É Do Baralho - ECO - Escola de Comunicação :: UFRJ

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É Do Baralho - ECO - Escola de Comunicação :: UFRJ
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NO 13 - 2008/1
JORNAL LABORATÓRIO DA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO DA UFRJ - número 13 - 2008/1
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NO 13 - 2008/1
Tarô: questão de ponto de vista
A pergunta é corriqueira e, muitas vezes,
aguarda uma resposta tão imediata quanto ela
mesma. Quem joga tarô sabe que algumas mulheres
enamoradas que se entregam às cartas para conhecer
um pouco mais do presente e do futuro raramente
resistem à tentação de questionar: “Mas eu vou me
casar com ele?”. Para essa e outras questões diretas,
como “devo sair do emprego?” ou “estou sendo
traído?”, existem múltiplas respostas. Há quem
coloque as cartas e responda “sim” ou “não”, mas
outros preferem usar o tarô para dar indicações e
mostrar tendências relacionadas à pergunta. Bom
para quem quer ouvir as cartas e pode escolher o
que quer do tarô.
Um jogo de oráculo, caminho para o autoconhecimento, conjunto de arquétipos, símbolos da
sabedoria, alfabeto mágico, fonte de inspiração
divina para a vida terrena? Não existe consenso
sobre o que é o tarô e são variadas as formas de jogálo. Além de existirem dezenas de baralhos, com
interpretações gráficas diferentes para cada um dos
22 arcanos maiores (as principais cartas, que se
somam aos 56 arcanos menores), desenvolvidas em
centenas de anos, são muitas as explicações para a
origem do jogo. Muitas teorias apontam como
surgimento do tarô a criação de um baralho, no início
do século XV, no norte da Itália, usado para o
chamado Jogo de Triunfos. As cartas dos arcanos
maiores teriam aparecido, então, como cartas de
triunfo, para uso lúdico. Há, ainda, correntes que
afirmam que a simbologia das cartas teria sido usada
por sábios para transmitir certos conhecimentos
místicos, proibidos na época.
Mas a complexidade e a riqueza do tarô são
fatos incontestáveis, que se relacionam com a
história dos jogos, a mística cristã, a astrologia, a
psicologia, a cabala judaica e o ocultismo. Basta
entrar em qualquer livraria para se dar conta disso.
São trocentos livros de tarô e isso, tarô e aquilo,
desde santos e cristais até mapa astral e Jung, o
psiquiatra suíço que tantas vezes recorreu aos
arquétipos em suas teorias.
Pois isso também não se pode negar. O tarô e
seus 22 arcanos maiores relacionam arquétipos
humanos, como o homem poderoso, representado
pelo Imperador, ou o homem em harmonia com a
natureza, presente na carta da Estrela. Os arcanos
têm essências, que também podem assumir
diferentes facetas. A mais versátil ou ambígua e, por
isso mesmo, instigante dessas cartas é o Louco, que
pode ser a primeira ou a última do baralho. Ela é o
zero, início ou fim; é o homem em estado bruto, sem
limite, primitivo. Não se tem no tarô uma imagem
negativa do Louco, como se poderia pensar no senso
comum. O Louco de cada um seria pura
possibilidade. Ele passa pelos outros 21 arcanos e
segue aprendendo, como o homem que percorre
diferentes estágios da vida. O Louco, trajado como
o bobo da corte, é um Dom Quixote de La Mancha.
Está livre para viajar e transformar. Mas como isso
se encaixa na vida de quem quer saber se vai casar
ou vai mudar de emprego depende de quem faz a
leitura.
A carta sem lugar fixo no tarô, o Louco, foi a
única dos arcanos maiores a integrar o baralho
convencional, usado para jogos como buraco ou
pôquer. O curinga, trunfo ou joker é um vestígio dos
baralhos com símbolos e tem origem na
representação do Louco. As outras cartas de baralho
usadas em jogos e os naipes surgiram a partir dos
56 arcanos menores, que eram divididos, de acordo
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com os quatro elementos, em paus (fogo), ouros
(terra), espadas (Ar) e copas (Água). Cada naipe
reunia dez cartas numeradas e quatro cartas com
figuras: Rei, Rainha (ou Dama), Cavaleiro ou Valete.
O baralho de hoje suprimiu o Cavaleiro.
No jogo do tarô, os arcanos menores podem
ser ou não usados para complementar a leitura das
cartas. Na variável Mandala Astrológica, o
cruzamento das cartas dá maiores detalhes para as
tendências levantadas na leitura. Mas, novamente,
as respostas são fruto das interpretações e da visão
do jogo de quem está fazendo o jogo. Em uma visão
mais prática e, digamos, adivinhatória, a carta do
Louco pode indicar ação e criatividade na questão
perguntada. Uma abordagem mais espiritualista
tende a elaborar idéias sobre a inspiração divina que
o Louco recebe para a vida terrena. Já uma corrente
que associa o símbolo da carta às pessoas que podem
estar envolvidas na situação da vida de quem está
se consultando pode apontar o surgimento de alguém
alegre, extrovertido, um artista.
O desenho do Louco no baralho de Marselha,
considerado o mais clássico e próximo do tarô
“original”, mostra um homem, com uma trouxa
pendurada sobre os ombros, um cachorro e uma rosa
na mão, caminhando, despreocupadamente, em
direção a um abismo. São muitas as representações
do Louco e dos outros arcanos em baralhos como
Papus, Espanhol, Golden Dawn, Gnóstico, Thot,
Rider-Waite ou Etteilla, entre tantos outros. Uma
editora alemã % sim, os alemães também praticam
o tarô % chega a oferecer 108 baralhos diferentes
em seu site. O baralho de Conver, por exemplo,
suprime o abismo e a rosa na figura do Louco. Outra
versão mostra-o pulando o abismo sobre um cavalo,
com a trouxa e o cachorro. Enquanto isso, alguns
ilustram o Louco com a calça rasgada na parte de
trás. Uma das variações tem o Louco, literalmente,
com o traseiro à mostra. No baralho de Marselha,
ele caminha para a esquerda; em outros, caminha
para a direita. A diferença pode parecer sutil, mas
influi diretamente na leitura das cartas. Para que
lado você tende na vida? Direita ou esquerda? Seja
lá o que isso signifique hoje...
LIVRE INTERPRETAÇÃO
Neste jornal, livre e interpretação tornaramse palavras de ordem. Partiu-se do baralho do tarô,
conhecido no mundo inteiro, para abordar um tanto
de vários universos particulares. Mesmo a carta O
Mundo, que poderia abarcar de tudo, chegou a um
ambiente bem específico: os condomínios super
equipados da Barra da Tijuca, com tamanha oferta
de serviços que acabam mantendo seus moradores
constantemente dentro de seus limites.
Os arcanos-textos passam pelos mágicos de
festa infantil (O Mago); a carnavalesca Rosa
Magalhães (A Imperatriz); os casais eter nos
namorados que vivem em casas separadas (Os
Enamorados); o serviço de carro de mensagens ao
vivo (O Carro); a lentidão de processos judiciais (A
Justiça); a sociofobia de quem sofre do Transtorno
de Ansiedade Social (O Ermitão); quanto se paga
para morrer (A Morte); os inferninhos (ou infernões)
de Copacabana (O Diabo); o prédio mais alto do Rio,
a torre do shopping Rio Sul (A Torre); jurados toscos
de concursos (O Julgamento) e os fanáticos membros
de inusitados fã-clubes (O Louco), entre vários
outros assuntos, jamais escolhidos arbitrariamente.
Todos frutos da mais profunda interpretação.
Escolha suas cartas e boa leitura.
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Reitor
Aloisio Teixeira
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO
Direção
Ivana Bentes
Coordenação do Curso de Jornalismo
Ana Paula Goulart
Núcleo de Imprensa
Elizabete Cerqueira coordenação executiva
Cecília Castro programação visual
número 13 - 2008/1
Informativo produzido pelos alunos da Escola de
Comunicação da UFRJ
Orientação acadêmica e de texto
Maurício Schleder
Paulo Roberto Pires
Coordenação editorial
André Motta Lima
Coordenação gráfica e design
Cecília Castro
Assessoria de Imprensa
Elizabete Cerqueira
Apoio
SG-6
PR-1
Divisão Gráfica da UFRJ
Este número foi produzido com matérias elaboradas pelos
alunos da disciplina Jornal Laboratório.
As fotografias e ilustrações são de responsabilidade
exclusiva dos alunos.
Término em 10/7/2008.
TIRAGEM: 1.000 exemplares
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
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NO 13 - 2008/1
Tem louco pra tudo
O que RBD, Marlene e Google têm em comum? Um fã-clube
Carolina Souza
Foto: Carolina Souza
Sexta-feira de sol. Uma multidão
lotava a porta da Arena HSBC, em
Jacarepaguá, para o show da banda
mexicana RBD. Fãs se espremiam na
fila para conseguir um lugar perto de
seus ídolos. Nathália Campos, presidente do Fã-clube Eternamente RBD,
estava na fila desde as 10 horas da
manhã. O show só iria começar às 19
horas. A banda, em turnê mundial,
veio do México para o show. Mas não
foi a única que precisou viajar para o
evento. Nathália e seus companheiros
de fã-clube vieram de Valença (interior do Rio de Janeiro) especialmente
Multidão lota a porta do show do RBD
para ver o RBD.
Apesar da espera, os fãs não se
deixavam abater. Cantavam, dançavam e se divertiam com a expectativa.
Muitos estavam vestidos a caráter, fantasiados iguais aos integrantes da banda. Havia também uma banda cover,
Nathália com a faixa que levou para seus ídolos
que entretia o público, sendo muito
aplaudida após cada performance. A
Os integrantes do fã-clube de podia realizar projetos culturais, pois
euforia se completava na hora do show. Felipe nunca conseguiram se comuni- não era uma entidade jurídica. Alguns
Fãs tentavam invadir o palco em bus- car com os donos do Google, receben- dos fãs resolveram, então, criar a
ca de algum contato mais próximo com do apenas respostas automáticas em AMAR para poder ter mais liberdade
seus ídolos. Impedidos
seus emails. No en- de atuação. A sede está localizada no
por seguranças, eles,
tanto, por causa do Rio de Janeiro, mas fãs de diversas
ainda assim, tentavam
“As pessoas pensam fã-clube, Felipe rece- partes do Brasil são associados. Alentregar presentes
em sua caixa de guns, inclusive, moram em outros paíque ter um fã-clube é be
para os integrantes da
email, quase todos ses, como Estados Unidos, Argentina
banda.
brincadeira. Para a
os dias, dúvidas so- e França.
Apesar dos enSão muitas as atividades dos fãs.
bre o Google ou pegente é coisa séria”,
contros freqüentes,
Eles fazem encontros, festas e jantadidos.
diz Nathália,
muitas das atividades
– Como se eu res para poderem socializar. A própria
do
fã-clube
de presidente do fã-clube
tivesse algum conta- Marlene muitas vezes participou desNathália são feitas
to ou poder dentro ses encontros. Em maio, ocorreu o lando
RBD.
pela internet, como o
do Google. – ironiza çamento de um DVD da Marlene. Foi
envio de carteirinhas
a AMAR que propôs ao Ministério da
Felipe.
aos associados e o cadastramento de
No entanto, não são todos os ído- Cultura a criação desse DVD.
novos fãs. Hoje em dia, as facilidades los que ignoram a existência dos fãs.
