a instalação de quadro comatoso e evolução para óbito. Observa-se ainda a presença de disfagia, aerofobia, hiperacusia e fotofobia. O período de evolução do quadro clínico, da ocorrência dos primeiros sinais e sintomas até o óbito, é em geral de cinco a sete dias. No exame físico, ante a suspeita clínica, deve ser observada a presença de hiperacusia, hiperosmia, fotofobia, aerofobia, hidrofobia e alterações de comportamento. A confirmação do caso de raiva se faz através de exame laboratorial realizado pelo método de imunofluorescência direta (IFD) em impressão de córnea, raspado de mucosa lingual (swab) ou tecido bulbar de folículos pilosos, obtidos por biópsia de pele da região cervical. As amostras devem ser encaminhadas para o laboratório local de cada Estado, o qual enviará as amostras positivas de cães, gatos, humanos e animais silvestres ao laboratório de referência, para a realização de tipificação. Os laboratórios devem notificar o solicitante do exame e a Secretaria Municipal de Saúde, que, por sua vez, repassará as informações para a Secretaria Estadual de Saúde e a Secretaria de Vigilância em Saúde. (SOLLA; TEIXEIRA, 2006) 5 Treinamento e Desenvolvimento de Pessoas Ao se falar em treinamento ou capacitação, deve-se levar em consideração que esse processo é fundamental para se ter um desenvolvimento pessoal Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 99 Análise da Realização e a Avaliação do Atendimento Antirrábico Humano Realizado pela Equipe de Estratégia Saúde da Família dos Centros de Saúde do Distrito Sanitário Leste do Município de Florianópolis, Considerando-se Indicadores Epidemiológicos à altura da qualidade do serviço oferecido e é mais do que necessário para a sobrevivência de uma empresa ou instituição; além do mais, é importante que se passe a efetuar treinamentos, capacitações de maneira habitual, fazendo com que a educação permanente seja integrada na prática dos serviços efetuados. Verificar periodicamente se os profissionais estão atuando com ética, com respeito às normas estabelecidas, de maneira coerente e com eficiência é uma tarefa que deve ser executada pelos gestores ou responsáveis. A partir disso, deve-se estabelecer planos de ação para moldar e melhorar a produtividade e o serviço ofertado. Um ponto crucial deve ser a construção de uma nova consciência de sujeito público, que gere novos pensamentos e ações, no sentido de criar modelos assistenciais alternativos. (PAIM, 2001) O processo de treinamento é uma forma de ação intencional com o objetivo de fornecer meios para possibilitar a aprendizagem, que pode ser definida como o processo pelo qual adquire-se a experiência que leva a aumentar a capacidade produtiva das pessoas, a alterar disposições de ações em relação ao ambiente e à mudança de comportamento. (BOOG, 2001) Investir em treinamento e desenvolvimento é uma das formas que as instituições encontram para trabalhar suas equipes de maneira a capacitá-las e consequentemente garantir o seu sucesso no ramo de atividade. Capacitar o grupo favorece a qualidade dos serviços prestados, além de padronizar e melhorar as tomadas de decisões. Treinamento é o processo educacional de curto prazo aplicado de maneira sistemática e organizada, através do qual as pessoas aprendem conhecimentos, atitudes e habilidades em função de objetivos definidos. O treinamento envolve a transmissão de conhecimentos específicos relativos ao trabalho, atitudes perante aspectos da organização, da tarefa e do ambiente e desenvolvimento de habilidades. (CHIVENATO, 2006) O processo de Treinamento e Desenvolvimento (T&D) ajuda a desenvolver características individuais que auxiliam na aprendizagem, na transmissão de informações e no desenvolvimento de habilidades e conceitos, a fim de modificar determinadas atitudes; é um processo de assimilação cultural que objetiva repassar ou reciclar conhecimentos, habilidades ou atitudes relacionados diretamente à execução de tarefas ou à sua otimização no trabalho. O treinamento produz um estado de mudança no conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes (CHA) de cada trabalhador, uma vez que implementa ou modifica a sua bagagem de conhecimentos. Afirma-se que o T&D é um dos subsistemas mais importantes da área de recursos humanos e é composto pelo levantamento das necessidades, planejamento, programa- 100 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Solange Alberti Andrzejewski #Marcos Abilio Bosquetti # Maria Luciana Biondo Silva ção de módulos, treinamento (operacional e administrativo), avaliação de desempenho, desenvolvimento (executivos e talentos), biblioteca e banco de dados. (MARRAS, 2000) Segundo Chiavenato (1999a, p. 294), [...] a conceituação de treinamento apresenta significados diferentes. Antigamente alguns especialistas em RH consideravam o treinamento um meio para adequar cada pessoa ao seu cargo e desenvolver a força de trabalho da organização a partir dos cargos ocupados. Mais recentemente passou-se a ampliar o conceito, considerando o treinamento um meio para alavancar o desempenho no cargo [...]. Já para Boog (2001), o treinamento tornou-se fundamental para o desenvolvimento das civilizações, pois possibilitou a transmissão dos conhecimentos e habilidades das invenções e criações do homem. Modernamente o treinamento é considerado um meio para desenvolver competências nas pessoas, para que elas se tornem produtivas, criativas e inovadoras, a fim de contribuir melhor para os objetivos organizacionais. Assim, também Chiavenato (2006) cita que o programa de treinamento pode ser de quatro fases: a) levantamento de necessidades de treinamento (diagnóstico); b) programação de treinamento para atender às necessidades; c) implementação e execução; e d) avaliação dos resultados. O processo de treinamento não deve ser confundido com a simples questão de realizar cursos e proporcionar informações. Significa atingir o nível de desempenho almejado pela instituição através do desenvolvimento contínuo das pessoas que nela trabalham e identificar constantemente as necessidades, de acordo com as estratégias organizacionais. 6 Descrição do Distrito Sanitário Leste A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Florianópolis está dividida em cinco Distritos Sanitários de Saúde: Distrito Sanitário Sul, Leste, Centro, Norte e Continente, os quais possuem base territorial e epidemiológica regionalizadas e encontram-se vinculados e subordinados técnica e administrativamente à Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 101 Análise da Realização e a Avaliação do Atendimento Antirrábico Humano Realizado pela Equipe de Estratégia Saúde da Família dos Centros de Saúde do Distrito Sanitário Leste do Município de Florianópolis, Considerando-se Indicadores Epidemiológicos Secretaria Municipal de Saúde. Cada distrito sanitário é composto pelo Diretor do Distrito Sanitário, pelo Supervisor de Atenção Primária, pelo Supervisor de Média/Alta Complexidade, pelo Assessor Regional de Vigilância em Saúde e pelo Assessor Administrativo/Logística. Eles foram criados em 2002, inicialmente com o nome de Regionais de Saúde, oficializados pela Lei n. 137/2004 (FLORIANÓPOLIS, 2004). Segue o regimento do Distrito Sanitário, que em resumo tem a finalidade de descentralizar os serviços, auxiliar na resolução de problemas levantados, intermediar o processo de trabalho e gerenciar recursos humanos, logística, planejamento, educação permanente e ações de controle entre os centros de saúde sob a responsabilidade de cada Distrito Sanitário, intermediando com os demais setores e os gestores da Secretaria Municipal de Saúde. O Distrito Sanitário Leste é composto por nove Centros de Saúde (CS): CS Barra da Lagoa, CS Costa da Lagoa, CS Lagoa da Conceição, CS Canto da Lagoa, CS Córrego Grande, CS Pantanal, CS Itacorubi, CS João Paulo, CS Saco Grande; um Centro de Zoonose; e um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas da Ilha (CAPS AD Ilha). A sede do Distrito Sanitário Leste situa-se na Rua José Henrique Veras, número 203, na Lagoa da Conceição; e este é composto pelos seguintes membros: a) uma diretora de DS (médica); b) uma supervisora de atenção primária (enfermeira); c) uma supervisora de média complexidade (enfermeira); d) um apoio logístico (dentista); e) um auxiliar administrativo; f) duas enfermeiras de vigilância epidemiológica (VE), uma das quais ocupa o cargo de chefe de departamento; e g) uma técnica de enfermagem de VE. Cada membro das equipes tem suas funções definidas e norteadas pelo nível central da SMS, atuando como ponte entre as demandas de serviços e as ações que são desenvolvidas nos Centros de Saúde, com o nível central, com a finalidade de auxiliar, agilizar e resolver questões técnicas e administrativas. No setor de VE do Distrito Sanitário Leste, os trabalhos são de investigação de agravo de notificação compulsória, de óbito infantil e óbito de mulheres em idade fértil, monitoramento em imunização, organização e avaliação de 102 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Solange Alberti Andrzejewski #Marcos Abilio Bosquetti # Maria Luciana Biondo Silva campanhas de vacinação, controle de surtos, capacitações e treinamentos em VE e suporte técnico em agravos e doenças imunopreveníveis. Entre os serviços efetuados, é de responsabilidade da VE do Distrito Sanitário Leste monitorar, acompanhar e assessorar a investigação do atendimento antirrábico humano realizado pelas equipes de saúde da família dos CS, fornecer dados epidemiológicos, alinhar estratégias para coberturas vacinais, e estar atento a situações de risco epidemiológico, a fim de que possam ser definidas ações em tempo hábil de impedir surtos ou calamidades, em conjunto com a Diretoria de Vigilância em Saúde. 7 Metodologia Foi realizado um estudo descritivo dos casos de raiva humana, e os atendimentos antirrábicos humanos foram notificados no SINAN, no município de Florianópolis, no ano de 2011. O atendimento antirrábico humano (ARH) é o agravo de maior ocorrência anualmente no Município de Florianópolis, totalizando 1.726 notificações em 2011. Não se tem registro de raiva humana na região Sul do Brasil desde 1987. (FREITAS; SILVA, 2007) Dos casos de ARH notificados, foi feito um levantamento das frequências por espécie de animal agressor segundo a faixa etária, por tipo de ferimento, por tratamento indicado segundo a espécie de animal agressor e por abandono de tratamento indicado. Foi escolhido para pesquisa o ano 2011, por ser o mais recente com casos encerrados no Sistema Nacional de Notificação (SINAN). Para essa informação, foi feita a busca na Gerência de Vigilância Epidemiológica, setor de doenças agudas da Secretaria Municipal de Saúde. As frequências foram colocadas em planilha Excel e mostradas mais adiante, juntamente com as demais análises e resultados. Também foi realizada uma pesquisa de campo, aplicando-se um questionário para profissionais dos nove Centros de Saúde do Distrito Sanitário Leste. Responderam a ele aproximadamente 61 pessoas com as seguintes formações profissionais: enfermeiros, médicos, técnicos de enfermagem e agentes comunitários de saúde. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 103 Análise da Realização e a Avaliação do Atendimento Antirrábico Humano Realizado pela Equipe de Estratégia Saúde da Família dos Centros de Saúde do Distrito Sanitário Leste do Município de Florianópolis, Considerando-se Indicadores Epidemiológicos As perguntas do questionário foram elaboradas com a intenção de verificar como está sendo realizado o atendimento antirrábico humano nos Centros de Saúde do Distrito Sanitário Leste, qual é o entendimento de cada componente da equipe Estratégia Saúde da Família e que ações estão sendo realizadas, avaliando não só a questão técnica como também as condições de capacitação, recursos humanos, disponibilidade de vacina/soro antirrábico e encaminhamentos necessários para o desenvolvimento do atendimento. 8 Análise e Resultados Na Tabela 1, verifica-se que, entre os atendimentos antirrábicos humanos realizados em Florianópolis no ano 2011, a maior a frequência por espécie de animal agressor está na faixa etária entre 5 a 34 anos, totalizando 869 ocorrências, que representam 50,3% do total de atendimentos. Observa-se também que, em todas as faixas etárias, a maior ocorrência de ataques é da espécie canina. Tabela 1: Frequência por espécie de animal agressor segundo a faixa etária Faixa Etária <1 Ano 1-4 5-14 15-24 25-34 35-44 45-54 55-64 65 e+ Total Ign/ Branco Canina Felina Quiróptera Primata Outra Total 0 0 1 0 0 0 0 0 0 1 26 102 336 216 244 184 187 161 117 1.573 3 6 16 20 29 20 14 18 12 138 0 0 0 2 1 0 0 0 2 5 0 0 0 1 1 0 3 0 0 5 0 0 0 0 2 2 0 0 0 4 29 108 353 239 277 206 204 179 131 1.726 Fonte: Brasil (2013) Três tipos de ferimentos, superficial, profundo e dilacerante ocorreram no ano 2011. O de maior frequência é o ferimento superficial, com 1.050 casos, que representam 60,8 % do total (Tabelas 2, 3 e 4). 104 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Solange Alberti Andrzejewski #Marcos Abilio Bosquetti # Maria Luciana Biondo Silva Tabela 2: Frequência por ferimento profundo segundo o tipo de ferimento Ferimento Ign/Branco Único Múltiplo Total Ign/ Branco 8 4 0 12 Profundo Não Total 0 295 325 620 5 788 301 1.094 13 1.087 626 1.726 Fonte: Brasil (2013) Tabela 3: Frequência por ferimento superficial segundo o tipo de ferimento Ferimento Ign/Branco Superficial Não Total 8 2 0 10 5 762 283 1.050 0 323 343 666 13 1.087 626 1.726 Ign/Branco Único Múltiplo Total Fonte: Brasil (2013) Tabela 4: Frequência por ferimento dilacerante segundo o tipo de ferimento Ferimento Ign/Branco Único Múltiplo Total Ign/Branco Dilacerante Não Total 8 3 0 11 0 45 94 139 5 1.039 532 1.576 13 1.087 626 1.726 Fonte: Brasil (2013) Ao se analisarem as fichas de atendimento antirrábico humano realizado pelas Unidades de Saúde em 2011, verificou-se que a maior frequência de indicação de tratamento foi em relação a cão ou gato, com 1.292 indicações, que representam 78,8% dos casos. Esse fato comprova a importância de se fazer o acompanhamento no período de observação do cão ou gato, que é de 10 dias após a exposição da agressão. A segunda maior frequência é a indicação da vacina contra raiva, com 311 indicações, totalizando 18,0% dos casos, seguida da indicação de soro mais vacina, com 78 indicações, representando 4,5% dos atendimentos (Tabela 5). Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 105 Análise da Realização e a Avaliação do Atendimento Antirrábico Humano Realizado pela Equipe de Estratégia Saúde da Família dos Centros de Saúde do Distrito Sanitário Leste do Município de Florianópolis, Considerando-se Indicadores Epidemiológicos Tabela 5: Frequência por tratamento indicado segundo a espécie do animal agressor Espécie de Ignorado ou em animal agressor branco Pré Dispensa de exposição tratamento Observação do animal (se cão ou gato) Observação mais vacina Vacina Soro mais vacina Esquema de Reexposição Total Ign/Branco 1 0 0 0 0 0 0 0 1 Canina 3 4 1 1.202 25 287 49 2 1.573 Felina 2 1 0 90 5 24 16 0 138 Quiróptera (morcego) 0 0 0 0 0 0 5 0 5 Primata (macaco) 0 0 0 0 0 0 5 0 5 Outra 1 0 0 0 0 0 3 0 4 Total 7 5 1 1.292 30 311 78 2 1.726 Fonte: Brasil (2013) A pesquisa realizada foi para amostragem. Participaram os profissionais que compõem as equipes básicas de Estratégia Saúde da Família (médico, enfermeiro, técnico de enfermagem, agente comunitário de saúde e coordenadores dos Centros de Saúde (CS) do Distrito Sanitário Leste). Foi aplicado questionário com perguntas objetivas e dissertativas para: a) 11 médicos; b) 12 enfermeiros; c) 17 técnicos de enfermagem; d) 12 agentes comunitários de saúde; e e) 9 coordenadores dos centros de saúde. Todos os nove centros de saúde do Distrito Sanitário Leste foram contemplados na pesquisa e todos fazem o atendimento Antirrábico Humano (ARH), independente de possuírem ou não sala de vacina; inclusive, seis deles possuem sala de vacinação e três não. Analisando as respostas dadas ao questionário pelos profissionais, têm-se as seguintes avaliações concluídas, que estão colocadas em forma nos 15 gráficos a seguir. 106 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Solange Alberti Andrzejewski #Marcos Abilio Bosquetti # Maria Luciana Biondo Silva 120 100 80 60 40 20 0 Gráfico 1: Resposta dos enfermeiros dos centros de saúde do Distrito Sanitário Leste Fonte: Elaborada pelo autora deste artigo 18% 36% Muito bom Bom Regular 46% Gráfico 2: Opinião dos enfermeiros sobre o ARH nos centros de saúde do Distrito Sanitário Leste Fonte: Elaborada pelo autora deste artigo Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 107 Análise da Realização e a Avaliação do Atendimento Antirrábico Humano Realizado pela Equipe de Estratégia Saúde da Família dos Centros de Saúde do Distrito Sanitário Leste do Município de Florianópolis, Considerando-se Indicadores Epidemiológicos Treinamento/capacitação 16 Melhorar as notificações em ARH 8 Ter ficha de notificação no InfoSaúde 8 55 Ter ARH nas UPAs Todos os CS com sala de vacina 8 Não tem sugestão 8 Gráfico 3: Sugestão dos enfermeiros para melhorar o ARH nos centros de saúde do Distrito Sanitário Leste Fonte: Elaborada pelo autora deste artigo 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 Gráfico 4: Resposta dos médicos dos centros de saúde do Distrito Sanitário Leste Fonte: Elaborada pelo autora deste artigo 108 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Solange Alberti Andrzejewski #Marcos Abilio Bosquetti # Maria Luciana Biondo Silva 18,2% 27,3% Muito bom Bom Regular Sem opinião 9% 45,5% Gráfico 5: Opinião dos médicos sobre o ARH nos centros de saúde do Distrito Sanitário Leste Fonte: Elaborada pelo autora deste artigo Gráfico 6: Sugestão dos médicos para melhorar o ARH nos centros de saúde do Distrito Sanitário Leste Fonte: Elaborada pelo autora deste artigo Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 109 Análise da Realização e a Avaliação do Atendimento Antirrábico Humano Realizado pela Equipe de Estratégia Saúde da Família dos Centros de Saúde do Distrito Sanitário Leste do Município de Florianópolis, Considerando-se Indicadores Epidemiológicos Gráfico 7: Resposta dos coordenadores dos centros de saúde do Distrito Sanitário Leste Fonte: Elaborada pelo autora deste artigo 11,1% 11,2% Muito bom Bom Regular 77,7% Gráfico 8: Opinião dos coordenadores sobre o ARH nos centros de saúde do Distrito Sanitário Leste Fonte: Elaborada pelo autora deste artigo 110 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Solange Alberti Andrzejewski #Marcos Abilio Bosquetti # Maria Luciana Biondo Silva Treinamento/capacitação 33,3% Material para consulta de fácil acesso 55,5% Não ter falta de vacina contra a raiva humana 11,1% Não tem sugestão 11,1% Gráfico 9: Sugestão dos coordenadores para melhorar o ARH nos centros de saúde do Distrito Sanitário Leste Fonte: Elaborada pelo autora deste artigo 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 Gráfico 10: Resposta dos técnicos de enfermagem dos centros de saúde do Distrito Sanitário Leste Fonte: Elaborada pelo autora deste artigo Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 111 Análise da Realização e a Avaliação do Atendimento Antirrábico Humano Realizado pela Equipe de Estratégia Saúde da Família dos Centros de Saúde do Distrito Sanitário Leste do Município de Florianópolis, Considerando-se Indicadores Epidemiológicos 5,9% 5,8% Muito bom Bom Regular 88,3% Gráfico 11: Opinião dos técnicos de enfermagem sobre o ARH nos centros de saúde do Distrito Sanitário Leste Fonte: Elaborada pelo autora deste artigo Gráfico 12: Sugestão dos técnicos de enfermagem para melhorar o ARH nos centros de saúde do Distrito Sanitário Leste Fonte: Elaborada pelo autora deste artigo 112 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Solange Alberti Andrzejewski #Marcos Abilio Bosquetti # Maria Luciana Biondo Silva 75 66,6 58,3 50 33,3 25 25 8,3 Gráfico 13: Respostas dos agentes comunitários de saúde dos centros de saúde do Distrito Sanitário Leste Fonte: Elaborada pelo autora deste artigo 16% Muito bom 42% Bom Regular Sem opinião 42% 0% Gráfico 14: Opinião dos agentes comunitários de saúde sobre o ARH nos centros de saúde do Distrito Sanitário Leste Fonte: Elaborada pelo autora deste artigo Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 113 Análise da Realização e a Avaliação do Atendimento Antirrábico Humano Realizado pela Equipe de Estratégia Saúde da Família dos Centros de Saúde do Distrito Sanitário Leste do Município de Florianópolis, Considerando-se Indicadores Epidemiológicos Gráfico 15: Sugestão dos agentes comunitários de saúde para melhorar o ARH nos centros de saúde do Distrito Sanitário Leste Fonte: Elaborada pelo autora deste artigo 9 Considerações Finais Esta pesquisa foi realizada com a intenção de analisar, através das respostas aos questionários que deram os profissionais que compõem as equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF) dos centros de saúde do Distrito Sanitário Leste, o seu entendimento sobre o atendimento antirrábico humano (ARH) dos componentes da equipe de saúde, que é composta por médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e agentes comunitários. Também foi verificado como os coordenadores dos centros de saúde (CS) percebem esse atendimento. As enunciações avaliativas das entrevistas indicaram desempenho positivo quanto à capacidade de intervenção da ESF, ainda que relacionado sobretudo com a detecção dos cuidados que devem ser aplicados no que se refere à mordedura de animais com risco de transmitir raiva humana. Apesar de positiva, esta avaliação mostrou também que há necessidade de melhorar o atendimento antirrábico humano (ARH) e capacitar profissionais da saúde para atuarem efetivamente nesse atendimento aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). Na classe médica, o que chamou a atenção foi que, apesar de 90% efetuarem o ARH, apenas 60% sabem quando há necessidade de indicar o soro antirrábico humano para tratamento. O enfermeiro 114 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Solange Alberti Andrzejewski #Marcos Abilio Bosquetti # Maria Luciana Biondo Silva foi quem demonstrou mais entendimento sobre o ARH, mas apenas 63,7% têm conhecimento de que há casos de raiva humana no Brasil. Os técnicos de enfermagem executam a parte de vacinação antirrábica e fazem o acompanhamento dos pacientes durante o período de observação do cão e gato que os agrediram. Desses técnicos, 58,8% tiveram dúvidas em relação à indicação do soro antirrábico humano e 64,7% não sabem que há casos de raiva humana no país. Entre as respostas dos técnicos em relação às sugestões, 35,2% não tiveram nenhuma sugestão, o mesmo percentual de quem solicitou capacitação ou treinamento. Quanto ao agente comunitário de saúde (ACS), apesar de ele compor a equipe ESF, não faz parte de suas atribuições realizar o ARH; sua função nesse processo é auxiliar na observação do animal doméstico (cão e gato). Apesar de o conhecimento em ARH ser menor nessa categoria, 58,3% não tiveram sugestão para melhorá-lo e apenas 33,3% opinaram para que houvesse capacitação nesse tema. Entre os coordenadores, 88,8% sabem que esse é um agravo de notificação compulsória, mas só 33,3% disseram que há raiva humana no Brasil. O que ainda surpreendeu foi que mais da metade (55,5%) dos coordenadores não tinha sugestão para melhorar esse atendimento. Pode-se dizer que, entre as classes profissionais pesquisadas, o enfermeiro mostrou maior conhecimento do assunto, seguido do médico e do técnico de enfermagem. Essa tendência se confirma, pois são esses os profissionais que mais se envolvem no ARH. Em relação aos coordenadores dos centros de saúde, os resultados também são o esperado, já que eles não compõem a equipe de saúde ou são poucos os que a compõem. A pesquisa mostra ainda que todas as classes consideram o ARH bom ou muito bom e que, com exceção dos ACS, os demais apontaram a necessidade de receberem capacitações sobre o tema e orientação em relação ao ARH. O Ministério da Saúde tem uma estratégia proposta, chamada de Política Nacional de Educação Permanente, para atuar efetivamente com as necessidades populacionais. Diante da situação em que se encontra esse atendimento e seguindo o objetivo proposto neste artigo, são indispensáveis a criação e a adoção de políticas públicas educativas que contribuam positivamente para a promoção da saúde e colaborem para o trabalho em equipe entre profissionais, gestores e comunidade, com vistas ao bom resultado e à efetividade do atendimento antirrábico humano nos centros de saúde. Compondo um dos objetivos do planejamento da Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis, está a implementação da educação permanente Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 115 Análise da Realização e a Avaliação do Atendimento Antirrábico Humano Realizado pela Equipe de Estratégia Saúde da Família dos Centros de Saúde do Distrito Sanitário Leste do Município de Florianópolis, Considerando-se Indicadores Epidemiológicos aos profissionais das unidades de saúde. O Distrito Sanitário Leste propõe elaborar uma capacitação em atendimento antirrábico humano reforçando a importância dos profissionais de saúde permanecerem atentos à avaliação e indicação adequada e oportuna do tratamento antirrábico. Este estudo apontou para a necessidade de um investimento continuado de aprendizado, buscando identificar avanços e superar os entraves numa intervenção complexa e fundamental para mudar o estado de saúde da população. Referências ALMEIDA FILHO, N. de; ROUQUAYROL, M. Z. Epidemiologia e saúde. Rio de Janeiro: MEDSI, 1999. ARAÚJO, M. B. de S.; ROCHA, P. de M. Trabalho em equipe: um desafio para a consolidação da estratégia de saúde da família. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 12, n. 2, p. 455-464, mar.-abr. 2007. Disponível em: <http:// www.scielo.br/pdf/csc/v12n2/a22v12n2.pdf>. Acesso em: 15 jul. 2013. BOOG, G. G. Manual de treinamento e desenvolvimento: um guia de operações. São Paulo: Pearson Makron Books, 2001. BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria n. 104, de 25 de janeiro de 2011. Define as terminologias adotadas em legislação nacional, conforme o disposto no Regulamento Sanitário Internacional 2005 (RSI 2005), a relação de doenças, agravos e eventos em saúde pública de notificação compulsória em todo o território nacional e estabelece fluxo, critérios, responsabilidades e atribuições aos profissionais e serviços de saúde. Diário Oficial [da] União, Poder Executivo, Brasília, DF, 26 jan. 2011. Seção 1, p. 37. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/ portaria_104_26_2011_dnc.pdf>. Acesso em: 15 jul. 2013. 116 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Solange Alberti Andrzejewski #Marcos Abilio Bosquetti # Maria Luciana Biondo Silva ______. Ministério da Saúde. Portaria n. 5, de 21 de fevereiro de 2006. Inclui doenças na relação nacional de notificação compulsória, define doenças de notificação imediata, relação dos resultados laboratoriais que devem ser notificados pelos Laboratórios de Referência Nacional ou Regional e normas para notificação de casos. 2006. Disponível em: <http://tinyurl.com/jvhzjpv>. Acesso em: 15 jul. 2013. ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Vigilância em saúde: zoonoses. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2009a. 228 p. (Série B. Textos Básicos de Saúde) (Cadernos de Atenção Básica, 22). Disponível em: <http://189.28.128.100/dab/docs/ publicacoes/cadernos_ab/abcad22.pdf>. Acesso em: 15 jul. 2013. ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Guia de vigilância epidemiológica. 7. ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2009b. 816 p. (Série A. Normas e Manuais Técnicos). Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/guia_ vigilancia_epidemio_2010_web.pdf>. Acesso em: 15 jul. 2013. ______. Ministério da Saúde. Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Portal da saúde. [2013]. Disponível em: <http://portalsaude. saude.gov.br/portalsaude/>. Acesso em: 15 jul. 2013. ______. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei n. 8.808, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm>. Acesso em: 15 jul. 2013. CARDOSO, M. D.; FERREIRA, L. O. C.; FILGUEIRA, A. da C. Profilaxia antirrábica humana: uma análise exploratória dos atendimentos ocorridos em Salgueiro-PE, no ano de 2007. Epidemiologia e Serviços de Saúde, Brasília, v. 20, n. 2, p. 233-244, abr.-jun. 2011. Disponível em: <http://scielo. iec.pa.gov.br/pdf/ess/v20n2/v20n2a12.pdf>. Acesso em: 10 jul. 2013. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 117 Análise da Realização e a Avaliação do Atendimento Antirrábico Humano Realizado pela Equipe de Estratégia Saúde da Família dos Centros de Saúde do Distrito Sanitário Leste do Município de Florianópolis, Considerando-se Indicadores Epidemiológicos CHIVENATO, I. Administração: teoria, processo e prática. São Paulo: Elsevier, 2006. ______. Gestão de pessoas: o novo papel dos recursos humanos nas organizações. Rio de Janeiro: Campus, 1999a. FLORIANÓPOLIS. Lei complementar n. 137, de 2 de abril de 2004. Dispõe sobre a organização e estrutura da Secretaria Municipal de Saúde, fixa princípios e diretrizes de gestão e dá outras providências. 2004. Disponível em: <http://tinyurl.com/krm9bx7>. Acesso em: 14 jul. 2013. FREITAS, S. F. T.; SILVA, A. M. R. Características do atendimento antirábico humano no estado de Santa Catarina, área considerada sob controle para a raiva no ciclo urbano - 2002 a 2007. Florianópolis: DIVES, 2007. Não paginado. Disponível em: <http://tinyurl.com/pcnywmd>. Acesso em: 15 jul. 2013. GARCIA, R. C. M. et al. Análise de tratamento anti-rábico humano pósexposição em região da Grande São Paulo, Brasil. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 33, n. 3, p. 295-301, jun. 1999. Disponível em: <http:// www.scielo.br/pdf/rsp/v33n3/0301.pdf>. Acesso em: 14 jul. 2013. GOLDBAUM, M. Novas perspectivas temáticas para a epidemiologia. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE EPIDEMIOLOGIA, 1., 1990, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ABRASCO, 1990. p. 247-253. MAIA-ELKHOURY, A. N. S.; ROCHA, S. M.; WADA, M. Y. Situação da raiva no Brasil, 2000 a 2009. Epidemiologia e Serviços de Saúde, Brasília, v. 20, n. 4, p. 509-518, dez. 2011. Disponível em: <http://scielo.iec.pa.gov.br/pdf/ ess/v20n4/v20n4a10.pdf>. Acesso em: 14 jul. 2013. MARRAS, J. P. Administração de recursos humanos: do operacional ao estratégico. São Paulo: Futura, 2000. 118 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Solange Alberti Andrzejewski #Marcos Abilio Bosquetti # Maria Luciana Biondo Silva MELO, C. M. M. de; SANTOS, S. S. B. da S. Avaliação da descentralização da vigilância epidemiológica para a equipe de saúde da família. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 13, n. 6, p. 1923-1932, nov.-dez. 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csc/v13n6/a28v13n6.pdf>. Acesso em: 14 jul. 2013. MENCK, C. F. M.; RACZ, M. L. Propriedades gerais dos vírus. In: TRABULSI, L. R. et al. Microbiologia. São Paulo: Atheneu, 2004, p. 509-514. PAIM, J. S. Saúde da família: espaço de reflexão e de contra-hegemonia. Interface – Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 5, n. 9, p. 143146, ago. 