Comboio da Memória
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Comboio da Memória
Comboio da Memória Sérgio Eliseu ID+, Faculdade de Belas Artes, Portugal Paulo Bernardino Bastos iD+, Universidade de Aveiro, Portugal Abstract This article explores the potential of the Augmented Reality technology when used as a medium for artistic practices, mainly in its Urban Guerrilla Art aspects. The art transforms itself in a place of encounter by enhancing a public space outside of the institutional circle of the artistic system, creating a social engagement with the daily lives of its inhabitants. “Memory Train”, a mobile AR project, is provided as a case study. Built on the Layar platform, this work was developed as a protest against the shutdown and destruction of a centenary Portuguese railway line, involving an unauthorized (but legal) invasion of the former train route with pictures, sounds and messages captured and recorded by many users in several locations. In “Memory Train” the public can choose to be a spectator, a participant or even to act as creator, from which arise multiple nonlinear narratives through several cultural walking actions. Besides exploring the concept of space beyond the physical location and relative place-memory artistic issues, this work also intends to include other related data to each setting, providing it with a new sociopolitical narrative. Acting as a resource over which further actions can be built, “Memory Train” expects to stand as a platform for rethinking the fundamental issues of belonging and participation, having as a starting point a local matter. Keywords: Augmented reality, guerrilla art, memory, local, memory Introdução As pessoas sentiram sempre uma necessidade de partilha e de se expressar publicamente. Algumas vezes, contando histórias ou fazendo perguntas, muitas vezes, objetivando defender uma ideologia política (Smith 2007:11). Entre outros factores e, provavelmente, muito também devido a essa condição, diversos artistas têm vindo a utilizar determinados espaços públicos para instalar/executar o seu trabalho. Como consequência, não apenas se foram diluindo as fonteiras entre o que se considera, a cada momento, público e/ou privado, como também se foram inscrevendo novas formas de participação democrática. Quando neste tipo de práticas se utiliza a expressão politica como medium, ainda que inseridas num vasto espectro de formas e artistas, encontramos comumente associada a designação de "Arte de Guerrilha". Contudo, uma grande maioria dos seus criadores trabalha sob pseudónimo, encontrando-se assim aberta a qualquer pessoa interessada a recriação de um espaço que, com determinadas estratégias (em múltiplos casos consideradas ilegais) lhe pode trazer uma nova vida [1]. A emergência da tecnologia da Realidade Aumentada (RA) [2] não só redefiniu a experiência do design e do entretenimento, como também permitiu aos artistas reformularem a suas práticas em média arte e as suas intervenções urbanas ao utilizar dispositivos portáteis com capacidade de geolocalização que agora transformam o espaço físico numa tela (Paterson et al. de 2013: 125). Ou seja, é possível introduzir técnicas de RA na execução de projectos de "Arte de Guerrilha", processo ao qual poderá estar inerente a vantagem de se interferir livremente com o ambiente real sem o alterar fisicamente. Portanto, alguns dos “artistas de guerrilha” deixaram de ter razões legais para temer a polícia com suas novas invasões. Tal como se demonstrou no emblemático caso da intervenção "ArOCCUPY May Day”, iniciada no distrito financeiro de Nova Iorque [3]. Assim, tendo como pano de fundo uma investigação em torno do discurso artístico que emerge pela utilização de técnicas RA e uma questão local que afeta milhares de portugueses, foi desenvolvido o projeto “Comboio da Memória”, que objetiva, não apenas, promover uma reflexão em torno da forma como o público se relaciona com determinados espaços, bem como, através de uma atitude de guerrilha em RA, invadir um espaço específico, o centenário Ramal da Lousã. Os conteúdos utilizados, partilhados pelas populações locais, refletem reivindicações atuais e um quotidiano passado (através de fotos, vídeos, sons, mensagens, etc), tendo sido reconfigurados em material artístico expressivo, sensível às questões de lugar, tempo, comunicação e identidade. Porém, não se trata de um projeto fechado, pois estes conteúdos vão-se redefinindo e reposicionando através