correlatos valorativos das atitudes frente à tatuagem e

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correlatos valorativos das atitudes frente à tatuagem e
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL
MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL
CORRELATOS VALORATIVOS DAS ATITUDES FRENTE
À TATUAGEM E INTENÇÃO DE TATUAR-SE
EMERSON DIÓGENES DE MEDEIROS
João Pessoa – PB
Agosto de 2008
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL
MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL
CORRELATOS VALORATIVOS DAS ATITUDES FRENTE
À TATUAGEM E INTENÇÃO DE TATUAR-SE
Emerson Diógenes de Medeiros, Mestrando
Prof. Dr. Valdiney Veloso Gouveia, Orientador
João Pessoa, Agosto de 2008
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL
MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL
CORRELATOS VALORATIVOS DAS ATITUDES FRENTE
À TATUAGEM E INTENÇÃO DE TATUAR-SE
Emerson Diógenes de Medeiros
Dissertação submetida ao Programa de PósGraduação em Psicologia Social (Mestrado)
como requisito parcial para a obtenção do grau
de Mestre em Psicologia Social.
CORRELATOS VALORATIVOS DAS ATITUDES FRENTE À TATUAGEM E
INTENÇÃO DE TATUAR-SE
Emerson Diógenes de Medeiros
Banca Avaliadora:
___________________________________________________________
Prof. Dr. Valdiney Veloso Gouveia, (UFPB, Orientador)
___________________________________________________________
Prof. Dr. João Carlos Alchieri, (UFRN, Membro)
___________________________________________________________
Profa. Dra. Maria da Penha de Lima Coutinho, (UFPB, Membro)
___________________________________________________________
Profa. Dra. Patrícia Nunes da Fonseca, (UFPB, Membro)
Ao meu pai
...E eu, que já não sou assim
Muito de ganhar
Junto às mãos ao meu redor
Faço o melhor que sou capaz
Só pra viver em paz.
(Marcelo Camelo)
Tentar e falhar é, pelo menos, aprender.
Não chegar a tentar é sofrer a inestimável
perda do que poderia ter sido.
(Geraldo Eustáquio)
AGRADECIMENTOS
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Ao meu orientador Prof. Valdiney Veloso Gouveia, que ainda no inicio da minha
graduação alertou-me acerca da importância dos estudos e da ciência. Agradeço,
especialmente, pela confiança depositada no meu trabalho e por acolher-me em seu núcleo
de pesquisa.
A esposa do meu orientador, Rildésia S. Veloso Gouveia pela confiança a mim concedida.
A Profa. Maria da Penha de Lima Coutinho, por aceitar ser a leitora deste trabalho e
contribuir de maneira significativa com suas considerações.
Ao prof. Joca, que foi com quem dei meus primeiros passos em pesquisa.
Aos professores João Carlos Alchieri e Patrícia Nunes da Fonseca, por aceitarem
participar da banca avaliadora.
A Carlos Eduardo Pimentel (Kdu) por ter me concedido a idéia do desenho desta
dissertação.
Aos grandes amigos Jorge Artur e sua esposa Priscila; Walberto Santos e Sandra Pronk,
pelos momentos de descontração e ajuda prestada quando solicitados. Cabe ainda ressaltar
a importância do primeiro, que acompanhou de maneira ativa todo o processo pelo qual
passou a presente dissertação, assumindo o papel de co-orientador, mesmo que
informalmente.
Ao núcleo de pesquisa BNCS (Bases Normativas do Comportamento Social): Pollyane
Kahelen da C. Diniz, Josélia de Mesquita Costa, Ana Karla S. Soares, Kátia C. Vione,
Luana Elayne C. de Souza, Tiago Jessé Souza e Lima, Viviane Silva Pessoa, Estefânia
Élida da S. Gusmão, Taciano Lemos Milfont, Luis A. Mendes, Luciana Chacon Dória,
Thiago A. A. de Aquino, Célia Maria C. M. Chaves, Marcílio L. de Silva Filho, Jane
Palmeira N. Cavalcanti, Gislene F. de Oliveira, Carlos Antônio dos Santos, Valeschka
Martins Guerra. Ressaltando que este trabalho é mais um produto conseqüente do trabalho
do grupo.
A Thyala, Aila, Carol que contribuíram na coleta de dados.
À Paloma C. Bezerra, amor e companheira de todas as horas, por seu apoio, incentivo e
confiança, simplesmente por existir e me fazer feliz.
À família Cavalcante Bezerra, por me receber tão bem e de braços abertos.
À minha família, Edna Maria de Medeiros (Mãe), por ser simplesmente quem é, pessoa de
fibra, guerreira e, ao mesmo tempo, amorosa, e Hermógenes Acácio de Medeiros (irmão).
E finalmente ao meu onipresente Pai (Manoel Pedro de Medeiros) que deu sua vida por
nossa família. Tenho certeza que está feliz e orgulhoso por mim.
Aos grandes amigos que torceram por mim.
A Deus, por tudo.
CORRELATOS VALORATIVOS DAS ATITUDES FRENTE À TATUAGEM
E INTENÇÃO DE TATUAR-SE
RESUMO – A presente dissertação objetivou conhecer os correlatos valorativos
(subfunções experimentação e normativa) das atitudes frente à tatuagem e intenção de
tatuar-se. Para tanto, levaram-se a cabo dois estudos. O Estudo 1 objetivou elaborar a
Escala de Atitudes Frente à Tatuagem (EAFT), conhecendo evidências de sua validade
fatorial e consistência interna. Partiu-se de um conjunto de dez itens, tendo sido checada
sua validade semântica. Participaram 273 estudantes de uma universidade particular da
cidade de João Pessoa (PB), a maioria do sexo masculino (51,7%), com idade média de 25
anos (DP = 6,73; amplitude de 17 a 50 anos). Inicialmente, comprovou-se que todos os
itens apresentaram poder discriminativo satisfatório. Prévia a realização da comprovação
da estrutura fatorial, testou-se a adequação de se empregar esta técnica [KMO = 0,95; Teste
de Esfericidade de Bartlett, χ² (45) = 2.334,55; p < 0,001], optando-se pelo método PAF
(Principal Axis Factoring), sem fixar número de fatores ou rotação. Como esperado, uma
solução unifatorial emergiu, explicando 69,5% da variância total, com cargas fatoriais
entre 0,74 e 0,89; o índice de consistência interna (Alfa de Cronbach) deste fator geral foi
0,96. Portanto, concluiu-se que tais resultados permitiram reunir evidências de validade
fatorial e consistência interna da EAFT. O Estudo 2 objetivou conhecer os correlatos
valorativos das atitudes frente à tatuagem e a intenção de tatuar-se. Contou com a
participação de 555 estudantes universitários de duas cidades do Nordeste (João Pessoa e
Aracaju), a maioria do sexo feminino (55,5%) e solteiros (86,5%). Estes responderam a
EAFT e o Questionário dos Valores Básicos (QVB). As duas primeiras hipóteses foram
corroboradas, indicando que as atitudes frente à tatuagem se correlacionaram (p < 0,05)
com as subfunções experimentação (r = 0,09) e, principalmente, normativa (r = 0,20). A
terceira hipótese também pôde ser corroborada, pois 38% da variância da resposta de
tatuar-se pode ser explicada em razão das atitudes frente à tatuagem [F (1, 553) = 337,73, p
< 0,001)], isto é, quanto mais atitudes positivas frente à tatuagem mais provável ter
intenção de se fazer uma tatuagem (β = 0,62; t = 18,37, p < 0,001). Nesta oportunidade
testou-se uma quarta hipótese, correspondendo a um modelo teórico em que as subfunções
valorativas (experimentação e normativa) explicaram as atitudes frente à tatuagem e estas,
por suas vez, predisseram a intenção de tatuar-se. No geral, este modelo se mostrou
ajustado aos dados empíricos [GFI = 0,99, AGFI = 0,95, CFI = 0,97, RMR = 0,05 e
RMSEA = 0,09 (0,04 – 0,14), PCLOSE (p = 0,08)]. Finalmente, a quinta hipótese estimava
uma diferença em atitudes frente à tatuagem em razão do sexo dos participantes. Esta não
pôde ser corroborada [t (434) = -1,82, p = 0,07]. Entretanto, cabe assinalar que as
pontuações destes grupos foram na direção apontada na literatura, com as mulheres
apresentando atitudes mais positivas (M = 0; DP = 0,77) do que os homens (M = -0,13; DP
= 0,76). Concluindo, confia-se que os objetivos propostos nesta dissertação tenham sido
alcançados, apresentando-se nesta oportunidade uma contribuição para um campo de
estudo escassamente considerado na Psicologia Social: atitudes e comportamentos de
marcação corporal entre jovens.
Palavras-chaves: Atitudes, Tatuagens, Valores Humanos, Intenção.
VALUE CORRELATES OF ATTITUDES TOWARD TATTOO AND INTENTION
OF GETTING TATTOOED
ABSTRACT – The current thesis aimed at knowing the value correlates (subfunctions
excitement and normative) of attitudes toward tattoo and intention of getting tattooed.
According these objectives, two specific studies were conducted. Study 1 aimed at
developing the Attitudes toward Tattoo Scale (ATTS), knowing evidences of its factor
validity and reliability. Initially, this scale was comprised by 10 items, being its semantic
validity checked. Participants were 273 students of a private university in João Pessoa
(PB), most of them male (51.7%), with mean age of 25 years old (SD = 6.73; ranging from
17 to 50 years old). A preliminary statistical analysis indicated that all items presented
satisfactory discriminative power. Prior to the performing of the factor analysis, it was
checked the suitability of using this technique [KMO = 0.95; Bartlett’s Sphericity Test, χ²
(45) = 2,334.55; p < 0.001]. It was conducted a PAF (Principal Axis Factoring), without
fixing the number of factors and rotation. According to the expected, a one-factor solution
emerged, accounting for 69.5% of the total variance, with factor loadings ranging from
0.74 to 0.89; the reliability (Cronbach’s Alpha) of this general factor was 0.96. These
results support evidences of factor validity and reliability of the ATTS. Study 2 aimed at
knowing the value correlates of attitudes toward tattoo and intention of getting tattooed.
Participants were 555 undergraduate students in two cities from Northeast of Brazil (Joao
Pessoa and Aracaju), most of them female (55.5%) and single (86.5%). They answered the
ATTS and the Basic Values Survey (BVS). The first two hypotheses were corroborated,
indicating that attitudes toward tattoo were correlated (p < 0.05) with the subfunctions
excitement (r = 0.09) and, mainly, normative (r = 0.20). The third hypothesis was also
corroborated, considering that 38% of the variance in answers of getting tattooed were
explained by attitudes toward tattoo [F (1, 553) = 337.73, p < 0.001], showing that as more
positives were the attitudes toward tattoo more likely was the intention of getting tattooed
(β = 0.62; t = 18.37, p < 0.001). In this opportunity, it was tested the fourth hypothesis,
which corresponded to the theoretical model in which the value subfunctions (excitement
and normative) explained the attitudes toward tattoo, which in turn predicted the intention
of getting tattooed. Overall, this model fitted to data [GFI = 0.99, AGFI = 0.95, CFI =
0.97, RMR = 0.05, and RMSEA = 0.09 (0.04 – 0.14), PCLOSE (p = 0.08)]. Finally, the fifth
hypothesis estimated a difference in attitudes toward tattoo according to gender. This
hypothesis was not corroborated [t (434) = -1.82, p = 0.07]. However, the observed scores
were in line with the literature, indicating that women presented more positive attitudes (M
= 0; SD = 0.77) than men (M = -0.13; SD = 0.76). In conclusion, it is hope that the aims
proposed in this thesis have been reached. So, likely it presents a contribution for a scarce
field of study in Social Psychology: attitudes and behavior of bodily marking in young
people.
Keywords: Attitudes, Tattoos, Human Values, Intention.
SUMÁRIO
Introdução ....................................................................................................................... 14
PARTE I – MARCO TEÓRICO .................................................................................... 18
1. Tatuagens e atitudes frente à tatuagem ....................................................................... 19
1.1 Modificação corporal e tatuagem ......................................................................... 20
1.2 Atitudes frente à tatuagem .................................................................................... 25
2. Valores Humanos ....................................................................................................... 35
2.1 Valores Humanos na Perspectiva Cultural ........................................................... 38
2.1.1 Valores individualistas e coletivistas de Hofstede. ....................................... 38
2.1.2 Valores materialistas e pós-materialistas de Inglehart .................................. 40
2.2 Valores na Perspectiva Individual ........................................................................ 42
2.2.1 Valores instrumentais e terminais de Rokeach. ............................................. 42
2.2.2 Tipos motivacionais de Shalom H. Schwartz ................................................ 46
2.2.3 Teoria Funcionalista dos valores humanos de Gouveia ................................ 52
3. Objetivos e Hipóteses ................................................................................................. 62
3.1 Objetivo geral ....................................................................................................... 63
3.2 Objetivos específicos e hipóteses ......................................................................... 63
3.2.1 Objetivos específicos: .................................................................................... 63
3.2.2 Hipóteses ....................................................................................................... 63
PARTE II – ESTUDOS EMPÍRICOS ........................................................................... 67
4. Estudo 1. Escala de Atitudes Frente à Tatuagem (EAFT): Construção e parâmetros
psicométricos .................................................................................................................. 68
4.1 Delineamento ........................................................................................................ 69
4.2 Amostra ................................................................................................................ 69
4.3 Instrumentos ......................................................................................................... 69
4.4 Procedimento ........................................................................................................ 70
4.5 Análise dos Dados ................................................................................................ 71
4.6 Resultados............................................................................................................. 72
4.5.1 Poder discriminativo dos itens....................................................................... 72
4.5.2 Análise fatorial exploratória .......................................................................... 73
4.7 Discussão Parcial .................................................................................................. 75
5. Estudo 2. Correlatos valorativos das atitudes frente à tatuagem e intenção de se tatuar.
........................................................................................................................................ 78
5.1 Delineamento ........................................................................................................ 79
5.2 Amostra ................................................................................................................ 79
5.3 Instrumentos ......................................................................................................... 80
5.4 Procedimento ........................................................................................................ 81
5.5 Análise dos Dados ................................................................................................ 82
5.6 Resultados............................................................................................................. 83
5.6.1 Comprovação da estrutura fatorial da EAFT e modelos alternativos............ 84
5.6.2 Testando modelos alternativos para a EAFT................................................. 85
5.6.3 Atitudes frente à tatuagem, valores humanos e identificação com grupos
alternativos: Relação entre as variáveis estudadas. ................................................ 87
5.7 Discussão Parcial .................................................................................................. 94
6. Discussão Geral e Conclusões .................................................................................... 96
6.1 Limitações das pesquisas ...................................................................................... 97
6.2 Elaboração e parâmetros psicométricos da EAFT ................................................ 99
6.3 Correlatos valorativos das atitudes frente à tatuagem. ....................................... 100
6.4 Conclusões e direções futuras ............................................................................ 106
Referências ................................................................................................................... 110
Anexos .......................................................................................................................... 126
ANEXO 1 – Escala de Atitudes Frente à Tatuagem (EAFT) ................................... 127
ANEXO 2 – Perguntas sócio-demográficas ............................................................. 128
ANEXO 3 – Questionário de Valores Básicos (QVB) ............................................. 129
ANEXO 4 – Escala de identificação com grupos alternativos (EIGA) .................... 130
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Definições clássicas de atitudes (adaptado de Lima, 2000). .............................. 25
Tabela 2. Tipos de valores instrumentais e terminais proposto por Rokeach (1973) .......... 44
Tabela 3. Tipos motivacionais de Schwartz (1994, 2006) .................................................. 49
Tabela 4. Poder Discriminativo dos Itens da EAFT ........................................................... 72
Tabela 5. Estrutura Fatorial da Escala de Atitudes Frente à Tatuagem – EAFT ................ 75
Tabela 6. Índices de bondade de ajuste para os modelos alternativos ................................ 86
Tabela 7. Correlação entre valores humanos, Atitudes Frente à Tatuagens e Identificação
com Grupos Alternativos ..................................................................................................... 88
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Estrutura Bidimensional dos tipos motivacionais (Adaptado de Schwartz, 2006)
............................................................................................................................................. 50
Figura 2. Facetas, dimensões e subfunções dos valores básicos ......................................... 54
Figura 3. Padrão de congruência das subfunções dos valores básicos (adaptado de Gouveia
& cols., 2008) ...................................................................................................................... 59
Figura 4. Representação Gráfica dos Valores Próprios ....................................................... 74
Figura 5. Estrutura Fatorial da Escala de Atitudes Frente ao uso de Tatuagens ................. 85
Figura 6. Modelo teórico para explicação das atitudes frente à tatuagem e intenção de
tatuar-se ............................................................................................................................... 91
Figura 7. Modelo teórico para explicação das atitudes frente à tatuagem e intenção de
tatuar-se a partir dos valores e identificação com grupos alternativos ................................ 92
Introdução
Ao contrário do que muitas pessoas pensam, a prática da tatuagem não é
recente. De fato, é milenar o hábito de pessoas se submeterem a transformações
corporais, ou seja através da colocação de ornamentos, da realização de tatuagens,
piercings, ou escarificações. Desde tempos remotos o homem imprime pinturas e
símbolos em sua pele. Grumet (1983), por exemplo, faz referência a escavações
francesas, portuguesas, romenas e escandinavas, de aproximadamente 1200 a 1000 a.C.,
em que foram encontrados pigmentos pretos e vermelhos junto a lascas pontiagudas de
ossos, que sugeriam a prática de tatuagem.
Diversas áreas do conhecimento têm se interessado pelo estudo da tatuagem,
principalmente a Antropologia, Psicologia, Arte, Medicina e Criminologia. Não
obstante, apesar de a temática ser discutida amplamente, no Brasil não foi encontrada
qualquer referência a pesquisas empíricas sobre as atitudes frente a tatuagens. Em busca
realizada no Index Psi (2007) com as palavras-chave “Atitudes frente à tatuagem”,
“Tatuagem” e “Escala de atitudes frente à tatuagem” apenas uma publicação foi
encontrada em que se fizesse referência ao menos a uma destas palavras; esta
compreendeu um estudo de cunho teórico em que se fez uma revisão acerca dos
aspectos motivacionais da decisão de tatuar-se (Menandro, 1995). Ampliando a busca,
isto é, realizando-a no Google Acadêmico (2007), considerando estas mesmas palavraschave, não se encontraram, neste país, publicações em Psicologia Social, nem tão pouco
em
língua
portuguesa.
No
entanto,
encontrou-se
um
estudo
de
cunho
etnográfico/antropológico sobre tatuagens (Pérez, 2006).
Considerando que, em psicologia, uma das maneiras de se estudar a tatuagem –
e a aqui utilizada – é por meio das atitudes frente à tatuagem (Armstrong, 1991;
15
Hawkes, Senn & Thorn, 2004), e em razão de não terem sido encontrados, no país,
estudos focando o tema atitudes frente à tatuagem, inclusive com a criação de uma
medida de tais atitudes, além de conhecer sua possível relação com os valores humanos,
parece justificável e pertinente levar a cabo a presente dissertação. Em termos gerais,
elaborou-se uma medida atitudinal, em relação à tatuagem, procurando-se, ainda,
conhecer em que medida tais atitudes poderiam se pautar nas prioridades valorativas das
pessoas.
Neste sentido, e visando a atender aos objetivos do presente trabalho, esta
dissertação é apresentada em duas partes. A primeira parte (Marco Teórico) se divide
em três capítulos: (1) Tatuagens e atitudes frente à tatuagem, que apresenta, além da