O Eternamente RBD conseguiu
da internet são tantas que a existên- Um fã-clube que não tem dificuldade o reconhecimento de seus ídolos há
cia de fã-clubes não se limita ao mun- alguma de acesso a seu ídolo é a Asso- pouco tempo. O fã-clube existe há
do real. No mundo virtual, até site da ciação Marlenista do Rio de Janeiro um ano e meio, mas só foi oficializainternet tem direito a fã-clube. O (AMAR). A Associação é muito mais do há dois meses. Nathália ainda não
Google, hoje o maior provedor de bus- do que uma simples junção de fãs. Cri- conseguiu conhecer sua banda preca da internet, chegou a ter um fã-clu- ada em 1986 para homenagear a can- ferida pessoalmente, mas tem
be com aproximadamente 1000 tora de rádio Marlene, a AMAR é uma esperanças que isso ocorra, agora que
associados. Os encontros, porém, eram empresa (com CNPJ) sem fins lucrati- seu fã-clube se tornou oficial.
apenas virtuais.
vos, que tem o objetivo de organizar
– É muito difícil oficializar um fã– A idéia surgiu porque o Google projetos culturais e eventos relaciona- clube. Nós tivemos que conseguir a
é o melhor buscador do mundo, e não dos à cantora.
autorização da produção do RBD no
havia fã-clube ainda em português. Antonieta de Carvalho, criadora México. E temos que enviar relatórios
explica Felipe Micaroni, o presidente e presidente há 16 anos, explica que o para a produção, pelos menos uma vez
do Fã-clube Mundo Google.
fã-clube original (criado em 1953) não por mês. – explica Nathália.
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Todos os 352 associados
têm que ser cadastrados e ter
uma carteirinha com nome e
foto. E o fã-clube tem que realizar encontros todo mês com,
no mínimo, cinco pessoas.
– As pessoas pensam que
ter um fã-clube é brincadeira.
Para a gente é coisa séria. – afirma Nathália.
Antonieta também leva
suas atividades muito a sério.
Mesmo trabalhando como
funcionária pública, ela
dedica grande parte de seu
tempo a AMAR. Além dos
projetos culturais, ela – junto
com outros integrantes participa de projetos sociais,
visitando creches e entidades
todo ano para fazer doações.
Segundo ela, foram os fãs que
incentivaram Marlene a se engajar
mais socialmente.
A Associação Marlenista também
ampliou recentemente seu estatuto
(que era voltado somente para a Marlene) para poder agenciar e produzir
artistas, exercer empresariado e organizar grandes eventos culturais. No
entanto, como é uma entidade sem fins
lucrativos, esses serviços não são cobrados. Antonieta está, no momento, organizando um evento musical na Sala
Baden Powell, em Copacabana.
Ao contrário do fã-clube da Marlene, que existe há anos, nem todo fãclube é eterno. Apesar do sucesso que
fazia, o Mundo Google está hoje extinto.
– O iG (provedor de internet) roubou o nosso site e hoje não podemos
mais modificá-lo. Quando o hpG (hospedagem de sites do iG) foi extinto,
quase todas as páginas foram apagadas, mas eles mantiveram o fã-clube
do Google, talvez porque lhes rendessem muitos acessos. Infelizmente perdemos o direito de modificar o site, o
que o deixou paralisado e depois, extinto de uma vez. – explica Felipe.
No entanto, mesmo com o fim do
Mundo Google, o sucesso não acabou.
Felipe ainda recebe diariamente pedidos de pessoas loucas pelo Google querendo se associar ao fã-clube.
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Uni-duni-tê, gostei de você
Nos concursos, jurados preferem aparecer do que escolher
Adriano Belisário
Sucesso popular desde a pré-his- instável. Certa vez, como jurada em
tória da televisão brasileira, os um programa da Rede TV, um conprogramas de calouros geralmente corrente perguntou para Rogéria se
chamam atenção por conta dos can- já havia ido a um pastor que dizia
didatos. Não pelo virtuosismo, curar homossexualidade. “Não. Por
exibido raras vezes, mas pela perse- quê? Você já foi? Está curado?”, reverança ou mesmo bizarrice dos trucou. “Peguei leve com ele, pois
aspirantes ao prêmio final. Vale tudo não falaria nada que ofendesse a fapara convencer os avaliadores. Na mília brasileira na frente das
maioria dos casos, os jurados são ato- câmeras. Em off é outra história.
res ou modelos que trabalham Uma vez, em uma boate gay de São
esporadicamente encarnando perso- Paulo, a platéia ovacionava um dos
nagens inusitados durante concursos. calouros. Então, o anunciei como
Mais importante que a precisão dos vencedor. Depois, as pessoas resolcomentários é a capacidade de diver- veram vaiar. Fiquei enfurecida e
xinguei todo mundo. Joguei o mitir o público.
Era o caso do programa do crofone no chão e fui embora.”,
Chacrinha. Astolfo Barroso Pinto, na completa.
Fernando Reski, apresentador
época apenas um maquiador da TV
Rio, participava ativamente das deci- de programas de baixa audiência e
sões mesmo sem pertencer ao corpo de jurado nas horas vagas, também tem
jurados. Ao que parece, Abelardo histórias sobre confusões com a plaBarbosa acertou em cheio ao dar ou- téia. Durante um concurso de
vidos ao rapaz. Hoje, mesmo fantasias, o público já chegou a tenmantendo o sobrenome, ele é mais co- tar agredir os avaliadores por não
nhecido como Rogéria. A fama veio concordar com a decisão final. “Tive
através da participação em alguns fil- que sair do local com os seguranças
mes e muitos programas televisivos. me protegendo”, afirma Reski, que
“O Chacrinha vinha e falava para também é ator. Ele já participou
mim: - Diz aí quem é a melhor. Então, desde pornochanchadas, como “O
eu apontava e quase sempre era quem Garanhão no Lago das Virgens” e
ganhava. Ele confiava no meu taco. Já “As mulheres que dão certo”, até a
primeira montagem
com o Sílvio Santos
do clássico “Roda
não deu muito certo,
“Já ganhei até
Viva”, de Chico
só fui uma ou duas
dez mil reais
Buarque. Na estréia
vezes. Acho que rouda peça, os espectadobava muito a cena.”,
como jurada”,
res também foram um
afirma
a
afirma a
pouco mais ativos que
transformista.
apresentadora e
o de costume. “O pesSeu primeiro
transformista Rogéria soal do CCC (Caça aos
cachê como jurada
Comunistas, organiapareceu somente
zação composta por
anos depois. “Só no
programa do Ratinho que eu ganhei estudantes e intelectuais que
um pouco. Bastava eu aparecer para a desejavam suprimir a esquerda
audiência subir na hora”, orgulha-se. durante os anos 60) queria acabar
Quase sempre, a falta de pagamento é com a gente. Eles invadiram, me
compensada pela visibilidade, pois, bateram e eu tive que fugir pelo
quando já são famosos, os jurados po- basculante”, relembra Reski.
dem cobrar pelo trabalho. Em eventos
organizados por empresas de maior
Na música, concurso não
porte, por exemplo, Rogéria diz já ter é brincadeira
ganho até 10 mil reais pela presença
“Eu sou de uma geração forcomo jurada.
mada pela televisão, não pelo
Assim como a remuneração, a computador. Conheço tudo de TV”,
relação com os calouros também é garante Rogério Skylab, autor de
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Jurados do
programa
Ídolos, do SBT,
durante
avaliação
sucessos do rock underground como
“Matador de Passarinho” e “Motoserra”. O cantor declara que se
divertia com os concursos de calouros: “Gostava do Flávio Cavalcanti.
Era o mais famoso. A Vera Fischer,
por exemplo, só começou a ganhar
visibilidade depois que entrou pra lá
como jurada”. Porém, não são apenas apresentadores animados que
habitam o universo dos concursos.
Nos mais mais sérios, a qualidade
técnica dos concorrentes é rigorosamente avaliada pelos jurados. Ao
invés de entreter, o importante é analisar objetivamente a desempenho
dos candidatos.
Mesmo em competições inusitadas, como o air guitar, o julgamento
é feito com base em critérios bem
definidos. “Air guitar é a idéia do simulacro, uma cópia falsa. O que
importa é fingir perfeitamente tocar
uma guitarra que não existe”, comenta Skylab. Em 2006, o músico
participou como jurado em um concurso de air guitar realizado no Cine
Íris. “Tinham vinte concorrentes. A
única mulher entre eles ganhou. Deu
pra ver desde o início que era ela.”,
comenta Skylab.
Nos reality shows que possuem
corpo de jurados, o rigor não é
menor. Sucesso no SBT, “Astros”
torna a situação do julgamento um
momento dramático, muitas vezes
cômico. Cynthia Zamorano,
produtora musical, é jurada do
programa. Ela, assim como os
outros examinadores, também teve
que passar por uma avaliação: “Eu
não via o American Idol (original
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nor te-americano do “Astros”),
então sabia muito pouco sobre o
formato, mas me chamaram para
os testes. Nós tínhamos que
assistir as apresentações e dar um
parecer. Então, fomos analisados
pela produção do programa. Nós
também fomos julgados”.
Seguindo a tradição dos programas de calouro, cada jurado do Ídolos
é marcado por uma característica.
Enquanto, Cynthia, a única mulher
na banca de avaliação, assume uma
postura mais maternal com os
candidatos, Arnaldo Sarcomani, por
exemplo, é o mau humorado. Algo
como um Pedro de Lara da música.
Segundo ele, nada é preparado
previamente. Os jurados passam o
dia inteiro avaliando candidatos que
só são conhecidos no momento da
apresentação, já na frente das
câmeras.
Tanta surpresa faz com que, às
vezes, a avaliação dos examinadores
irrite os participantes. Arnaldo, por
exemplo, já disse a uma das concorrentes que devia desistir da carreira
musical porque tinha voz de pato.
“Prefiro ser verdadeiro. Melhor isso
a criar falsas ilusões. Digo mesmo: ó, vai embora, você canta mal”, afirma Saccomani que já trabalhou com
artistas como Tim Maia e Rita Lee.
Por conta da liberdade dos comentários e da imprevisibilidade da
reação dos candidatos, eles são revistados antes de entrar em contato
com os jurados. “Às vezes, eles ficam
nervosos, chateados, mas depois
entendem.” pondera a jurada
Cynthia.
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NO 13 - 2008/1
Alçando vôo para a fama
Papagaios de pirata fazem de tudo para se tornar celebridades
Felipe Passos
A indústria das celebridades é
um ramo que caminha paralelamente ao meio artístico. Sua função é
tornar pública a vida íntima dos famosos e dos pretendentes ao cargo.
Para estes últimos, o caminho é inverso: são eles que fazem de tudo
para chamar a atenção na esperança
de encurtar o caminho para a fama.
A colunista da Revista da TV do jornal O Globo, Patrícia Kogut, percebe logo de cara: são arroz-de-festa em
eventos badalados (“Como conseguem tantos convites?”), se exibem
para todos os fotógrafos e até contratam assessores de imprensa.