do resultado de um conjunto de passeios culturais, onde para além de explanações técnicas, se planificam os conteúdos das invasões seguintes. As atuais manifestações artísticas em RA introduzem novas valências a um desejo de imersão do público na obra de arte que, tal como observou Oliver Grau (2003) não é novo e se desenvolveu ao longo do séc. XX acompanhado por uma forte carga genética conceptual. Por esse motivo, ainda que a “quarta parede” da experiência passiva seja ultrapassada pela interatividade, certo é que muitos dos casos ainda utilizam o espaço expositivo tradicional, seja por associação ou subversão, como forma de validação (Garbe, 2013:30). Esta situação, na sua vertente de subversão, encontra-se bem exemplificada pelo que ocorreu em outubro de 2010, com “Uninvited Diy exhibition” no MoMa [4], numa exposição incluída no programa do “ConfluxFestival”, organizada pelos artistas Sander Veenhof e Mark Skwarek, onde se procedeu à apropriação do espaço do famoso Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMa) com instalações artísticas virtuais não autorizadas pelos responsáveis do museu. Tratou-se de uma iniciativa de guerrilha, apenas possível porque a exposição só era visível através da plataforma Layar, acessível através de smartphones e/ou tablets, escapando por essa via ao controlo da organização do MoMa. Um projeto paradigmático que, segundo os autores, permitiu uma reflexão sobre a questão da rápida expansão da utilização da tecnologia de RA, bem como sobre o seu impacto no espaço público e privado. categorizadas e escapando mesmo ao que Rosalind Krauss (1979) classificou como “campo expandido” [5], a RA apresenta-se associada a qualquer realidade/manifestação artística já reconhecida ou de forma independente, parecendo predominar uma espécie de folksnomia [6] que, tal como na web 2.0, devido à quantidade de informação, apenas vai permitindo uma categorização efetuada pelos próprios produtores e utilizadores de conteúdos. É possível, contudo, obervar internomias [7] nos múltiplos projetos artísticos RA, com as quais se estabelecem potenciais abordagens aos 5 sentidos e consequente maior ou menor capacidade de imersão, sendo estas inteiramente mediadas pela presença de um dispositivo tecnológico que pode funcionar como uma espécie de prótese digital ao permitir aceder à obra. As internomias visuais são, de momento, as mais comuns. Efetivamente, a maior parte dos projetos em RA, seja com sistemas móveis ou fixos, onde se enquadram todos os trabalhos aqui referidos, são dirigidos ao nosso olhar e suportam-se pela ilusão desse mesmo sentido. Contudo, ainda que em menor número, também encontramos trabalhos interessantes que acrescentam, por exemplo, internomias auditivas, como é o caso dos projetos “SoundARt” [8] e “Aporee miniatures for mobiles” [9]. Ou seja, a informação acrescentada ao mundo real é sonora, dependendo, (por visão computacional), ou não (através, por exemplo, de sensores de presença ou GPS) da informação visual existente no mundo real. Figura 1 – “Uninvited Diy exhibition at MoMa NYC”, Instalação, (Sander Veenhof e Mark Skwarek) 2010. Figura 2 – “SoundArt”, Instalação, ZKM, (Julia Gerlach, Bernd Lintermann, Peter Weibel) 2012. Apesar da presença de projetos artísticos RA em palcos prestigiados, é difícil ignorar a sua exponencial multiplicidade em manifestações quase anónimas. De facto, quase todos os dias surgem inúmeros projetos e estes não se apresentam numa lógica arborescente, mas antes em devires rizomáticos, o que dificulta uma análise taxonómica assente em modelos tradicionais. Ou seja, ao contrário das técnicas artísticas já No caso do projeto “SoundARt”, abordaram-se sete áreas temáticas (música concreta, radioarte, radioarte movel, intermedia, eletrónica e ruído) e recorreu-se a uma faixa preta instalada no chão que ligava os dois átrios do Centro de Arte e Media, em Karlsruhe, ao longo da qual existiam marcadores de referência semelhantes a códigos QR [10], dos quais dependia toda a informação sonora. Ou seja, inteiramente Realidade Aumentada: discurso da arte concretizações no mediados por uma aplicação instalada, cada código evocava nos tablets disponibilizados um dos temas da instalação e a respetiva informação: imagens, gráficos de oscilação 3d e sons. O projeto “Aporee - miniatures for mobiles” (2011), por sua vez, enquadra-se num conjunto de projetos RA que dispensam informação visual para apresentar os conteúdos sonoros, valendose apenas