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Revista Jurídica Justa Pena ISSN 2179-9199
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Elementos da usucapião brasileira e argentina
Elements of adverse possession in Brazil and Argentina
Marcos Martins de Oliveira1
RESUMO
O presente artigo tratará sobre aspectos relacionados à usucapião no direito brasileiro e argentino. Será
destacada a usucapião como modo de aquisição da propriedade, levando-se em consideração que todo bem,
móvel ou imóvel deve ter uma função social e deve ser usado pelo proprietário, direta ou indiretamente, de
modo a gerar utilidades não só para si, mas também para a sociedade. Se o dono abandona esse bem, se é
descuidado no tocante à utilização deixando-o sem uma destinação e se comportando desinteressadamente
como se não fosse o proprietário, pode, com tal procedimento, proporcionar a outrem a oportunidade de se
apossar da aludida coisa.
Palavras-chaves: Usucapião, Código Civil, Direitos Reais.
ABSTRACT
This article will deal with aspects related to the adverse possession law in Brazil and Argentina. Emphasis will
be adverse possession as a way of acquiring the property, taking into account that all property, movable or
immovable property must have a social function and should be used by the owner, directly or indirectly, to
generate utility not only for themselves but to society. If the owner abandons the well, if you careless in the use
leaving him without a destination and behaving selflessly as if it were the owner, may, with such a procedure, to
provide to others the opportunity to get hold of said thing.
Keywords: Adverse possession, Civil Code, Property Law.
____________________________
1. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais. Pós-graduado em Direito Público e em Direito Privado. Bacharel em Direito. Defensor Público
atuando na 2ª Defensoria Pública de Floriano, no Núcleo de defesa da Mulher Vítima de violência e no NPJ da FAESF.
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1.
INTRODUÇÃO
A posse, mansa e pacífica, por determinado
tempo prevista em lei será hábil a gerar a aquisição
da propriedade por quem tenha exercício de fato de
algum(ns) dos poderes inerentes à propriedade. Isto
porque interessa à coletividade a transformação e a
sedimentação de tal situação de fato em situação de
direito.
Dessa forma, como fundamento da usucapião,
interessa à paz social a consolidação daquela situação
de fato na pessoa do possuidor, convertendo-a em
situação de direito, evitando-se, assim, que a
instabilidade do possuidor possa eternizar-se,
gerando discórdias e conflitos que afetem
perigosamente a harmonia da coletividade. Assim, o
proprietário desidioso, que não cuida do que é seu,
que deixa seu bem em estado de abandono, ainda que
não tenha a intenção de abandoná-lo, perde sua
propriedade em favor daquele que, havendo se
apossado da coisa, mansa e pacificamente, durante o
tempo previsto em lei, dela cuidou e lhe deu
destinação, utilizando-a como se fosse sua.
Sendo assim, o presente trabalho tem por
objetivo estudar o os elementos e o objeto da
usucapião, tendo em vista sua origem e sua
regulamentação
descritiva
nos
ordenamentos
jurídicos brasileiro e argentino.
2.
ELEMENTOS E OBJETO DA USUCAPIÃO
A partir das noções conceituais já transcritas,
observa-se que para a aquisição por usucapião, há
dois elementos básicos: a posse e o tempo. No
entanto, outros requisitos devem ser observados, tais
como o animus domini e capacidade para usucapir o
bem por usucapião. Tratando-se de usucapião
ordinário deverão ser acrescidos os requisitos do
“justo título” e da “boa-fé”.
De acordo com Lisboa (2009, p. 123), os
elementos subjetivos da usucapião são: a capacidade
para adquirir o domínio e o animus domini. Os
elementos objetivos são: a posse e o decurso do
tempo.
Ainda, conforme Lisboa (2009, p.125), o objeto
deve ser hábil:
Tanto os bens móveis como imóveis podem ser
objeto de usucapião.
Em princípio, qualquer coisa corpórea pode ser
objeto de usucapião.
[...]