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/icse/v5n9/10.pdf>. Acesso em: 14 jul. 2013. SOLLA, J. P.; TEIXEIRA, C. Modelo de atenção à saúde: promoção, vigilância e saúde da família. Salvador: EDUFBA, 2006. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 119 Planejamento Estratégico em Saúde: um desafio no gerenciamento cotidiano de unidades básicas de saúde Aluna: Thaise Alana Goronzi1 Orientadora: Alessandra de Linhares Jacobsen2 Tutora: Maria Luciana Biondo3 Resumo Abstract Este estudo tem como objetivo conhecer de que forma se constituiu o planejamento estratégico em saúde, descrever os desafios encontrados para sua efetivação e relatar os resultados alcançados com o planejamento local em saúde e o reflexo para o usuário. Trata-se de um estudo de caso de caráter qualitativo descritivo, cujo período de levantamento de dados analisado foi entre 2007 a 2012. Os desafios encontrados para a efetivação do planejamento estratégico em saúde em nível local estão relacionados à política ineficaz de gestão de pessoas e políticas de planejamento pouco efetivas. Contudo, alguns indicadores de saúde melhoraram após a implementação do planejamento local em saúde. O grau de satisfação dos usuários com os serviços prestados pelo centro de saúde aumentou; portanto, os resultados obtidos com base no planejamento estratégico em saúde no CS Prainha mostram que, apesar dos desafios cotidianos na prática do gerenciamento, é possível obter dados cujo reflexo seja satisfatório ao usuário. This study aims to know how it was the health strategic planning, describe the challenges encountered in its implementation and report the results achieved with the local health planning and reflection to the user. This is a case study of a qualitative descriptive, whose period of survey data analyzed was from 2007 to 2012. The challenges encountered for ensuring the health strategic planning at the local level are related to the policy ineffective people management and planning policies ineffective. However, some health indicators have improved after the implementation of local planning in health. The degree of user satisfaction with the services provided by the health centers increased, so the results obtained on the basis of strategic planning in health in CS Prainha show that despite the daily challenges in the practice of management is possible to obtain data that reflects the user is satisfactory. Key words: Strategic planning. Basic health units.Health management. Palavras-chave: Planejamento estratégico. Unidades básicas de saúde. Gestão da saúde. 1 Possui graduação em Enfermagem pela Universidade Federal de Santa Catarina (2004). Especialista em Saúde da Família/Modalidade Residência pela Universidade Federal de Santa Catarina (2006). E-mail: thaise_g@hotmail. 2 Doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2004). E-mail: [email protected]. 3 Possui graduação em Administração pela Universidade do Vale do Itajaí (2000). Especialização (Lato Sensu) em Gestão de Pessoas nas Organizações pela Universidade Federal de Santa Catarina (2011). E-mail: [email protected]. Thaise Alana Goronzi # Alessandra de Linhares Jacobsen # Maria Luciana Biondo 1 Introdução O planejamento estratégico tem se tornado a ferramenta gerencial mais utilizada pelas organizações, justamente por se tratar de um processo formalizado para gerar resultados a partir da sistematização das decisões (PEREIRA, 2011). Fayol (1841-1925), no início do século XX, representou, através de seus trabalhos, um marco no estudo e na sistematização do processo de gerenciamento. Para ele, a gerência era resultado de um processo contínuo das atividades de previsão, organização, comando, coordenação e controle. (FAYOL, 1960 apud LOCH, 2009). Com o advento da Segunda Guerra Mundial, houve um aumento da oferta de produtos e serviços em relação à demanda, o que tornou o mercado cada vez mais competitivo e instável, exigindo das organizações uma grande capacidade de adaptação, para poderem sobreviver. Nessa nova realidade, as funções gerenciais descritas por Fayol já não refletiam a realidade, e o trabalho gerencial passou a ser caracterizado como agitado, fragmentado, reativo, desordenado, político e com predominância da comunicação oral. (MINTZBERG, 1973; YUKL, 1998) Existe uma extensa bibliografia sobre as funções gerenciais, em grande parte constituída por guias e manuais, geralmente com conteúdos que respondem às expectativas institucionais, voltada, principalmente, para o desempenho e a formação de executivos de grandes empresas. Porém, já começam a proliferar estudos sobre a gerência de empresas de médio porte, de diferentes países e setores da economia. (ESCRIVÃO FILHO, 1995; GHERARDI et al., 1998; RICHTER, 1999; LUCENA, 2001) Ainda, observam-se muitas especificidades na área de atuação da saúde, tanto devido aos conteúdos técnicos, considerados extremamente especializados, como pela sua forma de gerenciamento. O setor enfrenta enormes desafios, devido, entre outras causas, ao envelhecimento progressivo da população e ao consequente aumento das doenças crônicas (câncer, doenças cardíacas, doenças degenerativas e outras). Os altos custos desses tratamentos, somados à grande incorporação tecnológica observada no setor, têm preocupado os governos em todo o mundo. Percentuais progressivos do Produto Interno Bruto (PIB) vêm sendo comprometidos com essa área, mas os resultados são pouco satisfatórios. Nesse contexto extremamente complexo, o desempenho gerencial começa a ser uma das preocupações centrais. (ESPIGARES, 1999; BRASIL, 2006a; PORTER; TEISBERG, 2007) Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 121 Planejamento Estratégico em Saúde: um desafio no gerenciamento cotidiano de unidades básicas de saúde A maioria dos gerentes das unidades de saúde, contudo, são técnicos da área (médicos, enfermeiros, dentistas, psicólogos), que foram promovidos a gerentes. A passagem de colaboradores individuais para a condição de gerentes exige, desses profissionais, um esforço enorme, implicando em transformações que acabam por configurar o perfil de um novo profissional. Como técnicos, eles atuam com um referencial conceitual biológico, centrado no indivíduo; possuem grande autonomia e controle do processo de produção; têm como objetivo a eficácia no tratamento clínico e utilizam critérios extremamente técnicos para a decisão. Diante dessas condições, a passagem para gerente implica uma mudança radical na sua lógica de atuação. O gerente passa a utilizar a abordagem coletiva para a solução dos problemas; seu referencial biológico é substituído pelo social; ele tem pouco controle sobre os processos; e seu objetivo é a eficiência, com a utilização de critérios técnicos e políticos para a decisão. Tal cenário acaba por gerar uma produção científica considerável sobre o gerenciamento de serviços de saúde. No entanto, essa literatura é predominantemente direcionada aos interesses institucionais e aos instrumentos de apoio à gestão e voltada, principalmente, para instituições hospitalares. Embora a participação da atenção hospitalar seja fundamental e de grande representatividade econômica; no setor de saúde, a atenção primária realizada, nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) (Centros de Saúde), tem importância estratégica central para os sistemas de saúde em todo o mundo. Estudos demonstram que esses serviços se caracterizam como a principal porta de entrada aos sistemas de saúde organizados, que são geralmente públicos. Quando adequadamente estruturados, eles podem atender a cerca de 80% dos problemas de saúde de uma dada população, com uma resolubilidade de aproximadamente 95%. (BRASIL, 1983a; BRASIL, 1994; CAMPOS, 2007) Porém, o gerenciamento dessas unidades tem-se mostrado muito difícil. As pesquisas demonstram um alto nível de estresse dos gerentes; sobrecarga nas agendas; uma alta interferência dos níveis mais centrais de gestão; excesso de demandas da população local e dificuldades de gerenciamento de equipes, entre outras questões. (RIVERA, 1996; MELO, 2002; BARBIERI; HORTALE, 2005; CUBAS, 2005; RAUPP, 2006; ALMEIDA; BIANCO, 2007) Essas constatações podem ser relacionadas à grande complexidade gerencial dessas unidades, que envolve processos de trabalho altamente intangíveis, realizados por equipes multiprofissionais e com a participação da população no gerenciamento, a interface com serviços complementares de 122 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Thaise Alana Goronzi # Alessandra de Linhares Jacobsen # Maria Luciana Biondo maior complexidade e um escopo de ações que vão desde a promoção à saúde (ações educativas e sobre o meio ambiente) até a reabilitação dos pacientes. Além disso, a demanda é geralmente não programada e diversificada, no que se refere à idade, ao sexo e aos problemas demandados. Este artigo tem como objetivo conhecer como se constituiu o planejamento estratégico em saúde no CS Prainha, bem como descrever os desafios encontrados para sua efetivação e relatar os resultados alcançados com o planejamento local em saúde e o reflexo para o usuário. 2 Exposição do Tema A seguir exploram-se conceitos relativos ao objetivo do trabalho, com base na literatura especializada. 2.1 Planejamento Estratégico em Saúde Atualmente, na esfera governamental, o ciclo de políticas é um modo de representação do complexo processo que envolve a construção de uma determinada decisão e sua execução. A implementação de políticas é um dos momentos desse processo, implicando a operacionalização das decisões tomadas em torno do que fazer para enfrentar problemas ou atender às necessidades. (VILASBÔAS, 2008) Tratar a implementação das políticas de saúde como objeto de investigação pressupõe desvendar os modos pelos quais ocorrem as conexões entre a formulação de diretrizes políticas e sua operacionalização nos serviços de saúde. As conexões referidas podem estar mediadas pelo planejamento, no sentido que lhe é atribuído como parte da gestão dos sistemas e serviços de saúde (RIVERA, 2003), na medida em que se constitui como um meio para desenhar, organizar e acompanhar a execução de proposições destinadas a operacionalizar decisões institucionais. (VILASBÔAS, 2008) Considerando o conceito de planejamento de Mintzberg (2004), que o define como uma formalidade para produzir um resultado articulado, nos moldes de um sistema integrado de decisões, tem-se que, com o planejamento, coordenam-se as decisões na organização. É pensar de forma organizada a execução de ações traçadas coletivamente, para assim corresponsabilizar os envolvidos no processo. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 123 Planejamento Estratégico em Saúde: um desafio no gerenciamento cotidiano de unidades básicas de saúde Rejeitar o planejamento como uso da inteligência humana na formação e projetos desejados, através de ações calculadas no presente, significa renunciar à liberdade humana da edificação deliberada do seu futuro. (MENDES, 1994) A utilidade dos espaços de planejamento está em permitir circunscrever um problema no âmbito da capacidade da ação para enfrentá-lo, ao mesmo tempo que possibilita compreender as limitações das explicações e das operações num espaço faltante. (MENDES, 1994) O ato de planejar tem como fruto de sua produção o plano. Este contém um projeto futuro de ação, sendo esta ação igualmente uma proposta para articular outras ações, ou seja, uma futura organização e formas do gerenciamento do trabalho produtor dos serviços. Em contrapartida, através das propostas de gestão, que podem ou não pertencer ao plano, produzem tecnologias para operar a organização do trabalho proposta. Diante dessa perspectiva, tem-se que o planejamento expressa-se como um saber operante, tecnológico, cuja ação estratégica está em realizar aquele projeto. Ele próprio, também, é uma técnica, que sabe sobre o modo de dispor, arranjar e processar outras técnicas. Quando na prestação direta de serviços à população, o planejamento apresenta-se como um trabalho de gestão; que deve articular o político com o técnico-científico na produção dos cuidados assistenciais em saúde. (SCHRAIBER, 1999) Pode-se dizer, portanto, que o planejamento associa-se historicamente a essa “administração” de macroestruturas, à planificação social, ao passo que, no plano de prestação direta de serviços, associa-se à gerência, que, além de planejar, inclui outras ações, entre elas a de avaliação como instrumento tanto do controle e supervisão técnicos, quanto instrumentos para agir nas interações. Entre tais instrumentos, ganha força a ferramenta denominada Balanced Scorecard, conteúdo que será abordado a seguir. 2.1.1 O Balanced Scorecard (BSC) como Ferramenta Gerencial O Balanced Scorecard (BSC) foi criado no início da década de1990, a partir de um estudo desenvolvido junto a diversas empresas pelo professor Robert Kaplan da Universidade de Harvard e por David Norton, consultor da zona de Boston. Esse estudo demonstrou que os tradicionais indicadores financeiros, que vinham sendo utilizados pelas empresas há vários anos, na perspectiva do controle de gestão, apresentavam limitações perante a necessidade, cada vez mais premente, de as organizações terem que criar valor para 124 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Thaise Alana Goronzi # Alessandra de Linhares Jacobsen # Maria Luciana Biondo o cliente com base em ativos intangíveis (como inovação, serviço ao cliente, capacidade de gestão, know-how dos trabalhadores, processos internos eficientes e sistemas de informação integrados). Algumas organizações começaram a utilizar o Balanced Scorecard logo no início dos anos 90, tendo obtido resultados imediatos que demonstravam as capacidades dessa nova ferramenta de gestão. Rapidamente, começou-se a verificar que o BSC, para além da sua utilização básica no complemento de indicadores financeiros, constituía um elemento fundamental para comunicar e avaliar a estratégia através de toda a organização, com base num conjunto de indicadores, construídos de forma integrada a partir de um modelo lógico. Essas potencialidades e versatilidade do modelo fizeram evoluir o BSC para a sua situação atual, isto é, para uma poderosa ferramenta de gestão estratégica, testada ao longo de vários anos, nas mais diversas organizações, integrando três capacidades fundamentais. Essas capacidades referem-se ao Sistema de Medição, ao Sistema de Gestão Estratégica e à Ferramenta de Comunicação. Segundo Pereira (2011), o BSC cria um Mapa Estratégico a partir de quatro perspectivas: a) Perspectiva Financeira: para se alcançar sucesso financeiramente, como se deve ser visto pelos acionistas? b) Perspectiva dos Clientes: a fim de se alcançar a visão da organização, como se deveria ser visto pelos clientes? c) Perspectiva dos Processos Internos: para satisfazer os acionistas e clientes, em quais processos de negócios deve-se alcançar a excelência? d) Perspectiva do Aprendizado e Crescimento: para alcançar a visão, como se sustenta a capacidade de mudar e de melhorar? e) Para cada uma das perspectivas apresentadas, a organização deve traçar Objetivos, Indicadores, Metas e Iniciativas. Portanto, o BSC está assentado na abordagem global da estratégia das organizações, apoiado nas quatro perspectivas, que funcionam de forma integrada (balanceada) estabelecendo relações de causa e efeito. Qualquer falha de funcionamento (objetivos não atingidos) em uma das perspectivas originar-se-á uma quebra de eficiência, desequilibrando o BSC e, consequentemente, provocando desvios no percurso estratégico e no cumprimento da missão da organização. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 125 Planejamento Estratégico em Saúde: um desafio no gerenciamento cotidiano de unidades básicas de saúde 2.2 Atenção Primária à Saúde e os Desafios Gerenciais A atenção primária à saúde (APS) vem sendo definida desde a década de 1970, particularmente depois da conferência de Alma-Ata, na Rússia, quando foi apontada como a estratégia para alcançar a Saúde Para Todos até o ano de 2000 (OMS, 1980). Caracteriza-se, além do primeiro contato com o sistema, como a responsabilização pelo paciente (independentemente da presença ou ausência de doença) e a integração de aspectos físicos, psicológicos e sociais de saúde. De acordo com Starfield (2004), A atenção primária é aquele nível de um sistema de serviços de saúde que oferece a entrada no sistema para todas as novas necessidades e problemas, fornece atenção sobre a pessoa (não direcionada para a enfermidade) no decorrer do tempo, fornece atenção para todas as condições, exceto as muito incomuns ou raras, e coordena ou integra a atenção fornecida em algum outro lugar ou por terceiros. Assim, é definida como um conjunto de funções que, combinadas, são exclusivas da atenção primária. [...] a atenção primária é uma abordagem que forma a base e determina o trabalho de todos os outros níveis dos sistemas de saúde. A atenção primária aborda os problemas mais comuns na comunidade, oferecendo serviços de prevenção, cura e reabilitação para maximizar a saúde e o bem-estar. Ela integra a atenção quando há mais de um problema de saúde e lida com o contexto no qual a doença existe e influencia a resposta das pessoas a seus problemas de saúde. É a atenção que organiza e racionaliza o uso de todos os recursos, tanto básicos como especializados, direcionados para a promoção, manutenção e melhora da saúde. (STARFIELD, 2004, p. 28) A APS constitui-se na principal estratégia para a melhoria do acesso aos serviços de saúde e da resolubilidade do SUS. Pelo modelo, deverão ser realizadas nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), que são a principal porta de entrada ao sistema, têm capacidade para atender a cerca de 80% dos problemas de saúde de uma dada população e de resolver de 90 a 95% deles. (BRASIL, 1983b; BRASIL, 1994; CAMPOS, 2007) O Programa de Saúde da Família (PSF), que passou a ser chamado de Estratégia de Saúde da Família (ESF), é a opção principal do Ministério da Saúde para a implantação das APS no Brasil. Essa estratégia, detalhada no documento intitulado Política Nacional de Atenção Básica do Brasil, tem como 126 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Thaise Alana Goronzi # Alessandra de Linhares Jacobsen # Maria Luciana Biondo fundamentos: garantir o acesso universal e contínuo aos serviços de saúde; efetivar a integralidade da atenção à saúde; desenvolver vínculos e responsabilização com a população residente na área de abrangência das unidades de saúde; valorizar os profissionais, através de sua capacitação constante; realizar planejamento e avaliação dos resultados no âmbito local; estimular a participação popular e o controle social. Buscando suprir as demandas da população, o trabalho deve ser organizado a partir de equipes multiprofissionais, sendo previstas as atribuições de cada membro da equipe de Saúde da Família (médico, enfermeiro, dentista, técnico de enfermagem, técnico de consultório dentário, agentes comunitários). (BRASIL, 2006b) Observa-se um processo de adequação progressiva do aparelho formador e inúmeras iniciativas governamentais para apoiar a organização das UBS. Porém, por mais que os processos de trabalho nas UBS estejam organizados e formalizados, a sua natureza, as demandas da sociedade local e as contínuas interações entre usuários e equipe fazem com que se identifiquem continuamente limitações nas normas e procedimentos preestabelecidos, com uma possibilidade contínua de revisão e criação de oportunidades de intervenção técnica e de gerenciamento (MELO, 2002; ALMEIDA; BIANCO, 2007). Isso torna o trabalho ainda mais desafiador, não só pela sua significação técnica e política, mas também pelo seu grau de subjetividade, de improvisação e de construção contínuas. Pesquisas recentes têm analisado os processos produtivos em saúde e começam a sugerir novas formas de gerenciamento das equipes e dos serviços. Percebe-se que há um consenso na literatura, como a necessidade de modelos de gestão que privilegiem a participação dos sujeitos nos processos decisórios, com oportunidades de troca de conhecimento, aprendizado, mudança de modelo de práticas e gerenciamento. (CUNHA et al., 2009; CAMPOS, 2007; CUBAS, 2005; MERHY, 1998; RIVERA; ARTMANN, 1999) Apesar de toda essa complexidade do trabalho e da importância da APS, muito pouco tem sido feito no sentido de melhorar as condições e os processos de trabalho nas Unidades Básicas de Saúde. As responsabilidades dos profissionais vêm crescendo devido à absorção progressiva de novas atividades técnicas voltadas para as necessidades locais, como a saúde mental, o tratamento da AIDS e a vigilância em saúde. Paradoxalmente, a estrutura dessas unidades mantém-se quase inalterada, os processos de trabalho são cada vez mais complexos e pouco estruturados, e o gerenciamento tem sido oportuno e de baixa profissionalização. As unidades carecem de estrutura física adequada às atividades previstas, de sistemas de apoio logísticos, de sistemas de referência eficazes para os pacientes, de planejamento e autonomia local. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 127 Planejamento Estratégico em Saúde: um desafio no gerenciamento cotidiano de unidades básicas de saúde O foco principal das reformas administrativas voltou-se para a gestão de políticas e das unidades especializadas, deixando o setor mais estratégico do SUS em segundo plano. A busca de novos instrumentos gerenciais pode contribuir para a melhoria da qualidade do trabalho na atenção primária, da sua resolubilidade, da satisfação dos técnicos, dos usuários e para a efetividade das políticas públicas de saúde e do SUS. Essa é uma realidade que precisa ser enfrentada com desenvolvimento de novas tecnologias de trabalho e de gerenciamento, que suportem a complexidade do trabalho nesse nível de atenção à saúde. Alguns movimentos nesse sentido já começam a aparecer, mas seus resultados ainda são tímidos em relação às enormes necessidades na atenção primária à saúde. 2.3 O Gerenciamento das Unidades Básicas de Saúde (UBS) O gerenciamento das UBS vem progressivamente deixando de ser relacionado com a organização e o controle dos processos de produção internos à unidade para ser considerado um instrumento estratégico de efetivação de políticas públicas de saúde no Brasil. (PASSOS; CIOSAK, 2006; VANDERLEI; ALMEIDA, 2007) O gerente de uma UBS é responsável por uma equipe multiprofissional que precisa atuar sobre os problemas e as demandas de saúde de uma comunidade de referência, considerando os diferentes determinantes do processo saúde-doenças (ambientais, sociais, biológicos e psicológicos). Isso implica em atividades interinstitucionais, alta capacidade de adequação às necessidades e flexibilidade. No entanto, sua perspectiva estratégica fica reduzida, à medida que as pesquisas demonstram que os modelos de gerenciamento local são predominantemente considerados clássicos, autocráticos, centralizados e com pouca participação da equipe na organização do processo de trabalho nas UBS. (FRACOLLI; EGRY, 2001, p. 16) Bárbara Raupp (2006), estudando a cultura organizacional em unidades de APS, identificou que o trabalho nessas unidades é altamente complexo e seus gerentes têm perfil que pode ser classificado como sendo de alto nível. Eles precisam: a) ter uma visão do todo, da organização, do SUS e da realidade do país; b) fazer mediação entre a política da organização e as equipes; c) participar na definição das políticas e dos rumos da organização; 128 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Thaise Alana Goronzi # Alessandra de Linhares Jacobsen # Maria Luciana Biondo d) coordenar a construção de um projeto de trabalho para sua unidade, tendo como norte a realidade do território, da unidade e da equipe; e) ser facilitadores do trabalho em equipe, promovendo a participação e contribuição de todos e estimulando a criatividade de cada um; f) promover e coordenar formas de trabalho interdisciplinar, buscando superar a fragmentação do trabalho; g) ajudar a equipe a superar dificuldades de relacionamento; h) promover e estimular o diálogo na equipe e a participação da comunidade na gestão da unidade; i) ter capacidade técnica gerencial, ser flexível, mas saber “manter o rumo”; e j) estar abertos para aprender e serem criativos. Esse perfil profissional, embora pouco disponível no mercado, é perfeitamente compreensível, tendo em vista a complexidade do trabalho em uma APS. Além disso, pesquisas recentes demonstram que, ao contrário do que se imaginava, o trabalho gerencial numa UBS é também fragmentado, agitado e com pouco tempo para o planejamento. Foi o que constatou Cubas (2005), em uma pesquisa qualitativa sobre o gerenciamento de UBS. Segundo ela, a agenda do gerente era lotada de problemas emergenciais, não sobrando tempo para o planejamento; havia sobrecarga de demandas dos níveis mais centrais das secretarias, muitas vezes antagônicos e que até confrontavam o planejamento e as prioridades locais, além de pouca autonomia gerencial. Quanto ao assunto, Cubas (2005) faz o seguinte relato: Eu tenho desistido do planejamento [...] somos atropelados por uma série de coisas pra fazer, uso o meu tempo apagando incêndios, gerenciando problemas e isso complica a vida da gente... [...] O excesso de demanda que vem da secretaria é limitante... Não que o meu planejamento esteja fora daquilo que é solicitado, mas os tempos são diferentes... Será que vale a pena centrar meus esforços em fazer o que vem da secretaria e deixar de lado o meu planejamento local? (CUBAS, 2005, p. 281) Corroborando essas observações, o estudo de Barbieri e Hortale (2005) sobre gerenciamento dos serviços municipais de saúde constatou perda da capacidade de planejamento à medida que decresce o nível gerencial na Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 129 Planejamento Estratégico em Saúde: um desafio no gerenciamento cotidiano de unidades básicas de saúde administração de serviços municipais de saúde, tendo os gerentes pouca participação no planejamento das próprias unidades. Elas identificaram problemas de fluxo; sobreposições de funções e pouca articulação entre os diferentes níveis gerenciais; pouca utilização das informações e da avaliação de qualidade (que também decresciam em relação ao nível gerencial); além de desresponsabilização ou responsabilização difusa. O gerenciamento, a formação e a supervisão dos recursos humanos foram apontados como fatores críticos para a implantação do modelo assistencial pretendido no país. (BARBIERI; HORTALE, 2005) As dificuldades do gerenciamento das UBS e as singularidades do trabalho na APS e da comunidade onde se inserem tornam cada unidade um caso único, cuja generalização pode ser problemática. Há de se buscar, no entanto, modelos de referência flexíveis, que visem facilitar o trabalho local, melhorar a satisfação dos profissionais, os seus resultados e a sua efetividade. Essa área de atuação configura um campo de investigação e ordenamento ainda pouco pesquisado, porém de relevância inquestionável. 3 Metodologia Trata-se de um estudo de caso de um centro de saúde da SMS de Florianópolis (SC). Segundo Yin (apud JACOBSEN, 2011), esse tipo de pesquisa é ideal par se conhecer profundamente a realidade de uma unidade de análise, seja uma organização ou um indivíduo; ou seja, estudos de caso têm sido feitos sobre decisões, sobre programas, sobre o processo de implementação e sobre mudança organizacional. Trata-se também de uma pesquisa qualitativa em que a fonte dos dados é fruto da observação direta, bem como de documentos, relatórios e sites oficiais. Quanto aos fins, é uma pesquisa descritiva, cujo objetivo é observar, registrar, analisar e correlacionar fatos ou fenômenos sem manipulá-los. (JACOBSEN, 2011) O período de levantamento dos dados ocorreu de 2007 a 2012. Para a análise dos dados, foram utilizados os relatórios gerados pelo sistema de informação da SMS(o InfoSaúde), os relatórios gerados pelo setor de Planejamento da SMS para monitoramento das ações de planejamento dos centros de saúde, bem como outros documentos e sites oficiais com os indicadores de saúde. 130 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Thaise Alana Goronzi # Alessandra de Linhares Jacobsen # Maria Luciana Biondo 4 Análise e Resultados A seguir, são apresentados e analisados os resultados coletados para o atendimento do objetivo proposto para esta pesquisa. 4.1 O Planejamento Estratégico em Saúde no CS Prainha e os Desafios para sua Efetivação O ato de planejar as ações de saúde no CS Prainha teve início em 2007 com a elaboração do diagnóstico comunitário. Com ele, foi possível gerar um panorama da situação de saúde e de seus determinantes socioeconômicos. O diagnóstico apontava dados epidemiológicos significativos, como: elevado percentual de adolescentes grávidas, um grande número de tuberculosos com baixa adesão ao tratamento, baixa cobertura para rastreamento de câncer cérvico-uterino e baixa cobertura de aleitamento materno exclusivo, além do grande número de marcadores como diabéticos, hipertensos e crianças menores de 5 anos. Como, no período de 2009, a SMS de Florianópolis não possuía uma metodologia única para o planejamento estratégico em saúde, a coordenação do Centro de Saúde da Prainha optou por utilizar como metodologia de trabalho o instrumento de avaliação e planejamento desenvolvido pelo Ministério da Saúde conhecido como Avaliação para Melhoria da Qualidade Contínua (AMQ). Por se tratar de um instrumento novo, algo desconhecido, inicialmente houve resistência por grande parte dos profissionais, que alegavam que teriam de despender mais tempo para responder a um questionário que não levaria a nada, tendo de deixar “coisas” mais importantes para depois. Ao término do processo de aplicação do instrumento, a percepção era outra, estes já reconheciam que seu processo de trabalho atual era de “apagar incêndios” e não de planejá-lo e organizá-lo. A partir da AMQ, foram identificados os padrões de não conformidade e eleitos três destes por equipe de saúde da família, dentre os quais foram priorizadas para desenvolvimento enquanto centro de saúde a organização do “painel de situação” com os mapas, dados e informações de saúde do território; a atualização sistemática do cadastro de família pelos Agentes Comunitários de Saúde (ACS); confecção de um mapa da área de abrangência com foto de satélite identificado com foto do ACS da microárea, para a recepção. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 131 Planejamento Estratégico em Saúde: um desafio no gerenciamento cotidiano de unidades básicas de saúde Os padrões em não conformidade foram trabalhados na reunião de planejamento mensal, bem como nas reuniões de equipe semanais do centro de saúde, e deram início à modificação do processo de trabalho, ampliação do seu escopo de ação, de forma organizada e possível de ser implantada. Em 2010, a SMS assumiu o planejamento estratégico e, como instrumento de gestão, adotou o Balanced Scorcard (BSC). Nesse mesmo ano, foram selecionadas cinco unidades de saúde para servirem de piloto à nova metodologia, sendo o CS Prainha uma delas. Por mais que se pensasse em um planejamento ascendente; nesse ano, não foi possível sua execução por conta do tempo e profissionais que dominassem a metodologia proposta. Como o CS possuía um diagnóstico situacional e um planejamento em andamento, procedeu-se à adaptação nas perspectivas do BSC, quais sejam: determinantes e estado de saúde; engajamento comunitário; integração e responsividade; recursos e serviços, aprendizado e crescimento do colaborador, objetivos e ações a serem cumpridas. Dos cinco objetivos propostos, dois tiveram seu alcance parcialmente atingido no cumprimento de metas. Isso se deve ao número restrito de recursos humanos que estavam relacionados às ausências por afastamento de saúde ou interrupção dos contratos temporários. É importante frisar que, quando se desenvolve esse tipo de metodologia, em que líderes são responsáveis por objetivos e consequentemente pelo cumprimento de metas, é fundamental que o gestor garanta o mínimo de recursos humanos, financeiros e físicos para a execução do planejamento estratégico em saúde em nível local. É importante destacar que a colaboração e o apoio do Distrito Sanitário foram fundamentais para a implementação do planejamento nos centros de saúde, principalmente no que tange à execução da metodologia utilizada pela SMS. Com a elaboração do pacto municipal de saúde, em 2011, foram definidas a missão, a visão, os valores da SMS, traçando sua identidade organizacional, dando inicio à implantação do planejamento ascendente. No entanto, o planejamento iniciado em 2011 teve de ser interrompido em face da adoção do instrumento de gestão elaborado pelo MS, o PMAQ-AB. Este veio com o objetivo de avaliar a qualidade dos serviços prestados na atenção básica, principalmente no que se refere ao acesso prestado à 132 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Thaise Alana Goronzi # Alessandra de Linhares Jacobsen # Maria Luciana Biondo população. O PMAQ-AB propiciou um incentivo financeiro às ESF com base na avaliação de desempenho de suas equipes pelo MS. Muitos dos objetivos e ações propostas para o planejamento de 2011 puderam ser incorporados ao novo planejamento, o qual agrega instrumentos de gestão como BSC e o AMAQ-AB. Para garantir a avaliação contínua do planejamento em 2010, eram realizados relatórios mensais, os quais visavam rever os objetivos, ajustar as metas e validar o alcance destas. Em 2011 esse monitoramento era realizado a partir de um instrumento informatizado, em que se realizavam avaliações mensais e trimestrais dos objetivos em desenvolvimento. Para 2012 essa ferramenta informatizada está sendo melhorada, tendo seu uso previsto para 2013. Esses instrumentos de monitoramento eram preenchidos pelo coordenador do centro de saúde e enviados ao setor de planejamento da SMS. Ao longo desse processo de planejar a saúde, percebe-se que foram muitos os desafios encontrados para a efetivação local do planejamento estratégico em saúde, dentre os quais se destacam: o déficit de recursos humanos, a rotatividade de profissionais; os profissionais pouco sensíveis à proposta de planejamento estratégico em saúde; uma política de planejamento pouco efetiva; a dificuldade em construir um planejamento ascendente; a dificuldade de planejar de acordo com a identidade institucional, bem como missão e visão da SMS pouco difundidas; os gerentes sem formação e ou qualificação para atuar nessa área; a ausência de treinamentos introdutórios; e a troca frequente de instrumentos de gestão. 4.2 Os Resultados Alcançados com o Planejamento Estratégico em Saúde e o Reflexo para o Usuário Em 2007, o diagnóstico apontava dados epidemiológicos significativos como: elevado percentual de adolescentes grávidas (47%), grande número de tuberculosos com baixa adesão ao tratamento, baixa cobertura para rastreamento de câncer cérvico-uterino e baixa cobertura de aleitamento materno exclusivo. Um dos objetivos propostos no planejamento foi avaliar quantas gestantes haviam planejado sua gestação, tendo como foco as adolescentes. Notou-se que em 2007, do percentual de adolescentes grávidas (47%), mais de 80% não haviam planejado engravidar. Já em 2011 esse percentual caiu para 65%, o que possibilitou o alcance da meta proposta. Essa redução no percentual Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 133 Planejamento Estratégico em Saúde: um desafio no gerenciamento cotidiano de unidades básicas de saúde de adolescentes grávidas, com gestação não planejada, foi viabilizada pelas ações de educação em saúde(grupo de planejamento familiar, atividades de sexualidade segura na escola), abordagem qualificada no acolhimento e registro sistemático no prontuário eletrônico descrevendo se a gestação foi planejada ou não. Outro indicador a ser apresentado é a cobertura para o câncer cérvico-uterino. O Ministério da Saúde preconiza que 80% das mulheres em idade fértil na faixa etária dos 25 aos 59 anos realizem exame para detecção do câncer cérvico-uterino a cada três anos. Em 2007 foram realizadas 244 coletas para detecção precoce do câncer cérvico-uterino, percentual que ficou bem abaixo do preconizado. Como forma de garantir a ampliação do acesso a essas mulheres, as agendas passaram a ser sobre livre demanda, com oferta de seis a oito períodos na semana destinados à coleta do exame. O resultado em 2011 foi uma ampliação nas coletas, em que puderam ser examinadas 427 mulheres. Nesse ano 23,03% das mulheres em idade fértil foram examinadas. O CS Prainha é um dos poucos centros de saúde que se aproximou da meta pactuada no plano municipal de saúde para detecção precoce do câncer cérvico-uterino, 25%. Quanto à baixa adesão ao tratamento para a tuberculose em 2007, a cobertura de sintomático respiratório não ultrapassava 48% da população que deveria ser investigada. Em 2011, essa cobertura passou para 135%. Pode-se dizer que, por ser uma doença de notificação compulsória e de interesse público, tanto a população quanto os profissionais passaram a atentar aos sinais e sintomas dessa patologia. Porém, a permanência incipiente na baixa adesão ao tratamento dos usuários com tuberculose está relacionada às condições socioeconômicas precárias, que vão desde moradia e alimentação inadequadas até a vinculação à dependência de álcool e outras drogas. E, por mais que estratégias sejam utilizadas, como: a tomada supervisionada da medicação, o contrato terapêutico, o estabelecimento de uma rede de apoio, a conclusão do tratamento deve ser desejo do usuário. Outro indicador avaliado pelo planejamento foi o aleitamento materno exclusivo. Em 2007 os índices de aleitamento materno exclusivo não ultrapassavam 65%, em 2011 chegaram a 86%, sendo o pactuado pelo município 80%. Nesse mesmo período, a secretaria fortaleceu suas ações voltadas para o aleitamento materno através da Rede Amamenta Brasil, instrumentalizando 134 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Thaise Alana Goronzi # Alessandra de Linhares Jacobsen # Maria Luciana Biondo profissionais para serem tutores dessa rede e atuarem diretamente nos centros de saúde. Perante esse monitoramento, foi desenvolvido um instrumento que avalia a alimentação de crianças menores de dois anos. Com essa ferramenta é possível gerar relatórios quanto à condição do aleitamento materno e à alimentação dessas crianças. Além da avaliação e do monitoramento dos indicadores, o planejamento propiciou um pensar sobre o processo de trabalho desenvolvido dentro do CS. E o reflexo desse pensar foi a adequação das agendas de acordo com a demanda apresentada; o acesso aos serviços ofertados; a criação de canais de comunicação com a população (blog, e-mail, informativos); a reconfiguração dos grupos e o acolhimento. Como reflexo ao usuário, percebeu-se que o grau de satisfação quanto aos serviços ofertados aumentou por conta de a agenda ser livre para o encaminhamento dos grupos prioritários (gestantes, crianças, idosos); o acolhimento da demanda espontânea ocorrer em tempo integral e as informações estarem disponíveis em vários meios de comunicação. 5 Considerações Finais Os resultados obtidos a partir do planejamento estratégico em saúde no CS Prainha mostram que, apesar dos desafios cotidianos na prática do gerenciamento, é possível obter dados cujo reflexo seja satisfatório ao usuário. Os desafios enfrentados no cotidiano para a efetiva implementação do planejamento estão associados a fatores internos e externos, assim como individuais e coletivos; ou seja, é importante que exista uma política para o planejamento em saúde institucionalizada, bem como profissionais qualificados para atuarem no gerenciamento de unidades básicas de saúde. Referências ALMEIDA, H. A. C.; BIANCO, M. F. A estratégia de saúde da família: uma contribuição da análise ergológica à administração. In: ENCONTRO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO, 31., 2007, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: AMPAD, 2007. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 135 Planejamento Estratégico em Saúde: um desafio no gerenciamento cotidiano de unidades básicas de saúde BARBIERI, A. R.; HORTALE, V. A. Desempenho gerencial em serviços públicos de saúde: estudo de caso em Mato Grosso do Sul, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 21, n. 5, p. 1.349-1.356, set.-out. 2005. BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. SUS: avanços e desafios. Brasília: CONASS, 2006a. ______. Ministério da Previdência e Assistência Social. Reorientação da assistência à saúde no âmbito da previdência social: primeiro ano. 3. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 1983a. ______. Reorganização da assistência à saúde no âmbito da previdência social. Brasília: Ministério da Saúde, 1983b. ______. Secretaria de Assistência à Saúde. Programa de saúde da família: uma estratégia de organização dos serviços de saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 1994. 279 p. ______. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política nacional de atenção à saúde básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2006b. CAMPOS, G. W. S. Reforma política e sanitária: a sustentabilidade do SUS em questão. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 12, n. 2, p. 301-310, 2007. CUBAS, M. R. Planejamento local: a fala do gerente de Unidade Básica de Saúde. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 58, n. 3, p. 278-283, maio-jun. 2005. CUNHA, C. J. C. A. et al. O processo de criação do conhecimento em Unidades Básicas de Saúde. In: SIMPÓSIO DA ENGENHARIA DE PRODUÇÃO, 16., 2009, Bauru, SP. Anais... Bauru: DEP/UNESP, 2009. 136 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Thaise Alana Goronzi # Alessandra de Linhares Jacobsen # Maria Luciana Biondo ESCRIVÃO FILHO, E. A natureza do trabalho do executivo: uma investigação sobre as atividades racionalizadoras do responsável pelo processo produtivo em empresas de médio porte. 1995. 272 f. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção). Centro Tecnológico, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1995. ESPIGARES, J. L. N. Análisis de la eficiencia em las organizaciones hospitalarias públicas. Granada: Universidade de Granada, 1999. FRACOLLI, L. A.; EGRY, E. Y. Processo de trabalho de gerência: instrumento potente para operar mudanças nas práticas de saúde? Revista LatinoAmericana de Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 9, n. 5, p. 13-18, set.-out. 2001. GHERARDI, S. et al. Toward a social understanding of how people learn in organizations. Management Learning, Bath, v. 29, n. 3, p. 273-297, 1998. JACOBSEN, A. L. Metodologia do trabalho científico. Florianópolis: Fundação Boiteux; Departamento de Ciências da Administração/CSE/UFSC, 2011. LOCH, S. Tornar-se gerente: a experiência vivida por médicos da família e da comunidade ao assumirem a gerência de unidades básicas de saúde. 2009. 295 p. Tese (Doutorado em Engenharia de produção). Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009. LUCENA, E. A. A natureza da aprendizagem de gerentes-proprietário do setor de varejo de Florianópolis. 2001. 175 f. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção). Centro Tecnológico, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2001. MELO, C. M. M. Inovação como tática do cotidiano na gestão pública em saúde. In: ENCONTRO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO, 26., 2002, Salvador, BA. Anais... Salvador: AMPAD, 2002. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 137 Planejamento Estratégico em Saúde: um desafio no gerenciamento cotidiano de unidades básicas de saúde MENDES, E. V. Planejamento e programação local da vigilância da saúde no distrito sanitário. Brasília: OPAS/OMS, 1994. MERHY, E. E. O SUS e um dos seus dilemas: mudar a gestão e a lógica do processo de trabalho em saúde (um ensaio sobre a micropolítica do trabalho vivo). In: TEIXEIRA, S. F. Democracia e saúde. São Paulo: CEBES/Hucitec, 1998. MINTZBERG, H. The nature of managerial work. New York: Harper Row, 1973. ______. Ascensão e queda do planejamento estratégico. Porto Alegre: Bookman, 2004. ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD (OMS). Salud para todos en ano 2000: estratégias. Washington: Organización Panamericana de la Salud, 1980. PASSOS, J. P.; CIOSAK, S. I. A concepção dos enfermeiros no processo gerencial em Unidade Básica de Saúde. Revista da Escola de Enfermagem, São Paulo, v. 40, n. 4, p. 464-468, 2006. PEREIRA, M. F. Administração estratégica da saúde. Florianópolis: Fundação Boiteux; Departamento de Ciências da Administração/CSE/UFSC, 2011. PORTER, M.; TEISBERG, E. Repensando a saúde: estratégias para melhorar a qualidade e reduzir os custos. Porto Alegre: Brookmann, 2007. RAUPP, B. Estudo da cultura organizacional como estratégia na sistematização de uma metodologia gerencial com enfoque na aprendizagem em situação de trabalho: relatório de pesquisa. Porto Alegre: Grupo Hospitalar Conceição; Gerência de Ensino e Pesquisa, Serviço de Saúde Comunitária, 2006. 286 p. 138 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Thaise Alana Goronzi # Alessandra de Linhares Jacobsen # Maria Luciana Biondo RICHTER, I. Executive learning and organizational learning: diffuse power or dormant potential? In: CONGRESS OF ORGANIZATIONAL LEARNING, 1., 1999, Lancaster. Proceedings... [S.l.: S.n.], 1999. RIVERA, F. J. U. A gestão situacional (em saúde) e a organização comunicante. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 12, n. 3, p. 357-372, jul.-set. 1996. RIVERA, F. J. U.; ARTMANN, E. Planejamento e gestão em saúde: flexibilidade metodológica e agir comunicativo. In: RIVERA, F. J. U. (Org.). Análise estratégica e gestão pela escuta. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2003. p. 17-36. ______. Planejamento e gestão em saúde: flexibilidade metodológica e agir comunicativo. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 355365, 1999. SCHRAIBER, L. B. et al. Planejamento, gestão e avaliação em saúde: identificando problemas. Ciências & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 221-242, 1999. STARFIELD, B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: Ministério da Saúde, 2004. VANDERLEI, M. I. G.; ALMEIDA, M. C. P. A concepção e prática dos gestores e gerentes da estratégia de saúde da família. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 12. n. 2, p. 443-453, 2007. VILASBÔAS, A. L. Q.; PAIM, J. S. Práticas de planejamento e implementação de políticas no âmbito municipal. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 24, n. 6, p. 1.239-1.250, jun. 2008. YUKL, G. Leardership in organizations. New Jersey: Prentice Hall, 1998. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 139 Análise da Implementação da Homeopatia na Grande Florianópolis Aluna: Vera Lúcia Bridi1 Orientador: Dante Marciano Girardi2 Tutora: Maria Luciana Biondo Silva3 Resumo Abstract Este estudo apresenta uma análise da adequação da oferta de consultas especializadas de homeopatia no processo de regionalização do SUS da Grande Florianópolis. Os princípios de equidade e universalidade do acesso, as diretrizes de regionalização e a regulamentação ministerial são referências para a avaliação da implementação. Os dados do Sistema Informacional do SUS, referentes às consultas homeopáticas executadas na região, em 2011, formam a base para a análise situacional da oferta. A metodologia utilizada foi dedutiva em relação aos critérios para oferta de consultas homeopáticas no sistema público de saúde e comparativa em relação à implementação da homeopatia na Grande Florianópolis e em outras regiões do país. Verificou-se que a regulamentação ministerial para oferta de consultas homeopáticas está inadequada. O parâmetro que propicia a maior equidade na oferta de consultas homeopáticas foi definido pelo Numenati (DF). Em Vitória (ES) encontram-se os melhores índices brasileiros de universalização do acesso às consultas homeopáticas. Na Grande Florianópolis, a oferta desses serviços encontra-se ainda muito restrita. This study presents an analysis of the adequacy of the supply of specialized consultations Homeopathy in regionalization process of SUS in Florianópolis. The principles of equity and universal access, the regionalization guidelines and ministerial regulations are references for the evaluation of the implementation. Data, System Informational SUS regarding homeopathic consultations performed in the region in 2011, form the basis for the situational analysis of the offer. The methodology was deductive regarding criteria for offering homeopathic consultations in the public health system and comparative in relation to the implementation of homeopathy in Florianópolis and in other regions of the country. It was found that the ministerial regulation to offer homeopathic consultations this inappropriate. The parameter that provides the largest equity offering homeopathic consultations was defined NUMENATI / DF. In Vitória / ES are the best Brazilian indices of universal access to homeopathic consultations. In Florianópolis offering these services is still very limited. Palavras-chave: Homeopatia. Equidade. Universalidade. Regionalização. SUS. 1 Key words: Homeopathy. Equity. Universality. Regionalization. SUS. Mestrado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (1997). E-mail: [email protected]. 2 Doutorado em Gestão do Conhecimento pela Universidade Federal de Santa Catarina (2009). E-mail: [email protected]. 3 Possui graduação em Administração pela Universidade do Vale do Itajaí (2000). Especialização (Lato Sensu) em Gestão de Pessoas nas Organizações pela Universidade Federal de Santa Catarina (2011). E-mail: [email protected]. Vera Lúcia Bridi # Dante Marciano Girardi # Maria Luciana Biondo Silva 1 Introdução Na última década, sistemas públicos de saúde têm estabelecido diretrizes para implementação de serviços mais eficazes e menos onerosos a serem ofertados à população. No Brasil, a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares foi estabelecida após realização de fóruns e debates institucionais; porém, a gestão de pessoas para a efetivação de serviços de homeopatia carece de critérios para a implementação regionalizada e equânime das consultas homeopáticas. (BRASIL, 2009) Esta pesquisa procura identificar a situação atual da implantação/implementação da homeopatia no Sistema Único de Saúde da Região da Grande Florianópolis, segundo a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC); a Portaria n. 1101; as diretrizes e os princípios do SUS e experiências de outros estados e municípios. Pretende-se também avaliar a atual oferta de consultas homeopáticas em conformidade aos princípios e às diretrizes de acessibilidade, equidade, universalidade, regionalização, integração de rede de assistência. Além disso, intencionou-se pesquisar parâmetros nacionais que norteiam a gestão da assistência e propiciar avaliação, monitoramento e controle da oferta de serviços. Foi realizada uma pesquisa documental no Sistema Informacional do SUS referente às consultas homeopáticas executadas em 2011 na Grande Florianópolis. Realizou-se também uma verificação da adequação dos instrumentos de gestão pública na oferta de consultas ambulatoriais de homeopatia juntamente com uma comparação a outros estados e municípios com experiências já consolidadas na implementação/implantação desses serviços. A definição de parâmetros de cobertura em homeopatia e a distribuição equânime dos recursos do SUS propiciam a acessibilidade das populações aos serviços (TRAVASSOS; MARTINS, 2004). O princípio de regionalização pressupõe que todos os cidadãos de uma determinada região terão a mesma possibilidade de acesso aos serviços ofertados, distinguindo-se da oferta de serviços na Atenção Primária, em que os profissionais alocados em Áreas de Abrangência prestam assistência apenas aos moradores locais, sem que haja possibilidade de regulação da oferta para usuários de outras Áreas de Abrangência do município ou de municípios vizinhos. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 141 Análise da Implementação da Homeopatia na Grande Florianópolis 2 Diretrizes e Princípios do SUS A construção de um sistema público de saúde pautado nos princípios e nas diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), traçados pela Constituição Federal e pela Lei Orgânica da Saúde (Lei n. 8.080, 1990), se constitui em um desafio para a gestão participativa no que se refere à efetivação de políticas públicas e sociais e ao desenvolvimento de recursos humanos para a implementação dessas políticas. Para Novaes (2007), a compreensão dos princípios do SUS é fundamental para a gestão do sistema que se propõe à promoção, à proteção e à recuperação de saúde da população brasileira. Para a avaliação da implantação/implementação da homeopatia no SUS, observam-se os mesmos princípios referendados na Política Nacional das Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) (BRASIL, 2006a; BRASIL, 2006b). Entre os quais se destacam: a) universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; b) Integralidade de assistência, entendida como um conjunto articulado e contínuo das ações e dos serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; c) igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; d) direito à informação às pessoas assistidas, sobre sua saúde; e) divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e sua utilização pelo usuário; f) utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática; g) participação da comunidade; h) descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo: a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios; b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde. i) integração, em nível executivo, das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico; 142 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Vera Lúcia Bridi # Dante Marciano Girardi # Maria Luciana Biondo Silva j) conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na prestação de serviços de assistência à saúde da população; k) capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência; l) organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins idênticos. Novaes (2007) relata que em Vitória (ES) os mecanismos de referência e contrarreferência encontravam-se prejudicados devido ao desconhecimento da prática homeopática pelos profissionais de saúde, prejudicando a atuação integrada entre os diversos níveis da assistência em saúde. O autor evidenciou, ainda, que a maioria dos usuários entrevistados desconhecia onde buscar assistência médica, inclusive a homeopática, e que muitos gestores desconhecem as especificidades do método homeopático e querem reduzir os tempos das consultas, desrespeitando as diretrizes metodológicas da homeopatia. Essa problemática apontada por Novaes (2007) descreve o cotidiano de muitos serviços, em que a comunicação e a informação entre usuários, servidores e gestores não se efetivam de maneira apropriada, impedindo a acessibilidade e implementação dos serviços de homeopatia. Em seu texto “Os Princípios do Sistema Único de Saúde”, Teixeira (2011) discorre sobre os princípios sobre os quais as ações e os serviços do SUS são desenvolvidos: a universalidade remete ao processo de extensão da cobertura de modo a torná-la acessível a toda a população; a equidade é o reconhecimento da desigualdade entre os grupos sociais e daí a necessidade de propiciar direitos prioritários aos grupos com maior risco de adoecer e morrer; a integralidade é um modelo de atenção que contempla ações de promoção da saúde, prevenção de riscos e agravos, assistência e recuperação; a regionalização estabelece estratégias para uma distribuição mais equânime dos recursos da saúde, regulando e pactuando fluxos de referência e contrarreferência dentro de regiões de saúde; a hierarquização dos serviços, por níveis de complexidade, articula cuidados da Atenção Primária aos de Média e Alta Complexidade, estabelecendo critérios de acessos aos fluxos de demanda. Para planejamento, controle, regulação e avaliação da assistência no SUS, o Ministério da Saúde, em 12 de junho de 2002, publicou a Portaria n. 1101 (BRASIL, 2002a). Esse instrumento oferece índices de cálculo para a projeção de cobertura assistencial no SUS, tendo como base as populações e a historicidade das consultas executadas no sistema público, entre outras considerações. (BRASIL, 2001) Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 143 Análise da Implementação da Homeopatia na Grande Florianópolis A Portaria n. 373, do Ministério da Saúde, de 27 de fevereiro de 2002, estabelece o processo de regionalização como estratégia de hierarquização dos serviços de saúde e de busca de maior equidade. O planejamento estratégico do SUS pressupõe processos de regionalização que garantam um novo modelo de atenção que se comprometa com a resolubilidade dos problemas de saúde da população considerando a acessibilidade, a cobertura, a equidade, a integralidade, a descentralização e a participação. A adequação da oferta de serviços de saúde ao perfil das necessidades e prioridades da população deve atentar para: as desigualdades regionais e intersetoriais; o perfil socioeconômico e epidemiológico; o perfil e a distribuição de profissionais; a fixação de profissionais no sistema; os equipamentos e integralidade de acesso, com investimentos estratégicos nos grupos em desvantagem social. (SANTA CATARINA, 2009) Em Santa Catarina, o Plano Diretor de Regionalização (PDR, 2008) definiu como integrantes da Região de Saúde da Grande Florianópolis os seguintes municípios: Águas Mornas, Alfredo Wagner, Angelina, Anitápolis, Antônio Carlos, Biguaçu, Canelinha, Florianópolis, Governador Celso Ramos, Leoberto Leal, Major Gercino, Nova Trento, Palhoça, Paulo Lopes, Rancho Queimado, Santo Amaro da Imperatriz, São Bonifácio, São João Batista, São José, São Pedro de Alcântara e Tijucas. (SANTA CATARINA, 2009) Figura 1: Mapa da Macrorregião de Saúde da Grande Florianópolis Fonte: Santa Catarina (2009) 144 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Vera Lúcia Bridi # Dante Marciano Girardi # Maria Luciana Biondo Silva Florianópolis tornou-se referência no modelo de assistência regional devido ao fluxo espontâneo de usuários dos municípios vizinhos que procuram a capital em busca de assistência em saúde (SANTA CATARINA, 2009). A regionalização redefiniu os fluxos de pacientes e de investimentos e promoveu a regulação por meio da Programação Pactuada e Integrada (PPI). Procedimentos de Média e Alta Complexidade passaram a ser ofertados de forma mais equânime (BITTENCOURT, 2010), dando maior resolubilidade aos problemas de saúde referenciados pela Atenção Básica, considerando nesse processo: os interesses sociais de acessibilidade; os perfis sociodemográficos e epidemiológicos das populações que habitam os territórios; os objetivos institucionais de gestão pública; a atuação em rede em prol da integralidade da atenção à saúde. 3 Práticas Integrativas e Complementares no SUS Ações e serviços de Práticas Integrativas e Complementares (PIC), entre elas a homeopatia, são demandas terapêuticas, manifestas em várias conferências de saúde, para serem ofertadas nos sistemas públicos. A 8ª Conferência Nacional de Saúde (BRASIL, 1986), considerada um marco para a oferta das Práticas Integrativas e Complementares, deliberou a introdução de práticas alternativas de assistência à saúde no âmbito dos serviços públicos, como democratização do acesso ao usuário na escolha da terapêutica a ser por ele utilizada. O Ministério da Saúde organizou o I Fórum Nacional de Homeopatia, intitulado: “A homeopatia que queremos implantar no SUS”. Reuniram-se diferentes setores e representantes de estados e municípios com experiência em homeopatia nos serviços públicos, tendo como desafio elaborar as diretrizes que norteariam a Política Nacional das Práticas Integrativas e Complementares, particularmente no que se refere à normatização para a adequada e segura incorporação da homeopatia no SUS. Nesse fórum, Walcymar Leonel Estrêla, membro da Comissão de Saúde Pública da Associação Médica Homeopática Brasileira, apresentando o tema “A estratégia de Juiz de Fora”, alerta para a regulamentação e o controle social na implantação/implementação das PIC nos municípios. Ressalta ainda a importância da efetivação dos recursos humanos e da participação dos servidores na gestão dos serviços de homeopatia, elaborando protocolo de rotinas e planilhas de coleta de dados informatizadas para avaliações siste- Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 145 Análise da Implementação da Homeopatia na Grande Florianópolis máticas. Uma dessas avaliações revelou índices de resolubilidade e adesão ao tratamento de 95% e a satisfação do usuário em 96%. O tratamento homeopático apresentou baixo custo devido à necessidade de poucos retornos para tratamento, e a exigência de exames complementares foi da ordem de 5%. Associado a isso, o custo dos medicamentos homeopáticos ficou em R$ 17,47 por paciente/ano. (ESTRÊLA, 2004) A Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares do SUS (PNPIC) estabeleceu diretrizes na implantação/implementação da homeopatia no serviço público de saúde que visam garantir o acesso à atenção homeopática com qualidade e segurança; ao medicamento homeopático prescrito; à qualidade técnica por meio da formação e educação permanente dos servidores; à comunicação, à informação e à divulgação da homeopatia; ao desenvolvimento de pesquisas e estudos que avaliem a qualidade e aprimorem a assistência homeopática. (BRASIL, 2006a; BRASIL, 2006b) Dessa forma, o relatório do 1º Seminário Internacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (BRASIL, 2009) ratificou a importância de convênios entre o Ministério da Saúde e os municípios, no sentido de ofertar cursos de especialização em homeopatia para médicos e farmacêuticos da rede pública. Essa iniciativa possibilita a adequação e o aumento de servidores habilitados para a implementação/implantação da PNPIC, correspondendo assim à moção da Associação Médica Homeopática Brasileira em relação ao exercício do atendimento homeopático por não médicos, intitulada, Carta de Florianópolis, em que consta o seguinte parecer: Sabemos que abrir perspectivas para o atendimento homeopático por profissional não médico é inconcebível, pois o conhecimento médico é imprescindível para condutas como o diagnóstico, o prognóstico e a avaliação prognóstica em homeopatia, assim como para o entendimento e aplicação da teoria e da terapêutica homeopática. Entendemos que apto para este exercício está apenas o médico e após conclusão de curso (conforme grade curricular determinada pela AMHB) e aprovação em prova de Título de Especialista em Homeopatia também realizada pela AMHB, conforme convênio Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina. (ASSOCIAÇÃO, 2008) 146 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Vera Lúcia Bridi # Dante Marciano Girardi # Maria Luciana Biondo Silva 4 A Homeopatia no SUS da Grande Florianópolis Esta análise da implementação da homeopatia no sistema público objetivou estabelecer proposições fundamentadas para a gestão de serviços e ações terapêuticas homeopáticas a serem ofertadas na Região da Grande Florianópolis. Teve como referência as políticas e diretrizes do SUS, com ênfase na equidade, universalidade do acesso e nos parâmetros e avaliações dos serviços já consolidados em outros estados e municípios brasileiros como o Distrito Federal e Vitória (ES).