da antena GPS existente na maioria dos smartphones. Neste caso, trata-se de uma aplicação que permite uma ligação com a plataforma “Aporee” que contém um crescente arquivo global de gravações geo-localizadas, quer isoladamente como através da seleção de rotas sonoras disponíveis. Ou seja, podemos encontrar uma enorme complexidade de ambientes sonoros, bem como as diversas perspetivas artísticas dos seus muitos colaboradores em torno do som, espaço e lugares, onde a poesia, ensaio, ficção, documentação ou narração entra na paisagem e permite transformar as rotas diárias numa espécie de experiência de rádio. Em menor número, as internomias tácteis presentes em projetos artísticos com RA, encontram-se frequentemente conjugadas com internomias visuais e raramente isoladas. A relação mais comum é a possibilidade de interação com objetos reais que correspondem a marcadores de referência para a informação aumentada, como é o caso do projeto “Cinecubos” [11], sendo mais rara a estratégia presente em “Into the Frame” [12], onde as alterações se verificam no sentido contrário, ou seja, partem dos elementos virtuais para o mundo real. Figura 4 – “Into the Frame”, Instalação, Shoreditch Red Gallery (Florian Dussopt, Nick Phillips, Dave Hunt, Paul West) 2014. No projeto “Into the Frame”, por outro lado, o público é convidado a sentir, através de um sistema háptico e sonoro, a informação digital. Nesta instalação o utilizador pode mover a sua mão, segurando um dispositivo robótico que simula a sensação de toque nas diversas texturas (mar, céu, rocha, etc.) e respetivas profundidades presentes num quadro que se encontra à sua frente. Ao mesmo tempo, é possível “ouvir a imagem”, uma vez que se encontra atribuído um determinado som a cada zona. Apesar de ser um campo fértil, muito raramente se verificam internomias olfativas e gustativas, pois este tipo de abordagens, frequentemente interligadas, dependem de um conjunto de equipamentos que, na sua maioria, ainda não passaram da fase de protótipo. Figura 3 – “Cinecubos”, Instalação, FBAUP, (Sérgio Eliseu, Pedro Cardoso) 2011. No caso de Cinecubos, por exemplo, temos um artefacto em forma de puzzle (com 12 cubos) onde os participantes são convidados a configurar blocos no espaço. Cada face contém um padrão visual distinto que é interpretado pela máquina, através de sistemas de visão computacional, rastreando e associando-os a diferentes fragmentos de imagens em movimento que lhes são sobrepostas [13]. Ou seja, as alterações fisicas na obra provocam alterações na informação digital. Figura 5 – “Meta Cookie”, Protótipo, universidade de Tóquio (Takuji Narumi) 2010. Um exemplo clarificador é o projeto “Meta Cookie” [14], onde um demasiado complexo sistema computadorizado composto por uma webcam, tubagens com odores e biscoitos inscritos com marcadores de RA, permite ao utilizador escolher o sabor (induzido pelo cheiro) do biscoito que que deseja comer. Ou seja, a cada marcador de RA corresponde um cheiro e o sabor dos biscoitos depende do marcador que lhe for inserido. Contudo, esta palavra pode possuir um sentido muito mais aprofundado, carregando com ela um forte significado histórico-sociológico. Isto porque, quando o homem não se interessa mais pela problematização do ambiente, ou seja, pelas questões que dizem respeito a todos, perde a capacidade de perspetiva como parte de um todo (Benjamin 1983: 213-240). Comboio da Memória Figura 6 – “GhostFood”, Instalação, Galleria Aferro - NY e SteamWorkPhilly - Philadelphia. (Miriam Songster) 2014. No entanto, com estratégias semelhantes mas mais simples, encontramos no trabalho “GhostFood” [15] um projeto artístico com recurso a RA olfativa/gustativa, onde se explora a ideia de alimentação num possível futuro. Trata-se de uma instalação composta por uma roulote de “fastfood” onde são servidos alimentos fac-simulados. Para tal, a artista Miriam Songster desenvolveu um pequeno dispositivo, inspirado na morfologia dos insetos, que insere um estímulo olfativo e através do qual o utilizador pode sentir uma experiência gustativa dos alimentos atualmente ameaçados de extinção pelas mudanças climáticas. Uma componente transversal aos diferentes tipos de projetos artísticos em RA considerados neste ponto é o facto de se tratarem de processos de produção de sentido partilhável, não se confinando a simulacros, por serem experiências de vida não assentes em meras estratégias de representação. As obras referenciadas procuraram