Não podem, por outro lado, ser objeto de
usucapião: o bem público, inclusive o dominical; o
bem fora do comércio e o bem comum em estado
de indivisão.
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Diniz (2007, vol. 4, p. 159) escreve que a
doutrina e a jurisprudência brasileira entendem que é
impossível a aquisição por usucapião contra os outros
condôminos, enquanto subsistir o estado de indivisão
(RJTJSP 52:187, 45:184; JTJ 152:209: RT 495:213,
547:84, 530:179), pois não pode haver usucapião de
área incerta. Para que se torne possível a um
condômino usucapir contra os demais, necessário
seria de sua parte um comportamento de proprietário
exclusivo (RT 427:82), ou a inversão de sua posse,
abrangendo o todo e não apenas uma parte (RT
576:113; RJTJESP 62:197), ou seja, o condômino para
pretender a usucapião deverá ter sobre o todo posse
exclusiva, cessando o estado de comunhão.
Em relação à usucapião em favor de um
herdeiro contra o outro, o raciocínio deve ser o
mesmo. Isso porque a herança é um bem imóvel e
indivisível antes da partilha, o que decorre do
princípio saisine, havendo um condomínio entre os
herdeiros até o momento da divisão.
O artigo 3952 do Código Civil Argentino segue
a mesma linha doutrinária ao mencionar que “Pueden
prescribirse todas las cosas cuyo dominio o posesión
puede ser objeto de una adquisición.”. Em nota ao
citado artigo o doutor Velez Sarsfield explica:
3952. Cód. de Áustria, art. 1455. El Cód. francês,
art, 2226, declara que no puede prescribirse el
dominio de Ias cosas que no están en el comercio.
TROPLONG, en el comentário de dicho artículo,
dice: "Hay cosas que son imprescriptibles por si
misrnas, otras que i son sino por razón de su
destino, y otras por razón de Ias personas que ias
poseen. La; cosas imprescriptibles por si mismas,
son aquellas que por destino natural pertenecen a
todo el mundo, y no son susceptibies de
apropiacion privada, como Ia mar, la libertad del
hombre, etc. Lãs cosas imprescriptibles por razón
de su destino, son aquellas que por si mismas
admiten Ia propiedad privada; pêro que un destino
accidental están retiradas del comercio y afectas al
uso público, como los caminos, las calles, etc.
Mientras estas i conservan afectas al servido
público, permanecen imprescriptibles; mas como
su destino e; por el hecho del hombre que lo ha r
puede tambien el hombre destruirlo. Lãs cosas que
no son prescriptibles por razón de Ias personas que
Ias poseen, son Ias que pertenecen a personas
privilegiadas, contra Ias cuales no corre Ia
prescripción. En tal caso, solo hay una suspensión
temporal de Ia prescríp Guando el privilegio Cess y
ia persona entra en el derechn común, Ia
prescripción sigue su curso y continua su acción".
Véase VAZE Prescripción, núms. 97 y 102.
Relacionado ao tema objeto hábil há uma
diferença marcante entre o Direito Brasileiro e o
Argentino. Enquanto no Brasil não se admite usucapir
o patrimônio privado do Estado, na Argentina isso é
permitido, conforme atenta Borda (p.311-312):
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Em cuanto a los bienes del domínio privado del
Estado, ellos son susceptibles de usucapión como
cualquier otro bien particular (art. 3951); sin
embargo, hay que hacer la salvedad de los bienes
urbanos o rurales Del Estado nacional, provincial o
municipal situados dentro de los limites de zonas
de seguridad. Los cuales no pueden adquirerse por
usucapión, conforme con lo dispuesto por la ley
22.153...
Atente-se ainda para o elemento subjetivo que
é “a capacidade para adquirir a propriedade através de
usucapião”.