(DISTRITO FEDERAL 2010) Para esta análise, foi utilizado o banco de dados do Sistema Informacional do Sistema Único de Saúde (BRASIL, 2011), relativo às consultas homeopáticas registradas no ano de 2011. Paralelamente, investigou-se, no Plano Diretor de Saúde de Santa Catarina, a análise da oferta de serviços especializados (Média Complexidade) e as pactuações no processo de regionalização da PPI. O site da Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis foi a única fonte de informação acessada referente às atividades desenvolvidas pela Comissão das Práticas Integrativas e Complementares, nomeada pelo Secretário Municipal de Saúde, em 2010, e da institucionalização municipal da homeopatia. Fontes bibliográficas relativas à implementação da homeopatia no SUS deram substrato à análise conceitual e regulamentadora, como os relatórios do 1˚ Fórum Nacional de Homeopatia e do Seminário Internacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde, que resultaram na elaboração da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS. As autoras Novaes (2007) e Teixeira (2011) também contribuem para o aprofundamento dos debates da inserção da homeopatia nos serviços públicos. O Distrito Federal tem apresentado uma das experiências mais exitosas na inserção da homeopatia no SUS. O Núcleo de Medicina Natural e Terapias de Integração (Numenati), da Secretaria Estadual de Saúde do Distrito Federal, com o intuito de reestruturar o atendimento homeopático no SUS do Distrito Federal e ampliar o acesso aos usuários, estabeleceu parâmetros para estimar as necessidades de atendimento homeopático para uma determinada população. A base do cálculo está fundamentada na determinação dos tempos de consultas homeopáticas passíveis de serem executadas, por jornada de trabalho e tipo de consulta, da seguinte forma: cinco consultas de 60 minutos como primeira consulta e quatro consultas de retorno para jornadas de oito horas diárias. O Numenati definiu, também, critérios para distribuição da assistência em homeopatia nos diversos níveis de complexidade, com 10% Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 147 Análise da Implementação da Homeopatia na Grande Florianópolis das vagas para o Nível Hospitalar e Pronto Atendimento, 20% para a Média Complexidade e 70% para a Atenção Básica. Resultados A análise dedutiva em relação à aplicabilidade dos critérios institucionais para projeção de serviços de homeopatia no sistema público e a comparação em relação à implementação da homeopatia na Grande Florianópolis e em outros estados e municípios brasileiros podem ser melhor apreciadas quando os parâmetros propostos de ofertas de serviços são projetados em relação aos dados populacionais e à distribuição geográfica regional, conforme Tabela 1. Utilizando-se os parâmetros para cálculo de adequação de homeopatas e/ou consultas homeopáticas a serem ofertas à população, encontrados no Manual de Normas e Procedimentos do Numenati (DISTRITO FEDERAL, 2010), e considerando dados populacionais (IBGE, 2010), efetua-se o cálculo e analisam-se quais são os parâmetros mais adequados para investimentos a médio e longo prazo na implementação dos serviços, de acordo com a Tabela 1: Tabela 1: Projeção dos parâmetros/Numenati para cobertura de assistência homeopática no SUS/2010 Distrito Federal São Paulo Rio de Janeiro Vitória Recife Florianópolis Brasil 2.570.160 11.253.503 6.320.446 327.801 1.537.704 421.240 190.732.694 0,03 consultas/hab./ano1 77.105 1.237.866 479.698 9.834 46.131 12.637 5.721.981 Homeopatas/40hs/ uma consulta/hab./ ano1 1.285 20.631 7.995 164 769 211 95.366 Homeopatas/40 hs/50.000/hab.1 51 825 320 7 31 8 3.815 Homeopatas atuantes/SUS2 262 422 522 282 12 13 Parâmetros Numenati1 População 2010/IBGE 4 1 Distrito Federal (2010). 2 (BRASIL, 2004). 3 CNES. 4 IBGE (2010) Fonte: Elaborada pela autora deste artigo A base de cálculo para oferta de consultas, por médico homeopata de 40 horas semanais, é de aproximadamente 2.000 consultas/ano. Verifica-se que o único município que apresenta cobertura superior ao parâmetro de um homeopata para 50.000 habitantes é o de Vitória (ES). No Distrito Federal, para se ofertar uma consulta homeopática para cada habitante/ano, seriam necessários 1.285 homeopatas. Para a habilitação e/ou contratação de homeopatas para o SUS, considerando a escala nacional, tendo como parâmetro um homeopata para 50.000 habitantes, seriam necessárias 3.815 148 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Vera Lúcia Bridi # Dante Marciano Girardi # Maria Luciana Biondo Silva contratações a médio prazo. No caso de Florianópolis, desconsiderando os outros municípios da Região de Saúde, seria necessária a imediata contratação de mais sete homeopatas. Verifica-se que o número de consultas necessárias, utilizando-se o parâmetro de 0,03 por consulta/hab./ano ou o número de profissionais para atendimento de uma consulta por hab./ano, gera um número muito distante da possibilidade de contratualização/pactuação a médio prazo. Na Tabela 2, busca-se uma adequação entre o número total de consultas preconizadas pela Portaria n. 1.101 e as projeções do Numenati para consultas homeopáticas (2.000 consultas/50.000 hab./ano), para se obter uma projeção do número de consultas que deveriam ser ofertadas aos munícipes da Região da Grande Florianópolis, em 2011. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 149 Análise da Implementação da Homeopatia na Grande Florianópolis Tabela 2: Projeção dos parâmetros da Portaria n. 1.101 e adequação do parâmetro/Numenati para consultas homeopáticas Municípios da Região de Saúde da Grande Florianópolis População Portaria n. 1101 NTC1 Portaria n. 1101 NTCE2 Numenati NTCH3 Águas Mornas 5.617 14.043 3.131 225 Alfredo Wagner 9.452 23.630 5.269 378 Angelina 5.210 13.025 2.905 208 Anitápolis 3.212 8.030 1.791 128 Antônio Carlos 7.537 18.843 4.202 301 Biguaçu 58.983 147.458 32.883 2.359 Canelinha 10.726 26.815 5.980 429 1 Florianópolis 427.298 1.068.245 238.219 17.092 1.687 Gov. Celso Ramos 13.107 32.768 7.307 524 5 Leoberto Leal 3.336 8.340 1.860 133 132 Major Gercino 3.289 8.223 1.834 Nova Trento 12.369 30.923 6.896 495 Palhoça 139.989 349.973 78.044 5.600 6.751 16.878 3.764 270 Paulo Lopes Rancho Queimado 2.757 6.893 1.537 110 Sto. Amaro da Imperatriz 20.082 50.205 11.196 803 São Bonifácio 2.992 7.480 1.668 120 São João Batista 27.135 67.838 15.128 1.085 São José Grande Fpolis NTCHEx4 9 10 212.586 531.465 118.517 8.503 17 São Pedro de Alcântara 4.790 11.975 2.670 192 5 Tijucas 31.533 78.833 17.580 1.261 1.008.751 2.521.878 562.379 40.350 Total 1734 NTC: Número total de consultas; NTCE: Número total de consultas especializadas; NTCH: Número total de consultas homeopáticas; 4 NTCHEx: Número total de consultas homeopáticas executadas/Grande Florianópolis. 1 2 3 Fonte: IBGE (2011), Brasil (2002a) e Distrito Federal (2010) O número total de consultas a serem ofertadas foi projetado como 2,5 consultas por habitante/ano e as consultas especializadas foram de 20% desse total, conforme parâmetros da Portaria n. 1101/GM. Para as consultas homeopáticas, persiste uma indefinição, pois a referida portaria a insere, juntamente com outras especialidades não definidas, em uma classificação denominada “outras”, a qual é atribuída o valor de 0,5% da totalidade das consultas especializadas para base de cálculo. Verificou-se a necessidade de adequação de recursos humanos, quando lançados os dados das consultas homeopáticas executadas, em 2001, na Grande Florianópolis, no que diz respeito à universalização do acesso e à equidade na distribuição de cotas para os municípios. 150 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Vera Lúcia Bridi # Dante Marciano Girardi # Maria Luciana Biondo Silva A proporcionalidade de acesso às consultas homeopáticas entre Florianópolis e os demais municípios da região é evidenciada no Gráfico 1: Gráfico 1: Consultas homeopáticas referenciadas pelas Unidades de Saúde de Florianópolis e outros municípios, em 2011 Fonte: Brasil (2012) O Gráfico 1 aponta que a distribuição de cotas de consultas homeopáticas da Programação Pactuada Integrada (PPI) da Assistência Ambulatorial apresentou, em 2011, uma supressão no acesso às consultas homeopáticas para os outros municípios, no período de junho a novembro, mantendo a atividade apenas para os usuários da capital. Deve-se considerar que os dados da planilha do Sistema Nacional de Regulação apresentam 36.311 cotas de consultas homeopáticas a serem ofertadas na PPI pelo município de Florianópolis (BRASIL, 2011). Isso aponta um conflito de informações entre os registros do SNR/DATASUS e a capacidade de execução dessas informações pelo município. No mapa da Figura 2, observa-se o acesso às consultas ocorridas em Florianópolis, em 2011. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 151 Análise da Implementação da Homeopatia na Grande Florianópolis Figura 2: Total de consultas homeopáticas referenciadas por Distrito Sanitário de Saúde, no município de Florianópolis (2011) Fonte: Elaborada pela autora deste artigo As populações distritais são de: 85.017 no Centro; 92.301 no Continente; 71.219 no Leste; 92.031 no Norte; 86.730 no Sul. O município de Florianópolis encontra-se dividido em cinco Distritos de Saúde. As Unidades de Saúde de cada Distrito referenciam as demandas de consulta homeopáticas para a Média Complexidade sem que haja regulação de fluxo ou cotas predeterminadas por Área de Abrangência. Não há sistematização da informação quanto às listas de espera para as consultas, dificultando a regulação da acessibilidade no processo de regionalização. 152 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Vera Lúcia Bridi # Dante Marciano Girardi # Maria Luciana Biondo Silva 6 Discussão A gestão do SUS, na tentativa de fundamentar parâmetros de cobertura, controle e avaliação da assistência, publicou a Portaria n. 1101. No entanto, a falta de especificação, referente à assistência homeopática, deixa uma lacuna. O Numenati (DF) mencionava três parâmetros que se referiam a essa problemática, dois deles se reportavam diretamente ao número de consultas e número de homeopatas, correlacionando-os à população. A projeção indicava um montante de consultas a serem executadas ou um número de médicos a serem contratados inexequível pelo SUS, como demonstra a Tabela 1 deste estudo, em que o Distrito Federal necessitaria 1.285 homeopatas para adequar seus serviços. Considerando o número de consultas que um homeopata pode executar em um ano (aproximadamente 2.000) e distribuindo-se esse montante para grupamentos de 50.000 habitantes, se obtêm um parâmetro mais factível de se programar a médio prazo. Na Grande Florianópolis, considerando a população de 1.008.751 habitantes (ver Tabela 2) e o baixo índice de cobertura (1.734 consultas executadas), há uma inadequação da oferta no que se refere ao parâmetro/ Numenati, que preconiza 2.000 consultas homeopáticas por ano/50.000 habitantes, o que dá uma média de 40.000 consultas/ano. Para tanto, seriam necessários 20 homeopatas de 40 horas semanais na efetuação da assistência. No processo da regionalização, a distribuição de cotas da PPI deveria ser equânime para os municípios. Como se observa na Tabela 2, a acessibilidade dos municípios do entorno da capital encontra-se comprometida. Uma distribuição conforme o parâmetro/Numenati possibilitaria uma cobertura mais proporcional. Novaes (2007) alertava para o problema da informação/comunicação interferindo na acessibilidade dos serviços, inclusive da homeopatia. Os acessos muito diversificados dos usuários dos diversos Distritos de Saúde de Florianópolis, com predominância acentuada no Distrito Sul, onde ocorre a prestação da assistência homeopática, alertam para a regulação do fluxo e disseminação da informação para áreas mais distantes. A gestão estratégica das tecnologias de informação e comunicação possibilitaria a integração nos diversos sistemas operacionais do SUS, em que a confiabilidade nos dados apresentados não permite a transparência necessária à pesquisa, a avaliação dos serviços e o controle social. Os conflitos Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 153 Análise da Implementação da Homeopatia na Grande Florianópolis de informações, como as evidenciadas nas cotas da PPI/SNR, apontam para essa demanda. 7 Considerações Finais A Política Nacional das Práticas Integrativas e Complementares do SUS enfatiza a inserção da homeopatia na Atenção Básica de Saúde fundamentada no princípio de universalização do acesso. Ao se investigarem os parâmetros de cobertura exequíveis a médio prazo, na assistência em homeopatia, conclui-se que a inserção desses serviços na Média Complexidade favorece a distribuição mais equitativa de recursos, no processo de regionalização. A ampliação da assistência em homeopatia para a Região da Grande Florianópolis pode se efetuar mais adequadamente se houver implementação de recursos para formação/habilitação em homeopatia, seguindo-se o exemplo de Rio Branco, que estabeleceu convênio com o Ministério da Saúde para a formação em Homeopatia para médicos da rede de saúde. A Homeopatia é uma racionalidade médica integrativa, que oferece terapêutica para distúrbios orgânicos e psíquicos, atua no indivíduo e nas epidemias e emprega tecnologia de baixa densidade. Por tecnologia de baixa densidade, fica subentendido que a atenção básica inclui um rol de procedimentos mais simples e baratos, capazes de atender à maior parte dos problemas comuns de saúde da comunidade, embora sua organização, seu desenvolvimento e sua aplicação possam demandar estudos de alta complexidade teórica e profundo conhecimento empírico da realidade. (BRASIL, 2007) Na elaboração do documento que orienta a gestão da assistência de Alta e Média Complexidade, afirma-se: [...] muitos municípios tentaram rede municipal sem articulação regional, sem observar a necessária economia de escala, com serviços de saúde mal dimensionados para as necessidades da população, que se tornam ociosos, custosos e inviáveis técnica e financeiramente. (BRASIL, 2007, p. 20) 154 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Vera Lúcia Bridi # Dante Marciano Girardi # Maria Luciana Biondo Silva Referências ASSOCIAÇÃO MÉDICA HOMEOPÁTICA BRASILEIRA. A homeopatia por não médicos. Belo Horizonte, 2008. Disponível em: <amhb. integratesoftware.com.br/?op=conteudo&id=132...120>. Acesso em: 3 nov. 2012. BITTENCOURT, S. A. NT 05-2010: equalização dos recursos do MAC. Brasília: Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados, 2010. Disponível em: <bd.camara.gov.br/bd/bitstream/.../equalizacao_mac_bittencourt.pdf>. Acesso em: 8 jul. 2012. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 971, de 3 maio de 2006. Aprova a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2006a. ______. Ministério da Saúde. Portaria n. 1.600, de 17 de julho de 2006. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS. 2006b. Disponível em: <bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/.../2002/ prt0373_27_02_2002...>. Acesso em: 8 jul. 2012. ______. Ministério do Estado da Saúde. Portaria n. 1.101/GM. 2002a. Disponível em: <http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2002/Gm/ GM-1101.htm>. Acesso em: 21 jun. 2013. ______. Conselho Nacional de Saúde. 8ª Conferência Nacional da Saúde: Relatório Final. Brasília, 1986. Disponível em: <conselho.saude.gov.br/ biblioteca/Relatorios/relatorio_8.pdf>. Acesso em: 23 nov. 2012. ______. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Assistência de Média e Alta Complexidade no SUS. Brasília: CONASS, 2007. 248 p. Disponível em: <bvsms.saude.gov.br/bvs/publicações/colec_progestores_livro9.pdf>. Acesso em: 8 jul. 2012. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 155 Análise da Implementação da Homeopatia na Grande Florianópolis ______. Estatuto da Cidade: Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001. Brasília, 2001. Disponível em: <www.cidades.gov.br/images/stories/.../Legislacao_ Lei_10257.pdf>. Acesso em: 23 nov. 2012. ______. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Brasília, 1990. Disponível em: <portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/lei8080.pdf>. Acesso em: 23 nov. 2012. ______. Ministério da Saúde. 1º Fórum Nacional de Homeopatia: a homeopatia que queremos implantar no SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2004. ______. Ministério da Saúde. DATASUS. Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). 2011. Disponível em: <cnes.datasus. gov.br/>. Acesso em: 10 ago. 2012. ______. Ministério da Saúde. DATASUS. Sistema Nacional de Regulação: Consulta de PPI/Cotas. [2012]. Disponível em: <http://siregiii.saúde.gov.br/cgibin/cons_cotas>. Acesso em: 10 ago. 2012. ______. Ministério da Saúde. Portaria n. 373, de 27 de fevereiro de 2002b. Disponível em: <bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/.../2002/ prt0373_27_02_2002...>. Acesso em: 8 jul. 2012. ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Relatório do 1º Seminário Internacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde – PNPIC. Brasília: Ministério da Saúde, 2009. 196 p. (Série C. Projetos, Programas e Relatórios). Disponível em: <189.28.128.100/.../seminario.../dra_carmem_di_simone_brasil.pdf>. Acesso em: 23 nov. 2012. DISTRITO FEDERAL. Secretaria de Estado de Saúde. Núcleo de Medicina Natural e Terapêuticas de Integração. Manual de normas e procedimentos do núcleo de medicina natural e terapêuticas de integração/ Numenati. Brasília, maio de 2010. Disponível em: <pt.pdfsb.com/ manual+de+futbol?p=10/>. Acesso em: 23 nov. 2012. 156 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Vera Lúcia Bridi # Dante Marciano Girardi # Maria Luciana Biondo Silva ESTRÊLA, W. L. Trajetória do Serviço de Homeopatia no SUS de Juiz de Fora/MG: 1° Fórum Nacional de Homeopatia. Brasília, 2004. Disponível em: <dtr2001.saude.gov.br/editora/produtos/livros/pdf/05_0006_M.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2013. FLORIANÓPOLIS. Secretaria Municipal de Saúde. Sistema de Informação da Atenção Básica: Relatório de Produção/ 2011. 2011. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/SAS_Relatorio_de_ Gestao_2011.pdf>. Acesso em: 14 ago. 2012. IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2010. [2010]. Disponível em: <www.ibge.gov.br/>. Acesso em: 23 nov. 2012. NOVAES, A. R. V. de. A medicina homeopática: avaliação de serviços. 263f. 2007. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva). Programa de PósGraduação em Saúde Coletiva, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2007. Disponível em: <http://www.cesaho. com.br/biblioteca_virtual/arquivos/arquivo_169_cesaho.pdf>. Acesso em: 3 jun. 2012. SANTA CATARINA. Secretaria de Estado da Saúde. Sistema Único de Saúde. Plano diretor de regionalização: PDR/2008. Florianópolis: Dioesc, 2009. 136 p. Disponível em: <portalses.saude.sc.gov.br/index.php?option=com... task..>. Acesso em: 8 jul. 2012. TEIXEIRA, C. Os princípios do Sistema Único de Saúde. Texto de apoio elaborado para subsidiar o debate nas Conferências Municipal e Estadual de Saúde. Salvador, BA, 2011. Disponível em: <http://www.saude.ba.gov.br/pdf/ OS_PRINCIPIOS_DO_SUS.pdf>. Acesso em: 26 jun. 2011. TRAVASSOS, C.; MARTINS, M. Uma revisão sobre os conceitos de acesso e utilização de serviços de saúde. 2004. Disponível em: <http:// dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2004000800014>. Acesso em: 8 jul. 2012. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 157 Parcerias Público-Privadas para Consolidação do SUS Aluna: Waldileuza Ferreira Rodrigues Barbosa1 Orientador: Luis Carlos Cancellier de Olivo2 Tutora: Maria Luciana Biondo Silva3 Resumo Abstract Uma das possibilidades para ampliar a assistência do Sistema Único de Saúde (SUS) é a complementação da oferta de serviços através da contratação de prestadores de natureza privada, e os municípios que optarem por esse instrumento devem observar a sua regulamentação. O objetivo deste trabalho é descrever o processo de contratualização realizado em Florianópolis, contribuindo assim com os demais municípios que optarem por assim fazê-lo. Os dados apresentados referem-se ao período de 2008 a 2011, no qual foram publicados 17 editais e 54 contratos foram firmados. Os resultados apresentam as etapas do processo de contratualização e revelam como a parceria público-privada é um valioso recurso em favor da qualificação da gestão do SUS na esfera municipal. One of the possibilities to increase the coverage by the Brazilian universal healthcare system (Sistema Único de Saúde/SUS) is to provide supplementary healthcare services by means of contracts established between public and private healthcare organizations. The purpose of this paper is to empower the public healthcare managers from the municipalities that intend to raise their coverage with the description of the contracting process held in Florianópolis, Santa Catarina (Brazil). The study presents data from 2008 to 2011 period and includes 17 calls for healthcare services publications and 54 signed contracts. The results also show the contracting process steps and reveal how the public-private partnership is a valuable resource to enhance the public healthcare management. Palavras-chave: Sistema Único de Saúde. Key words: Brazilian universal healthcare Contratualização. Municipalização da saúde. system. Healthcare service contract. Local Parceria público-privada. public healthcare. Public-private partnership. 1 Graduação em Letras, habilitação em Literatura e Língua Espanhola, pela Universidade de Cuiabá (2001). E-mail: [email protected]. 2 Doutor em direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (2003). E-mail: cancellier@ uol.com.br. 3 Graduação em Administração pela Universidade do Vale do Itajaí (2000). Especialização (Lato Sensu) em Gestão de Pessoas nas Organizações pela Universidade Federal de Santa Catarina (2011). E-mail: [email protected]. Waldileuza Ferreira Rodrigues Barbosa # Luis Carlos Cancellier de Olivo # Maria Luciana Biondo Silva 1 Introdução Com o intuito de garantir o princípio da universalidade, foi concedida aos municípios a oportunidade de contratar os serviços de forma complementar no SUS. Para tanto, foram criadas as primeiras medidas de regulamentação e controle para a compra desses serviços. Os municípios que estão sob Gestão Plena precisam contratar ou referenciar os seus serviços, pois não têm em seu território os necessários meios para garantir o atendimento aos seus usuários. Ao referenciar os seus serviços, o município encaminha o paciente para ser atendido na referência, gerando despesas de transporte, risco de acidentes ao paciente transportado, além de dispender tempo do enfermo. Por outro lado, quando não há serviços privados disponíveis em seu território, referenciar é a única alternativa. A partir da percepção da realidade existente nesses municípios, após constatar suas dificuldades e ouvir seus questionamentos sobre como contratar, descreve-se a experiência da cidade de Florianópolis, a fim de auxiliar os municípios que desejam saber como proceder para a contratação dos serviços complementares do SUS e garantir o princípio da universalidade. Este trabalho busca contribuir com todos os municípios que desejam complementar os seus serviços por meio da contratação de novos prestadores, baseando-se na experiência do município de Florianópolis com a contratualização. O objetivo é transmitir informações sobre os passos que a administração de um município deve seguir para proceder ao processo de contratualização de serviços complementares ao SUS. Mediante metodologia descritiva e explicativa, baseada nos Editais de Chamada Pública realizados no município de Florianópolis, no período de 2008 a 2011, percebe-se que há conhecimentos indispensáveis àqueles que desejarem complementar os serviços próprios – entre eles a Programação Pactuada e Integrada (PPI). O objetivo é definir e quantificar os serviços a serem disponibilizados à população em cada território e auxiliar os gestores em suas pactuações. Florianópolis foi a última capital brasileira a assumir a gestão dos seus serviços, com a adesão ao Pacto de Gestão, aprovado na CIB em julho de 2007 e publicado pelo Ministério da Saúde mediante Portaria GM/MS n. 2.238, de 11 de setembro de 2007. O município assumiu a gestão do seu sistema de saúde e, posteriormente, de suas referências de forma gradativa, obedecendo ao cronograma desse pacto. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 159 Parcerias Público-Privadas para Consolidação do SUS Os resultados apresentados nos últimos quatro anos demonstram que o município aumentou significativamente a sua capacidade de oferta através dos novos contratos realizados, o que possibilitou que em 2010 fosse lançada a campanha “Fila Zero”. Trata-se de um movimento para diminuir ao máximo as filas de espera, o que só foi possível graças aos serviços complementares contratados. 2 Fundamentação Teórica A participação complementar de instituições privadas no Sistema Único de Saúde, prevista no art. 199, §1º da Constituição da República, ocorre mediante elaboração de contrato de direito público ou convênio, com preferência às entidades filantrópicas e sem fins lucrativos, ação da qual o município de Florianópolis lança mão para garantir o atendimento aos seus cidadãos. Nessa esteira, os maiores progressos vieram com o regramento contido na Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990 (Lei Orgânica da Saúde), sistematizando a participação das instituições privadas, permitida somente após o efetivo esgotamento da capacidade da Rede Pública de Saúde em todas as esferas. Ainda, conferiu competência ao município para celebrar contratos e convênios com prestadores privados, obrigatoriamente sob controle e avaliação da execução dos serviços prestados. Numa medida extremamente importante, fez com que a União descentralizasse os serviços e ações de saúde através das NOB 01/93, NOB 01/96, NOAS 01/2002 e o atual Pacto pela Saúde, permitindo sua gestão pelos Estados e Municípios. 2.1 Saúde: direito constitucional Durante a Constituinte de 1988, as responsabilidades do Estado são repensadas, e promover a saúde de todos passa a ser dever do Estado: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação. (BRASIL, 1988) 160 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Waldileuza Ferreira Rodrigues Barbosa # Luis Carlos Cancellier de Olivo # Maria Luciana Biondo Silva Saúde é direito de todos os habitantes deste país, cuja falta implica afronta direta ao Princípio Constitucional da Dignidade Humana, ao mesmo tempo que é dever do Estado, por ser custeada pelas receitas originárias dos impostos e outras fontes que vierem a ser criadas. Disso resulta a responsabilidade da Administração Pública em concretizar esse direito, por intermédio de políticas e ações imprescindíveis ao atendimento da população, alcançando desde o nível básico até o mais complexo. 2.2 Administração Pública: licitação A licitação tem o objetivo claro de regulamentar a contratação de bens e serviços pelo Poder Público, a fim de que a Administração Pública possa escolher a proposta mais vantajosa para a contratação de forma a primar pelo interesse público e resguardar a igualdade a todos os interessados, exatamente como fator de eficiência e moralidade nos negócios jurídicos. Porém, há situações que constituem exceções ao procedimento licitatório, como a Inexigibilidade e Dispensa de Licitação, previstas na Lei n. 8.666/93. 2.3 Dispensa de Licitação A Dispensa de Licitação está prevista na citada lei (art. 24 e incisos) e é aplicada para os casos em que a licitação será dispensável, como na maioria das vezes em que os custos necessários à realização do procedimento ultrapassarão os benefícios que dele poderão advir, ficando a cargo da Administração Pública a opção de realizá-la. Pode ocorrer em quatro situações: a) quando o valor do objeto for baixo o suficiente para que a soma anual da compra daquele serviço não atinja os valores das modalidades de licitação; b) quando a compra ocorrer em situações excepcionais (urgência, emergência, guerra etc.); c) devido ao tipo de objeto a ser comprado, como imóveis, alimentos perecíveis, restauração de obras, peças e manutenção de equipamentos etc.; e d) quando o objeto do contratado for o trabalho de uma pessoa física ou jurídica de notório saber, ou quando o produto por ela desenvolvido seja único no mercado. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 161 Parcerias Público-Privadas para Consolidação do SUS As hipóteses de Dispensa de Licitação podem, ainda, ser sistematizadas conforme a manifestação de desequilíbrio na relação custo–benefício (JUSTEN FILHO, 2004): a) custo econômico da licitação: quando o custo econômico da licitação for superior ao benefício dela extraível (incisos I e II); b) custo temporal da licitação: quando a demora na realização da licitação puder acarretar a ineficácia da contratação (incisos III, IV, XII e XVIII); c) ausência de potencialidade de benefício: quando inexistir potencialidade de benefício decorrente da licitação (incisos V, VII, VIII, XI, XIV, XVII e XXIII); e d) destinação da contratação: quando a contratação não for norteada pelo critério da vantagem econômica porque o Estado busca realizar outros fins (incisos VI, IX, X, XIII, XV, XVI, XIX, XXI e XXIV). 2.4 Inexigibilidade A Inexigibilidade de Licitação (art. 25, incisos I, II, III e parágrafos da Lei n. 8.666/93) decorre da impossibilidade jurídica de haver competição entre os possíveis contratantes, seja pela natureza específica do negócio, seja pelos objetivos sociais da Administração. Uma sistematização dos eventos que levariam à inviabilidade de competição considera: a) ausência de alternativas: existem apenas uma solução e um particular em condições de executar a prestação; b) ausência de “mercado concorrencial”: não há ofertas permanentes de contratação porque os particulares em condições de executar a prestação não competem entre si formulando propostas, mas guardam-nas de possíveis interessados, não diferenciando nem mesmo o setor público; c) ausência de objetividade na seleção do objeto: há diferentes alternativas, mas a natureza personalíssima da atuação impede julgamento objetivo, exatamente porque a natureza da prestação envolve fatores intelectuais, artísticos, criativos etc., o que impede a definição precisa da relação custo–benefício; d) ausência de definição objetiva da prestação a ser executada: situação em que o particular assume obrigação cujo conteúdo somente 162 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Waldileuza Ferreira Rodrigues Barbosa # Luis Carlos Cancellier de Olivo # Maria Luciana Biondo Silva será definido ao longo da própria execução, ou seja, não se sabe de antemão que procedimento será adotado para se estabelecer uma competição. Após assegurar os recursos financeiros, é necessário garantir que a contratação dos serviços esteja de acordo com o previsto na Constituição e legislação infraconstitucional, obrigatório para toda Administração Pública (art. 37, inc. XXI da Constituição da República, e Lei n. 8.666/93), o que tecnicamente se chama de licitação. 