construir conceitos, novas possibilidades de pensamento e de existência. Conceitos não da essência ou da coisa, mas dos acontecimentos. E é a arte e não os media que podem captar o acontecimento, dar-lhe uma evidência sensível, o poder do percepto e do afeto (Deleuze, 1969:151). Projetos que evitam narrativas efémeras e solitárias, baseadas antes na memória de um povo ou de um lugar e não apenas num protagonista. Portanto, narrativas coletivas são aqui o fenómeno a ser estudado, bem como a sua capacidade de compartilhar experiências/conhecimento. É certo que a palavra ‘narrativa’ deriva do verbo ‘narrar’, cuja etimologia provém do latim “narrare” e remete para o ato de contar, relatar, expor um fato, uma história [16]. O universo do conceito base do nosso objeto de estudo para o projeto “Comboio da Memória” está associado à história do Ramal da Lousã, um troço ferroviário cuja construção foi oficialmente anunciada em 1873, sob decreto régio de Luís I (1861-1889). Após 15 anos de interregno, a 16 de dezembro de 1906, o ramal foi finalmente concluído, ligando o Concelho da Lousã a Coimbra durante mais de um século [17]. Contudo, este caminho de ferro histórico foi encerrado em 4 de Janeiro de 2010, com o propósito de ser atualizado para um sistema de melhor qualidade (metro de superfície) - "Metro Mondego". Ainda que aparentemente apropriado, a prossecução deste projeto deparou-se com algo que muito poucos poderiam considerar como um pequeno obstáculo, uma vez que a empreitada foi iniciada sem que estivessem assegurados os fundos necessários à sua conclusão. Como consequência, quatro anos mais tarde, 16,5 milhões de passageiros permanecem sem qualquer serviço ferroviário e, à luz da enorme crise económica que Portugal atravessa, é muito provável que assim permaneçam [18]. Figura 7 – Estado do ramal da Lousã (2014). Atualmente, todas as populações afetadas utilizam os seus próprios veículos ou viajam em autocarros com menores condições de conforto para percorrer o mesmo percurso, perdendo muito mais tempo, sujeitando-se a maiores riscos de segurança associados aos transportes rodoviários, num cenário de agravamento das condições ambientais, como consequência do aumento de emissões de CO2. Portanto, pretendendo trazer esta questão à ordem do dia e como forma de assinalar o quarto aniversário do encerramento total deste ramal, o projeto “Comboio da Memória” invadiu o antigo percurso desta ferrovia, reunindo o apoio e colaboração de diversos cidadãos locais, que partilharam conteúdos associados à utilização deste serviço, tais como fotografias, sons, vídeos e mensagens. Estes materiais foram, então, manualmente trabalhados e georreferenciados, com recurso a um navegador RA para smartphones/tablets - Layar [19]. Contudo, de modo a maximizar o impacto e experiência decorrentes da convergência entre o espaço geográfico e dados digitais, a aplicação deverá ser lançada no percurso da antiga linha férrea. Sendo esta uma das razões pelas quais o projeto é ainda composto por um conjunto de passeios culturais, divulgadas através das redes sociais (num grupo especificamente criado para esse efeito, que conta com a participação de mais de duas centenas de membros/colaboradores) onde é explicada a natureza do projeto, as especificidades técnicas e são tomadas decisões acerca das modificações a implementar nas invasões seguintes. O resultado tem sido uma interessante adesão dos populares, que se repercutiu a nível dos órgãos de comunicação locais através de entrevistas, bem como de explicações acerca do projeto. É ainda possível acompanhar este projeto e iniciativas associadas num website que inclui todos os conteúdos disponíveis, um mapa que detalha todos os pontos de interesse, assim como o resultado dos passeios culturais [20]. Figura 8 – “Comboio da memória”, Instalação em RA, antigo Ramal da Lousã. (Sérgio Eliseu) 2014. Hiper-narrativas Existe uma forte convergência entre técnicas e estratégias na construção de um sempre renovado tipo de media que vai emergindo e substituindo as estruturas convencionais dos diversos media precedentes (cinema, televisão, jogos, etc.). Trata-se de uma mudança que vem ocorrendo desde a década de 60 do século XX que levanta novas questões e acolhe diferentes opiniões em torno do papel do público na participação ativa na construção de narrativas digitais (Eliseu e Cardoso, 2013). Contudo, se nos centrarmos em questões já levantadas por Manovich, de que forma toda esta computadorização