definição do construto, uma revisão acerca dos estudos sobre tatuagens e, mais
amplamente, das atitudes frente a tatuagens; e (2) Os valores humanos, em que são
apresentas as principais concepções teóricas acerca dos valores humanos, com maior
ênfase na Teoria Funcionalista dos Valores Humanos (Gouveia, 1998, 2003; Gouveia,
Fischer & Milfont, 2008), a partir da qual é feito um esforço em entender as atitudes
frente à tatuagem; e finalmente, (3) Objetivos e hipóteses, em que são expostos os
objetivos gerais e específicos dos estudos, assim como as hipóteses derivadas do marco
teórico. Estão na segunda parte (Estudos Empíricos) os capítulos: (4) Estudo 1: Escala
de Atitudes Frente a Tatuagens: Construção e parâmetros psicométricos, no qual se
elabora e valida uma medida atitudinal em relação à tatuagem; (5) Estudo 2: Correlatos
valorativos das atitudes frente à tatuagem e intenção de se tatuar, no qual se procura
entender como os valores humanos se relacionam com as atitudes frente à tatuagem,
além da elaboração e testagem de um modelo preditivo explicativo, através de
modelagem de equações estruturais, envolvendo os valores de experimentação e
16
normativos, atitudes frente ao uso de tatuagens e intenção comportamental para tatuarse; e (6) Discussão geral e conclusões, indicando os principais resultados, as possíveis
limitações e sugestão para pesquisas futuras.
17
PARTE I – MARCO TEÓRICO
18
1. Tatuagens e atitudes frente à tatuagem
19
1.1 Modificação corporal e tatuagem
O comportamento de se submeter a práticas de transformações corporais é muito
antigo (Teixeira, 2006). As marcações corporais sempre existiram no decorrer da
história. Por isso, é importante retratar um pouco da história sobre as marcações
corporais para que se possa compreender o contexto no qual “explode” o movimento da
modificação corporal.
Como mencionado anteriormente, o homem se submete às práticas de
transformações corporais há milênios. Seja através da colocação de ornamentos, da
realização de tatuagens, piercings, escarificações ou de qualquer outro tipo de
modificação do corpo. Talvez a própria história da humanidade se confunda com a das
práticas de modificações corporais (Teixeira, 2006). Existem evidências arqueológicas
de marcações corporais das sociedades mais primitivas, a mais antiga encontrada data
de 2.500 a.C., e deve-se à descoberta da múmia chamada de Ötzi (homem de gelo), em
1991, por turistas alemães (Nedden & cols., 1994; Wikipedia, 2008). Análises
anatômicas avançadas permitiram verificar que ela tinha 57 tatuagens lineares nas
costas e atrás dos joelhos (Nedden & cols., 1994), fato que faz com que a prática da
tatuagem seja a forma mais primitiva de modificação corporal que se tem
conhecimento.
No Egito, também foram encontrados vestígios de uma cultura em que as
práticas de modificar o corpo eram freqüentes e populares (Grumet, 1983), sendo que o
registro mais antigo dessa cultura refere-se a tatuagens em formas de pontos e linhas,
que foram preservadas em múmias femininas datadas do ano de 2.160 a.C.
20
No Japão, não obstante, foram encontrados vestígios de tatuagens faciais e
escarificações que são datadas do ano de 600 a.C.. Klemperer (2006) afirma que estas
marcações corporais serviam de proteção aos indivíduos, sendo sua variabilidade e
disposição no corpo associadas com o status destes indivíduos na sociedade. Ainda,
segundo este autor, foi também no Japão, a exemplo da China, que se iniciou o uso de
marcações corporais como punição, de modo a marcar os indivíduos que infringissem as
leis.
A tatuagem se espalha, em proporções mundiais, na cultura ocidental, graças a
James Cook, capitão da marinha inglesa, que entrou em contato com nativos que
usavam tatuagens em suas viagens para a Polinésia. A partir daí, a tatuagem se torna
popular entre os marinheiros, passando a ser considerada pela elite européia como algo
bárbaro e selvagem (Fisher, 2002).
Faz-se necessário lembrar que a Igreja tem papel decisivo quanto à arte corporal,
devido ao seu grande poder através dos tempos. Para esta instituição, marcar o corpo é
considerado ato de violência contra o corpo natural, o que significa injúria contra a
criação divina, já que, para os religiosos, o homem foi feito a imagem e semelhança de
Deus. Desta forma, a arte corporal foi condenada pela classe dominante (burguesia e
clero), sendo algo próprio aos segregados e “foras da lei” (Costa, 2003).
Assim, no Ocidente, é pela marginalidade que a tatuagem se insere na sociedade.
Costa (2003) relata que existem passagens textuais sobre tatuagens nos escritos Gregos
e Romanos. Na cultura Grega, as tatuagens eram utilizadas para marcar os escravos com
os nomes de seus donos, enquanto que, na Romana, tatuavam-se os Legionários com os
21
nomes de seu general e uma águia; também os marginais eram tatuados como uma
forma de estigma.
O uso de tatuagem, especificamente, é uma das formas de modificação do corpo
mais conhecidas e cultuadas, atualmente, do mundo (Armstrong, 1991; Atikson, 2002).
Trata-se de um desenho “permanente” feito na pele humana, em outras palavras, é
tecnicamente uma aplicação subcutânea obtida através de introdução de pigmentos por
agulhas (Armstrong, 1991). Este é um procedimento que, durante muitos séculos, foi
irreversível, não obstante, atualmente, com procedimentos médicos como o laser, já se
pode “apagar” (cover up) uma tatuagem na pele.
Existem diversos tipos de práticas de modificação corporal, das quais
conceituam-se, a seguir, as oito mais comuns (Percília, 2008): (1) Branding: caracterizase pela aplicação de ferro quente na pele do indivíduo com uma chapa de aço
esquentada por um maçarico. Após a queima da pele, forma-se uma cicatriz com o
desenho desejado pela pessoa que se submete a este tipo de modificação do corpo; (2)
Escarificação: é a prática de inserir, na pele, cortes com bisturi, com o intuito de formar
uma cicatriz com o desenho desejado; (3) Tong split (bifurcação da língua): por meio de
um ato cirúrgico, divide-se a língua em duas partes; (4) Pocket: é uma muito semelhante
a um piercing. Não obstante, existe uma característica que o diferencia do piercing
normal, que é o fato de a haste do objeto, inserido na pele, ficar do lado de fora e as
pontas dentro da pele; (5) Implantes subcutâneos: insere-se objeto (de osso, silicone,
aço cirúrgico) sob a pele, assim formando um alto relevo na forma do objeto; (6)
Implante transdermal: implante de aço cirúrgico entre a gordura da pele e a fibra
muscular, sendo que metade do aço fica exposto e a outra metade, dentro da pele; (7)
Piercing: é a colocação de jóias ou outros objetos metalizados através de perfuração,
22
procurando adornar o corpo (por exemplo, brincos e argolas na orelha e no lóbulo, para
alargamento, broches no umbigo, na língua, no nariz, nas partes íntimas); e (8)
Tatuagem: trata-se de um desenho “permanente” feito na pele humana, empregando-se
o procedimento de inserir pigmentos de tintas na pele. Como tem sido evidenciado
previamente, na presente dissertação, o interesse recai no uso de tatuagem.
Estima-se que, aproximadamente, em contexto estadunidense, 10% a 20% dos
homens e 10% das mulheres usam tatuagens (Anderson, 1992; Grief, Hewitt &
Armstrong, 1999; Hawkes & cols., 2004). Não obstante, em contexto brasileiro, não
foram encontradas estatísticas oficiais acerca da quantidade de pessoas que usam
tatuagem. Fato relevante é o aumento da quantidade de mulheres se tatuando; em um de
seus estudos, Armstrong (1991) afirma que, na década de 1980, a cada três novas
pessoas que se tatuavam duas eram mulheres. Além disso, comumente pessoas que
usam desenhos na pele usam, também, outras formas de adornamento invasivo, a
exemplo de piercing (Armstrong, 2005; Stuppy, Armstrong & Casals-Ariet, 1998).
Apesar do aumento perceptível do uso da tatuagem, que presumivelmente
também ocorre no Brasil, principalmente por jovens e mulheres, é possível que ainda
hoje a tatuagem seja vista como uma “coisa” de grupos marginalizados, a exemplo de
prisioneiros, doentes mentais e gângster, podendo ser, dessa forma, estereotipadas
negativamente as pessoas que usam tatuagens (Estephen, Durkin, Parry, Turbett &
Odgers, 1996; Stuppy & cols., 1998).
Existe grande preocupação entre profissionais da saúde, a exemplo daqueles dos
campos da Medicina e Psicologia (Estephen & cols., 1996), com relação aos riscos
físicos e mentais que estão associados com a prática do uso de tatuagens, em especial as
tatuagens “amadoras”. Por exemplo, aponta-se o fato de existirem evidências de uso de
23
tatuagem, cicatrizes e outras formas de marcas corporais estarem intimamente
correlacionados com a estada de seus portadores em instituições de saúde mentais e
prisões (Buhrich & Morris, 1982; Newman, 1982).
Fica evidente que o uso de modificações corporais em suas diversas variações,
atualmente, está aumentando no mundo inteiro. Especificamente, o uso de tatuagem tem
sido objeto de interesse por parte de pesquisadores de diversas áreas, dentre elas a
psicologia. As atitudes frente a este tipo específico de modificação do corpo, têm sido
empregadas, com êxito, na tentativa de compreensão deste fenômeno. Neste sentido, e
evidenciando que se empregará esta perspectiva nesta dissertação, passa-se a apresentar
um subtópico, no qual são expostos os principais estudos acerca do uso e atitudes frente
à tatuagem.
24
1.2 Atitudes frente à tatuagem
Atitudes sempre foram um dos grandes temas em psicologia social (Álvaro &
Garrido, 2007). Pode-se verificar, na literatura, que são muitas as conceituações a
respeito das atitudes (Tabela 1).
Tabela 1.
Definições clássicas de atitudes (adaptado de Lima, 2000).
Autor
Thoma e Znaniecki
(1915, p. 22)
G. W. Allport (1935)
Rosenberg e Hovland
(1960, p. 3)
Bem (1967, p. 75-78)
Abelson (1976, p. 41)
Jos Jaspars (1986, p. 22)
I. Ajzen (1988)
Definição de atitude
Por atitudes entendemos um processo de consciência individual que
determina atividades reais ou possíveis do indivíduo no mundo social.
Atitude é um estado de preparação mental ou neural, organizado através
da experiência, e exercendo uma influência dinâmica sobre respostas
individuais a todos objetos ou situações com que se relaciona.
Atitudes são predisposições para responder a determinada classe de
estímulos com determinada classe de respostas.
A variável dependente nos estudos de dissonância cognitiva é, com
muito poucas expressões, a afirmação de auto-descrição de atitudes ou
crenças. Mas como se adquirem esses comportamentos autodescritivos? A afirmação de determinada atitude pode ser vista como
uma inferência a partir de uma observação do seu próprio
comportamento e das variáveis situacionais em que ocorre. Desta
forma, as afirmações de um indivíduo são funcionalmente equivalentes
às que qualquer observador exterior poderia fazer sobre ele.
Atitude face a um objeto consiste no conjunto de scripts relativos a esse
objeto. Esta perspectiva combinada com uma teoria abrangente acerca
da formação e da seleção dos scripts daria o significado funcional ao
conceito de atitude que outras definições não possuem.
As atitudes geralmente são vistas como predisposições
comportamentais adquiridas, introduzidas na análise do comportamento
social para dar conta das variações de comportamentos em situações
aparentemente iguais. Como estados de preparação latente para agir de
determinada forma, representam os resíduos da experiência passada que
orientam, enviesam ou de qualquer outro modo influenciam o
comportamento. Por definição, atitudes não podem ser medidas
diretamente, mas têm que ser inferidas do comportamento.
Atitude é uma predisposição para responder de forma favorável ou
desfavorável a um objeto, pessoa, instituição ou acontecimento.
No entanto, na presente dissertação, atitudes serão entendidas como postuladas
por Rodrigues, Assmar e Jablonski (2000) que definem atitudes como uma organização
duradoura de cognições em geral, dotada de carga afetiva positiva ou negativa em
25
relação a um objeto atitudinal, que predispõe a uma ação coerente com as cognições e
os afetos relativos a este objeto, posição compartilhada por outros estudiosos (Ajzen
2001; Ajzen & Fishbein, 2000). Em relação a medidas de atitudes, estas têm sido,
geralmente, mesuradas em escalas do tipo diferencial semântico (Osgood, Suci &
Tannenbaum, 1957).
Neste sentido, pode-se verificar que uma das possíveis formas de se estudar o
uso de tatuagem, no âmbito da psicologia social, é através das atitudes frente ao uso
deste adorno corporal. Entretanto, esta perspectiva é reconhecidamente empiricista
(Atkinson, 2002), não formando um pólo teórico consistente.
Porém, em psicologia social, disciplina a qual se filia esta dissertação, este tema
não é tratado, por exemplo, em pesquisa realizada no Google Acadêmico (2008), tendo
sido introduzidas as palavras-chave “attitudes toward tattoo” nenhuma publicação foi
encontrada em revistas afiliadas à psicologia social. Entretanto, é possível encontrar,
acerca do comportamento de tatuar-se, análises sociológicas (Irwin, 2000; Myers, 1997;
Vail, 1999), análises antropológicas (DeMelo, 1993,1995; Kent, 1997) e, inclusive,
psicológica (Grumet, 1983; Houghton, Durkin, Parry, Turbett, & Odgers, 1996), mas
em psicologia social nenhuma foi encontrada.
No Brasil, a situação não é diferente, pois, em busca realizada em bases de
dados Scielo (2008) e Index Psi (2008), com a palavra descritora “tatuagem”, foram
encontrados 67 trabalhos, porém estes, em sua maioria tratavam de aspectos médicos,
não tento sido identificada qualquer publicação em psicologia social.
26
Mesmo com esta lacuna, considera-se que os estudos e as análises empíricas
deste tema, mesmo não sendo em psicologia social, sirvam de alicerce para uma
possível linha teórica nesta disciplina, assim como postula Atkinson (2002).
Sem dúvida, quem mais contribui, atualmente, para o estudo acerca das
atitudes frente à tatuagem e ao body piercing é Myrna L. Armstrong. Esta pesquisadora
estadunidense, juntamente com seu grupo, vem desenvolvendo diversos estudos que
têm sua maior ênfase no âmbito da saúde, enfatizando os riscos à saúde associados a
estas práticas de modificação corporal. No entanto, também tem sido enfocado como as
atitudes de pessoas (tatuadas ou não), estudantes universitários em sua maioria, podem
se relacionar, por exemplo, com comportamentos, como o de prestar cuidados de saúde
a pessoas tatuadas, ter número elevado de parceiros sexuais, envolvimento com drogas e
álcool, entre outros.
No contexto de seus estudos, esta pesquisadora e sua equipe desenvolveram um
instrumento, específico para medir atitudes frente ao uso de tatuagem, intitulado
Armstrong Tattoo Scale (ATS) (Armstrong, Owen, Roberts & Koch, 2002; Stuppy &
cols., 1998). Este, inicialmente, era composto de 17 itens respondidos de acordo com
uma escala do tipo diferencial semântico, tendo apresentado bons parâmetros
psicométricos, numa estrutura unifatorial e com consistência interna (Alfa de Cronbach)
variando de 0,92 a 0,95, em cinco amostras diferentes (Stuppy & cols., 1998). No
entanto, ao longo do tempo, o ATS veio sofrendo modificações, como acréscimo de
itens. Atualmente, conta com 30 itens (Greif & cols., 1999), que fazem parte do
Armstrong Tattoo Attitude Survey (ATTAS) (Armstrong & cols., 2002), um
27
questionário formado por 134 itens. Especificamente, com relação ao ATTAS, não
foram encontradas referências acerca de seus parâmetros psicométricos.
Ao menos em contexto estadunidense, usar uma tatuagem e/ou um piercing
ainda é visto negativamente por muitos (Gold, Schorzman, Murray, Downs &
Tolentino, 2005; Hawkens & cols., 2004; Schorzman, Gold, Downs & Murray, 2006;
Stupy & cols., 1998). No entanto, estudos sobre tatuagens e atitudes frente à tatuagem
vêm demonstrando que esses construtos são importantes para o entendimento de alguns
comportamentos, a exemplo daqueles de risco (Armstrong & Murphy, 1997; Carrol,
Rifferburgh, Roberts & Myhre, 2002), crenças religiosas (Koch, Roberts, Armstrong &
Owen, 2004a, 2004b), uso de substância (Braithwaite, Robillard, Woodring, Stephen &
Arriola, 2001; Brooks, Woods, Knight & Shrier, 2003; MacCarron, 1999), agressão
(Putnins, 2002), comportamentos não-saudáveis (Huxley & Grogan, 2005) e promoção
de saúde (Stuppy & cols., 1998). No âmbito da medicina, os riscos têm sido associados
ao uso de modificação corporal (Armstrong, DeBoer & Cetta, 2008; Caliendo,
Armstrong & Roberts, 2004; Carrol & cols. 2002; Greif & cols., 1999; Mayers,
Judelson, Moriarty & Rundell, 2002; Millner & Eichold II, 2001), atividade sexual prémarital (Koch, Roberts, Armstrong & Owen, 2005, 2007) e HIV (Beyrer & cols., 2003).
Publicações, considerando o uso de tatuagem e atitudes frente a tatuados, em
que são tratados temas relacionados a cuidados médicos (prevenção e complicações, por
exemplo) são os mais comuns na literatura. Em publicação recente, Armstrong e cols.
(2008) relatam a relação existente do uso de tatuagens e piercing com sérias
cardiopatias congênitas, na maioria das vezes mortais. O uso de tatuagem e/ou piercings
é apostado como a (possível) principal causa de complicações para esta doença, que se
28
trata de uma infecção cardiológica, chamada de endocardite infecciosa, em que o
primeiro caso, comprovadamente relacionado ao ato de tatuar-se, foi recentemente
relatado (Satchithananda, Walsh & Schofield, 2001). Neste sentido, estudos mais
recentes vêm sendo desenvolvidos para comprovação desta relação (Lick, Edoize,
Woodside & Conti, 2005; Shebani, Miles, Simmons & De Giovanni, 2007); Cetta,
Graham, Lichtenberg e Warnes (1999) já apresentavam indícios desta presumível
relação.
Em pesquisa na qual participaram provedores de cuidados de saúde (médicos e
enfermeiros, além de estudantes de enfermagem e medicina), Stuppy e cols. (1998)
verificaram que as atitudes dos participantes podem influenciar negativamente os
cuidados de saúde para com pessoas tatuadas. Nesta publicação, os autores chamam a
atenção para a importância de se verificar, empiricamente, o impacto das atitudes
negativas desses profissionais.
Ainda neste estudo, foi possível verificar que as mulheres apresentaram
atitudes menos favoráveis frente a pessoas tatuadas do que fizeram seus pares do sexo
oposto, fato que é recorrente em outros estudos (Armstrong, 1991; Hawkes & cols,
2004; Schorzman & cols., 2006). Em geral, é comum encontrar comparações entre as
atitudes de homens e mulheres frente à tatuagem, aspecto que pode ser entendido em
razão do contexto atual, em que o número de mulheres que procuram se tatuar é
crescente (Armstrong, 1991; Hawkes & cols., 2004; Stuppy & cols., 1998).
Ao estudar comportamentos saudáveis e uso de tatuagem, Huxley e Grogan
(2005) observaram que não existiu qualquer relação significativa entre estes
comportamentos. Entretanto, nesta mesma pesquisa, tais autores apontaram que a
29
transmissão de conhecimentos e informações sobre os possíveis problemas causados
pelo uso de alguma modificação corporal e como enfrentá-los é apontada por estudiosos
como fator principal para minimizar a incidência de complicações (por exemplo, de
hepatite, endocardite infecciosa, infecções cutâneas, HIV) geradas ou agravadas por
uma tatuagem; outros estudiosos compartilham desta idéia (Armstrong & cols., 2008;
Grief & cols., 1999).
O comportamento sexual de estudantes universitários e sua relação com o uso e
as atitudes frente ao uso de tatuagens foi, empiricamente, averiguado por Koch e cols.
(2005). Estes autores verificaram que, por ser tão comum entre os jovens a prática de
usar tatuagens e piercings, mesmo os estudantes que tinham atitudes negativas com
relação à tatuagem não a consideravam uma prática ou um omportamento desviante. A
relação significativa hipotetizada entre atividade sexual e uso de tatuagem foi
comprovada, sendo o uso e as atitudes positivas bons indicadores do usuário ser um
jovem ativo sexualmente; adicionalmente, foi demonstrado que os homens e as
mulheres tatuadas começam sua vida sexual ativa bem mais cedo que pessoas não
tatuadas.
Como apontado anteriormente, no Brasil, não foram encontradas estatísticas
acerca do uso de tatuagens. No entanto, em contexto estadunidense, dois estudos
puderam verificar, em amostra de 3000 estudantes de nove estados, taxas de prevalência
de uso de pelo menos uma tatuagem e/ ou piercing em 8 a 10% entre jovens adultos
participantes (Armstrong & McConnell, 1994; Armstrong & Murphy, 1997). Em outra
pesquisa, na qual se buscava conhecer os fatores de maior influência na decisão de se
fazer uma tatuagem, Armstrong, Roberts, Owen e Koch (2004) verificaram que as
30
amizades próximas são, de fato, o fator de maior foco de influência na hora de decidir
usar uma tattoo ou um piercing. Não obstante, outro fator importante para essa decisão
é a impulsividade para tatuar-se (Armstrong & cols., 2004; Armstrong, Koch, Saunders,
Roberts & Owen, 2007; Greif & cols., 1999).
O conhecimento dos pais acerca do uso de tatuagens ou outras modificações do
corpo por parte de seus filhos foi objeto de estudo de Benjamins e cols. (2006). Estes
autores observaram que somente 58% dos usuários de tatuagens e 43% dos usuários de
piercing, numa amostra total de 300 estudantes universitários estadunidenses,
reportaram terem tido o consentimento de seus pais. Portanto, fica evidente que o
consentimento paterno nem sempre é solicitado por jovens escolares que se submetem a
uma modificação corporal.
Como citado previamente, o uso de body art, mais comumente tatuagem e
piercing, vem sendo associado a comportamentos desviantes como uso de drogas
(Braithwaite & cols., 2001; Brooks & cols., 2003), mas também com doenças
infecciosas (Burger & Finkel, 2002). Além disso, autores como Holsen, Harthu e
Myrmel (1993) afirmam que, historicamente, tatuagem e outras modificações corporais
vêm se mostrando como fator de risco significativo para doenças virais, independente
do uso de drogas.
Além dos comportamentos já citados, outros também vêm sendo associados