2.5 Princípios do SUS Essa responsabilidade política e social assumida pelo Estado o obriga a formular e implementar políticas que garantam a qualidade de vida e saúde do povo brasileiro, bem como o acesso aos serviços de saúde. Na Constituição de 1988, a saúde passou a ser definida como um direito de todos e um dever do Estado, instituindo, assim, os princípios da Universalidade, Equidade e Igualdade no atendimento aos pacientes do SUS. No Princípio da Universalidade, a saúde é um direito fundamental do homem, cabendo ao Estado a responsabilidade de garantir aos cidadãos os meios para usufruí-la. O acesso universal incumbe ao SUS a responsabilidade de atender a toda população, seja por meio dos serviços públicos prestados pela União, Distrito Federal, Estados e Municípios, seja através dos serviços privados conveniados ou contratados com o Poder Público. O Princípio da Equidade se resume em tratar desigualmente os desiguais, investindo mais onde é mais necessário. Por fim, o Princípio da Integralidade significa estabelecer o fornecimento contínuo e completo de ações e serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde. 2.6 Pacto pela Saúde O Município de Florianópolis aderiu ao Pacto pela Saúde em 20 de julho de 2007 (Deliberação CIB n. 066/2007 e Portaria MS n. 2.238, de 11/09/2007), encampando gradativamente os serviços de média e alta complexidade, mediante pactuações firmadas com a Secretaria de Estado da Saúde e exigidas pelo Termo de Compromisso do Pacto de Gestão. Portanto, além Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 163 Parcerias Público-Privadas para Consolidação do SUS da atenção básica, passou a cuidar também da média e alta complexidade dos serviços de saúde. Como decorrência lógica, houve redefinição das funções e responsabilidades de cada nível de governo, no que se refere às atividades político-administrativas da saúde em seu respectivo território – Ministério da Saúde, Secretaria Estadual de Saúde e Secretaria Municipal de Saúde –, deflagrada pela descentralização. O Pacto pela Saúde abrange o Pacto pela Vida, o Pacto de Gestão e o Pacto em Defesa do SUS, que se resume a um acordo entre os três níveis de gestão do SUS, visando principalmente abranger todas as ações e serviços de saúde. Foram enfatizadas a atribuição de cada gestão e suas atividades, exatamente para fortalecer a gestão compartilhada e solidária do SUS, de acordo com os ditames da Constituição da República. Foi necessário enfrentar o problema de disponibilizar ao cidadão as ações e os serviços de saúde supridores de suas necessidades, o que requereu a reformulação da assistência e dos investimentos. Através de políticas do Ministério da Saúde, foi criado o Plano Diretor de Regionalização (PDR), que envolve as três esferas da gestão – União, Estados e Municípios –, além da macrorregião de saúde, região de saúde e municípios de referência. 2.7 Regionalização União – território sede da gestão nacional de saúde, afeta o Ministério da Saúde (MS), que planeja, organiza, executa, avalia e controla as ações e os serviços de saúde públicos e privados sob sua gestão. Também apoia técnica e financeiramente os Estados, Distrito Federal e municípios, visando incrementar suas ações institucionais. Elabora normas e protocolos reguladores das relações entre o SUS e os prestadores privados de assistência à saúde, instaura o Sistema Nacional de Auditoria e coordena a avaliação técnica e financeira do SUS em todo o país, mediante cooperação com os demais entes da federação. Estado – território sede da gestão estadual de saúde (Secretaria de Estado da Saúde), que planeja, organiza, executa, avalia e controla as ações e os serviços de saúde pública e privada sob sua gestão. Também apoia técnica e financeiramente os municípios de forma suplementar. Coordena, ainda, a rede estadual de laboratórios de saúde pública e hemocentros, propondo e criando normas e controles de todos os serviços vinculados ao SUS. (SANTA CATARINA, 2008) 164 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Waldileuza Ferreira Rodrigues Barbosa # Luis Carlos Cancellier de Olivo # Maria Luciana Biondo Silva Município – território sede da gestão municipal de saúde, ou seja, Secretaria Municipal de Saúde (SMS), que planeja, organiza, executa, avalia e controla as ações e os serviços de saúde públicos e privados sob sua gestão, além de ser exclusivamente responsável por garantir a atenção básica, conforme Política Nacional de Atenção Básica. (SANTA CATARINA, 2008) Macrorregião de Saúde – abrange uma ou mais regiões de saúde organizada e estruturada, cuja finalidade é suprir as demandas mais complexas da Média Complexidade, bem como a própria Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar. Não existe um município sede, sua definição é condicionada a critérios como serviços de alta complexidade instalados, população referenciada e investimentos do Estado via convênios e submete-se às diretrizes firmadas para 300.000 habitantes, no mínimo. (SANTA CATARINA, 2008) Região de Saúde – base territorial de planejamento da atenção à saúde, conforme especificidades e estratégias de regionalização da saúde no Estado, podendo ou não ser igual à divisão administrativa do Estado a ser feita pela SES. Leva em conta as características demográficas, socioeconômicas, geográficas, sanitárias, epidemiológicas, ofertas de serviços, relações entre municípios etc. Deve ser referência para população mínima de 100.000 habitantes, composta por mais de um município de referência. (SANTA CATARINA, 2008) Município de Referência – município com equipamentos urbanos e de saúde que atrai os demais (no mínimo dois municípios circunvizinhos) na busca de prestação de serviços com mais tecnologia, classificados na PPI como de Média Complexidade Ambulatorial e/ou Hospitalar. O PDR deve ser estabelecido e garantido através dos processos de regulação e por meio dos acordos firmados na PPI. (SANTA CATARINA, 2008) 2.8 Chamada Pública O Manual de Orientações para contratação de serviços no SUS orienta que a Chamada Pública será realizada quando se estabelecer a inexigibilidade de licitação, devido à necessidade de o gestor de saúde contratar todos os prestadores do município ou de uma área delimitada no edital. Mesmo sem a realização de licitação, o edital e os contratos decorrentes da Chamada Pública obedecerão ao contido na Lei n. 8.666/93. O Edital de Chamada Pública informa a todos os prestadores da região o interesse da Administração Pública em contratar serviços de saúde, estabelecendo o preço a ser pago pelos serviços, discriminados um a um, conforme Tabela de Pro- Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 165 Parcerias Público-Privadas para Consolidação do SUS cedimentos do SUS. Aqui cabe uma ressalva, pois, não havendo prestadores interessados em participar da licitação devido aos valores da Tabela SUS, a Administração Pública pode realizar nova Chamada Pública com valores ofertados acima da Tabela SUS, desde que o excedente seja custeado com recursos próprios do Município. Segundo Lima (2009), a contratualização é formalizada através de um convênio ou contrato vinculando as duas partes, em que são definidos as abrangências e os volumes dos serviços, o desempenho desejado, as metas e os indicadores de eficiência e qualidade para as diferentes áreas de atuação, vinculando o repasse de recursos ao desempenho definido. Esse instrumento, em tese, materializa e formaliza um processo de compra de serviços a serem prestados pelo contratado às secretarias. De acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2013), os contratos de gestão podem ser importante instrumento de ação do Poder Público, quer sob a forma de contratualização da tutela sobre as entidades da Administração Indireta, quer sob a forma de parceria com a iniciativa privada. No primeiro caso, o contrato fixa programa a ser cumprido pela entidade em troca do reconhecimento de maior autonomia. No segundo caso, o contrato fixa igualmente programa a ser cumprido pela entidade que atua como paraestatal, em colaboração com o Poder Público, recebendo ajuda financeira para esse fim. Regina Silvia Pacheco (2004, p. 2) dá outro destaque importante ao contrato: O contrato de resultados (ou acordo-quadro, contrato de gestão) é um instrumento de gestão, que relaciona ministérios (ou secretarias responsáveis pela formulação de políticas públicas) e entidades a eles vinculadas, prestadoras de serviços públicos (genericamente denominadas ‘agências’). Tem por objetivo promover mais flexibilidade, transparência de custos, melhor desempenho, aumento da qualidade, produtividade, eficiência e efetividade na prestação de serviços públicos. Promove um par de atributos inseparáveis, à luz das reformas gerenciais: autonomia de gestão em troca de compromisso prévio com resultados. Os prestadores habilitados integrarão um Banco de Prestadores à disposição dos gestores para suprir necessidades. Porém, havendo interesse, todos já poderão ser contratados, condicionado-se esses contratos aos limites financeiros estabelecidos na PPI. 166 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Waldileuza Ferreira Rodrigues Barbosa # Luis Carlos Cancellier de Olivo # Maria Luciana Biondo Silva 3 Resultado A Programação Pactuada e Integrada (PPI) é um instrumento usado pelo SUS, cujo objetivo é o de definir e quantificar os serviços a serem prestados à população em cada território e auxiliar os gestores em suas pactuações, visando garantir o acesso da população aos serviços de saúde. Por essas características, a PPI passou a ser o instrumento para orientar e organizar as redes de serviços, tornar claros os fluxos firmados e definir limites financeiros com fundamento em critérios e parâmetros já estabelecidos, tanto para assistir à população local quanto à de outros municípios pactuados. Suas principais metas são: a) Permitir o acesso da população aos serviços de saúde de forma equânime; b) Organizar a distribuição dos recursos financeiros de custeio da assistência à saúde, de acordo com as necessidades de saúde da população; c) Definir limites financeiros para a assistência (média e alta complexidade) a todos os municípios. Os recursos financeiros são compostos por uma parcela destinada ao atendimento da população do próprio município em seu território e outra correspondente à programação das referências de outros municípios; d) Demonstrar as parcelas dos recursos federais, estaduais e municipais, destinados ao custeio de ações de assistência à saúde; e) Dar subsídios aos processos de regulação do acesso aos serviços de saúde e contribuir para a organização das redes regionalizadas e hierarquizadas de serviços de saúde; f) Aumentar a visibilidade dos pactos intergestores e garantir que estejam explicitados no Termo de Compromisso para Garantia de Acesso. (BRASIL, 2006b) A PPI possibilita firmar o contrato com base nas necessidades locais, conforme previamente definidas, visando não só ao atendimento do Município contratante, mas também ao atendimento da população referenciada. Entre os mecanismos de gestão do SUS que estão diretamente relacionados com a contratualização, tem-se ainda: Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) – Todos os estabelecimentos de saúde, públicos, privados e filantrópicos, devem ser cadastrados no CNES. Esse Cadastro é fundamental para o processo de Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 167 Parcerias Público-Privadas para Consolidação do SUS contratualização, pois permite a identificação da capacidade instalada dos estabelecimentos, tais como: recursos físicos, técnicos e tecnológicos. Quando o gestor do SUS condiciona o fornecimento do Alvará Sanitário à realização e à manutenção do CNES por parte dos estabelecimentos de saúde existentes no território, as informações constantes no CNES conferem confiabilidade para auxiliar o gestor na análise da capacidade instalada dos prestadores participantes dos processos de contratualização. Controle e Avaliação – O contrato instrumentaliza o processo de controle e avaliação a ser desenvolvido em relação aos estabelecimentos contratados. No entanto, quando a área de controle e avaliação participa da elaboração dos critérios técnicos constantes no Edital de Contratualização, o controle e a avaliação tendem a ser mais profundos e completos. Regulação – O contrato representa o acordo de compromissos estabelecidos entre as partes. Nele deve estar explícito que todo o elenco de procedimentos contratados deve estar disponível para a regulação. Por esse motivo, ele é o primeiro instrumento da regulação do acesso aos serviços de saúde. Assim como no controle e na avaliação, é importante que a regulação participe do processo inicial de confecção do Edital de Chamada Pública, a fim de auxiliar na definição do elenco de procedimentos a serem contratualizados. Algumas etapas devem ser obedecidas no processo de contratação dos serviços: a primeira é o levantamento da capacidade instalada do município, ou seja, verificar a fila de espera pelos serviços, quantitativo de serviços próprios e se esses serviços atendem ou não à demanda existente. Após a obtenção desses dados e ciente dos recursos financeiros disponíveis em sua PPI, o município poderá passar para a segunda fase, que é a elaboração do edital. Para assegurar a legalidade e evitar eventuais recursos administrativos e judiciais em todo o procedimento, recomenda-se que, antes da elaboração da minuta do possível edital, seja feita uma Justificativa Técnica com ciência do gestor local. Posteriormente, ocorre a aprovação da minuta pela assessoria jurídica. Todos os editais devem ser publicados em Diário Oficial do município e em site oficial do órgão, a fim de dar ciência a todas as empresas existentes no município e conferir publicidade ao ato administrativo. A habilitação dos prestadores ocorre após análise técnica de toda a documentação exigida, esgotados todos os prazos concedidos pela comissão de contratualizacão. A Vistoria Técnica é necessária para comprovar a capacidade técnica e as ins- 168 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Waldileuza Ferreira Rodrigues Barbosa # Luis Carlos Cancellier de Olivo # Maria Luciana Biondo Silva talações do futuro prestador de serviço, a fim de resguardar a qualidade da prestação dos serviços ofertados. A publicação dos resultados deve ser feita após a certificação do cumprimento de todas as exigências legais do edital. Com a publicação dos resultados, segue-se o prazo para eventuais recursos dos participantes, conforme determinam os princípios da Administração Pública. De acordo com Art. 7º da Portaria n. 1.034, de 5 de maio de 2010, que dispõe sobre a participação complementar das instituições privadas de assistência à saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde, Art. 7º – O Plano Operativo é um instrumento que integrará todos os ajustes entre o ente público e a instituição privada, devendo conter elementos que demonstrem a utilização da capacidade instalada necessária ao cumprimento do objeto do contrato, a definição de oferta, fluxo de serviços e pactuação de metas. (BRASIL, 2010) Concluídas todas as etapas acima, o desfecho será a elaboração do contrato firmado entre as partes. 4 Resultado: o sistema de saúde de Florianópolis Florianópolis possui a segunda maior população do Estado, com 421.240 habitantes (IBGE, 2013). Apenas quatro cidades do Estado têm população superior a 200 mil habitantes: Joinville, Florianópolis, Blumenau e São José. O modelo de atenção à saúde de Florianópolis acompanhou o modelo Estadual vigente, focado na centralidade da atenção hospitalar e na medicina especializada, resultando na fragmentação do cuidado, aumentando os custos, ampliando as desigualdades, especialmente aquelas relacionadas ao acesso. Com o advento do Pacto pela Saúde em seus três eixos – Pacto pela Vida, Pacto em Defesa do SUS e Pacto de Gestão – em 2006, o Ministério da Saúde (MS) possibilitou aos Estados e aos Municípios uma nova forma de Gestão. Ela foi definida a partir dos Termos de Compromissos de Gestão, que deixam claras as responsabilidades a serem assumidas. O Pacto pela Saúde trouxe uma nova perspectiva para o SUS, em que Diretrizes de Regulação, novas regras para a Regionalização e Programação Pactuada e Integrada Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 169 Parcerias Público-Privadas para Consolidação do SUS são estabelecidas. Nesse contexto de 2006, Florianópolis inicia o processo de transformação, passando a assumir a gestão dos serviços pactuados e progredindo rumo à consolidação de um Sistema de Saúde com garantias de acesso a todos. O município realizou uma Conferência Municipal de Saúde com o tema “O Pacto pela Saúde”. Dela resultou a Carta à Saúde de Florianópolis, cujo destaque foi o apelo da população por melhores condições nessa área, reivindicações de novas unidades de saúde, mais equipes de saúde da família, além da garantia de acesso aos serviços do SUS em Florianópolis (FLORIANÓPOLIS, 2006). Tudo isso levou a Secretaria Municipal de Saúde a designar um grupo de trabalho que, juntamente com a Secretaria Estadual de Saúde, deu início às discussões sobre o processo de transferência da gestão para o Município de Florianópolis. A Secretaria Municipal de Saúde passou por diversas modificações e foi ampliada com a criação de vários setores, dentre eles a Coordenação de Controle, Avaliação e Auditoria, vinculada à Assessoria de Planejamento. Foi também criada a Coordenação de Regulação, vinculada à então Diretoria de Saúde Pública. O acesso aos serviços especializados em saúde sempre foi uma preocupação da gestão, principalmente quanto às consultas especializadas e aos exames de média complexidade, um dos maiores problemas enfrentados. Com a adesão ao Pacto de Gestão, aprovado na CIB em julho de 2007 e publicado pelo Ministério da Saúde mediante Portaria GM/MS n. 2.238, de 11 de setembro de 2007, Florianópolis assumiu a gestão do seu sistema de saúde e, posteriormente, a gestão de suas referências, efetivada em junho de 2009. De acordo com o cronograma do pacto, foram transferidos para a gestão municipal todos os serviços especializados em saúde de média complexidade ambulatorial, que estavam sob Gestão Estadual. É importante destacar que, embora tenham sido transferidos todos os prestadores credenciados pela SES para a Gestão Municipal, em cumprimento do Pacto de Gestão, o Município continuou seu processo de expansão da rede própria especializada. Assim, deu início ao processo de contratualização da rede complementar de saúde especializada, sob sua gestão, ampliando a capacidade da gestão municipal e respondendo às necessidades de sua população e de suas referências. 170 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Waldileuza Ferreira Rodrigues Barbosa # Luis Carlos Cancellier de Olivo # Maria Luciana Biondo Silva 4.1 A Chamada Pública no Município de Florianópolis – contextualização A modalidade de contratualização adotada pelo Município foi aquela recomendada pelo Ministério da Saúde, que é a Chamada Pública, para a contratação de empresas privadas. Entende-se como contratação o ato de firmar o instrumento contratual de prestação de serviços. Embora não muito usada no meio jurídico, a expressão “contratualização” é utilizada pelo Ministério da Saúde em várias portarias e aparece descrita no Manual de Contratação de Serviços de Saúde Complementares ao SUS. Dessa forma, contratualização pode ser definida como “[...] o processo/conjunto de serviços de saúde, que envolve desde a detecção da necessidade de complementar a rede própria de atendimento no SUS, até o ato de contratar.” (BRASIL, 2007) A formalização jurídica através de contratos que contenham de forma clara os deveres e os direitos de cada uma das partes representa grandes avanços para os gestores do SUS. Legitimam a transferência de recursos públicos para o setor privado e possibilitam o estabelecimento de critérios técnicos de participação, necessários para adequada prestação de serviços. Além disso, deve ser constituído de forma que o contrato seja utilizado como instrumento de regulação e controle, bem como de avaliação dos resultados dos serviços prestados. No município de Florianópolis foi criada uma Comissão de Contratualização através da Portaria n. 1.159/2008, dando autonomia para que todas as etapas de contratualização fossem realizadas na própria Secretaria Municipal de Saúde. Os processos de chamada pública são encaminhados para a Secretaria Municipal de Administração somente para ser procedida a publicação da inexigibilidade. Isso torna o processo mais ágil e adequado às necessidades da Secretaria de Saúde, inclusive nas questões relacionadas ao tempo e à velocidade da tramitação. A Comissão de Contratualização da Secretaria de Saúde é composta por cinco membros: dois da área técnica da saúde, responsáveis pela definição dos critérios técnicos, definidos no envelope dois, e três membros das áreas jurídica e administrativa, responsáveis pelos critérios estabelecidos pela Lei n. 8.666. A comissão é presidida pelo Diretor de Planejamento da SMS e sua atuação está vinculada à necessidade da secretaria em contratar, de forma complementar, serviços especializados em saúde. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 171 Parcerias Público-Privadas para Consolidação do SUS De forma gradativa, Florianópolis assumiu os serviços ambulatoriais de média complexidade em 2007 e 2008, e, em 2009 e 2010, assumiu todos os serviços de Alta Complexidade Ambulatorial e iniciou o processo de assumir a gestão dos hospitais. Através do Termo de Compromisso de Gestão do Pacto pela Saúde, são relacionados todos os serviços transferidos para a gestão municipal, incluindo os prazos para a sua transferência. Segundo as diretrizes do Pacto de Gestão estabelecidas pelo Ministério da Saúde, além de transferir a gestão dos serviços de saúde, os contratos e/ou convênios existentes deverão ser transferidos para o gestor que está assumindo, o qual terá prazo de 12 meses para realizar o processo de contratualização de modo a estabelecer as suas regras e critérios de contratualização e posterior contrato. 5 Resultados Desde que o município assumiu a gestão através do Pacto pela Saúde, no período compreendido de 2007 a 2011, foram realizados 17 Editais de Chamada Pública. No ano de 2008, foram realizados dois Editais de Chamada Pública, um para os procedimentos de Patologia Clínica, e outro para exames de imagem. O município encerrou o ano de 2008 com um total de 24 contratos firmados com os novos prestadores de serviço. Em 2009, os prestadores recebidos da gestão estadual precisavam ser contratados através do município, resultando num total de cinco Editais de Chamada Pública, realizados nas especialidades de oftalmologia, consultas especializadas, exames de ressonância magnética e exames de ultrassonografia. Do total de editais realizados, apenas um apresentou deserto, totalizando, ao final do exercício, 18 novos contratos com prestadores de serviço. Em 2010, o município lançou a campanha “Fila Zero”. Para tanto, era necessário aumentar o oferta de serviços próprios e de serviços contratados, o que resultou na realização de sete novos editais, totalizando 12 novos contratos e um edital deserto. As especialidades contratadas foram: patologia clínica, diagnóstico por anatomia patológica, densitometria óssea, diagnóstico em medicina nuclear e litotripsia extracorpórea. Em 2011 só foram realizados três editais, um apresentou deserto e os demais não assinaram contrato. Com isso, Florianópolis passa a ofertar serviços especializados de saúde de média e alta complexidade, tornando o 172 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Waldileuza Ferreira Rodrigues Barbosa # Luis Carlos Cancellier de Olivo # Maria Luciana Biondo Silva município uma das únicas cidades de Santa Catarina com 100% de sua rede especializada complementar formalmente contratada dentro dos critérios estabelecidos pelo Ministério da Saúde. Tabela 1: Editais realizados Ano 2008 2009 2010 2011 Total Número de editais 02 05 07 03 17 Contratos firmados 24 18 12 Não houve 54 Edital deserto 01 01 01 03 Fonte: Florianópolis (2013) 6 Metodologia Este trabalho foi realizado através de uma pesquisa qualitativa, na qual o pesquisador busca descrever o cenário de forma exploratória, indutivamente, por meio de pesquisa aplicada. O delineamento da pesquisa descritiva e explicativa baseou-se nos Editais de Chamada Pública realizados no município de Florianópolis, no período de 2008 a 2011, em que os meios utilizados foram as legislações vigentes, normas e portarias, e outras publicações pertinentes. A coleta de dados foi realizada através de consulta primária da base de dados da Prefeitura Municipal de Florianópolis, a partir do Pacto de Gestão. 7 Considerações Finais A parceria público-privada tornou-se uma grande aliada na gestão do Sistema Único de Saúde, pois possibilita ao gestor complementar os serviços próprios e aumentar a oferta de serviços para suprir sua demanda, através da contratação de novos serviços. A experiência dessa parceria no município de Florianópolis contribuiu para a garantia de acesso da população, ampliou a oferta de serviços e reduziu as filas de espera. Mesmo sendo a última capital brasileira a assumir a gestão dos serviços, Florianópolis conseguiu reverter essa desvantagem, organizando o acesso e a oferta de serviços em um curto espaço de tempo, com a criação de uma comissão específica para contratualização que pudesse imprimir maior agilidade e segurança ao processo. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 173 Parcerias Público-Privadas para Consolidação do SUS O exemplo de Florianópolis demonstra que é possível a qualquer município estabelecer parcerias público-privadas, desde que haja vontade política e da gestão. Após assumir a gestão dos serviços, o município assume a responsabilidade pela oferta de serviços (própria, contratada ou referenciada) à sua população. Onde há ofertas de serviços filantrópicos e privados, surge a opção de contratação. Como muitos deles são pequenos e não têm ofertas de todos os exames e consultas especializadas em seu território, são obrigados a referenciar para o município mais próximo, onde existe oferta dos serviços. A principal dificuldade para os municípios de pequena população é a escassez de serviços especializados de saúde. Em grande parte deles, os únicos serviços existentes são os de análises clínicas, radiologia e ultrassom, obrigando a Administração Pública municipal a referenciar a maioria dos exames e/ou serviços especializados de média e alta complexidade. Destaca-se ainda o fato de que, nas licitações realizadas pela administração municipal, frequentemente se percebe a ausência de profissionais técnicos da área de saúde atuantes na equipe de contratação. Isso ocasiona demora no processo e possíveis prejuízos quanto à qualidade técnica dos serviços escolhidos. Em Florianópolis, a contratualização não terminou, pois é um processo contínuo. Afinal, o principal desafio é trabalhar para zerar as filas ou, realisticamente, reduzi-las para o menor tempo de espera possível. Essa demanda é sempre alimentada pela constante necessidade de saúde da população, ou seja, quanto mais se oferta, mais se exige. É fato que a população e os problemas de saúde continuam crescendo, ao mesmo tempo que a ciência avança com novos tipos de exames. Os conhecimentos aqui apresentados visam facilitar para o Município o entendimento de todo o processo de contratação, com destaque para a criação da Comissão de Chamada Pública para otimizar tempo, recursos e obter eficácia na escolha dos serviços de qualidade para a população. Nesse sentido, este trabalho fornece conhecimentos necessários para a realização da Chamada Pública, mediante apresentação de como o Município de Florianópolis trabalha e os resultados obtidos. É conveniente dizer que grande parte do êxito do Município de Florianópolis se deu pelo acompanhamento sistemático dos serviços prestados e supervisão dos contratos firmados. A auditoria e conferência da produção confere segurança à Gestão, ou seja, será pago o que efetivamente foi produzido, garantia de que o usuário receberá um serviço prestado com qualidade. 174 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Waldileuza Ferreira Rodrigues Barbosa # Luis Carlos Cancellier de Olivo # Maria Luciana Biondo Silva Referências BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituicao.htm>. Acesso em: 5 jul. 2012. _____. Decreto n. 7.508, de 28 de junho de 2011. Regulamenta a lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde – SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providências. 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/ decreto/d7508.htm>. Acesso em: 5 jul. 2012. _____. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm>. Acesso em: 5 jul. 2012. ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Regulação, Avaliação e Controle de Sistemas. Manual de orientações para contratação de serviços do SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2007. (Série A. Normas e Manuais Técnicos) _______. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Departamento de Apoio à Descentralização. Regulamento dos pactos pela vida e de gestão. Brasília: Ministério da Saúde, 2006a. v. 2, 142 p. (Série pactos pela saúde) ______. Ministério da Saúde. Portal da Saúde. Contratualização. [2012]. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/visualizar_ texto.cfm?idtxt=26438&janela=2>. Acesso em: 4 julho 2012. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 175 Parcerias Público-Privadas para Consolidação do SUS ______. Portaria n. 1.097, de 22 de maio de 2006. 2006b. Disponível em: <http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2006/GM/GM-1097. htm>. Acesso em: 18 jun. 2013. ______. Portaria n. 1.034, de 5 de maio de 2010. Dispõe sobre a participação complementar das instituições privadas de assistência à saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde. 2010. Disponível em: <http://bvsms. saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2010/prt1034_05_05_2010.html>. Acesso em: 18 jun. 2013. DI PIETRO M. S. Z. Contratos de gestão. Contratualização do controle administrativo sobre a administração indireta e sobre as organizações sociais. [2013]. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/ revista2/artigo9.htm>. Acesso em: 8 nov. 2012. FLORIANÓPOLIS. Secretaria Municipal de Saúde. Chamadas públicas. [2013]. Disponível em: <http://www.pmf.sc.gov.br/entidades/saude/index.php? cms=chamadas+publicas&menu=8>. Acesso em: 19 jun. 2013. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. IBGE Cidades. Santa Catarina. Florianópolis. Infográficos. 