afeta o próprio conceito de imagem em movimento? Oferece novas possibilidades para outras linguagens fílmicas? (Manovich, 2002:64) Na nossa perspetiva concordamos com a perspectiva de que as novas tecnologias encontram-se efetivamente a produzir profundas alterações ontológicas nas estruturas tradicionais do cinema (Kluszczynski, 2007:208). As estruturas lineares clássicas transformam-se gradualmente em estruturas interativas, permitindo o redefinir da própria identidade do cinema conforme o conhecemos, colocando o utilizador ativo dentro do espaço da imagem e convertendo o local da contemplação em espaço de imersão (Bernardino, 2012:1259). Com efeito, o caráter multimédia dos nossos tempos abre uma nova dimensão na colaboração criativa. Sendo que, todos os dias se acelera um processo que reflete a diversidade de práticas artísticas e conhecimentos técnicos envolvidos (programação, hardware, jogos, música, cinema, etc.) e vamos assistindo a um fenómeno de convergência não só no que respeita aos meios, como observa Susanne Jaschko (2010:210), mas também no que se refere ao género e às práticas artísticas, além dos espaços em que se realiza a arte interativa. Por consequência, como atenta Lévy (2000:164-165), organizando a participação em acontecimentos mais do que espetáculos, as artes da cibercultura reencontram a grande tradição do jogo e do ritual. Tanto no jogo como no ritual, não é o autor nem o registo que são importantes, mas sim o ato coletivo aqui e agora. Ou seja, como afirma Grau (2003:17), em vez de o copiar, a transformação do real é o domínio central e a essência da arte é a criação de realidades individuais e coletivas. Interessa-nos, portanto, com o projeto “Comboio da Memória” promover uma reflexão em torno do potencial deste tipo de narrativas digitais, onde acreditamos emergir da convergência de técnicas e estratégias um renovado tipo de media que vai muito além das estruturas convencionais precedentes e permite explorar a função da memória, como diria Aby Warburg (1866-1929) “a bewegtes Leben”, ou seja, enquanto "vida em movimento", cujos traços significantes estão inscritos na memória do espaço apropriado. Não existindo, à partida, uma narrativa da memória, mas (uma) hiper-narrativa de memórias interligadas que, graças dispositivos móveis e serviços multimédia gratuitos, abre quiçá, também num renovado cinema contemporâneo espaço para um realismo alternativo na forma de estruturação da matéria narrativa cinematográfica. Desta feita, numa atitude de guerrilha, promovendo uma experiência coletiva em tempo real de múltiplas narrativas de modo participativo e não-linear, onde o público pode escolher posicionar-se como espetador, agir como participante ou intervir como criador e até manifestante. Conclusão Naturalmente ansiosos por tirar partido do potencial da tecnologia da RA e em paralelo com um aprofundamento do seu conhecimento técnico ou estreitamento do seu relacionamento com engenheiros e programadores, um número considerável de artistas começou a aplicar esta tecnologia. Esta situação permitiu que no início deste século observássemos uma exponencial produção de projectos artísticos e inclusivamente o surgimento de expressões como “Augmented Reality Artists” que tornam ainda mais complexa a sua análise. Por outro lado, a aplicação de técnicas de RA na produção de Arte de Guerrilha abre portas a uma vantajosa capacidade de interferência no mundo real sem o alterar fisicamente. Como tal, as novas invasões de guerrilha em qualquer tipo de espaço são completamente legais. Neste tipo de invasões artísticas, acreditamos que a arte se transforma num ponto de encontro por via da potenciação dos espaços públicos exteriores ao círculo institucional do sistema artístico, em estreita relação com o quotidiano e idiossincrasias dos seus habitantes. Desse modo, o projeto “Comboio da Memória” constitui-se igualmente como uma base de construção para futuras intervenções, esperando ainda servir como plataforma de pensamento em torno de questões fundamentais de pertença e participação, encontrando o seu ponto de partida numa problemática de interesse local. Neste caso específico, com uma forte carga simbólica que estabelece uma relação entre a comunidade e o significado da ferrovia nas suas vidas. Este projeto é uma experiência que não corresponde apenas a um presente alterado, abrangendo o passado, pela apropriação de memórias multidimensionais, assim como o futuro, através do estabelecimento de relações entre “outro” e “outros”, construído com base numa comparação entre o espaço físico e virtual e a experiência pessoal. Como consequência, tal implica que o proposto possa apenas ser conseguido através da aceitação dos seus sujeitos. Por agora, o resultado é um envolvimento comunitário muito interessante. 