Artigo - Rede de Estudos do Trabalho
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Artigo - Rede de Estudos do Trabalho
PROFESSOR/A OU INSTRUTOR/A DE LÍNGUAS? Denise Gisele de Britto Damasco 1 Resumo Esse artigo integra uma pesquisa de doutorado em Educação da Universidade de Brasília na linha de pesquisa Políticas Públicas e Gestão da Educação cujo tema é juventude e língua estrangeira. Entende-se que a questão sobre os/as professores/as e instrutores/as é relevante não apenas para a área da Educação e da Linguística Aplicada que forma professores/as de língua estrangeira, mas também para a área de Ciências Humanas em geral a fim de contribuir para a crítica e formulação das políticas públicas relativas à docência, bem como para a reflexão sobre a precarização do trabalho docente. Esse artigo abrange a problemática de jovens universitários/as que ao se formarem em faculdades, universidades, licenciados/as e aptos/as para o ensino de uma língua estrangeira são reconhecidos/as juridicamente como professores/as somente em estabelecimentos públicos e privados em que há Educação Básica. Em estabelecimentos específicos de ensino de línguas estrangeiras privados, chamados escolas livres, os/as mesmos/as são considerados instrutores/as ou monitores/as de línguas em suas carteiras de trabalho. Esse profissional pode ter duas classificações em seu registro profissional e participar de sindicatos distintos, sendo que exerce a mesma função docente. Neste artigo, tem-se como principal questão: Como o/a jovem se identifica enquanto profissional no ensino de línguas. Outra questão se coloca: Há diferença entre ser um/a professor/a ou ser instrutor/a de idiomas? Debate-se a formação docente a partir de uma intersecção teórica com os educadores Georg Kerschensteiner, John Dewey, Roger Cousinet e Donald Schön e apresenta-se a questão política e econômica sobre a docência em línguas estrangeiras e a legislação vigente no Brasil. Busca-se também a categoria identidade profissional, o papel do sindicalismo e do associativismo de professores/as e instrutores/as pelo diálogo entre Antunes (1999; 2008), Mascarenhas (2002) e Tardif (2011). Por meio da análise de um grupo de discussão a partir de Weller (2010) realizado com jovens professores/as e instrutores/as de francês, esse artigo destaca o cotidiano, as expectativas bem como a compreensão de identidade profissional desses jovens profissionais que ensinam francês como língua estrangeira. Palavras-chave: trabalho docente; formação docente em língua estrangeira; pesquisa qualitativa em educação Introdução O tema desse artigo surgiu durante o Seminário de Extensão da Universidade de Brasília em 2010 2 em que a pesquisadora apresentou seu projeto de pesquisa de doutorado: 1 Professora de francês da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal desde 1989. Doutoranda da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, sob orientação da Profa Dra Wivian Weller, com período do doutorado de 2010 até 2013. E-mail: [email protected] . 2 Essa atividade foi organizada pelo grupo de pesquisa, ao qual a pesquisadora pertence: Gênero, Raça/etnia e Juventude (GERAJU), www.geraju.org.br . 2 Juventude e Línguas Estrangeiras: visões de mundo de jovens do Distrito Federal 3. Esta pesquisa de doutorado aborda a categoria analítica juventude e as políticas públicas de ensino de língua estrangeira, o currículo e a formação de jovens professores/as de língua estrangeira 4. Entende-se que a questão sobre os/as professores/as e instrutores/as é relevante para a área da Educação, da Linguística Aplicada que forma professores/as de língua estrangeira e para a área de Ciências Humanas em geral. A partir de uma problematização por meio de questões, pretendeu-se refletir sobre a questão docente em língua estrangeira 5. Tem-se como principal questão nesse artigo: Quem é o/a jovem que ensina línguas estrangeiras? Outras perguntas se colocam: Como esse/a jovem se identifica enquanto profissional no ensino de línguas, mais especificamente no ensino de francês? Há diferença entre ser um/a professor/a ou ser instrutor/a de idiomas? Estudantes universitários/as ao se formarem em faculdades, universidades, licenciados/as e aptos/as para o ensino de uma língua estrangeira são reconhecidos/as juridicamente como professores/as somente em estabelecimentos públicos e privados em que há estudantes na Educação Básica. Em estabelecimentos específicos de ensino de línguas estrangeiras privados são considerados instrutores/as de línguas em suas carteiras de trabalho. O/a mesma/a pode ter em sua carteira de trabalho as duas ocupações, professor/a se ministrar aulas em estabelecimentos