regina célia mariz de almeida a evolução da posição jurídico

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regina célia mariz de almeida a evolução da posição jurídico
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ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA – ESMAT 13
REGINA CÉLIA MARIZ DE ALMEIDA
A EVOLUÇÃO DA POSIÇÃO JURÍDICO-SOCIAL DA
MULHER
JOÃO PESSOA/PB
2010
10
REGINA CÉLIA MARIZ DE ALMEIDA
A EVOLUÇÃO DA POSIÇÃO JURÍDICO-SOCIAL DA
MULHER
Monografia apresentada à Banca Examinadora da
ESMAT 13, como exigência parcial para a obtenção
do grau de Especialista em Direito do Trabalho.
Orientador: Prof. Ms. Sérgio Cabral dos Reis
Área: Direito Civil
JOÃO PESSOA/PB
2010
11
REGINA CÉLIA MARIZ DE ALMEIDA
A EVOLUÇÃO DA POSIÇÃO JURÍDICO-SOCIAL DA
MULHER
Monografia apresentada à Banca Examinadora da
ESMAT 13, como exigência parcial para a obtenção
do grau de Especialista em Direito do Trabalho.
Orientador: Prof. Ms. Sérgio Cabral dos Reis
Área: Direito Civil
Aprovada em: ___/___/___
Nota: ____________
JOÃO PESSOA/PB
2010
12
À minha família e aos meus amigos,
pois tornaram possível esta realização,
afinal, o amor e a amizade são ingredientes
indispensáveis para uma vida feliz...
13
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, por estar comigo em todos os momentos, instantes, enfim, guiar a
minha vida, nunca tendo desistido de mim, mesmo quando fracassei, pensei em
abandonar o projeto, julguei que tudo estava perdido, mas o seu par de pegadas na
minha história, principalmente solitário, sem o meu, fez renascer em mim a
esperança da vitória.
Aos meus pais, que, com suas distintas sabedorias, ofereceram-me o melhor,
proporcionando a oportunidade de conseguir incrementar a minha intelectualidade e
dando-me profundos exemplos de garra e moral, fortalecendo-me, sempre, para que
eu seja ainda mais capaz de enfrentar o mundo.
Aos meus amigos, frutos que germinaram de sementes tão pequenas, mas
tornaram-se presenças especiais em minha vida, ensinando-me as diversas
maneiras de ver a existência, alargando meus conhecimentos sobre mim mesma,
fazendo-me acreditar que era capaz de transpor os inúmeros limites que me
impunha.
A Katalin, pessoa tão especial, que me ajudou a vencer esta etapa tão valiosa,
esticando prazos, incentivando a continuar na estrada do saber, solucionando
problemas insolúveis, conciliando situações inusitadas.
A José, uma pessoa muito especial, capaz de inundar meu ser com a coragem de
lutar, a vontade de vencer, estando sempre presente em meu pensamento, por ser
uma lição viva de amor, de carinho, de solidariedade, de honestidade, enfim, por
possuir uma alma extraordinária, encantando todos que têm o privilégio de conhecêlo, de conversar com ele e de ouvir a sua história de vida.
Agradeço, carinhosamente, a Eduardo Varandas, um amigo ímpar que trago,
orgulhosamente, no rol de meus queridos mais próximos, pelo apoio, pelo incentivo,
pelas conversas firmes e direcionadas sobre a profissão e sobre a vida, fazendo-me
sair de sua sala com a certeza de que faria este curso de especialização, e,
principalmente, por seu histórico de vida, afinal, a melhor lição é o exemplo.
Agradeço, em especial, ao meu orientador Sérgio Cabral dos Reis, um homem
obstinado, centrado, dedicado e desbravador do mundo do conhecimento,
conquistando o seu merecido espaço nos cenários jurídicos paraibano e brasileiro
de forma brilhante, responsável e enriquecedora, aliando a sua maturidade, a sua
intelectualidade e a sua juventude, causando ainda mais admiração naqueles que
compartilham de sua sabedoria.
“O que importa na vida não é o
ponto de partida, mas a caminhada.
Caminhando e semeando, no fim,
terás o que colher.”
(Cora Coralina)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
08
CAPÍTULO I – EVOLUÇÃO HISTÓRICA
09
1 Legislações
09
1.1 Leis Portuguesas e Ordenações Filipinas
10
1.2 Constituições de 1824 e 1891
11
1.3 O Código Civil de 1916
12
1.4 Constituições Federais de 1934 a 1946 e Legislações
Extravagantes até 1962
14
1.5 Estatuto da Mulher Casada
15
1.6 Constituições de 1967 E 1969
16
1.7 Lei do Divórcio (Lei no 6.515/77)
17
1.8 Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do
Adolescente
19
1.9 O Código Civil de 2002
24
1.10 Legislação Extravagante Pós Código Civil de 2002
27
1.11 Datas Históricas de Lutas das Mulheres no Brasil
28
CONSIDERAÇÕES FINAIS
37
REFERÊNCIAS
38
RESUMO
Este trabalho tem como fulcro historiar e analisar os principais fatos que contribuíram
para a evolução jurídico-social da mulher, que, com o passar do tempo, foi
conquistando sua independência e sua liberdade em meio a uma sociedade
machista, discriminadora e marginalizadora. Ainda em processo, a evolução jurídicosocial da mulher vem se efetivando através de sua ascensão em alguns âmbitos da
sociedade, como no mercado de trabalho, na seara política, englobando as três
esferas de governo, o direito de votar, a participação na economia familiar, acesso a
estudo, galgando posições catedráticas. Das origens societárias aos dias hodiernos,
a figura feminina tem alçado voos cada vez mais altos e de grande sucesso. É
verdade que o processo evolutivo varia de cultura a cultura, obedecendo a preceitos
religiosos os mais variados possíveis. Faz-se mister ressaltar, porém, que as vitórias
colecionadas pelas mulheres são feitos de extrema valia, mudando, inclusive, o
curso da nossa própria história.
Palavras-chave: Direitos
Preconceito. Conquistas.
da
Mulher.
Deveres
da
Mulher.
Discriminação.
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INTRODUÇÃO
Esta pesquisa tem como temática a evolução da posição jurídico-social da
mulher, tendo em vista a relevância que traz a matéria no âmbito histórico, jurídico e
social.
Foram quatro os métodos utilizados: o histórico, o jurídico, o exegético e o
bibliográfico. Quanto ao primeiro, trataremos da Roma Antiga, dos regramentos
portugueses, focaremos, especialmente, do Brasil as Constituições passadas até a
legislação constitucional e infraconstitucional da atualidade. O método jurídico foi
desenvolvido pelo estudo dos institutos que se aplicavam às legislações passadas e
atuais referentes aos direitos e deveres das mulheres. O método exegético foi
tratado na pesquisa sobre legislações, usos e costumes, como componentes do
ordenamento jurídico destacado. E, por fim, o método bibliográfico, pela pesquisa
nas obras que no desenvolvimento do trabalho serão citadas.
Foi dividido o trabalho em tópicos, inseridos em um capítulo, de forma que
tornasse mais fácil a compreensão da construção histórica das Constituições
brasileiras e legislações modernas, que, cada vez mais, instituíram-se no Brasil, para
salvaguardar direitos das minorias, e, entre esses, os direitos e deveres das
mulheres, que, durante muito tempo, foram preteridas diante da ausência de
legislação ou mesmo da existência de expressão de preconceito e discriminação da
mulher na norma aplicada.
Era chegada a hora de se criarem mecanismos que colocassem em prática
todos os acontecimentos e evidências de igualdade, visto que, em um Estado
Democrático de Direito, não há lugar para isolamento de pessoas.
Com o espírito de justiça social e humanitária com que muitos lutaram e
conquistaram
direitos,
os
quais
serão
destacados
no
presente
trabalho,
selecionamos nossa temática pelo interesse na pesquisa e pelo contentamento na
divulgação dessas conquistas.
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CAPÍTULO I
EVOLUÇÃO HISTÓRICA
1. Legislações
No Brasil, a evolução da condição jurídica da mulher ocorreu muito
lentamente. Houve marcos importantes, dentre os quais: o Código Eleitoral; as
Legislações Trabalhistas; o Estatuto da Mulher Casada, que alterou o Código Civil, e
as anteriores Cartas Magnas culminando com a atual Constituição Federal de 05 de
outubro de 1988.