com a tatuagem. Por exemplo, Braithwait e cols. (2001) afirmam que homens tatuados
fumam mais cigarros e têm mais parceiras sexuais, as mulheres tatuadas são mais
comumente usuárias de álcool e outras drogas. Seguindo essa mesma linha de
pensamento, Deschesnes, Finès e Demers (2006) asseveram que jovens que usam
31
tatuagem e/ou piercing incorrem num “risco natural” de apresentarem comportamentos
arriscados; afirmam ainda que alguns dos fatores que contribuem significativamente
para inclinação juvenil para tatuagens e piercings são o uso de drogas, atividades
ilegais, afiliação com gangues e problemas com jogos de azar.
Buscando conhecer os fatores que influenciam as atitudes frente a tatuados,
especificamente mulheres tatuadas, Hawkes e cols. (2004), manipulando variáveis
independentes “tamanho” e “visibilidade da tatuagem usada por uma mulher”
observaram que tanto homens como mulheres tiveram atitudes mais negativas frente a
mulheres com tatuagens visíveis, já a variável tamanho da tatuagem só foi uma boa
preditora da avaliação por parte de homens e mulheres que não usavam tatuagens.
Crenças e práticas religiosas têm sido freqüentemente apontadas como fatores
inibidores de comportamentos desviantes, como uso de drogas, álcool, entre outros
(Koch & cols., 2004a, 2004b; Santos, 2008). A religiosidade influencia o
comportamento dos indivíduos identificados com as normas que regem o contexto
social em que se encontram, ou seja, os indivíduos mais conservadores. Podendo ainda
ser considerado um valor humano, a religiosidade vem sendo utilizada em tipologias
valorativas (Gouveia, 1998, 2003; Gouveia & cols., 2008; Schwartz, 1994). A
influência de crenças e práticas religiosas no uso de tatuagem, prática considerada
desviante, foi verificada previamente nos Estados Unidos (Koch e cols, 2004a, 2004b),
e, como esperado, forte religiosidade manteve relação negativa com usar uma tatuagem,
interesse por tatuagens e intenção de fazer uma tatuagem.
Outra relação descrita na literatura, acerca de tatuagens e valores humanos é
aquela entre o valor saúde e comportamento de tatuar-se. Em sua pesquisa, Huxley e
32
Grogan (2005) constataram que pessoas que aderem fortemente a este valor apresentam
mais comportamentos saudáveis e estão menos engajadas em fazer uma tatuagem. Neste
sentido, são apontadas direções acerca de algumas possíveis relações entre
comportamento de tatuar-se, atitudes frente à tatuagem e valores humanos.
Particularmente, parece ser que a adesão a valores específicos pode funcionar como
fator inibitório para o uso de atitudes frente à tatuagem, como também a relação
contrária, ou seja, adesão a determinados valores, podem ser mais um fator decisivo na
hora de se decidir fazer uma tatuagem.
Em Psicologia Social, fica claro que existe uma lacuna, quando se trata de
estudos que consideram o uso ou atitudes frente à tatuagem. Verifica-se que este tema
está intimamente relacionado a comportamentos de riscos e desviantes, a exemplo de
uso de drogas, contaminação por HIV/ AIDS e uso de álcool. Sendo, portanto,
importante para entendimento do comportamento, principalmente de adolescentes e
jovens adultos.
O conhecimento de tais atitudes, e sua relação com as diversas variáveis
demográficas
e
construtos,
permitem
o
conhecimento
e
mapeamento
de
comportamentos de grupos específicos. Podendo ser usados em diversos seguimentos,
por exemplo, na criação de campanhas informativas focadas e direcionadas para estas
pessoas e grupos. Tendo em vista que os valores são tão bons preditores
comportamentais quanto as atitudes, verificar como se relacionam atitudes com este
construto pode ser útil. Neste sentido, na presente dissertação, buscou-se conhecer como
as atitudes e o comportamento de tatuar-se podem se pautar nas prioridades valorativas.
33
Assim, faz-se mister realizar uma exposição breve acerca dos diversos modelos teóricos
sobre valores humanos, sendo este o propósito do próximo capítulo.
34
2. Valores Humanos
35
A tentativa de identificar os valores que descrevam as pessoas não é recente
(Gouveia, 2003). O estudo dos valores humanos pode ser identificado desde tempos
longínquos, na história do pensamento social; grandes pensadores, da filosofia (por
exemplo, Platão e Aristóteles), consideravam os valores e sugeriam seu ensino
(Pimentel, 2004).
Diversas perspectivas, nos estudos dos valores, podem ser verificadas. Sobre
valores podem ser encontradas referências em vários campos de conhecimento, a
exemplo de filosofia, antropologia, sociologia e psicologia (Gouveia, 2003; Ros, 2006).
Em psicologia social, os valores humanos têm sido amplamente estudados, justificandose em razão de serem importantes no processo seletivo das ações humanas (Rokeach,
1973), constituindo-se um construto preponderante para o entendimento de muitos
fenômenos sócio-psicológicos (Bardi & Schwartz, 2001).
Existem contribuições teóricas distintas para o estudo dos valores, procurando
explicar e descrever o comportamento humano (Ros, 2006). Especificamente, os valores
humanos são estudados em duas perspectivas distintas: uma cultural e outra individual.
Na perspectiva mais sociológica (cultural), apresentam-se os valores individualistas e
coletivistas de Hofstede (1984), e os materialistas e pós-materialistas de Inglehart
(1977), no entanto, apesar de se apresentarem, num sub-tópico específico, seus
principais teóricos, esta não é a abordagem adotada nesta dissertação. O foco de
interesse do presente trabalho está inserido na perspectiva individual dos valores
humanos. Assim, neste panorama, os perfis valorativos são estudados, buscando
entender como estes servem de orientação a um conjunto de atitudes e comportamentos.
Pesquisas que seguem esta linha de pensamento entendem os valores como orientadores
da ação humana, sendo relacionados com vários comportamentos e/ou atitudes.
36
Os valores de ação individualista são comumente relacionados com vários
outros construtos, a exemplo de atitudes e comportamentos ambientais (Coelho,
Gouveia & Milfont, 2006), intenção de constituir família (Milfont, 2001), interesses
vocacionais (Gusmão, 2004), religiosidade (Schwartz & Huismans, 1995), preconceito
(Vasconcelos, Gouveia, Souza Filho, Sousa & Jesus, 2004), uso de drogas (Coelho
Júnior, 2001), comportamentos sociais (Pimentel, 2004; Santos, 2008; Vasconcelos,
2004), preferência musical (Pimentel, 2004) e liberalismo sexual (Guerra, 2005).
Neste sentido, teóricos diversos deram contribuições importantes para o tema
“valores”, cada um com sua perspectiva teórica peculiar. Assim, na perspectiva mais
psicológica (individual) são bastante conhecidos os modelos dos valores instrumentais e
terminais de Rokeach (1973) e os tipos motivacionais de valores (Schwartz, 1994),
extensão do primeiro. Contudo, recentemente também tem se apresentado uma tipologia
funcional e integradora dos valores humanos, defendida por Gouveia (1998, 2003;
Gouveia & cols., 2008).
O presente estudo está localizado no âmbito da Psicologia Social. Sendo assim,
serão apresentadas algumas das principais idéias acerca dos diversos estudiosos que se
debruçaram na temática dos valores humanos. Sumariamente, seguirão dois tópicos
principais: o primeiro, em que os valores são tratados numa perspectiva mais
sociológica (modelos de Hofstede e Inglehart), e o segundo, que considera os valores
desde uma perspectiva individual (modelos de Rokeach, Schwartz e, por fim, Gouveia).
Esta segunda perspectiva fundamentará a presente dissertação.
37
2.1 Valores Humanos na Perspectiva Cultural
Conforme foi anteriormente mencionado, nesta oportunidade, são apresentados
os modelos dos valores que têm sido identificados como adotando uma perspectiva
cultural, isto é, são modelos que têm como referências as pontuações médias das
culturas nacionais, geralmente países, procurando conhecer ou testar determinada
estrutura teórica ou dimensões valorativas. Como não poderia deixar de ser, inicia-se
este tópico com o modelo de Geert Hofstede, que é, seguramente, um marco
obrigatório, representando a maioria daqueles que têm assumido esta perspectiva.
2.1.1 Valores individualistas e coletivistas de Hofstede.
Nesta perspectiva, os valores são considerados representações de necessidades
construídas socialmente na realidade, e são estabelecidas sob o reflexo de normas
sociais e institucionais vigentes (Mangabeira, 2002).
Hofstede (1984) analisa as prioridades valorativas, levando em consideração a
cultura em que as pessoas estão inseridas. Em termos amplos, este autor define a cultura
como sendo o “programa mental” que guia os indivíduos nas suas interações cotidianas.
Portanto, sua proposição aponta para a cultura como um fenômeno coletivo,
determinando padrões ou “programas mentais” para as pessoas, instruindo-as acerca de
pensamentos, sentimentos e ações que, parcialmente, determinam os comportamentos
socializados (Hofstede, 1984, 1991).
Em meados da década de 1980, Hofstede (1984) reconhece uma estrutura
unidimensional que expressaria a “(in)dependência emocional de grupos, organizações e
outras coletividades”. Gouveia, Andrade, Jesus, Meira e Soares (2002) apontam que, no
seu estudo original, Hofstede considerou 100.000 empregados de uma grande
38
multinacional americana, estes responderam a um questionário que incluía quatorze
metas do trabalho. Neste sentido, Hofstede buscava identificar quatro dimensões, das
quais poder-se-iam analisar valores culturais, são elas: (1) Distância de poder: medida
do quanto os subordinados replicam frente ao poder e a autoridade, em resumo, é uma
medida de aceitação ou não da hierarquia; (2) Coletivismo vs. Individualismo:
Dimensão que gerou maior quantidade de pesquisas. Esta medida indica o quanto as
pessoas de uma sociedade se sentem responsáveis pelos outros ou independentes das
outras pessoas; (3) Masculinidade vs. Feminilidade: indicando, no caso de
masculinidade, se é materialista, dando ênfase a benefícios, ou, no caso de feminilidade,
se é mais centrada nas relações, ou seja, nas interações com outras pessoas; e (4)
Evitação da incerteza: medindo o grau de ansiedade e preocupação das pessoas frente a
situações inesperadas ou incertas..
Apesar do grande sucesso inicial, o modelo acima apresentado, recebe algumas
críticas. Gouveia (2006) afirma que dois foram os motivos pelos quais o modelo em
questão se revelou inadequado, são eles: por um lado Hofstede dava a entender que com
o desenvolvimento econômico as sociedades passariam a ser individualistas, portanto,
abandonando o estilo de vida coletivista. Fato que é contestado, tendo-se em conta que
as sociedades contemporâneas misturam elementos coletivistas e individualistas. Por
outro lado, o modelo não levava em conta dados que consideravam coletivismo e
individualismos como fatores legítimos e independentes.
Outro modelo, que será apresentado no próximo tópico, de cunho cultural e de
grande repercussão, é o de Inglehart. Este autor parte da concepção de hierarquia de
necessidades de Maslow (1954) desenvolvendo a teoria dos valores políticos do
39
materialismo e pós-materialismo, cuja emergência estará ligada à satisfação das
necessidades de bem-estar econômico seguida da de auto-realização.
2.1.2 Valores materialistas e pós-materialistas de Inglehart
Inglehart, nas ciências sociais e políticas, é o grande destaque no estudo dos
valores (Gouveia, 1998). Este autor, partindo da teoria da hierarquia das necessidades
de Maslow, numa tentativa de definir a origem dos valores, elabora um modelo teórico
que se propõe a considerar os aspectos sociais e culturais dos valores. Neste modelo,
Inglehart (1977) define duas dimensões através das quais tenta identificar as mudanças
geracionais e comparar culturas nacionais: materialismo e pós-materialismo, a primeira
diz respeito a valores materiais (satisfação de necessidades mais básicas e de
segurança), enquanto a segunda dimensão versa acerca dos valores espirituais (que se
originam a partir da satisfação materialista).
Para Inglehart (1991), o materialismo é o padrão valorativo que prevalece nas
sociedades em que não são satisfeitas as necessidades de segurança (física e
econômica). Enquanto que, nas sociedades mais industrializadas e com mais recursos
financeiros, o padrão mais dominante é o pós-materialista. Portanto, somente nas
sociedades com elevado grau de desenvolvimento cultural e social-econômico, é
possível o surgimento de um novo conjunto de valores. Não obstante, estes padrões nem
sempre condizem com a realidade, não é raro pessoas ou países com boas condições
financeiras permaneçerem priorizando valores materialistas (Formiga, 2002; Oyserman,
2001).
A explicação desse fato é, para Inglehart (1991), baseada em duas premissas: a
primeira é o fato de que as prioridades valorativas básicas são delimitadas pela hipótese
40
da escassez, ou seja, as pessoas valorizam o que mais necessitam; enquanto que a
segunda se deve ao processo de socialização pelo qual passam as pessoas, sendo
necessária atenção para o contexto em que as pessoas foram socializadas no início de
sua vida (infância e adolescência). Por exemplo, algumas pessoas que cresceram num
contexto de escassez, por exemplo, durante uma grande seca ou enchente, podem seguir
dando grande importância à segurança física e/ou econômica, mesmo já resguardado o
suprimento dessas necessidades.
Ainda de acordo com este autor, depois de usar a análise dos componentes
principais, chegou-se à conclusão de que os valores agrupavam-se numa estrutura
bipolar, em que os valores materialistas estariam no pólo positivo, enquanto os pósmaterialistas estariam no pólo contrário. Para Gouveia (1998), esta estrutura transcultural de valores existe, não obstante, ele pondera que o que não se sustenta é a
hipótese de que as orientações materialistas e pós-materialistas sejam, estruturalmente,
seqüenciadas em pólos opostos. Para Gouveia, em vários países, estas dimensões se
confundem e se combinam, e não seria adequado tratar os valores num modelo
dicotômico.
Resumidamente, foram expostos os dois modelos teóricos dos valores humanos
em nível cultural, que não será considerado para o presente trabalho. A seguir,
apresentam-se os modelos valorativos a nível individual, iniciando a exposição por
aquele que propõe Rokeach, seguido pelo de Schwartz e, finalmente, o de Gouveia.
41
2.2 Valores na Perspectiva Individual
No plano individual, as teorias sobre valores são úteis para caracterizar as
prioridades que orientam os indivíduos, as bases motivacionais, nas quais são apoiados
os valores, e que servem para o entendimento das diferenças entre indivíduos (Ros,
2006). Ainda de acordo com esta autora, as teorias na perspectiva individual são
comumente relacionadas com as decisões tomadas, além das atitudes que são
manifestadas pelos indivíduos. Portanto, estas teorias são úteis para o estabelecimento
de relações entre as prioridades e os comportamentos dos indivíduos ou grupos que os
priorizam.
Por conseguinte, inicia-se a exposição dos principais modelos teóricos desta
perspectiva pelo modelo de Milton Rokeach, posteriormente apresenta-se o modelo
predominante, ou seja, o de Schwartz, e, por fim, o modelo de Gouveia, que se
apresenta uma alternativa mais parcimoniosa que as outras, e que fundamenta esta
dissertação.
2.2.1 Valores instrumentais e terminais de Rokeach.
De acordo com Chaves (2006), é a partir da década de 1950 que os valores
humanos ganham maior expressão com a introdução de técnicas refinadas de medição
das atitudes, ressaltando-se as contribuições de Rokeach na década de 1960. Este autor
tem se destacado como um dos que mais contribuíram para os estudos recentes dos
valores humanos (Gouveia, Andrade, Milfont, Queiroga & Santos, 2003).
Rokeach, na década de 1960, foi quem pela primeira vez procedeu à
mensuração específica dos valores por meio do Rokeach Value Survey (Ros, 2006). A
42
teoria de Rokeach (1973) consiste em cinco pressupostos básicos: (1) o número de
valores que uma pessoa possui é relativamente pequeno; (2) todos os homens possuem
os mesmos valores em graus diferentes, independente da cultura na qual estejam
inseridos; (3) os valores são organizados em sistemas de valores; (4) os antecedentes
dos valores humanos podem ser encontrados em cultura, sociedade, instituições e
personalidade de cada indivíduo; e (5) os valores são manifestados (virtualmente) em
todos os fenômenos que os cientistas sociais possam considerar como importantes de
serem pesquisados.
Rokeach (1973) conceituou os valores como “crença duradoura de que um
modo específico de comportamento ou estado final de existência é pessoal ou
socialmente preferível a um modo de comportamento ou estado final de existência
oposto ou inverso”. Assim, os valores, podem ser compreendidos como crenças
prescritivas – proscritivas que permitem aos indivíduos julgarem objetos ou ações como
desejáveis, indesejáveis, se são recomendáveis ou reprováveis.
O referido autor teoriza um sistema de valores, dividindo-os em terminais (o
próprio desejável) e instrumentais (os comportamentos), que são operacionalizados por
meio de duas listas de 18 valores cada, como se descrevem:
Valores terminais: representam estados finais de existência, a exemplo de
igualdade, vida confortável, felicidade etc. Estes valores também são classificados
como auto-centrados, ou seja, com um foco pessoal, ou centrados na sociedade, ou
seja, com um foco interpessoal.
Valores instrumentais: representam condutas que são consideradas preferíveis,
a exemplo de ambicioso, honesto, responsável etc. Estes valores ainda podem ser
43
subdivididos em valores morais, os quais reportam o modo como se comportar, e,
quando são violados, geram sentimento de culpa (intrapessoal); e valores de
competência, que conduzem a um estado (pessoal) de competência, de que se está
agindo de forma adequada.
Para uma melhor compreensão, e, na tentativa de facilitar o entendimento
acerca desta teoria, a estrutura dos valores de Rokeach pode ser comprovada na Tabela
2, apresentada a seguir:
Tabela 2.
Tipos de valores instrumentais e terminais proposto por Rokeach (1973)
Tipos de Valores
Terminais
Estados finais de existência
Instrumentais
Modos de comportamento
Pessoais
Centrados na própria pessoa, foco
intrapessoal.
Exemplos: salvação, harmonia interior.
Sociais
Centrados na sociedade, foco interpessoal.
Exemplos: um mundo de paz, amizade
verdadeira.
De competência
Sua transgressão provoca vergonha, foco
intrapessoal.
Exemplos: lógico, inteligente.
Morais
Sua transgressão provoca culpa, foco
interpessoal.
Exemplos: honesto, responsável.
Neste modelo, os valores se integram em conjuntos, denominados de sistemas
de valores, organizando-se de forma hierárquica, de modo que cada valor é elencado em
razão de sua importância em comparação com os demais valores. Esta organização dos
valores pode sofrer mudanças (reordenações) durante a vida dos indivíduos. Estas
mudanças (reordenação) de valores se dão, segundo Gouveia (1998), em conseqüência
das experiências culturais, sociais e pessoais.
44
Rokeach (1973) ainda assinala uma característica importante dos valores, isto
é, suas funções. Para este autor, os valores têm cinco funções distintas, a saber: (1) egodefensiva: os sentimentos ou ações pouco aceitos, seja no plano pessoal ou social,
podem se modificar, por processos de racionalização e formação defensiva, em algo
mais aceitável, de maneira que socialmente representem conceitos culturalmente
justificáveis; (2) de conhecimento ou de auto-realização: alguns dos valores fomentam
a
busca
de
significado
e
compreensão,
o
que
sugere
conhecimentos
e,
conseqüentemente, auto-realização; (3) critérios de orientação: para posicionamentos
diante de problemas, tarefas como avaliar, julgar, emitir elogios a si ou a outras pessoas,
comparar, persuadir, influenciar, racionalizar crenças, atitudes e comportamentos que de
outro modo seriam pessoal ou socialmente condenados moralmente e necessários à
manutenção da auto-estima; (4) motivacional: os valores guiam as ações humanas no
cotidiano e expressam as necessidades humanas básicas e, finalmente, (5) adaptativa:
alguns valores dão ênfase a modos de conduta ou estados finais que são de orientação
adaptativa ou orientados para a utilidade.
Portanto, pode-se observar que Milton Rokeach contribui de forma
significativa para o avanço nos estudos valorativos. De forma resumida, podem-se
destacar suas contribuições nos seguintes termos: sua abordagem reuniu diversas
perspectivas e conhecimentos de áreas diversas como antropologia, sociologia e
psicologia; providenciou a distinção dos valores de outros construtos que são
relacionados, a exemplo de atitudes e traços de personalidade; apresentou um
instrumento especifico para mensurar os valores; e destacou a centralidade dos valores
no sistema cognitivo das pessoas, agrupando dados sobre seus antecedentes e
conseqüentes.
45
Entretanto, Gouveia, Martínez, Meira e Milfont (2001) apontam alguns
problemas no modelo de Rokeach, por exemplo: (a) a medida empregada, de natureza
ipsativa (sugere uma dependência entre as pontuações de um mesmo sujeito); (b) a
indefinição da estrutura dos valores; e (c) a restrição das amostras dos seus estudos,
realizados principalmente com estudantes universitários estadunidenses. Estes foram
alguns dos aspectos que motivaram a elaboração de novos modelos teóricos acerca dos
valores, a exemplo daquele elaborado por Shalom H. Schwartz, descrito a seguir.
2.2.2 Tipos motivacionais de Shalom H. Schwartz
Sem dúvida, Rokeach foi bastante influente no estudo dos valores em psicologia,
entretanto, foi por meio de pesquisas transculturais realizadas por Shalon H. Schwartz e
seus colaboradores que aconteceu a revitalização do estudo deste construto, tornando-se,
atualmente, um dos temas principais em psicologia social. Desde o final dos anos 1980,
seu modelo tem sido o principal referente no campo de estudos dos valores humanos.
Schwartz buscava definir uma tipologia dos valores que primava pela