Mas nem todos têm condições
financeiras, ajuda profissional ou a
sorte de ter amigos influentes para
se promover. A grande maioria faz o
que pode. É o caso dos papagaios de
pirata. Quem nunca viu aquelas figuras de sempre que ficam atrás dos
repórteres de rua? No Rio de Janeiro, os cenários preferidos são a
Cinelândia e o Largo da Carioca. É
um carro de reportagem chegar que
eles surgem sabe-se lá de onde.
Seu Jair, um dos mais antigos
papagaios de pirata da cidade, começou por acaso nesta vida: “Eu estava indo para o escritório onde eu trabalhava depois do almoço, quando
uma pessoa caiu dentro do buraco da
obra do metrô da Uruguaiana. Juntou gente pra ver o resgate e quando
fui assistir o jornal a noitinha, vi que
eu estava atrás do bombeiro que fez
o resgate e estava sendo entrevistado. Mal acabou a reportagem, meu
telefone não parou de tocar. Era um
amigo da roda de chope, um colega
de trabalho, dizendo: ‘Pô cara! Te vi
na televisão!’ Aí, eu tomei gosto pela
fama e estou aqui até hoje”. Ser reconhecido como papagaio de pirata
não o incomoda: “Essa gente é invejosa. Já fiquei atrás do ombro de
ministro, jogador de futebol, cantor
de dupla caipira e até de um governador de Estado. Tudo inveja”.
Luciano Luis Lima de Oliveira,
ambulante, 31 anos de idade, tenta
disfarçar, alegando que as
“papagaiagens” o ajudam a “promover seus negócios”. Mas ao contar que
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apareceu até em reportagens no Fantástico, assume: “Sou um caçador de
reportagem, onde tiver tragédia, batida, desastre, alguém famoso lá no meio,
a gente tá invadindo”. Fã do programa Zorra Total, ele tem planos pretensiosos: “Eu quero ser humorista, zoar
a galera, imitar o Wagner Montes. Eu
pareço com ele um pouquinho. Tenho
certeza que qualquer hora uma dessas
emissoras vai chamar a gente”.
Já o desempregado Luciano
Ezequiel de Lima, 43 anos, assume
logo de cara: “Isso aí é um vício! A
gente fica conhecido nacionalmente
e por isso que a gente bota a cara”.
Aparecer na televisão alimenta as
aspirações políticas deste papagaio,
que revela ter se filiado a um partido
pra se candidatar a vereador.
Ambições também não faltam
ao papagaio e ator Neil Ramos, de
63 anos, cujos projetos musicais refletem seu atual estilo de vida. “Eu
já fiz novela, tenho registro profissional. Já fiz comerciais ao lado de
grandes atores e famosos.” Ramos
pretende gravar as músicas ‘Caçador
de reportagem’, ‘Papagaio de pirata’ e ‘Melô do papagaio (Louro
Mane)’, todas de sua autoria.
Hoje são muitas as oportunidades para os que estão em busca da
fama. No ano passado, programa
humorístico “Pânico na TV”, transmitido pela Rede TV!, lançou uma
campanha para que os “roberts” (sinônimo de papagaio de pirata) perseguissem equipes de televisão Brasil afora. A regra era fazer a dança
do siri, coreografia com três passos
para a esquerda, três para a direita e
as mãos imitando as patas do crustáceo. Recebia especial destaque
quem avacalhasse flashes ao vivo ou
repórteres da Rede Globo.
As opiniões divergem quando
o assunto são as dificuldades da atividade. De acordo com seu Jair, os
cinegrafistas são os que mais reclamam: “São piores que os repórteres.
Tem uns que já chegam dando
esporro, mandando a gente ficar longe. Outros desfocam a nossa cara,
movem a câmera para deixar a gente fora de cena. Mas eu fico na minha, mantenho a minha postura.
Sou um gentleman”. Luciano
Ezequiel tem a mesma opinião:
“Não tratam bem, não! Eles não
gostam que a gente bote a cara. Mas
se você está na rua, tem o direito de
ir e vir. Nenhuma reportagem pode
te impedir, entendeu? Ninguém
pode, nem um desembargador!”. Do
outro lado da câmera, o repórter cinematográfico Luis Alberto Caetano Cabral é taxativo: “Pra mim é
perseguição e até um pouco de doença”.
Além de perseguirem a lente do
cinegrafista, os papagaios de pirata
também lutam entre si para se manter em quadro: “Tem uns caras que
querem competir comigo, mas eu
sou mais eu. Se for necessário, eu dou
um chega pra lá e me posiciono melhor. Essa garotada tem que comer
muito arroz com feijão”, afirma Seu
Jair.
A unanimidade é a busca pelo
reconhecimento. Para eles a fama
vale a pena. “Todo mundo quer ser
famoso, aparecer na televisão”, diz
seu Jair. Neil Ramos teoriza: “A
fama é muito importante. Você fazer coisas bonitas, coisas boas. Eu
estou abolindo as coisas que não
prestam, horríveis, que
Charge: Eduardo Nascimento
não gosto nem de pensar. Agora tudo que é
bonito, nobre, que nos
enriquece, que bota nossa imagem diante das
pessoas como uma pessoa boa, observada a
nossa imagem como
uma pessoa querida é
bom a gente fazer. A
fama é boa.”
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David Brazil:
o papagaio mais
bem sucedido
Transitar livremente nos
corredores globais e vestiários de
futebol,
convidar
artistas
nacionalmente famosos para seus
aniversários, morder a região glútea
de apresentadoras de TV: entre
outras coisas, esta é a rotina
fotográfica de David Brazil, o
papagaio de pirata mais prestigiado
do país. Em 2006, a Folha de São
Paulo o colocou entre os gays mais
influentes do país, ao lado de figuras
tarimbadas como os autores
Gilberto Braga e Aguinaldo Silva.
Francisco David dos Santos saiu
da Paraíba nos anos 80 para tentar
a vida de modelo no Rio de Janeiro.
Sem sucesso, conseguiu trabalho
como caixa de restaurante. Em um
emprego paralelo, conheceu Flavio
Marinho, diretor teatral que o
escalou para interpretar um gago ao
lado de Cláudia Raia e Maurício
Mattar. De lá pra cá, trabalhou com
a Xuxa (seu maior sonho) e em
revistas gays masculinas.
A gagueira, que alguns alegam
ser jogada de marketing, foi
adquirida convivendo com um
amigo de infância. Chamou tanta
atenção que foi convidado por Jô
Soares. Desde então sua imagem,
sempre atrelada aos famosos,
repercute mais e mais. Um ensaio
fotográfico sem nu frontal arrancou
elogios do craque Romário.
A trajetória ao lado dos famosos
transformou David em colunista de
fofocas, no jornal popular Meia
Hora, e radialista, na Rádio O Dia
FM. Com tanta influência, ele já
vive o outro lado da fama. Este
papagaio de pirata desvia de
namoricos interesseiros, que
sonham vê-lo os encaminhando
para o estrelato. Seleciona até as
publicações nas quais deseja
aparecer. Procurado pessoalmente,
por telefone e por email, David
Brazil ignorou todas tentativas de
contato para a reportagem.
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NO 13 - 2008/1
Tem polêmica em Ramos
A soberana Rosa Magalhães divide opiniões na Imperatriz
Michaell Grillo
Figura muito criticada no
mundo do samba por apresentar
temperamento instável, Rosa
Magalhães
é
daquelas
carnavalescas perfeccionistas e de
gênio difícil. Se por um lado tem seu
comportamento defendido pela
direção do G.R.E.S Imperatriz
Leopoldinense, escola na qual está
desde de 1992, por outro é alvo de
críticas, feitas por, inclusive, um
dos compositores da agremiação.
Será que em meio às divergências
de opinião, Rosa continua sendo a
imperatriz da Imperatriz?
Pelo que relata Wagner Tavares
de Araújo, diretor de carnaval, Rosa
Magalhães continua com força de
comando na escola, tanto que a
possibilidade de o enredo do próximo
ano ser de sua autoria é grande, fato
pouco comum numa época em que
fazer Carnaval sem patrocínio é
praticamente impossível. Para ele, a
relação escola-carnavalesca não
sofreu desgaste ao longo desse
período.
– Nenhum carnavalesco fica
tanto tempo à frente de uma
agremiação se não existir um bom
relacionamento entre ambas as
partes – diz Araújo.
Entretanto, há quem diga que
a comunidade tem se mostrado
insatisfeita pelo fato de a
carnavalesca não ser das mais
próximas, chegando a pedir por
renovação. Pelo menos é o que diz
João Estevan, compositor campeão
na escola em 1995 e 1999 e
apresentador do programa Cidade do
Samba, na Rádio Manchete (760
AM).
– Sei que a comunidade
gostaria muito de uma troca, mas
no ponto de vista do presidente da
escola (Luis Pacheco Drumonnd),
não são muitos os nomes em
condições de substituí-la. – revela
o compositor.
Aliás, Rosa Magalhães
também se mostra distante da
grande imprensa. Durante um mês,
a equipe do jornal nº ZERO tentou
ojornal 2008-1ok.pmd
6
entrar em contato com a
Mesmo concordando que Rosa
carnavalesca, mas, segundo a não faz estilo dos mais simpáticos,
assessora Ludmila de Aquino, Rosa Wagner Tavares de Araújo afirma
estava viajando para os Estados que João Estevan não sabe perder.
Unidos, onde foi receber um prêmio De acordo com o diretor de carnaval,
e, por isso, estava incomunicável. a maioria dos compositores são
Nem o telefone particular de Rosa teimosos e não seguem os conselhos
Magalhães foi cedido para a equipe da carnavalesca
do
jor nal
– A Rosa não
realizar
a
gosta de fazer
“Há quem diga que
matéria.
média
com
Segundo
ninguém,
de
dar
a comunidade tem
Estevan, a relabeijinhos e abraços
se mostrado
ção distante da
em quem não tem
c a r n ava l e s c a
insatisfeita pelo fato
que dar. Talvez, ela
com a ala de
tenha sido elegante
de a carnavalesca
compositores foi
em não dizer que o
não ser das mais
um dos fatores
samba dele era
que culminaruim. Cada parceria
próximas”
ram no seu afastem 10 minutos
tamento em
para dialogar com a
2002.
carnavalesca após a
– Na primeira vez que saímos entrega da sinopse e tirar todas as
da escola, foi por discordar da dúvidas. Ele é um grande babaca, se
maneira como ela se portou. No acha um primor e quando perde se
enredo sobre Campos ela pediu para põe a reclamar.
não colocarmos o nome da cidade
O diretor de carnaval da escola
na letra e o samba campeão abria de Ramos aproveita para criticar a
justamente com o nome da postura de João em só aparecer na
cidade.Nós, que não colocamos a agremiação em épocas de samba.
palavra, fomos desclassificados por
– Só porque ele tem um
isso. Hoje,sei que ela tenta parecer programa de rádio acha que sabe
simpática, mas essa confusão tudo. Ele fala o que ouve na esquina
afetou e muito nossa relação – e só aparece na Imperatriz em época
desabafa o compositor.
de samba. É bom ficar claro que não
26/3/2009, 17:17
precisamos do trabalho dele – afirma
Wagner.
Preto Jóia, intérprete da
Imperatriz, compartilha da opinião
de Wagner e defende a postura
geniosa da carnavalesca.