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Imagens Figura1http://static511.layar.com.s3.amazonaws.com/old/2010/10/m oma_augmented_reality1.jpg Figura 2- http://soundart.zkm.de/ Figura 3- Sérgio Eliseu Figura 4- http://www.digitalartsonline.co.uk/news/interactivedesign/interactive-painting-lets-visitors-hear-feel-art/ Figura 5- http://www.cyber.t.utokyo.ac.jp/~narumi/metacookie.html Figura 6- http://www.miriamsimun.com/category/selectedwork/ Figura 7- Sérgio Eliseu Figura 8- Sérgio Eliseu 1] Provavelmente, no início deste tipo de arte, os casos mais famosos foram as ações do grupo "Guerrilla Girls". Hoje em dia, temos muitos outras intervenções famosas como, por exemplo, de "Banksy". [2] Segundo Milgram (1994) a realidade aumentada é definida como a sobreposição de objectos virtuais tridimensionais, gerados por computador, com um ambiente real. Porém, como podemos verificar mais à frente no artigo, o conceito é muito mais abrangente. [3] http://aroccupymayday.blogspot.pt/ (acedido em 12-102013). Há muitos outros trabalhos de natureza semelhante, como, por exemplo, "Namaland" de Connor McGarrigle (http://www.walkspace.org/namaland/ (acedido em 03-012014) . [4] Museu de Arte Moderna de Nova Iorque. [5] Krauss referia-se à relação que a escultura estabelece com a paisagem e com a arquitectura, tendo como referência muitos dos trabalhos dos movimentos Minimalista e da Land Art, mas também das instalações e dos Happenings, onde se estabelecia um diálogo entre o sujeito, o objecto, o espaço real e o tempo. [6] A folksonomia é uma analogia à taxonomia, mas inclui o prefixo folks, palavra da língua inglesa que significa pessoas. Na folksonomia, quem classifica o conteúdo são as próprias pessoas interessadas no mesmo. [7] Conceito introduzido que permite analisar e estabelecer relações entre métodos convergentes de múltiplos projectos em realidade aumentada. [8] http://soundart.zkm.de/soundart-2012-7-horstationen-inaugmented-reality/ (acedido em 15-01-2014). [9] http://aporee.org/(acedido em 16-01-2014). [10] Tratam-se de marcadores fiduciais. Imagens com padrões visuais que o software reconhece e processa calculando coordenadadas que permitem manter uma correlação entre a sua posição e a informação virtual que se sobrepõe enquanto o marcador estiver disponível na câmara. [11] Projecto no âmbito do plano curricular de doutoramento em Arte e Design na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Foi apresentado publicamente, em 2011, numa mostra colectiva de trabalhos dos alunos de doutoramento no Museu da referida entidade, que teve como tema principal a obra de Ernesto de Sousa (1921-1988). [12] http://www.mdx.ac.uk/aboutus/news-events/news/Intothe-Frame.aspx (acedido em 05-02-2014). [13] Estas imagens em movimento provêm de películas de filmes de Ernesto de Sousa e de feeds de vídeo captado em tempo real. A sua disposição objetivou metaforizar a estratégia anti-filme ao remeter para uma experiência em tempo real de múltiplas narrativas de uma forma participativa e não-linear, onde o público podia escolher posicionar-se como espectador, agir como participante ou intervir como criador, visualizando-se, em tempo real na peça que explorava. Das múltiplas configurações possíveis (A12,6 = 665280), apenas 6 correspondem a “soluções do puzzle”. Isto, claro, se ignorarmos outras disposições formais que também são possíveis (composições com sobreposição de cubos, por exemplo) e acabaram por se verificar diversas vezes durante a sua exposição. Assim, as possibilidades são potencialmente infinitas. [14]http://www.cyber.t.u-tokyo.ac.jp/~narumi/metacookie.html (acedido em 05-02-2014). [15] http://www.miriamsimun.com/ghostfood/ (acedido em 0502-2014). [16] Ver http://www.priberam.pt/dlpo/narrativa (acedido em 05-02-2014). [17] http://www.metromondego.pt/ (acedido em 03-01-2014). [18]http://www.tcontas.pt/pt/actos/rel_auditoria/2011/2s/auditdgtc-rel026-2011-2s.pdf (acedido em 07-01-2014). [19] O projecto utiliza a plataforma Layar, uma vez que esta pode ser usado livremente numa vasta gama de equipamentos. https://www.layar.com/ (acedido em 2013/01/11). [20] www.comboio.eliseu.com