Nos primórdios, a mulher assumiu uma posição igualitária em relação ao
homem, enquanto este caçava e pescava, aquela competia o desenvolvimento da
agricultura e tarefas domésticas. Mas, com o aumento da riqueza individual do
homem, a monopolização da política, bem como a queda do direito materno, surgiu
uma enorme desigualdade jurídico-social entre homens e mulheres. E, em termos de
importância, foi o que mais inferiorizou a mulher, tendo em vista serem tolhidos seus
direitos como pessoa.
Influenciada por uma educação diferenciada da oferecida ao homem, a
mulher era trabalhada para sempre servir, enquanto o homem era educado para
assumir a posição de senhor todo-poderoso.
Quando solteira, vivia sob a dominação do pai ou do irmão mais velho; ao
casar, o pai transmitia todos os seus direitos ao marido, submetendo a mulher à
autoridade deste. A mulher nada mais era do que um mero objeto, por faltar-lhe
capacidade para o exercício de seus direitos civis, chegando ao absurdo cultural de
propiciar ao marido a escolha do próximo esposo de sua mulher, em caso de sua
morte; em outras situações, com a morte do marido, matavam-na e enterravam-na, a
fim de que a mesma continuasse servindo-o no outro mundo.
O Direito Romano, berço da nossa cultura jurídica, já desprovia a mulher de
capacidade jurídica. A religião era prerrogativa masculina da qual a mulher somente
participaria com a autorização do pai ou do marido. Também o parentesco só se
transmitia pelos homens (AMORIM, 1990).
No Brasil-Colônia, a Igreja deu início à educação, no entanto a instrução
ministrada por ela não incluía as mulheres. A Igreja da época pregava que a mulher
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devia obediência cega não só ao pai e ao marido, como também à religião.
Consequentemente, a mulher vivia enclausurada, sem contato com o mundo
exterior. Seus dois únicos motivos de viver eram o lar e a Igreja. (SILVA, 1992)
À mulher não era permitido estudar nem aprender a ler. Nas escolas
administradas pela Igreja, somente lhes eram ensinadas técnicas manuais e
domésticas. Esta ignorância lhe era imposta de forma a mantê-la subjugada,
desprovendo-a de conhecimentos que lhe permitissem pensar em igualdade de
direitos. (SILVA, 1992)
Com a mudança da Corte Portuguesa para o Brasil, foram abertas algumas
escolas não religiosas, onde as mulheres podiam estudar, entretanto, restrita
aos conhecimentos de trabalhos manuais, domésticos e da língua portuguesa –
falada em Portugal - em nível do antigo primário, como preleciona Eduardo de
Oliveira Leite. (SILVA, 1992)
Com a Constituição do Brasil Império de 1824, surgiram novas escolas
destinadas especialmente à educação da mulher, mas, ainda, voltada a trabalhos
manuais, domésticos, cânticos e ao ensino brasileiro de instrução primária. Ainda
era vedado que mulheres frequentassem escolas masculinas.
A vedação da mulher ao conhecimento escolar tinha dois motivos básicos,
quais sejam: em primeiro lugar, o convívio entre homens e mulheres, conforme a
Igreja, poderia provocar relacionamentos espúrios, e, em segundo lugar, porque
sendo a instrução dada aos homens em nível mais elevado, não poderiam as
mulheres frequentar as mesmas escolas. Somente no início do século XX, fora
permitido que homens e mulheres estudassem juntos.
1.1 LEIS PORTUGUESAS E ORDENAÇÕES FILIPINAS
O Brasil-Colônia regulava-se pelas leis portuguesas, que não reconheciam
direitos à mulher e foram aplicadas até o período da Independência. Posteriormente
e por mais de trezentos anos, de 1603 a 1916, vigeram as Ordenações Filipinas,
que, em nada, identificavam-se com nossos usos, costumes e tradições.
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Esse regime jurídico trazia em seu âmago o conservadorismo do poder
patriarcal vivido na Idade Média. Nesse período, era vedado à mulher ser
testemunha em testamento público; o pátrio-poder era de exclusividade do marido,
não podendo a mulher ser tutora ou curadora sempre que contraísse novas núpcias;
as viúvas poderiam sê-lo, desde que ‗vivessem honestamente‘.
O marido poderia castigar a mulher, bem como matá-la em caso de
adultério. Para isso, bastava a „fama pública‟, não sendo necessário „prova austera‟
(Livro 5, Títulos 36, 28, §6º, e 95). Nota-se que o benefício de matar, em caso de
adultério, era apenas concedido ao homem. Posteriormente, o Código Criminal do
Império, em seu art. 252, deixou de autorizar o homicídio e determinava que o
marido deveria ser acusado perante o juízo criminal.
Ademais, sempre que o marido estivesse litigando em juízo, haveria a
necessidade da participação uxória da mulher. Isso não significava que a mulher
passara a ter importância, mas em face da proteção da família, já que o homem e a
mulher eram considerados como única pessoa, e a decisão era unicamente do
marido (Livro 3, Título 48).
Com a implantação do regime republicano brasileiro, surge o Decreto nº 181,
de 24 de janeiro de 1890, que manteve o domínio patriarcal - no entanto de forma
mais suave -, quando dispôs sobre o casamento civil e retirou do marido o direito de
impor castigo corpóreo à mulher e aos filhos.
1.2 CONSTITUIÇÕES DE 1824 E 1891
A Constituição de 1824 determinava, em seu artigo 178, inciso XII, que a lei
seria igual para todos, quer para proteger, quer para castigar, e recompensaria à
proporção dos merecimentos de cada um.
No século XIX, em plena Revolução Industrial, a mulher entrou no mercado
de trabalho nas fábricas, lado a lado com os homens, porém ocupando uma posição
inferior. É mister destacar que não foi espontâneo, mas necessário, quase
obrigatório, a mulher ingressar nesse mercado, porque, com a substituição do
homem pela máquina, a renda familiar reduziu, de maneira considerável, e, em
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alguns casos, deixou de existir, já que era o homem que mantinha financeiramente a
casa, e, até esse momento, a mulher cuidava da mesma. (CÁRCERES, 1994)
Como consequência dessa inferioridade, surgiu um movimento de mulheres
que reivindicava a participação igualitária entre homens e mulheres na sociedade.
Inicialmente, esses movimentos feministas lutavam apenas para obter reformas
jurídicas relativas ao status da mulher. Defendiam a ideia liberal de que a igualdade
de direitos jurídicos seria suficiente, para solucionar todas as discriminações.
(CÁRCERES, 1994)
O feminismo sufragista era um movimento de mulheres de classe média
emergente, e sua principal meta era o direito ao voto.
A primeira constituinte republicana levou para discussão, pela primeira vez,
no Brasil, o tema „direitos da mulher‟. A Constituição de 1891, entretanto, excluiu do
direito ao voto: o clero, em geral; os analfabetos e as mulheres. Os constituintes que
eram contra o voto feminino alegavam que esse direito iria „anarquizar a sociedade‟.
Nota-se que a referida Constituição, em seu art. 72, §2º, conservou o
princípio da isonomia, não admitindo privilégios de nascimento, desconhecendo
foros de nobreza, e extinguiu as ordens honoríficas existentes e todas as
prerrogativas e regalias, bem como títulos nobiliários e de conselhos (BASTOS,
2003).
Durante a Primeira República, também conhecida como República Velha,
cresceu o movimento no sentido de que a ‗igualdade de todos‘, como dizia a
Constituição, fosse aplicada também às mulheres. Esse movimento reivindicava,
principalmente, o direito ao voto e à educação.
1.3 CÓDIGO CIVIL DE 1916
Em 1916, surge o Código Civil e, com ele, a família ou sociedade patriarcal.
Nessa época, o que imperava era o „machismo‟. O poder de decisão e de chefia da
sociedade conjugal era exclusivo dos homens, pois a mulher era tida como um ser
acessório. Ela só deveria viver em função da casa, do marido e dos filhos.
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Assim, as mulheres eram consideradas como relativamente incapazes (art.
6º, inciso II), ao lado dos menores impúberes, índios e pródigos. Ao pai, enquanto
solteiras, ou ao marido, enquanto casadas, cabia a representação legal da família.
Deve-se salientar que à mãe só era conferido poder de decisão de forma subsidiária,
ou seja, na falta ou impedimento do pai.
O Código Civil de 1916 não reconhecia a liberdade pessoal da mulher, e o
casamento era modelo perfeito do fechado mundo patriarcal. O pai tinha o poder
sobre o filho ilegítimo reconhecido enquanto menor (art. 360), além de possuir
competência para nomear tutor.