– Ela tem outros trabalhos. Não
dá tempo para se dedicar a todos.
Daí, o rótulo de antipática. Eu
mesmo era mais próximo da
comunidade, mas com o número de
shows que faço, estou pouco distante
– afirma Preto Jóia.
Uma das provas de que a Rosa
ainda não murchou e que continua
soberana no Império suburbano é
que o seu voto na escolha do samba
enredo tem o mesmo peso do
presidente, pelo menos é o que diz o
diretor de carnaval.
Perfeição:
a marca de Rosa
Magalhães
Rosa começou a sua
trajetória no G.R.E.S
Acadêmicos do Salgueiro, em
1971, ao lado daqueles que
ajudaram a consolidar a
história do Carnaval carioca,
tais
como
Fernando
Pamplona
e
Arlindo
Rodrigues.
O primeiro título veio no
G.R.E.S Império Serrano em
1982, com o lendário
Bumbum
Paticumbum
prugurundum. O primeiro
título na Leopoldina foi em
1994, com Catarina de
Médicis na corte dos
Tupinambôs e Tabajeres,
onde se notabilizou por um
estilo de carnaval rococó, que
lhe marca, até hoje, com o
rótulo de carnavalesca
perfeccionista.
7
NO 13 - 2008/1
Um império em cada esquina
Dificuldades e desafios daqueles que exercem a função de síndico
Camila Salles
Foto: Agência de Notícias G1
falecidas, que acabam sendo
apropriados sem nenhum contrato
formal. Isso ajuda a aumentar a
dívida do prédio, que já passa dos 200
mil reais.
A falta de diálogo é outro
problema. Nas reuniões e assembléias
convocadas, menos de 10% do total de
moradores comparecem. Conceição,
por exemplo, foi eleita síndica com
apenas 37 votos. O 1º dia do seu
mandato, aliás, foi também o primeiro
dia do carnaval de 2008. Festa para a
maioria, mas não para dona
Conceição. Era sábado de manhã
quando foi acordada as pressas pelo
porteiro com a informação de que
havia o corpo de um morador de rua
em frente a sua portaria.
– Não sabia o que fazer. Fiquei
desesperada. E isso era só o primeiro
dia...– completa.
Um morador afirma que as obras
feitas durante essa gestão foram
superfaturadas e com material de
baixa qualidade. Segundo ele, que
prefere não se identificar, a atual
administração se esconde nos erros
cometidos pela administração
anterior:
– Para ela, tudo é culpa do exsíndico. Já estamos cansados. –
protesta.
Conceição nega as acusações e diz
desconhecê-las. No entanto, elas estão
Fachada do prédio é interditada pela Defesa Civil
ojornal 2008-1ok.pmd
7
ao alcance de todos. Circula na
internet um blog que trata
especificamente da administração do
condomínio. Além das inúmeras
críticas, o http://naocaimasbalanca.
blogspot.com possui um link para o site
da polícia civil do Rio de Janeiro com
a chamada “denuncie aqui a síndica”
e outro para o código penal, mais
especificamente para o crime de
estelionato.
Quem também cobra medidas da
atual administração é a prefeitura. Em
abril desse ano, a fachada e as duas
laterais do prédio foram interditadas
Edifício “Balança mas não cai”
pela defesa civil por causa de um
desabamento da marquise. Nenhuma
E diz não ter se candidatado em
medida ainda foi tomada.
No condomínio Maipu, que nenhum momento: “Me colocaram lá.
também faz parte do “Balança”, os É um cargo que ninguém quer ocupar.
problemas são parecidos. O síndico Ser síndico não tem graça”. Mas ela
Íbis Luiz da Silva explica que as garante: Esse ano vai ser o último.
Espalhados pela cidade do Rio de
principais reclamações dizem respeito
Janeiro, grandes e diferentes impérios vão
a obras e vazamentos.
Porém, não é isso que dizem os se formando a cada dia. Cuidar de cada
moradores. Desde 2006, a companhia um deles não é tarefa fácil. Falar com
seus imperadores,
distribuidora de gás
também não.
natural (CEG) cortou
Os números do
“Síndica, aqui, já
o fornecimento no
edifício
Avenida
prédio porque enestá
no
mesmo
nível
Central, localizado no
controu vazamentos
no sistema de
de sogra - ninguém centro do Rio de
Janeiro, não negam.
distribuição
do
diz
que
gosta”
Trata-se de um império
edifício. As obras de
de respeito. Com 110
manutenção foram
metros de altura,
orçadas em cerca de R$ 400 mil. Íbis
possui
1060
escritórios
espalhados por 36
explica que, até o momento, nenhuma
providência foi tomada devido à falta andares. Conhecido por possuir inúmeras
lojas de informática, o condomínio, no
de verba.
Mesmo correndo risco de explosão, entanto, apresenta uma grande variedade
muitos moradores utilizam o gás de de serviços: de consultório médico a
botijão como solução temporária do tabacaria, de escritórios de advocacia a
problema. O botijão de gás, no sex shops.
Rhuy Gonçalves da Silva é o síndico
entanto, segundo o corpo de bombeiros,
só pode ser utilizado sem causar riscos responsável pela administração há seis
em edificações com, no máximo, cinco anos. Depois de inúmeras tentativas
junto à administração do prédio e ao
apartamentos.
Nesse falso império dos departamento de marketing (sim, o
condomínios, no entanto, fortes edifício possui um departamento de
vínculos também podem ser criados. marketing) não foi possível entrar em
Estella Gamboa é um bom exemplo. contato com ele. A única informação é
Moradora há mais de 40 anos do de que ele está muito ocupado com a
Edifício Jardim de Alah, no Leblon, próxima eleição para síndico que será no
Estella é síndica do prédio desde 1993. final do mês de junho.
Foto: Divulgação
Ele é o primeiro a ser chamado
na hora de solucionar problemas,
seja uma infiltração, falta de água,
ou vazamento. Presente também na
música popular brasileira e em
programas humorísticos, é
responsável, entre outras coisas, por
ditar regras e cuidar da administração. Ser síndico é ser, de
fato, o “imperador do condomínio”.
Síndico, aliás, é uma palavra
que não faz parte do vocabulário de
Dona Conceição, que exerce essa
função desde fevereiro num dos
prédios que fazem parte do famoso
conjunto conhecido como “Balança
mas não cai”, no centro do Rio de
Janeiro: “prefiro representante.
Síndica, aqui, já está no mesmo nível
de sogra – ninguém diz que gosta”.
Advogada de meia-idade e baixa
estatura, Conceição explica que,
num prédio com 170 apartamentos,
agradar a todos é praticamente
impossível.
– A maioria das pessoas não gosta
de regras, não é mesmo? Sou chata,
exigente e cobro muito. Aqui no
prédio, por exemplo, tenho muitas
pessoas que moram de graça, não
pagam taxa alguma. Quero acabar
com isso – diz ela.
A inadimplência se deve ao fato
de existirem muitos apartamentos em
nome de estrangeiros e pessoas já
26/3/2009, 17:17
8
NO 13 - 2008/1
A vida atrás de guaritas
O universo dos condomínios da Barra da Tijuca oferece um
verdadeiro mundo de serviços para seus moradores
Pedro Willmersdorf
Comodidade. Esta é uma palavra muito valorizada em anúncios de
lançamentos imobiliários. Ainda
mais quando ele é localizado na Barra da Tijuca, bairro prolífico em
novos empreendimentos que não se
limitam a simples conjuntos de prédios. A diferença dos condomínios do
bairro em relação aos demais é a
gama de serviços que eles oferecem a
seus moradores. De transporte exclusivo para diversas partes da cidade a
supermercados, essas verdadeiras
mini-cidades trazem à tona um novo
conceito de vida social. Como podemos conferir no cotidiano de Fabricia
do Valle Lima, moradora do bairro.
A jovem empresária mora há
dois anos no condomínio Rio 2, um
dos pioneiros nesta proposta de “levar o mundo” até seu morador. Ela
acorda todos os dias e, para ir até seus
clientes, não precisa se estressar ao
volante no trânsito caótico da cidade. Só precisa ir até o ponto de ônibus
que fica dentro do condomínio, de
onde partem, com horários pré-estabelecidos, ônibus de turismo que
fazem diferentes trajetos.
– É de um conforto incrível. Arcondicionado,
poltronas
maravilhosas e nenhum estresse- diz
Fabricia.
Ao voltar para casa no fim da
tarde, ela geralmente vai até o
shopping do condomínio. Lá,
encontra opções das mais diversas, de
acordo com seus interesses.
Supermercado, videolocadora, salões
de beleza, armarinho, academias
(uma delas dedicada exclusivamente
a mulheres), pizzaria, churrascaria,
farmácia, agências bancárias, além
de várias salas comerciais. Fabricia
pode cumprir todos os seus afazeres
a menos de cem metros de sua casa.
Mas ela destaca ainda outros pontos:
– Uma vez por semana um
varejão volante (um hortifruti dentro
de um ônibus que passa por vários
bair ros da cidade) vem a té o
condomínio, então posso comprar
legumes, verduras e frutas fresquinhos
sempre. Mas eu acho que a principal
questão que me faz não querer sair
ojornal 2008-1ok.pmd
8
daqui, além desta comodidade, é a
segurança, pois não tendo que sair
daqui para nada, me sinto segura e
protegida integralmente- afirma a
jovem
Outro condomínio com este
perfil é o tradicional Novo Leblon,
onde se encontra uma das mais
tradicionais instituições de ensino da
cidade: o Colégio Santo Agostinho.
Mas não é só uma escola que o Novo
Leblon oferece a quem escolhe morar
ali. Érica Batista, de 17 anos, é
estudante do terceiro ano do Ensino
Médio e afirma que não precisa sair
do condomínio para praticamente
nada.
– Bem, eu estudo aqui no Santo
Agostinho. Sempre estudei. Aqui no
shopping a gente tem restaurante,
locadora, farmácia. E aqui do lado
tem o shopping (Rio Design Barra,
localizado ao lado do Novo Leblon),
que tem as lojas que eu preciso, além
de cinema.
Mas, e o namorado, Érica?
–Ah, ele tem carro! Isso não é
problema. Ele vem me buscar sempre que queremos ir a algum lugarconta a adolescente, sorrindo.
Lívia Vianna, moradora do
Parque das Rosas, até possui carro,
mas diz, que para se divertir, fica
pelos arredores do condomínio
mesmo.
–Aqui no condomínio há uma
porção de bares, nem preciso ir muito longe para conversar e beber com
meus amigos. Aqui do lado também
tem a Pizza Hut (pizzaria localizada
exatamente ao lado dos prédios, como
um verdadeiro anexo), fora o Barra
Shopping, que é praticamente do
outro lado da rua- diz Lívia, que
mora no Parque das Rosas desde que
nasceu.
E não é só a jovem de 20 anos
que dá preferência aos bares do seu
condomínio. Felipe Corecha,
estudante de Educação Física e
morador de Jacarepaguá, não tem
dúvidas quando o assunto é “o que
se fazer em uma sexta-feira à noite”.
–A boa é sempre o Rosas!declara o rapaz, muito empolgado.