Neste contexto, Lisboa em seu Manual de
Direito Civil – Direitos Reais e Direitos Intelectuais, 4
ed., p.123 diz que não podem adquirir a propriedade
pela usucapião: o cônjuge, de bem comum do casal,
enquanto durar a sociedade conjugal; o ascendente,
de bem pertencente ao descendente, e vice-versa,
durante o exercício do poder familiar; o tutor ou
curador de seu respectivo pupilo, e vice-versa,
durante a administração dos bens; o credor
pignoratício, o mandatário e as pessoas a ele
equiparadas, do bem pertencente ao depositante, ao
devedor, ao mandante e as pessoas a ele equiparadas;
qualquer pessoa, do bem pertencente ao
absolutamente incapaz; àquele que está prestando
serviço público fora do país ou àquele que se
encontra servindo as Forças Armadas, durante o
tempo de guerra.
Esse entendimento decorre do disposto no
artigo 1.244 combinado com os artigos 197, 198 do
Código Civil brasileiro. Contudo, excetue-se com o
disposto no art. 1240-A do Código Civil que permite a
usucapião entre cônjuges nos seguintes termos:
Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos
ininterruptamente e sem oposição, posse direta,
com exclusividade, sobre imóvel urbano de até
250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados)
cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou excompanheiro que abandonou o lar, utilizando-o
para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á
o domínio integral, desde que não seja proprietário
de outro imóvel urbano ou rural. (Acrescentado
pela L-012.424-2011)
Nos direito argentino, Arean (1999, p. 302), diz
que: “Los sujetos de Ia usucapión son dos: el que
adquiere el derecho, llamado prescribiente o
usucapiente; y el que lo pierde, que no es otro que el
propietario de Ia cosa prescripta”.
A autora informa que a regra está dada pelo
artigo 3.950 do Código Civil argentino, que dispõe:
“Todos los que pueden adquirir pueden prescribir”.
Arean diz que, em princípio, toda pessoa física
ou jurídica pode ser sujeito ativo da usucapião sempre
que tenha capacidade para adquirir. Esta capacidade a
que se refere o artigo é a capacidade de direito. Pode
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ser promovida pelo possuidor e seus sucessores
universais, os cessionários de direitos possessórios, o
Estado nacional ou provincial, a Igreja, conforme art.
33 do Código Civil Argentino.
Quanto aos sujeitos passivos, Arean, obra
citada, p. 303, no direito argentino: “La regia es
análoga a Ia sentada anteriormente, ya que puede
afirmarse que, en princípio, todas Ias personas físicas
y jurídicas pueden ser sujeto pasivo de Ia usucapión,
inclusive, el Estado como persona de derecho
privado”.
Na usucapião deve estar presente o elemento
subjetivo animus domini, que é a intenção psíquica do
usucapiente de se transformar em dono da coisa. Essa
intenção de dono não está presente em casos de
vigência de contratos, tais como ocorre na locação,
depósito, comodato. Assim, compreende-se que o
animus domini é o fato de alguém se manter na posse
em nome próprio, sem reconhecer o domínio de
outrem sobre o bem, agindo como se fosse
proprietário, por longo período de tempo.
Tartuce e Simão (Direito civil – direito das
coisas, Vol 4, 2 ed., São Paulo: método, 2010, p.175)
lecionam:
Entra em cena o conceito de posse de SAVIGNY,
que tem como conteúdo o corpus (domínio fático) e
o animus domini (intenção de dono). Essa intenção
de dono não está presente, pelo menos em regra,
em casos envolvendo vigência de contratos, como
nas hipóteses de locação, comodato e depósito.
Nessa linha de raciocínio a doutrina e a
jurisprudência brasileiras vêm assentando que “atos
de mera permissão ou tolerância não induzem posse
ad usucapionem”, na medida em que carece o detentor
do bem de animus domini.