de Educação Básica e instrutor/a se também ministrar aulas em estabelecimentos de ensino de línguas. Isso acontece porque os estabelecimentos privados de ensino de língua estrangeira são considerados escolas livres. Mesmo que tais escolas livres publiquem em suas propagandas institucionais que têm profissionais competentes, os/as melhores/as preparados/as, essas instituições atestam nas carteiras de trabalho dos/as mesmos/as, há o termo instrutor/a. Antunes (2008) afirma que “a nova condição do trabalho está sempre perdendo mais direitos e garantias sociais, pois “Tudo se converte em precariedade, sem qualquer garantia de continuidade” (p.15). Essa reflexão sobre a questão docente se mostra atual. 3 Essa pesquisa de doutorado tem como fundamentação teórico-metodológica o interpretativismo, a partir de métodos reconstrutivos de pesquisa na análise dos dados qualitativos: método documentário e análise da conversação. 4 Além de jovens profissionais que atuam no ensino de línguas são pesquisados procura-se a compreensão, definição e caracterização das instituições de ensino de língua estrangeira no Distrito Federal, bem como o histórico do ensino de língua estrangeira no Distrito Federal, seus avanços e limites. 5 A discussão levantada nesse artigo também foi apresentada no XVIII Congresso Internacional de Professores de Francês em Curitiba, de 18 a 21 de outubro de 2011 com o título: Docência em línguas e identidades profissionais em contexto educativo brasileiro: professor/a ou instrutor de línguas? 3 Esse artigo está dividido em três partes. Primeiramente, têm-se alguns estudos clássicos e contemporâneos sobre a questão docente. A segunda parte aborda a questão docente em línguas estrangeiras no contexto brasileiro ao tratar das seguintes categorias de análise: identidade profissional, sindicalismo e o associativismo. Na terceira parte desse artigo, apresenta-se um grupo de discussão a partir de Weller (2010) realizado com jovens professores/as e instrutores/as de francês a visão de mundo e as expectativas bem como a compreensão de docência para jovens profissionais que ensinam a língua francesa como língua estrangeira. Revisitando alguns estudos clássicos e contemporâneos sobre a docência Alguns estudos clássicos de pensadores europeus sobre a questão docente, tais como Georg Kerschensteiner e Roger Cousinet trataram da formação de professores, ampliando o conceito de professor para educador, explicitando ainda o conceito de educador profissional, bem como distinguindo o conceito de professor de Pedagogia do conceito de professor pedagógico 6. Röhrs (2010) afirma que Kerschensteiner propunha uma escola em que a teoria se alinhasse com a prática e surgisse da mesma, estimulando também trabalhos práticos na escola: a reflexão teórica surge de uma atividade prática e o agente é o/a professor/a educador/a. Dewey (1959b) defende a escola como base de uma atividade profissional posterior, formando o pensamento nos/as jovens igualando-os/as aos adultos profissionais. O/a professor/a é um guia. O destaque é para que o/a professor/a seja um líder intelectual, mais que um/a instrutor/a garantindo o pensamento reflexivo por parte dos aprendizes. Ao definir a prática profissional por meio do pensamento de Dewey, Schön (1998; 2000) destaca que tais profissionais “compartilham convenções de ação que incluem meios, linguagens e ferramentas distintivas e operam dentro de tipos específicos de ambientes institucionais [...]” (SCHÖN, 2000, p.36). Schön (2000) dirige-se às pessoas que trabalham em escolas ou ambientes de ensino, ou seja, aos que se ocupam e se preocupam com a educação para a prática reflexiva, bem como aos que entendem que isso é um processo complexo, pois envolve fenômenos relacionados à competência prática e ao talento do indivíduo. A experiência é importante, mas não basta. É necessária uma reflexão sobre a prática. Segundo 6 Para Kerschensteiner o professor de Pedagogia seria o teórico, que escreve livros e tem conhecimentos profundos em História da Pedagogia. O professor pedagógico tem conhecimentos relativos à sua prática. Segundo esse autor, há pessoas pedagogicamente melhor dotadas do que outras, pois “Se o valor pedagógico fosse unido indissoluvelmente à erudição, ou somente à ciência pedagógica, há muito tempo que a Humanidade se teria declarado em bancarrota” (RÖHRS, 2010, p. 87). 