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Assunto Especial - Doutrina
Mandado de Segurança Coletivo e Individual
A Competência no Mandado de Segurança: Questões
Controvertidas
JOSÉ HENRIQUE MOUTA ARAÚJO
Pós-Doutor (Universidade de Lisboa), Doutor e Mestre em Direito (Universidade
Federal do Pará), Professor Titular da Unama, Cesupa e Faci, Membro do Instituto
Brasileiro de Direito Processual, Procurador do Estado do Pará, Advogado.
RESUMO: O texto procura enfrentar várias situações envolvendo a competência
para a apreciação e julgamento do mandado de segurança.
PALAVRAS-CHAVE: Mandado de segurança; competência; autoridade coatora;
apreciação; julgamento; nulidade.
SUMÁRIO: 1 Definição do tema; 2 Ato de dirigente de entidade de ensino
superior; 3 Atos do Conselho Federal da OAB; 4 Decisões dos Juizados
Especiais e respectivas Turmas Recursais; 5 Ato praticado por juiz,
desembargador de Tribunal Estadual, Federal, procurador de Justiça
Estadual e dos CNJ e CNMP. Interpretação do artigo 102, I, d, n e r, da
CF/1988.
1 DEFINIÇÃO DO TEMA
Nos dias atuais, houve um aumento do número de mandados
de segurança impetrados contra diversas autoridades coatoras
federais, estaduais, municipais e entes privados com atuação
delegada ou autorizada.
Neste ensaio, a pretensão é enfrentar alguns problemas ligados
à competência para o mandado de segurança, especialmente quando
a autoridade coatora é vinculada à instituição de ensino, OAB, ao
próprio Poder Judiciário e aos Conselhos (CNJ e CNMP).
Antes de adentrar especificamente nas variáveis que o tema
provoca, torna-se necessário partir de uma premissa: a competência
para apreciação do mandado de segurança é observada, a priori, pela
observação de quem é autoridade coatora.
Com efeito, para que seja vislumbrado, corretamente, o órgão
jurisdicional competente, não se deve partir para a análise de quem é
a pessoa jurídica que irá figurar na posição de réu no MS. A
impetração deve ser feita de acordo com o papel, a função e a
hierarquia da autoridade coatora. Como exemplo, é possível indicar
que o mandado de segurança impetrado contra ato de Governador de
Estado tem como órgão competente o 2º grau de jurisdição, ao passo
que outro impetrado contra Comissão de Licitação de uma Secretaria
de Estado deve ser processado em 1º grau - Vara da Fazenda
Pública. Em ambos, a ré é a pessoa jurídica de direito público
(Estado).
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Aliás, in casu, a competência para a impetração é absoluta
(critério funcional) e não territorial. Logo, é improrrogável e, caso não
atendida, gera nulidade insanável 1.
Posto isto, vejamos as outras situações interessantes e
intrigantes envolvendo a competência no MS.
2 ATO DE DIRIGENTE DE ENTIDADE DE ENSINO SUPERIOR
O primeiro aspecto a provocar questionamentos quanto à
competência no mandado de segurança refere-se ao ato advindo de
dirigente de entidade de ensino superior.
Antes de mais nada, é necessário apresentar duas premissas
para o correto enfrentamento da questão: a) análise da natureza
jurídica da entidade de ensino; b) verificação de quem é a autoridade
coatora.
Nos casos em que a autoridade coatora atua em instituição
pública federal (como o reitor, presidente de comissão de licitação ou
de concurso público), torna-se clara a competência da Justiça Federal.
E nos casos de instituição estadual, municipal ou mesmo
privada? Vejamos um exemplo: MS impetrado contra diretor de
universidade estadual (ou entidade privada) que indefere matrícula de
aluno ou retém documentação de estudante. A competência é da
Justiça Federal ou Estadual?
Interessante, neste contexto, separar em dois grupos de
instituições de ensino: a) federal e particular; b) estadual ou municipal.