Vista de um dos apartamentos do Novo Leblon
O fantástico mundo dos condomínios da
Barra da Tijuca
RIO 2
O condomínio possui um imenso parque com pista para corrida, além de quadras
poliesportivas, piscinas e churrasqueiras. Incluídos na taxa condominial, alguns
serviços, além do ônibus exclusivo para moradores, chamam atenção. Como o
serviço de jardinagem, concedido pela administradora, que repõe mensalmente
as flores das varandas nos apartamentos. Porém, o item mais inusitado está
relacionado ao método como a água quente chega às torneiras dos prédios: há
caldeiras subterrâneas que esquentam a água, antes de ser bombeada para os
apartamentos.
NOVO LEBLON
O tradicional condomínio oferece alguns serviços, como o transporte exclusivo,
com a vantagem de estar localizado ao lado de um grande shopping: o Rio Design
Barra. Além do mini shopping com farmácias, locadoras e cabeleireiros, o grande
trunfo do Novo Leblon, sem dúvida alguma, é o Colégio Santo Agostinho,
renomada instituição escolar da cidade. Também há uma escola municipal dentro
do condomínio.
NOVA IPANEMA
O Nova Ipanema também abriga uma tradicional escola carioca, mas somente
as turmas até a quarta série do Ensino Fundamental. Trata-se do Colégio AngloAmericano. Famoso por suas festas juninas que acontecem anualmente no seu
clube, o Nova Ipanema tem um aliado de peso na hora de conquistar seu morador:
está localizado em frente ao maior shopping center da América Latina, o Barra
Shopping. Existe, aliás, uma passagem subterrânea que liga os dois lugares.
PARQUE DAS ROSAS
Além do clube, do transporte exclusivo e da proximidade com o Barra Shopping,
o condomínio tem como um trunfo os bares do seu Rosa Shopping, que atraem
moradores de bairros próximos, como Recreio e Jacarepaguá. Nos fins de semana
há a certeza de que é preciso chegar cedo nos bares para garantir lugar. Eles
ficam lotados de forma incrivelmente rápida.
26/3/2009, 17:17
9
NO 13 - 2008/1
O inferno da Torre
Trabalhar no prédio mais alto do Rio mistura
alta tecnologia com dificuldades práticas
Luisa Clements
Ilustração: Fabiano Soareas
Há dois anos, Tatiane Costa
conseguiu um novo emprego. No terceiro mês de trabalho, uma sirene
soou e a confusão tomou conta do
local. Apavorada, juntou-se à multidão que descia por uma escada
estreita, enquanto bombeiros subiam pelo
mesmo lugar. "Foi a
pior experiência da
minha vida", diz ela.
Era só um treinamento
de
incêndio.
Tatiane
trabalha como
assistente de tesouraria
no
escritório administrativo das
lojas Toullon, que
fica no 9º andar do
mais alto prédio
do Rio de Janeiro,
a Torre do Rio Sul.
Diariamente, circulam pelo edifício
cerca de dez mil pessoas. Situada no bairro de
Botafogo, a Torre tem 160 metros de
altura e 44 andares, incluindo a cobertura, os pavimentos de garagem
e o hall dos elevadores. A cada seis
meses, funcionários e visitantes pre-
cisam fazer treinamento de incêndio.
É a grande tortura para muitos que
trabalham no prédio.
"Imagine descer isso tudo de escada! Algumas pessoas se escondem
no banheiro para não participar da
simulação de incêndio", afirma
Lena Pelosi, estagiária da Sony
BMG, que fica no 40° andar. "Tem gente que
não consegue trabalhar
no dia seguinte ao do
treinamento, de tanta
dor na perna" –
complementa.
A Torre, que
recebe o nome de
Rio Sul Center,
conta com um
sofisticado
sistema
de
segurança,
profissionais
especializados e
uma equipe de
brigada de incêndio.
Ainda assim, funcionários criticam a
infra-estrutura. Nesse sentido,
Tatiane é bastante radical: "Se tivesse
um incêndio de verdade, acho que eu
iria preferir pular da janela", diz ela.
O funcionamento dos elevadores também é alvo de reclamações. O
publicitário Israel Siqueira, funcionário da agência NBS, no 38° andar
da Torre do Rio Sul, afirma que, com
um número cada vez maior de empresas, funcionários e visitantes no
prédio, os 21 elevadores começaram
a não atender corretamente o público, deixando as pessoas irritadas com
o tempo de espera. Nos horários de
maior movimento, as longas filas são
freqüentes.
Lena Pelosi conta que, quando
algum artista aparece para ir à gravadora Sony, o caos nos elevadores
piora: "Se for o Belo [cantor], então,
a confusão é ainda maior. As pessoas
trocam de elevador só para subir com
ele e pedir autógrafos, a fila no hall
fica enorme."
Coisa de cinema
Se, há alguns anos, prédios completamente vigiados por câmeras de
alta resolução, com sistema de identificação por leitura óptica e
seguranças espalhados por todas as
entradas só eram vistos nos filmes de
Hollywood, na Torre do Rio Sul isso
não passa de rotina.
O sistema de segurança do edifício é um dos mais modernos do país.
Quando foi instalado, em 2005, nem
a Casa da Moeda contava com equipamentos tão sofisticados. Na
recepção, um sistema de leitura
Minicidade vertical
O projeto da Torre do Rio Sul, iniciado na década de 70, tinha como objetivo
ser um prédio ultramoderno para atrair
grandes empresas. Com excelente localização e tendo um pólo de consumo como
o Shopping Rio Sul em anexo, dizia-se
até que, aos poucos, todas as grandes
multinacionais iriam migrar para lá.
Inaugurada em 1982, a Torre tem
298 salas. Um dos destaques do edifício
é a vista exuberante que se tem das janelas. Dependendo do andar, é possível
ter uma visão panorâmica do Rio de Janeiro. Quem já teve o privilégio de estar
no terraço, onde fica o heliponto, afirma
que o visual é quase inenarrável, mas, por
questões de segurança, o espaço é restrito a pessoal autorizado e ao pouso e
decolagem de helicópteros dos empresários.
ojornal 2008-1ok.pmd
9
Alguns estabelecimentos fizeram
sucesso impulsionados pela vista
esplendorosa. No 44° andar, já funcionaram um restaurante e a famosa boate
Maxim’s. Mas, segundo funcionários da
Torre, “saíram de moda e o público parou de ir”. Atualmente, a área é um
espaço para eventos desativado.
Chamado de “minicidade vertical”,
atualmente o prédio tem 150 empresas
com as mais variadas especialidades.
Além de instituições financeiras, agências de turismo e publicidade, há redes
de comunicação, consulados gerais, seguradoras, agências de modelos, centros
médicos e empresas que desenvolvem
videogames para médicos... Isso mesmo,
videogame para médicos: O webdesigner
Rodrigo Veiga, fanático por videogames
desde criança, foi contratado pelo Cen-
tro de Treinamento Berkley para desenvolver jogos em flash que irão
simular situações médicas reais, aprimorando o ensino de medicina.
Há espaço para tudo dentro desse
gigante empresarial. E para alugar uma
sala nesse universo de possibilidades que
é a Torre, basta desembolsar em torno
de R$ 8 mil por mês, mais o condomínio de quase R$ 3 mil.
A grande Torre pode ganha uma
irmã gêmea. O Rio Sul tem um projeto
de expansão que inclui a construção de
sete salas de cinema e o levantamento
de um hotel de grande porte no terreno
adquirido do antigo posto de gasolina,
ao lado do shopping. Segundo um representante da administração, o Rio
Sul vai tentar obter a licença para o
projeto em 2009.
26/3/2009, 17:17
óptica reconhece a face do visitante
e, se ele já estiver cadastrado, o localiza no banco de dados. Isso feito, o
visitante recebe um cartão que dá
acesso ao andar solicitado. O circuito fechado de televisão é 100% digital
e há câmeras espalhadas por todo o
hall, elevadores, escadas e pelo menos duas por andar. Entrar sem ser
visto é aquele tipo de “missão impossível”.
Aliás, ser palco para cenas de
cinema não é novidade nesse gigante
de concreto. Mais cinematográfico do
que o sistema de segurança foi um
assalto que ocorreu em 2002 no interior do prédio, relatado pelo
ex-supervisor de segurança do Rio
Sul Center, Júlio César Valentim.
Segundo ele, um rapaz entrou na
Torre, acompanhado de seu cúmplice, que era funcionário da limpeza, e
assaltou as salas do 17° andar, levando dinheiro e objetos pessoais de
algumas pessoas. Quando chegou ao
10° andar, descendo de elevador, foi
interceptado pelos seguranças e houve troca de tiros. A Torre precisou ser
evacuada e a operação levou cerca de
duas horas. Um policial foi ferido no
abdômen e o bandido foi preso. “Parecia cena de filme. Foi um dos fatos
mais marcantes nos meus oito anos
de trabalho na Torre”, conta
Valentim.
Antes da instalação desses equipamentos, o prédio estava mais
sujeito a assaltos, mas há quem acredite que de nada adianta tanta
tecnologia. De acordo com Luciana,
uma das recepcionistas do prédio, a
eficiência do sistema de segurança é
um mito. “Não há detector de metal
e se um bandido chegar aqui e mostrar a identidade na recepção, ele vai
subir”, desabafa ela.
Contatada, a empresa responsável pela administração e assessoria de
imprensa do edifício, a Brascan, recusou-se a dar entrevistas. Segundo
informou Alberto Natal, representante da companhia que responde
como síndico do Rio Sul Center, trata-se da política de segurança do
condomínio.
10
NO 13 - 2008/1
O outro lado da roda fortuna
Funcionários das casas lotéricas saem detrás dos balcões e soltam o
verbo sobre o dia-a-dia das loterias
Bárbara Carvalho
Eunice Souza Oliveira vive de Sul, o maior shopping center da Zona viciada todos os dias. Esse vício premiar qualquer apostador. E em
jogo. Ela ganhou uma quadra na Sul. Por ela passam diariamente assusta, por isso não gosto de jogar. um negócio em que a sorte é
Mega-Sena, costuma faturar R$ 2 ou dezenas de clientes desconhecidos. No máximo compro uma raspadinha, fundamental, deixá-la de lado é
R$ 10 na raspadinha e já foi premiada “Temos alguns poucos clientes mas é uma vez na vida e outra na imperdoável. Eunice, a gerente da A
com R$ 600. Eunice não é uma apenas regulares, que trabalham aqui no morte”, explicou. Entretanto, as duas Twist Loterias, concorda: “a
apostadora compulsiva, pois há shopping, mas a maioria deles é funcionárias concordam em um propaganda é tudo, e sabe como é,
quatro anos trabalha do “outro lado diferente a cada dia. Muitos gringos aspecto: todo cliente assíduo tem sua cliente acaba chamando cliente”.
da roda da fortuna”, mais exatamente vêm aqui também. Eles costumam atendente favorita, aquela que ele
Localizada em uma pequena
como gerente de uma casa lotérica em comprar raspadinhas e jogar na acredita dar sorte para a sua aposta. galeria comercial na Rua São
Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro. Mega-Sena”, explicou a gerente da loja Muitos deles inclusive pedem ajuda na Clemente, a A Twist Loterias
hora de escolher os construiu uma clientela bastante
Nas loterias, o isolamento é - que fez questão
números que vão assídua. A gerente Eunice explica a
padrão. Desde as “paredes” de vidro de
não
se
jogar para concorrer boa convivência com os moradores do
que separam clientes de funcionários identificar.