universalidade, ou seja, buscava demonstrar sua validade intra e inter-cultural
(Schwartz, 2006). Para este autor, é consensual, na literatura, o conceito de valor como
uma crença pertencente a fins desejáveis ou à forma de comportamentos, que
transcendem situações específicas, que guia as ações humanas e se ordena por sua
importância com relação a outros valores (Schwartz, 1992, 2006; Schwartz & Bilsky,
1987, 1990).
Contudo, Schwartz (2006) assume como limitação o fato de que, apesar da
utilidade desta definição para diferenciar os valores de outros construtos, a exemplo de
46
necessidades e atitudes, ela não trata do conteúdo substancial e da estrutura dos valores.
Afirma, ainda, que a identificação da estrutura das relações entre os valores permite
avançar no estudo das associações entre valores, tomados isoladamente, e outras
variáveis e, também, com o sistema de todos os valores.
Este autor define os valores como metas desejáveis e trans-situacionais, que
variam em importância, que servem como princípio na vida de uma pessoa ou de outra
entidade social (Schwartz, 2006). Em decorrência desta definição, conjectura que a
existência do ser humano se baseia em três tipos motivacionais primordiais: (1)
necessidades biológicas do organismo, garantindo a sobrevivência; (2) necessidades de
regulação das interações sociais; e (3) necessidades sócio-institucionais de bem-estar e
sobrevivência grupal (Mangabeira, 2002).
Schwartz (1994, 2006) propõe uma estrutura composta por dez tipos
motivacionais, nos quais todo e qualquer valor humano encontraria sua representação,
independente da cultura em que se encontre. A seguir, apresentam-se os tipos
motivacionais, com marcadores valorativos (valores específicos) entre parênteses:
1. Autodireção: busca da independência do pensamento e ação, envolvendo
escolhas, criatividade e exploração (por exemplo, criatividade; independente;
liberdade);
2. Estimulação: busca de excitação, novidades e mudanças na vida (ser atrevido;
uma vida excitante; uma vida variada);
3. Hedonismo: busca de prazer e gratificação sexual (desfrutar da vida; prazer);
47
4. Realização: demonstração de sucesso pessoal e competência de acordo com
os padrões sociais (ambicioso; capaz; obter êxito);
5. Poder: busca de status social e prestígio, controle ou domínio sobre as
pessoas e recursos (autoridade; poder social; riqueza);
6. Segurança: busca de segurança, harmonia e estabilidade da sociedade, dos
relacionamentos e de si mesmo (ordem social; segurança familiar; segurança
nacional);
7. Conformidade: restrições das ações, impulsos e inclinações que violam as
expectativas e normas sociais (autodisciplina; bons modos; obediência);
8. Tradição: busca do respeito, compromisso e aceitação dos costumes e idéias
impostos pela cultura ou religião (devoto; honra aos pais e mais velhos; humilde;
respeito pela tradição; vida espiritual);
9. Benevolência: busca e preservação do bem-estar das pessoas com quem se
matem relações de intimidade (ajudando; honesto; não-rancoroso; ter sentido na vida);
10. Universalismo: busca da compreensão, tolerância, aceitação e bem-estar de
todos, além da proteção e preservação dos recursos naturais (aberto; amizade;
verdadeira; igualdade; justiça social; protetor do meio ambiente; sabedoria; um
mundo em paz; um mundo de beleza).
48
De forma mais resumida e ilustrativa, os dez tipos motivacionais de Schwartz
(2006) podem ser vistos na Tabela 3, abaixo:
Tabela 3.
Tipos motivacionais de Schwartz (1994, 2006)
Tipo motivacional
Valores
fontes
Autodireção
Criatividade; Curiosidade; Liberdade
Organismo; Interação
Estimulação
Ousadia; Vida variada; Vida excitante
Organismo
Hedonismo
Prazer; Apreciar a vida
Organismo
Realização
Bem sucedido; Capaz; Ambicioso
Interação; Grupo
Poder
Poder social; Autoridade; Riqueza
Interação; Grupo
Segurança
Segurança nacional; Ordem social;
Limpo
Organismo; Interação;
Grupo
Conformidade
Bons modos; Obediente; Honra os pais
e os mais velhos
Interação
Tradição
Humilde; Devoto
Grupo
Benevolência
Prestativo; Honesto; Não rancoroso
Organismo; Interação;
Grupo
Universalismo
Tolerância; Justiça social; Igualdade;
Proteção do meio ambiente
Grupo; Organismo
Para esta teoria, há inter-relações estreitas entre os tipos motivacionais (hipótese
da estrutura). Adicionalmente, Schwartz (1992) afirma que, ao agir tomando um dos
valores como meta, as conseqüências práticas, psicológicas ou sociais podem ser
compatíveis ou até conflitantes com algum outro valor que se encalce. Este modelo de
organização e dinâmica entre os tipos motivacionais foi proposto por Schwartz no final
dos anos 1980 (Schwartz & Bilsky, 1987), podendo ser observado na Figura 1.
49
Figura 1. Estrutura Bidimensional dos tipos motivacionais (Adaptado de Schwartz,
2006)
Nesta figura, é sugerido o padrão de conflitos e compatibilidade, em que os tipos
conflitantes estão em direções opostas, tomando como referência o centro do círculo,
enquanto os compatíveis estão em posições adjacentes. Por exemplo, os seguintes pares
são considerados como tendo compatibilidade: poder / realização, realização /
hedonismo; hedonismo / estimulação; estimulação / autodireção; autodireção/
universalismo;
universalismo
/
benevolência;
benevolência
/
conformidade;
conformidade / tradição; tradição / segurança; segurança / poder e segurança /
conformidade.
50
Esta estrutura, adicionalmente, apresenta bipolaridade de dimensões. Assim,
uma dimensão, localizada no eixo horizontal, seria formada pela oposição entre
abertura à mudança (compatibilidade entre os tipos motivacionais autodireção e
estimulação), que enfatiza a independência e o favorecimento da mudança, e a
conservação (tradição, conformidade e segurança), em que é focado a estabilidade
pessoal, a submissão e a manutenção das tradições. A segunda dimensão, na vertical, é
composta pela oposição de autotranscedência (universalismo e benevolência), que
enfatiza a superação dos próprios interesses, em função do bem-estar dos outros, e a
auto-promoção (poder e realização), que focaliza a busca de poder e sucesso.
A teoria dos valores de Schwartz e seus colaboradores, ainda hoje, é a que
possui maior repercussão no mundo acadêmico. É usada na realização de muitas
pesquisas em Psicologia Social. Entretanto, recebe algumas críticas por parte de
diversos autores (Gouveia, 1998; Molpeceres, 1994; Waege, Billiet & Pleysier, 2000).
Tais críticas são baseadas, principalmente, na falta de uma base teórica subjacente à
origem dos valores propostos por ele, além da técnica estatística empregada por
Schwartz. Gouveia (2003) também acentua que a idéia de conflitos dos valores não é
compatível com a concepção do desejável, evidenciando ambigüidade de um modelo de
ser humano adotado por este autor.
Em função de restrições e inconsistências dos modelos apresentados até o
momento, Gouveia (1998, 2003; Gouveia & cols., 2008) propõe uma nova tipologia dos
valores humanos, levando em consideração a natureza e as funções dos mesmos.
Tipologia esta que será apresentada logo em seguida.
51
2.2.3 Teoria Funcionalista dos valores humanos de Gouveia
Em revisão acerca dos teóricos dos valores, Gouveia (1998) pôde verificar que,
em geral, os modelos de valores são deficitários na exposição da fonte e natureza dos
valores. Além disso, indicam que poucas teorias valorativas partem da concepção de
homem, sugerindo, assim, valores tanto positivos quanto negativos (contra-valores).
De acordo com Gouveia (1998), alguns modelos de valores, a exemplo do de
Schwartz (1992), apresentam valores sem conteúdo ou direção clara (por exemplo, valor
limpo), e deixa de inserir outros de grande importância como critério de orientação do
comportamento (por exemplo, sobrevivência).
Sem deixar de reconhecer as contribuições dos teóricos anteriormente
descritos, mas partindo das críticas que estes têm recebido, Gouveia (1998, 2003;
Gouveia & cols., 2008) propõe um modelo alternativo de valores, que parece mais
parcimonioso e que, apesar de pouco difundido no cenário internacional, vem
apresentando padrões de adequabilidade muito aceitáveis. Para Gouveia e cols. (2008),
os valores são definidos como critérios de orientação que guiam as ações humanas e
expressam suas necessidades básicas. Esta concepção de valores perpassa por três
suposições teóricas: (1) assume a natureza benevolente do ser humano; (2) os valores
são representações cognitivas das necessidades individuais, demandas da sociedade e
instituições, que insinuam a restrição de impulsos pessoais, como também asseguram
um ambiente estável e seguro; e 3) todos os valores são terminais, ou seja, expressam
um propósito em si mesmos, sendo definidos como substantivos.
Este modelo tem como foco principal as funções dos valores humanos. Gouveia
e cols. (2008) apontam para o fato de que poucos estudos fazem referência a este
52
aspecto, e, ao revisarem a literatura, identificaram duas funções consensuais acerca dos
valores, a saber: (a) eles guiam as ações do homem (tipo de orientação) e (b) expressam
suas necessidades (tipo motivador). Outra inovação deste modelo é a inclusão do
critério central de orientação. Em revisão de estudos empíricos, Gouveia (2003)
verificou que existem valores que figuram entre e são congruentes com os pessoais e
sociais, sendo denominados por ele de valores centrais, representando seu caráter
central ou adjacente em relação aos demais valores.
Segundo Gouveia, mesmo não havendo uma correspondência perfeita entre
necessidades e valores, é possível reconhecê-los como expressão das necessidades
humanas. Neste sentido, este autor afirma que os valores podem ser classificados em
termos materialistas (pragmáticos) ou humanitário (idealistas). Os valores que são
classificados como materialistas referem-se a idéias práticas, e quem se pauta nestes
valores têm uma orientação para metas específicas e regras normativas. Já os
classificados como humanitários representam uma orientação universal, baseada em
princípios abstratos e ideais, sem um foco imediato. Partindo dessas considerações,
Gouveia e cols. (2008) apresentaram seu modelo valorativo.
Em sua estrutura, o modelo em questão propõe dois eixos principais. Um
horizontal, que corresponde ao tipo de orientação, e o vertical, que define o tipo
motivador. O eixo horizontal se subdivide em três critérios de orientação, ou subfunções
valorativas (social, central e pessoal), enquanto que o eixo vertical se subdivide em dois
tipos de motivadores (materialista e humanitário). Estas dimensões são combinadas de
maneira que formam seis quadrantes: social-materialista, social-humanitário, centralmaterialista, central-humanitário, pessoal-materialista e pessoal humanitário. A
53
interação dos valores ao longo dos eixos permite identificar seis subfunções que são
distribuídas de maneira equitativa nos critérios de orientação social (interacional e
normativa), central (suprapessoal e existência) e pessoal (experimentação e realização).
Um esquema destas subfunções pode ser verificado na Figura 2.
Figura 2. Facetas, dimensões e subfunções dos valores básicos
A seguir, são descritos os valores, considerando o tipo de orientação e o tipo
motivador que representam, bem como a subfunção específica a que correspondem.
Valores sociais. Pessoas que se pautam nestes valores têm como preferência o
convívio social. São indivíduos que tentam ser aceitos e integrados ao grupo do qual
fazem parte, e tentam manter um grau mínimo de harmonia entre as pessoas de seu ciclo
social. Os valores sociais podem ser subdivididos em duas subfunções psicossociais:
normativa e interacional, descritas a seguir.
54
Subfunção normativa. Expressa orientação social, mas com princípio
materialista, sendo focada em regras sociais. Reflete a importância e a preservação da
cultura e das normas convencionais. Pessoas mais velhas são tipicamente guiadas por
valores desta subfunção. Pessoas que primam por estes valores estão menos propensas a
apresentarem comportamentos desviantes (Pimentel, 2004), sendo a ordem valorizada
acima de qualquer coisa. Os valores seguintes COMPÕEM tal subfunção:
Obediência. Evidencia a importância de obedecer e cumprir deveres e
obrigações diárias, respeito pelos pais e mais velhos. É um valor típico de pessoas com
mais idade e/ou educadas num sistema mais tradicional.
Religiosidade. Representa a necessidade de segurança, porém não depende de
qualquer preceito religioso; há o reconhecimento de uma entidade superior em que se
busca certeza e harmonia social para uma vida social pacífica.
Tradição. Representa a pré-condição de disciplina no grupo ou na sociedade
como um todo, para satisfazer as necessidades. Sugere respeito aos padrões morais
seculares e contribui para a harmonia social.
Subfunção Interacional. Representante de motivador humanitário, mas com uma
orientação eminentemente social. Corresponde às necessidades de pertença, amor e
afiliação, enfatizando estabelecer e manter as relações entre as pessoas. Os indivíduos
que adotam esta função como princípio-guia em suas vidas freqüentemente são jovens.
Fazem parte desta subfunção os seguintes valores:
Afetividade. É relacionado com aspectos da vida social, enfatizando
relacionamentos íntimos, relações familiares, cuidados, afetos, prazer e tristeza.
55
Apoio social. Enfatiza a necessidade de afiliação, destacando-se a segurança que
pode ser proporcionada. No caso, expressa a segurança no sentido de não se sentir
sozinho no mundo e, quando necessitar, obter ajuda.
Convivência. Não representa as relações interpessoais específicas, mas a relação
indivíduo-grupo. Requer um sentido de identidade social, indicando a idéia de pertença
a um grupo social e não viver sozinho.
Valores centrais. Estes representam a espinha dorsal da hierarquia de valores.
Indicam o caráter central ou adjacente destes valores, aqueles que estão acima do
indivíduo (pessoais) e da sociedade (sociais), sendo compatíveis com todos os demais
valores. Os valores centrais se subdividem em duas subfunções, Existência e
Suprapessoal:
Subfunção Existência. Compreende os valores mais importantes com um
motivador materialista. Representam a necessidade mais básica de sobrevivência do
homem (biológica e psicológica), reunindo valores compatíveis com as orientações
social e pessoal. Servem de referência para as subfunções realização e normativa. Os
seguintes valores constituem esta subfunção:
Estabilidade pessoal. Sua ênfase está na vida organizada e planejada. Pessoas
que se guiam por este valor procuram garantir sua própria sobrevivência.
Saúde. Pessoas que se guiam por este valor buscam obter um elevado grau de
saúde, evitando coisas que podem ser uma ameaça para sua vida.
56
Sobrevivência. É o mais relevante princípio-guia de pessoas socializadas em
contextos de escassez ou que não têm à disposição recursos econômicos básicos.
Representa necessidades mais básicas, como comer e beber.
Subfunção Suprapessoal. Esta apresenta orientação central e motivador
humanitário. Os valores desta subfunção representam as necessidade de estética e
cognição. São valores mais importantes com motivador humanitário, sendo compatíveis
com aqueles de orientação social e pessoal com mesmo motivador. Fazem parte desta
subfunção os seguintes valores:
Beleza. Representa necessidades estéticas que evidenciam uma orientação
global, desconectada de objetos ou pessoas específicos. Os que se guiam por este valor
buscam apreciar o que é belo.
Conhecimento. Representa as necessidades cognitivas, tendo um caráter extrasocial. Quem enfatiza este valor busca conhecimentos novos.
Maturidade. Representa a necessidade de auto-atualização. Descreve um senso
de auto-satisfação ou um sentimento de se perceber útil. Indivíduos que se pautam neste
valor como um princípio-guia tendem a apresentar uma orientação universal que
transcende pessoas ou grupos específicos.
Valores Pessoais. As pessoas que assumem estes valores buscam alcançar metas
pessoais por meio de relações contratuais. Pautar-se em tais valores é dar prioridade aos
próprios benefícios. Estes se subdividem em duas subfunções, realização e
experimentação.
57
Subfunção Realização. Os valores da sub-função Existência são a fonte dos
valores de realização, no sentido de representarem o motivador materialista; entretanto,
têm uma orientação pessoal. Pessoas orientadas por tais valores focam realizações
materiais. Os seguintes valores a representam:
Êxito. A ênfase é ser eficiente e alcançar as metas. As pessoas que adotam este
valor têm o ideal de sucesso e são orientadas nesta direção.
Poder. Representa a ênfase dada ao princípio da hierarquia. Este valor é menos
social que os outros dois desta subfunção.
Prestígio. Neste valor a ênfase é dada para a importância do contexto social.
Deve-se ter a imagem pessoal publicamente reconhecida.
Subfunção Experimentação. Os valores suprapessoais são a fonte de tais
valores, no sentido de se pautarem em um motivador humanitário, porém estes têm
orientação pessoal. Representam a necessidade psicológica de gratificação e a suposição
do princípio do prazer. Contribuem para a promoção de mudança e inovação na
estrutura das organizações sociais. Fazem parte desta subfunção os valores descritos a
seguir:
Emoção. Representa a necessidade fisiológica de excitabilidade e busca de
experiências perigosas, arriscadas.
Prazer. Corresponde à necessidade orgânica de satisfação em um sentido mais
amplo (por exemplo, beber ou comer por prazer, divertir-se).
58
Sexualidade. Representa a necessidade de sexo. Tem sido tratado como um item
ou um fator de moralidade religiosidade. Sexualidade como valor enfatiza a obtenção de
prazer e satisfação nas relações sexuais.
Por fim, apresenta-se a hipótese da congruência (Gouveia & cols., 2008) entre os
valores. Seus autores observaram que, entre os valores, as correlações eram geralmente
positivas, variando em força entre indivíduos. Segundo os estudiosos em questão,
congruência diz respeito à consistência interna do sistema funcional dos valores. Na
Figura 3, abaixo, apresenta-se, a congruência entre as subfunções valorativas do
modelo de Gouveia e cols. (2008):
Figura 3. Padrão de congruência das subfunções dos valores básicos (adaptado de
Gouveia & cols., 2008)
Como se pode observar, a hipótese da congruência entre as subfunções forma
graficamente um hexágono, no qual os autores sugerem que há três níveis de
congruência: baixa, moderada e alta. O primeiro nível, baixa congruência, caracteriza59
se por apresentarem as subfunções que têm orientações e motivações diversas; estes se
encontram em lados opostos no hexágono. A baixa congruência se deve à
independência, enquanto princípios-guia, destes grupos de valores; o segundo nível,
congruência moderada, caracteriza-se pelos valores apresentarem o mesmo motivador,
mas diferentes orientações; e finalmente, o terceiro nível, alta congruência, agrupa os
valores que possuem a mesma orientação, mas com motivadores diferentes.
O fato de duas subfunções valorativas não serem incluídas, especificamente,
existência e suprapessoal, é explicado por Gouveia e cols. (2008) por serem valores
centrais e apresentarem correlações positivas com todas as outras subfunções. Além
disso, outro fato também explica a não-inclusão de tais subfunções, a saber: o fato da
distinção principal teórica dos valores situar-se entre os valores sociais e pessoais; e não
entre os valores denominados como materialistas e humanitários.
Este modelo de valores tem sido utilizado em diversos estudos (Chaves, 2006;
Coelho Júnior, 2001; Fonseca, 2008; Formiga, 2002; Maia, 2000; Pimentel, 2004;
Santos, 2008; Vasconcelos, 2004). Em termos gerais, tem-se demonstrado que este
modelo é adequado psicometricamente. A propósito, a relação com construtos diversos
vem demonstrando ser apropriada. Como é possível verificar, diante do exposto
previamente, o modelo de Gouveia apresenta vantagens em relação aos outros modelos
valorativos aqui apresentados. Neste sentido, é usado como referencial teórico na
presente dissertação.
Em resumo, parece haver razão para se verificar a relação existente entre
atitudes frente à tatuagem e valores humanos. Buscou-se averiguar a adequação dos
valores humanos, especificamente, os da subfunções normativa e experimentação,
60
como base para a explicação destas atitudes e a intenção comportamental de tatuar-se.
Ainda, buscou-se identificar um modelo que integre as duas subfunções anteriormente
citadas na explicação e compreensão das atitudes frente à tatuagem e do comportamento
de tatuar-se, em contexto brasileiro. Os objetivos e hipóteses levantadas em acordo com
o aporte teórico adotado podem ser verificados a seguir.
61
3. Objetivos e Hipóteses
62
3.1 Objetivo geral
Pretendeu-se, nesta dissertação, conhecer os correlatos valorativos das atitudes
frente à tatuagem e intenção de tatuar-se.
3.2 Objetivos específicos e hipóteses
Em razão do objetivo geral antes apresentado, e considerando o aporte teórico
adotado nesta dissertação, elaboraram-se objetivos específicos e as hipóteses
apresentadas a seguir:
3.2.1 Objetivos específicos:
Construir e conhecer evidências de validade fatorial e consistência interna da
Escala de Atitudes Frente à Tatuagem (EAFT).
Conhecer as correlações entre os possíveis fatores da EAFT e as subfunções do
QVB (Questionário dos Valores Básicos; Gouveia & cols., 2008).
Conhecer se as atitudes frente a tatuagens predizem a intenção comportamental
de tatuar-se.
Testar um modelo teórico, em que os valores são preditores das atitudes frente à
tatuagem e estes, por sua vez, predizem a intenção comportamental de tatuar-se.
3.2.2 Hipóteses
Os valores da subfunção experimentação são tipicamente endossados por jovens
(Gouveia & cols., 2008), que geralmente não se conformam com regras sociais. Neste
63
sentido, alguns construtos e comportamentos “desviantes” têm sido relacionados com
tais valores, a exemplo do uso de álcool (Coelho Júnior, 2001), comportamentos antisociais e delitivos (Pimentel, 2004; Santos, 2008) e uso de drogas (Pimentel, 2004).