4 Tardif (2011), o “ensinar é mobilizar uma ampla variedade de saberes, reutilizando-os no trabalho para adaptá-los e transformá-los pelo e para o trabalho” (p. 21). Há uma diferença entre instrução e educação desde o final do século XIX no Brasil, segundo Oliveira (2003). O termo “educação” é mais amplo do que termo “instrução” segundo esse autor, legando ao último termo, a prática do ensino. Entretanto tais termos se confundiam no final do século XIX, pois ambos se referiam ao que entendemos hoje por educação. O termo instrutor/a como substituto de professor/a pode ter sua origem assim, na própria legislação nacional que já em 1883 já apresentava títulos tais como “Notas sobre a instrução pública” (ROMERO, apud, OLIVEIRA, 2003, p.165), ensaio publicado em 1901 ou ainda, na obra “História da Instrução Pública no Brasil” (ALMEIDA, apud OLIVEIRA, 2003, p. 165) publicada em francês em 1889 em Paris. Compreende-se nesse artigo que o/a professor/a ou instrutor/a de línguas é um ser político e que os/as mesmos/as atuam como partícipe das políticas públicas em educação. Segundo Tardif (2011), “a desvalorização dos saberes dos professores pelas autoridades educacionais, escolares e universitárias não é um problema epistemológico ou cognitivo, é político” (p. 243). Essa desvalorização não acontece somente no Brasil. Tardif (2011) relata que isso também ocorre na América do Norte, desde meados dos anos 1980. A função docente é ensinar. Silva (2011) define que “o trabalho educativo é a produção e a reprodução do indivíduo humano e, ao mesmo tempo, a produção e reprodução do gênero humano” (p. 23). Afirma ainda que essa função tem como objetivo “compreender as dimensões pedagógicas das relações humanas, bem como suas formas de realizações por meio de diferentes práticas institucionais e não–institucionais que produzem o conhecimento pedagógico [...]” (SILVA, 2011, p. 25). Acredita-se que o/a professor/a e/ou instrutor/a de idiomas também tem tal função, mesmo que aconteça ainda uma “degradação da imagem social do docente” (AHLERT, 2011, p.63). A identidade do/a profissional está associada a sua identidade política, pois essa segundo Mascarenhas (2002) “é percebida como um processo de configuração da autoconsciência de um grupo, em que ele elabora sua posição e ação diante dos conflitos sociais e relações de poder” (p. 15). Assim, a identidade de uma pessoa ou de um grupo é relativa à identidade de outras pessoas ou grupos. A heterogeneidade da classe docente é entendida por essa autora, como “um fator de composição da sociedade capitalista contemporânea” (MASCARENHAS, 2002, p.16). A questão docente está inserida em uma política pública ampla, pois não se pode minimizar a ação do Estado que visa atender às necessidades da coletividade, não sendo 5 somente a ação de um governo específico, para resolver problemas de governo. Segundo Tardif (2011) pouco poder tem se dado aos/as docentes, pois os/as mesmos/as estão “em último lugar na longa sequência dos mecanismos de decisão e das estruturas de poder que regem a vida escolar” (p. 243). Talvez por essa razão, verifica-se tanta resistência por parte de docentes em implementar determinadas políticas públicas educacionais. A docência em línguas estrangeiras no contexto educacional brasileiro A docência em línguas estrangeiras no contexto educacional brasileiro pressupõe compreensão sobre as políticas públicas educacionais no Brasil como um todo, localizando o país em uma sociedade contemporânea com problemas e limitações, daí o fato de atrelarmos aqui o embate econômico quando se trata de docência. Antunes (2001) apresenta como problemas atuais da sociedade contemporânea: desemprego, degradação, destruição, (des)socialização, desmercantilização, argumenta que a lógica societal é dotada de uma aguda destrutividade. Existe a destrutividade e (des)socialização contemporânea, a suposição da destruição da própria economia de mercado e o equívoco em pensar na desaparição ou fim do mercado. A exclusão de jovens, estudantes ou professores/as é apontada por Antunes (2005) como uma tendência da classe trabalhadora nos dias de hoje. Para esse autor, os/as jovens são aqueles que “terminam seus estudos, médios e superiores, e não têm espaço no mercado de trabalho [...]” (p. 203). Mascarenhas (2002) destaca que a intensificação do trabalho e a precarização do mesmo pode fazer surgir uma desqualificação e não o perfil novo de trabalhador, mais escolarizado, participativo e polivalente. Segundo Antunes (2001), isso gera um cenário crítico, pois as tendências num contexto de crise estrutural do capital são a) a lógica destrutiva; b) formas produtivas flexibilizadas e (des)regulamentadas; c) forte despotismo e controle fabril; d) (des)regulação neoliberal; e) destruição da força humana; f) degradação crescente; g) produção de mercadorias que destrói o meio ambiente; h) aguda destrutividade; destroçam-se os direitos sociais; i) sociedade descartável; e j) o fato de