Começando pelo segundo grupo, razoável é defender que a
competência é da Justiça Estadual, e não Federal.
Aliás, em sede jurisprudencial, o assunto não é novo. A ementa
a seguir, oriunda de decisão do STJ, é bem esclarecedora:
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Processual civil. Recurso especial. Ação cautelar. Ato de
faculdade privada. Competência da justiça estadual. Precedentes.
Recurso especial provido. 1. A Primeira Seção do STJ, no CC
108.466/RS, de relatoria do Exmo. Ministro Castro Meira, julgado em
10 de fevereiro de 2010, nos processos que envolvem o ensino
superior, fixou regras de competência em razão da natureza do
instrumento processual utilizado. 2. Em se tratando de mandado de
segurança, a competência será federal, quando a impetração
voltar-se contra ato de dirigente de universidade pública federal ou de
universidade particular; ao revés, será estadual quando o mandamus
for impetrado contra dirigentes de universidades públicas estaduais e
municipais, componentes do sistema estadual de ensino. 3. Se forem
ajuizadas ações de conhecimento, cautelares ou quaisquer outras de
rito especial, que não o mandado de segurança, a competência será
federal quando a ação indicar no polo passivo a União ou quaisquer
de suas autarquias (art. 109, I, da CF/1988); será de competência
estadual, entretanto, quando o ajuizamento voltar-se contra entidade
estadual, municipal ou contra instituição particular de ensino. 4. In
casu, trata-se de ação cautelar inominada ajuizada contra instituição
particular de ensino, o que fixa a competência da Justiça Estadual. 5.
Recurso especial provido. (REsp 1195580, 2ª T., Rel. Min. Mauro
Campbell Marques, J. 10.08.2010, DJ 10.09.2010)
Não se deve confundir o mandado de segurança com outras
demandas (de conhecimento, execução, ou cautelar). No caso de
instituição de ensino estadual ou municipal, que fazem parte do
sistema estadual de ensino, tanto o mandado de segurança quanto as
demais ações devem ser propostas junto à Justiça Estadual, na Vara
de Fazenda Pública, onde houver.
De outro prisma, nos casos da instituição privada, o raciocínio
dependerá do ato a ser impugnado judicialmente. A competência será
da Justiça Estadual quando se tratar de ações de conhecimento,
execução ou cautelar em que se discutem atos privados (como
execução contratual, indenizações, etc.).
A competência fixada pela Constituição deve ser interpretada
restritivamente. Assim, a atuação da Justiça Federal apenas encontra
assento nos casos previstos no art. 109.
Já em relação ao mandado de segurança contra instituição
privada ou federal, ratifica-se que a competência é dada de acordo
com a função exercida pela autoridade coatora; ao contrário das
outras demandas, ela é fixada de acordo com as regras gerais
previstas no CPC. Assim, como já mencionado, caso o aluno de
faculdade particular proponha demanda cautelar ou mesmo de
conhecimento, a competência é da justiça estadual. Por outro lado, se
for MS, deverá ser impetrado junto à Justiça Federal.
Em síntese: se o ato a ser impugnado judicialmente disser
respeito à sua atuação privada (v.g., execução de um contrato), é
claro que a competência é da Justiça Estadual. Por outro lado, se o
ato impugnado advir da delegação do Ministério da Educação, e for
irresignado por meio de mandado de segurança, a competência é
fixada pela autoridade delegante, nos termos do art. 109, VIII, da
Constituição Federal de 1988 c/c art. 16, inciso II, da Lei nº
9.394/1996.
