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PR FAMÍLIA Aprenda a (con)viver com uma doença rara RARAS | 1 Raríssimas | Associação Nacional de Deficiências Mentais e Raras | PÁGINAS Janeiro 2011 Directora: Paula Brito e Costa | Edição 1 | Bimestral | Gratuita www.rarissimas.pt Estatutos Editoriais PÁGINAS RARAS é uma publicação bimestral que tem como objectivo a divulgação de informação sobre doenças raras. PÁGINAS RARAS é uma publicação rigorosamente independente de partidos políticos, farmacêuticas, ou quaisquer outras instituições. PÁGINAS RARAS pauta-se por preceitos de rigor, isenção, honestidade e respeito pela pessoa humana. PÁGINAS RARAS valoriza as notícias, exclusivamente pelo seu valor jornalístico e de interesse para as famílias e doentes com patologias raras. PÁGINAS RARAS é publicada pela Associação Raríssimas – Associação Nacional de Deficiências Mentais e Raras, sua proprietária, sendo gerida pela sua Direcção. PÁGINAS RARAS tem como director a Presidente da Raríssimas. PÁGINAS RARAS tem como redacção o Gabinete de Comunicação da Raríssimas. PÁGINAS RARAS terá como Conselho de Redacção os membros da direcção da Raríssimas. PÁGINAS RARAS prossegue os objectivos da Raríssimas, registados nos seus estatutos, e que são informar e formar opiniões sobre patologias raras, numa tentativa pedagógica de apoio às famílias e também de incentivo à investigação em Portugal. PÁGINAS RARAS tem um âmbito nacional garantindo a sua difusão internacional através do site da instituição: www.rarissimas.pt. PÁGINAS RARAS respeita a Constituição da República Portuguesa e todas as demais leis da República, nomeadamente as que se enquadram nos direitos, obrigações e deveres da Lei de Imprensa e do Código Deontológico dos Jornalistas. Doações Raras | A Raríssimas agradece às seguintes pessoas/entidades o gesto solidário: Seixadis – Soc. De distribuição, S.A, Existência Real, Lda, Santa Casa da Misericórdia, Florbela Monteiro, Maria Teresa Serrano, Ana Pinto, Associação dos Nadadores dos Estoris, Hugo Moisés Silva Lindo, Sorriso Solidário, Optimus Comunicações, S.A, Tiago Emanuel Henriques Amaro, Laboratórios Pfizer, Lda, Carla Manuela Santos, AVV – Aroeira – Componentes e Sistemas Eléctricos, Novartis Farma, S.A, Staples Portugal, S.A, Tiago Colaço Dias Barradas, Shering-Plough Farma, Lda, Rui Pais, El Corte Inglês. * donativos referentes ao último trimestre de 2010 2| PÁGINAS RARAS s – PR Janeiro 4 Mundo Raro 7 Ciência 9 Actual 10 Reportagem 13 Em Foco 15 Capa 20 Singularidades 22 SOS 25 Flash 26 Perfil 30 Próxima Edição editorial Falar de família é acrescentar-lhe um sem número de conceitos: união, apoio, absoluto, amor, alegria... Não consigo imaginar a minha sem qualquer um deles e entristece-me sempre que, na família ao meu lado, algum foi meramente esquecido. Se tudo isto é verdade para uma família “normal”, tudo deveria ser mais verdade nas minhas famílias “raras”. Enquanto escrevo aparecem na minha memória inúmeras fantásticas famílias que não sabem viver sem os referidos conceitos. São um quartel general, à prova de bala, à prova de tudo e que não desarmam na defesa de quem geraram com amor - os seus filhos raros. Outras há, que por falta de força interior, não conseguem superar tantas adversidades... E são tantas! Para estes, o pedido singular para que não desistam nunca; por vós, pelos nossos filhos “raros”, pela vossa família! 13 15 20 28 A cura para milhões de portadores de leucemia mielóide crónica já chegou O internista Brito Avô e a psicóloga Céu Seabra falam sobre a vivência com um doente raro e fornecem pistas para ultrapassar a situação Baixa estatura, com face característica e membros curtos são algumas das características dos meninos acondroplásicos António Vaz Carneiro é a figura desta edição onde revela as suas opiniões e preocupações sobre a medicina em Portugal e, em particular, sobre as doenças raras. Ficha Técnica: Directora: Paula Brito e Costa | Redacção e Edição: Paula Simões | Design Gráfico | Paginação: Mariana Trigo | Revisão: Patrícia Mergulhão Propriedade: Raríssimas - Ass. Nacional de Deficiências Mentais e Raras | Morada: Rua das Açucenas, Lote 1, Loja Dta, 1300-003 Lisboa Número de Pessoa Colectiva: 506 027 244 | Impressão: Textype Artes Gráficas Lda | Tiragem: 3 000 exemplares | Distribuição: gratuita | Depósito legal: 320 723/10 © Publicação bimestral | Todos os direitos reservados. PÁGINAS RARAS | 3 Mundo Raro O Doenças Raras na Madeira 11.º Congresso Nacional de Pediatria serviu de pretexto para a Raríssimas falar da realidade das doenças raras na ilha da Madeira. Efectivamente, diversos estudos demonstram que a insularidade da região leva a que exista uma percentagem mais elevada de doenças do foro genético, fruto da consanguinidade. Margarida Reis Lima, geneticista e membro do Conselho Científico da Raríssimas, foi a oradora da palestra subordinada ao tema A Nova Genética na Identificação das Doenças Raras e na qual estiveram presentes cerca de meia centena de pediatras de todo o país. A realidade das doenças raras demonstra que existem cerca de 35 milhões de pessoas afectadas por este tipo de patologias que, graças à sua heterogeneidade, são de diagnóstico bastante difícil. A especialista adiantou ainda que, no fu qu futu turo tu ro,, se pre ro revê v um aumento gradu vê ual dest de ste e titipo po o de do d en nça ças e qu que ue os novos ovvos tes este te es de dia iagnós iagn ósstitico ico c , ba bast stan tan ante mais precisos, pe ermiitiirã m ão no no fut u ur uro o di diag agnó ag nóst nó ósttic ico oss e ras astrrei e os pre ecco oce cess. O congresso de pedi d at di atri ria ri a do o Fun unch chal ch reuniu reu re u mais de 800 especialistas p na área á da Pediataria que, ao longo de três dias, debateram temas tão diversos como A Evolução o da Doença Alérgica na Criança, Insuficiência a Respiratória no Doente neuromuscularr e Re-percursões Cardiovasculares das Doençass Crónicas em Pediatria. De salientar ainda, a divulgação em massa dos órgãos de comunicação madeirenses, que não quiseram deixar de marcar presença e divulgar não só a obra da Raríssimas como a palestra p p por nós organizada. g Ídolos Raros Os Anjos associaram-se ao projecto Ídolos Solilid idár árrio ário os, um uma a parceria entre e a Stta ar and Mail, a Fundação Gil e a Raríssimas. Ao longo de três semanas, os fãs da banda vota ara am n no o ído d lo com o qual gosttar ariam de conversar. Através de sorteio electrónico, realizza zado com base nos tele efonemas e/ou transferência bancária, as fãs Ana Fonseca e Elliisa isa sabe bete te Duarte ua têm agor ua ora or a a opor o tunidade de estar, lado a lado, com os Anjos. A Raríssimas agradece desde já