a América Latina se integrar destruindo-se socialmente. Cattani (1996, apud MASCARENHAS, 2002, p.84) destaca que a associação é uma forma permanente de resistência ao poder e de criação coletiva. Essa se distingue do sindicato que é uma forma permanente de movimento associativo dos trabalhadores. A organização politico-sindical é vista como um elemento de mediação presente na construção de uma identidade política da classe trabalhadora, segundo Mascarenhas (2002). Para essa autora 6 somente uma articulação entre as esferas da economia e da política pode fazer com que as condições do trabalho e de vida fiquem protegidas de interesses outros e de outros grupos. É preciso estabelecer “o elo entre a inserção na esfera produtiva e as relações de poder” de maneira concreta (MASCARENHAS, 2002, p. 83). Entretanto a vida associativa e o sindicalismo por si só não conseguem melhorar as condições do trabalho discente: professores/as via Sindicato dos Professores/as (SINPRO) e/ou dos/as professores de escolas particulares (SINEPE); instrutores via SENALBA. Nos anos 1980 destaca-se a presença das associações de professores/as de língua estrangeira na defesa desse ensino nas escolas públicas. Falcomer e Rodrigues (2008) em artigo intitulado “A importância das Associações (Inter)Nacionais na Formação de Professores de Línguas” trazem o retrato de sete associações 7 de professores/as de línguas que atendem às necessidades dos/as professores/as de língua estrangeira 8. Esse apoio se traduz em oportunidade ao/a docente no tocante à formação contínua, “mantendo-o atualizado e aberto às novas tendências de ensino através de artigos, simpósios, convenções, conferências, workshops, revistas, periódicos e páginas eletrônicas, entre outros” (FALCOMER e RODRIGUES, 2008, p.4). Os anos 1990 foram marcados por acordos nacionais para renovar os sistemas educacionais, cujo foco estava na descentralização, como meio de transferência de responsabilidades da gestão e execução dos serviços educativos da União para Estados e municípios. Nesse período houve, ainda, financiamentos do Banco Mundial (BM) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para reformas educativas de ordem pedagógica e administrativas, além de políticas em longo prazo por meio de Planos Decenais de Educação com apelos para eficiência e eficácia do sistema educacional e da escola. O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado em 1995 assume que o Estado era o culpado pela crise brasileira. Essa crise propiciou a deterioração dos serviços públicos, crise fiscal e inflação. A solução apresentada por esse Plano foi então a reforma do Estado brasileiro. Essa reforma geraria um crescimento sustentado pela economia e corrigiria as desigualdades sociais e regionais. O Estado, a partir dessa reforma, estaria mais forte devido sua ação reguladora pela economia de mercado e os serviços básicos também sairiam fortalecidos. A base da administração era gerencial, eficiente com o controle dos resultados. A 7 São elas: ABRAPA (Associação Brasileira de Professores de Alemão); Braz-Tesol (Associação Brasileira de Professores de Inglês para Falantes de outras Línguas); FIPLV (Fédération Internacionale des Professeurs de Langues Vivantes); IATEFL (International Association of Teachers of English as a Foreign Language); MLA (Modern Language Association); SIPLE (Sociedade Internacional Portuguesa de Língua Estrangeira) e TESOL (Teachers of English to Speakers of Others Language). 8 Ver também Walker (2004) e Daghlian (2004). 7 ideia de descentralizar foi justificada para que o cidadão fosse atingido, como um cliente dos serviços do Estado. A definição de Estado assumida em 1995 no Brasil é “a de uma organização burocrática que tem o monopólio da violência legal, é o aparelho que tem o poder de legislar e tributar a população de um determinado território” (PLANO, 1995, p.12). Assim, o Estado brasileiro reduz seu papel de executor ou prestador direto de serviços, mantendo o papel de regulador e provedor ou Promotor dos serviços sociais como a educação e saúde. As funções de regulação e de coordenação são reforçadas pelo Estado, que se por um lado se fragiliza, por outro lado pretende ser forte ao fiscalizar, controlar e avaliar. A Lei de Diretrizes e Bases Lei da Educação Nacional de n. 9.394/96 – LDB/96 promulgada nesse contexto político assegurou também a atuação controladora do Estado em matéria educacional. Segundo Ranieri (2000), ampliou-se o grau de atuação autônoma dos sistemas e das instituições de ensino, entretanto insistindo na ideia de controle de resultados. O ensino de língua estrangeira no Brasil está inserido nesse contexto. Há muitos