Especificamente, têm sido encontradas correlações positivas entre esta subfunção e
comportamentos considerados não-convencionais, enquanto que os valores da
subfunção normativa agem de maneira inversa, ou seja, mantém relação contraria aos
mesmos construtos. Nesta direção, são encontrados estudos nos quais são observadas
relações entre tatuagem e alguns comportamentos desviantes (Armstrong & McConnell,
1994; Armstrong & Murphy, 1997; Braithwaite & cols., 2001). Portanto, tendo em vista
o que discorre a literatura, formularam-se as duas primeiras hipóteses, apresentadas a
seguir:
Hipótese 1. As atitudes positivas frente à tatuagem se correlacionarão positivamente
com valores da subfunção experimentação.
Hipótese 2. As atitudes positivas frente à tatuagem se correlacionarão negativamente
com valores da subfunção normativa.
As atitudes são consideradas um construto central na psicologia social (Ajzen,
2001). A relação atitudes-comportamentos tem sido extensamente explorada,
evidenciando que as atitudes são boas preditoras do comportamento das pessoas (Ajzen,
1991; Ajzen & Fishbein, 1970; Ajzen & Sexton, 1999). Autores como Ajzen e Fishbein
(2005), por exemplo, asseveram que, quando bem mensurada, a intenção
comportamental é responsável por considerável proporção da variância do
comportamento em questão, neste caso, de tatuar-se. Ainda segundo estes autores, a
predição das atitudes em relação à intenção comportamental é averiguada com bastante
64
acurácia por diversos estudos, agregando valor à validade preditiva das atitudes em
relação ao comportamento. Portanto, evidenciada a relação de predição entre atitudes e
comportamento, elaborou-se a terceira hipótese da presente dissertação:
Hipótese 3. As atitudes frente à tatuagem irão predizer o comportamento de tatuar-se.
Os valores humanos servem de padrões gerais de orientação para
comportamentos dos indivíduos, não sendo esses tão específicos como as atitudes
(Gouveia & cols., 2008). No entanto, considerar indicadores valorativos é sugerido por
autores como Schwartz e Bilsky (1987) como mais confiáveis para estudo das relações
entre valores e atitudes, consideração endossada por Gouveia e cols. (2008). Mais
especificamente, a relação de valores (subfunções normativa e experimentação),
atitudes e comportamento já foi evidenciada (Pimentel, Gouveia, Medeiros, Santos &
Fonseca, 2008). No estudo destes autores, as subfunções em questão, conjuntamente
com a identificação com grupos alternativos, explicaram as condutas anti-sociais, tendo
como mediadoras as atitudes frente à maconha. Portanto, pautado nesta evidência
empírica, elaborou-se a quarta hipótese:
Hipótese 4. Os valores predirão as atitudes frente à tatuagem, que, por sua vez, predirão
a intenção de tatuar-se.
Diversos estudos comprovam que o número de mulheres que se tatuam é
crescente (Armstrong, 1991, 2005; Armstrong & McConnell, 1994; Atkinson, 2002;
Caliendo & cols., 2004; Hawkes & cols., 2004). Tais estudos buscam comparar homens
e mulheres no que concerne às atitudes frente à tatuagem, além do uso de tatuagem. Os
achados a respeito sugerem que, apesar do crescente número de mulheres que buscam
tatuarem-se, estas, no geral, ainda têm atitudes menos favoráveis frente à tatuagem em
65
comparação com os homens (Armstrong, 1991; Hawkes & cols., 2004; Schorzman &
cols., 2006; Stuppy & cols., 1998). Nesta direção, elaborou-se a quinta hipótese,
descrita a seguir:
Hipótese 5. As mulheres apresentarão menos atitudes positivas frente à tatuagem do que
os homens.
Em resumo, em razão dos objetivos previamente listados, formularam-se cinco
hipóteses alternativas (experimentais) a serem testadas. Com o propósito de lograr os
objetivos desta dissertação, testando as hipóteses que foram derivadas do marco teórico,
realizaram-se dois estudos empíricos, detalhados a seguir.
66
PARTE II – ESTUDOS EMPÍRICOS
67
4. Estudo 1. Escala de Atitudes Frente à Tatuagem (EAFT):
Construção e parâmetros psicométricos
68
4.1 Delineamento
Tratou-se de um estudo correlacional, ex post facto. Basicamente, a ênfase foi
psicometrista, procurando elaborar um instrumento de atitudes frente à tatuagem, além
de reunir evidências sobre a validade e precisão da mesma.
4.2 Amostra
Para este estudo, contou-se com uma amostra de conveniência (nãoprobabilística, intencional) de 273 estudantes de uma universidade particular da cidade
de João Pessoa-PB. Estes tinham idades variando de 17 a 50 anos (M = 24,8; DP =
6,73), sendo a maioria do sexo masculino (51,7%).
4.3 Instrumentos
Os participantes responderam a um questionário com duas partes, descritas
como seguem:
Escala de Atitudes Frente à Tatuagem (EAFT). Este instrumento foi composto
por 10 itens, dentre eles, três (Agradável / Desagradável, Desejável / Indesejável e
Positivo / Negativo) foram retirados de Crites, Fabrigar e Petty (1994), por serem itens
usados para medir atitudes gerais; os outros sete itens foram elaborados pelo autor da
presente dissertação de acordo com a literatura sobre tatuagens (Stuppy & cols., 1998).
A EAFT baseia-se em escalas de diferencial semântico (Osgood, Suci & Tannenbaum,
1957), consistindo em saber a avaliação global de estar usando uma tatuagem, sendo as
respostas expressas em escala de 5 pontos (+2 à -2, tendo o 0 “zero” como ponto médio
da escala). Os itens são formados por adjetivos bipolares, como seguem: Certo / Errado;
69
Agradável / Desagradável; Adequado / Inadequado; Responsável / Irresponsável;
Delicado / Agressivo; Pacífico / Rebelde; Desejável / Indesejável; Bonito / Feio;
Positivo / Negativo; e Convencional / Anticonvencional. O Instrumento ainda tem como
estímulo a seguinte frase: “Considero estar usando tatuagens...”, que antecede os itens
antes descritos (ver Anexo 1).
Dados sócio-demográficos. Todos os participantes responderam a um conjunto
de perguntas de natureza sócio-demográfica (por exemplo, sexo, idade, renda). O leitor
pode consultar esta lista de perguntas no Anexo 2.
Inicialmente, realizou-se a validação semântica da EAFT, que contou com a
participação de 20 estudantes do primeiro período do curso de administração (extrato
mais baixo da população alvo, isto é, estudantes universitários) de uma universidade
particular. Nesta oportunidade, procurou-se verificar se as instruções sobre como
responder, a escala de resposta apresentada e os itens em si eram compreensíveis.
Verificado que não ocorreram questionamentos, manteve-se a versão proposta.
4.4 Procedimento
Para a realização da coleta de dados, foi contatado o coordenador pedagógico
da universidade particular, escolhida por conveniência, com o fim de obter a permissão
para aplicação dos questionários. Após o consentimento da direção, a aplicação foi
efetuada por três bolsistas de Iniciação Científica (IC) do curso de Psicologia de uma
instituição pública. Previamente, realizou-se um treinamento com os bolsistas, que
foram instruídos a seguirem o procedimento padrão para coleta de dados através de
questionários auto-aplicáveis, ou seja, os mesmos foram orientados a se limitarem às
70
instruções da escala, esclarecendo os respondentes quanto à forma, mas não ao conteúdo
da medida.
Os instrumentos foram aplicados de forma coletiva em sala de aula, bastando
aos participantes seguirem as orientações dadas por escrito no próprio questionário.
Num primeiro momento, foram passados, oralmente, para os participantes os
esclarecimentos sobre o anonimato e sigilo da participação, bem como o respeito às
diretrizes éticas que regem a pesquisa com seres humanos. Nesta oportunidade,
procurou-se que sua participação fosse confirmada, devendo, assim, assinar o termo de
consentimento livre e esclarecido. No final da aplicação, foram deixados endereços (emails do mestrando e de seu orientador) com os quais os participantes poderiam obter
informações adicionais acerca do estudo. Os participantes levaram, em média, cerca de
25 minutos para responder ao questionário.
4.5 Análise dos Dados
O pacote estatístico SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), em sua
versão 15, foi utilizado para tabular e realizar as análises dos dados. Utilizaram-se
estatísticas descritivas (medidas de tendência central e dispersão, distribuição de
freqüência), principalmente para caracterizar os participantes do estudo. Foi empregado,
para verificar o poder discriminativo dos itens, testes t de Student. A Análise Fatorial
Exploratória, por meio do método dos eixos principais (Principal Axis factoring), foi
empregada a fim de compreender a estrutura fatorial da escala. Foi utilizado o Alfa de
Cronbach como índice de consistência interna (precisão), permitindo verificar a
coerência que cada item tem com os demais itens do instrumento (Pasquali, 1999).
71
4.6 Resultados
Os resultados são apresentados em subseções, organizadas segundo as análises
empregadas para tratamento dos dados. Neste sentido, primeiramente é apresentado o
subtópico que trata do poder discriminativo dos itens e, logo em seguida, é descrito o da
análise fatorial exploratória. Finalmente, oferece-se uma discussão parcial acerca do
Estudo 1.
4.5.1 Poder discriminativo dos itens
Aqui, partiu-se do critério de mediana. Portanto, foram criados grupos-critérios
internos, superior e inferior, considerando as pontuações totais (somatório da pontuação
de todos os itens da escala) abaixo e acima da mediana teórica (0 pontuação),
respectivamente. Definidos os grupos, efetuaram-se testes t de Student para amostras
independentes. Observaram-se os resultados apresentados na Tabela 4, a seguir:
Tabela 4.
Poder Discriminativo dos Itens da EAFT
Grupos-Critério
Item
Positivo / Negativo
Agradável / Desagradável
Desejável / Indesejável
Bonito / Feio
Delicado / Agressivo
Certo / Errado
Responsável / Irresponsável
Adequado / Inadequado
Pacífico / Rebelde
Convencional /
Anticonvencional
Inferior
Superior
Contraste
DP
t (271)
0,87
1,07
1,08
1,45
0,69
0,72
0,70
0,53
0,52
0,99
0,81
0,88
0,66
0,98
0,92
1,03
0,97
0,99
-14,58
-16,02
-14,92
-16,24
-14,16
-14,52
-12,22
-14,80
-11,87
0,001
0,001
0,001
0,001
0,001
0,001
0,001
0,001
0,001
0,44
1,10
-12,14
0,001
M
DP
M
0,91
0,67
0,74
0,41
0,93
0,95
0,78
1,13
0,91
1,00
0,98
1,12
1,22
0,89
0,95
0,95
0,87
0,97
1,05
0,92
p
72
Como é possível observar na tabela apresentada previamente, os resultados dos
testes t-Student comprovam que todos os itens apresentam poder discriminativo
satisfatório (p < 0,001). Portanto, lograram assim diferenciar os participantes dos dois
grupos critérios (inferior e superior) na direção esperada. Este aspecto assegura a
qualidade métrica dos itens deste instrumento, podendo, assim, diferenciar pessoas com
pontuações próximas. Cumprida esta etapa das análises preliminares, partiu-se para a
verificação da estrutura fatorial da referida escala.
4.5.2 Análise fatorial exploratória
Procurou-se, inicialmente, comprovar a fatorabilidade da matriz de correlações
entre os itens da escala, empregando-se o índice Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e o Teste
de Esfericidade de Bartlett. O primeiro trabalha com as correlações parciais das
variáveis, devendo ser aceitos valores do KMO iguais ou superiores a 0,60 (Tabachnick
& Fidell, 2006). O segundo, por outro lado, comprova a hipótese de que a matriz de
covariâncias é uma matriz identidade, isto é, apresenta 1 (uns) na diagonal e 0 (zeros)
no restante da matriz. Valores significativos indicam que esta hipótese é rejeitada,
favorecendo realização de uma análise fatorial.
Os resultados apoiaram a adequação de se utilizar uma análise fatorial
exploratória, tendo sido observados os seguintes valores: KMO = 0,95 e Teste de
Esfericidade de Bartlett, χ² (45) = 2.2356,56; p < 0,001. Neste sentido, decidiu-se
realizar uma análise fatorial exploratória com o método PAF (Principal Axis
Factoring), sem fixar tipo de rotação ou número de fatores a extrair. Isso permitiu
identificar um único fator com valor próprio (eigenvalue) superior a 1 (Critério de
73
Kaiser), explicando 69,5% da variância total. A representação gráfica dos valores
próprios (Critério de Cattell) é mostrada na Figura 4, a seguir:
Figura 4. Representação Gráfica dos Valores Próprios
Verifica-se, com base nesta figura, que somente um fator é destacadamente
discrepante dos restantes, como fica evidenciado pela forma de cotovelo que se
configura a partir do segundo fator. Portanto, ao traçar uma linha (pontilhada), pode-se
observar que os demais valores próprios quase não se diferenciam uns dos outros,
levando, assim, a confirmar uma estrutura unifatorial que era esperada.
74
Por meio da análise PAF, foi então identificado um único fator geral com valor
próprio de 7,24. Todos os itens saturaram de maneira satisfatória, isto é, com cargas
superiores a |0,40|, tendo como mínima 0,74 (Item 10. Convencional / Anticovencional)
e máxima 0,89 (item 06. Certo / Errado). Os itens refletem atitudes frente à tatuagem,
sendo o fator correspondente assim denominado. O índice de consistência interna
(precisão) também foi satisfatório (Alfa de Cronbach = 0,96). Estes resultados podem
ser verificados a seguir, na Tabela 5:
Tabela 5.
Estrutura Fatorial da Escala de Atitudes Frente à Tatuagem – EAFT
Conteúdo dos itens
Itens
06
Certo / Errado
02
Agradável / Desagradável
08
Adequado / Inadequado
07
Responsável / Irresponsável
05
Delicado / Agressivo
09
Pacífico / Rebelde
03
Desejável / Indesejável
04
Bonito / Feio
01
Positivo / Negativo
10
Convencional / Anticonvencional
Número de itens
Valor Próprio
% da variância
Alfa de Cronbach
Carga
0,89
0,88
0,88
0,84
0,84
0,83
0,82
0,81
0,78
0,74
10
7,24
69,5
0,96
4.7 Discussão Parcial
Nenhum instrumento de mensuração de atitudes frente à tatuagem, em que se
apresentassem seus itens, foi encontrado em periódicos nacionais e internacionais. É
sabido da existência da ATS (Armstrong Tattoo Scale; Armstrong, 1991; Stuppy & cols.,
1998), porém, como evidenciado previamente, os itens desta escala não estão
disponíveis na literatura, constando apenas seus parâmetros psicométricos. Dessa forma,
75
justificou-se e, portanto, realizou-se o presente estudo, cujo objetivo principal foi
elaborar uma medida para avaliar tais atitudes. Frente aos resultados ora reportados,
pensa-se que o mesmo tenha sido cumprido.
Este estudo, como todo empreendimento científico, não está isento de
potenciais limitações. Por exemplo, a medida aqui avaliada teve como base respostas de
estudantes universitários, ou seja, uma amostra muito específica e constituída de
maneira não-aleatória (conveniência). Portanto, devido à peculiaridade dessa amostra,
pondera-se que os resultados previamente descritos não podem ser extrapolados para
outros grupos, nem mesmo para o universo dessa população, ou seja, para todos os
estudantes da instituição a que estão vinculados. Contudo, é prudente lembrar que não
se pretendeu generalizar os resultados, mas sim conhecer se a escala aqui proposta
apresentava evidências de validade fatorial e precisão. Estes aspectos foram
previamente demonstrados.
A análise fatorial (PAF) permitiu averiguar que a EAFT é uma medida
claramente unidimensional, avaliando atitudes gerais em relação à tatuagem. No
presente estudo, a estrutura fatorial encontrada está dentro do que seria recomendado na
literatura (Pasquali, 1999, 2003). Esta escala explicou mais de 2/3 da variância total das
respostas aos itens, apresentando índice de consistência interna acima do ponto de corte
que tem sido preconizado na literatura (0,70; Nunnally, 1991; Pasquali, 2003). Neste
sentido, justifica-se seu emprego em pesquisas futuras.
Os parâmetros psicométricos da EAFT são semelhantes aos apresentados para a
ATS (Stuppy & cols., 1998), que está formada quase pelo dobro de itens (são
precisamente 17 itens), igualmente avaliados em escala de diferencial semântico. A
76
ATS, como a EAFT, é unidimensional, tendo apresentado índices de consistência interna
que, embora satisfatórios (Alfas de Cronbach variaram de 0,92 a 0,95 em cinco grupos
amostrais), situaram-se um pouco abaixo do valor observado para a EAFT.
A despeito de possibilidades futuras, é importante que esta pesquisa seja
replicada em outros contextos. Seria igualmente satisfatório que se considerassem
amostras maiores e mais heterogêneas, incluindo pessoas de diferentes níveis de
escolaridade e classes sociais. Poderia ser relevante, por exemplo, contar com a
participação de um número significativo de jovens que têm tatuagens. No caso, poderse-iam criar dois grupos: um de pessoas com tatuagens e outro dos que não usam
tatuagem. Com isso, se poderia tomar essa classificação como “padrão-ouro” e, em
razão das pontuações dos participantes na escala, avaliar sua sensibilidade e
especificidade. Sugere-se, igualmente, empregar procedimentos de modelagem por
equações estruturais, com o propósito de confirmar a estrutura unifatorial da EAFT.
Inclusive, seria útil checar a invariância fatorial desta medida em diferentes grupos (por
exemplo, homens e mulheres, usuários e não-usuários de drogas, religiosos e nãoreligiosos, tatuados e não- tatuados).
Finalmente, ainda em termos dos estudos futuros, seria importante reunir
evidências de validade preditiva da EAFT, corroborando o que preconiza a literatura
(Ajzen, 1991, 2001; Ajzen & Fishbein, 2005), ou seja, que as atitudes são bons
preditores da intenção ou do comportamento propriamente dito. Isso é particularmente
válido quando as atitudes são específicas e relevantes para o comportamento em
questão, a exemplo do que ocorre no caso das atitudes frente ao uso de drogas (Gouveia
& cols., 2007).
77
5. Estudo 2. Correlatos valorativos das atitudes frente à
tatuagem e intenção de se tatuar.
78
5.1 Delineamento
Assim como o Estudo 1, aqui tratou-se de um estudo correlacional, ex post facto.
Basicamente, a ênfase foi dada numa análise relacional dos construtos em questão,
procurando testar as hipóteses formuladas tendo em conta o marco teórico usado nesta
dissertação.
5.2 Amostra
No presente estudo, contou-se com uma amostra de 567 estudantes universitários
de duas universidades públicas, uma sediada em João Pessoa - PB (n = 291) e outra em
Aracaju - SE (n = 276). A título de informação ao leitor, não é o objetivo nesta ocasião
comparar os participantes destas duas cidades. Do total de participantes anteriormente
indicados, 12 foram excluídos da amostra por deixarem em branco (não responderem)
ao menos um dos itens do instrumento “foco” para este estudo, isto é, a Escala de
Atitudes frente à Tatuagem (EAFT) ou o Questionário de Valores Básicos (QVB).
Portanto, restaram 555 participantes, distribuídos entre as universidades das duas
cidades (Aracaju, n = 269; e João Pessoa, n = 286). Estes foram considerados de
diversos cursos superiores, predominando, no conjunto, aqueles de Psicologia (12,1%),
Física (14,1%), Serviço social (10,8%), Química (9%), Engenharia mecânica (7,5%),
Enfermagem (6%), Ciências da Computação (3,5%) e Engenharia de Alimentos (3,3%).
A maioria era composta por mulheres (55,5%), pessoas solteiras (86,5%) e de classe
média (59,8%), considerando-se religiosas (40,5%) ou medianamente religiosas
(32,7%).
79
5.3 Instrumentos
Escala de Atitudes frente à Tatuagem (EAFT). Este instrumento foi elaborado e
validado no Estudo 1, justificando-se que seja empregado no presente contexto. Esta
escala é composta por 10 itens ou pares de adjetivos, que devem ser respondidos em
uma escala de diferencial semântico de 5 pontos (+2 a -2, tendo o 0 “zero” como ponto
médio da escala). Os itens, que consistem em saber a avaliação global de estar usando
uma tatuagem, são os descritos a seguir: Certo / Errado; Agradável / Desagradável;
Adequado / Inadequado; Responsável / Irresponsável; Delicado / Agressivo; Pacífico /
Rebelde; Desejável / Indesejável; Bonito / Feio; Positivo / Negativo; e Convencional /
Anticonvencional. Antes de respondê-los, os participantes lêem a seguinte fraseestímulo: “Considero estar usando tatuagens...” (Ver Anexo 1), e, em seguida, passam a
pontuar cada item individualmente, segundo a escala de resposta antes apresentada.
Questionário dos Valores Básicos (QVB). Esta é uma medida elaborada por
Gouveia (1998, 2003). A versão atual conta com 18 itens ou valores específicos (por
exemplo, Afetividade. Ter uma relação de afeto profunda e duradoura; Tradição.
Seguir as normas sociais do seu país) (Gouveia & cols., 2008). Seus itens são
respondidos em uma escala de 7 pontos, com os seguintes extremos: 1 = Nenhuma
Importância e 7 = Extremamente Importante, indicando-se o grau de importância que
cada valor tem como um princípio-guia para a vida da pessoa. Seus autores reuniram
evidências da validade fatorial desta medida, que apresentou consistência interna
aceitável, em razão do número de itens e da natureza do construto medido (Gouveia &
cols., 2008). A versão aqui empregada poderá ser consultada no Anexo 3.
80
Escala de Identificação com Grupos Alternativos (EIGA). Apesar de não se
inserir esta medida nas hipóteses deste estudo, achou-se importante seu emprego. De
acordo com a literatura, é comum o uso de tatuagens por parte de integrantes de grupos
alternativos (por exemplo, surfistas, skatistas). Deste modo, estima-se que a
identificação com tais grupos alternativos poderia predizer atitudes frente a tatuagens.
Este instrumento foi elaborado e validado por Pimentel, Gouveia e Fonseca (2005),
servindo para medir a identificação grupal do respondente. Neste sentido, tal medida
pode ser entendida como uma avaliação da “importância subjetiva do grupo para o
indivíduo”. A EIGA (Ver Anexo 4) é formada por 7 itens / grupos, a saber: Hippies,
Punks, Skinheads, Headbangers, Skatistas, Surfistas e Funkeiros. O respondente precisa
considerar cada um deles e indicar o quanto se identifica, empregando para tanto uma
escala de resposta com 5 pontos, definida pelos extremos 0 = Nada Identificado e 4 =
Totalmente Identificado. Esta medida, de acordo com seus proponentes, é claramente