2013. Disponível em: <http://www. ibge.gov.br/cidadesat/painel/painel.php?codmun=420540>. Acesso em: 19 jun. 2013. JUSTEN FILHO, M. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 10. ed. São Paulo: Dialética, 2004. LIMA, S. M. L. Possibilidades e limites da contratualização para o aprimoramento da gestão e da assistência em hospitais: o caso dos Hospitais de Ensino no Sistema Único de Saúde brasileiro. 316f. 2009. Tese (Doutorado em Saúde Pública).Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2009. 176 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Waldileuza Ferreira Rodrigues Barbosa # Luis Carlos Cancellier de Olivo # Maria Luciana Biondo Silva PACHECO, R. S. Contratualização de resultados no setor público: a experiência brasileira e o debate internacional. In: CONGRESO INTERNACIONAL DEL CLAD SOBRE LA REFORMA DEL ESTADO Y DE LA ADMINISTRACIÓN PÚBLICA, 9, 2004, Madrid. Disponível em: <http:// xa.yimg.com/kq/groups/24970920/1518095912/name/RPacheco_CLAD2004_ CLAD.pdf>. Acesso em: 19 jun. 2013. SANTA CATARINA. Secretaria de Estado da Saúde. Sistema Único de Saúde. Plano diretor de regionalização: PDR 2008. Florianópolis: Dioesc, 2008. 136 p. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 177 Qualidade de Vida no Trabalho: origem, evolução e conceitos – uma revisão bibliográfica Aluno: Wilmar do Nascimento1 Orientador: Maurício Fernandes Pereira2 Tutora: Juliana Pereira3 Resumo Abstract Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) é um assunto bastante corrente nos dias de hoje dentro e fora das empresas, mas nem sempre é tratada e aplicada de maneira adequada. Com o desenvolvimento de novas tecnologias, disputa de mercado e a globalização, as empresas estão exigindo cada vez mais competências de seus funcionários e em troca proclamam uma qualidade de vida no trabalho, que está muito distante do que realmente significa. Através de estudo teórico-bibliográfico, este artigo tem como objetivo principal descrever a origem, a evolução e os conceitos da QVT, mostrando a sua importância e o que ela representa tanto para a empresa como para os funcionários, e que na prática é necessária muita vontade e disposição para sua efetivação. Pretende-se também, a partir deste artigo, propor um estudo mais avançado para a elaboração de um modelo de qualidade de vida no trabalho (QVT) no Departamento de Endemias da Secretaria de Saúde de Florianópolis, mais especificamente no setor de combate ao mosquito Aedes aegypti. Quality of Life at Work (QLW) is a talked over subject, actually, inside or outside in the companies, but it‘s not brushed and applied just way. Advent development of the new or right tech, the market contention and the globalization, the companies are calling for proficiency employers, but in return for sponsor a Quality of the Life at Work, that is far way than it’s. By way of theoretical-bibliographic work, this paper brings as main objective to describe the origin, the conceptions and the evolution of QLW, to show its importance and which its represent much the company as employers, that practical is necessary much desire and frame of mind in fact. Too, This paper is a propose to advanced study for a kind of QLW, Endemic Disease Department of the Health Secretary, especially , on the section of the Fighting against Dengue Mosquito (Aedes aegypti), on Florianópolis (SC). Key words: Quality of work life. QWL. Evolution. Conceptions. Palavras-chave: Qualidade de vida no trabalho. QVT. Evolução. Conceitos. 1 Graduado em Filosofia pela Fundação Educacional do Sul de Santa Catariana (1987). Especialização em Violência Doméstica contra Criança e Adolescente pelo Instituto de Psicologia/USP (1966). E-mail: [email protected]. 2 Pós-Doutor pelo Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa (2010). E-mail: [email protected]. 3 Especialista em Gestão de Pessoas nas Organizações e Bacharel em Administração pela Universidade Federal Santa Catarina (UFSC). E-mail: [email protected]. Wilmar do Nascimento # Maurício Fernandes Pereira # Juliana Pereira 1 Introdução Com desenvolvimento contínuo das tecnologias e a globalização, as empresas estão preocupadas em produzir com qualidade, pois o mercado está cada vez mais exigente, competitivo e seletivo e quem não produz com qualidade acaba ficando fora dele. A qualidade dos produtos é influenciada pela capacitação, pelo treinamento e pela motivação dos funcionários. As exigências do mercado e a competitividade levaram as empresas a exigirem mais dos trabalhadores, e essa pressão trouxe consequências como o aumento dos acidentes de trabalho e/ou afastamento por motivo de saúde como estresse, depressão, entre outras. O bom desempenho de uma empresa também passa pela motivação de seus empregados, pelo reconhecimento e pela valorização por parte do empregador ou gestor, e isso envolve a qualidade de vida no trabalho, pois grande parte da sua vida o indivíduo passa dentro do ambiente de trabalho e, se esse ambiente não for favorável, ele acaba sucumbindo e não rendendo o esperado, o que compromete todo o processo de produção. O reconhecimento de que o bem-estar do trabalhador traz resultados positivos à empresa fez com que muitas delas começassem a se preocupar com o bem-estar dos seus trabalhadores, proporcionando a eles um ambiente melhor de trabalho, com mais conforto, segurança, etc. O serviço público não fica indiferente à evolução da qualidade de vida no trabalho; porém, verifica-se que, se dentro das empresas privadas já é difícil a implantação e manutenção da QVT, nas empresas públicas, essa dificuldade é ainda maior e mais complicada, pois percebe-se que dentro destas não há preocupação com a qualidade dos serviços prestados e muito menos com a QVT dos funcionários. A falta de qualidade nos serviços públicos e dos funcionários se deve, entre outros fatores, à troca constante de gestores, pois, a cada quatro anos, novas políticas são implantadas, mas sem continuidade. Alguns setores públicos fazem referência à importância da qualidade dos serviços, porém na prática essa preocupação é fictícia, já que se percebe que, na maioria dos setores, os ambientes e os materiais de trabalho não são favoráveis à execução dos serviços, sem contar a falta de funcionários devido a afastamentos por doenças, aposentadorias ou remanejamentos, levando outros funcionários a terem uma carga de trabalho excessiva. Para agravar ainda mais a situação, crescem de forma assustadora os serviços públicos Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 179 Qualidade de Vida no Trabalho: origem, evolução e conceitos – uma revisão bibliográfica executados por firmas prestadoras de serviços, as quais, no que diz respeito à qualidade de vida no trabalho, são questionadas, a começar pelos salários e pelas condições de segurança. Portanto, o objetivo geral deste artigo é descrever a evolução da qualidade de vida no trabalho. 2 Exposição do Tema: a origem e a evolução da qualidade de vida no trabalho Segundo Rodrigues (1999) – com outros títulos e autores e em diferentes contextos, mas sempre voltada para facilitar ou trazer satisfação e bem-estar ao trabalhador na execução de suas tarefas –, a qualidade de vida sempre foi objeto de preocupação da raça humana. Historicamente exemplificando, para a espécie humana o domínio de técnicas adequadas à produção do fogo, no período Neolítico, sem dúvida se traduziu como um enorme salto no que se refere à qualidade de vida. Com o fogo, o homem passou a se proteger do frio e dos predadores, além de poder cozinhar os alimentos. No período denominado como proto-história, a invenção da roda, cerca de 4.000 a.C., proporcionou a substituição dos antigos trenós por carros de duas e quatro rodas. Esse fato revolucionou a vida humana, pois facilitou não só a sua locomoção, mas também o transporte de cargas, e melhorou sua qualidade de vida. Os ensinamentos de Euclides de Alexandria (300 a.C.) sobre os princípios da geometria serviram de inspiração para a melhoria do método de trabalho dos agricultores à margem do Rio Nilo, assim como a Lei das Alavancas, de Arquimedes, formulada em 287 a.C, veio diminuir o esforço físico de muitos trabalhadores. A origem do movimento de qualidade de vida no trabalho remonta a 1950, com o surgimento da abordagem sociotécnica; porém, somente na década de 1960, tomaram impulso as iniciativas de cientistas sociais, líderes sindicais, empresários e governantes, na busca de melhores formas de organizar o trabalho a fim de minimizar os efeitos negativos do emprego na saúde e no bem-estar geral dos trabalhadores. (FERNANDES, 1996) Segundo Chiavenato (2004), o termo QVT foi cunhado por Louis Davis, na década de 1970, quando desenvolvia um projeto sobre desenho de cargos. 180 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Wilmar do Nascimento # Maurício Fernandes Pereira # Juliana Pereira Para ele, o conceito de QVT refere-se à preocupação com o bem-estar geral e a saúde dos trabalhadores no desempenho de suas tarefas. Posteriormente, alguns autores europeus desenvolveram outras conceituações dentro da abordagem sociotécnica e da democracia industrial. Então, na década de 1970, surge um movimento pela qualidade de vida no trabalho, principalmente nos EUA, devido à preocupação com a competitividade internacional e ao grande sucesso dos estilos e das técnicas gerenciais dos programas de produtividade japonesa, centrada nos empregados. Existia uma tentativa de integrar os interesses dos empregados e empregadores através de práticas gerenciais capazes de reduzirem os conflitos. No século XX, muitos pesquisadores contribuíram para o estudo sobre a satisfação do indivíduo no trabalho. Entre eles destacam-se Helton Mayo, cujas pesquisas, conforme Ferreira, Reis e Pereira (1999), Hampton (1991) e Rodrigues (1999), são altamente relevantes para o estudo do comportamento humano, da motivação dos indivíduos para a obtenção das metas organizacionais e da Qualidade de Vida do Trabalhador, principalmente a partir das análises efetuadas na Western Eletric Company (Hawthorne, Chicago) no início da década de 1920, que culminaram com a escola de Relações Humanas. Com o advento da globalização, as empresas têm sido pressionadas por acirrada disputa de mercado. Nesse contexto, uma organização deve ser compreendida como “[...] unidade social artificialmente criada e estruturada, continuadamente alterada para se manter no tempo, e com a função de atingir metas específicas que satisfaçam as necessidades de seus participantes e da sociedade.” (ETZIONI, 1981, p. 7) Segundo Garvin (1992, p. 25), nesse momento, [...] pela primeira vez, altos executivos, em nível de presidência e alta diretoria, expressam interesse na qualidade, ligando-a com lucratividade, definindo-a do ponto de vista do cliente e requerendo sua inclusão no processo de planejamento estratégico. Dentro deste contexto muitas empresas – brasileiras e internacionais – passaram a introduzir “[...] os sistemas participativos de gestão com o objetivo principal de aumentar a produtividade e apoiar os programas de qualidade, mas não visando realmente à participação dos empregados, conforme se verifica nas pesquisas do [...]” Núcleo Interdisciplinar de Estudos da Inovação e Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 181 Qualidade de Vida no Trabalho: origem, evolução e conceitos – uma revisão bibliográfica Trabalho da Universidade Federal de Santa Catarina (NINEIT). (RELATÓRIO..., 1998 apud MONACO; GUIMARÃES, 2000, p. 70) Seguindo esse contexto, Albuquerque e França (1998, p. 40) descrevem: O ambiente empresarial brasileiro vem se tornando intensamente competitivo em virtude das profundas mudanças que vêm ocorrendo na economia mundial, nas relações sociais e políticas, na tecnologia, na organização produtiva, nas relações de trabalho e na própria inserção do elemento humano no tecido social e produtivo. Ainda segundo os autores, especificamente tratando-se do Brasil: Essas transformações assumiram expressão maior em conseqüência da abertura abrupta da economia, das implementações dos programas de estabilização monetária e das reformas constitucionais, visando à redução e à reorientação do papel do Estado na economia. (ALBUQUERQUE; FRANÇA, 1998, p. 40) Para encarar todos esses desafios, muitas empresas brasileiras estão implantando Programas de Qualidade no Trabalho (PQT). O PQT é uma técnica de administração aperfeiçoada no Japão, a partir de ideias americanas ali introduzidas logo após a Segunda Guerra Mundial. Garvin (1992) descreve o desenvolvimento da qualidade em quatro eras, divididas na fase da inspeção formal, do controle estatístico do processo, da garantia da qualidade e da gestão estratégica da qualidade. Para Campos (1989, p. 13), o programa de qualidade total: [...] é baseado em elementos de várias fontes: emprega o método cartesiano, aproveita muito do trabalho de Taylor, utiliza o controle estatístico de processo, adota os conceitos sobre comportamento humano lançado por Maslow e aproveita todo o conhecimento ocidental sobre a qualidade, principalmente o trabalho de Juran. 182 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Wilmar do Nascimento # Maurício Fernandes Pereira # Juliana Pereira 2.1 Conceitos de Qualidade de Vida no Trabalho Hoje se fala muito em qualidade total e isso remete a outro tema que é a qualidade de vida no trabalho como forma de se obter a qualidade total. Para maior entendimento da importância da qualidade de vida no trabalho tanto para o empregado quanto para o empregador, pretende-se a seguir descrever os principais conceitos e ideias sobre qualidade de vida no trabalho (QVT). Conforme França (1997, p. 80): Qualidade de vida no trabalho (QVT) é o conjunto de ações de uma empresa que envolve a implantação de melhorias e inovações gerenciais e tecnológicas no ambiente de trabalho. A construção da qualidade de vida no trabalho ocorre a partir do momento em que se olha a empresa e as pessoas como um todo, o que chamamos de enfoque biopsicossocial. O posicionamento biopsicossocial representa o fator diferencial para a realização de diagnóstico, campanhas, criação de serviços e implantação de projetos voltados para a preservação e desenvolvimento das pessoas durante o trabalho na empresa. A autora ainda esclarece que “[...] a origem do conceito vem da medicina psicossomática que propõe uma visão integrada, holística do ser humano, em oposição à abordagem cartesiana que divide o ser humano em partes.” (FRANÇA, 1997, p. 80) E conclui, ao afirmar que, No campo do trabalho esta abordagem pode ser associada à ética da condição humana. Esta ética busca desde a identificação, eliminação, neutralização ou controle de riscos ocupacionais observáveis no ambiente físico, padrões de relações de trabalho, carga física e mental requerida para cada atividade, implicações políticas e ideológicas, dinâmica da liderança empresarial e do poder formal até o significado do trabalho em si, relacionamento e satisfação no trabalho. (FRANÇA, 1997, p. 80) Para Maximiano (2000, p. 498), “[...] a QVT baseia-se em uma visão integral das pessoas, que é o chamado enfoque biopsicossocial. O enfoque biopsicossocial das pessoas origina-se da medicina psicossomática, que propõe a visão integrada, ou holística, do ser humano.” Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 183 Qualidade de Vida no Trabalho: origem, evolução e conceitos – uma revisão bibliográfica Segundo Vasconcelos (2001, p. 25), “[...] a construção da qualidade de vida no trabalho ocorre a partir do momento em que se olha a empresa e as pessoas como um todo, o que chamamos de enfoque biopsicossocial.” Davis e Newstrom (2001, p. 146) definem: Por qualidade de vida no trabalho (QVT) queremos dizer os pontos favoráveis e desfavoráveis de um ambiente de trabalho para as pessoas. A proposta básica é desenvolver ambientes de trabalho que sejam tão bons para as pessoas como para a saúde econômica da organização. Percebe-se que a QVT procura criar uma relação harmoniosa entre empregado e empregador através de um ambiente humanizado que seja bom para o empregado e para o empregador. Para Chiavenato (2004, p. 448), “[...] a organização que quiser atender bem o cliente externo, ela não poderá se esquecer de atender bem o cliente interno.” Mais uma vez percebe-se que a gestão da qualidade total nas organizações depende, fundamentalmente, do aproveitamento do potencial humano, e isso, por conseguinte, depende de quão bem as pessoas se sentem trabalhando na organização. A definição de QVT, adotada por França e Zaima (2002, p. 406), diz que: “[...] é o conjunto das ações de uma empresa que envolve a implantação de melhorias e inovações gerenciais, tecnológicas e estruturais no ambiente de trabalho.” Para Vieira (1990, p. 45), “[...] a QVT tem como objetivo central gerar uma organização mais humanizada para resultar dela uma relação entre o capital e trabalho não conflitante, mas sim cooperativa.” Percebe-se, através dos conceitos de QVT, que o foco é o bem-estar do funcionário, isto é, o empregado precisa se sentir seguro e tranquilo durante o desempenho das suas atividades. Isso é reforçado por Quirino e Xavier (1987, p. 71-82), quando descrevem que [...] a expressão QVT representa uma ligação direta com as condições em que trabalham os empregados de uma empresa e com a satisfação das necessidades do homem levando-se em consideração os aspectos de satisfação no cargo e trabalho humanizado. 184 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Wilmar do Nascimento # Maurício Fernandes Pereira # Juliana Pereira Ainda segundo Quirino e Xavier (1987), a QVT pode ser avaliada de duas maneiras dentro de uma organização: de maneira objetiva, avaliando a mensuração das condições materiais (disponibilidade de equipamentos, tecnologia, padrões de salários e benefícios, ambiente físico, entre outras); ou de maneira subjetiva que investigaria a percepção dos trabalhadores sobre as condições objetivas, avaliando-as em satisfatórias ou não satisfatórias. Para Albuquerque e França (1998, p. 41), A Qualidade de Vida no Trabalho é um conjunto de ações de uma empresa que envolve diagnóstico e implantação de melhorias e inovações gerenciais, tecnológicas e estruturais, dentro e fora do ambiente de trabalho, visando propiciar condições plenas de desenvolvimento humano na realização do seu ofício. O desenvolvimento de novas tecnologias obriga as empresas a trabalharem com mão de obra cada vez mais especializada, exigindo funcionários cada vez mais qualificados, treinados e em constante capacitação, por outro lado, elas oferecem melhores condições de trabalho e até salário. Essas constantes inovações tecnológicas fizeram também evoluir os conceitos do QVT, que são descrias por Nadler e Lawler (1983 apud FERNANDES, 1996, p. 42), conforme a Tabela 1. Tabela 1: Evolução do conceito de QVT Concepções Evolutivas do QVT 1. QVT como uma variável (1959 a 1972) 2. QVT como uma abordagem (1969 a 1974) Características ou Visão Reação do indivíduo ao trabalho. Investigava-se como melhorar a qualidade de vida no trabalho para o indivíduo. O foco era o indivíduo antes do resultado organizacional; mas, ao mesmo tempo, buscava-se trazer melhorias tanto ao empregado como à direção. Fonte: Nadler e Lawler (1983 apud FERNANDES, 1996, p. 42) Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 185 Qualidade de Vida no Trabalho: origem, evolução e conceitos – uma revisão bibliográfica Concepções Evolutivas do QVT 3. QVT como um método (1972 a 1975) 4. QVT como um movimento (1975 a 1980) 5. QVT como tudo (1979 a 1982) 6. QVT como nada (futuro) Características ou Visão Um conjunto de abordagens, métodos ou técnicas para melhorar o ambiente de trabalho e tornar o trabalho mais produtivo e mais satisfatório. QVT era vista como sinônimo de grupos autônomos de trabalho, enriquecimento de cargo ou desenho de novas plantas com integração social e técnica. Declaração ideológica sobre a natureza do trabalho e as relações dos trabalhadores com a organização. Os termos “administração participativa” e “democracia industrial” eram freqüentemente ditos como ideais do movimento de QVT. Como panaceia contra a competição estrangeira, problemas de qualidade, baixas taxas de produtividade, problemas de queixas e outros problemas organizacionais. No caso de alguns projetos de QVT fracassarem no futuro, não passará de um “modismo” passageiro. Fonte: Nadler e Lawler (1983 apud FERNANDES, 1996, p. 42) Apesar da evolução do QVT e das inovações tecnológicas, percebe-se que o ser humano continua a passar grande parte do seu tempo trabalhando e se capacitando cada vez mais para manter-se no mercado de trabalho. Isso provoca a reflexão sobre desafio imaginado pelos idealizadores do QVT, que é torná-la uma ferramenta gerencial efetiva e não apenas mais um modismo, que como tantos outros que vêm e vão. E esse desafio torna-se mais instigante neste momento em que o empregado se vê envolvido numa rotina diária cada vez mais desgastante e massacrante. Na visão de Veiga (2000), após os sucessivos processos de downsizing, reestruturação e reengenharia que marcaram toda a década de 1990, nota-se atualmente que as pessoas têm trabalhado cada vez mais, e, por extensão, têm tido menos tempo para si mesmas. Handy (1995, p. 25), com base nessa realidade, declarou que: 186 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Wilmar do Nascimento # Maurício Fernandes Pereira # Juliana Pereira O problema começou quando transformamos o tempo em uma mercadoria, quando compramos o tempo das pessoas em nossas empresas em vez de comprar a produção. Quanto mais tempo você vende, nessas condições, mais dinheiro fará. Então, há uma troca inevitável entre o tempo e o dinheiro. As empresas, por sua vez, tornam-se exigentes. Querem menos tempo das pessoas que eles pagam por hora, porém mais das pessoas que pagam por ano, porque, no último caso, cada hora extra durante o ano é gratuita. Limongi (1995 apud VASCONCELOS, 2001, p. 25) e Albuquerque e França (1997 apud VASCONCELOS, 2001, p. 25) “[...] consideram que a sociedade vive novos paradigmas de modos de vida dentro e fora da empresa, gerando, em consequência, novos valores e demandas de Qualidade de Vida no Trabalho” e que para ajudar a suprir e entender essas demandas é necessária a interação de outras áreas do conhecimento, tais como: Saúde, Ecologia, Ergonomia, Psicologia, Sociologia, Economia, Administração e Engenharia. Walton (1973 apud RODRIGUES, 1999, p. 81) considera que [...] a expressão Qualidade de Vida tem sido usada com crescente freqüência para descrever certos valores ambientais e humanos, negligenciados pelas sociedades industriais em favor do avanço tecnológico, da produtividade e do crescimento econômico. Walton (1973 apud FERNANDES, 1996, p. 48) propôs oito categorias conceituais, incluindo critérios de QVT para conceituar qualidade de vida no trabalho (Tabela 2). Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 187 Qualidade de Vida no Trabalho: origem, evolução e conceitos – uma revisão bibliográfica Tabela 2: Categorias conceituais de qualidade de vida no trabalho (QVT) Critérios 1. Compensação justa e adequada 2. Condições de trabalho 3. Uso e desenvolvimento de capacidades 4. Oportunidade de crescimento e segurança 5. Integração social na organização 6. Constitucionalismo 7. Trabalho e espaço total de vida 8. Relevância social do trabalho na vida Indicadores QVT Equidade interna e externa Justiça na compensação Partilha de ganhos de produtividade Jornada de trabalho razoável Ambiente físico seguro e saudável Ausência de insalubridade Autonomia Auto-controle relativo Qualidades múltiplas Informações sobre o processo total do trabalho Possibilidade de carreira Crescimento pessoal Perspectiva de avanço salarial Segurança de emprego Ausência de preconceitos Igualdade Mobilidade Relacionamento Senso Comunitário Direitos de proteção ao trabalhador Privacidade pessoal Liberdade de expressão Tratamento imparcial Direitos trabalhistas Papel balanceado do trabalho na vida pessoal Papel balanceado no trabalho Estabilidade de horários Poucas mudanças geográficas Tempo para lazer da família Imagem da empresa Responsabilidade social da empresa Responsabilidade pelos produtos Práticas de emprego Fonte: Walton (1973 apud FERNANDES, 1996, p. 48) Com base na Tabela 2, pode-se destacar a importância dos critérios utilizados pelos autores para avaliar a qualidade de vida total no trabalho, como: 188 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Wilmar do Nascimento # Maurício Fernandes Pereira # Juliana Pereira a) compensação justa e adequada – é remuneração justa pelo trabalho executado, o respeito à equidade interna (comparação com os colegas) e equidade externa (mercado de trabalho); b) condição de trabalho envolve a jornada e carga de trabalho e os meios oferecidos para o desenvolvimento dos serviços: equipamento de segurança, equipamentos adequados para o trabalho; c) uso e desenvolvimento de capacidades implicam condições para aproveitamento da capacidade humana e intelectual; d) oportunidade de crescimento e segurança – consiste em oferecer condições de crescimento e segurança, isto é, plano de carreira pessoal e estabilidade; e) integração social na organização – destaca a igualdade independentemente da orientação sexual, classe social, idade, etc.; f) constitucionalismo – serve para medir o respeito aos direitos do trabalhador e o cumprimento às leis trabalhistas; g) trabalho e o Espaço Total da Vida – serve para avaliar o equilíbrio entre a vida pessoal e o trabalho; h) relevância do Trabalho na Vida – avalia a observação do empregado em relação à imagem da empresa com a responsabilidade social na comunidade e a qualidade do serviço prestado. Para Bom Sucesso (1998), pode-se dizer, de maneira geral, que a qualidade de vida no trabalho abrange: a) renda capaz de satisfazer as expectativas pessoais e sociais; b) orgulho pelo trabalho realizado; c) vida emocional satisfatória; d) autoestima; e) imagem da empresa/instituição junto à opinião pública; f) equilíbrio entre trabalho e lazer; g) horários e condições de trabalho sensato; h) oportunidades e perspectivas de carreira; i) possibilidade de uso do potencial; j) respeito aos direitos; e k) justiça nas recompensas. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 189 Qualidade de Vida no Trabalho: origem, evolução e conceitos – uma revisão bibliográfica Para Silva e De Marchi (1997), a adoção de programas de qualidade de vida e promoção da saúde proporcionaria ao indivíduo maior resistência ao estresse, maior estabilidade emocional, maior motivação, maior eficiência no trabalho, melhor autoimagem e melhor relacionamento. Por outro lado, as empresas seriam beneficiadas com uma força de trabalho mais saudável, menor absenteísmo/rotatividade, menor número de acidentes, menor custo de saúde assistencial, maior produtividade, melhor imagem e, por último, um melhor ambiente de trabalho. 2.2 Qualidade de Vida no Trabalho: teoria versus Prática Ao se avaliarem os conceitos sobre o que é qualidade de vida no trabalho, percebe-se que entre a teoria e a prática existe um abismo. Essa avaliação é feita também pelo Professor Lindolfo Galvão de Albuquerque, da FEA/USP (LIMONGI-FRANÇA; ASSIS, 1995, p. 28): [...] existe uma grande distância entre o discurso e a prática. Filosoficamente, todo mundo acha importante a implantação de programas de QVT, mas na prática prevalece o imediatismo e os investimentos de médio e longo prazos são esquecidos. Tudo está por fazer. A maioria dos programas de QVT tem origem nas atividades de segurança e saúde no trabalhado e muitos nem sequer se associam a programas de qualidade total ou de melhoria do clima organizacional. QVT só faz sentido quando deixa de ser restrita a programas internos de saúde ou lazer e passa a ser discutida num sentido mais amplo, incluindo qualidade das relações de trabalho e suas conseqüências na saúde das pessoas e da organização. E o professor ainda acrescenta, de acordo com Limongi-França e Assis (1995, p. 29): QVT é uma evolução da Qualidade Total. É o último elo da cadeia. Não dá para falar em Qualidade Total se não se abranger a qualidade de vida das pessoas no trabalho. O esforço que tem que se desenvolver é de conscientização e preparação para uma 190 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Wilmar do Nascimento # Maurício Fernandes Pereira # Juliana Pereira postura de qualidade em todos os sentidos. É necessária a coerência em todos os enfoques. QVT significa condições adequadas e os desafios de respeitar e ser respeitado como profissional. O trabalho focado e em serviço social e saúde é muito imediatista. É necessário colocar a QVT num contexto mais intelectual, não só concreto e imediato. O excesso de pragmatismo leva ao reducionismo. QVT deve estar num contexto mais amplo de qualidade e de gestão. A gestão das pessoas deve incluir esta preocupação. Refletindo sobre o que foi descrito até o momento sobre o que representa a QVT, nota-se que os autores descrevem muito bem sobre a importância de um PQT e do QVT. Os conceitos sobre o que é o QVT são muito abrangentes e mostram que a implantação de um programa de QVT depende da compreensão e dos esforços de todos os envolvidos. Para que a QVT tenha sucesso, é necessário que ela ultrapasse a fronteira da empresa. Não se pode pensar que, concedendo um ambiente favorável para o trabalhador dentro da empresa, o restante estará resolvido. Por outro lado, percebe-se que a falta do conhecimento sobre a importância do QVT e da sua aplicação tem dificultado o seu sucesso. Isso se explica pelo fato de muitos gestores pensarem que se perde muito tempo e dinheiro para implantação e manutenção da QVT. Eles preferem investir em tecnologias para terem um retorno rápido, esquecendo-se de que quem opera a máquina pode não estar dando tudo de si por não estar num ambiente favorável ou por não estar motivado. É notável que o investimento em QVT traz retorno de produtividade, qualidade e consequentemente financeiro. Segundo Fernandes (1996, p. 38-39), Apesar de toda a badalação em cima das novas tecnologias de produção, ferramentas de Qualidade etc., é fato facilmente constatável que mais e mais trabalhadores se queixam de uma rotina de trabalho, de uma subutilização de suas potencialidades e talentos, e de condições de trabalho inadequadas. Estes problemas ligados à insatisfação no trabalho têm conseqüências que geram um aumento do absenteísmo, uma diminuição do rendimento, uma rotatividade de mão-de-obra mais elevada, reclamações e greves mais numerosas, tendo um efeito marcante sobre a saúde metal e física dos trabalhadores, e em decorrência na rentabilidade empresarial. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 191 Qualidade de Vida no Trabalho: origem, evolução e conceitos – uma revisão bibliográfica Nos dias atuais, percebe-se que o trabalho deixou de ser algo prazeroso para se tornar algo angustiante e até mesmo deprimente, e isso se deve à modernidade, à globalização e ao mercado competitivo, pois as empresas, em busca de produção com qualidade, pregoam benefícios aos empregados, que, iludidos por esses benesses, acabam se tornando viciados em trabalho. Isso remete a outro contexto, que é a ética do workaholic, a qual, de acordo com Caldas, [...] não é a de trabalhar para viver, mas viver para trabalhar. Para o workaholic, sua carreira é sua vida, seu culto. E o culto da carreira, que rege sua obsessão, é guiado pela Deusa do Sucesso. Ele reza as receitas de profetas, gurus e “gente bem-sucedida”: ele adora heróis empresariais, venera seus símbolos e prega suas palavras e ações com fervor, como se fossem verdades universais, como se todos devessem conhecer seu evangelho. (CALDAS, 1998, p. 33) Caldas (1998, p. 33) ainda continua: Mas como o sucesso é um destino hipotético, a carreira moderna e a obsessão do workaholic é uma corrida que não tem fim, nem ponto de chegada, nem vencedores. [...] Ser workaholic é, em essência, ser moderno. Admira-se o indivíduo obcecado por trabalho, como se isto fosse certo e preciso. Como se ele soubesse aonde vai, ou para quê. Como se ele refletisse sobre seu destino, ou sobre seu caminho. [...] Em nossa ânsia de “não ficar para trás”, cada vez mais nos movemos mais rápidos, e cada vez mais de forma menos reflexiva: passamos da emoção à ação, sem a mediação da razão, do pensamento. Corremos tanto que os detalhes nos escapam, como as nuances entre o certo e o errado, entre o saudável e o doentio, entre o urgente e o necessário. Para Wood Jr. (1998), a maioria dos workaholics não percebe o aspecto patológico de sua conduta. O autor os trata de “mestres da racionalização”. Eles são obcecados pelo que fazem e não conseguem fazer outra coisa, mesmo quando estão fora do horário de trabalho. Toda a sua vida está focada na empresa e ele remete isso aos demais funcionários, exigindo, quando em cargo superior, que estes compartilhem da sua ideia, levando muitos empregados ao estresse, à depressão ou até mesmo à demissão. 192 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Wilmar do Nascimento # Maurício Fernandes Pereira # Juliana Pereira O mundo da globalização aumentou a competitividade, exigindo que a pessoa seja cada vez mais qualificada, ou seja, “a melhor”, e isso está fazendo com que ela busque constantemente atualização e capacitação para se manter ou se colocar no mercado de trabalho e consequentemente ter uma boa remuneração. Assim, o indivíduo percebe que isso virou um ciclo vicioso, pois as tecnologias mudam muito e, ao tentar acompanhar essas mudanças, acaba esquecendo de viver outras realidades e consequentemente perdendo qualidade de vida. Isso leva a refletir quando De Masi (2000, p. 330) indaga por que: O atual desenvolvimento técnico não é acompanhado de um avanço semelhante na convivência civil e na felicidade humana; como e por que milhões de trabalhadores, embora libertados do embrutecimento físico, dotados de máquinas portentosas, encarregados de deveres intelectuais por vezes até agradáveis e bem pagos vivem numa condição estressante e insuportável; como e por que a conquista da precisão transformou-se em idéia fixa da pontualidade, da produtividade a todo custo, da competitividade, dos prazos, dos controles, das avaliações, dos confrontos; e, como e por que o progresso material não se traduziu em melhor qualidade de vida, enfim, a resposta está na mentalidade de dirigentes interessados apenas nas glórias passageiras. E o autor continua: Eles desumanizam as organizações que dirigem. Eles não são efetivamente agentes do progresso humano; estão muito longe disso. Sua conduta auto-crática e tacanha não permite vislumbrar as finalidades nobres do trabalho. E cedo ou tarde eles são tragados pelo próprio monstro que geraram. (DE MASI, 2000, p. 330) Essas leituras mostram que o desenvolvimento de tecnologias e a globalização fizeram com que as pessoas se envolvessem demais com o seu trabalho ao ponto de muitos se esquecerem de sua vida familiar e do lazer, tudo em nome de sucesso e/ou garantia do emprego, pensando com isso ter melhor qualidade de vida. Porém, não percebem que isso é ilusório, pois, junto com o sucesso profissional, muitas vezes vêm o estresse, a depressão e a necessidade de trabalhar cada vez mais para manter o status quo. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 193 Qualidade de Vida no Trabalho: origem, evolução e conceitos – uma revisão bibliográfica 3 Metodologia Todo trabalho científico inicia-se com uma pesquisa bibliográfica, que permite ao pesquisador conhecer o que já se estudou sobre o assunto. Existem, porém, pesquisas científicas que se baseiam unicamente na pesquisa bibliográfica, procurando referências teóricas publicadas com o objetivo de recolher informações ou conhecimentos prévios sobre o problema a respeito do qual se procura a resposta. (FONSECA, 2002) Conforme Salomon (2004), a pesquisa bibliográfica fundamenta-se em conhecimentos proporcionados pela Biblioteconomia e pela Documentação, entre outras ciências e técnicas empregadas de forma metódica envolvendo a identificação, localização e obtenção da informação, fichamento e redação do trabalho científico. Esse processo solicita uma busca planejada de informações bibliográficas para elaborar e documentar um trabalho de pesquisa científica. Assim, de acordo Salomon (2004), pode-se dividir a pesquisa bibliográfica em três fases: a) Fase da preparação: compreende identificação, localização, fichamento e obtenção da informação. b) Fase de realização: abrange a realização do fichamento do documento localizado e obtido que, após o procedimento da leitura, será selecionado definitivamente para a elaboração da redação do trabalho científico. c) Fase da comunicação: conforme El-Guindy (2004, p. 79), “A comunicação é a coroação do trabalho de investigação científica, e ao mesmo tempo, o momento de maior realização do pesquisador.” Nessa etapa dar-se-á a redação do trabalho científico por meio do produto científico já determinado de acordo com os propósitos da pesquisa. O procedimento de obtenção dos dados para a elaboração deste artigo foi através de fontes secundárias, tais como livros, artigos, usando-se a pesquisa bibliográfica. Esse tipo de pesquisa é feito com base no levantamento de referências teóricas já analisadas e publicadas por meios escritos e eletrônicos, como livros, artigos científicos, páginas de websites. Essa pesquisa está dividida em três fases: preparação (leitura e seleção do material bibliográfico; elaboração (organização do material lido); e comunicação (considerações e encaminhamentos acerca do tema em estudo). 194 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Wilmar do Nascimento # Maurício Fernandes Pereira # Juliana Pereira Quanto à natureza da pesquisa, ela é definida como básica, pois o objetivo desse tipo de pesquisa é gerar conhecimentos novos, úteis para o avanço da Ciência, sem aplicação prática prevista. Envolve verdades e interesses universais. Essa metodologia é a mais apropriada, segundo Richardson et al. (1989), quando se procura explicar o funcionamento de estruturas sociais, ou quando se propõe analisar um fenômeno singular (Boudon, 1989), buscando verificar suas origens ou razões. (RICHARDSON et al., 1989; BOUDON, 1989 apud METODOLOGIA..., 2013) É oportuno lembrar que o QVT é um tema complexo sob o ponto de vista da compreensão e recente sob o ponto de vista da investigação (pesquisa). 4 Considerações Finais Este artigo foi elaborado com o objetivo de descrever os principais conceitos e ideias que melhor representassem o significado de Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) e, a partir desse conhecimento, propor no futuro um estudo mais avançado para a criação de um modelo de QVT no departamento de combate às endemias, mais especificamente a dengue, da Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis. A partir dessa abordagem, percebe-se que a qualidade de vida no trabalho é um tema extremamente complexo e mais ainda quando avaliado na prática. Para Bodstein (1997) e Rodrigues (1999), sempre houve uma preocupação com a qualidade de vida do trabalhador, mesmo que superficial. Na avaliação de Nadler e Lawler (1983 apud FERNANDES, 1996, p. 42), Houve uma evolução do conceito de QVT. Mas, na prática não foi equivalente, pois com o aumento da competitividade e a globalização as empresas passaram a produzir mais e conseqüentemente a exigir mais qualidade nas tarefas executadas por parte dos empregados, levando muitos deles a fadiga física e metal. Segundo Matos (1996, p. 34), Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 195 Qualidade de Vida no Trabalho: origem, evolução e conceitos – uma revisão bibliográfica Para se falar de qualidade de vida, temos que entrar no campo da motivação humana, buscando descobrir quais as necessidades do homem e o que aspira como realização de vida. A qualidade de vida importa consciência individual e social sobre o significado da vida para que o homem coloque sua força transformadora em sua realização plena. Porém, percebe-se que muitas empresas, ao implementarem a qualidade de vida no trabalho, o fazem para reduzir os afastamentos e/os atestados, e dessa forma aumentarem a produtividade. Não dá para falar de qualidade total sem levar em conta a qualidade de vida das pessoas. A qualidade de vida no trabalho não deve ser encarada como uma forma de apregoar favores ao trabalhador, mas uma forma de interagir o trabalhador e a empresa para o crescimento e desenvolvimento de ambos. Percebe-se que muito precisa ser feito e entendido para que a QVT tenha sucesso e não seja apenas um modismo. O estudo da QVT mostra que, se aplicada de maneira sensata e sem interesses particulares, todos tem a ganhar, pois, através da QVT, é possível criar um vínculo estável e de companheirismo entre empregado e empregador, uma vez que nesta relação todos têm voz e vez, tornando o ambiente de trabalho muito mais agradável. Para Vieira (1990, p. 45), “[...] a QVT tem como objetivo central gerar uma organização mais humanizada para resultar dela uma relação entre capital e trabalho não conflitante, mas sim cooperativa.” Um dos objetivos específicos deste artigo é o de obter conhecimento suficiente para propor no futuro um estudo mais avançado para a criação de um modelo de QVT no departamento de combate a endemias da Prefeitura Municipal de Florianópolis, mais especificamente no setor de combate ao mosquito Aedes aegypti, em que se percebe que a QVT não existe ou está comprometida, já que, após um levantamento administrativo sobre os motivos das faltas dos funcionários do setor, verificam-se afastamentos por problemas de saúde, outros faltam constantemente por motivos injustificáveis, outros com atestados médicos e/ou perícias médicas, outros readaptados e/ou se encontram emocionalmente abalados. Pretende-se, com este estudo, despertar a atenção e sensibilizar os gestores públicos responsáveis pelo bem-estar dos funcionários para que possam 196 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Wilmar do Nascimento # Maurício Fernandes Pereira # Juliana Pereira tomar atitudes que viabilizem o estudo e a implantação da QVT nos serviços públicos, pois estes são os que menos investem e se preocupam de fato com o bem-estar dos seus colaboradores. Referências ALBUQUERQUE, L. G. de; FRANÇA, A. C. L. Estratégias de recursos humanos e gestão da qualidade de vida no trabalho: o stress e a expansão do conceito de qualidade total. Revista de Administração, São Paulo, v. 33, n. 2, p. 40-51, abr.-jun. 1998. BODSTEIN, R. C. A. A cidadania e modernidade: emergência da questão social na agenda pública. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 13, n. 2, p. 185-204, 1997. BOM SUCESSO, E. P. Trabalho e qualidade de vida. Rio de Janeiro: Qualitymark; Dunya, 1998. CALDAS, Miguel P. O fascínio do stress e a modernidade do workalolic. In: ENCONTRO INTERNACIONAL DE GESTÃO DE COMPETÊNCIAS EM QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO, 1., 1998, São Paulo. Anais... São Paulo: FEA/USP, FIA, PROPEG, 1998, p. 31-34. CAMPOS, V. F. Gerência da qualidade total: estratégia para aumentar a competitividade da empresa brasileira. Belo Horizonte: Fundação Cristiano Ottoni, 1989. CHIAVENATO, Idalberto. Gestão de pessoas. Rio de janeiro: Elsevier, 2004. DAVIS, Keith; NEWSTROM, John W. Comportamento humano no trabalho: uma abordagem organizacional. São Paulo: Pioneira TL, 2001. DE MASI, Domenico. O futuro do trabalhado: fadiga e ócio na sociedade pós-industrial. 3. ed. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: Editora da UNB, 2000. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 197 Qualidade de Vida no Trabalho: origem, evolução e conceitos – uma revisão bibliográfica EL-GUINDY, M. M. Metodologia e ética na pesquisa científica. São Paulo: Santos, 2004. ETZIONI, A. Sociologia industrial: o estudo das organizações econômicas. São Paulo: Atlas, 1981. FERNANDES, Eda. Qualidade de vida no trabalho: como medir para melhorar. Salvador: Casa da Qualidade, 1996. FERREIRA, A. Antônio; REIS, Ana C. F.; PEREIRA, Maria I. Gestão empresarial de Taylor aos nossos dias: evolução e tendências da moderna administração. São Paulo: Pioneira, 1999. FRANÇA, A. C. L. Qualidade de vida no trabalho: conceitos, abordagens, inovações e desafios nas empresas brasileiras. Revista brasileira de medicina psicossomática, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 79-80, abr.-mai.-jun. 1997. FRANÇA, A. C. L.; ZAIMA, Gustavo. Gestão de qualidade de vida no trabalho: GQVT. In: BOOG, Gustavo; BOOG, Magdalena. (Coord.) Manual de gestão de pessoas e equipes: estratégias e tendências. São Paulo: Gente, 2002. FONSECA, J. J. S. Metodologia da pesquisa científica. Fortaleza: UEC, 2002. (Apostila). GARVIN, D. A. Gerenciando a qualidade: a visão estratégica e competitiva. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1992. HAMPTON, David R. Administração: processos administrativos. São Paulo: McGrand-Hill, 1991. HANDY, Charles. A era do paradoxo: dando um sentido para o futuro. São Paulo: Makron Books, 1995. 198 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Wilmar do Nascimento # Maurício Fernandes Pereira # Juliana Pereira LIMONGI-FRANÇA, A. C.; ASSIS, M. P. Projetos de qualidade de vida no trabalho: caminhos percorridos e desafios. RAE Light, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 26-32, mar./abr. 1995. MATOS, F. G. de. Empresa feliz. 2. ed. São Paulo: Makron Books, 1996. MAXIMIANO, Antônio César Amaru. Teoria geral da administração: da escola científica à competitividade na economia globalizada. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2000. METODOLOGIA. [2013]. Disponível em: <http://www.eps.ufsc.br/disserta98/ marcia/cap3.htm>. Acesso em: 30 jul. 2013. MONACO, Felipe de Faria; GUIMARÃES, Valeska Nahas. Gestão da qualidade total e qualidade de vida no trabalho: o caso da gerência de administração dos Correios. Revista de Administração Contemporânea, Curitiba, v. 4, n. 3, p. 67-88, set.-dez. 2000. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rac/v4n3/ v4n3a05.pdf>. Acesso em: 30 jul. 2013. QUIRINO, T. R.; XAVIER, O. Qualidade de vida no trabalho de organização de pesquisa. Revista de Administração, São Paulo, v. 22, n. 1, p. 71-82, jan. 1987. RODRIGUES, M. V. C. Qualidade de vida no trabalho: evolução e análise no nível gerencial. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999. SALOMON, D. V. Como fazer uma monografia. 11. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. SILVA, M. A. D. da; DE MARCHI, Ricardo. Saúde e qualidade de vida no trabalho. São Paulo: Best Seller, 1997. VASCONCELOS, Anselmo Ferreira. Qualidade de vida no trabalho: origem, evolução e perspectivas. Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 23-35, jan.-mar. 2001. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 199 Qualidade de Vida no Trabalho: origem, evolução e conceitos – uma revisão bibliográfica VEIGA, Aida. Tempos modernos. Veja, São Paulo: Abril, edição 1643, ano 33, n. 34, p. 122-129, 2000. VIEIRA, D. F. V. B. Qualidade de vida no trabalho dos enfermeiros do Hospital de Ensino. 246 p. 1990. Dissertação (Mestrado em Administração). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1990. WALTON, R. E. Quality of working life: what is it? Sloan Management Review, Cambridge, v. 15, n. 1, p. 11-21, 1973. WOOD JR., Thomaz. Organizações dramáticas e o fascínio do stress. In: ENCONTRO INTERNACIONAL DE GESTÃO DE COMPETÊNCIAS EM QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO, 1., 1998, São Paulo. Anais... São Paulo: FEA/USP; FIA; PROPEG, 1998, p. 35-37. 200 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Percepções e Ações dos Profissionais de Saúde, Sobre Planejamento, na Equipe de Saúde da Família, da Regional Centro, do Município de Florianópolis Aluno: Wilmar José Elias Junior1 Orientador: Maurício Fernandes Pereira2 Tutora: Maria Luciana Biondo Silva3 Resumo Abstract Este estudo constitui-se em uma pesquisa descritiva de natureza qualitativa que teve como objetivo principal a identificação das percepções e ações dos profissionais de saúde, sobre planejamento na Equipe de Saúde da Família (ESF) de uma Unidade Local de Saúde (ULS), do município de Florianópolis. Os dados foram colhidos através de questionários semiestruturados, aos profissionais de uma Equipe de Saúde da Família da Regional Centro. Para análise dos dados obtidos foi aplicada a técnica de análise de conteúdo na modalidade de análise categorial temática. Percebeu-se que o planejamento estratégico representa o grande aliado das ESF para consolidar o seu principal objetivo: a mudança no modelo assistencial vigente. This study forming up a descriptive qualitative reseach with main objective the identification of perceptions and actions of health professionals on planninng in the Family Health Teams, from some Local Health Units, in the city of Florianópolis. The data were collected from semi-structured interview to a professionals in a team of Family Health from Regional Center. For analisys of data collected in the interviews was applied the technique of content analysis in the form of categorical thematic analysis. It was noticed that strategic planning is a major ally of the ESF to consolidate its main objective, the change in the current health care model. Palavras-chave: Equipe Saúde da Família. Unidade Local de Saúde. Planejamento. 1 Word keys: Family Health Team. Local Health Unit. Planning. Graduação em Enfermagem pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC (1984). Especialização em Gestão da Saúde Pública pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC (2011). E-mail: [email protected]. 2 Pós-Doutorado em Sociologia Econômica e das Organizações pelo Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa (2010). E-mail: [email protected]. 3 Graduação em Administração pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI (2000). Especialização (Lato Sensu) em Gestão de Pessoas nas Organizações pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC (2011). E-mail: [email protected]. Percepções e Ações dos Profissionais de Saúde, Sobre Planejamento, na Equipe de Saúde da Família, da Regional Centro, do Município de Florianópolis 1 Introdução A palavra “planejamento” lembra pensar, criar, moldar ou mesmo tentar controlar o futuro da organização dentro de um horizonte estratégico. Pode-se dizer que planejamento pode ser o processo formalizado para gerar resultados a partir de um sistema integrado de decisões. Planejamento difere de improvisar. (PEREIRA, 2010) No Brasil, o planejamento ainda é visto como algo tecnicista realizado apenas por economistas e burocratas. É ligado à formulação de planos de controle: trienais, decenais, econômicos, plurianuais, de desenvolvimento, regionais, diretores (OLIVEIRA, 2006). Segundo esse autor, para muitas pessoas, o planejamento é uma mera questão de realizar planos, delegar responsabilidades, formular leis e determinar o orçamento. A ênfase está no planejamento, ferramenta capaz de possibilitar ações efetivas e maior sintonia com as necessidades de atenção de grupos em particular. Planejar é a arte de elaborar o plano de um processo de mudança. Para tanto, alia conhecimentos teóricos e práticos da realidade, estabelecendo estratégias e ações capazes de possibilitar o alcance dos objetivos e metas propostas. Para Matus (1996), o planejamento é visto como o processo de elaborar planos e tentar controlar o futuro, dividido em várias etapas sequenciais (estabelecer objetivos, fazer planos, executá-los etc.), como se fosse uma receita de bolo para controlar o futuro. Em contrapartida, para Almeida et al. (2001), o planejamento é um processo contínuo, aberto a imprevistos que podem levar a mudanças, que visa alterar a postura dos gestores de uma organização em relação aos usuários e ao meio em que atuam. Para Mehry (1994), o planejamento tem se tornado um tema cada vez mais importante na vida do homem contemporâneo, em três situações: como instrumento/atividade dos processos de gestão das organizações, tendo em vista que nelas ocorrem diferentes processos de trabalho que precisam ser bem articulados; como impulsionador de práticas sociais transformadoras, vislumbrando a determinação de novas relações sociais alternativas à lógica reguladora do mercado; e como método de ação governamental, no que se refere à produção de políticas. 202 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Wilmar José Elias Junior # Maurício Fernandes Pereira # Maria Luciana Biondo Silva No setor da saúde, o planejamento é o instrumento que permite melhorar o desempenho, otimizar o trabalho e elevar a eficácia e a eficiência dos serviços no desenvolvimento das funções de proteção, promoção, recuperação e reabilitação da saúde. A reorganização das práticas em saúde, iniciada em 1994 pelo Ministério da Saúde, vem propondo um modelo alternativo de assistência – expresso na Lei Orgânica da Saúde —, cuja execução representa um grande avanço político, social e jurídico. Ao modelo até então hegemônico, orientado para a cura das enfermidades e a hospitalização, propõe-se a Estratégia de Saúde da Família (ESF). O marco teórico dessa proposta localiza-se na assistência focada na família, entendida e percebida a partir do seu ambiente físico e social; mecanismo capaz de possibilitar uma compreensão ampliada do processo saúde/doença e da necessidade de intervenções que vão além das práticas curativas, o diagnóstico em saúde coletiva é parte desse processo, identificando e caracterizando uma situação. Diagnosticar é analisar uma dada realidade com vistas a desenhar um quadro de necessidades e soluções. Por isso, é etapa fundamental no planejamento das ações de uma Equipe de Saúde da Família (ESF). A Estratégia de Saúde da Família, concebida como reorganização da atenção básica à saúde, que busca a complexa integração de ações individuais e coletivas, curativas, preventivas e de promoção em saúde, com o propósito de propiciar o enfrentamento e a resolução dos problemas de saúde identificados em uma dada população adscrita, tem, no planejamento estratégico, um instrumento de gestão de caráter ético-político e comunicativo, não se restringindo à dimensão técnica para a construção do seu modelo de organização das ações de saúde. O enfoque estratégico ressalta o caráter interativo da planificação, o que supõe conflitos de interesses e necessidades de negociação sobre os planos de ação e as consequências esperadas. (BRASIL, 2004) Ao colocarem o desafio que a aplicação do planejamento estratégico como uma ferramenta de gestão representa para a ESF, Ciampone e Peduzzi (2000) afirmam acreditar que o Planejamento Estratégico permite encontrar proposições de ações de promoção da saúde e de enfrentamento ativo das barreiras, para o atendimento às necessidades de saúde da população. Para que ocorra uma maior viabilização, eficiência/eficácia aliada à qualidade de seus programas e processos de saúde, o gestor deve utilizar, além do conhecimento prévio, o uso de sistemas de informação disponibilizados pelo Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 203 Percepções e Ações dos Profissionais de Saúde, Sobre Planejamento, na Equipe de Saúde da Família, da Regional Centro, do Município de Florianópolis SUS por meio de tecnologias públicas de informática disponíveis, tais como o Epi Map, EPI Info, TabWin e TabNet, que identificam as áreas segundo o conteúdo de variáveis das bases de dados existentes. (CAMPOS et al., 2006) Assim, basear-se em informações do passado para visualizar o futuro não é mais suficiente. É preciso livrar-se dos paradigmas do passado e administrar de forma criativa e inovadora para suprir as necessidades da sociedade atual. O planejamento em saúde é deveras importante, principalmente para as pessoas que ocupam posições de coordenação ou gestão de serviços ou de setores específicos e para as oportunidades de intervenção e de transformação da realidade por meio do exercício do planejamento sistematizado e da análise de problemas, percorrendo um processo decisório cuidadoso, sem atropelar nenhuma das etapas essenciais dele. Sabe-se que, quanto mais urgente for a situação, mais pressionados ficam os gestores para escolherem logo uma alternativa para resolver o problema e, assim, tendem a abreviar o processo de definição e explicação do problema, busca e escolha de alternativas. (CIAMPONE; MELLEIRO, 2005) O Programa Saúde da Família (PSF) tem como proposta o incentivo à formação de equipes resolutivas, capazes de reverterem a atenção hospitalar e especializada em um modelo baseado na comunidade, com resolutividade e a um custo compatível. A partir da sua implantação em vários estados brasileiros, essa estratégia tem adotado como eixo condutor de suas ações a vigilância à saúde, incentivando o processo de descentralização ao se eleger o espaço de domicílio/comunidade como alvo de sua atuação. Baseado nessa descentralização, este estudo teve como objetivo principal identificar as percepções e ações dos profissionais de saúde sobre planejamento na Equipe de Saúde da Família (ESF), da Regional Centro, do município de Florianópolis, e, como objetivos específicos, identificar o conhecimento e a importância de planejamento em saúde para os profissionais da Estratégia Saúde Família e identificar o modo de se fazer planejamento em saúde nas Unidades Locais de Saúde. 2 Metodologia O método de pesquisa utilizado para a elaboração deste artigo seguiu algumas etapas, que serão descritas a seguir. 204 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Wilmar José Elias Junior # Maurício Fernandes Pereira # Maria Luciana Biondo Silva 2.1 Tipo de Pesquisa Este estudo constitui-se em uma pesquisa descritiva de natureza qualitativa sobre a identificação das percepções e ações dos profissionais de saúde, sobre planejamento na Equipe de Saúde da Família (ESF) da Regional Centro, do município de Florianópolis. Os aspectos abordados na Resolução n. 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, e os princípios do Código de Ética Profissional foram respeitados durante todo o desenvolvimento do estudo. 2.2 População e Amostra O universo da pesquisa foi a Unidade Local de Saúde Centro — cuja localização é anexa à Policlínica Municipal do Centro, que é vinculada à Regional Centro ou Distrito Sanitário Centro —, do município de Florianópolis. A população-alvo desta pesquisa foi os profissionais das Equipes de Saúde da Família da ULS Centro. Participaram dela todos os profissionais (médicos, enfermeiros, odontólogo, técnicos de enfermagem, agentes comunitários de saúde e auxiliar de consultório odontológico), através das respostas ao questionário previamente elaborado. A exigência para participar da equipe estava na vinculação ao Programa de Saúde da Família (PSF), com no mínimo três meses de atuação na ULS pesquisada. A única exceção foram os Agentes Comunitários de Saúde (ACS), que, apesar de não estarem vinculados ao PSF, integram as equipes de saúde da família e têm papel importante no processo de pesquisa. O presente estudo esteve isento de riscos, pois não prejudicou o profissional no desenvolvimento de suas atividades profissionais. 2.3 Coleta de Dados Fez parte do processo de coleta de informações a utilização de questionário semiestruturado. Esse modelo de entrevista adotado permite a focalização do tema do estudo, sem, no entanto, enquadrar respostas, limitando-a em suas possibilidades ou ainda impedindo o desvelamento do objeto. Para Triviños (1990), a entrevista semiestruturada parte de certos questionamentos básicos, consequentes às opções teóricas do estudo, oferecendo ainda a possibilidade de ampliar as interrogações como uma decorrência das respostas do informante. O informante é nesse processo um participante na Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 205 Percepções e Ações dos Profissionais de Saúde, Sobre Planejamento, na Equipe de Saúde da Família, da Regional Centro, do Município de Florianópolis elaboração do conteúdo. Os pontos escuros que denotem aspectos conflitivos ou divergentes podem ser retomados, adotando-se o princípio da retroalimentação. Foi elaborado um questionário com questões majoritariamente abertas e algumas fechadas abordando o perfil dos respondentes e da unidade local de saúde, além de questões sobre a descrição das atividades assistenciais e gerenciais na ULS. Para a coleta dos dados, foi feito um agendamento prévio com os participantes da pesquisa, que ocorreu durante as reuniões de equipe, as quais são realizadas semanalmente. O período de levantamento de dados foi entre os dias 15 de setembro de 2012 a 15 de outubro de 2012. 2.4 Análise de Dados Após coletados, os dados foram analisados, classificados e comparados tendo sempre como base os princípios e teorias conhecidos, e finalmente, para se chegar a uma conclusão, que é uma declaração do problema, foi caracterizado o diagnóstico. Para a análise dos dados obtidos, foi aplicada a técnica de análise de conteúdo na modalidade de análise categorial temática, orientada por Bardin (2002). A análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise de comunicação visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição de conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam inferências de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) dessas mensagens. (BARDIN, 2002). Este estudo foi pautado na Resolução n. 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, seguindo princípios como os da beneficência, não maleficência, justiça e autonomia. Antes de iniciar a coleta de dados, a equipe foi esclarecida do propósito do estudo, sendo garantido que suas identidades seriam preservadas e que poderiam desistir de colaborar em qualquer momento, sem qualquer forma de penalidade. 