entraves e dificuldades para se alcançar um ensino de idiomas de qualidade na rede pública de ensino e para todos e todas. Somam-se os movimentos ocorridos em relação ao curso de Letras e a consolidação do campo de conhecimento específico para o ensino de línguas: a Linguística Aplicada. A LDB/96 estabelece o ensino de uma língua estrangeira como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar e uma segunda escolhida, em caráter optativo, dentro das possibilidades da escola. Observou-se o início da terceirização do ensino de línguas estrangeiras nas escolas públicas e privadas. A publicação da instrução normativa da Receita Federal n. 15, de 06 de fevereiro de 2001 estabeleceu que aulas de idioma estrangeiro entre outras não seriam considerados despesas de instrução na declaração de imposto de renda, por falta de previsão legal. Muitos estabelecimentos de ensino de línguas privados contrataram instrutores/as de idiomas e não mais professores/as licenciados para ministrar tais aulas. As associações de ensino de idiomas e escolas privadas específicas de idiomas foram consideradas escolas livres a partir de 2001. A diferenciação entre professores/as e instrutores/as ocorre assim no início do século XXI, pois para a Receita Federal, as escolas livres são os estabelecimentos em que não há o ensino referente à Educação Básica. Escola de idiomas, escolas de dança, associações de pais e mestres em geral, entre outras instituições ficam a partir de então atreladas ao Sindicato dos Empregados em Entidades Culturais, Recreativas, de Assistência Social, de Orientação e Formação Profissional (SENALBA) e não mais ao Sindicato de Professores. Tem-se a 8 comprovação de que a lógica de mercado prevalece e retomam-se as ideias de Silva (2002), pois a educação pública ao ceder à lógica da privatização institucionalizada e regulamentada, se distancia dos direitos sociais universais. Quando se fala em escolas específicas de línguas, pensa-se que tais escolas são espaços de experiências educacionais e de trocas para os/as jovens estudantes. Mannheim (1959) explicita que são espaços de experiências conjuntivas. No DF, por exemplo, há centros públicos de línguas (de Educação Básica e um centro universitário), uma cooperativa de professores de língua estrangeira, centros binacionais, associações de cultura, empresas comerciais, franquias 9. A exceção dos centros públicos de línguas, as demais instituições são classificadas como escolas livres. Entretanto, entende-se que todas essas instituições, apesar de se apresentarem sob diversas nomenclaturas são escolas. A escola é um espaço importante para o/a jovem, na medida em que “tomou a dimensão de ser um lugar e um tempo de fugir das incertezas com que o futuro lhe acena. É um lugar de encontro, por isso os jovens criam subterfúgios para estarem sendo [grifo do autor]” (GARCIA E CORSETTI, 2008, p. 41). Alarga-se o conceito de escola a partir da teoria gramsciana 10 para abarcar também as associações de cultura. Se forem escolas deveriam funcionar com professores/as, sem a diferenciação entre professores/as e instrutores/as, pois o estudo de línguas em escolas específicas possibilita esse “transbordar as próprias fronteiras” (ALMEIDA E VIEIRA, 2006, p.19). De maneira criativa os/as profissionais que atuam na docência em línguas estrangeiras têm procurado atender à demanda da sociedade por esse ensino. Antunes (2008) explica que há cooperativas originais, que foram criadas autonomamente pelos trabalhadores que têm um sentido coletivo, em oposição um “real instrumento de minimização da barbárie, de luta e ação contra o desemprego estrutural consistindo também num efetivo embrião de exercício aut6onomo de produção coletiva dos trabalhadores” (ANTUNES, 2008, p. 15). Sugerem-se pesquisas sobre esse tipo de organização de professores/as, no caso intitulados cooperados/as, pois não se tem na literatura acadêmica dados, por exemplo, sobre a COOPLEM criada em 2004 por professores/as de língua estrangeira oriundos da rede pública de ensino 11. 9 Dessa maneira, tem-se no Distrito Federal para o ensino de idiomas cinco tipos de escolas de idiomas. Os centros interescolares de línguas – CILs, escolas públicas, as associações de cultura (alemã, espanhola, francesa, inglesa, italiana, japonesa), escolas privadas que empregam instrutores ou instrutores e professores, a cooperativa de professores de línguas (COOPLEM), o centro universitário de línguas (no caso, da UnB) e diversas empresas que ministram ensino de idiomas por meio de franquias. 