a excelente pa artit ci ar c pa paçã ção çã o de de todos os fã ãs so soliliidá d ri r os. FiqueRARAS atento aos próximos ídolos solidários e pa art rticcip pe em m www.starandma ma mail ailil.c .c .com com m. 4 | PÁGINAS FisioSaúde A Raríssimas marcou presença no certame FisioSaúde, uma exposição de saúde, que decorreu no passado dia 05 de Novembro, em Pombal. Ao expositor da Raríssimas acorreram centenas de pessoas para quem, a palavra rara, despertou, naturalmente, curiosidade. Paralelamente, decorreu no auditório do Centro de Exposições, um pequeno workshop que reuniu cerca de meia centena de estudantes interessados em perceber a realidade das doenças raras em Portugal. Ao longo de aproximadamente 45 minutos, foram apresentados os diversos serviços de apoio que a associação possui e esclarecidas todas as dúvidas sobre o que é uma doença rara, dados de prevalência, meios de diagnóstico, medicamentos órfãos e terapêuticas. O Núcleo de Nanismo teve forte reacção por parte da plateia que acolheu positivamente todas as informações sobre os diversos tipos de nanismo. No stand da Raríssimas o público teve a oportunidade não só de contribuir para a Casa dos Marcos, através dos produtos disponibilizados em banca para venda, mas também de levar consigo diversa informação sobre doenças raras e serviços de apoio prestados pela Raríssimas. Mundo Raro Nanismo nas escolas A Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa recebeu, de forma efusiva, o Núcleo de Nanismo da Raríssimas que se apresentou a um vastíssimo auditório de alunos e docentes. Salomé de Almeida, Licenciada em Bioquímica e Doutorada em Genética, Céu Seabra, psicóloga, portadora de nanismo e Helena Silva do INR, abordaram a temática do nanismo nas suas variadas vertentes: a história, a medicina, as terapêuticas e a discriminação social de que são vítimas as pessoas de baixa estatura. O recém-criado Núcleo continuará, até ao final do ano e no decorrer de 2011 a desenvolver diversas acções de esclarecimento junto de escolas e Centros de Saúde, de forma a desmistificar este assunto junto da comunidade para que o futuro daqueles que são diferentes em altura possa ser igual ao da restante população. PÁGINAS RARAS | 5 Mundo Raro Raríssimas em Angola A A convite da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares, a Raríssimas marcou presença na IV Conferência de Gestão Hospitalar dos Países de Língua Oficial Portuguesa, realizada em Outubro último, em Luanda. O convite surgiu na sequência da última viagem da primeira dama, Dra. Maria Cavaco Silva a Angola em que surgiu o compromisso de implementar no Hospital de Lubando, em parceria com a Universidade de Coimbra, meios que permitam o rastreio e diagnóstico eficaz de uma série de patologias, de incidência rara, que afectam milhares de pessoas. Durante a palestra, Paula Brito e Costa, Presidente da Associação alertou para a importância da implementação, neste país, de um projecto como o da Casa dos Marcos, um projecto assistencial que está neste momento em fase de construção em Portugal e que pretende uma abordagem multidisciplinar para os doentes com este tipo de patologias. A Investigação em Saúde como Factor de Desenvolvimento, Bioética e Responsabilidade Social das Instituições de Saúde e a Inovação ao Serviço da Modernização dos Hospitais, foram algumas das temáticas abordadas ao longo de três dias pela comunidade médica internacional e responsáveis de Estado dos PALOPS. Raríssimas juntou-se à Morangomania numa parceria com a Plural Entertainment Portugal. A nova série de Morangos com Açúcar, que estreou recentemente, aborda a temática das doenças raras através de um dos seus personagens. Sara frequenta o 7º ano e acha-se uma miúda invencível e com super poderes. Assim, não recusa nenhum desafio, especialmente se envolver riscos físicos… Ela sofre de uma doença rara denominada CIPA (Insensibilidade Congénita à dor com Anidrose), uma alteração autossómica recessiva rara, caracterizada por episódios recorrentes de febre, anidrose e ausência de sensibilidade à dor. Esta doença está associada a mutações no gene NTRK1, localizado no cromossoma 1q21-22, que codifica um dos receptores do factor de crescimento nervoso. 6| PÁGINAS RARAS Novela Rara Ciência Ensaios Clínicos Provar a segurança e eficácia de um novo tratamento é o objectivo destes testes, efectuados em doentes voluntários, a partir de um consentimento informado. T odos os medicamentos, antes de serem lançados no mercado, passam por diversas etapas de pesquisa e testes, até serem aprovados. O processo de regulamentação de um medicamento é longo, rigoroso e implica um elevado investimento por parte da indústria farmacêutica. Existe um grande leque de substâncias químicas que estão na origem dos medicamentos. Estas substâncias são comparadas com outras similares e, desta forma, é possível identificar as doenças que poderão ser tratadas com o futuro medicamento. Definida a composição química do produto, inicia-se a etapa de testes em animais. O medicamento só virá a ser testado em seres humanos, caso não existam riscos para a saúde humana. Passada esta fase, o próximo passo é testá-lo num pequeno grupo de voluntários saudáveis, ou seja, aqueles que não têm a doença em foco ou outra qualquer. Estes voluntários, ao utilizarem o fármaco, podem apresentar sintomas decorrentes de efeitos colaterais ou não. Alguns efeitos são assintomáticos, por isso, é necessário que estas pessoas passem por exames laboratoriais periódicos que identifiquem estes efeitos colaterais “invisíveis”. Em seguida, o produto será testado noutro pequeno grupo, portador da doença a ser pesquisada. Nesta etapa, estuda-se o impacto do medicamento na doença e no organismo da pessoa. Também aqui são realizadas análises clínicas ao paciente. A última etapa deste processo consiste em testar o produto numa população de doentes muito maior, por volta de 1.000 pessoas, dependendo da patologia pesquisada. No caso dos medicamentos órfãos, por exemplo, obviamente que o número estudado é necessariamente mais baixo, uma vez que serve apenas a um reduzido número de pessoas, portadores da patologia rara em questão, gerando por isso graves complicações económicas para as farmacêuticas. Basta dizer que, num medicamento para uma patologia mais PÁGINAS RARAS | 7 vulgar, a indústria farmacêutica investe mais de 100 milhões de euros por produto e o processo pode levar até 15 anos, até ao lançamento efectivo de medicamento no mercado. Actual 11.º Congresso de Pediatria Cuidados intensivos, Endocrinologia, Gastrenterologia, Hematologia, Imunoalergologia, Nefrologia, Neonatologia, Pneumologia e Reumatologia foram algumas das especialidades que se reuniram em torno de um denominador comum: as crianças! 