“Trabalhando em uma
aos prêmios da Mega- bairro: “Ninguém tem culpa dos
até as cabines que dificultam o contato
Por outro
loteria,
você
acaba
Sena. Por isso, tanto nossos problemas, então temos
entre os empregados. No entanto, lado, na A Twist
vendo um monte de
elas quanto Anna sempre que estar de bom humor.
chegando à A Twist Loterias, pode-se Loterias boa parte
Carolina de Oliveira Afinal de contas, trabalhamos com
perceber que isso não é regra. Atrás dos clientes da loja
gente viciada todos
Lopes – a outra caixa o público”.
do balcão, não faltam sorrisos e é formada por
os
dias.
Esse
vício
da casa lotérica – são
conversas. As atendentes esbanjam aposentados que
Na Loto $orte, a relação com os
consideradas “pés clientes não é próxima nem muito
simpatia e, segundo Eunice, este é o moram na região.
assusta, por isso não
quentes” por uns menos íntima, mas a gerente garante
segredo de tantos prêmios.
Como eles têm
gosto de jogar”
fregueses e “pés frios” que o atendimento ao público é
Os clientes premiados com bastante tempo
Elis Rodrigues, atendente da casa
por outros.
bilhetes lotéricos e raspadinhas para apostar e
tranqüilo. A impessoalidade no
lotérica A Twist Loterias
Há cinco anos à relacionamento vem não só do
sempre dão algum presente em troca pagar as contas, a
frente do esta- público irregular como da divisão do
para as funcionárias da loteria. Isso relação atendenteexplica o fato de Eunice nem sequer cliente, muitas vezes, vai além do belecimento, a gerente da Loto $orte expediente de trabalho em dois
ter estranhado quando, no dia do seu estritamente profissional. Sendo anuncia através de cartazes e faixas turnos. Como a loteria fica
aniversário, ganhou uma coroa de assim, Eunice não costuma ser a única quando algum cliente da loteria é localizada no shopping, ela tem o
flores de um cliente. Sim, o símbolo é presenteada. Diariamente, as premiado, seja através da Mega-Sena mesmo horário de funcionamento
um tanto quanto
funcionárias da loteria ou de alguma raspadinha. Segundo das outras lojas - das 10h às 22h - e
mórbi- do, mas ela
“O que a gerente recebem “pequenos ela, os anúncios dão aos fregueses a precisa que seus funcionários se
adorou o presente. No
agrados”,
como sensação de que a loja tem sorte e pode revezem ao longo dia.
pensou ser um
entanto, foi um
bombons e garrafas de
foto: Bárbara Carvalho
“simples” envelope que
vinho. Alguns fregueses
cartão de
deixou a gerente da
deixam lanches
agradecimento veio até
loteria mais surpresa.
pagos no bar que fica em
acompanhado de frente à casa lotérica.
Uma idosa, cliente há
muitos anos, acertou a
Q u a n d o
R$ 600,00”
quina da Mega-Sena e
perguntam sobre o
quis compartilhar sua felicidade com porquê de a loja só ter mulheres como
Eunice, que a tinha ajudado a fazer o atendentes, a gerente explica que elas
jogo. O que a gerente pensou ser um costumam ser mais pacientes com os
cartão de agradecimento veio clientes. “Nós fazemos mais sucesso
acompanhado de R$ 600,00. com a clientela, não é? Só um homem
“Simplesmente não acreditei. Esse foi trabalhou aqui nesses quatro anos,
o maior presente que já recebi dos mas os fregueses reclamaram muito e
clientes”, afirmou.
ele teve de ser mandado embora”,
O ambiente cordial e de completou Eunice, aos risos.
proximidade com os clientes da A
Ao contrário de Eunice, Elis
Twist Loterias é raro em lojas deste Rodrigues, caixa da A Twist Loterias
tipo. Outra casa lotérica, também há seis meses, desenvolveu um
localizada no bairro de Botafogo, tem sentimento de repulsa em relação ao
um atendimento bastante impessoal. jogo. “Trabalhando em uma loteria,
A Loto $orte fica no quarto piso do Rio você acaba vendo um monte de gente
Constantemente premiada, a gerente Eunice Oliveira não tem do que reclamar
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NO 13 - 2008/1
A difícil arte de viver com o mínimo
Ao contrário do texto constitucional, salário mínimo não atende
às necessidades básicas
Filipe Macon
A constituição brasileira
– Eu carrego eles no meu
determina que o salário mínimo deve coração e no meu pensamento –
atender às “necessidades vitais declarou.
básicas com moradia, alimentação,
O drama pessoal de Diva levou
educação, saúde, lazer, vestuário, o professor do IE/UFRJ João Sabóia
higiene, transporte e previdência a contribuir para a lista. Mas ele afirsocial”. Mas viver com o piso de R$ ma que o caso dela não é igual ao de
415,00 por mês pode ser difícil para todas as pessoas. O professor citou
a população brasileira:
por exemplo que 30% da população
– Uma tristeza – desabafou Diva ganha menos que o salário mínimo:
Geralda da Silva,
57 anos.
Ela vive
com duas netas e
as cria sem ajuda
dos familiares:
– Meus filhos não ligam
para mim
Diva recebe
o salário mínimo
de R$ 415,00.
Como o que
ganha é insuficiente
para
compra
da
comida,
ela
Graças ao professor João Sabóia, a faxineira Diva Geralda
precisa fazer
teve onde morar
biscates. Vende
roupa de bebês
– Não é pela solidariedade que
e refrigerantes para complementar o
dinheiro do trabalho como faxineira: se vai resolver o problema de todos.
– O dinheiro nunca chega na Isso é dever do Estado – garantiu.
mão da gente na quantidade que
Sabóia comentou que a respondeveria chegar. A minha luta é só; sou sabilidade governamental se baseia
eu, Deus e minhas netas – afirmou. na assistência social, previdência e
Mas nem mesmo toda a luta foi saúde. A assistência social procura
capaz de reverter os problemas de sua dar conta de situações extremamenresidência no bairro da Penha te precárias. Através dela, o benefício
Circular. A casa de Diva está com de prestação continuada (BPC) atenrachaduras tampadas na parede com de a idosos e deficientes físicos com
papel e o teto foi forrado com plástico renda baixa (pouco mais de R$
para conter goteiras em dias de 100,00 per capita) e o bolsa família
chuva. Mesmo assim, essas se volta para famílias pobres de joimprovisações não impediram a vens com crianças.
ameaça de desabamento da casa.
Diva não se enquadra em neDiante da situação, Diva pediu nhuma das modalidades de ajuda do
ajuda no trabalho. Na época, ela governo. Ela não está nas situações
fazia faxina no Instituto de especificadas para receber o BPC ou
Economia da Universidade Federal bolsa família. Também não é aposendo Rio de Janeiro (IE/UFRJ). tada e não sofre problemas de saúde.
Graças à lista de contribuição A ajuda para a obra teve que vir da
passada entre funcionários do local, universidade.
De posse do material, Diva
ela conseguiu dinheiro necessário
começou a erguer uma casa nova no
para fazer obra:
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terreno abandonado de sua
propriedade. Enquanto não fica
pronta, ela continua a morar na casa
antiga que não desabou devido a um
escoramento da estrutura. Se
dependesse do salário que ganha, a
obra jamais poderia ser feita:
– Eu estaria na rua – imaginou.
Para Sabóia, não existia outra
solução para o problema de Diva, a
não ser pela solidariedade:
– No caso específico dela é a
solidariedade. Daí a importância de
pessoas que sofrem e se mobilizam
com o problema dos outros –
concluiu.
Mas o professor pensou ainda
num teste:
– Seria interessante se todas as
pessoas tivessem o teste de viver com
um salário mínimo. Viver com ele é
um teste – refletiu.
Esse teste foi imposto a Dona
Albertina Maria, de 49 anos. Ela
também ganha o salário mínimo. A
renda é pouca, mesmo para suprir
necessidades
básicas
como
alimentação:
– A gente sempre quer comer
alguma coisa melhor – afirmou.
Albertina trabalha como
faxineira no campus da Praia
Vermelha da UFRJ. Para conseguir
sustentar três filhos e dois netos, ela
vai à missa e pede ajuda a Deus:
– O dinheiro não ajuda –
comentou.
Edinaldo Galvão, 22 anos, pede
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ajuda a seu pai. Ele não conseguiria
comprar roupas e ir ao shopping se
dependesse apenas do trabalho como
faxineiro na Central de Produção
Multimídia (CPM) da UFRJ. Casado,
vive com a esposa e o pai. Mesmo com
ajuda, Edinaldo não está satisfeito:
– O salário tem que aumentar
mais. Tem muito gasto – protestou.
João Sabóia comentou que
houve um movimento de recuperação
do salário mínimo. A inflação mais
baixa desde 1994 vem permitindo um
maior efeito do reajuste no salário.
Para ele, o salário mínimo está baixo,
mas está acima do patamar de dez
anos atrás. E de acordo com suas
previsões, essa recuperação tende a
continuar:
– A situação de Diva e de outras
pessoas pode melhorar – animou.
Mas o Instituto Brasileiro de
Economia da Fundação
Getúlio
Vargas divulgou em
maio mais uma edição do índice de
preços ao consumidor
classe
1,
calculado com base
nas despesas das famílias com renda
entre 1 e 2,5 salários
mínimos. O IPC-C1
registrou variação
de 1,38% nesse mês.
Nos últimos 12 meses a elevação é de
8,24%.
A maior contribuição para a
elevação da taxa em 12 meses, de
6,84% para 8,24%, veio do grupo
alimentação. Com isso, o impacto dele
sobre as despesas de quem ganha entre
1 e 2,5 salários passa a ser de 78%. A
alta dos alimentos foi de 17,01%. Mas
um novo reajuste do mínimo só poderá
haver no próximo ano:
– Esse aumento no preço arroz
é um absurdo – protestou Diva.
Segundo a pesquisa da FGV,
arroz e feijão acumulam alta de
61,06% em 12 meses. Diante disso,
Diva constata:
– O salário mínimo não dá.
12
NO 13 - 2008/1
Fazendo dívidas até o fim
O custo de vida da cidade é alto. O da morte, também
Dominique Guerin
Apesar da maioria das pessoas
não se sentirem à vontade com o assunto, a morte é uma realidade
inquestionável. Todos morrerão um
dia. E, como tudo nessa vida, pagamos até para morrer. Muita gente,
preocupada com seus entes queridos
em um momento tão difícil, prefere
“programar” esse custo, para não
deixar a família desprevenida. Por
isso, independentemente da idade,
já possuem planos de assistência funeral.
Um dos mais procurados no Rio
de Janeiro é a Rio Pax, que já existe
há 20 anos. Com o slogan “Com você
nos momentos mais difíceis”, a empresa vende a idéia de que um plano
de assistência funeral é fundamental para quem se preocupa com a
tranqüilidade dos familiares. Como
é o caso da estudante Marina Romão,
de 27 anos, que paga 13 reais por mês
em um plano familiar que cobre,
além dela, seus pais. Associada há
mais de um ano, ela recomenda este
tipo de seguro:
– Com certeza. Além da parte
econômica tem também o lado emocional, pois, eles resolvem tudo por
você, que no momento da perda,
está abalado e acaba gastando mais
do que deve.