10 Segundo Nosella (2004) para Gramsci, a escola é formativa, de cultura geral, humanística e formadora para o trabalho. Esse autor considera escola: Associação de cultura, Clube da vida moral, Instituto da vida proletária, Conselho de fábrica, Conselho de partido, escola por correspondência, escola da prisão e Escola l’Ordine Nuovo. 11 < http://www.cooplemidiomas.com.br/a-cooplem>, acesso em 6/10/2011. 9 Jovens profissionais atuantes no ensino de línguas no Distrito Federal Esse artigo se insere dentro de uma perspectiva de educação como interação. Tardif (2011) preconiza uma concepção de educação enquanto interação, defendida por várias teorias como a teoria do Interacionismo Simbólico, a Etnometodologia, as teorias da Comunicação e a teoria da Racionalidade entre outras. Compreende-se o termo interação como “toda forma de atividade na quais seres humanos agem em função uns dos outros” (TARDIF, 2011, p.167). Em 2010 foi realizado um grupo de discussão com jovens professores/as de francês na etapa exploratória de uma pesquisa de doutorado. Essa entrevista aconteceu realizou-se em uma escola livre de francês do Distrito Federal no dia 07 de outubro de 2010, das 9h48 da manhã às 11h20 com cinco jovens professores/as, quatro professoras e um professor. Totalizou-se 1h35min30seg de gravação de entrevista para análise. Foram convidados jovens professores/as com menos de 30 anos de idade por considerar que juventude não é um conceito determinado pela idade, a saber: a) uma professora da rede pública de ensino, concursada em francês e formada em Letras pela Universidade de Brasília; b) outra jovem professora estudante de Letras na Unb, do último semestre de português como língua estrangeira; c) outra jovem professora com formação inicial completa em letras francês feita em uma universidade federal de outro estado; d) uma jovem professora e um jovem professor com formação universitária inicial em outras áreas: Publicidade e Psicologia respectivamente, sendo que um professor é mestre em Psicologia. Ambos não possuem formação inicial em Letras com habilitação em francês. Consideram-se jovens os indivíduos que têm entre 14 anos e 29 anos. Essa faixa etária mais estendida compreende o conceito de juventude defendido nesse artigo. Entende-se que a categoria juventude é socialmente constituída e não apenas um critério de idade. Na análise dos grupos de discussão há tanto uma perspectiva interna dos integrantes quanto uma perspectiva externa. Denomina-se orientação coletiva advinda das interações ocorridas internamente entre os membros de um grupo de discussão. A perspectiva externa surge da análise da interação desse grupo com determinadas estruturas, pois se entende que os sujeitos entrevistados não estão desvinculados de uma realidade social (BOHNSACK, apud WELLER, 2006). Assim, a análise dos grupos de discussão tem ainda por objetivo a identificação de tipologia de desenvolvimento, tipologia geracional, do meio rural, de formação educacional e tipologia de gênero (op. cit.). 10 Weller (2011) destaca que “o grupo representa um importante espaço de partilha dessas experiências, de desenvolvimento do habitus coletivo, por meio do qual os jovens passaram a lidar com as situações cotidianas [...]” (p. 171). Weller (2006) relata uma das vantagens dos grupos de discussão: os/as jovens ficam à vontade com pessoas que já conhecem, podendo assim, falar com mais detalhes sobre seus cotidianos. Por meio de diálogos interativos, o/a entrevistador/a ouve, evitando interrupções no grupo. Os/as jovens chegam às conclusões sobre temas que muitas vezes ainda não haviam refletido coletivamente. Esse mesmo grupo corrige fatos distorcidos e posições radicais de alguns de seus membros. Este grupo de discussão foi analisado por meio do método documentário. Este método prevê quatro etapas: análise formulada, análise refletida, análise comparativa e construção de tipos. A análise formulada é a primeira etapa de análise de entrevistas 12. É o sentido imanente, a transcrição das falas. Não há necessidade de se transcrever todas as falas do grupo de discussão para posterior análise, pois o/a entrevistador/a pode apresentar a passagem inicial seguida da análise das passagens de foco. A segunda etapa de análise segundo o método documentário 13 é a interpretação refletida. Essa é uma observação, segundo Weller (2006), mais detalhada. O/a entrevistador/a faz suas interpretações, podendo recorrer ao conhecimento teórico e empírico adquirido sobre o meio pesquisado. Questiona-se nessa etapa o como foi dito, se houve interação com o/a outro/a, se a fala foi refutada por algum/a participante, se houve uma fala de conclusão ou se houve uma mudança de voz. Para esse artigo procedeu-se as duas primeiras etapas de análise prevista pelo método documentário: análise