Borda (4 ed., p. 313) leciona que atos de
simples tolerância na Argentina também não dão
ensejo à usucapião. Transcreve-se suas lições:
Se llaman, actos de simple tolerância aquellos que
permite el dueño a sus vecinos sin que importe
reconocerles ningún derecho de posesión o
tenencia sobre Ia cosa; como ocurre con frecuencia
en los campos abiertos, cuándo los propietarios
vecinos permiten que los animales de ambos
crucen los limites dei campo y pasten a
determinadas horas en el dei vecino. Ni el
propietario de los animales tiene Ia menor
pretensión de domínio o posesión sobre el campo
vecíno, ni el propietario de este reconoce ningún
derecho al dueno de los animales. El problema de
saber cuándo se trata de un acto de simple
tolerância y cuándo de un acto posesono
propiamente dicho, dependerá de Ias costumbres
dei lugar y de Ias circunstancias dei caso y será
matéria que el Juez deberá decidir conforme a su
prudente arbítrio.
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A posse é elemento objetivo da usucapião ao
lado do decurso de tempo. Contudo, nem toda posse
preenche os requisitos da usucapião. A posse ad
usucapionem deve ser: pública, mansa, pacífica,
contínua e justa.
Os elementos da usucapião no Direito
Argentino são os mesmos como se vê das lições de
Kiper e Malizia (2005, p. 80): “Los requisitos
necessarios para El andamiento de la usucapión son:
veinte años de possesión continua, ininterrumpida,
pública, pacífica y con ánimo de tener la cosa para sí”.
A posse é a detenção física da coisa e, por isso,
só pode ser exercida em relação a coisas corpóreas ou
direitos reais ligados a coisas corpóreas, conforme
alude LISBOA (2009, p. 123).
Comentando a publicidade da posse ad
usucapionem Nery Jr. e Nery (2011, p. 988) asseveram:
“Para gerar usucapião, a posse precisa ser pública e
ostensivamente exercida com intenção de dono, para
que o silêncio de outrem envolva o reconhecimento
do direito do possuidor (RT 291/679)”.
A justiça da posse não passou despercebida de
Lisboa (2009, p. 124): “Posse justa é aquela que
decorre de atos legítimos, sem que se apresente
qualquer vício de violência, clandestinidade ou
precariedade”.
Aqueles que têm posse violenta, clandestina ou
precária, na verdade são meros detentores ou fâmulos
da posse ou, ainda, servos da posse.
O requisito da justiça da posse se encontra no
Código Civil argentino no art. 3959: “La prescripción
de cosas poseídas por fuerza, o por violencia, no
comienza sino desde el día en que se hubiere purgado
el vicio de la posesión”.
A posse usucapível deve se apresentar sem os
vícios objetivos, ou seja, sem a violência, a
clandestinidade ou a precariedade. Se a situação
fática for adquirida por meio de atos violentos ou
clandestinos, não induzirá posse, enquanto não cessar
a violência ou a clandestinidade, é o que dispõe o art.
1.208. 2ª parte, do Código Civil brasileiro. Tartuce e
Simão (2010, p.175) são claros: “Se for adquirida a
título precário a posse injusta jamais se convalescerá,
segundo o entendimento majoritário já exposto”.
Mansa e pacífica é aquela incontestada. No
escólio de Gomes (2001, p.166) é a posse “exercida
sem oposição”. Significa que o proprietário do bem
não tomou nenhuma medida judicial visando quebrar
a continuidade da posse. As Medidas extrajudiciais do
proprietário não tiram esse elemento. A defesa da
posse contra terceiros não retiram essa característica,
mas reforçam o animus domini. Sucintamente
comentando os delineamentos da posse “mansa e
pacífica” Gonçalves (2008, p. 129-130) pontua:
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O segundo requisito da posse ad usucapionem é
que seja mansa e pacífica, isto é, exercida sem
oposição. Se o possuidor não é molestado, durante
todo o tempo estabelecido na lei, por quem tenha
legítimo interesse, ou seja, pelo proprietário, diz-se
que a sua posse é mansa e pacífica. Todavia, se
este tomou alguma providência na área judicial,
visando a quebrar a continuidade da posse,
descaracterizada fica a ad usucapionem.
Providências
extrajudiciais
não
significam,
verdadeiramente, oposição. Se o possuidor
defendeu a sua posse em juízo contra investivas de
terceiros e evidenciou o seu ânimo de dono, não se
pode falar em oposição capaz de retirar da posse a
sua característica de mansa e pacífica.