A mulher, de 1916 a 1962, necessitava da autorização do marido, para que
pudesse exercer qualquer profissão fora do lar conjugal (art. 233). Além disso, ela
era proibida de aceitar tutela, curatela ou qualquer outro múnus público, herança,
legado e mandato sem autorização do marido (art. 242).
Art. 242 - A mulher não pode, sem o consentimento do marido:
I. Praticar atos que este não poderia sem o consentimento da mulher
II. Alienar, ou gravar de ônus real, os imóveis do seu domínio particular,
qualquer que seja o regime dos bens.
III. Alienar os seus direitos reais sobre imóveis de outrem.
IV. Aceitar ou repudiar herança ou legado.
V. Aceitar tutela, curatela ou outro múnus públicos.
VI. Litigar em juízo civil ou comercial, a não ser nos casos indicados nos
arts. 248 e 251.
VII. Exercer profissão.
VIII. Contrair obrigações, que possam importar em alheação de bens do
casal.
IX. Aceitar mandato.
Sempre que existisse divergência entre o pai e a mãe quanto ao
consentimento para o filho menor casar, prevaleceria a vontade do pai (art. 186). E
era o pai que detinha o exercício exclusivo do pátrio poder, enquanto perdurasse a
sociedade conjugal (art. 380). É forçoso destacar que o art. 385 dava ao pai a
administração dos bens do filho e a possibilidade de a mãe tornar-se curadora dos
bens apenas na falta do cônjuge varão.
Por outro lado, trouxe a vocação igualitária, quando, em seu art. 240, a
mulher, pelo casamento, assumia os apelidos do marido e a condição de consorte e
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companheira, além de conferir-lhe o direito de dispor livremente do produto de seu
trabalho, o que era negado ao marido.
Havia situações como o direito de anular o casamento, se descobrisse que a
sua mulher não era virgem, e o direito do pai deserdar a filha desonesta, que
significavam o pensamento paternalista reinante em nossos costumes e cultura,
infiltrando-se no direito positivo brasileiro. Tudo isso em face do tabu sexual imposto
pela Igreja Católica, por meio da história de Adão e Eva, em que mostra a mulher
como grande estímulo do mal.
1.4
CONSTITUIÇÕES
FEDERAIS
DE
1934
A
1946
E
LEGISLAÇÕES EXTRAVAGANTES ATÉ 1962
Em 1932, surge o Código Eleitoral, com um avanço em relação aos direitos
da mulher, quando permitiu o exercício do voto aos 21 (vinte e um) anos, tendo a
Constituição Federal de 1934 reduzido a idade para o exercício do direito de sufrágio
para 18 (dezoito) anos. Assim, em 1936, Berta Lutz, eleita Deputada Federal
suplente em 1934, assumiu o mandato na Câmara Federal.
No que diz respeito à igualdade entre homens e mulheres, até 1934, as
Constituições tão somente afirmavam, de forma genérica, o princípio da igualdade
de todos perante a lei, sem, contudo, citar expressamente a proibição da
discriminação em função do sexo.
Em 1934, pela primeira vez, o constituinte se ocupa da situação jurídica da
mulher de forma a proibir distinções ou privilégios em razão do sexo, ampliando os
direitos femininos em detrimento da soberania masculina (art. 113, §1º).
A Carta de 1937 (art. 122, §1º), em flagrante retrocesso, suprime a
referência expressa à igualdade jurídica dos sexos, retornando à fórmula genérica
das Constituições promulgadas no século anterior. Da mesma forma, a Constituição
de 1946 (art. 141, §1º) apenas reproduziu o texto anterior, castrando, mais uma vez,
a dignidade da mulher.
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1.5 ESTATUTO DA MULHER CASADA
Diante da inferioridade da mulher e com base na Declaração dos Direitos
Humanos, que determinava a igualdade de direitos entre o homem e a mulher, não
só durante o matrimônio, mas também após a dissolução deste, surge, no Brasil, em
27 de agosto de 1962, a Lei nº 4.121, também conhecida como Estatuto da Mulher
Casada.
O referido estatuto foi um marco decisivo para o reconhecimento e o avanço
dos direitos da mulher antes da Constituição Federal de 1988. Seu maior mérito foi
abolir a incapacidade feminina, revogando diversas normas discriminadoras.
Gerando alterações profundas no Código Civil de 1916, além de pôr fim à
incapacidade relativa, ampliou o pátrio-poder, o qual competia ao pai com a
colaboração da mãe, melhorando, dessa forma, a posição da mulher na sociedade
conjugal em relação aos filhos.
Garantiu também à mulher: o direito de ficar com a guarda dos filhos
menores e estabeleceu que, se a mãe contraísse novas núpcias, não perderia os
direitos do pátrio-poder; o direito de recorrer ao Poder Judiciário, se não
concordasse com as decisões do marido em relação aos filhos.
Ademais, consagrou o „princípio do livre exercício da profissão da mulher‟,
instituindo uma nova categoria de bens, os chamados „reservados‟, em função da
autonomia profissional. Isso significava que os bens adquiridos com o resultado do
trabalho da mulher eram de sua exclusiva administração, independente do regime
de bens do casamento, sendo protegidos de eventual execução das dívidas do
marido. É válido ressaltar que a mulher só necessitava de autorização do marido, se
os bens fossem imóveis. Isso a tornou economicamente produtiva, aumentando a
importância da mulher nas relações de poder no interior da família.
Este aumento do poder econômico feminino trouxe decisivas modificações
no relacionamento pessoal entre os cônjuges. Teve o mérito de ser o início das
conquistas da mulher, mas esta foi uma mudança árdua e demorada.
Em relação ao domicílio, que, por disposição do Código Civil de 1916, cabia
exclusivamente ao marido, a mulher passou a ter direito de recorrer ao Poder
Judiciário, se essa escolha viesse a prejudicá-la.
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Essa legislação inovou, também, quando suprimiu a autorização marital em
casos em que a mulher pudesse aceitar ou recusar herança ou legado, tutela,
curatela, múnus público ou mandato, para exercer profissão e para litigar em juízo.
A mulher viúva adquiriu, ainda, o direito de usufruto, se o regime de bens do
casamento não era o da comunhão universal; sobre a quarta parte dos bens do
cônjuge falecido, se houvesse filhos deste ou do casal, e sobre a metade, se não
houvesse filhos; enquanto durasse
a viuvez, mesmo que sobrevivessem
ascendentes do „de cujus‟; bem como o direito real de habitação, quando casada
sob o regime de comunhão universal, enquanto vivesse e permanecesse viúva,
relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que fosse o único
bem daquela natureza a inventariar.
Teixeira1 acrescenta que ―a autoridade do marido foi mantida, embora
estabelecido que essa autoridade deveria ser exercida no estrito benefício da
família, somente ‗como garantia da preservação da unidade familiar‘‖. Com isso,
pode-se citar, a título de exemplificação dessa manutenção de autoridade do marido,
que, em caso de herança deixada pelos pais da mulher, a mesma vinha em nome do
marido „por cabeça de casal‟, não aparecendo o nome da filha casada como
herdeira dos seus próprios pais.
1.6 CONSTITUIÇÕES DE 1967 E 1969
Pode-se dizer que, a partir da Constituição de 1967, começou a firmar-se a
igualdade jurídica entre homens e mulheres. Assim, a Carta Magna determinava, em
seu art. 153, que ―todos são iguais perante a lei, sem distinção de sexo, raça,
trabalho, credo religioso e convicções políticas‖ e que o preconceito de raça seria
punido pela lei. Nota-se, com isso, um avanço em relação às Constituições de 1937
e 1946, quando o legislador especificou a não discriminação entre homens e
mulheres.
1
TEIXEIRA, 1993, p. 73.
17
Em 1969, a Constituição de 1967 sofreu uma alteração profunda em seu
texto com a Emenda Constitucional nº 1, e, em face disso, muitos a consideram uma
nova Constituição. Apesar dessa alteração, o texto foi mantido.
1.7 LEI DO DIVÓRCIO (LEI no 6.515/77)
Em 26 de dezembro de 1977, introduziu-se a Lei nº 6.515, mais conhecida
como Lei do Divórcio, cujo objetivo precípuo era reconhecer e sanar as situações
fáticas já instaladas no seio da sociedade. Seu projeto, inicialmente, tinha o intuito
de estabelecer o divórcio puro e exclusivo, mas, diante da pressão advinda dos
entes religiosos, encabeçada sobremaneira pela Igreja Católica, fez com que
surgisse um sistema bipartido de dissolução da sociedade conjugal — uma
preliminar e outra definitiva —, fazendo surgir a separação e o divórcio.