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É claro que, no dia a dia forense, há grande confusão em
relação à competência no mandamus contra entidade privada. Vários
conflitos de competência 2 já foram apreciados pelo STJ, como o
ementado a seguir:
Processual civil. Conflito negativo de competência. Mandado
de segurança. Ato de diretor de faculdade privada. Competência da
justiça federal. 1. Cinge-se a controvérsia em definir o juízo
competente para processar e julgar mandado de segurança
impetrado contra ato de diretor de faculdade privada, que impediu a
rematrícula do impetrante em seu curso de graduação. 2. O Juízo de
Direito declinou da competência ao argumento de que "tratando-se
de mandado de segurança impetrado contra ato de diretor de
faculdade particular de ensino, que atua por delegação do Poder
Público Federal, a competência para o julgamento do writ é da
Justiça Federal, nos termos do art. 109, inciso VIII, da Constituição
Federal". 3. O Juízo Federal suscitou o presente conflito aduzindo
que o art. 2º da Lei nº 12.016/2009 "restringe a atuação da
autoridade apontada como coatora para que seja considerada como
'federal' aquela autoridade de que emanem atos que tenham
consequência patrimonial a ser suportada pela União Federal ou por
entidade por ela controlada". 4. A alteração trazida pela Lei nº
12.016/2009 com relação ao conceito de autoridade federal em nada
altera o entendimento há muito sedimentado nesta Corte acerca da
competência para julgamento de mandado de segurança, já que não
houve modificação substancial na mens legis. 5. O mero confronto
dos textos é suficiente para corroborar a assertiva. O art. 2º da nova
lei define "autoridade federal" para fins de impetração do mandamus,
nos seguintes termos: "Considerar-se-á federal a autoridade coatora
se as consequências de ordem patrimonial do ato contra o qual se
requer o mandado houverem de ser suportadas pela União ou
entidade por ela controlada". 6. Já o art. 2º da Lei nº 1.533/1951
dispunha: "Considerar-se-á federal a autoridade coatora se as
consequências de ordem patrimonial do ato contra o qual se requer o
mandado houverem de ser suportadas pela União Federal ou pelas
entidades autárquicas federais". 7. Permanece inalterado o critério
definidor da competência para o julgamento de mandado de
segurança, em que se leva em conta a natureza das pessoas
envolvidas na relação processual, ratione personae, sendo
irrelevante, para esse efeito e ressalvadas as exceções mencionadas
no texto constitucional, a natureza da controvérsia sob o ponto de
vista do direito material ou do pedido formulado na demanda. 8. Nos
processos em que envolvem o ensino superior, são possíveis as
seguintes conclusões: a) mandado de segurança - a competência
será federal quando a impetração voltar-se contra ato de dirigente de
universidade pública federal ou de universidade particular; ao revés, a
competência será estadual quando o mandamus for impetrado contra
dirigentes de universidades públicas estaduais e municipais,
componentes do sistema estadual de ensino; b) ações de
conhecimento, cautelares ou quaisquer outras de rito especial que
não o mandado de segurança - a competência será federal quando a
ação indicar no pólo passivo a União Federal ou quaisquer de suas
autarquias (art. 109, I, da Constituição da República); será de
competência estadual, entretanto, quando o ajuizamento voltar-se
contra entidade estadual, municipal ou contra instituição particular de
ensino. 9. Na hipótese, cuida-se de mandado se segurança
impetrado por aluno com o fim de efetivar sua re-matrícula na
Faculdade de Administração da Fagep/Unopar - entidade particular
de ensino superior - o que evidencia a competência da Justiça
Federal. 10. Conflito negativo de competência conhecido para
declarar a competência do Juízo Federal, o suscitante. (CC 108466,
1ª S., Rel. Min. Castro Meira, J. 10.02.2010, DJ 01.03.2010)
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Em suma: o problema envolvendo a competência para a
impetração do MS passa pelas duas premissas citadas anteriormente.
Ademais, há a necessidade de diferenciá-lo das demais ações que
podem ser propostas visando discutir os atos advindos dos dirigentes
das diversas instituições de ensino. Por derradeiro, a fixação do órgão
competente irá depender da autoridade coatora e/ou do ente
delegante (em caso de instituição privada).