Gonçalves (2008, p. 130) comenta ainda a
continuidade da posse e seus desdobramentos:
Como terceiro requisito, deve a posse ser contínua,
isto é, sem interrupção. O possuidor não pode
possuir a coisa a intervalos. É necessário que a
tenha conservado durante todo o tempo e até o
ajuizamento da ação de usucapião. O fato de
mudar-se para outro local não significa,
necessariamente, abandono da posse, se continuou
comportando-se como dono em relação à coisa.
Para evitar a interrupção da posse, em caso de
esbulho, deve o usucapiente procurar recuperá-la
imediatamente pela força, se ainda for possível
(CC, art. 1.210, § lº), ou ingressar em juízo com a
ação de reintegração de posse. O Código Civil
brasileiro não prevê prazo para que a posse seja
interrompida pelo esbulho praticado por terceiro,
mas o Tribunal de Justiça de São Paulo já decidiu
que, se "o esbulhado interpõe, dentro de ano e dia,
interdito possessório, e vence, conta-se em seu
favor o tempo em que esteve privado da posse"
(RF, 723:469). Se o interdito for julgado em favor
da outra parte, reconhecendo-se-lhe melhor posse,
a do usucapiente será considerada descontínua.
Embora exija a continuidade da posse, permite
o Código Civil, no art. 1.243, que o possuidor some à
sua posse a dos seus antecessores, para o fim de
contar o tempo exigido para a usucapião (accessio
possessionis), contanto que todas sejam contínuas,
pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título e
de boa-fé.
A duração da posse por determinado lapso de
tempo é o espaço de tempo que varia conforme a
espécie de usucapião. Estende-se ao prazo
prescricional as causas que obstam, suspendam e
interrompem a prescrição. Pode ocorrer também o
implemento do prazo no curso da ação, devendo o
juiz atuar da forma preconizada.
Justo título, nas palavras de Nery Júnior e Nery
(2011, p. 993), citando Lysippo Garcia, “é tida como a
causa própria, em tese, para transferir o domínio, mas
que, em consequência de obstáculo ocorrente na
hipótese, pode deixar de produzir esse efeito”.
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No contexto da legislação argentina, Borda, 4ª
ed. p. 312-314, cita caracteres que devem ser
preenchidos para que se possa usucapir:
a) Ante todo, debe poseerse Ia cosa a título de
dueño. Esto significa que si se detenta Ia
cosa a simple título de tenedor,
reconociendo en otro el derecho de
dominio, Ia posesión no es hábil para
usucapir.
b) En segundo lugar, Ia posesión debe ser
continua, no interrumpida (arts. 3999, 4015
y 4016). Por posesión continua debe
entenderse aquella que importa el ejercicio
normal de los derechos deI propietario, lo
que, claro está, no significa Ia necesidad de
ejercer ininterrumpidamente actos de
posesión. De lo que se trata, repetimos, es
de comportarse respecto de Ia cosa como lo
hace normalmente el propietario.
c) Por último, según Ia opinión dominante, Ia
posesión debe ser pública y pacífica.
Digamos desde ya que ningún texto,
ninguna ley exige estas condiciones de Ia
posesión para Ia usucapión. Sin embargo, es
necesario reconocer que eI requisito de que
Ia posesión sea pública es plenamente
lógico, porque lo que verdaderamente
caracteriza eI ejercicio deI derecho de
propiedad es su ejercicio público erga
omnes. Apenas se puede concebir una
posesión no ejercida públicamente, sobre
todo en materia de inmuebles. Por lo
demás, el poseedor que oculta Ia posesión
hace imposible que tos interesados
conozcan ta pretensión que tiene sobre el
bien y, por lo tanto, están excusados de no
haberse opuesto.
Frise-se que os elementos intitulados “justo
título” e “boa-fé” serão explicados por ocasião do
estudo da usucapião ordinária em que eles são
exigidos para sua consumação.