Inicialmente, o divórcio foi introduzido no Brasil pela Emenda Constitucional
nº 9, de 28 de junho de 1977, que deu nova redação ao §1º do art. 175 da
Constituição de 1969, não só suprimindo o princípio da indissolubilidade do vínculo
matrimonial como também estabelecendo os parâmetros da dissolução, que seria
regulamentada por lei ordinária.
O Decreto nº 181, de 1890, que instituiu o casamento civil no Brasil, previa o
divórcio a „thoro et mensa‟, que acarretava somente a separação de corpos, mas
não rompia o vínculo matrimonial. O divórcio vincular ou ―a vínculo‖, que dissolve o
vínculo e permite novo casamento, somente passou a ser aplicado no Brasil com a
regulamentação da Emenda Constitucional pela Lei do Divórcio. Sua modalidade
básica era o divórcio-conversão: primeiro o casal se separava judicialmente e,
depois de três anos, requeria a conversão da separação em divórcio.
O divórcio direto era tido como uma forma excepcional, prevista em suas
disposições transitórias (art. 40), ao alcance somente de casais que já estavam
separados de fato há mais de cinco anos em 28 de junho de 1977, limitando a uma
única vez a separação e/ou divórcio.
Essa lei dava aos cônjuges a oportunidade de pôr fim ao casamento e
constituir nova família. Privilegiou, sob vários aspectos, homem e mulher,
18
inicialmente com a possibilidade de reconstrução do lar desfeito, bem como a mulher
passou a ter a faculdade de optar, ou não, pelo uso do patronímico do marido,
retirando a imposição que existia da obrigatoriedade de abrir mão do próprio nome,
para adotar o do marido.
Substituiu o regime da comunhão universal de bens (em que todos os bens
pertenciam ao casal, sejam os pretéritos, os presentes ou os futuros) pelo da
comunhão parcial de bens (só os bens advindos do casamento fariam parte de
futura partilha, ficando a salvo os bens pretéritos ao ato, os advindos de doações ou
sucessões, bem como os sub-rogados em seu lugar), ampliou a equiparação dos
filhos, qualquer que fosse a natureza da filiação (natural casamentária ou não e
civil), para os fins de sucessão hereditária.
Em seu artigo 20, trouxe a presunção de que ambos os cônjuges são
responsáveis pelo sustento dos filhos, acabando com o entendimento de que a
fixação da prestação alimentícia está associada à idéia de culpa, equiparando,
assim, a obrigação de prestar alimentos aos filhos tanto ao homem quando à
mulher.
A referida lei estabelece, ainda, a reciprocidade de prestação alimentar,
cabendo ao cônjuge responsável pela separação judicial pensionar o outro, sem
distinção entre homem e mulher, vinculando o pagamento dos alimentos ao binômio
necessidade-possibilidade.
A separação judicial foi mantida, após o Brasil ter se tornado um país
divorcista, por uma questão meramente psicológica, tendo em vista a pressão
exercida pela Igreja Católica, com o simples objetivo de manter o casamento, pelo
menos temporariamente, pois o mesmo não estaria dissolvido de pronto, e os
separados não poderiam se casar novamente, tendo oportunidade de repensarem a
possibilidade inclusive de restabelecimento da sociedade conjugal. É mister salientar
que a separação colocava termo aos deveres de coabitação e fidelidade recíproca e
ao regime de bens (Código Civil, art. 1.576). É tido como causa de dissolução da
sociedade conjugal, não rompendo o vínculo conjugal.
19
1.8 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E O ESTATUTO DA
CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Para as mulheres, a verdadeira e grande vitória surge com a Constituição
Federal de 1988, porém houve uma grande dificuldade prática para aquelas, devido
à discrepância existente entre os dois ordenamentos jurídicos que ditavam regras às
mulheres na época: o Código Civil de 1916 e a Constituição de 1988, pois a
igualdade retratada na segunda em nada condizia com a arcaica legislação civil
existente à época.
Necessária seria uma legislação que se ajustasse a toda a situação fática
existente: à posição da mulher no mercado de trabalho; à atuação na relação
conjugal, familiar
e
social,
resultado
de
muitas
lutas
em
caminhos
de
discriminações... Faltava apenas uma legislação civilista que reconhecesse a
verdadeira posição da mulher, assim como fez a Carta Magna de 1988.
A igualdade buscada pela mulher e apregoada por esta Constituição
somente veio a se estabilizar com pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal,
que se posicionou frente às desigualdades promulgadas pelo Código Civil de 1916.
Assim, revogou toda e qualquer norma infraconstitucional diferenciadora anterior à
Constituição, quando incompatível com a referida Carta Política, declarando que os
preceitos constitucionais que impõem a igualdade entre os cônjuges e homens e
mulheres em geral são auto-executáveis.
Com isso, foram revogados por esta Constituição, dentre outros, os arts. 233
a 254, do Código Civil, os quais tratavam dos direitos e deveres do marido e da
mulher, exceto o art. 235 c/c o art. 242, inciso I, e com os artigos que tratam do
suprimento judicial do consentimento do outro cônjuge, porque era comum a ambos.
Ensina Netto Lobo (Ano, p.) que:
A materialização da igualdade de direitos e obrigações entre homem e
mulher, nas relações conjugais e de união estável, acompanhou a evolução
do princípio da igualdade no âmbito dos direitos fundamentais, incorporadas
às Constituições dos Estados democráticos contemporâneos. O princípio
apresenta duas dimensões:
20
a) igualdade de todas perante a lei, a saber, a clássica liberdade formal, que
afastou os privilégios medievais dos estamentos e dos locais sócio-jurídicos
(corporações de ofício ou guildas), e dotou todos os homens de direitos
subjetivos iguais, ou seja, aqueles que a lei considera iguais;
b) igualdade de todos na lei, amplificando o alcance, para vedar a
discriminação na própria lei, como, por exemplo, a diferenciação entre
direitos e deveres de homens e mulheres, na sociedade conjugal.
Apesar do grande passo firmado com a Lei do Divórcio e de dispositivos
implantados nas Constituições anteriores, com a Constituição Cidadã, como dito, a
mulher teve seus direitos respeitados e equiparados para todos os fins, já que houve
a preocupação de igualar homens e mulheres, de forma expressa, em vários
dispositivos.
Desde seu preâmbulo, a igualdade é tida como um dos fundamentos
principais e estruturais do Estado de Direito, evidenciando-se o intuito do legislador
em proporcionar a igualdade plena (igualdade material), aclarando o respeito a esse
direito em vários de seus dispositivos, ao longo do texto constitucional.
Nos direitos e garantias fundamentais, este fundamento cristaliza-se ao
determinar que no art. 5º:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
I. Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos
desta Constituição; [...] (grifo nosso)
Indo além em vários outros dispositivos, como nos direitos sociais, o
legislador utiliza-se do princípio da igualdade real, para fazer uma descriminação
positiva. Tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, na medida
de sua desigualdade. Observa-se, assim, o firme propósito da Constituinte brasileira
em criar situações que beneficiam a mulher, para igualá-la ao patamar do homem no
mercado de trabalho. Veja-se:
21
Art. 7º [...]
XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a
duração de cento e vinte dias;
[...]
A maternidade é peculiar à condição feminina, visto que a mulher precisa de
tempo para recuperação e cuidados com a prole. Imagine se essa necessidade não
estivesse resguarda pela Carta Magna brasileira, e a mulher tivesse que optar pelo
emprego, abrindo mão da maternidade ou tendo que abandonar seu labor, para criar
os filhos?
Art. 7º [...]
XX- proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos
específicos, nos termos da lei;
[...]
Alguns entendem este inciso inconstitucional, pelo fato de que entendem
que privilegia a mulher. Percebe-se, no entanto, que o intuito do legislador foi criar
descriminantes positivas, para protegê-la ante o mercado.
Art. 7º [...]
XXX- proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de
critério de admissão por motivo de sexo, cor ou estado civil;
[...]
Não impede, contudo, que sejam utilizadas, a depender do cargo, certas
restrições para condição da função, sem atribuir aspectos exclusivamente
discriminatórios referente à pessoa que ocupa.