unifatorial; na oportunidade de sua validação, este fator geral apresentou valore próprio
de 4,02, explicando 56% da variância total, e ainda apresentou boa consistência interna
(Alfa de Cronbach = 0,87). Portanto, observa-se que esta é uma medida adequada para
uso com fins de pesquisas.
Dados sócio-demográficos. Todos os participantes responderam a um conjunto
de perguntas de natureza sócio-demográfica (por exemplo, sexo, idade, renda), e,
adicionalmente, os participantes responderam a uma pergunta que se referia à intenção
de tatuar-se. O leitor pode verificar esta lista de perguntas no Anexo 2.
5.4 Procedimento
81
A participação dos respondentes se deu individualmente, porém, em ambiente
coletivo de sala de aula. Uma vez obtida a permissão dos professores dos cursos
correspondentes, os três responsáveis pela aplicação dos instrumentos, devidamente
treinados, apresentavam-se em sala de aula, com o fim de solicitar a colaboração dos
estudantes. Estes foram informados sobre os propósitos gerais da pesquisa, identificada
como objetivando conhecer como as pessoas pensam e agem no seu dia-a-dia.
Procurou-se indicar que sua participação seria voluntária, devendo responder
individualmente aos questionários. Enfatizou-se que não existiam respostas certas ou
erradas, bem como foi assegurado o anonimato da participação. Todos precisaram ler e
assinar um termo de consentimento livre e esclarecido. Foram necessários, em média,
25 minutos para concluir a participação neste estudo.
5.5 Análise dos Dados
Tanto a tabulação dos dados como as subseqüentes análises estatísticas foram
realizadas por meio do SPSS (Statistical Package for the Social Science), em sua versão
15. Foram calculadas estatísticas descritivas (média, desvio padrão), além de
correlações de Pearson e Regressão Linear Simples. Por meio do AMOS 7, foi realizada
uma análise fatorial confirmatória, considerando-se a matriz de covariância e adotando
o estimador ML (Máxima Verossimilhança); uma path analysis (análise de caminhos)
foi empregada para testar o modelo teórico de predição da intenção de tatuar-se.
As análises por equações estruturais (análise fatorial confirmatória e análise de
caminhos) oferecem alguns indicadores de ajuste do modelo teórico aos dados
empíricos (ver Byrne, 1989, 2001; Joreskög & Sörbom, 1989; Tabachnick & Fidell,
2006), sendo os seguintes mais amplamente considerados e, por isso, aqui tidos em
82
conta: 1) o χ² (qui-quadrado), que testa a probabilidade de o modelo teórico se ajustar
aos dados; quanto maior este valor pior o ajustamento. Este, por ser sensível ao tamanho
da amostra (amostras grandes, isto é, n > 200), deve ser interpretado com alguma
reserva, valendo-se de sua razão em relação aos graus de liberdade (χ²/g.l.). Neste caso,
valores entre 2 e 3 indicam um ajustamento adequado, sendo considerado aceitável um
valor até 5; 2) o Goodness-of-Fit Index (GFI) e o Adjusted Goodness-of-Fit Index
(AGFI), que variam de 0 a 1, com valores na casa dos 0,90 ou superiores, indicando um
ajustamento satisfatório; 3) o Comparative Fit Index (CFI), que é um índice
comparativo, adicional, de ajuste ao modelo, com valores mais próximos de 1,
indicando melhor ajuste; aceitam-se valores de 0,90 ou superiores como expressando
um modelo ajustado; 4) a Root-Mean-Square Error of Approximation (RMSEA), com
seu intervalo de confiança de 90% (IC90%) e o Root Mean Residual (RMR), cujos
valores devem ser iguais ou inferiores a 0,05 e 0,08, respectivamente; aceitam-se
valores de até 0,10.
5.6 Resultados
Antes de levar a cabo as análises pertinentes para testar as hipóteses do presente
estudo, resolveu-se, em primeiro lugar, testar a comprovação da estrutura da EAFT,
comparando diferentes modelos alternativos, segundo o número de itens que
conformam este instrumento. Na tentativa de facilitar a compreensão dos leitores, os
resultados são apresentados em dois tópicos principais, procurando seguir uma ordem
de complexidade. Portanto, inicialmente, apresenta-se a comprovação dos padrões
psicométricos da Escala de Atitudes Frente à Tatuagem (EAFT) e, posteriormente,
comparam-se modelos alternativos para explicar sua estrutura fatorial. Finalmente,
83
apresentam-se os resultados que se referem ao teste de cada uma das seis hipóteses
formuladas e previamente apresentadas.
5.6.1 Comprovação da estrutura fatorial da EAFT e modelos alternativos
Como previamente explicitado, realizou-se a análise fatorial confirmatória.
Neste caso, considerou-se a matriz de covariância, adotando-se o estimador ML. De
acordo com os resultados da SEM (Structural Equation Modeling), observou-se que os
índices de bondade de ajuste foram marginalmente aceitáveis: ² (35) = 274,47, p <
0,001; ²/gl = 7,84, GFI = 0,89, AGFI = 0,83, CFI = 0,93, RMR = 0,04 e RMSEA = 0,11
(IC90% = 0,09 – 0,12). Não obstante, verificando os IMs (Índices de Modificação),
algumas modificações poderiam fazer o modelo mais adequado. Especificamente,
decidiu-se correlacionar os erros de medida entre os itens 1 (Certo / Errado) e 4
(Responsável / Irresponsável) e 7 (Desejável / Indesejável) e 8 (Bonito / Feio). Agindo
desta forma, percebe-se que a estrutura fatorial da EAFT obtém melhores índices de
ajuste aos dados: ² (33) = 147,67, p < 0,001; ²/gl = 4,47; GFI = 0,95; AGFI = 0,90;
CFI = 0,97; RMR = 0,03 e RMSEA = 0,07 (IC90% = 0,06 – 0,09). A estrutura fatorial
correspondente pode ser vista na Figura 5.
84
Figura 5. Estrutura Fatorial da Escala de Atitudes Frente ao uso de Tatuagens
Como é possível observar nesta figura, os pesos fatoriais (Lambdas – λ) são
todos positivos e estatisticamente diferentes de zero (0; t > 1,96, p < 0,05). Portanto, os
índices de bondade de ajuste admitem apoio para a estrutura unidimensional da medida
de atitude frente à tatuagem.
5.6.2 Testando modelos alternativos para a EAFT.
Com a finalidade de testar modelos alternativos, tendo em vista a análise fatorial
(PAF), realizada no Estudo 1, consideraram-se modelos com diferentes números de
itens. Neste caso, fixou-se como mínimo quatro itens para representar as atitudes frente
à tatuagem. Este é, de fato, um número razoavelmente pequeno, porém, acima do
recomendado pela literatura, para compor um fator, ou seja, três itens (Marsh & Hau,
85
1998). O critério usado para exclusão dos itens foi a menor carga fatorial apresentada na
análise fatorial exploratória. Então, testou-se a estrutura da EAFT com diversos números
de itens, conformando seis modelos alternativos, a saber: A: 9 itens; B: 8 itens; C: 7
itens; D: 6 itens; E: 5 itens; e, finalmente, F: 4 itens. Os resultados das análises
correspondentes podem ser verificados na Tabela 6, a seguir:
Tabela 6.
Índices de bondade de ajuste para os modelos alternativos
Modelos
Referência
A (9 itens)
B (8 itens)
C (7 itens)
D (6 itens)
E (5 itens)
F (4 itens)
²
(gl)
147,47
(33)
244,66
(27)
217,43
(20)
104,53
(14)
47,79
(9)
35,62
(5)
24,05
(2)
²/gl
GFI
AGFI
CFI
RMR
4,47
0,95
0,90
0,97
0,03
9,06
0,89
0,82
0,93
0,04
10,87
0,90
0,81
0,92
0,05
7,47
0,94
0,89
0,96
0,03
5,31
0,97
0,93
0,98
0,02
7,12
0,97
0,92
0,98
0,02
12,02
0,98
0,90
0,98
0,02
RMSEA
(IC 90%)
0,07
(0,06 – 0,09)
0,12
(0,11 – 0,13)
0,13
(0,11 – 0,15)
0,11
(0,09 – 0,13)
0,08
(0,06 – 0,10)
0,10
(0,07 – 0,14)
0,14
(0,09 – 0,19)
De acordo com os índices de bondade de ajuste, apresentados na Tabela 6,
tomando-se em conta o modelo de referência, isto é, aquele resultante da análise com a
restrição de correlação de dois pares de erros de medida, o modelo D é o que representa
a melhor alternativa. A propósito, tenham-se em conta, por exemplo, a razão ²/gl e o
RMSEA. Estes são valores que, embora inferiores àqueles relatados para o modelo de
referência, têm sido considerados, na literatura, como expressando um modelo ajustado
(Byrne, 2001; Joreskög & Sörbom, 1989; Tabachnick & Fidell, 2006). Portanto, poderá
86
ser adequadamente utilizado em estudos futuros. Entretanto, fica evidente que o modelo
inicial é mais promissor, o que motivou adotá-lo nas análises subseqüentes, e será
aquele tido em conta no sentido de compor a pontuação total de atitudes frente à
tatuagem, definida pelo somatório dos dez itens que definem esta medida. A partir desta
pontuação são testadas todas as hipóteses deste estudo, como a seguir ficará evidente.
5.6.3 Atitudes frente à tatuagem, valores humanos e identificação com grupos
alternativos: Relação entre as variáveis estudadas.
Este tópico será apresentado em subtópicos. Cada um diz respeito às análises
estatísticas que foram empregadas para testar cada uma das hipóteses previamente
formuladas na presente dissertação. Deste modo, apresentam-se, a seguir, os resultados
específicos para cada uma destas hipóteses.
Hipótese 1. As atitudes positivas frente à tatuagem se correlacionarão positivamente
com valores da subfunção experimentação.
Hipótese 2. As atitudes positivas frente à tatuagem se correlacionarão inversamente com
valores da subfunção normativa.
Para levar a cabo o teste destas duas hipóteses iniciais, calculou-se a correlação
de Pearson (r) das atitudes frente à tatuagem com as subfunções valorativas
(experimentação e normativa). Definiu-se o teste como sendo uni–caudal, uma vez que
as hipóteses previam um direcionamento do coeficiente de correlação. Os resultados a
respeito podem ser observados na Tabela 7, a seguir. É importante ressaltar que nesta
tabela constam também as correlações das demais funções valorativas (e seus valores
87
específicos) e da identificação com grupos alternativos (EIGA) com as atitudes frente à
tatuagem.
Tabela 7.
Correlação entre valores humanos, Atitudes Frente à Tatuagens e Identificação
com Grupos Alternativos
AFT
EXPERIMENTAÇÃO
Emoção
Sexualidade
Prazer
NORMATIVO
Religiosidade
Obediência
Tradição
REALIZAÇÃO
Êxito
Poder
Prestígio
EXISTÊNCIA
Estabilidade pessoal
Saúde
Sobrevivência
SUPRAPESSOAL
Maturidade
Beleza
Conhecimento
INTERACIONAL
Afetividade
Apoio social
Convivência
M
DP
AFT
IGA
-0,05
5,12
4,60
5,20
5,57
5,04
5,37
5,75
4,00
4,84
5,90
3,97
4,63
6,07
5,89
6,08
6,25
5,59
6,32
4,69
5,76
5,73
6,08
5,98
5,12
0,77
0,84
1,27
1,30
1,13
1,08
1,79
1,16
1,39
0,93
0,97
1,39
1,41
0,78
1,20
1,07
1,00
0,78
0,83
1,27
1,13
0,80
1,12
1,11
1,22
----0,09*
0,10*
-0,01
0,10*
-0,20**
-0,16**
-0,14**
-0,14**
-0,02
-0,11*
0,05
-0,01
-0,01
0,03
-0,06
0,02
0,10*
0,05
0,11*
0,04
0,01
-0,02
0,01
0,03
0,26**
0,11*
0,16**
0,05
-0,01
-0,15**
-0,17**
-0,09*
-0,07
-0,07
-0,09*
-0,03
-0,05
-0,18**
-0,15**
-0,17**
-0,05
-0,02
-0,04
0,03
-0,05
-0,05
-0,04
-0,02
-0,04
Notas: * p < 0.05, ** p < 0.01 (uni-caudal). M = Média; DP = Desvio Padrão; AFT = Atitudes frente à
tatuagem; e IGA = Identificação com grupos alternativos.
De acordo com o observado nesta tabela, corroboram-se as duas primeiras
hipóteses em questão, isto é, as atitudes frente à tatuagem se correlacionaram
88
positivamente com a importância atribuídas aos valores da subfunção experimentação (r
= 0,09; p < 0,05) e, principalmente, o fez em sentido negativo com aqueles que
compõem a subfunção normativa (r = -0,20; p < 0,01). Além destes resultados, cabe
ressaltar que os valores da subfunção suprapessoal também se correlacionaram
positivamente com as atitudes frente à tatuagem (r = 0,10; p < 0,05), destacando-se
beleza (r = 0,11; p < 0,05) entre tais valores.
Apesar de não terem sido formuladas hipóteses acerca da variável identificação
com grupos alternativos, decidiu-se considerá-la nas análises. Como anteriormente
indicado, este fato se justifica por ser freqüente o uso de tatuagens por parte de
integrantes de tais grupos. Assim, esperar-se-ia, embora não haja demasiado
embasamento teórico a respeito, que esta variável se correlacionasse positivamente com
os valores de experimentação, e o fizesse negativamente com aqueles normativos,
padrão semelhante àquele observado em relação à medida de atitudes frente à tatuagem.
Referendando esta presumível similaridade entre os padrões de correlação, observa-se,
na Tabela 7, que as atitudes frente à tatuagem e a identificação com grupos alternativos
se correlacionam diretamente entre si (r = 0,26; p < 0,01). Neste último caso, as
pontuações nesta medida, como esperado, correlacionaram-se com aquelas das
subfunções experimentação (r = 0,11; p < 0,05) e normativa (r = -0,15; p < 0,01).
Hipótese 3. As atitudes frente à tatuagem irão predizer o comportamento de tatuar-se.
Para averiguar esta hipótese, optou-se por testar a predição da atitude frente ao
uso de tatuagens em relação ao comportamento (ou concretamente, a intenção) de
tatuar-se. Esta foi aferida por meio de uma única pergunta, inserida nas perguntas de
cunho sócio-demográficas, a saber: “Na sua opinião, o quanto seria provável fazer uma
89
(ou mais) tatuagem?”. Sua resposta foi feita em escala de 5 pontos, variando de 1 =
Extremamente Improvável à 5 = Extremamente Provável. Realizou-se, nesta
oportunidade, uma regressão linear simples. O resultado desta análise específica
mostrou que 38% (R²) da variância na resposta à intenção de tatuar-se podem ser
explicados em razão das atitudes frente à tatuagem [F (1, 553) = 337,73, p < 0,001).
Portanto, quanto mais apresentam atitudes favoráveis frente à tatuagem, mais provável é
que os indivíduos tenham a intenção ou acreditem ser provável que façam uma
tatuagem (β = 0,62; t = 18,37, p < 0,001). Corrobora-se, assim, a hipótese 3.
As hipóteses anteriormente testadas permitiram, previamente, pensar em uma
seqüência (ou modelo causal) que reúne os valores e as atitudes frente à tatuagem na
explicação da intenção de tatuar-se. Isso correspondeu à hipótese descrita a seguir:
Hipótese 4. Os valores predirão as atitudes frente à tatuagem, que por sua vez, predirão
a intenção de tatuar-se.
Esta hipótese pôde ser confirmada. Os índices de bondade de ajuste do modelo
são, no geral, aceitáveis: ² (2) = 10,93, ²/gl = 5,47, GFI = 0,99, AGFI = 0,95, CFI =
0,97, RMR = 0,05 e RMSEA = 0,09 (0,04 – 0,14). Neste último caso, o teste PCLOSE (p
= 0,08) indicou que o valor do RMSEA não é estatisticamente superior ao valor tomado
como ponto de corte, isto é, 0,05. Faz-se necessário dizer que, excetuando a correlação
(covariância, Phi, ) entre as duas subfunções valorativas, que não foi estatisticamente
diferente de zero (-0,07; t < 1,96, p > 0,05), todas as saturações (os lambdas,
)
diferiram estatisticamente de zero (t > 1,96, p < 0,05). Um resumo deste modelo pode
ser contemplado, a seguir, na Figura 6:
90
VE
E2
E1
0,14
AFT
-0,07
0,61
Comp.
de tatuar-se
-0,20
VN
Figura 6. Modelo teórico para explicação das atitudes frente à tatuagem e intenção de
tatuar-se
Em razão da confirmação da hipótese 4 e dos resultados previamente
apresentados acerca da identificação com grupos alternativos, decidiu-se incluir no
modelo, avaliando-o de forma heurística, a contribuição desta variável. Os resultados a
respeito foram menos satisfatórios: ² (3) = 23,93, p = 0,004, ²/gl = 7,97, GFI = 0,98,
AGFI = 0,92, CFI = 0,94, RMR = 0,06 e RMSEA = 0,11 (0,07 – 0,15). O PCLOSE, neste
caso, evidenciou que o RMSEA é estatisticamente superior ao ponto de corte 0,05.
Decidiu-se, então, observar os IMs (Índices de Modificação), constatando que a variável
identificação com grupos alternativos tem implicação direta (influência) à intenção de
tatuar-se (IM = 14,35; mudança estimada do parâmetro para o peso de regressão = 0,17).
Procedendo a esta especificação, de fato, observaram-se índices de ajuste mais
favoráveis [ ² (2) = 8,38, p = 0,02, ²/gl = 4,19, GFI = 0,99, AGFI = 0,96, CFI = 0,98,
RMR = 0,03 e RMSEA = 0,08 (0,03 – 0,13); PCLOSE = 0,16], cumprindo
recomendações da literatura, conforme se descreveu na seção análise de dados.
Portanto, a inclusão da identificação com grupos alternativos arroja luz à
compreensão da relação entre valores, atitudes e comportamentos no âmbito do uso
91
presumível ou intenção de uso de tatuagem. No caso, a identificação com tais grupos
não apenas influencia as atitudes, mas também a intenção comportamental. A Figura 7
apresenta um resumo deste modelo.
E2
E1
IGA
0,14
0,22
0,10
VE
-0,15
-0,07
0,12
AFT
0,61
Comp.
de tatuar-se
-0,17
VN
.
Figura 7. Modelo teórico para explicação das atitudes frente à tatuagem e intenção de
tatuar-se a partir dos valores e identificação com grupos alternativos
A seguir, é apresentada a última hipótese deste estudo. Estima-se uma diferença
em atitudes frente ao uso de tatuagem em razão do sexo dos participantes. Neste caso,
utilizou-se um teste de comparação de grupos independentes, especificamente o teste tStudent. O sexo entrou como variável de agrupamento (VI) e a pontuação total de
atitudes frente à tatuagem como variável critério (VD).
Hipótese 5. As mulheres apresentarão menos atitudes positivas frente ao uso de
tatuagem que os homens.
Contrariando o que tem sido encontrado na literatura, não foi observada
qualquer diferença significativa nas pontuações das atitudes frente à tatuagem em
função do sexo dos participantes [t (434) = -1,82, p = 0,07]. Entretanto, cabe assinalar
que as pontuações destes foram na direção apontada na literatura (Armstrong, 1991;
92
Hawkes & cols., 2004; Schorzman & cols., 2006; Stuppy & cols., 1998), com as
mulheres apresentando atitudes mais positivas (M = 0; DP = 0,77) do que os homens (M
= -0,13; DP = 0,76).
Frente aos resultados, decidiu-se checar se esta não-diferença também
aconteceria em relação à outra variável “demográfica”: pessoas com e aquelas sem
tatuagens. Portanto, optou-se por realizar comparações das médias de atitudes frente à
tatuagem (teste t de Student) em razão da pertença a um desses dois grupos.
Inicialmente, destaca-se que, do total de participantes do estudo que responderam ao
item correspondente, 33 indicaram possuir ao menos uma tatuagem (5,82%) e 534
falaram que não tinham qualquer tatuagem (94,18%). Mesmo não tendo equivalência no
número de participantes dos grupos, optou-se por efetuar dita análise. O resultado
revelou existir diferença significativa nas médias de atitudes frente à tatuagem entre
tatuados (M = 0,76; DP = 0,80) e não-tatuados (M = -0, 12; DP = 0,76) [t (438) = 6,65], sendo os primeiros mais favoráveis.
Em resumo, testaram-se no presente estudo cinco hipóteses. Destas, unicamente
não foi corroborada a que se referiu à diferença de sexo quanto às atitudes frente à
tatuagem. Portanto, observou-se que as subfunções experimentação (+) e normativa (-)
se correlacionam com as atitudes frente à tatuagem, e que estas permitem explicar a
intenção de tatuar-se. Além disso, constatou-se também que a identificação com grupos
alternativos pode ser uma variável a ser incluída no modelo, permitindo explicar tanto
as atitudes como a intenção de fazer uma tatuagem. Usar tatuagens, como seria
esperado, produz coerentemente mais atitudes positivas frente a este tipo de marcação
corporal.
93
5.7 Discussão Parcial
Pode-se observar, por meio dos testes das duas primeiras hipóteses, que as
atitudes frente à tatuagem apresentaram correlação direta com os valores de
experimentação, a identificação com grupos alternativos e valores suprapessoais, além
de correlação inversa com os valores normativos. Isso parece bastante coerente com o
que tem sido estudado acerca de comportamentos socialmente desviantes, em que as
pessoas que aderem a estruturas convencionais da sociedade (por exemplo, valores
normativos) tendem a ser inibidas para adotá-los. Por outro lado, ser guiado por valores
de experimentação ou estar vinculado (no sentido de apego, identificação) com pares
desviantes (grupos alternativos), predisporia mais a apresentar tais comportamentos
(Pimentel, 2004; Santos, 2008)
O conjunto dos dados oferece subsídios empíricos para a composição de um
modelo teórico em que se explica, por meio dos valores humanos e da identificação
grupal, as atitudes frente ao uso de tatuagens e do comportamento (intenção) de tatuarse. Este modelo foi preliminarmente testado, na presente dissertação, por meio de SEM
(Modelagem por Equações Estruturais), mais especificamente, realizando análises de
caminhos (path analysis). Obviamente, demandam-se estudos futuros, testando este
modelo em amostras mais amplas e diversificadas.
Finalmente, além de corroborar a maioria das hipóteses formuladas, o presente
estudo aportou um dado importante em relação a estudos prévios realizados em temas
correlatos (ver, por exemplo, Pimentel & cols., 2008). Especificamente, comprovou-se
que as atitudes agem como uma variável mediadora da relação entre os valores e os
comportamentos (ao menos a intenção destes), corroborando o que tem sido observado
94
em relação a outras áreas temáticas (Homer & Kahle, 1988; Ros, 2006). Espera-se que,
este aspecto deve animar os pesquisadores dedicados ao tema valores, reconhecendo
também a necessidade de medir atitudes para a predição de comportamentos sociais ou
que possam ter implicações no contexto social. Diferente do que podem pensar alguns
autores (Braithwaite & cols., 2001; Fisher, 2002), o uso de tatuagem, por si, não é antisocial, porém muito mais uma decisão pessoal, embora não se descarte a pressão do
grupo de pares. Entretanto, possivelmente ninguém duvida que possuir tatuagens
implica um posicionamento na sociedade, uma marca, uma situação que pode fazer a
pessoa diferente das demais, embora tal fato venha se tornando menos evidente e, nem
de longe, poder-se-ia ser comparada ao que ocorria há décadas atrás (ver um pouco da
história da tatuagem; Capítulo 1).
95
6. Discussão Geral e Conclusões
96
A presente dissertação teve como objetivo principal verificar a relação dos
valores humanos com as atitudes de estudantes universitários frente à tatuagem e a
intenção de tatuar-se. Neste sentido, definiram-se alguns objetivos específicos: 1)
elaborar e conhecer evidências de validade e consistência interna de uma medida de
atitudes frente à tatuagem; 2) verificar em que medida as atitudes frente à tatuagem se
correlacionam com os valores humanos básicos; 3) conhecer se tais atitudes predizem a
intenção de tatuar-se; e, finalmente, 4) testar a adequação de um modelo explicativo em