Os elementos e o objeto da usucapião, ora
estudados, servem para todas as espécies de
usucapião, razão pela qual foram apresentados em
caráter de generalidade.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Usucapião é um modo de aquisição de
propriedade imóvel e mobiliária. Dessa forma, é um
dos efeitos mais importantes da posse, pois é a via
pela qual a situação fática do possuidor será
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convertida em direito de propriedade e em outro
direito real, como por exemplo, usufruto, servidão.
Neste tocante à posse, importante distinguir
duas espécies: a posse ad usucapionem e a posse ad
interdictae. A primeira não se confunde com a
segunda, porque nesta, é que se faculta o exercício
dos interditos possessórios. Enquanto a posse ad
interdictae se conforma à teoria de Ihering, sendo
bastante o exercício do poder de fato sobre a coisa
para que alguém possa manejar uma ação
possessória, traduz a posse ad usucapionem a noção
da posse acrescida ao animus dominis da teoria
subjetiva de Savigny.
Destaque-se que qualquer posse faculta ao seu
titular o ajuizamento das ações possessórias. A posse
ad interdictae pode ser até mesmo uma posse injusta
ou de má-fé, visto que os vícios objetivos são
relativos e os vícios subjetivos não impedem a
proteção possessória. Porém, somente a posse
qualificada pela intenção de dono e pela ausência de
precariedade, violência ou clandestinidade enseja a
aquisição da propriedade pela usucapião.
Os requisitos gerais da usucapião englobam o
aspecto pessoal, real e formal. Os requisitos pessoais
são aqueles referentes ao possuidor que pretende
adquirir o bem e ao proprietário que irá sofrer
desfalque em seu patrimônio. Há necessidade de
averiguar a capacidade e a qualidade do adquirente.
Todavia, são considerados capazes as pessoas
jurídicas de direito público interno e as pessoas de
direito privado. Os requisitos reais são aqueles
referentes aos bens e direitos suscetíveis de serem
usucapidos, uma vez que nem todos os direitos e
todas as coisas são passíveis de usucapião.
A coisa passível de ser adquirida por usucapião
deve estar no comércio (res in commercio) e ser hábil
(res habilis). Como também, só pode ser adquirido
mediante usucapião os direitos reais que recaem
sobre
coisas
prescritíveis
(propriedade,
enfiteuse,usufruto,servidão, entre outros).
De modo geral, os requisitos formais são
aqueles que compreendem os elementos necessários
e comuns do instituto. Entretanto, classificam-se
como pressupostos comuns: a posse revestida de
“animus domini” (intenção de dono); a posse
prolongada (lapso temporal que está exercendo a
posse); a posse contínua (posse sem intervalo que
deve ser exercida pelo possuidor), e a posse justa. Já
como pressupostos especiais, têm o justo título e a
boa-fé.
Portanto, a usucapião é modo originário de
aquisição de propriedade e de outros direitos reais,
sendo assim considerado não pelo fato da titularidade
surgir pela primeira vez com o proprietário, mas
porque se funda na existência, ou não, de relação
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contratual entre o adquirente e o antigo dono da
coisa. Assim sendo, na aquisição originária, o novo
proprietário não mantém qualquer relação de direito
real ou obrigacional com o seu antecessor, pois não
obtém o bem do antigo proprietário, mas contra ele.
Os fundamentos, elementos, objeto e natureza
jurídica da usucapião no Direito Brasileiro e Argentino
são muito similares, divergindo basicamente quanto à
nomenclatura, prazos e possibilidade de adquirir bens
estatais.
Outro ponto de divergência importante é que
no Brasil não se admite usucapião de bens estatais,
mas na Argentina é admitido usucapião de bens do
patrimônio privado do Estado.
O fundamento da usucapião é a consolidação
da propriedade. O proprietário desidioso, que não
cuida de seu patrimônio, deve ser privado da coisa em
favor daquele que, unindo posse e tempo, deseja
consolidar e pacificar a sua situação perante o bem e
a sociedade, cumprindo a função social da
propriedade consagrada nos dois países cuja
legislação se analisou.
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