Expressando-se em vários outros dispositivos, a Constituição Federal de
1988 protege e igualha a condição de homem e mulher em todos os seus termos,
como se pode ratificar por meio dos seguintes artigos:
Art. 183 - Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e
cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem
oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o
domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
22
§ 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao
homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
(grifo nosso)
Art. 189 - Os beneficiários da distribuição de imóveis rurais pela reforma
agrária receberão títulos de domínio ou de concessão de uso, inegociáveis
pelo prazo de dez anos.
Parágrafo único. O título de domínio e a concessão de uso serão
conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do
estado civil, nos termos e condições previstos em lei.
(grifo nosso)
Art. 201. [...]
V. pensão por morte de segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou
companheiro e dependentes, obedecido o disposto no §5º e no art. 202.
(grifo nosso)
No que tange à família, a Constituição Federal de 1988 foi mais precisa, ao
determinar:
Art. 226. [...]
§5º: Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos
igualmente pelo homem e pela mulher.
(grifo nosso)
Observa-se que não existe mais a função do homem e da mulher dentro da
entidade familiar, ambos irão conjugar esforços, para direcionarem o rumo de sua
unidade familiar.
A mulher passou a desempenhar um papel diferente, até então, negado pela
história. Passa da condição de inferioridade para a de igualdade frente ao homem.
Permitindo que a estória bíblica que Eva surgiu da costela de Adão seja interpretada
ao pé da letra. Já que ela surgiu da costela e não do pé ou da cabeça. Porque se
fosse do pé Ela estaria a baixo e seria submetida aos caprichos do homem, se
surgisse da cabeça estaria acima e submeteria o homem, mas Ela foi retirada do
meio do homem para estar em igualdade ao mesmo e do lado esquerdo para ser
amada e não subjugada por ele.
23
A família como um todo passou a ter um paradigma diferente das relações
clássicas, advindas do casamento exclusivamente. Não se admitem, nos dias atuais,
casamentos compostos só por aparências. O indivíduo passou a dar mais valor à
afetividade que deve existir entre os integrantes do núcleo familiar. O constituinte,
percebendo
essas
constantes
modificações,
introduziu
na
Constituição,
expressamente no art. 226, outras formas de entidades familiares, a saber:
1 - a casamentária;
2 - a advinda de união estável;
3- a monoparental.
Isso não que dizer que se excluem outras formas de entidades familiares,
ante a redefinição contemporânea de entidade familiar.
A partir do momento que a família deixou de ser o núcleo econômico e de
reprodução para ser o espaço do afeto e do amor, surgiram vários e novos
aspectos, valores. Nessa seara, a mulher desfruta uma importância diferenciada
dentro e fora do núcleo familiar, com liberdades e responsabilidades advindas de
suas conquistas ao longo da história.
Corroborando o conceito de afetividade e felicidade do indivíduo, o
legislador, percebendo o anseio da sociedade em definir situações pendentes e já
existentes de seus membros, preserva e reconhece a autonomia privada na
instituição do casamento, já que a família tem o papel e a função primordial de
propiciar o bem-estar e permitir a busca da felicidade de seus integrantes, não
interferindo em seu núcleo familiar, deixando a cargo de seus integrantes
promoverem o destino que lhes prover.
Tomando por base o pensamento doutrinário e jurisprudencial no sentido da
não intervenção do Estado na entidade familiar, segundo o qual o Estado não
poderia intervir coercitivamente no âmbito familiar, pondo em risco o projeto de
felicidade, a mulher se destaca ante a legislação vigente, ganhando força jurídica e
fática, concorrendo efetivamente para trilhar o caminho que deve perquirir seu
núcleo familiar, em pé de igualdade com seu esposo ou companheiro sob o rumo
que deve tomar sua família, inclusive com a possibilidade, se assim desejarem, de
não mais permanecerem unidos.
Ademais, a Constituição de 1988 reduziu os prazos para separação e
divórcio-conversão de três para um ano, e criou-se uma modalidade permanente e
24
ordinária de divórcio direto, desde que comprovada a separação de fato por mais de
dois anos, alterando, assim, a Lei do Divórcio.
Nota-se que a Lei nº 7.841, de 17 de outubro de 1989, limitou-se a adaptar a
Lei do Divórcio a essa nova Constituição, dando, porém, nova redação ao art. 40 da
referida lei, excluindo qualquer possibilidade de discussão a respeito da causa
eventualmente culposa da separação.
O único requisito exigido para o divórcio direto passou a ser, assim, a
comprovação da separação de fato por mais de dois anos. Não há nem uma sanção
para o cônjuge que tiver a iniciativa da ação. Pode-se dizer, desse modo, que as
duas modalidades atuais e ordinárias (permanentes) de divórcio existentes no país
— divórcio-conversão e divórcio-direto — têm características de divórcio-remédio.
Não se deveria assim admitir qualquer discussão sobre culpa no divórcio-direto.
Já em 13 de julho de 1990, entra em vigor a Lei nº 8069, mais conhecida
como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), consagrando, definitivamente, o
princípio constitucional da igualdade entre os sexos, estabelecendo que o „pátrio
poder‟ será exercido "em igualdade de condições pelo pai e pela mãe" e que o dever
de sustento, de guarda e de educação dos filhos cabe a ambos.
1.9 O CÓDIGO CIVIL DE 2002
Em 11 de janeiro de 2002, surge a Lei nº 10.406, também conhecida como
Novo Código Civil de 2002. Ela veio para corroborar e ratificar a Carta Magna de
1988, já que estipula em vários de seus dispositivos a igualdade entre homem e
mulher, deixando as distorções constantes no Código de 1916 apenas como fonte
histórica.
Pode-se observar, portanto, que a parte do Direito de Família do Novo
Código Civil é baseada solidamente nos princípios constitucionais da dignidade da
pessoa humana e da isonomia, abandonando os antigos e ultrapassados conceitos.
Nos artigos referentes ao direito da personalidade e da capacidade, a
mulher, que era tida como relativamente incapaz na legislação pretérita, passa a ser
25
considerada, nos tempos hodiernos, como uma pessoa plenamente capaz de gerir
todos os atos de sua vida civil, colocando-a no mesmo patamar masculino.
No direito de família, essa igualdade é evidenciada em vários de seus
dispositivos. O art. 1511, por exemplo, o qual trata das disposições gerais do
casamento, estabelece ―a [...] comunhão plena de vida, com base na igualdade de
direitos e deveres dos cônjuges‖ (grifo nosso).
É mister ressaltar que é defeso ao Estado a interferência no núcleo familiar
(art. 1.513), já que, para a conjuntura atual, a felicidade deve ser o único parâmetro
para a permanência da unidade familiar.
O art. 1.565 do mesmo diploma estabelece que ―[...] homem e mulher
assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis
pelos encargos da família” (grifo nosso), ficando aos mesmos a obrigação de
prover a família, não existindo mais a condição de cabeça ou chefe da casa, tendo
em vista que ambos são co-responsáveis pelo destino de sua entidade familiar.
Uma novidade que não possui referência anterior é a possibilidade de
acréscimo do sobrenome do outro por qualquer um dos cônjuges (§1º art. 1.565). A
legislação anterior possibilitava a obrigatoriedade de a mulher adotar o sobrenome
de seu futuro esposo. Com o advento da Lei nº 6.515/77, porém, a imposição tornouse, de fato, uma faculdade feminina, havendo mais um desdobramento desse
avanço, pois, na legislação atual, essa possibilidade é mútua, podendo ambos
acrescer ao seu nome o nome patronímico do outro.
Ademais, não há mais a opção de se retirar sobrenome seu para colocar o
do outro cônjuge, visto que, em muitos casos, possibilitava a descaracterização de
referidos nomes. Percebe-se que há duas modificações no referido diploma:
primeiro, não é permitido mais retirar qualquer sobrenome, para adotar o de
seu(sua) companheiro(a), sendo possível apenas acrescer. Assim, quaisquer dos
consortes poderão adotar o sobrenome do outro, inclusive ambos, se assim
desejarem.
Novamente, o parágrafo segundo do art. 1.565 traz a questão de não
intervenção estatal no núcleo familiar, deixando ao cargo dos cônjuges, em conjunto,
a direção de sua família. Ratificando esse parágrafo, o art. 1.567 trata da direção da
sociedade conjugal, determinando que esta seja exercida em forma de colaboração
entre homem e mulher, e, em caso de divergência, esta será solucionada pelo Juiz,
levando em consideração o interesse do casal e dos filhos. Evidencia-se, por esse
26
diploma, que não existe mais a prevalência da decisão masculina no rumo da
entidade familiar, o qual deverá ser tomado em conjunto por ambos os consortes, e,
em caso de não chegarem a um acordo, a querela poderá ser solucionada pelo
judiciário.