formulada e análise refletida. Não se apresentará as mesmas nessa ocasião, porém a intenção é trazer algumas considerações a partir do conteúdo das falas dos entrevistados/as a partir de um roteiro com seis temas. Esse roteiro foi preparado a fim de que os/as jovens pudessem falar primeiramente de suas trajetórias de vida, sobretudo como surgiu a ideia de estudar uma língua estrangeira, em especial o francês. Em segundo lugar foi proposto o tema da formação inicial dos mesmos e o porquê de se tornarem professores de francês. No caso, foi utilizada a terminação professor/a e não instrutor/a, pois consideramos que a partir do momento em que ministram aulas são professores/as. 12 Trata-se aqui de análise segundo o método documentário. Para maiores informações sobre esse método ver: Weller et al, 2002; Weller, 2005; Bohnsack e Weller, 2010. 13 Não foi realizado o método documentário em todas as suas etapas: a interpretação formulada, a interpretação refletida, a análise comparativa de caso e a construção de tipos, conforme Bohnsack (2007) apud Weller (2010, nota 5, p. 91). 11 O terceiro tema proposto foi a solicitação de que os/as jovens professores/as puderam apresentassem o dia-a-dia dos/as de trabalho dos/as mesmos/as, a relação com os alunos/as, e se havia diferença ou dificuldades relacionadas à faixa etária do jovem profissional que ensina do jovem que aprende. Houve um destaque para a o tema discriminação e preconceito relativo a ser ou não nativo de língua. Se os/as jovens profissionais percebem alguma diferença de tratamento por serem não nativos, ou se existem vantagens ou desvantagens em ser ou não nativo da língua que ministra as aulas. O quarto tema que foi levado aos jovens profissionais foi quanto à relação de gênero, para entendermos se há diferença em ser um ou uma professor/a de francês, ou se os/as mesmos/as acreditam que há diferenças na concepção da mulher nos livros didáticos que utilizam. Destacou-se a questão relativa à existência de preconceitos na escola referente ao fato de ser homem ou mulher ministrando aula, tanto para professores/as quanto para estudantes, procurando saber se acreditam que a forma de trabalhar em sala de aula com meninas e meninos é diferente. Encerrou-se o grupo de discussão com a fala dos/as jovens profissionais sobre a formação continuada na carreira e como isso acontece, bem como os projetos de futuro dos/as mesmos/as. A pesquisadora fez poucas intervenções e os/as mesmas falaram muito, gesticularam bastante, enfim, relataram à pesquisadora que estavam satisfeitos com essa atividade porque foi um “momento de falar de suas experiências pessoais e profissionais” sem restrições. Todos/as concordaram em realizar outro grupo de discussão caso seja necessário. Dos cinco jovens entrevistados, três haviam feito curso de francês porque o mesmo é ofertado pela rede pública de ensino do DF, quer em Centros Interescolares de línguas, quer na Aliança Francesa, pela cooperação técnica existente entre essa associação e a SEDF. Assim, há políticas públicas de ensino de línguas no DF apesar de se ter um Estado que ignora muitas vezes as demandas de tais escolas de línguas 14. Observou-se que duas jovens professoras tiveram suas trajetórias do tipo ioiô, ou seja, uma trajetória em que não há um percurso linear, ou seja, estudo/casamento/trabalho. Há estudo / trabalho / casamento / estudo / trabalho. E também estudo/desemprego/emprego/mudança de estudo/recomeço universitário. As dúvidas quanto ao curso superior foi uma marca na fala dessas entrevistadas, sendo que uma delas afirma que a princípio a dupla-habilitação lhe satisfazia, mas que isso mudou ao longo do tempo. Essa jovem professora passou por três cursos superiores e até a presente data não concluiu nenhum. 14 Conforme a reflexão sobre as políticas públicas de língua estrangeira – francês - no DF a partir do artigo de DAMASCO, Denise Gisele de Britto (2010): “Existe-t-il des politiques conçues pour l’enseignement de Français Langue Étrangère au District Fédéral”, no periódico Synérgies Brésil n. spécial n.1, pag.77-84. 