3 ATOS DO CONSELHO FEDERAL DA OAB
Outro aspecto que merece atenta análise refere-se a sua
impetração contra ato do Conselho Federal da Ordem dos Advogados
do Brasil.
Neste item, também é necessário partir de uma premissa: a
instituição tem personalidade jurídica de autarquia especial federal.
Portanto, a competência para análise e julgamento dos mandados de
segurança em que a autoridade coatora está ligada ao CFOAB é da
Justiça Federal 3.
Aliás, na prática forense é muito comum a impetração de
mandamus discutindo aspectos ligados ao exame da ordem.
Contudo, no caso concreto, é necessário ter muita cautela em
relação à indicação da autoridade coatora: se é ligada ao Conselho
Federal ou aos Conselhos Seccionais.
Ao se analisar o próprio estatuto da OAB (art. 45 da Lei nº
8.906/1994), o Conselho Federal e os Seccionais possuem
personalidade jurídica própria, tendo, o primeiro, sede na Capital
Federal, e os outros com jurisdição no âmbito do respectivo Estado.
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Assim, quando o ato impugnado no MS for oriundo de
autoridade ligada ao Conselho Federal, a competência é da Justiça
Federal do Distrito Federal. De outra banda, quando a autoridade
coatora for vinculada a algum Conselho Seccional, a competência é
da Justiça Federal do Estado de Origem.
Outrossim, nos MS de competência originária do STF, apenas o
Conselho Federal pode intervir. Sobre ao assunto, vale transcrever
julgado do ano de 1999, em que o Tribunal de Cúpula fez
interpretação conjunta de vários dispositivos do EOAB:
Direito constitucional, administrativo e processual civil.
Mandado de segurança impetrado por advogado contra ato de
comissão parlamentar de inquérito (sobre irregularidades no Sistema
Financeiro Nacional), que decretou a quebra de seu sigilo bancário,
fiscal e telefônico. Deferimento parcial de medida liminar, pelo relator,
no STF, para que tal quebra se limite às relações do impetrante com
a empresa de que é sócio, envolvida também no inquérito. Agravo
regimental interposto pela CPI contra esse deferimento parcial da
liminar: não conhecimento do agravo, pelo plenário do STF.
Precedentes. Agravo regimental interposto pelo Conselho Seccional
de São Paulo, da Ordem dos Advogados do Brasil, contra a decisão
que indeferiu sua intervenção no processo, em prol do impetrante.
Agravo conhecido, mas improvido. 1. É antiga e continua firme a
jurisprudência do Plenário do Supremo Tribunal Federal, no sentido
de que, em processo de mandado de segurança (e também de
habeas corpus), de sua competência originária, descabe agravo
regimental contra decisão monocrática do respectivo Relator, que
defere ou indefere, no todo ou em parte, medida liminar. 2. É
igualmente tranquila a jurisprudência da Corte, ao admitir agravo
regimental contra decisões monocráticas, de outra espécie, em tais
processos. 3. Cabível, pois, o agravo regimental interposto pelo
Conselho Seccional de São Paulo, da Ordem dos Advogados do
Brasil, contra a decisão do relator, que não admitiu sua intervenção
no processo, em prol do impetrante. 4. Agravo conhecido, mas
improvido, já que a interpretação conjunta dos arts. 45, I e II, §§ 1 e
2, 54, II, 57 e 49 do Estatuto da OAB (Lei nº 8.906, de 04.07.1994)
leva à conclusão de que, perante o Supremo Tribunal Federal, em
processo de mandado de segurança, de sua competência originária,
somente o órgão supremo da OAB, ou seja, seu Conselho Federal,
tem legitimidade para intervir. Não, assim, os Conselhos Seccionais.
5. Agravo da CPI não conhecido. 6. Agravo do Conselho Seccional
de São Paulo, da OAB, conhecido, mas improvido. 7. Plenário.