É o que pensa, também, a consultora de vendas Maria de Fátima
Gomes, de 61 nos, que é associada à
outra empresa (Sinaf Seguros) e investe 40 reais mensalmente em um
plano para três pessoas:
– Tenho medo de acontecer
uma morte na família e eu não estar
preparada, tanto financeira como
psicologicamente. Com o plano, há
menos burocracia e dor-de-cabeça.
Afinal, no meio da tristeza de perder alguém querido, ter que se
preocupar com caixão e velório é o
que todos menos querem.
Para ela, não há problema algum em se preocupar com os
preparativos do funeral:
– Não vejo problema. É algo
muito sério, é uma maneira de você
se preparar, e também a sua família.
Eu digo por experiência própria, porque sei como é difícil perder um
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parente e não ter dinheiro para pagar o enterro. Não quero pedir favor
a ninguém. Eles oferecem enterro,
coroa de flor e velório. Em qualquer
cemitério público. Morreu, basta ligar para lá e eles cuidam de tudo.
O valor do descanso eterno
O seguro pode variar bastante,
pois, depende do tipo de urna (caixão) escolhida. A Rio Pax, por
exemplo, oferece um catálogo (que
você pode encontrar na internet) de
modelos que variam da urna padrão
até a super luxo. A mensalidade, do
titular, é de, no mínimo, 8 reais, podendo chegar até 90 reais, além de
uma taxa de adesão (R$42). Os dependentes da família pagam 2 reais,
cada um. Existe um tempo de carência: até seis meses se o
assegurado tiver mais de 60 anos.
Se o inevitável acontecer antes deste
prazo, a empresa cobra a metade do
preço do funeral correspondente ao
plano, que pode ser quitado em até
seis parcelas com cheque ou cartão
de crédito. O valor mínimo do sepultamento é de 2.450 reais e pode
variar até 30.000. Em outras
funerárias, as taxas podem ser
menores: de 1.000 até 20.000, mas,
ainda continuam muito caras para
a maior parte da população.
Esse tipo de assistência ainda não
é adotado pela grande maioria das
pessoas apesar de ter muitos adeptos
que pensam no “futuro”. O modo
convencional de pagar um funeral ain-
da é o mais utilizado.
Quando uma pessoa
morre, além do enterro,
a família precisa enfrentar a
burocracia:
atestado de óbito e taxas diversas como o
registro de sepultamento no cemitério.
As funerárias cobram
todo esse trabalho em
seus “pacotes”.
O Rio de Janeiro
conta com 20 cemitérios, sendo 13 de
propriedade do Município, administrados pela
Santa Casa de Misericórdia. Através da
Diretoria de Controle de
Cemitérios e Serviços Funerários (O/
CCF), um órgão da Secretaria de
Obras e Serviços Públicos, a Prefeitura controla e fiscaliza os cemitérios
públicos, particulares, todas as agências funerárias, capelas, crematório e
embalsamento do Município do Rio.
Existe uma tabela de preços de todos
os serviços funerários.
O enterro não significa o fim: a
família ainda tem outras responsabilidades. O valor cobrado pela
funerária e pelo cemitério equivale ao
aluguel do local e sepultamento.
Após três anos, os responsáveis têm
que pagar a exumação (até 100 reais
no caso de um mausoléu) e o
armazenamento dos restos mortais
do familiar em um ossário privado (até
Os custos da morte
Coroas de flores:
de R$ 150 a R$ 800 dependendo do
tamanho e do tipo de flores.
Publicação em jornal:
o periódico O Globo oferece espaço em
seu primeiro caderno para mensagens de
falecimentos e missas. O tamanho
padrão (9,6 x 4,0 cm) em dias úteis custa
R$ 1.520. Quem quiser pode comprar
até uma página inteira. Neste caso, pode
valer até R$ 100.000.
Valores de aluguel (por três anos) de
sepulturas tabelados pela Prefeitura:
Carneiro (sepultura de concreto no
chão) em cemitério vertical- R$ 216,00
Sepultura rasa- R$ 28,56
Cemitério parque- R$ 145,24
Venda de carneiro familiar- de R$
15.000 a R$ 45.000
Venda de jazigo em cemitério verticalR$ 13.800
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A morte
cabe no seu
orçamento?
R$ 1.800). Mesmo quem é titular de
sepulturas particulares precisa pagar
uma taxa anual de manutenção (em
média 300 reais).
A Santa Casa de Misericórdia
presta serviços funerários às classes
indigente e carente. Para quem não
pode pagar pelo sepultamento e
caixão, o enterro é feito
gratuitamente. Através de uma
“declaração de pobreza” este serviço
mais o atestado de óbito saem pelo
valor de 244,56 reais, segundo a
tabela da Prefeitura.
Para quem pretende usar a
serventia da cremação, também é
preciso passar por mais um obstáculo burocrático. O desejo de ser
cremado deve ser registrado em cartório, na presença de, pelo menos,
duas testemunhas. O custo da cremação é de 800 reais (mais a “estadia”
na câmara frigorífica, 164 reais, por
24 horas, segundo a lei). Ainda têm
outros benefícios a serem quitados,
dependendo do interesse dos familiares, como o aluguel de capelas (R$
180), colocação de placas (R$
115,45), ampliação e/ou alteamento
de sepulturas (R$ 162,62), transporte do local do óbito ao cemitério (R$
96,83).
O cidadão pode obter informações sobre as normas que regulam os
cemitérios e agências funerárias no
site http://cemiterio.rio.rj.gov.br.
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NO 13 - 2008/1
Justiça que tarda, falha
Casos de quem ganha mas não leva são mais comuns do que se imagina
Aline Conde
Paulo perdeu a perna por causa
de um erro médico e espera pela
indenização há 20 anos. Kazue se viu
sem emprego, em 1994, e aguarda
receber os direitos trabalhistas da
embaixada japonesa. Fátima tenta
conseguir o benefício do INSS que
seu pai, Armando, não viveu o
suficiente para receber. Três histórias
diferentes, unidas pela lentidão da
justiça.
– Justiça que tarda, não é justiça, é injustiça – afirma o Corregedor
Geral de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro, Luiz Zveiter.
O dinheiro que pode fazer falta
aos cofres públicos, custa muito mais
a pessoas que aguardam a indenização
na longa fila dos precatórios, ou títulos
da dívida pública. O corregedor
credita a culpa da falta de
comprometimento com o pagamento
dos precatórios às brechas nas leis:
– O Estado não paga e não há
uma intervenção. Se não houvesse
politicagem no meio, o presidente
poderia seqüestrar o dinheiro do governo estadual – defende Zveiter.
Fila sem fim
Este é o caso de Paulo Henrique
Melo, que, por erro médico, teve sua
perna direita amputada em fevereiro
de 1988. Ele entrou com um processo
pedindo pensão vitalícia e
indenização por danos morais contra o Hospital Estadual Carlos
Chagas. Esperou até 2002 para
ganhar a causa, na qual o juiz lhe
concedeu 70% da pensão de um
salário mínimo. Os danos morais,
que seriam a maior parte do dinheiro
(hoje, em torno de R$ 252 mil),
deveriam entrar no orçamento do
governo estadual no ano seguinte, ou
seja, 2003, mas não foi o que
aconteceu.
– Entrei na fila dos precatórios.
Meu número é 741 do ano 2002.
Agora, eles estão pagando o 455 de
1998. Receber eu sei que vou, mas
dependo do governo – explica Paulo,
que pretende, com o dinheiro, comprar um carro e uma perna mecânica
– além de pagar o advogado.
Com uma visão parecida com a
do corregedor Zveiter, o presidente da
Comissão de Defesa dos Credores
Públicos, Eduardo Gouveia, luta
para que o Congresso aprove leis que
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13
Ilustração: Thiago Carvalho
dêem algum poder ao judiciário de “imunidade de execução forçada”,
coagir os estados a pagarem os esta prerrogativa é concedida apenas
precatórios. Mas nesse caso, a palavra a embaixadas e a países, ou seja, não
prazo está longe de
são obrigados a
existir.
pagá-la.
– Precatórios só
– É imoral que
“Eles estão pagando
existem no Brasil e
eles não paguem,
os precatórios de 98. este é o nosso
não funcionam, então
não prestam. O
argumento. Eles
Receber, eu sei que
governo tem que
usaram
uma
vou, só não sei
pagar imediatatrabalhadora braquando”
mente. Se o cidadão
sileira e saíram
não paga os impostos,
daqui devendo.O
o estado vai tomar
próximo passo sedele. Então é preciso lhe dar o mesmo rá fazer o bloqueio de valores que eles
direito de receber o que é seu – defende possuem em conta – explica a
Eduardo.
advogada.
Kazue ganhou a ação, mas por
causa de inúmeros recursos, o caso
Devedor com imunidade
Se processar o próprio Estado é dela foi parar no Supremo Tribunal,
praticamente sinônimo de não receber, em Brasília. Enquanto isso, aguarda
pior é esperar que outro país lhe pague. a indenização que já chega R$ 50 mil.
Quando o escritório anexo do Ela acredita que vá receber o dinheiro
consulado do Japão fechou, onde a e com ele sonha em viver em outro
economista e descendente de país, já cogitou, apesar de tudo, morar
japoneses Kazue Kawae trabalhou no Japão.
Os recursos são grandes responpor dez anos, não lhe foram pagas as
férias e horas extras, além de terem sáveis pela morosidade da justiça.
descontado o seu Fundo de Garantia. Em 2007, no Rio de Janeiro, o
Desde 1994, ela luta para receber seus número de recursos julgados nas
direitos. Segundo a advogada dela, câmaras cíveis (não criminais) foi de
Ana Paula Ferreira, o Japão 125.080. Neste ano, já foram mais de
reconheceu judicialmente que deve 43.609, o Tribunal de Justiça dá
dinheiro, mas o escritório alega como certo que a quantidade supere
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o número anterior. Além da lentidão,
outra conseqüência é o aumento do
gasto da máquina judiciária, que sai
do bolso dos contribuintes.
Para Leslie Ferraz, professora e
pesquisadora de direito da Fundação
Getúlio Vargas, a lentidão também
é causada pela falta de
administração. Os juízes não dão
conta da quantidade de processos.
Para se ter uma idéia, só no Rio, há
10 milhões de processos – sendo que
o estado pediu metade deles. Outro
fator que influencia é a efetividade.
Quem deve, às vezes, não tem como
pagar e, em casos mais extremos, a
pessoa não tem o que penhorar.
– Lembro de um caso em que a
casa do devedor era tão pobre, que o
único objeto de valor era um pequeno
tanque de lavar roupas, a juíza teve
que levá-lo como parte do
pagamento da indenização – conta
Leslie Ferraz.
Entretanto há quem ganhe com
a morosidade. Segundo Leslie, os
juros legais são de 1% ao mês e os
bancos têm lucro com isso ao
emprestar dinheiro. Quanto mais
demorar um processo, melhor.