8| PÁGINAS RARAS 90% dos casos de O Funchal, na ilha da Madeira, foi o local escolhido para acolher centenas de especialistas, nacionais e internacionais que, durante três dias, abordaram a Formação e Investigação, a Pediatria na Comunidade e as Urgências pediátricas. Onze conferências, quatorze mesas redondas, sete sessões de “Meet the Professor”, sete Workshops e um curso permitiram uma abordagem alargada que foi ao encontro, não só da classe médica, como dos próprios pais. Conforme explicou o Presidente do Congresso, Luís Januário “só conseguiremos responder às questões das crianças e das famílias se juntarmos à nossa visão especializada uma outra, de carácter global, sobre a infância.” Daí que a facilidade de contacto com profissionais de outros centros e de outros países facilite, em muito, este intercâmbio de informação. Por outro lado, o acesso on-line à informação permite a muitos pais a procura de respostas, o que lança um sério desafio aos próprios profissionais de saúde: o da comunicação. O congresso deste ano permitiu o envolvimento de todas as secções da Sociedade Portuguesa de Pediatria, tendo sido apresentados cerca de 435 trabalhos. A Esclerose Tuberosa, doença rara que afecta 1 em cada 23000 nados-vivos, foi tema de debate através de um trabalho apresentado pela equipa de profissionais da consulta de Neuropediatria, do Hospital Pediátrico de Coimbra. Caracterizada pelo crescimento de tumores benignos em vários órgãos como o cérebro, rim, coração, olhos, pulmão e pele, esta patolo- Esclerose Tuberosa apresentam epilepsia gia apresenta, em cerca de 80 a 90% dos casos, epilepsia. Para debate foi apresentada a revisão de 19 casos, predominantemente do sexo feminino, acompanhados neste estabelecimento hospitalar, ao longo dos últimos vinte e cinco anos. Os diagnósticos foram efectuados entre os 2 meses e os quatro anos de idade e, 95% dos casos apresentavam epilepsia, a maioria com início durante o primeiro ano de vida (seis meses). Através da realização de neuroimagens, os médicos observaram, em 84% dos casos, imagens sugestivas deste tipo de patologia. Dos casos estudados, 58% das crianças apresentaram atraso de desenvolvimento/défice cognitivo, existindo mesmo um caso de autismo. Apesar de, em cerca de 56% das crianças, se ter conseguido controlar a epilepsia através da administração de anti-epilépticos a conclusão a que estes profissionais de saúde chegaram foi que, perante uma criança com manifestações cutâneas e neurológicas, o pediatra deve sempre suspeitar de Esclerose Tuberosa e realizar os exames que permitam confirmar este diagnóstico. Só assim será possível realizar uma intervenção precoce que permita actuar preventivamente no controlo do consequente atraso psicomotor que a doença envolve. PÁGINAS RARAS | 9 Reportagem Doenças raras: a solidão genética 10 | PÁGINAS RARAS Inveja. É o que muitas das famílias com doenças raras devem sentir. Inveja de todo o investimento, progresso e atenção que se dão às “outras” doenças. Inveja, acompanhada de um enorme sentimento de solidão e de diferença! Foram apresentados diversos trabalhos na área das doenças raras ção sobre pormenores ou doenças fora do comum, suscitando um primeiro interesse”. Foi justamente esta abordagem que fez com que a especialista apresentasse um trabalho, realizado em conjunto com colegas da especialidade, que focava a realidade de 89 famílias portuguesas com Paraparésias Espásticas Hereditárias. Esta patologia, também vulgarmente denominada doença de Strumpell-Lorrain, é uma desordem progressiva formada por um gru- Neurologia aigolorueN E stas palavras, proferidas pela neurologista Paula Coutinho durante o Congresso de Neurologia, em Espinho, espelham a realidade da maioria das famílias assombradas por uma doença rara. Durante a sessão de comunicações orais subordinada ao tema Neurociências, Genética e Doenças Metabólicas, a especialista teve ainda a oportunidade de salientar que algumas apresentações “poderem ser um primeiro passo para uma chamada de aten- po de condições neurodegenerativas, cuja principal característica clínica é a fraqueza muscular, associada a graus variados de espasticidade nos membros inferiores. O modo de transmissão pode ser autossómico dominante, recessivo ou ligado ao cromossoma X. Este estudo retrospectivo identificou 223 doentes, pertencentes a 89 famílias, distribuídas por todos os distritos do país. As formas puras da doença representam um universo de 92% dos doentes, PÁGINAS RARAS | 11 Doenças metabólicas raras devem ser consideradas precocemente no diagnóstico diferencial de doenças neurodegenerativas pediátricas Dra Eulália Calado - Hospital D. Estefânia correspondendo a 77 famílias e as complexas a 8% (10 famílias). A idade média do início das queixas motoras foi aos 29 anos e foram detectadas diversas mutações do SPG4 em 31% dos doentes. Os sujeitos do estudo foram observados, em média, ao fim de 23 anos de doença e apenas 9% se encontrava confinado a uma cadeira de rodas concluindo-se, por isso, que apesar de neurodegerativa, esta doença é relativamente benigna, afectando de forma profunda apenas uma pequena percentagem de doentes. Durante a sessão, houve ainda espaço para apresentar a experiência médica face às Doenças Primárias do Metabolismo dos Neurotransmissores, do Serviço de Neuropediatria do Hospital de D. Estefânia. Este tipo de patologias representa um grupo de doenças hereditárias raras, causadas por um defeito enzimático na sua produção. O espectro de manifestações clínicas é vas- 12 | PÁGINAS RARAS to, embora a disfunção motora seja geralmente proeminente. Da reavaliação clínica de 13 pacientes com doenças metabólicas raras, constatou-se que estas doenças devem ser consideradas precocemente no diagnóstico diferencial de doenças neurodegenerativas pediátricas, permitindo uma intervenção terapêutica precoce e favorecendo o prognóstico. O estudo bioquímico do LCR foi, aliás, fundamental para o diagnóstico concreto dos casos estudados. Em Foco A CAMINHO DA CURA A leucemia mielóide crónica é um cancro raro, com uma incidência de 1 caso por cada 100,000 pessoas. E sta patologia afecta, geralmente, pessoas de todas as idades mas tem maior incidência em adultos. A doença caracteriza-se pelo desenvolvimento lento no qual a medula óssea (tecido mole e esponjoso no centro dos ossos) produz demasiados glóbulos brancos. Os doentes podem apresentar pequenos tumores na pele ou sob a mesma, meningite, anemia, insuficiência renal e hepática ou lesões em qualquer outro órgão. São também vulgares sintomas como fraqueza, falta de ar, infecções, febres, hemorragias, dores de cabeça, vómitos, irritabilidade e