que os valores explicam as atitudes frente à tatuagem, e estas, por sua vez, predizem a
intenção de tatuar-se. Consistente com tais objetivos, formularam-se cinco hipóteses
experimentais, que puderam ser comprovadas a partir da realização de dois estudos
empíricos, cujos resultados principais são discutidos a seguir. Antes, entretanto, cabe
ponderar limitações potenciais desta dissertação.
6.1 Limitações das pesquisas
Embora esta dissertação ofereça contribuições acerca de um novo instrumento
para medir atitudes frente à tatuagem, além de compreender a relação entre tal medida e
os valores humanos, não se descartam limitações. Em primeiro lugar, é importante frisar
que as amostras dos estudos aqui mencionados podem conter vieses, uma vez que não
foram probabilísticas. Portanto, certamente não são representativas das populações das
quais foram retiradas, restringindo quaisquer possibilidades de generalizações, nem
mesmo para o universo dos estudantes universitários, menos ainda para aqueles do
Brasil. O esforço em incluir participantes de uma cidade de outro estado, isto é, Aracaju
(SE), não resolve esta limitação. Portanto, demandam-se pesquisas futuras, podendo-se
97
utilizar os instrumentos ora empregados, de forma a aprofundar o conhecimento acerca
da relação entre os construtos em pauta.
Há que se frisar, igualmente, que os estudos descritos previamente se pautaram
em um delineamento correlacional, empregando-se instrumentos auto-aplicáveis, tipo
“lápis-e-papel”, ou seja, constituíram-se em medidas de auto-relato, carecendo de um
correspondente efetivamente comportamental. Neste sentido, sendo estrito, deve-se
admitir que é possível que inexistam , na realidade, as diferenças individuais nas
atitudes frente ao uso de tatuagem. No marco do delineamento (ex post facto), também
não foram estabelecidos cuidados para comprovação de variáveis intervenientes que
poderiam estar afetando as relações estabelecidas entre as variáveis tidas em conta nos
estudos. Finalmente, apesar de previamente ter sido empregada a expressão “modelo
causal”, claro está que, excetuando no delineamento fatorial, é impossível, de fato,
estabelecer relações de causa-e-efeito entre variáveis. Quando se afirma a existência de
um modelo causal, q única coisa que se pretende é dizer que, de acordo com o modelo
especificado, não é absurdo pensar em uma seqüência temporal de influência das
variáveis, mas sem esgotar todas as possibilidades ou mesmo definir que uma variável é
dependente de outra, denominada variável independente, que é, por natureza,
manipulável. Portanto, assinalaram-se, nesta oportunidade, modelos que são
explicativos, que podem refletir o padrão de correlações entre algumas variáveis de
interesse.
Feitas estas considerações, parece pertinente considerar o conjunto de resultados
previamente apresentados, passando a discuti-los mais detalhadamente, levando-se em
conta o marco teórico em que foram pautados os dois estudos empíricos. Portanto,
consideram-se, a seguir, os resultados quanto à (1) Construção e validação da Escala de
98
Atitudes Frente a Tatuagens (EAFT) e, posteriormente, aos (2) Correlatos valorativos
das atitudes frente à tatuagem e da intenção de tatuar-se.
6.2 Elaboração e parâmetros psicométricos da EAFT
Como foi visto na Introdução, não foram encontradas, no Brasil, escalas
atitudinais específicas que mesurassem o posicionamento de indivíduos frente à
tatuagem ou às pessoas com tatuagens. Entretanto, em consultas à literatura da área, foi
encontrada a Armstrong Tattoo Scale (ATS; Armstrong & cols., 2002; Stupy & cols.,
1998). Apesar de ser citada em diversas pesquisas (Armstrong & cols., 2002; Greif &
cols., 1999), tendo sido apresentados parâmetros psicométricos aceitáveis (Stupy &
cols., 1998), com alfas de Cronbach (índice de consistência interna) superiores a 0,90,
não foi encontrada qualquer publicação em que se apresentassem seus itens. Este fato
justificou a elaboração e validação da Escala de Atitudes Frente à Tatuagem (EAFT),
que foi o objetivo principal do Estudo 1.
Conforme sugerindo, no primeiro estudo, buscou-se desenvolver um instrumento
psicometricamente adequado, possibilitando conhecer as atitudes das pessoas frente à
tatuagem. O instrumento final foi composto por 10 itens, alguns dos quais presentes em
outras medidas atitudinais que se desenvolveram a partir de diferenciais semânticos
(Crites & cols., 1994; Gouveia & cols., 2007; Pimentel, 2004). Os resultados deste
estudo permitiram oferecer a EAFT como uma medida cujos parâmetros psicométricos
são bastante aceitáveis (Pasquali, 2003), justificando seu emprego em pesquisas futuras.
A propósito do que antes foi comentado, as análises fatoriais (exploratória e
confirmatória) realizadas em amostras independentes permitiram constatar uma
99
estrutura
unidimensional,
facilmente
interpretada
como
expressando
atitudes
(negativas) frente à tatuagem. A porcentagem de variância explicada por este fator geral
foi superior a 2/3 do valor máximo, com consistência interna superior ao ponto de corte
de 0,70 recomendado na literatura (Nunnally, 1991; Pasquali, 2003), inclusive maior do
que aquele encontrado para a ATS (Armstrong & cols., 2002; Stupy & cols., 1998). O
poder de discriminação dos seus itens, embora avaliado preliminarmente, reforça a
adequação da EAFT. Esta conta com um número de itens razoável para o propósito de
avaliar uma única dimensão, sendo coerente com o que tem sido recomendado na
literatura (Marsh & Hau, 1998). Os indicadores de bondade de ajuste preconizados
como refletindo a adequação de um modelo puderam ser observados para a versão ora
apresentada (Byrne, 1989, 2001), que foi, ainda, contrastada com modelos mais
parcimoniosos, isto é, com menor número de itens.
Em resumo, reuniram-se provas suficientes da adequação psicométrica da
Escala de Atitudes frente à Tatuagem. Compreende, portanto, um instrumento breve, de
fácil compreensão, com itens curtos ou simplesmente adjetivos bipolares, que pode ser
usado adequadamente em estudos em que o interesse é conhecer os antecedentes e
conseqüentes das atitudes frente à tatuagem. Isso permitiu seu emprego no segundo
estudo desta dissertação, que é discutido a seguir.
6.3 Correlatos valorativos das atitudes frente à tatuagem.
Com o propósito didático, os resultados discutidos neste momento são
apresentados tendo em conta cada uma das cinco hipóteses previamente formuladas. No
100
entanto, sempre que possível, estas são agrupadas de modo a facilitar a compreensão do
leitor.
Hipóteses 1 e 2
Os valores humanos têm sido um tema importante para explicação de diversos
construtos e/ou comportamentos sociais e individuais. Por exemplo, foram empregados
para explicar condutas anti-sociais (Santos, 2008; Pimentel, 2004), uso de álcool
(Coelho Júnior, 2001), religiosidade (Santos, 2008), uso de drogas (Pimentel, 2004),
prática de sexo pré-marital (Guerra, 2005) e sexualidade (Santos, 2007). Na presente
dissertação, também se recorreu a este construto, provavelmente fazendo eco à visão de
Rokeach (1973) de que os valores podem ser usados como explicadores de diversos
fenômenos que os cientistas sociais são capazes de estudar.
No presente caso, embora existam modelos mais difundidos no âmbito
internacional (por exemplo, Inglehart, 1991; Rokeach, 1973; Schwartz, 1994), decidiuse optar pelo modelo proposto por Gouveia (1998, 2003). Como foi descrito no
Capítulo 2, trata-se de um modelo parcimonioso e bem estruturado, permitindo pensar a
explicação de diversos construtos. Além disso, conta com uma medida curta dos
valores, formada por 18 itens, condição que favorece o estudo de outros construtos ou
possibilita seu emprego em contextos trans-culturais ou, também, quando a limitação de
tempo pode ser um complicador, como pode ocorrer em ambiente coletivo de sala de
aula.
Os comportamentos socialmente desviantes, como poderiam ser pensados
aqueles de uso de drogas, sexo pré-marital, dirigir embriagado, fazer tatuagens e
piercings, por exemplo, são freqüentemente relacionados com atitudes frente ao uso de
101
tatuagens e comportamento de tatuar-se (Armstrong & McConnell, 1994; Armstrong &
Murphy, 1997; Braithwaite & cols., 2001; Koch & cols., 2005). Certamente, tais
atitudes têm inerentes orientações axiológicas em que se fundamentam, certamente
espelhando uma opção entre seguir os padrões convencionais da sociedade ou romper
com normas sociais, evidenciando uma posição pessoal ou adesão a grupos desviantes.
Portanto, seguindo este raciocínio, os valores, mais especificamente aqueles das
subfunções normativa e experimentação, podem oferecer subsídios para o entendimento
de tais atitudes frente à tatuagem.
Na direção do que foi previamente mencionado, as duas primeiras hipóteses
desta dissertação versaram sobre a relação entre os valores e as atitudes frente à
tatuagem (AFT). Coerentemente com o que estabelece a teoria funcionalista dos valores
humanos, os resultados evidenciaram que os valores normativos se relacionaram
negativamente com as ATF, enquanto que os de experimentação o fizeram de forma
positiva. Deste modo, corroboraram-se as duas primeiras hipóteses, reforçando a
literatura que aponta que estas subfunções são fundamentais para explicar uma série de
comportamentos considerados desviantes (Coelho Júnior, 2001; Pimentel, 2004; Santos,
2008), podendo o uso de tatuagem ser, ainda, categorizado como um deles.
Por fim, um padrão de correlação para o qual não foi estabelecida qualquer
hipótese, mas que deveria ser esperado, correspondeu aos valores da subfunção
suprapessoal.
Os
jovens
que
pontuaram
mais
nesta
subfunção
apóiam,
presumivelmente, o uso de tatuagens, mostrando mais atitudes positivas. Como assinala
Gouveia (2003; Gouveia & cols., 2008), pessoas que se pautam pelos valores que a
representam, prezam por elementos menos pragmáticos, materialistas, acentuando
102
atributos mais abstratos e universais, como o ideal de estética e a abertura a mudanças.
Isso, seguramente, favorece a que não se oponham ao uso de tatuagem, sendo abertos a
aceitarem a diferença, evidenciando menos preconceito e discriminação em relação aos
demais (Martinez, Paterna & Gouveia, 2006).
Hipótese 3
As atitudes são concebidas como boas preditoras do comportamento em si
(Ajzen, 2001). Este autor afirma que a habilidade das atitudes para predizerem a
intenção comportamental ou o comportamento evidente continua sendo o principal foco
da teoria das atitudes e das pesquisas empíricas dela derivadas. Neste sentido, elaborouse a terceira hipótese do Estudo 2. Esta versou sobre a predição da intenção
comportamental, tendo como variável preditora as AFT. No caso, mais de 1/3 da
variância explicada da intenção de tatuar-se pôde ser atribuída às atitudes frente à
tatuagem. Este achado respalda o que foi dito no começo deste parágrafo: as atitudes
podem ser consideradas boas preditores da intenção de comportamento. A propósito, a
relação atitude-comportamento tem sido tratada por este autor a partir de duas de suas
teorias: Teoria da Ação Racional (Ajzen & Fishbein, 1980) e Teoria da Ação Planejada
(Ajzen, 1991). Não obstante, apesar de heurísticas e terem sido amplamente usadas
como referência em pesquisas empíricas, principalmente a Teoria da Ação Racional,
tais modelos apresentam algumas limitações quando se trata de predizer
comportamentos moralmente orientados (Coelho & cols., 2006). Certamente falta um
componente que é axiológico, permitindo explicar as próprias atitudes; neste caso, falase sobre o construto valores humanos (Ros, 2006).
103
Hipótese 4
Como visto anteriormente, parece evidente a relação entre atitudes e
comportamentos (Ajzen, 1991, 2001); isso tem sido apreciado em relação a diversos
comportamentos e atitudes específicos, como atitudes-comportamentos frente ao uso de
drogas e ao consumo de drogas (Gouveia & cols., 2007). Porém, como também foi
sugerido anteriormente, os valores podem jogar um papel crucial neste contexto,
passando a explicar as atitudes e estas atuarem como mediadoras do comportamento de
tatuar-se. Corroborando o que propunha esta hipótese, os valores, especificamente
aqueles das funções experimentação e normativa, mostraram-se como explicadores
adequados das atitudes frente a esta modificação corporal (tatuagem), as quais
predisseram satisfatoriamente a intenção comportamental de tatuar-se. Este modelo
triádico tem recebido respaldo na literatura (Homer & Kahle, 1988; Ros, 2006).
Apesar de corroborada a hipótese 4, decidiu-se ir mais além, tentando incorporar
uma medida “social” ao modelo, isto é, a identificação com grupos alternativos. Este
construto tinha sido previamente medido por Pimentel e cols. (2005). Considerando que
tais grupos têm incidência alta de uso de tatuagens e outras formas de modificações
corporais, pareceu importante ter em conta a medida correspondente em um modelo
explicativo. Porém, considerando a ausência de evidências empíricas sistematicamente
obtidas a respeito, preferiu-se não formular qualquer hipótese a respeito. Coerente com
o que poderia ser pensado, a maior identificação com grupos alternativos fez com que
os participantes endossassem atitudes mais favoráveis à tatuagem; um dado a mais foi
que tal identificação também pode ser uma preditora do comportamento de tatuar-se.
Este aspecto faz pensar sobre o papel dos grupos de pares em comportamentos que
104
podem refletir uma definição ou identidade grupal, como pode ser usar tatuagem ou
apreciar estilos específicos de música (Pimentel, 2004).
Hipótese 5
Os estudos que têm em conta dados demográficos, a exemplo do sexo dos
participantes da pesquisa, são comuns na literatura como explicadores das atitudes
frente a e do uso de tatuagens (Armstrong, 1991; Hawkes & cols., 2004; Schorzman &
cols., 2006; Stuppy & cols., 1998). Coerente com o que tem sido recentemente
observado, propôs-se a última hipótese desta dissertação. Os resultados não permitiram
corroborá-la, pois, embora as mulheres tenham mostrado atitudes mais favoráveis do
que os homens às tatuagens, a diferença não foi estatisticamente significativa. É
possível que se procure dizer que foi quase significativa ou tendente a significativa (p =
0,07), mas isso é jogar com valores a favor das pretensões da pesquisa. Diferentemente,
nesta dissertação, adota-se outra postura: é preferível replicar este estudo, avaliando se,
efetivamente, não há tal diferença.
Talvez, por serem estudantes universitários, o que no Brasil pode indicar a
pertença
a
grupos
sócio-econômicos
mais
homogêneos,
neutralize
qualquer
variabilidade de respostas, sendo homens e mulheres mais parecidos nos seus
comportamentos e nas suas atitudes frente a temas sociais ou comportamentos que
possam representar a ruptura do status quo tão questionado nos contextos universitários.
Mas esta é apenas uma explicação; não resta dúvida que pesquisas futuras são
demandadas para dirimir dúvidas.
Finalmente, corroborando o que tem sido observado na literatura, as pessoas não
tatuadas apresentam mais atitudes negativas frente a esta forma de adorno corporal do
105
que aquelas que usam tatuagem (Hawkes & cols., 2004), talvez mesmo reforçando o
fato de terem ou não aderido a esta prática, que, embora em crescimento, segundo
pesquisas realizadas em outros países (Armstrong, 1991; Armstrong & cols., 2007;
Atkinson, 2002), ainda abarca um quantitativo pequeno de brasileiros, ao menos
daqueles que fizeram parte deste estudo. Mas, por suposto, o quantitativo aqui indicado
não pode ser generalizado para outros contextos culturais dentro do país, nem mesmo
outros grupos sociais (por exemplo, estudantes do ensino médio de escolas públicas,
artistas, desportistas). Caberiam novos estudos a respeito e, especificamente sobre estas
possibilidades, decidiu-se apresentar o tópico a seguir.
6.4 Conclusões e direções futuras
Há uma quantidade considerável de estudos realizados a respeito do tema
tatuagem e atitudes frente à tatuagem. No entanto, isso não garante um aporte teórico
consistente (Atikson, 2002). Algumas publicações apontam para uma possível relação
entre valores humanos, atitudes frente à tatuagem e uso desta prática de adorno corporal
(Huxley & Gogan, 2005; Koch & cols., 2004a, 2004b; Stupy & cols., 1998). Porém,
estas referências são muito mais teóricas ou especulativas; não foi encontrado qualquer
estudo em que tenha sido deliberadamente comprovada, partindo de um modelo
concreto dos valores humanos, como o que foi adotado nesta dissertação (Gouveia,
1998, 2003; Gouveia & cols., 2008). Neste sentido, o presente empreendimento
científico parece representar uma contribuição à área, favorecendo uma aproximação
mais adequada entre o construto valores humanos e o tema tatuagem.
106
Como foi possível observar em outros estudos em que foram considerados para
explicar comportamentos socialmente desviantes (Pimentel, 2004; Santos, 2008), isto é,
que não é predominante na sociedade (por exemplo, uso de drogas, sexo sem camisinha,
comportamentos de risco), os valores humanos têm se revelado um construto adequado.
No presente caso, sua importância ficou evidente na compreensão das atitudes em
relação à tatuagem e ao seu uso. Uma análise mais minuciosa acerca deste tipo de
comportamento, cada dia mais comum e banalizado (Armstrong, 1991; Armstrong &
cols., 2002; Caliendo & cols., 2004), faz-se necessária para suprir uma lacuna existente
acerca do estudo desta temática na Psicologia Social. Desse modo, reitera-se que a
dissertação aqui apresentada buscou oferecer uma contribuição para o entendimento de
aspectos psicossociais envolvidos no contexto do uso de tatuagens, aumentando, assim,
o corpo de conhecimentos a respeito e favorecendo a solidificação de uma área que
parece promissora neste país: o estudo de objetos sociais de identificação de jovens, a
exemplo de música, tatuagens e piercings.
Seguramente, pesquisas futuras poderão ser realizadas para o aumento do
conhecimento acerca dos correlatos das atitudes frente a tatuagens e do comportamento
de tatuar-se. Construtos, como o traço de personalidade de abertura à mudança, busca de
sensações e religiosidade, assim como diversos comportamentos, a exemplo daqueles
anti-sociais e delitivos, do uso de drogas em geral e das práticas sexuais, poderiam ser
contemplados. Estes construtos são comuns na literatura internacional, em especial de
língua inglesa, porém ainda são escassamente tratados em contexto brasileiro, havendo
uma deficiência acerca de estudos que os relacionem com a temática das tatuagens.
Seria muito interessante contar com estudos periódicos avaliando o quão comum a
prática de tatuagens e outros símbolos identificadores estão se tornando na cultura
107
brasileira, e como seria possível explicá-los, considerando tanto variáveis psicológicas
como sócio-estruturais, a exemplo de nível escolar, taxa de emprego, religião etc. Um
aspecto que também poderia ser relevante diz respeito em pensar o tema da tatuagem
desde uma perspectiva desenvolvimentista; poder-se-ia avaliar em que medida mudam
as atitudes das pessoas frente à tatuagem em razão da sua idade, e se seguem sendo os
mesmos valores a explicar o grau de (des)favorabilidade mostrado pelas pessoas.
No plano mais prático, aplicado, embora este não tenha sido o propósito desta
dissertação, cabe algum esforço nesta direção. A propósito, se for corroborado (a
replicação deste estudo deve arrojar luz a respeito) que os valores atuam efetivamente
como um recurso para o mapeamento de possíveis futuros tatuados, considerando as
implicações desta prática, tanto legais, sociais como de saúde (Armstrong & cols.,2008;
Grief & cols., 1999; Huxley & Grogan, 2005), caberia serem pensadas campanhas para
promoção de determinados valores que, somadas a estratégias de esclarecimento dos
jovens acerca dos riscos associados com o uso de tatuagens, tornariam esta decisão mais
conseqüente e orientada ao futuro, no sentido de que o arrependimento e a procura por
procedimentos de reparação (cover) não fossem recorrentes e expusessem os jovens a
situações de constrangimento e inibição social.
Finalmente, tendo sido os objetivos propostos alcançados, indicando possíveis
limitações e a importância da temática do estudo das atitudes frente à tatuagem e
intenção de tatuar-se, identificando nos valores e na identificação grupal dois construtos
explicadores, confia-se, com a presente dissertação, ter colaborado para um campo
específico da Psicologia Social que, embora dando os primeiros passos no contexto
nacional, já dá provas de que é oportuno, cobrindo uma lacuna importante: o
108
comportamento socialmente desviante dos jovens. Seguramente, este empreendimento
não se constitui em um ponto final, mas na abertura para novos estudos ou nos
primeiros passos que sinalizam a importância de se terem em conta práticas que, embora
não tão freqüentes (AINDA), explicam os comportamentos de muitos jovens, quer por
endossarem, simpatizarem ou se oporem. Neste âmbito, um desafio é lançado também
em relação à compreensão de outras formas de se diferenciar ou, paradoxalmente, ser
igual, ao menos ao grupo de pertença; este pode ser o caso específico do uso de
piercing, que tem marcado sobretudo a geração dos anos 1990 em diante.
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125
Anexos
126
ANEXO 1 – Escala de Atitudes Frente à Tatuagem (EAFT)
INSTRUÇÕES. Agora gostaríamos de conhecer algo acerca de atitudes e
comportamentos em relação a tatuagens e piercings. Frisamos uma vez mais que não
existem respostas certas ou erradas; o que conta de fato é sua opinião sincera. Em
primeiro lugar gostaríamos que indicasse sua opinião acerca de “estar usando uma ou
mais tatuagens” e “estar usando um ou mais piercings”. Você não precisa ter tido
experiência de usar uma tatuagem ou usar piercings para responder essas questões. Por
favor, indique sua avaliação global marcando um X no quadro que melhor representar
sua resposta.
Considero “estar usando TATUAGENS”...
2
1
0
-1
-2
1. Positivo