Decisão unânime. (STF, MS-AgRg 23448, Rel. Min. Sydney Sanches,
J. 01.07.1999, DJ 24.09.1999)
Portanto, também deve o intérprete ter cautela no momento em
que analisa o mandado de segurança envolvendo a OAB e seus
Conselhos (Seccionais e Federal), podendo ocorrer uma variação da
competência para sua apreciação. Como mencionado, caso a
autoridade coatora esteja vinculado a um Conselho Seccional (como
nos casos de apuração de responsabilidade funcional de advogado), a
competência será da Justiça Federal local, ao passo que será na
circunscrição judiciária do Distrito Federal se a autoridade for
vinculada ao Conselho Federal.
4 DECISÕES DOS JUIZADOS ESPECIAIS E RESPECTIVAS
TURMAS RECURSAIS
Até o momento anterior, estava sendo discutida, de forma
genérica, a competência no mandado de segurança. Por outro lado, a
partir deste item, será enfrentado também seu cabimento contra ato
judicial.
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Na realidade, a prática forense indica um progressivo aumento
do número de mandados de segurança visando impugnar ao judicial.
No âmbito dos juizados especiais existem, a meu ver, duas situações
distintas: a) decisão judicial proferida por juiz da Vara específica dos
juizados; b) decisão oriunda de Magistrado componente de Turma
Recursal.
Em relação à primeira hipótese, parece que não há grande
discussão: a competência para o mandamus contra decisão da Vara
dos Juizados Especiais é da própria Turma Recursal (estadual ou
federal).
Imagine a hipótese de decisão interlocutória proferida durante o
processamento do feito na Vara dos Juizados (v.g., bloqueio de
conta-corrente, tutela antecipada para adoção de uma conduta).
Existem restrições claras, no sistema dos juizados, para o cabimento
de recurso contra as interlocutórias, o que justifica a utilização do
remédio constitucional como sucedâneo recursal.
Assim, caso seja impetrado o writ visando impugnar decisão
interlocutória proferida por Magistrado da Vara dos Juizados, a
competência é da própria Turma Recursal. O Enunciado nº 62 do
Fonaje consagra: "Cabe exclusivamente às Turmas Recursais
conhecer e julgar o mandado de segurança e o habeas corpus
impetrados em face de atos judiciais oriundos dos Juizados Especiais"
4.
Há, também, a Súmula nº 376 do STJ, que prevê: "Compete à
Turma Recursal processar e julgar o mandado de segurança contra
ato de juizado especial" 5.
A controvérsia, que parece superada com a súmula em
comento, dizia respeito à forma de interpretar as diretrizes previstas
nas Leis nºs 9.099/1995, 10.259/2001 (art. 3º, § 1º) e no próprio Texto
Constitucional, que, em seu art. 108, I, c, atribui competência ao
Tribunal Regional Federal para apreciar o MS contra ato de juiz
federal.
A melhor interpretação me parece a seguinte: a) quando o
mandado de segurança for impetrado para discutir ato jurisdicional
praticado por juiz atuando em juizado, a competência é da Turma
Recursal; b) os Tribunais Regionais Federais e os Tribunais de Justiça
dos Estados apenas têm competência para apreciar e julgar o MS
quando o ato do Magistrado é oriundo da jurisdição comum; c) apesar
de a legislação específica dos Juizados Federais excluir a
competência para apreciação originária de MS, não estendeu a
restrição aos casos de impetração visando impugnar decisão
praticada pelo Magistrado que atua nos Juizados.
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Por outro turno, se a decisão a ser impugnada pelo MS for da
própria Turma Recursal, quem será competente para sua apreciação?
Levando em conta o sistema diferenciado dos Juizados Especiais, em
que a Turma Recursal é composta de juízes, a análise do MS deve ser
feita pela própria Turma, sendo incompetente o Tribunal de Justiça, o
Tribunal Regional Federal e mesmo o Supremo Tribunal Federal 6.