dores nos ossos e articulações. Até ao ano 2000, o transplante era a única hipótese de sobrevivência para estes do- entes, servindo apenas a 15% dos casos com Leucemia Mielóide Crónica por questões que se prendem com a idade, incompatibilidade ou outras que retiram estes doentes, de imediato, da lista de transplantes. Em 2001, surge uma substância que veio dar uma esperança de vida a estes doentes uma vez que conseguia estagnar o desenvolvimento da doença, eliminando as células “más” e permitindo que as normais sobrevivessem. Conforme explica António Medina de Almeida, hematologista no Instituto Português de EUTOS (European Treatment and Outcome Study) é o nome de um programa iniciado em 2007 e que pretende efectuar o registo, tratamento e monitorização da Leucemia Mielóide Crónica positiva para o cromossoma Filadélfia (LMC Ph+). Este programa foi desenvolvido para melhorar a compreensão da natureza e da gestão da doença, aperfeiçoar e padronizar a avaliação/monitorização da condição dos doentes e optimizar, em toda a Europa, o diagnóstico e tratamento. Saiba mais em: www.eutos.org PÁGINAS RARAS | 1 133 Oncologia de Lisboa Francisco Gentil, “até 2000 apenas metade dos doentes diagnosticados (há cinco anos) sobrevivia...”, situação colmatada com a introdução desta nova substância que, numa única toma diária, permite a remissão da doença em cerca de 90% dos casos. Um estudo clínico francês, realizado alguns anos após a introdução no mercado desta substância, revelou que dos 69 pacientes que tinham sido sujeitos a esta terapêutica e haviam entretanto parado por, pelo menos dois anos, 41% permaneceram em remissão molecular completa (RMC) após um ano e 38% continuaram totalmente livres de cancro, por até dois anos. Apesar desta verdadeira revolução científica verificava-se, no entanto, que alguns doentes não respondiam de forma satisfatória ao tratamento, ou apresentavam alguns efeitos secundários que obrigavam à suspensão da terapêutica. Foi então que surgiram os inibidores de segunda geração, mais potentes e eficazes, e que viriam a preencher as necessidades não satisfeitas em doentes não respondedores. Segundo dados publicados no New England Journal of Medicine e confirmados por dados de follow-up de 18 meses, apresentados na reunião anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, estes inibidores permitem alcançar taxas mais elevadas de resposta molecular e citogenética completa, retardando a progressão do cancro. 14 | PÁGINAS RARA RARAS RA AS FAMÍLIA Aprenda a (con)viver com uma doença rara PÁGINAS RARAS | 15 Pre edominantemente de origem genética a a, as doenças raras trazem consigo um património de dor, debilidade e se ev veridade que arrasta consigo toda a est strutura familiar. Lidar correctamente com a situação L pode abrir um caminho de esperança... S abrina, de três anos, deu entrada no Hospital da Nossa Senhora do Rosário, no Barreiro, com queixas de ordem difusa. A equipa médica de serviço, face à sintomatologia, que incluía uma série de fracturas e micro-fracturas, concluiu que a criança era vítima de maus tratos. Seguindo os procedimentos legais enviou relatório à Comissão Nacional de Protecção de Crianças, que tratou de retirar a custódia aos pais, agora acusados de maus tratos e negligência. Entre choros e gritos, ninguém se lembrou de escutar os pais que, insistentemente, de papel na mão, afirmavam que não era disso que se tratava... Absolutamente revoltados e perplexos com a situação restou-lhes o apoio da embaixada, uma vez que eram cidadãos russos, que finalmente, viria a desvendar todo o mistério: Sabrina era vítima, sim, mas não dos seus pais. Ela sofre de uma doença rara denominada Osteogénese Imperfeita, caracterizada por fracturas frequentes dos ossos. Face a esta nova informação, os médicos deste hospital afirmaram só conhecer a patologia dos livros e, por essa razão, não a conseguiram identificar optando pelo diagnóstico, mais óbvio, de “agressão”. Embora parece obra de ficção, esta estória é absolutamente verídica e, mais grave ainda, transversal a tantas famílias que vivem de perto com uma doença rara. As doenças raras têm, com frequência, uma sintomatologia bastante difusa e são desconhecidas da maioria da comunidade médica, habituada muito mais a uma diabetes que a coisas com “nomes esquisitos” e 80% das doenças raras são do foro genético e têm um diagnóstico bastante difícil, que pode demorar, em média, cinco anos ou mais, a ser obtido. Durante este impasse de espera, os pais sentem-se revoltados, perdidos, derrotados... Finalmente a conclusão chega e as notícias, nem sempre são as melhores. Cabe agora ao médico gerir, da melhor forma, todo o sofrimento da família, não faltando nunca ao rigor científico. “O médico deve, da forma mais clara possível, prestar informação pormenorizada sobre a doença em causa, 16 | PÁGINAS RARAS com dados estatísticos referentes ao prognóstico e possibilidades terapêuticas existentes (mesmo que estas sejam apenas paliativas). É absolutamente fundamental que esta informação se acompanhe de forte motivação, para que o binómio profissionais de saúde/família se transforme numa equipa de cuidadores que entra em guerra com a doença, sendo capaz de prestar ao doente a melhor intervenção possível a todos os níveis: diagnóstico,terapêutica, apoio psicológico, reabilitação e reintegração social”, salienta Brito Avô. Na realidade, esta área da comunicação e laços afectivos entre doentes e médicos é defendida pelos profissionais de saúde mais experientes que, não raramente, sustentam a teoria da interacção, em detrimento do mero conhecimento científico. Muitas vezes, a ajuda dos pais numa patologia rara pode ser absolutamente preciosa; médicos menos experientes poderão nunca ter visto durante a sua carreira um doente com este tipo de patologia e, como tal, nem sequer a equacionam. Esta é uma das razões porque, a diferença entre um diagnóstico correcto e anos e anos na procura de uma doença passa, muitas vezes, apenas pela troca de informação entre os profissionais das diversas especialidades. “No estado actual do conhecimento médico e da evolução notável dos meios técnicos de diagnóstico é absolutamente comum recorrer a colegas de várias especialidades para opinião clínica, e execução de técnicas, que são da competência de áreas específicas. Todo este exercício, no seu conjunto multiplica a capacidade de diagnosticar e tratar”, avança Brito Avô. Quando o diagnóstico não é feito à nascença cabe, frequentemente, ao médico de família detectar as pequenas nuances que poderão levar à suspeita de uma doença rara, já que é ele “quem acompanha o doente no seu dia a dia. Só com unidades deste tipo se conseguirá acumular