Podem-se citar vários dispositivos que trazem a igualdade dos cônjuges no
rumo da administração dos bens, guarda, sustento e proteção dos filhos (arts. 1.689,
1690, dentre outros).
O sustento da casa e a direção da família não cabem mais precipuamente
ao esposo, e sim a ambos os cônjuges independentemente do regime de bens
adotado, e a administração desse patrimônio cabe a qualquer um dos consortes.
Esta administração só será exercida de forma exclusiva em caso de enfermidade ou
ausência que impossibilite a administração conjunta de ambos, respondendo o
homem ou a mulher pelas obrigações contraídas, para bem da família, podendo,
inclusive, sem anuência do outro, contrair dívidas.
Não é permitido, contudo, a qualquer um dos cônjuges alienar bens imóveis,
exercer ações referentes a esses direitos ou afiançar ou avalizar sem a autorização
do outro (art. 1.647). Essa restrição demonstra cabalmente a igualdade do homem e
da mulher nos interesses da família, resguardando o interesse da sociedade
conjugal.
Em caso de eventual dissolução do casamento por separação ou divórcio,
os alimentos são devidos por qualquer um dos ex-consortes, desde que comprove
que deles necessitem, para sobreviver, analisando sempre a forma compatível com
sua condição social, não se eximindo de pagá-los por constatação de culpa do
cônjuge necessitante, restringindo-se apenas as necessidades vitais de sustento
para o ―culpado‖. Esse é o diferencial em relação à Lei do Divórcio, que eximia o
cônjuge de pagar alimentos, caso o outro tivesse culpa na dissolução do matrimônio
(arts. 1.694 e 1.695).
Incoerente e inadmissível, na atualidade, é a possibilidade de escusa de
tutela pelo simples fato de a mulher ser casada (art. 1.736, inciso I). Tal
possibilidade não encontra guarida, sob o aspecto de uma análise sistemática da
legislação brasileira, que evoluiu bastante, para acatar ainda preceitos como esse,
que, fatalmente, passou despercebido, visto que se trata de repetição de uma
legislação que já não possui guarida ante normas e preceitos fundamentais.
27
Ademais, a referida legislação inovou, quando estabeleceu a mesma idade
núbil para homens e mulheres, reconheceu a família monoparental composta por
mãe e filhos e excluiu, como causa de nulidade do casamento, o defloramento da
mulher, quando desconhecido pelo marido antes de contrair núpcias. Como dito, no
Código Civil de 1916, em seu art. 219, inciso IV, esse fato era tido como erro
essencial, gerando a nulidade do casamento.
1.10 LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE PÓS CÓDIGO CIVIL DE 2002
No dia 7 de agosto de 2006, foi sancionada a Lei nº 11.340, que cria
mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos
do §8º do art. 226 da Constituição Federal e da “Convenção sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e a Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher”, dispõe
sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher;
altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá
outras providências.
Esta lei recebeu o nome de „Lei Maria da Penha‟ como forma de homenagear
a farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, símbolo da luta contra a violência
familiar e doméstica.
Em breves linhas, aquela mulher sofreu duas tentativas de homicídio por
parte do marido, tendo sofrido agressões durante seis anos. Na primeira tentativa,
levou um tiro enquanto dormia, sendo que o agressor alegou que houve uma
tentativa de roubo. Em decorrência do tiro, a farmacêutica ficou paraplégica. Como
se não bastasse, duas semanas depois de regressar do hospital, ainda durante o
período de convalescência, Maria da Penha sofreu um segundo atentado contra sua
vida: seu marido, sabendo de sua condição de recuperação, tentou eletrocutá-la
enquanto se banhava.
A punição do agressor só se deu 19 (dezenove) anos e 6 (seis) meses após o
ocorrido. Essa situação injusta provocou a formalização de denúncia à Comissão
28
Interamericana de Direitos Humanos da OEA2 — órgão internacional responsável
pelo arquivamento de comunicações decorrentes de violação desses acordos
internacionais, pelo Centro pela Justiça pelo Direito Internacional (CEJIL) e pelo
Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), juntamente
com a vítima.
Diante da denúncia, a Comissão da OEA publicou o Relatório nº 54, de 2001,
que, dentre outras constatações, recomendou a continuidade e o aprofundamento
do processo reformatório do sistema legislativo nacional, com o escopo de mitigar a
tolerância estatal à violência doméstica contra a mulher no Brasil (ALVES, 2006).
A sanção dessa lei representa, assim, um avanço em relação à proteção da
mulher vítima de violência familiar e doméstica, incluindo-se, também, uma inovação
legal quanto às formas familiares já positivadas. Por isso, não poderíamos nos furtar
de fazer algumas considerações a esse marco tão importante da legislação
brasileira no que se refere aos direitos da mulher.
1.11 DATAS HISTÓRICAS DE LUTAS DAS MULHERES NO
BRASIL
1827 - Surge a primeira legislação relativa à educação de mulheres. Essa lei admitia
meninas apenas para as escolas elementares, não para instituições de ensino mais
adiantado.
1832 - A brasileira Nísia Floresta, do Rio Grande do Norte, defendeu mais educação
e uma posição social mais alta para as mulheres. Lançou uma tradução livre da obra
pioneira da feminista inglesa Mary Wolstonecraft.
1852 - Lançado o „Jornal das Senhoras‟, editado por Joana Paula Manso de
Noronha. Ela sabia que não poderia falar ‗nos direitos, na missão da mulher‘, para
que o jornal não fosse proibido nas casas de família. Sucedeu-a Violante de Bivar e
Velasco.
2
Organização das Nações Unidas.
29
1857 – Nos Estados Unidos da América, na cidade de Nova Iorque, 129 operárias
morrem queimadas pela força policial em uma fábrica têxtil. Elas ousaram reivindicar
redução da jornada de trabalho de 14 para 10 horas diárias e o direito à licençamaternidade. Em face disso, foi instituído o „Dia 8 de Março‟, Dia Internacional da
Mulher, em homenagem a essas guerreiras.
1873 - Publicado na cidade de Campanha da Princesa, em Minas Gerais, o jornal „O
Sexo Feminino‟. A editora, Dona Francisca Senhorinha da Motta Diniz, tentava
resgatar uma história perdida, a história das mulheres brasileiras. Advogava pelo
sufrágio feminino.
1874 - Surgiram os jornais „O Domingo‟ e o „Jornal das Damas‟, no Rio de Janeiro,
seguidos do „Myosotis‟, de Maria Heraclia, lançado em Recife, em 1875, e do
incisivo „Echo das Damas‟, de Amélia Carolina da Silva Couto, no Rio de Janeiro, em
1879.
Ainda naquele ano, a jovem Maria Augusta Generosa Estrella deixou o Rio
de Janeiro, para estudar Medicina nos Estados Unidos. Ingressou três anos mais
tarde no New York Medical College and Hospital for Women. A ela, juntou-se uma
segunda jovem, Josefa Agueda Felisbella Mercedes de Oliveira. As duas
publicaram, depois, um jornal em Nova Iorque: „A mulher‟.
1879 - O Governo Brasileiro abriu as instituições de ensino superior do país às
mulheres. As jovens que seguiam esse caminho, todavia, eram sujeitas às pressões
e à desaprovação sociais.
1880 - As primeiras mulheres graduadas em Direito encontraram dificuldades em
exercer a profissão.
1887 - Rita Lobato Velho Lopes tornou-se a primeira mulher a receber o grau de
médica no Brasil. As pioneiras encontraram muitas dificuldades, para se afirmarem
profissionalmente e estiveram sujeitas ao ridículo.
A pernambucana Maria Amélia de Queiroz enfrentou a opinião pública e
proferiu palestras abertas sobre a abolição da escravatura.
30
1889 - Com a Proclamação da República, Francisca Senhorinha da Motta Diniz
mudou o título do jornal „O sexo feminino‟ para „O Quinze de Novembro do Sexo
Feminino‟.
1899 - Uma mulher, Myrthes de Campos, foi admitida no Tribunal de Justiça
Brasileiro, para defender um cliente.
1910 - A professora Deolinda Daltro funda o Partido Republicano Feminino.
1917 - A referida professora liderou uma passeata exigindo a extensão do voto às
mulheres.