Aliás, o Pretório Excelso já decidiu:
Competência. Originária. Mandado de segurança. Ato judicial.
Impetração contra decisão de juiz de Colégio Recursal. Feito da
competência da turma de origem. Incompetência absoluta do STF.
Reconhecimento. Interpretação do art. 102, I, d, da CF. Precedentes.
O Supremo Tribunal Federal não é competente para conhecer
originariamente de mandado de segurança contra decisão de juiz de
Colégio Recursal. (MS-AgRg 24858, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ
21.09.2007) 7
De fato, no sistema diferenciado dos Juizados Especiais, a
composição da Turma não é vinculada ao Tribunal de Justiça ou
Regional Federal. Portanto, eventual writ será de competência dos
próprios Magistrados a ela vinculados.
5 ATO PRATICADO POR JUIZ, DESEMBARGADOR DE TRIBUNAL
ESTADUAL, FEDERAL, PROCURADOR DE JUSTIÇA ESTADUAL E
DOS CNJ E CNMP. INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 102, I, D, N E R,
DA CF/1988
Neste item, pretendo enfrentar outras hipóteses interessantes
acerca da competência no mandado de segurança, iniciando pela
impetração visando discutir ato jurisdicional praticado por
desembargador federal ou estadual, ou mesmo procurador de justiça.
O tema deve ser conduzido de forma separada, a saber: a)
impugnação de ato praticado por Magistrado de 1º grau; b) por
desembargador estadual ou federal; c) por procurador de justiça
estadual.
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Em relação aos atos jurisdicionais praticados por Magistrado de
1º grau, é cabível MS nos âmbitos penal e civil, o que culmina na
indagação acerca da competência para apreciação.
Nos tribunais em que há divisão da competência em câmaras
cíveis e criminais, é imprescindível a análise de qual delas será
competente para processar e julgá-lo. Alguns problemas que devem
ser formulados: i) a utilização desta ação em matéria penal gera
ampliação da competência da Câmara Criminal? ii) poderá a Câmara
Cível apreciar demanda judicial utilizada visando impugnar ato
praticado por uma vara penal? iii) a violação às regras de competência
sujeitará a decisão a uma futura ação rescisória (em matéria penal)?
A última indagação será enfrentada posteriormente. Contudo,
as respostas às duas primeiras passam, necessariamente, pela
premissa já apresentada de que, mesmo sendo utilizado visando
discutir ato oriundo de Juízo Penal, o mandado de segurança é ação
constitucional de índole civil, com aplicação subsidiária do Código de
Processo Civil e dos Regimentos Internos dos Tribunais.
Um entendimento razoável é o de que a competência para
apreciá-lo irá ser determinada de acordo com a matéria discutida e da
Câmara com poder de rever o ato. Assim, se a decisão proferida pelo
juiz criminal é de índole exclusivamente penal, a competência para o
mandado de segurança é de Câmara Penal.
Neste sentido, vale citar o precedente do TJRS:
Mandado de segurança. Processo da competência do
Tribunal do Júri. Processual penal. A impetração de mandado de
segurança contra ato judicial só será juridicamente possível, em
princípio, quando o ato contiver manifesta ilegalidade ou abuso de
poder, a ofender direito líquido e certo, isto é, apurável sem
necessidade de dilação probatória. Na dicção ministerial, a matéria
poderá ser discutida em eventual apelo contra a decisão do Tribunal
do Júri, com fundamento na alínea a do inciso III do art. 593 do
Código de Processo Penal. Segurança denegada. Decisão unânime.
(TJRS, MS 70011546769, 3ª C.Crim., Rel. José Antônio Hirt Preiss, J.