12 Ao afirmar que gostaria de ser professora de francês, no caso, e ter sido contratada como instrutora de francês, começou também a dar aulas de português para estrangeiros/as, tangenciando sua perspectiva profissional. O processo de contratação desses/as jovens professores/as e instrutores/as se diferenciou, pois duas delas têm formação em Letras, uma passou concurso público e os/as demais até a presente data não têm habilitação em francês como língua estrangeira. Esses/as entrevistados/as afirmam que muitos são seus desafios ao estar em uma sala de aula em FLE, tal como a timidez. Vencer a timidez é um desafio, sobretudo, quando se trata estudantes adultos. Outro desafio é a motivação para o aprendizado de um língua estrangeira. Uma jovem professora afirma que por ser perfeccionista, quer agradar a todos e todas e isso é para a mesma uma dificuldade quando não obtém êxito. O desafio para outro entrevistado foi reconhecer perante seus/suas estudantes que era professor/a de francês sem nunca ter ido à França. Após leitura detalhada da transcrição das falas das entrevistadas e de um entrevistado a fim de proceder à etapa da análise formulada, observou-se que os/as mesmas querem ter uma realização no momento presente com sua docência sem a preocupação com outras questões em relação ao futuro. Acredita-se que o debate a respeito da identidade do/a docente seja importante, entretanto tais jovens docentes entrevistados/as não se manifestaram explicitamente que essa é uma de suas preocupações. Esse/a jovem professor/a quer entrar na vida profissional e trabalhar no momento presente. Considerações finais Nosso intuito neste artigo foi primeiramente retomar algumas referências históricas e ideias de educadores que propuseram a formação de professores para assim contribuir com a questão da formação de professores de línguas estrangeiras. A questão teórica sobre o/a professor/a ou instrutor/a de línguas foi feita por meio de Georg Kerschensteiner, John Dewey, Roger Cousinet e Donald Schön. Tais autores discutem a importância da formação inicial e da reflexão da prática para o/a docente de línguas. O tema desse artigo se torna relevante na medida em que apresenta duas identidades de classe: o/a professor/ ou o/a instrutor. Ao compreender identidade de classe, por meio de Mascarenhas (2002) como um conjunto de auto representações sociais que decorrem de um lugar objetivo ocupado na produção e de uma prática simbólica coletiva, atrela-se essa questão a importância do sentimento de pertença desse indivíduo, o que o/a faz se sentir 13 valorizado/a e a valorizar-se, pois ele/a está no mundo e estabelece relações com esse mundo e com o/a outro/a. O trabalho do/a professor/a é “multidimensional” (TARDIF, 2011, p. 17). Isso significa que o trabalho docente incorpora no seu dia-a-dia, na sala de aula, na escola, elementos da identidade pessoal e profissional do/a professor/a, até mesmo sua situação socioprofissional. Concorda-se com esse autor que é preciso que se passe do modelo de tecnólogo do ensino, para o modelo do prático reflexivo para se chegar finalmente ao modelo do ator ou atriz social, uma agente de mudanças, engajado, que tem valores emancipatórios no seu espaço social e no seu espaço escolar. Compreende-se que o “ser professor/a” engloba diversas dimensões. Para Almeida Filho (se/data), esse professor/a de idiomas “é um/a apoiador/a e estimulador/a de desenvolvimento de capacidades de linguagem na língua-alvo” 15 e se torna um/a educador/a quando forma humaniza, contribuindo para que uma consciência transformadora e uma consciência sobre a linguagem. É um “autoformador reflexivo na crescente consciência profissional e um formador de melhores aprendentes de língua” (ALMEIDA FILHO, s/ data). Acredita-se que a função política e social docente também devam ser colocadas e discutidas com os profissionais da docência em momentos de formação contínua, pois tais docentes não são apolíticos. Os/as mesmas têm uma função social ao atuarem com outros/as jovens, quase de suas idades. Almeida Filho (s/ data) afirma que os/as professores/as e instrutores/as devem se tornar profissionais plenos. Para tal, é preciso dar-lhes oportunidades para se formarem. Precisam de tempo, ambiente e ocasiões pontuais e esporádicas para a reflexão. Tais profissionais precisam de estímulo para exercer um bom trabalho, fazendo com que os mesmos tenham condições existenciais para desenvolver suas concepções contemporâneas de aprender e ensinar línguas. Esse autor acrescenta que é preciso também salários dignos e condições favoráveis para que esse profissional exerça sua função. Para isso, é preciso que se formulem políticas em todos os níveis (federal, estadual, municipal e local) a fim de que se valorize e aperfeiçoe a aprendizagem de línguas e o ensino de qualidade. 15 Anotações a partir da fala do professor José Paes de Almeida Filho na disciplina “Formação de Professores de língua estrangeira”, em 2/2010 na Linguística Aplicada da Universidade de Brasília. 14 REFÊRENCIAS AHLERT, Alvori (2001). Educação e esperança: sentidos para a formação docente. In: A formação de professores na perspectiva crítico-emancipadora. In: Docência, formação e gestão. 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