1918 - A jovem Bertha Lutz, iniciando a carreira profissional como bióloga, publicou,
na „Revista da Semana‟, uma carta denunciando o tratamento dado ao sexo
feminino. Propôs a formação de uma associação de mulheres, visando a canalizar
todos esses esforços isolados.
1921 – Em São Paulo, ocorreu a primeira partida de futebol feminino, senhoritas
catarinenses e tremembeenses.
1922 - É constituída, no Rio de Janeiro, sob a liderança de Bertha Lutz, a Federação
Brasileira pelo Progresso Feminino.
1928 - As mulheres conquistaram o direito de disputar oficialmente as provas
olímpicas. O Barão Pierre de Coubertin — criador das Olimpíadas da era moderna e
severo opositor à participação feminina — pede demissão do cargo de Presidente do
Comitê Olímpico Internacional.
O Governador do Rio Grande do Norte, Juvenal Lamartine, obteve uma
alteração da legislação eleitoral, para conferir o direito de voto às mulheres no seu
Estado. Elas foram às ruas, mas seus votos foram anulados pela Comissão de
Poderes do Estado. Foi eleita, no entanto, uma Prefeita, a primeira da História do
Brasil: ALZIRA SORIANO DE SOUZA, no município de Lages, Rio Grande do Norte.
31
1932 - O Governo de Getúlio Vargas promulgou o novo Código Eleitoral pelo
Decreto nº 21.076, garantindo, finalmente, o direito ao voto às mulheres brasileiras.
A nadadora Maria Lenk, 17 anos, embarca para Los Angeles como única
mulher e mascote da delegação olímpica. Foi a primeira atleta brasileira a participar
de uma Olimpíada.
1933 - Nas eleições do referido ano, para a Assembléia Constituinte, foram eleitos
214 Deputados e uma única mulher, a paulista Carlota Pereira de Queiroz.
1936 - Piedade Coutinho e Scyla Venâncio participaram da prova dos 400m nado
livre. Piedade obteve o quinto lugar, e Maria Lenk, a favorita nos 200m nado de
peito, não conseguiu classificação, mas revelou-se uma grande inovadora no estilo
livre.
1937 a 1945 - O Estado Novo criou o Decreto nº 3199, que normatizava a prática
esportiva feminina. Proibia às mulheres os esportes que considerava incompatíveis
com as condições femininas, tais como: lutas de qualquer natureza, futebol de salão,
futebol de praia, polo, polo aquático, halterofilismo e beisebol. O referido Decreto só
foi regulamentado em 1965.
1939 - Maria Lenk bateu dois recordes mundiais, nos 200m e 400m do nado de
peito.
Houve a criação do Curso de Educação Física na Universidade do Brasil,
atual UFRJ3. Entre as fundadoras do curso, estavam Ivete Mariz, multi-atleta e
campeã sul-americana de arremesso de disco, e Maria Lenk.
1945 - Ivete Mariz, após conquistar o recorde brasileiro (37m40cm4), consagra-se
campeã sul-americana de arremesso de disco; campeã carioca de dardo, vicecampeã carioca de vôlei, atletismo e arremesso de peso.
1948 - Depois de 12 anos sem a presença feminina, a delegação brasileira nas
Olimpíadas segue para Londres com 11 mulheres e 68 homens.
3
4
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Trinta e sete metros e quarenta centímetros.
32
1949 – Houve a criação dos Jogos da Primavera, iniciativa do „Jornal dos Sports‟,
também conhecidos como as Olimpíadas Femininas. Piedade Coutinho foi
escolhida, para conduzir a bandeira nacional no desfile de abertura.
1951 – A OIT (Organização Internacional do Trabalho) aprovou, em 19 de junho, a
„Convenção de Igualdade de Remuneração entre Trabalho Masculino e Trabalho
Feminino para Função Igual‟.
1964 - O CND (Conselho Nacional de Desportos) proíbe a prática do futebol
feminino no Brasil. A decisão só foi revogada em 1981. Ademais, foi instituída a
obrigatoriedade do teste de feminilidade (exame cromossomático) nos jogos
olímpicos de Tóquio. A intenção era impedir a invasão de atletas masculinos
travestidos de mulher.
1965 - Regulamentação do Decreto nº 3199, criado durante o Estado Novo.
1971 - Um grupo de mulheres, liderado por Romy Medeiros, reuniu-se no
Restaurante da Mesbla, no Rio de Janeiro, para estudar uma estratégia visando a
comemorar um dia das mulheres, já que o Governo Militar da época proibia a
comemoração do „Dia 8 de Março‟. Sugeriram a criação do dia 30 de abril, data de
nascimento da pioneira Gerônima Mesquita, mineira de Leopoldina (Minas Gerais)
que chegou a servir na Primeira Guerra Mundial. A data passou a ser comemorada
em 1980.
1975 - As Nações Unidas instituíram o Ano Internacional da Mulher, após a
Conferência do México de 1975. No Rio de Janeiro, um grupo de intelectuais,
universitárias e donas-de-casa articulou comemorações que culminaram com a
criação do Centro da Mulher Brasileira (CMB), primeira organização do novo
feminismo.
Apareceu o Movimento Feminino pela Anistia (MFA), unido à luta pela
redemocratização do país. O MFA era presidido por Terezinha Zerbini, que teve o
marido, General Zerbini, preso e perseguido após o Golpe de 64. O Movimento foi
retratado no Boletim „Maria Quitéria‟.
33
1976 – Houve o depoimento da estilista Zuzu Angel ao historiador Hélio Silva, sobre
a morte do filho, Stuart Angel, nos porões da ditadura. Dois meses depois, sofreu um
acidente suspeito que a vitimou. Posteriormente, Chico Buarque de Hollanda lhe
dedicou a música „Angélica‟. Recentemente, a Comissão criada pelo Governo
Federal em 1996, para avaliar as denúncias de crimes políticos visando ao
pagamento de indenizações às famílias das vítimas, concluiu que o acidente não
teve motivação política.
1979 - A equipe feminina de Judô inscreveu-se com nomes de homens no
Campeonato sul-americano da Argentina. Esse fato motivaria a revogação do
Decreto nº 3.199.
Convenção contra todas as formas de discriminação contra a mulher. Os
Estados que firmaram a Convenção, entre eles o Brasil, condenaram a
discriminação contra as mulheres, em todas as suas formas, e concordaram em
buscar, através de todos os meios apropriados e sem demora, uma política
adequada, para combater as distorções.
Ademais, Eunice Michilles, então representante do PSD/AM5, assumiu a
vaga de Senadora, por falecimento do titular, tornando-se a primeira mulher a
ocupar o cargo no Brasil. Seu mandato, de oito anos, terminou em 1987. Júnia
Marise foi a primeira eleita para o cargo em 1990.
1980 – Foi instituído, pela Lei nº 6.971, de 9 de junho, o Dia Nacional da Mulher: 30
de abril.
1981 - Caiu o veto à prática do futebol feminino no Brasil.
1982 - Nas eleições diretas para os governos estaduais, o movimento de mulheres
elabora uma plataforma feminista submetida aos candidatos. Recebeu o título de
Alerta Feminista, que acabou virando uma tradição.
1983 - Criados em São Paulo e Minas Gerais os primeiros conselhos estaduais da
condição feminina, para traçar políticas públicas para as mulheres.
5
Partido Social Democrata do Amazonas.
34
1984 - A ginástica olímpica, quase exclusivamente praticada por mulheres, passou a
fazer parte dos esportes olímpicos.
1985 - Surgiu a primeira Delegacia de Atendimento Especializado à Mulher (DEAM),
em São Paulo, e, rapidamente, várias outras são implantadas em outros Estados
brasileiros.
Com a Nova República, as experiências das mulheres nos Estados foram
levadas ao âmbito federal. A Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei nº
7353, que criou o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher.
1987 - Criado o Conselho Estadual dos Direitos da Mulher do Rio de Janeiro
(CEDIM/RJ), a partir da reivindicação dos movimentos de mulheres, com a atribuição
de assessorar, formular e fomentar políticas públicas voltadas para a valorização e a
promoção feminina, através do Decreto nº 9906, de 6 de maio. Atualmente, é
vinculado ao Gabinete Civil da Governadoria.
1988 - Através do Lobby do Batom, as mulheres brasileiras, tendo à frente diversas
feministas e as vinte e seis Deputadas Federais constituintes, obtêm importantes e
significativos avanços na Constituição Federal, garantindo igualdade a todos os
brasileiros perante a lei, sem distinção de qualquer natureza e assegurando que
"homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações".