16.06.2005, DJ 11.07.2005) 8
Por outro lado, se a ação constitucional discute matéria que,
apesar de advir de juiz de competência penal, tiver natureza cível (ex.:
apreensão de mercadoria), é dever aduzir que a competência para
apreciá-lo é de Câmara Cível, sob pena de se configurar clara
violação da competência absoluta. Se em um determinado caso
concreto o writ é impetrado visando discutir ato de natureza não penal,
a competência para apreciá-lo é da jurisdição civil. Portanto, a
competência deve ser da Câmara Civil, e não da Criminal.
E quando a autoridade coatora é desembargador estadual ou
federal, qual é o órgão competente para a apreciação do MS?
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Em termos práticos, o writ, nesses casos, poderá provocar
suspeição ou impedimento dos membros do Tribunal local, o que
deslocaria a competência para o STF (art. 102, I, n, da CF/1988).
Por outro lado, se não houver a hipótese de competência
originária do STF em decorrência do impedimento de mais da metade
dos membros dos tribunais de origem (TRF, TRT ou TJE), a
competência é do próprio Tribunal local.
Com efeito, a interpretação deve ser restritiva em relação à
competência originária do STF. A Constituição Federal é clara ao
afirmar, taxativamente, quais as hipóteses de competência originária
do STF para o conhecimento de MS (art. 102, I, d e n).
Vejamos três julgados do Pretório Excelso (envolvendo atos
oriundos de Tribunal Regional do Trabalho e Tribunal de Justiça):
Agravo regimental em mandado de segurança. Resolução nº
7/2005 do Conselho Nacional de Justiça. Caráter normativo. Medida
cautelar deferida na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº
12/DF. Incompetência do Supremo Tribunal Federal para conhecer
do mandado de segurança contra ato de Desembargadora do
Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região. Agravo regimental
parcialmente provido para declinar da competência para o Tribunal a
quo. 1. Conforme assentado no julgamento da Medida Cautelar na
Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 12/DF, a Resolução nº
7/2005 do Conselho Nacional de Justiça reveste-se dos atributos da
generalidade, da impessoalidade e da abstratividade. Incidência da
Súmula nº 266 do Supremo Tribunal Federal. 2. Incompetência do
Supremo Tribunal Federal para processar e julgar, originariamente,
mandado de segurança contra ato da Presidente do Tribunal
Regional do Trabalho da 16ª Região. 3. Agravo regimental
parcialmente provido para declinar da competência para o Tribunal a
quo. (MS-AgRg 25615, Relª Min. Cármen Lúcia, J. 25.06.2008)
Agravo regimental. Decisão que, em mandado de segurança
impetrado contra Presidente do Tribunal de Justiça do DF e Conselho
Especial do mesmo Tribunal, negou seguimento ao mesmo, diante da
incompetência do STF para processar e julgar o feito (art. 102, I, d,
da CF). Recurso a que se nega provimento, diante do rol taxativo
desse dispositivo constitucional. (MS 23941-AgRg, Relª Min. Ellen
Gracie, J. 25.04.2001, DJ 18.05.2001, p. 00435; Ement., v. 02031-04,
p. 00809)
Ação originária (CF, art. 102, I, n). Competência das Turmas
do Supremo Tribunal Federal para o exame da causa e de seus
incidentes, eis que ausentes, do polo passivo, autoridades
diretamente sujeitas à jurisdição da Suprema Corte. Precedentes.
Mandado de segurança impetrado contra decisão de Tribunal de
Justiça proferida em sede de procedimento disciplinar de caráter
administrativo. Inocorrência, em tal hipótese, de situação
configuradora da competência originária do Supremo Tribunal
Federal. Inaplicabilidade do art. 102, I, n, da Constituição. Ação
originária não conhecida. Recurso de agravo improvido. O Supremo
Tribunal Federal não dispõe de competência originária para
processar e julgar mandado de segurança impetrado contra qualquer
outro Tribunal Judiciário do País, inclusive contra atos ou omissões
imputados a Tribunal de Justiça, eis que o art. 21, VI, da Loman foi
integralmente recebido pela vigente Constituição da República.