O médico deve, da forma mais clara possível, prestar informação pormenorizada sobre a doença em causa PÁGINAS RARAS | 17 o conhecimento médico necessário para manuseamento, tratamento, registo, investigação e formação de profissionais capacitados para a resposta necessária para as doenças raras”, aponta Brito Avô explicando que a grande maioria destas doenças tem um carácter multissistémico e carece de intervenção de várias especialidades médicas. No entanto, deve existir sempre um orientador global (Pediatra,Geneticista,Internista) e uma forte interacção com a Medicina Geral e Familiar. Para o especialista, “é absolutamente necessária, pela sua raridade, a concentração destes doentes em unidades altamente especializadas e pluridisciplinares que incluam, além das valências médicas, enfermagem e técnica, farmácia com capacitação para o uso de medicamentos órfãos e uma disponibilização dos necessários recursos económicos, com modelos de gestão de doença próprios”. O Plano Nacional para as Doenças Raras, aprovado a 12 de Novembro de 2008, pelo Ministério da Saúde, prevê a criação de centros de referência para este tipo de patologias. Segundo este documento, estes centros deverão possuir, entre outros, profissionais com demonstrada competência, características multidisciplinares, ter uma boa capacidade de formação e ensino, possuir capacidade diferenciada de diagnóstico e de seguimento da evolução da doença e estarem articulados com as principais associações de doentes. Esperemos que as palavras passem 18 | PÁGINAS RARAS brevemente a actos uma vez que, até à data, estes centros não passam de uma miragem e não fora o brilhante trabalho desenvolvido, justamente, pelas associações de doentes, muitas famílias continuariam à deriva no “misterioso” mundo das doenças raras! O apoio psicológico pode ser fundamental Quando se recebe o diagnóstico de uma doença rara e, geralmente, crónica, a família encontra-se frequentemente perante uma situação geradora de elevados níveis de incerteza e angústia. Nestes casos, o apoio psicológico pode minimizar o impacto emocional, reduzindo o risco de sequelas psicopatológicas. “É sempre aconselhável este tipo de apoio, embora não deve ser “impingido” às famílias. A não ser que se torne óbvia a incapacidade de lidar com a doença (rejeição,negação,abandono,etc.), julgo que se deve dar espaço para que a família “dê sinal” dessa necessidade. No entanto, a ser necessário, este apoio deve ser aconselhado pelo próprio médico assistente, uma vez que faz, naturalmente, parte das suas obrigações como principal orientador da estratégia terapêutica”, diz Brito Avô. As reacções emocionais associadas a este tipo de diagnósticos podem provo- car alterações que influenciam directamente, e de forma negativa, não só todo o processo de adaptação à doença, como também a própria qualidade de vida da pessoa afectada e da sua família. Conhecer todo o processo que envolve a própria doença e, se necessário, modificar as estratégias utilizadas para enfrentá-la, poderá evitar apreciações negativas para a família. OPINIÕES RARAS O aparecimento de uma deficiência ou doença rara desencadeia um impacto stressante, vivido de forma diferente por cada elemento da família. Durante uma gravidez, a maioria dos pais cria um conjunto de expectativas sobre o bebé... Face a um diagnóstico difícil, as reacções dos pais têm sido comparadas às experiências de perda de alguém amado, por morte ou separação. O tipo de reacção depen- A linguagem rara dos bebés de, evidentemente, do casal, do tipo de personalidade, das características da doença do bebé, do background cultural, da família, do estatuto sócio-económico, da Os bebés lêem a tristeza, o prazer e a felicidade”. Eduardo Sá, psicólogo clínico, descreveu desta forma a vivência destes pequeninos seres a quem, até há bem pouco tempo, não eram atribuídos quaisquer sentimentos que fossem para além do da sobrevivência. A relação entre os bebés e os afectos foram tema de debate no ABC do Bebé, um seminário realizado no Auditório da Reitoria da Universidade de Coimbra, destinado aos futuros profissionais de saúde. Centenas de estudantes das áreas da Enfermagem, Psicologia e Medicina participarem neste seminário onde as palavras de ordem foram, “os técnicos mais sensatos são os que melhor interpretam o sentimento dos pais”. Na realidade, um profissional de saúde que não consiga estabelecer uma boa comunicação com os pais, nunca conseguirá chegar realmente ao bebé e, como tal, não perceberá sinais e informações que poderão revelar-se preciosas num diagnóstico. Esta foi estrutura familiar, das suas competências e das suas necessidades especiais. Porém, tem-se verificado que existem famílias que têm muita dificuldade, ou revelam mesmo alguma impossibilidade de se adaptarem às implicações e exigências do dia-a-dia. Por outro lado, a própria relação do casal poderá ser influenciada, especialmente nos primeiros tempos. O apoio ao casal deverá, por isso, começar na pessoa que transmite o diagnóstico e na rede de clínicos que esse médico deverá recomendar para apoiar a família. O casal deve ter como suporte, não só a componente clínica facultada por uma equipa multidisciplinar, accionada no momento em que se dá o diagnóstico, como também afectiva, que o casal poderá encontrar junto da família e amigos. Ajudar o casal nesse momento pode ser simplesmente pegar na mão e chorar em conjunto ou, simplesmente, dar um abraço; é estar presente para partilhar a dor. No que se refere directamente à criança com patologia rara deve promover-se uma vida, o mais natural possível, estando sempre atento a alguns sinais que possam traduzir um mal estar psicológico. Dar espaço à criança, que muitas vezes fica cansada de tantas consultas e terapias, é fundamental! Uma criança “RARA” poderá ser rara na forma eficaz como lida e ensina a PÁGINAS RARAS | 19 lidar com a raridade, superando de forma positiva, optimista e feliz a sua doença. Afinal, uma criança “RARA” não tem de ser uma criança infeliz! Relativamente aos irmãos destas crianças, frequentemente são uma ajuda para os pais, embora não devem sê-lo a “tempo inteiro”. Powell e Ogie (1985) descreveram os irmãos como «agentes de socialização», uma vez que proporcionam à criança/jovem um contexto para o desenvolvimento as suas competência sociais. Habitualmente, a superprotecção do(a) irmão/irmã com deficiência ou doença rara converte-se numa norma para os seus irmãos. Grossman (1972) refere inclusive que existem benefícios no facto de terem um irmão portador de doença rara: o desenvolvimento do espírito de tolerância e compaixão, maior compreensão dos outros, maior consciência da desvantagem e suas consequências e uma