1989 - O Governo Collor tirou a autonomia financeira e administrativa do CNDM,
esvaziando o órgão.
1990 - Em resposta ao desmantelamento do CNDM pelo Governo Collor, o
movimento de mulheres voltou à luta e criou o Fórum Nacional de Presidente de
Conselhos da Condição e Direitos da Mulher, uma instância de articulação política,
logo reconhecida e legitimada.
O Fórum Nacional de Presidente de Conselhos da Condição e Direitos da
Mulher conseguiu diversos avanços acompanhando as ações do Congresso
Nacional,
estando
articulado
com
os
movimentos
de
mulheres
para
encaminhamento de projetos de lei. Junto aos Ministérios, encaminhou propostas de
políticas públicas. Mantinha contatos formais com agências especializadas,
organismos e fundos das Nações Unidas.
35
Júnia Marise é a primeira eleita para o cargo de Senadora pelo PDT6 de
Minas Gerais.
Ademais, foi realizada, no Rio de Janeiro, a ECO 92 (Conferência da ONU
sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável), que teve participação
ativa das mulheres, através do Planeta Fêmea, a Agenda 21 e no Tratado da
Convenção.
1993 - Assassinada Edméia da Silva Euzébia, líder das Mães de Acari, ao sair do
metrô do Estácio. Ela liderava o grupo de nove mães que, ainda hoje, procuram
seus filhos, 11 jovens da Favela de Acari, no Rio de Janeiro, sequestrados e
desaparecidos em 1990.
1994 - Iniciou-se a articulação das mulheres brasileiras para a redação do
documento reivindicatório para a IV Conferência Mundial das Nações Unidas sobre a
Mulher, realizada em Beijing, China, no ano seguinte. Foram realizados 91 eventos,
envolvendo mais de 800 grupos femininos em todo o País.
1995 - O Brasil consagra-se Campeão Mundial de Vôlei Feminino. Por outro lado,
após ser empossado, o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso,
reativou o CNDM (Conselho Nacional dos Direitos da Mulher), vinculado ao
Ministério da Justiça, voltando a ter peso político na estrutura do Governo Federal.
1996 - Visando às eleições para Prefeitos e Vereadores, as mulheres se
organizaram em todo o País e, através do movimento Mulher Sem Medo do Poder,
aumentaram o número de Vereadoras e Prefeitas em todo o território nacional.
É mister destacar que o Congresso Nacional incluiu o sistema de cotas na
Legislação Eleitoral, obrigando os partidos políticos a inscreverem, no mínimo, 20%
de mulheres em suas chapas proporcionais (Lei nº 9.100/95, em seu art. 11, §3º).
Nesse ano, houve um recorde absoluto de participação brasileira nas
Olimpíadas de Atlanta: 3.700 atletas de diversos países. Pela primeira vez, as
atletas brasileiras levaram para casa medalhas olímpicas de ouro: Sandra e
Jaqueline, dupla de vôlei de praia. O futebol feminino chega às Olimpíadas, e o
6
Partido Democrático Trabalhista.
36
Brasil fica em quarto lugar. O Softball, uma versão mais suave do beisebol, passa a
ser um esporte olímpico exclusivo de mulheres.
Além disso, o Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (Cedim) inseriu as
mulheres cariocas na campanha pela escolha do Rio de Janeiro para a sede dos
Jogos Olímpicos de 2004. A campanha, denominada „Mulher na Jogada‟, procurou
reverter a falta de política de incentivo à participação das mulheres nos esportes de
base – corrida, salto, maratona – e a diversidade numérica entre atletas masculinos
e femininos.
1997 - O preparador físico brasileiro, Nuno Cobra, um dos mais respeitados do país,
declara que os recordes estavam passando para as mãos das mulheres, e os
homens teriam que se acostumar com elas nadando à sua frente.
Nesse mesmo período, as mulheres já ocupavam 7% das cadeiras da
Câmara dos Deputados; 7,4% do Senado Federal; 6% das prefeituras brasileiras. O
índice de Vereadoras eleitas aumentou de 5,5%, em 1992, para 12%, em 1996.
Cerca de duas mil mulheres testemunharam, no Hotel Glória, no Rio de
Janeiro, a assinatura da Convenção Fluminense pela Efetiva Cidadania da Mulher,
pelo Governador Marcello Alencar e 71 Prefeitos do Estado do Rio de Janeiro. A
Convenção foi resultado do trabalho realizado através do Programa Cidadania
Feminina - Direito Humano Universal, Prioridade Local, que levou a plataforma de
Beijing a todos os 91 municípios fluminenses.
2006/2008 - Eleita a primeira Presidente mulher da Corte Constitucional brasileira,
Ellen Grace Nortfleet.
37
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante da grande importância do assunto, pudemos observar as inúmeras
conquistas alcançadas pelas mulheres, símbolos de uma luta constante contra
preconceitos, vivificando os valores que devem permanecer constantes em uma
sociedade civilizada, cujo horizonte deve guiar para direitos e deveres similares,
atendendo de forma desigual aos desiguais, respeitando-se, sobremaneira, os
limites e as oportunidades de todos.
Toda a evolução da legislação brasileira mostrou-se dinâmica e consensual,
possibilitando o crescimento da figura feminina no seio de uma sociedade
democrática, em que mulheres e homens têm seus interesses, direitos e deveres
resguardados sob a égide da Carta Magna e de leis extravagantes.
A guerra enfrentada, dia a dia, pelas mulheres, ainda que com o
derramamento de muito sangue inocente e lágrimas sofridas, tem resultado em
muitas batalhas vencidas pela população feminina, que do lar ganhou o mundo
mercadológico e profissional, ajudando na manutenção da prole e da sociedade
conjugal, estando no mesmo nível do homem, e, juntos, lutam por dignidade,
respeito, direitos e sobrevivência, fortificando os laços naturais que os une e
solidificando uma história que se perpetuará em nossa memória, com o orgulho de
sermos homens e mulheres iguais em direitos e obrigações, nos termos da
Constituição Federal de 1988.
Dito isso, o objetivo deste trabalho denota-se alcançado, uma vez que
trouxe à tona não só as discriminações sofridas pelas mulheres durante grande
parte de sua existência, mas tentou-se compreender a evolução e a forma como se
dão as conquistas de direitos dentro de uma sociedade complexa, regida por fortes
costumes, crenças e tradições.
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REFERÊNCIAS
ALVES, Fabrício da Mota. Lei Maria da Penha: das discussões à aprovação de
uma proposta concreta de combate à violência doméstica e familiar contra a
mulher. Disponível em: <http://www.jus.com.br>. Acesso em: 27 ago 2006.
AMORIM, Edgar Carlos de. Os direitos da mulher na sociedade em mudança.
Revista do Curso de Mestrado de Direito da UFC, Volume 8, v 1, Fortaleza, 1990.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva,
2003.
CABRAL, Karina Melissa. Manual de direitos da mulher: doutrina, modelos de
petições e jurisprudências. —. São Paulo: Mundi, 2008.
CÁRCERES, Florival. História Geral. 4 ed. rev. ampl. e atual. – São Paulo:
Moderna, 1996.
CUNHA, Roberto Salles. Os novos direitos da mulher. São Paulo: Atlas, 2003.
LEITE, Eduardo de Oliveira. A igualdade de direitos entre o homem e a mulher
face à nova constituição. Revista da AJURIS, Rio de Janeiro, 2002, v. 9.
LÔBO NETTO, Paulo Luiz. Repertório de doutrina sobre direito de família. Rio de
Janeiro: Revista dos Tribunais, 1999, v. 4.
PIMENTEL, Silvia. Evolução dos direitos da mulher. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1978.
RÀO, Vicente. Da capacidade civil da mulher casada. São Paulo: Saraiva, 1922.
39
SILVA, Francisco de Assis. História do Brasil: Colônia, Império, República. São
Paulo: Moderna, 1992.
WELSI, Cerpens, A Emancipação Feminina e o Casamento, disponível em:
<http://www.geocities.com/Athens/Acropolis/1304/aeman.htm>. Acessado em 16 set
2001.
Biblioteca Virtual de Direitos Humanos, Universidade de São Paulo, Direitos da
mulher.
Disponível
em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br/documentos/tratados/mulher/mulher.html>.
Acesso em 16 set 2004.
Conselho Estadual dos Direitos da Mulher
– Cedim/RJ. Disponível em:
<http://www.wmulher.com.br/artigos/luta_emancipacao.htm>. Acesso em 16 set
2005.

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