Negativo
2. Agradável





Desagradável
3. Desejável





Indesejável
4. Bonito





Feio
5. Delicado





Agressivo
6. Certo





Errado
7. Responsável





Irresponsável
8. Adequado





Inadequado
9. Pacífico





Rebelde
10. Convencional





Anti-convencional
127
ANEXO 2 – Perguntas sócio-demográficas
Finalmente, para obter um perfil dos participantes deste estudo, pedimo-lhes que
responda às seguintes perguntas:
2. Sexo:  Masculino
1. Idade: _____ anos
 Feminino
3. Estado Civil:  Solteiro  Casado  Separado  Outro
4. Curso:___________________________
5.Universidade: Pública ( )
Privada ( )
6. Qual seu grau de religiosidade? Circule a resposta.
Nada religioso (a)
1
2
3
4
5
Totalmente religioso (a)
7. Em comparação com as pessoas da sua cidade, você diria que sua família é da
classe sócio-econômica:
 Baixa
 Média-Baixa
 Média
 Média-Alta
 Alta
8. Você é usuário de bebidas alcoólicas?
 Sim
 Não
9. Você é usuário de maconha?
 Sim
 Não
10. Você é usuário de drogas (como cocaína, crack ou ecstasy)?
 Sim
 Não
11.Na sua opinião, o quanto seria provável fazer uma (ou mais) tatuagem? (circule
um número)
Extremamente
improvável
Improvável
1
2
Extremamente
Mais ou menos
provável
Provável
3
4
provável
5
128
ANEXO 3 – Questionário de Valores Básicos (QVB)
ATENÇÃO: Observe que agora você deverá utilizar outros códigos para
responder às questões!
Por favor, leia atentamente a lista de valores descritos a seguir, considerando seu
conteúdo. Utilizando a escala de resposta abaixo, indique com um número no espaço ao
lado de cada valor o grau de importância que este tem como um princípio que guia sua
vida.
1
2
3
4
5
6
7
Totalmente
Não
Pouco
Mais ou
Importante
Muito
Totalmente
não
importante importante
menos
importante importante
importante
importante
01.____SEXUALIDADE. Ter relações sexuais; obter prazer sexual.
02.____ÊXITO. Obter o que se propõe; ser eficiente em tudo que faz.
03.____APOIO SOCIAL. Obter ajuda quando a necessite; sentir que não está só no
mundo.
04.____CONHECIMENTO. Procurar notícias atualizadas sobre assuntos pouco
conhecidos; tentar descobrir coisas novas sobre o mundo.
05.____EMOÇÃO. Desfrutar desafiando o perigo; buscar aventuras.
06.____PODER. Ter poder para influenciar os outros e controlar decisões; ser o chefe
de uma equipe.
07.____AFETIVIDADE. Ter uma relação de afeto profunda e duradoura; ter alguém
para compartilhar seus êxitos e fracassos.
08.____RELIGIOSIDADE. Crer em Deus como o salvador da humanidade; cumprir a
vontade de Deus.
09.____SAÚDE. Preocupar-se com sua saúde antes de ficar doente; não estar enfermo.
10.____PRAZER. Desfrutar da vida; satisfazer todos os seus desejos.
11.____PRESTÍGIO. Saber que muita gente lhe conhece e admira; quando velho
receber uma homenagem por suas contribuições.
12.____OBEDIÊNCIA. Cumprir seus deveres e obrigações do dia a dia; respeitar aos
seus pais e aos mais velhos.
13.____ESTABILIDADE PESSOAL. Ter certeza de que amanhã terá tudo o que tem
hoje; ter uma vida organizada e planificada.
14.____CONVIVÊNCIA. Conviver diariamente com os vizinhos; fazer parte de algum
grupo, como: social, esportivo, entre outros.
15.____BELEZA. Ser capaz de apreciar o melhor da arte, música e literatura; ir a
museus ou exposições onde possa ver coisas belas.
16.____TRADIÇÃO. Seguir as normas sociais do seu país; respeitar as tradições da
sua sociedade.
17.____SOBREVIVÊNCIA. Ter água, comida e poder dormir bem todos os dias; viver
em um lugar com abundância de alimentos.
18.____MATURIDADE. Sentir que conseguiu alcançar seus objetivos na vida;
desenvolver todas as suas capacidades.
129
ANEXO 4 – Escala de identificação com grupos alternativos (EIGA)
INSTRUÇÕES. Gostaríamos que indicasse o quanto você se identifica com os grupos
sociais listados abaixo. Faça isso marcando um X no quadrado ao lado de cada grupo,
de acordo com a seguinte escala de resposta:
O QUANTO VOCÊ SE IDENTIFICA
COM...
(use a escala ao lado)
Nada
Totalmente
0
1
2
3
4
Hippies





Punks





Skinheads





Headbangers





Skatistas





Surfistas





Funkeiros





130