maior valorização da sua própria saúde e inteligência, são apenas alguns deles. Por último, gostaria de referir que os sentimentos descritos pelos pais de uma criança portadora de doença rara são, frequentemente, transversais e têm sobretudo que ver com a forma de encarar um eventual luto. A revolta, por exemplo, é um sentimento que faz parte deste processo de luto, determinante para a aceitação da doença rara ou deficiência. É natural surgirem sentimentos e sensações diversos e cada pessoa deve permitir-se senti-los. Sentimentos como raiva, revolta e dor são, por isso, perfeitamente normais. O processo de luto é defendido por aliás uma das queixas apresentadas na audiência por uma mãe, ainda a lidar com o luto do seu bebé, vítima de uma grave hidrocefalia. “Eu sabia que algo estava mal, mas a médica insistiu em ignorar a minha inquietação”, confessou Carla*. Para Paula Brito e Costa, presidente da Raríssimas, e uma das oradoras desta reunião, esta falha de comunicação é bastante mais frequente do que se possa imaginar... Existem dezenas de mães que, como a Carla, foram vítimas de um diagnóstico errado ou tardio. Essa é, aliás, a realidade inerente ao mundo das doenças raras. “Quando o meu filho nasceu, uma psicóloga aproximou-se de mim com um sorriso de orelha a orelha. Dizia ela que queria confortar-me. Como? Como é que alguém que nunca passou por isto pode saber o que nos vai na alma? Mandei-a embora!”, afirmou Paula Brito e Costa frizando que o maior apoio de uma mãe nestas circunstâncias é, precisamente, alguém que passou pelo mesmo e que, através da sua experiência de vida poderá proporcionar um maior conforto a quem sofre no momento. Foi alguns autores com sendo um processo não linear. A literatura sugere que este processo se desenrola em três fases: Fase Inicial, de choque, apatia e incapacidade de acreditar no que aconteceu, com possíveis sentimentos de desinteresse, de perda, de espanto e de confusão; Fase de desorganização emocional, com sentimentos de culpa, frustração, raiva, tristeza e mágoa; Fase da reorganização emocional, que só mais tarde é que parece acontecer e é onde ocorre o 20 | PÁGINAS RARAS ajustamento e a aceitação. Céu Seabra, Psicóloga Ilustração Cristina Valadas justamente a pensar nesta situação que a Raríssimas tem já pensado o projecto mimÍSSIMO, uma iniciativa que visa levar até às maternidades, sempre que solicitado, este apoio de mãe para mãe. Eduardo Sá enfatiza esta ideia afirmando que “se os técnicos escutarem as mães serão, seguramente, melhores clínicos” porque os pais são, nas palavras do mesmo, verdadeiros prematuros uma vez que não conseguem muitas vezes suportar este tipo de dor, aos contrário dos “meninos da incubadora”, habituados a lídar com as maldades dos “homens de bata verde”. A este propósito, Octávio Cunha, ex-director da Unidade de Cuidados Neonatais do Hospital de Santo António, leu um excerto da sua obra O Sítio entre o Céu e a Terra que, através da suposta visão do prematuro, retrata com uma sensibilidade extrema a dura realidade que envolve a morte de uma criança neste locais: “... havia também os outros. Os Meninos de Amanhã. Meninos que mal chegavam se iam embora para um sítio desconhecido que deve ser só deles. As Gentes Vestidas de Verde ficam sempre muito tristes quando os vêem transformar-se numa nuvem muito pequenina, tão pequenina que quando se olhava outra vez, já tinham desaparecido. Um dia, não se sabe quando, vão voltar e ensinar às Gentes Vestidas de Verde aquilo que elas ainda não sabem, para que não haja mais Meninos de Amanhã”. No caso dos meninos raros “prematuros para toda a vida”, a realidade das “gentes vestidas de verde” é tanto mais frequente. No caso dos seus pais, prematuros nos sentimentos, a sensibilidade de um técnico de saúde pode ser a chave para ultrapassar uma situação que, só por si, é demasiado dolorosa. Porque por melhores cuidados técnicos que a ciência possa oferecer, nada se compara a um olhar carinhoso ou um abraço sentido. Parafraseando Abel Salazar, célebre médico e investigador “quem só sabe de Medicina, nem de Medicina sabe”. Foi justamente para desmistificar esta cultura médica do século XXI, em que as pessoas são tratadas como números e não existe qualquer elo de ligação sentimental entre elas e os profissionais de saúde, que se organizou este encontro. Para que os médicos de amanhã não se detenham apenas no saber científico e avancem para o lado humano da Medicina. Só assim poderemos ter bons profissionais de saúde e famílias e doentes devidamente acompanhadas. Nas palavras de Eduardo Sá “quanto todas as maternidades forem RARÍSSIMAS, então saberemos que as coisas estão realmente a mudar... para melhor!”. *Nome Fictício PÁGINAS RARAS | 21 Ilustração Manuela Bacelar Acondroplasia Com um diagnóstico por vezes difícil, sobretudo no recém-nascido e crianças, a Acondroplasia é a forma mais comum de nanismo. Inteligentes e com uma esperança de vida perfeitamente normais, os portadores desta doença rara têm no entanto uma qualidade de vida diminuída. 22 | PÁGINAS RARAS Singularidades A Acondroplasia é a forma mais frequente de baixa estatura desproporcionada de origem genética nas crianças e adultos, atingindo 1 em 15.000 recém-nascidos vivos. Diagnóstico A observação cuidadosa do doente faz habitualmente suspeitar do diagnóstico logo ao nascimento, confirmando-se depois através de radiografia do esqueleto. Existem actualmente normas de orientação clínica para estes doentes que devem ser vigiados em consultas multidisciplinares que podem envolver Pediatria, Ortopedia, ORL, Neuropediatria e Neurocirurgia, Fisiatria, Estomatologia, Genética, etc. O apoio de equipas de estimulação precoce motora pode ser útil. Aconselhamento Genético A maioria dos doentes - mais de 80% - tem pais de estatura normal, pelo que a doença é esporádica e resultou de uma mutação “de novo” que ocorreu pela primeira vez no próprio. Há um risco evidente associado à idade paterna avançada (mais de 40 anos). Se um dos pais tem Acondroplasia (um gene com mutação), há um risco de 50% de ter um filho afectado em qualquer gravidez futura. Se os dois pais tiverem Acondroplasia, há um risco de 25% de ter um filho de estatura normal , um risco de 50% de ter um filho Acondroplásico. É possível efectuar diagnóstico pré-natal molecular, através de amniocentese ou b i ó p s i a das vilosidades, sendo que os riscos, vantagens e desvantagens do diagnóstico pré-natal, devem ser sempre discutidos e planeados em consulta de aconselhamento genético, antes de nova gravidez. Características baixa estatura desproporcionada tronco de dimensões aproximadamente normais, com encurvamento da coluna para fora no lactente, e encurvamento