206 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Wilmar José Elias Junior # Maurício Fernandes Pereira # Maria Luciana Biondo Silva 3 Análise e Discussão dos Resultados O planejamento aliado ao PSF é uma estratégia para reverter a forma atual da assistência à saúde, destacando a produção social da doença por meio da troca de informações e experiências entre as equipes e a comunidade. Nas ações de promoção e prevenção em saúde, é fundamental trabalhar a informação em saúde, pela possibilidade da troca de informações e experiências aliada ao respeito da cultura local e às características da comunidade (nível de escolaridade, meios de comunicação, organização e mobilização comunitária). A ULS Centro possui três equipes de saúde da família, uma das quais com formação completa, ou seja, a saúde bucal está incluída. A média de idade dos profissionais participantes foi de 42 anos, e a média de tempo que trabalham na Estratégia de Saúde da Família foi de três anos e meio. Os problemas identificados na Unidade Local de Saúde, conforme resposta dos participantes, são resolvidos através de mediação, diálogo, intervenção e nas reuniões. Conforme Ciampone e Melleiro (2005), acredita-se que a análise de problemas constitui-se de uma série de processos, que podem ser aprendidos para serem utilizados como instrumentos do processo de trabalho gerencial e que ajudam a qualificar as decisões dos profissionais de saúde e gestores, de modo participativo, ouvindo todos os envolvidos na situação e escolhendo ações que obtenham o máximo sucesso na resolução do problema, com menor custo e com o mínimo de desvantagens ou riscos para todos os envolvidos. Desse modo, o planejamento do processo decisório é passo importante para o gerenciamento de conflitos e para possíveis negociações entre os atores envolvidos em uma dada situação. Segundo Mota (1999), o planejamento sistematizado pode identificar ameaças ao processo decisório, por favorecer respostas às seguintes indagações: o que poderia sair errado? Em que consiste cada problema em potencial? Quão arriscada é cada ação? Quais são as possíveis causas dos problemas e qual é a governabilidade do gestor sobre elas? Quão provável é a ocorrência de cada cenário em que as ações são projetadas e qual é a viabilidade de cada uma delas? É possível intervir para minimizar resistências dos atores envolvidos no processo decisório? Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 207 Percepções e Ações dos Profissionais de Saúde, Sobre Planejamento, na Equipe de Saúde da Família, da Regional Centro, do Município de Florianópolis A análise de situações mais complexas e a busca por alternativas com ações viáveis que possam ser executadas na resolução de problemas emergentes e de problemas que ainda não surgiram, a fim de se preverem ações prospectivas, são ações que proporcionam a compensação ou a minimização dos efeitos de um problema potencial de elevada gravidade, caso ele ocorra. (CIAMPONE; MELLEIRO, 2005) Dos entrevistados, 45% participam ou já participaram do Conselho Municipal ou Local de Saúde. É importantíssimo, para o setor da saúde, que se multiplique o número de conselhos realmente atuantes, preservando-os de ações coercitivas e lutando contra um verdadeiro estado de cooptação de alguns deles. Os conselhos atuam na formulação e na proposição de estratégias e no controle da execução das políticas de saúde, inclusive em seus aspectos econômicos e financeiros. A sua criação é estabelecida por lei municipal, estadual e federal. (MACHADO; LEANDRO; MICHALISZYN, 2006) O Conselho de Saúde tem caráter permanente e deliberativo. É um órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários e atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera do governo. (BRASIL, 1990) Assim, é importante que as ULS trabalhem junto aos Conselhos Locais e Municipais, para que tanto os usuários quanto os profissionais de saúde auxiliem na resolução de problemas e situem-se ante os problemas que emergem da comunidade. O planejamento estratégico surge a partir do reconhecimento de outros atores sociais envolvidos no processo; desse modo, pode-se delinear o Triângulo de Governo sugerido por Matus (1996), representado por seus três vértices: o projeto de governo, a governabilidade e a capacidade de governo. O projeto de governo diz respeito ao conteúdo da proposta de governo e inicia-se pela seleção de problemas e maneira de enfrentá-los. A governabilidade refere-se ao quanto de controle o ator tem sobre a situação que pretende governar e ela depende da relação entre o peso das variáveis que o ator controla e as que não controla. Finalmente, a capacidade de governo versa sobre a perícia pessoal e institucional para governar e depende do capital intelectual e do capital de experiência do ator que declara o problema. 208 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Wilmar José Elias Junior # Maurício Fernandes Pereira # Maria Luciana Biondo Silva Assim, observa-se a necessidade da divisão da categoria “poder” no cenário situacional da comunidade, podendo ocorrer através dos Conselhos de Saúde, que têm a possibilidade de exercer governabilidade diante do próprio futuro, através do empoderamento proposto pelo Planejamento Estratégico de Saúde (PES). Ao serem questionados sobre quais atividades desenvolvem na ULS, receberam-se as respostas mostradas no Gráfico 1: Gráfico 1: Atividades dos profissionais na ULS Fonte: Elaborado pelo autor deste artigo Ao se aprofundar o questionamento, os entrevistados foram unânimes em responder que sim e afirmaram acreditar no planejamento em saúde na ULS em que atuam. Afirmam ainda que planejar, coordenar, avaliar, supervisionar e gerir em saúde são funções de todos os funcionários da ESF. A partir dessas respostas, pode-se concluir que os profissionais entrevistados acreditam realmente que o planejamento deve ser realizado por todos que atuam na Estratégia de Saúde da Família, não sendo uma atividade exclusiva e prioritariamente do gestor local. A resposta dos entrevistados vai ao encontro do que se entende por enfoque estratégico, no qual planejar é atividade de todos os atores envolvidos no processo. No planejamento normativo, o planejador atua como agente externo sobre um sistema-objeto que supostamente obedece a leis do tipo estímulo-resposta. Não existem outros atores, nem conflitos, no espaço considerado. O enfoque estratégico pressupõe que quem planeja é um ator social, ou seja, é uma personalidade, uma organização ou um grupamento humano, que, de forma estável ou transitória, tem capacidade de acumular força e desenvolver Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 209 Percepções e Ações dos Profissionais de Saúde, Sobre Planejamento, na Equipe de Saúde da Família, da Regional Centro, do Município de Florianópolis interesses e necessidades, produzindo fatos na situação. O ator social que planeja é considerado parte do sistema planejado, com o qual se inter-relaciona mediante determinantes e condicionantes. (SANTANA; MOLINAI, 2007) O planejamento tem sido reconhecido como método, ferramenta, instrumento ou técnica para a gestão, gerência ou administração e como processo social em que participam sujeitos, individuais e coletivos. (CAMPOS et al., 2006) Ao serem questionados sobre quais foram os tipos de planejamentos realizados, obtiveram-se as seguintes respostas: clínico, preventivo, visitas domiciliares, grupos, intervenções na comunidade e campanhas. Dois dos entrevistados referiram ainda que esses tipos de planejamento são realizados nas reuniões e na ULS. Conforme as respostas obtidas, evidencia-se que os entrevistados citaram quais ações são planejadas e o momento em que as desenvolvem. Constatou-se que alguns profissionais apresentam dificuldade para teorizar os tipos de planejamento. Corrobora-se com Bahia (1987), quando esse autor afirma que o planejamento também pode ser considerado uma ferramenta da administração e que ele corresponde ao que vai ser feito, quando, onde, como, com quem e para quê. No entanto, o planejamento não se limita à produção de planos, programas ou projetos, pois representam apenas uma etapa do planejamento e podem ser capazes de transformar a situação atual em uma nova situação. Quanto aos métodos de planejamento, é possível fazer uma distinção entre o método normativo e o planejamento estratégico situacional. No modelo normativo, supõe-se que o planejador parta de um diagnóstico de situação e seja capaz de priorizar ações programáticas detendo poder de previsão e controle de todas as variáveis, num cenário estável. Dessa forma, seria possível elaborar um único plano de ação, predizendo soluções eficazes para os problemas mapeados, como se eles se comportassem de modo uniforme na população. (CIAMPONE; MELLEIRO, 2005) O planejamento estratégico é um método voltado para a resolução de problemas. Entende-se por problema o que o ator social detecta na realidade e compara com um padrão que ele considera não adequado ou não tolerável e que o estimula a enfrentar tal problema, visando à promoção de mudanças. (MATUS, 1996) 100% dos entrevistados responderam que ações interdisciplinares são desenvolvidas durante o planejamento. 210 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Wilmar José Elias Junior # Maurício Fernandes Pereira # Maria Luciana Biondo Silva Sabendo que a Saúde da Família é entendida como uma estratégia de reorientação do modelo assistencial, operacionalizada mediante a implantação de equipes multiprofissionais em unidades básicas de saúde, que são responsáveis pelo acompanhamento de um número definido de famílias localizadas em uma área geográfica delimitada, essas equipes atuam com ações de promoção da saúde, prevenção, recuperação, reabilitação de doenças e agravos mais frequentes e na manutenção da saúde dessa comunidade. A responsabilidade pelo acompanhamento das famílias coloca para as equipes saúde da família a necessidade de ultrapassar os limites classicamente definidos para a atenção básica no Brasil, especialmente no contexto do SUS, necessitando, assim, do planejamento de suas ações interdisciplinares em saúde. (SANTA CATARINA, 2013) O trabalho de equipes da Saúde da Família é o elemento-chave para a busca permanente por comunicação e troca de experiências e conhecimentos entre os integrantes da equipe e por troca entre o saber popular do agente comunitário de saúde e os conhecimentos técnicos dos demais integrantes. 100% dos sujeitos da pesquisa não receberam introdutório do PSF, ao iniciarem suas atividades na equipe de saúde da família. Para o efetivo alcance dos objetivos da Estratégia de Saúde da Família, faz-se necessário que as ações e serviços de saúde sejam desenvolvidos por profissionais capacitados, que possam assumir novos papéis e responsabilidades. O introdutório ao PSF não abrange todas as carências, devendo traduzir-se em uma inauguração do processo de educação continuada, que sistematizará as necessidades de informação e capacitação das equipes. O programa valorizava, entre outros os princípios, os de territorialização, de vinculação com a população, de garantia da integralidade na atenção, de ênfase na promoção da saúde com o fortalecimento das ações intersetoriais, de estímulo à participação da comunidade e de trabalho em equipe com enfoque multidisciplinar. Ele surge com o objetivo de reorganizar a atenção básica do Sistema Único de Saúde (SUS), tendo o aspecto marcante de agilizar, de forma efetiva, a descentralização de serviços baseados nas reais necessidades da população, que se manifestam como prioridades e refletem problemas concretos. (SOUZA, 2000) O PSF se apresenta como uma nova maneira de trabalhar a saúde, tendo a família como foco e não somente o indivíduo, introduzindo uma nova visão no processo de intervenção, visto que não se espera a população Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 211 Percepções e Ações dos Profissionais de Saúde, Sobre Planejamento, na Equipe de Saúde da Família, da Regional Centro, do Município de Florianópolis chegar para ser atendida, pois se age preventivamente sobre ela a partir de um novo modelo de atenção. (ROSA; LABATE, 2005) A parceria com outras instituições que podem ou não estar localizadas dentro da área de abrangência da unidade tende a auxiliar os profissionais de saúde na elaboração de estratégias intersetoriais que tenham abrangência maior que somente o setor de saúde. Ações articuladas com instituições formadoras visam promover mudanças na graduação e pós-graduação dos profissionais de saúde, de modo a responder aos desafios postos pela expansão e qualificação da atenção básica, incluindo aí a articulação com os demais níveis de atenção. A atuação das equipes ocorre principalmente nas unidades básicas de saúde, nas residências e na mobilização da comunidade, caracterizando-se como porta de entrada a um sistema hierarquizado e regionalizado de saúde, por ter território definido, com uma população delimitada, sob a sua responsabilidade, por intervir sobre os fatores de risco aos quais a comunidade está exposta, por prestar assistência integral, permanente e de qualidade, por realizar atividades de educação e promoção da saúde e ainda por atuar de forma intersetorial, por meio de parcerias estabelecidas com diferentes segmentos sociais e institucionais, de forma a intervir em situações que transcendem a especificidade do setor saúde e que têm efeitos determinantes sobre as condições de vida e saúde dos indivíduos, das famílias e da comunidade. A maioria dos participantes respondeu que planejamento estratégico é um planejar organizado, com criação de estratégias, para alcançar metas e objetivos. Um dos participantes não respondeu a essa questão. Planejamento estratégico vai além do que os pesquisados responderam. Trata-se de uma metodologia que parte do princípio de que o planejamento é a ferramenta que o homem tem para viabilizar a possibilidade de exercer governabilidade diante do próprio futuro. Ela se refere ao controle e ao “empoderamento” do ator para a situação que pretende governar. Acredita-se que a adoção de metodologias de planejamento pelos profissionais de saúde permite ampliar a análise de problemas e, consequentemente, tende a qualificar os processos decisórios. Com isso, pode-se perceber que alguns participantes apresentaram dificuldade para delinear a conceituação de planejamento estratégico. O Planejamento Estratégico Situacional (PES), no campo das políticas públicas, surge a partir do reconhecimento de outros atores envolvidos na 212 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Wilmar José Elias Junior # Maurício Fernandes Pereira # Maria Luciana Biondo Silva realidade multifacetada, e não apenas a esfera econômica como outrora. (CIAMPONE; MELLEIRO, 2005) Essa metodologia, que tem como precursores Carlos Matus e Mário Testa, parte do princípio de que o planejamento é a ferramenta que o homem tem para viabilizar a possibilidade de exercer governabilidade diante do próprio futuro. Ela se refere ao controle e ao “empoderamento” do ator para a situação que pretende governar. O PES é um método que trabalha com possíveis problemas (ameaças e deficiências) e define ao mesmo tempo qual é a melhor forma de processar esse problema (oportunidade e fortalezas), ou seja, explica como nasce o problema, ataca a causa e analisa a viabilidade política do plano, correspondendo a uma visão real do problema. (CIAMPONE; MELLEIRO, 2005) O PES é composto por quatro momentos que se inter-relacionam, buscando responder a quatro indagações fundamentais no processo decisório. Esses momentos são denominados: o explicativo, o normativo, o estratégico e o tático-operacional. No momento explicativo, a realidade é explicada através de prioridades, ou seja, através da identificação dos nós críticos. (CIAMPONE; MELLEIRO, 2005) O momento normativo inclui a identificação dos atores que integram o problema e dos recursos que esses dispõem para controlar as operações. Faz-se a projeção de cenários em que são mapeadas as variáveis de teto (as melhores possibilidades), as de centro e as de piso (as piores possibilidades). Portanto, o momento normativo trabalha com a incerteza, sendo necessário, constantemente, avaliar e calcular o futuro, construindo diferentes cenários de atuação. O momento estratégico tem seu foco voltado para construir a viabilidade, mapeando todos os atores que possam estar envolvidos no plano proposto, calculando-se o tipo de controle que cada um detém dos recursos a serem utilizados em sua operacionalização. Ressalta-se que o momento estratégico permeia todos os momentos da elaboração e execução do plano. O momento tático-operacional é o momento de implementação das ações propostas, adequando-as, quando necessário, à realidade apresentada. Ao serem questionados sobre o uso do Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), foram dadas, entre outras respostas, as seguintes: “Uso, para saber os números de tudo o que acontece na comunidade relacionado à saúde” (Informante 1), “Diagnóstico da comunidade e planejamento das inter- Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 213 Percepções e Ações dos Profissionais de Saúde, Sobre Planejamento, na Equipe de Saúde da Família, da Regional Centro, do Município de Florianópolis venções que se fizerem necessárias” (Informante 3), “Durante o fechamento mensal e para o diagnóstico comunitário” (Informante 2). Além disso, cinco entrevistados relataram que não utilizam o SIAB. Através da análise das respostas obtidas nessa questão, é possível observar que a maioria dos profissionais utiliza, de alguma forma, o SIAB. A reflexão sobre a prática cotidiana, a partir dos dados produzidos pelo SIAB, deveria ser instrumento de trabalho para a maioria dos integrantes da ESF. É necessário também estar atento para algumas lacunas que o SIAB apresenta, principalmente nas ações de saúde bucal que não podem ser avaliadas por meio desse sistema de informação. O SIAB é um sistema de informação territorializado, cujos dados são gerados por profissionais de saúde das equipes da Estratégia de Saúde da Família. As informações são coletadas no domicílio dos usuários e nas unidades locais de saúde. A coleta de dados possibilita a construção de indicadores populacionais, localização espacial de problemas de saúde, identificação de desigualdades, constituindo-se em ferramenta importante para a implementação de políticas de redução de iniquidades, favorecendo também a avaliação das ações desenvolvidas pelos serviços de saúde, podendo ser utilizada também como instrumento de planejamento e gestão local. Quando perguntados se as ações desenvolvidas na ULS são avaliadas, 80% dos funcionários responderam que sim, porém, com pouca frequência, e 20% responderam ainda que não são desenvolvidas ações de avaliação. Cabe ressaltar que a avaliação das ações desenvolvidas é essencial para a orientação dos processos de implantação, consolidação e reformulação das práticas de saúde, uma vez que permite monitorar a situação de saúde da população, o trabalho em saúde e os resultados das ações. Avaliar é formular um juízo de valor sobre algo, as políticas de saúde, as necessidades de saúde da população, a organização e a operacionalidade do trabalho em saúde, os resultados das ações, utilizando, como referência, os pressupostos e valores que fundamentam as escolhas dos sujeitos envolvidos (profissionais de saúde, usuários e população geral) com a atenção em saúde, os princípios gerais que norteiam a avaliação, a aplicação de critérios e normas técnicas e a adequação na disponibilidade e utilização de recursos materiais. Avaliar pressupõe ainda a tomada de posição sobre o sucesso e/ ou fracasso da ação sob apreciação, independentemente desse julgamento ser resultado de uma avaliação normativa (normas e padrões) ou de uma 214 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Wilmar José Elias Junior # Maurício Fernandes Pereira # Maria Luciana Biondo Silva pesquisa avaliativa (procedimentos científicos). A utilização das informações e dos conhecimentos produzidos é condição necessária, já que a avaliação é sempre um instrumento de tomada de decisões. Foi unanimidade entre os entrevistados que as reuniões realizadas na ULS têm objetivo de resolver problemas administrativos, passar informes e resolver pendências, realizar planejamento, implementação e avaliação dos serviços de saúde. Ao serem questionados sobre a existência de outras reuniões, além da realizada mensalmente para todos os profissionais que atuam na ULS, 50% responderam que existe reunião com médicos e coordenação; outros 40% responderam que existem reuniões de cada ESF; e 10%, reuniões de enfermeiros. Os encontros mensais se configuraram como um momento propício para a organização, avaliação processual e planejamento das ações, contribuindo não só para a elevação da qualidade dos serviços prestados, mas também para a melhoria das condições de trabalho dos profissionais. Acredita-se que a melhoria na prestação de serviços passa não só pela organização das ações, mas também pela articulação intersetorial entre as diversas instâncias envolvidas no processo de promoção da saúde e bem-estar social. As reuniões devem ter foco no alcance dos objetivos da ESF estabelecidos pelo Ministério da Saúde; para isso, faz-se necessária abordagem multidisciplinar, ou seja, a participação de todos os atores envolvidos no processo, o planejamento das ações e a organização horizontal do trabalho, o compartilhamento do processo decisório, além do estímulo ao exercício do controle social. Foi unanimidade também, entre os entrevistados, que existe reunião de planejamento, com periodicidade mensal. A participação nas reuniões é de todos os integrantes das equipes de saúde da família. A participação de todos os profissionais da ESF, durante os encontros de planejamento, instiga ações interdisciplinares. O envolvimento de todos os atores sociais facilita o trabalho em equipe de modo integrado, conectando os diferentes trabalhos envolvidos e valorizando a participação de todos na produção. O trabalho em equipe é o trabalho que se compartilha, negociando-se as distintas necessidades de decisões técnicas, uma vez que seus saberes operantes particulares levam a bases distintas de Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 215 Percepções e Ações dos Profissionais de Saúde, Sobre Planejamento, na Equipe de Saúde da Família, da Regional Centro, do Município de Florianópolis julgamentos e de tomada de decisões quanto à assistência ou cuidados a se prestar. (SCHRAIBER et al., 1999, p. 233). A ESF propõe uma nova dinâmica para a estruturação dos serviços de saúde, promovendo uma relação dos profissionais mais próximos do seu objeto de trabalho, ou seja, mais próximos das pessoas, famílias e comunidades, assumindo o compromisso de prestar assistência integral e resolutiva a toda população, a qual tem seu acesso garantido através de uma equipe multiprofissional e interdisciplinar que presta assistência de acordo com as reais necessidades dessa população, identificando os fatores de risco aos quais ela está exposta e neles intervindo de forma apropriada. Portanto, o PSF torna-se estratégia significativa para a mudança do modelo assistencial, visando à qualidade de vida da comunidade. (ROSA; LABATE, 2005) Assim, pode-se constatar que planejar em equipe multidisciplinar propicia autonomia aos profissionais que compõem as equipes de saúde da família, caminhando em direção às propostas do PSF. 4 Considerações Finais O planejamento pode ser definido como um processo proativo e voluntário, pois envolve escolhas necessárias e indispensáveis a todos os administradores de uma organização, possibilitando traçar metas, rever os objetivos e oportunidade de minimizar as incertezas do acaso. (MARQUIS; HUSTON, 2005) Embora o modelo de organização de Estratégia de Saúde da Família tenha a necessidade de realizar a programação das atividades, contendo as tarefas a serem desenvolvidas em um determinado período e incluindo os recursos necessários para se atingirem os objetivos propostos, não é habitual que as equipes concretizem essa etapa do planejamento de saúde. As atividades de avaliação realizadas a partir das informações produzidas no cotidiano da ESF são essenciais para a orientação dos processos de implantação, consolidação e reformulação das práticas de saúde, pois permitem que sejam monitorados a situação de saúde da população, o trabalho em saúde e os resultados das ações. O desenho do sistema de monitoramento é parte integrante do planejamento das ações, devendo contemplar os aspectos nucleares da execução do trabalho previsto para se alcançarem os objetivos da intervenção. (BRASIL, 2004) 216 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Wilmar José Elias Junior # Maurício Fernandes Pereira # Maria Luciana Biondo Silva Os profissionais entrevistados demonstraram realizar atividades de planejamento; porém, evidenciou-se a dificuldade na conceituação e metodologia do planejamento. Nota-se que a unidade pesquisada realiza atividades interdisciplinares, seja durante o planejamento, seja durante as reuniões de equipe ou durante a resolução de problemas emergentes. Apesar da participação dos conselhos de saúde, há uma deficiência do controle social na comunidade, que dificulta a corresponsabilidade da ULS com seus usuários, prejudicando a efetivação dos princípios do Sistema Único de Saúde. A realidade e a historicidade do planejamento de políticas públicas brasileiras têm sido diferentes: muitos projetos, programas e políticas falham na implementação como planejada ou têm impactos negativos inesperados. Têm-se longas décadas de experiências fracassadas de planejamento, com planos mirabolantes ou megalômanos, que no papel funcionam, mas não na prática, na qual alcançam resultados decepcionantes ou desastrosos. A percepção da coletividade, verbalizada pelos profissionais, complementou e muitas vezes permitiu um olhar crítico acerca das informações registradas, possibilitando um vínculo na participação, que será fundamental na consolidação do planejamento. A realização do diagnóstico e a elaboração do planejamento permitiram perceber que a visão dos problemas de saúde apresentados, segundo a ótica de cada um dos envolvidos no processo, foi se transformando ao longo do processo, o que, segundo Testa (1995), é esperado, uma vez que o planejamento mantém ou transforma uma situação, construindo um novo modo de pensar da comunidade. A realidade do planejamento em saúde na ULS deve buscar o envolvimento de todos os profissionais que compõem a ESF. Percebeu-se, portanto, que o planejamento estratégico é o grande aliado das ESF para consolidar o seu principal objetivo e a mudança no modelo assistencial vigente. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 217 Percepções e Ações dos Profissionais de Saúde, Sobre Planejamento, na Equipe de Saúde da Família, da Regional Centro, do Município de Florianópolis Referências ALMEIDA, E. S. et al. Planejamento e programação em saúde. In: WESTPAL, M. E.; ALMEIDA, E. S. Gestão de serviços de saúde. São Paulo: EDUSP, 2001. p. 255-272. BAHIA. Secretaria de Saúde do Estado da Bahia. Assessoria de Planejamento. Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde. Plano estadual de saúde (1988-1991). Salvador: Secretaria de Saúde do Estado da Bahia; Assessoria de Planejamento, 1987. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2002. BRASIL. Lei n. 8.142, de 28 de dezembro de 1990. 1990. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/Lei8142.pdf>. Acesso em: 24 jun. 2013. ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Avaliação normativa do programa saúde da família no Brasil: monitoramento da implantação e funcionamento das equipes de saúde da família: 2001-2002. Brasília: Ministério da Saúde, 2004. 140 p. (Série C. Projetos, Programas e Relatórios). Disponível em: <http://dtr2001.saude.gov. br/editora/produtos/livros/pdf/04_0053_M1.pdf>. Acesso em: 21 jun. 2013. CAMPOS, G. W. de S. et al. (Org.). Tratado de saúde coletiva. 2. ed. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2006. CIAMPONE, M. H. T.; MELLEIRO, M. M. O planejamento e o processo decisório como instrumento do processo de trabalho gerencial. In: MARQUIS, L. B.; HUSTON, J. C. Administração e liderança em enfermagem: teoria e prática. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2005. CIAMPONE, M. H. T.; PEDUZZI, M. Trabalho em equipe e trabalho em grupo no programa de saúde da família. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 53, n. especial, p. 143-147, 2000. 218 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Wilmar José Elias Junior # Maurício Fernandes Pereira # Maria Luciana Biondo Silva FERREIRA, F. W. Planejamento sim e não: um modo de agir num mundo em permanente mudança. Paz e Terra: Rio de Janeiro, 1981. GIOVANELLA, L. As origens e as correntes atuais do enfoque estratégico em planejamento de saúde na América Latina. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 7, n. 1, p. 26-44, jan.-mar. 1991. Disponível em: <http:// www.scielo.br/pdf/csp/v7n1/v7n1a04.pdf>. Acesso em: 21 jun. 2013. MACHADO, P. H. B.; LEANDRO, J. A.; MICHALISZYN, M. S. Saúde coletiva: um campo em construção. Curitiba: Ibpex, 2006. MARQUIS, B. L.; HUSTON, C. J. Administração e liderança em enfermagem: teoria e prática. 4. ed. São Paulo: Artmed, 2005. MATUS, C. Política, planejamento e governo. Brasília: Ipea, 1996. MERHY, E. E. Planejamento como tecnologia de gestão: tendências e debates sobre planejamento em saúde no Brasil. In: Gallo, E. (Org.). Razão e planejamento: reflexões sobre política, estratégia e liberdade. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: ABRASCO, 1995. p. 117-149. (Saúde em Debate, 78) ______. Razão e planejamento. São Paulo: Hucitec, 1994. MOTA, E. Desafios à gestão de sistemas locais de saúde. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 248-250, 1999. Disponível em: <http:// www.scielo.br/pdf/csc/v4n2/7111.pdf>. Acesso em: 21 jun. 2013. OLIVEIRA, J. A. P. de. Desafios do planejamento em políticas públicas: diferentes visões e práticas. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 40, n. 2, p. 273-287, mar.-abr. 2006. Disponível em: <http://www. scielo.br/pdf/rap/v40n2/v40n2a06.pdf>. Acesso em: 21 jun. 2013. PEREIRA, M. F. Planejamento estratégico: teorias, modelos e processos. São Paulo: Atlas, 2010. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 219 Percepções e Ações dos Profissionais de Saúde, Sobre Planejamento, na Equipe de Saúde da Família, da Regional Centro, do Município de Florianópolis ROSA, W. de A. G.; LABATE, R. C. Programa saúde da família: a construção de um novo modelo de assistência. Revista Latino-Americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 13, n. 6, p. 1.027-1.034, nov.-dez. 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rlae/v13n6/v13n6a16.pdf>. Acesso em: 21 jun. 2013. SANTA CATARINA. Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina. Atenção básica. [2013]. Disponível em: <http://portalses.saude.sc.gov.br/ index.php?option=com_content&view=article&id=2489&Itemid=157>. Acesso em: 5 jul. 2013. SANTANA, M. L.; MOLINAI, V. L. I. A história do Programa Saúde da Família desde a sua concepção até os dias atuais. In: ENCONTRO LATINOAMERICANO DE PÓS-GRADUAÇÃO, 7., 2007, São José dos Campos. Anais... São José dos Campos, 2007. p. 1.644-1.647. v. 14. SCHRAIBER, L. B. et al. Planejamento, gestão e avaliação em saúde: identificando problemas. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 221-242, 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csc/v4n2/7110. pdf>. Acesso em: 21 jun. 2013. SOUZA, M. F. de. A enfermagem reconstruindo sua prática: mais que uma conquista no PSF. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 53, n. especial, p. 81-86, dez. 2000. TANCREDI, E. B.; BARRIOS, S. R. L.; FERREIRA, H. G. Planejamento em saúde. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, 1998. (Série Saúde e Cidadania). TESTA, M. Pensamento estratégico e lógica de programação: o caso de saúde. São Paulo: Hucitec, 1995. TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1990. 220 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 13 Este livro é parte integrante do material didático do Curso de Especialização Lato Sensu em Gestão da Saúde Pública oferecido na modalidade a distância. ISBN 978857840084-2 (Coleção) ISBN 978857840141-2 9 788578 400842 9 788578 401412