Precedentes. A mera participação de mais da metade dos
Magistrados do Tribunal, na adoção de medida de caráter disciplinar,
imposta em sede materialmente administrativa, não se revela apta a
induzir, só por si, a competência originária do Supremo Tribunal
Federal, eis que a incidência da norma inscrita no art. 102, I, n, da
Constituição da República supõe a existência, no Tribunal de origem,
de uma causa, vale dizer, de um procedimento revestido de natureza
jurisdicional. Precedentes. (AO-AgRg 1131, Rel. Celso de Mello, J.
06.12.2005)
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A interpretação constitucional a ser feita é muito simples:
apenas é competência do STF os mandamus impetrados contra atos
"do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e
do Senado Federal, do Tribunal de Constas da União, do
Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal
Federal" (art. 102, I, d, da CF/1988). Nos casos envolvendo autoridade
coatora local (Desembargador, Procurador Geral de Justiça Estadual e
mesmo do Distrito Federal e Territórios 9, etc.), a competência é do
próprio tribunal local.
De outra banda, a Emenda Constitucional nº 45/2004 atribuiu
competência originária para o STF conhecer e julgar as ações contra
atos oriundos do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho
Nacional do Ministério Público (art. 102, I, r, da CF/1988). Como já
mencionado anteriormente, as decisões oriundas desses Conselhos
não são, necessariamente, jurisdicionais, mas atraem a competência
originária do STF.
Lógico que, entre essas ações, está incluído o mandado de
segurança impetrado contra ato desses Conselhos. Outrossim,
interessante é observar que na PET-QO 3674, o STF enfrentou e
discutiu a competência para a apreciação de ação popular contra
membro do CNJ, concluindo que não estava incluída na previsão
constitucional em comento, senão vejamos:
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RDC Nº 72 - Jul-Ago/2011 - ASSUNTO ESPECIAL - DOUTRINA
Competência originária do Supremo Tribunal para as ações
contra o Conselho Nacional de Justiça e contra o Conselho Nacional
do Ministério Público (CF, art. 102, I, r, com a redação da EC
45/2004). Inteligência. Não inclusão da ação popular, ainda quando
nela se vise à declaração de nulidade do ato de qualquer um dos
conselhos nela referidos. 1. Tratando-se de ação popular, o Supremo
Tribunal Federal - com as únicas ressalvas da incidência da alínea n
do art. 102, I, da Constituição ou de a lide substantivar conflito entre a
União e Estado-membro -, jamais admitiu a própria competência
originária: ao contrário, a incompetência do Tribunal para processar e
julgar a ação popular tem sido invariavelmente reafirmada, ainda
quando se irrogue a responsabilidade pelo ato questionado a
dignitário individual - a exemplo do Presidente da República - ou a
membro ou membros de órgão colegiado de qualquer dos poderes do
Estado cujos atos, na esfera cível - como sucede no mandado de
segurança - ou na esfera penal - como ocorre na ação penal
originária ou no habeas corpus - estejam sujeitos diretamente à sua
jurisdição. 2. Essa não é a hipótese dos integrantes do Conselho
Nacional de Justiça ou do Conselho Nacional do Ministério Público. O
que a Constituição, com a EC 45/2004, inseriu na competência
originária do Supremo Tribunal foram as ações contra os respectivos
colegiado, e não aquelas em que se questione a responsabilidade
pessoal de um ou mais dos conselheiros, como seria de dar-se na
ação popular. (PET-QO 3674, J. 04.10.2006, DJ 19.12.2006)
Portanto, nos casos em que a demanda judicial pretende
discutir a responsabilidade pessoal de membro do Conselho, não há
que se falar em competência originária do STF.
Estas são, em suma, algumas variações em relação à
competência para a impetração do mandado de segurança.

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