da coluna para dentro após aquisição da marcha cabeça grande com fronte alta e proeminente nariz de base achatada limitação na extensão dos cotovelos mãos pequenas com configuração em tridente e dedos curtos tórax estreito sobretudo nos lactentes pernas arqueadas diminuição da força muscular no lactente Para saber mais: http://www.soperj.org.br/nsocio/textos_detalhe.asp?id=256 Texto retirado do livro: Doenças Raras de A a Z, Volume I PÁGINAS RARAS | 23 flash flash flash flash flash flash flash flash flash flash flash flassh flash h flash h flash h flash h flash h Invest Investigadores Inve stig igad ador ores es do do Centro Cent Ce ntro ro de de Investigação Inve In vest stig igaç ação ão Príncipe Felipe de Valencia e do Instituto de Investigação Biomédica de Bellvitge (IDIBELL) desenvolveram um projecto conjunto para estudar as particularidades do Síndrome de Cornelia de Lange, uma doença rara do foro genético que conduz a uma série de anormalidades severas que afectam o desenvolvimento físico e intelectual. Concretamente, este projecto procurará explicar qual o papel de determinadas proteínas, importantes no processo de divisão celular, na fusão com os cromossomas, já que, ao longo de anos de investigação, estes cientistas comprovaram que os doentes afectados com Sindrome de Cornelia de Lange apresentavam diversas mutações neste complexo de proteínas. Como afirma Rodríguez-Navarro, investigador, “embora a mutação de algumas coesinas não afectasse a sua função, o que é facto é que elas se encontram presentes nos doentes com este síndrome”. O projecto, agora em marcha, poderá não só descobrir as causas genéticas desta doença, como também revelar o verdadeiro funcionamento das coesinas nas células. 24 | PÁGINAS RARAS Lottie Lafferty, uma jovem britânica, foi diagnosticada com artrite juvenil aos 3 anos. Sofria de inchaços e rigidez em todo o corpo, principalmente nos cotovelos, pulsos, braços, quadris, joelhos e tornozelos. Hoje, a pequena Lottie corre e brinca como qualquer outra criança da sua idade, graças a um tratamento usado como terapêutica para o cancro. Segundo o Royal Victoria Infirmary, em Newcastle, o MTX é uma substância habitualmente utilizada em quimioterapia. Além das injecções semanais com pequenas doses da substância, Lottie toma ainda esteróides que a ajudam no alívio da dor. O Centro de Investigação Cooperativa em Biociências, CIC bioGUNE, desenvolveu uma enzima denominada uroporfirinógeno III sintase (UROIIIS), que pode contribuir para evitar os sintomas de uma das doenças raras mais agressivas, a Porfíria Eritropoiética Congénita, mais conhecida como Doença de Günther. Paralelamente, a equipa do centro de investigação estuda a possibilidade de vir a desenvolver um fármaco que possa melhorar efectivamente a qualidade de vida destes doentes. Recorde-se que a Porfíria Eritropoiética Congénita é extremadamente rara (200 a 300 em todo o mundo), e pertence ao grupo das Porfírias, constituído por uma série de doenças metabólicas raras. meçou em 2007 e envolveu doentes de 15 nacionalidades. Segundo Sérgio Sousa, as crianças com a síndrome de Nicolaides-Baraitser apresentam diversas características, entre as quais, atraso mental, atraso severo no desenvolvimento, graves dificuldades na fala, convulsões, microcefalia (cabeça de dimensão abaixo da média), pouco cabelo, deformações nas mãos e nos pés e enrugamento progressivo da pele, revelando que “em Portugal não há ainda qualquer caso diagnosticado, mas temos alguns sob suspeita...” Charlotte Durham, de 18 anos, sofre de hipertensão intracraniana idiopática, um raro transtorno neurológico que aumenta a pressão interna no cérebro, levando a dores de cabeça lancinantes que podem, inclusivamente, levar à cegueira. Após anos de dor, o pai da jovem Andy descobriu na internet um medicamento, habitualmente usado para problemas de crescimento, que tinha ajudado outros doentes com a mesma patologia. Convenceu então o Hospital da Universidade de North Staffordshire a experimentar o medicamento na filha, o que veio a resultar de forma satisfatória. Conforme relata Brendam Davies, neurologista da Clínica Regional de Dores de Cabeça de North Midlands, “o caso de Charlotte ressalta a necessidade de financiamento de mais pesquisas clínicas sobre o tratamento efectivo de hipertensão intracraniana idiopática”. O laboratório Advanced anced Cell Technology Technology, y de Mas Massachusetts, começará em breve a recrutar doentes portadores de Distrofia Macular de Stargardt, para que sejam tratados com células-tronco embrionárias que irão substituir as células danificadas do olho. O produto da Advanced Cell Technology é uma célula-tronco embrionária humana “treinada” para se tornar uma célula da retina. No primeiro teste clínico, algumas centenas de células serão injectadas num dos olhos de cada voluntário. A Distrofia Macular de Stargardt é uma doença que pode levar à cegueira total e que afecta mais de 30 milhões de pessoas no mundo, sendo a PÁGINAS RARAS | 25 principal causa de perda da visão em pessoas com mais de 60 anos. flash flash flash flash flash flash h fl flash ash h fl flash ash h fl flash ash h flash flash flash flash flash flash flash flash O geneticista Sérgio Sousa, do Hospital Pediátrico de Coimbra, foi galardoado com o prémio John M Opitz Young Investigator, por ter identificado as características de uma doença rara, da qual se conhecem pouco mais de três dezenas de casos em todo o mundo: a síndrome Nicolaides-Baraitser. Para Sérgio Sousa “é importante ver o nosso trabalho reconhecido, sobretudo numa área como as doenças raras e a Genética Médica, pouco conhecida e valorizada pela restante comunidade médica em Portugal e onde esse reconhecimento é invulgar”. O trabalho desenvolvido pelo especialista co- Perfil António Vaz Carneiro 26 | A maior parte dos medicamentos órfãos são verdadeiramente revolucionários PÁGINAS RARAS Especialista em Medicina Interna e Nefrologia, professor da Faculdade de Medicina de Lisboa, Director do Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência da FML e Presidente do Conselho Científico da Raríssimas, são apenas alguns dos epítetos deste médico que fala da sua arte com paixão! Décadas de uma carreira brilhante e centenas de publicações em revista de teor científico não retiram a Vaz Carneiro a lucidez e rigor com que retrata a sua profissão e as dificuldades a ela inerentes “a profissão de médico tem uma enorme importância social mas ganha-se miseravelmente e a própria qualidade de trabalho é muito má” aponta o Nefrologista adiantando que, para quem trabalho no sector público, ir diariamente para o local de trabalho pode ser uma verdadeira “ VIOLÊNCIA”, comprovada pelas elevadas taxas de suicídio entre a classe. Conforme explica “é complicado a nível de relações pessoais: o chefe não me escolheu e, como tal, não existe entre nós nenhuma solidariedade. Isto envenena o sistema. O aspecto pessoal é muito importante e existem chefes completamente disfuncionais...” refere, de forma irónica. Aliás, ao contrário daquilo que muita vez é noticiado, o que permite efectivamente a fuga dos médicos para o sector privado, segundo Vaz Carneiro “é o facto de terem a possibilidade de ter projectos de vida muito mais interessantes e não o dinheiro”. Docente na Faculdade de Medicina de Lisboa, Vaz Carneiro faz das suas aulas um espaço de reflexão e aprendizagem intensa referindo desde logo que, o ensino da Medicina em Portugal é muito bom “porém, aconselho sempre a fazer pós-graduações no estrangeiro”. Segundo ele, a percentagem de alunos que saem bem formados e prontos para serem médicos é boa mas, “a pós-graduação fornece-nos toda a prática que nos torna proficientes na arte, além de permitir conhecer outras realidades”, salientando que todos os anos ajuda os alunos mais ambiciosos a estagiar no estrangeiro. Questionado sobre as novas faculdades de medicina, Vaz Carneiro é peremptório: “tenho muitas dúvidas, quanto à sua qualidade de ensino”. A selecção de candidatos para a faculdade de medicina é outro dos pontos fracos dos nossos sistema de ensino e “um dos aspectos mais delicados a nível mundial”. “ a profissão de médico tem uma enorme importância social mas ganha-se miseravelmente e a própria qualidade de trabalho é muito o má “ PÁGINAS RARAS | 27 “O pressuposto que as médias são iguais para todos não é de todo verdade, uma vez que as escolas são diferentes e a avaliação também, com a respectiva interferência no valor da nota”, aponta o médico internista. Nas palavras de Vaz Carneiro o sistema ideal será, talvez, o que se pratica no Canadá em que os candidatos são avaliados não só pela nota de exame mas também por uma comissão composta por professores, alunos e membros da comunidade e onde são avaliadas todas as actividades extra-curriculares do aluno, nomeadamente, se já trabalhou, por exemplo, com associações de doentes. São, inclusivamente, realizadas entrevistas individuais para perceber o perfil real do candidato. Porém, o entrevistado reconhece que isto “seria impossível de fazer no nosso país. A única possibilidade seria arranjar um factor extra de avaliação a nível do ensino secundário”, pondera revelando que com o actual processo de selecção, teremos sempre uma percentagem de alunos que estão insatisfeitos. A realidade das doenças raras Os desafios fazem parte das conquistas deste médico e foi assim que aceitou a proposta para elaborar o primeiro registo de doenças raras em Portugal, encetado pela FEDRA - Federação das Doenças Raras de Portugal, em Fevereiro de 2010. Para construir esta imensa base de dados que, quando concluída, será oferecida ao Sistema Nacional de Saúde (SNS), foram seleccionadas sete doenças raras: Fibrose Quísti28 | PÁGINAS RARAS “ Não acredito em decisões políticas generosas; elas são sempre oportunistas “ ca, Doença de Machado-Joseph, Esclerose Lateral Amiotrófica, Espondilite Anquilosante, Spina Bifida, Osteógenese Imperfeita e Fenilcetonúria. “Estamos neste momento a construir as fichas de cada uma delas. Isso implica encontrar os experts portugueses que nos possam ajudar a desenvolver as fichas e a introduzir os doentes nas mesmas. Isto implica ter um índice de informação sobre o doente bastante completo e que incluí, as terapias que fazem, os resultados, a vida clínica”, explica o especialista que defende que, as doenças raras sofrem do problema de serem raras. “Nós, médicos, não estamos habituados a ver estas doenças, não temos informação suficiente sobre elas e por isso temos tendência a deixar escapar o diagnóstico”. Além do problema do diagnóstico, estas patologias sofrem também de um problema de prognóstico: “ perceber qual a evolução dos doentes, uma vez que eles não são todos iguais - existem doenças raras nas formas leves ou moderadas e depois as mesmas podem ser mais agu- assinala o especialista. Quando existe uma única verba de financiamento e três patologias diferentes, por exemplo, cabe à sociedade civil provar que aquilo que defende é realmente prioritário. “É certo que falta às doenças raras uma informação sólida se compararmos, por exemplo, com a diabetes. Falta-nos os números, os dados objectivos que ajudem, efectivamente, os órgãos decisores. Eles gostam deste tipo de dados para suportar a sua decisão”, conclui Vaz Carneiro. das. Só grandes grupos de doentes é que nos permitem ver essa variação da doença”, refere Vaz Carneiro. Coloca-se ainda o problema dos tratamentos que acarretam específicidades políticas, económicas e financeiras, inerentes aos medicamentos órfãos. “A maior parte destes medicamentos são verdadeiramente revolucionários, extremamente eficazes e significam para muitos doentes a diferença entre ter uma qualidade de vida ou não ”, salienta o Nefrologista que afiança que no futuro, será a própria indústria a impor a agenda das doenças raras. Além das farmacêuticas, parece claro que o futuro das doenças raras passa por uma forte liderança junto da Comissão responsável para a implementação do Plano Nacional da Saúde, aprovado em 2008. “As prioridades da sociedade civil é que irão modificar o SNS”, alerta Vaz Carneiro que sustenta que são as associações de doentes que devem pressionar a Comissão para que faça o que tem a fazer. “Não acredito em decisões políticas generosas; elas são sempre oportunistas”, Para Vaz Carneiro, o ensino de Medicina em Portugal é muito bom PÁGINAS RARAS | 29 A propósito do Dia Mun- No Actual da próxi- dial do Doente, Páginas ma edição falaremos Raras dedica-lhes um tra- sobre balho onde irão ser abor- MedInterna e a abor- dadas as dificuldades de dagem feita a duas diagnóstico e a relação patologias raras: Bhe- Actividades entre o médico de família cet e Sjogren. Novidades e muito... muito mais na sua PR de Março! o congresso e o doente “raro”. Doenças raras Os cuidados contiPedro Pita Barros, economista especializado na área da saúde, revela-nos um novo teorema, da sua autoria, que poderá revolucionar o mundo das finanças da saúde. Na próxima edição 30 | PÁGINAS RARAS nuados e o futuro A rubrica Singularida- dos doentes cróni- des explica a doença de cos, são motivo de Batten, uma patologia reportagem na pró- neuro-degenerativa que xima edição. tem como sintomatologia comum convulsões e problemas de visão. PÁGINAS RARAS | 31 32 | PÁGINAS RARAS Faça o seu donativo: NIB: 0010 0000 37968970001 80
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