Não viveu para receber
Às vezes, a culpa é da conhecida
burocracia. Armando Lourenço
trabalhou no Banco do Brasil por 32
anos e nunca recebeu pelas horas extras. Aos 77 anos, já aposentado,
soube que uma colega do trabalho
havia conseguido o benefício do INSS
e decidiu tentar. A filha, Fátima, deu
entrada no processo em janeiro de
2007, e ele olhava todos os dia a caixa
de correio na esperança de que a carta
chegasse. Em dezembro, a
correspondência chegou, mas
Armando havia falecido cinco meses
antes. A família tenta, agora, receber
o dinheiro através da esposa dele,
Dalva, já que a procuração morreu
junto com ele. Mais uma espera se
aproxima.
– Não nos deram prazos.
Acredito que vamos conseguir, só não
sei quando – confia Fátima.
Para quem ganha, mas não leva,
os motivos são muitos e só resta
mesmo confiar, como fazem Fátima,
Kazue e Paulo. Enquanto isso, a
justiça parece seguir surda, cega e
muda diante da lentidão do sistema.
14
NO 13 - 2008/1
Medo de gente
Julgamento alheio pode levar pessoas ao completo
isolamento. E isso é mais comum do que se imagina
Fabiano Soares
Atualmente, P.S., 22 anos, estuda, sai com a namorada, com amigos,
enfim, leva uma vida comum para alguém de sua idade. Mas aos 16 anos,
ele passou 3 meses sem sair de casa, a
maior parte em seu quarto, usando
drogas, sem objetivos. Esse ermitão
não agia por vontade própria, mas por
causa do Transtorno de Ansiedade
Social (TAS), antes conhecido como
Fobia Social, nome alterado pelos psiquiatras porque não se trata de uma
fobia. E é importante deixar claro que
o total isolamento não é característica necessária do transtorno.
O TAS consiste no temor a situações de exposição social, quando o
indivíduo pensa que é sempre avaliado
de forma negativa, e, embora saiba que
o medo sentido é irracional, não consegue agir normalmente. Ele demonstra
sintomas quando se depara com a situação que teme, ou então busca evitá-la
ao máximo. Parece estranho, mas o TAS
é o transtorno de ansiedade mais diagnosticado, mais do que o TOC ou
Síndrome do Pânico.
E o grau de TAS varia de acordo
com os casos, podendo ser generalizado, quando a pessoa tem o temor da
maioria das situações sociais (falar em
público, ao telefone, escrever em público, se relacionar com pessoas do sexo
oposto, etc.); ou não-generalizado,
quando o temor é de uma ou mais situações específicas, sem caracterizar
maioria, o que torna possível levar uma
vida fugindo das situações que teme, e
ser feliz assim. Já quem sofre do generalizado, adota a fuga com mais
intensidade, o que pode levar ao isolamento em casa, para não se expor.
Foi o caso de P.S.. Ele teve muita
dificuldade para ir ao psiquiatra após
ficar 3 meses sem sair de casa, e chegou
a desistir na primeira tentativa.
– Embora as pessoas olharem para
as outras na rua seja normal, para quem
tem fobia social o olhar do outro é
incriminatório, é como se fosse uma facada. Eu achava que qualquer pessoa,
olhando pra mim, sabia pelo que eu estava passando. E eu sabia que para ir
ao psiquiatra precisaria passar por um
vizinho, pegar o elevador, passar pelo
porteiro e por pessoas na rua até chegar
ao carro – conta P.S. sobre o que sentia.
Perfil comportamental
Ilustração: Fabiano Soares
Sara Mululo, psicoterapeuta do
Instituto de Psiquiatria da UFRJ
(IPUB), trabalha atendendo casos de
Ansiedade e Depressão, e traça um perfil comportamental do indivíduo que
sofre de TAS:
– Geralmente, o paciente não é
popular, tem um pequeno círculo de
amigos, mas é muito mais difícil fazer
novas amizades (o novo em
si é algo difícil para ele).
Alguns, entre os amigos,
sentem-se muito à vontade,
não aparentando qualquer
sintoma de TAS. Mas há
graus mais altos de Ansiedade Social, nos quais o
indivíduo não tem amigos,
e vive só com a família, isolado. Mas o isolamento não
é uma característica única
ou necessária de quem sofre da doença. É um erro
achar isso.
Ela ainda diz que não
há paciente de TAS que não
seja perfeccionista, pois
acha que está sempre sendo
avaliado, mesmo por desconhecidos, e isso o faz não
admitir erros seus. Essa
cobrança exagerada gera
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14
uma baixa auto-estima na pessoa, pois
ela acha que não consegue fazer nada
direito, e isso faz com que esteja sempre
abaixo de seu potencial: termina uma
faculdade, mas vai trabalhar em algo
que não exige nada do que estudou, por
não se achar competente; casa com o
primeiro parceiro que namora por não
acreditar arranjar um melhor, etc.
– Eles têm dificuldade de se comunicarem espontaneamente com os
outros, em uma festa por exemplo. E se
conseguem, o fazem de forma um pouco travada. Também não aceitam elogios
dos outros, por acharem que não
merecem, e têm dificuldade para conversar com pessoas às quais se sentem
atraídos – explica Sara.
Paula Vigne, psiquiatra do IPUB,
diz que, para aliviar a ansiedade, a pessoa que sofre de TAS passa a não fazer
nada, o que pode gerar uma depressão,
ou a abusar de substâncias químicas.
Muitos utilizam essas substâncias para
encarar a situação a qual temem. Então bebem antes de uma reunião na qual
terão que falar para desconhecidos, ou
para se aproximar de alguém do sexo
oposto. Essas fugas não dão certo, porque muitas vezes acabam atrapalhando
ainda mais a pessoa, e podem acabar
virando vício. Paula e Sara afirmam que
a maioria das pessoas com TAS busca
sozinha a ajuda médica, tamanho o sofrimento causado, mesmo que precise
vencer alguns de seus medos.
Tratamento
farmacológico (à base de medicamentos anti-depressivos e ansiolíticos,
geralmente controlados), que dura menos tempo, e o psicoterápico, que dura
em média dois anos. São poucos os casos em que não são utilizados
medicamentos. Os tratamentos
psicoterápicos que obtêm melhor resultado segundo pesquisas mostradas por
Sara são a psicoterapia cognitiva e a
comportamental.
Na terapia cognitiva, o psicoterapeuta tenta fazer o paciente entender
que os pensamentos negativos automáticos que ele tem são frutos do medo
irracional, e que ele deve pensar de forma mais realista; já na psicoterapia
comportamental, o médico propõe atividades de exposição àquilo que o
paciente teme. A exposição é sempre
acompanhada pelo psicoterapeuta, e
começa do mais fácil, apenas para o doutor ou até mesmo uma situação
imaginária. E assim que o paciente consegue passar pela atividade sem os
sintomas de ansiedade social, escolhe
algo mais difícil, gradualmente.
Sara contou alguns casos que chamam a atenção nesse tipo de
tratamento, como quando o paciente
pediu que o médico derrubasse bebida
em sua roupa no meio do restaurante,
para todos verem. Também há casos no
metrô: um paciente decidiu fazer
polichinelos na estação; outro, a cada
parada, se levantava, falava o nome da
estação para todos e o que a pessoa poderia encontrar no lugar.
São situações que deixariam muita gente nervosa, e é preciso avaliar se
esse nervosismo é comum, ou se ultrapassa os limites da timidez. Estando em
dúvida, o melhor é procurar ajuda médica, e não deixar o medo irracional fazer
de você um ermitão.
P.S. foi levado ao psiquiatra pelos
pais, e vê no tratamento um defeito: o
uso de remédios controlados. Ele era
dependente químico, e o uso do medicamento virou vício, tanto que chegou a
se consultar com um psiquiatra uma vez
apenas para obter a receita da droga.
Ele considera que a
recuperação maior
Timidez x Ansiedade Social
foi na clínica de reabilitação
para
Muitas vezes, pela falta de informação, as pessoas
dependentes químiacham que se trata apenas de timidez, e só procuram
cos, onde se faz uma
ajuda quando não agüentam mais viver assim. A maior
reestruturação psidiferença entre a timidez e o Transtorno de Ansiedade
cológica da pessoa.
Social é que as pessoas com TAS apresentam sintomas
No IPUB atufísicos, como taquicardia, tontura, rubor facial e
almente são feitos
respiração ofegante.
dois tratamentos
paralelamente, o
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15
NO 13 - 2008/1
Abracadabra: o público sumiu!
Mágicos de festa infantil contam dificuldades
de conquistar as crianças
Fabíola Gerbase
O
primeiro pedaço do bolo da
festa de aniversário de um menino de
sete anos costuma parar nas mãos do
pai da criança, da mãe, de um colega
da escola ou de algum outro parente.
Para surpresa geral e quase indignação
materna, o aniversariante Mateus,
depois de soprar suas velinhas,
escolheu Janjão, o mágico da festa,
para receber a disputada fatia. Afinal,
logo depois do "parabéns", Janjão
fizera aparecer uma vela gigante no ar.
O episódio aconteceu há mais de dois
anos,
mas ainda é uma das
lembranças preferidas da carreira do
mágico, que começou em 1978 na Feira
Hippie.
A situação é hoje bastante
diferente de seus tempos de iniciante.
Manter as crianças sentadas e
"comportadas" durante uma
apresentação de mágica se tornou
tarefa bem mais complicada. Mais
ansioso e impaciente, por vezes, o
público nem mesmo deixa o mágico
chegar ao fim do número; os pequenos
se levantam para fazer outra coisa. A
homenagem do aniversariante que fez
Jorge Araújo, o Janjão, quase chorar
não seria tão inusitada em outros tempos, ele conta:
– As crianças são muito mais
agitadas. É preciso ter um super
repertório para segurá-las até o fim.
Procuro seguir a mídia e entrar no
universo delas, incorporando os
desenhos animados, filmes, livros
infantis. Reciclar ajuda a não cair na
rotina. Uso muito o Harry Potter, por
exemplo. Faço um número de levitação
que elas adoram.
Público acelerado
Gerardi, outro mágico de longa
data, prefere não fazer grandes
mudanças em seu show, que, desde os
anos 80, inclui um número de
ventriloquia, com Joca, o Jacaré. O
segredo de Gerardi, acredita ele, não
está nas mágicas em si, mas na forma
de apresentá-las, usando o tom de voz
certo, músicas e a participação da
platéia. Mas, considerando as reclamações de Gerardi sobre a impaciência
das crianças, "muito aceleradas pela
pressa dos dias atuais", os números
de magia nem sempre conseguem
fisgar a atenção do público infantil.
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15
– Antigamente era possível se
comunicar de forma mais tranqüila
com as crianças. Elas ficam muito
ansiosas pelo desfecho da mágica. Não
posso mais fazer tanto suspense. Acho
que elas eram mais educadas também.
A mãe é mais ausente hoje, por estar
no mercado de trabalho. As crianças
são criadas pelas creches ou pelas
babás. É uma educação terceirizada –
avalia Gerardi, que reduziu o tempo
de apresentação de uma hora para
cerca de 45 minutos e faz uma média
de 40 shows por mês.
Ainda que as dificuldades com
as crianças sejam maiores, Gerardi e
Janjão, que cobram R$ 350 por uma
apresentação, conseguem sobreviver
diferentes assessórios formam praticamente um parque de diversões.
– Fazer mágica em lugares assim
é como músico que toca em
churrascaria. Ainda existem algumas
casas com espaço reservado para
recreação, shows de mágico e palhaço.
Como é separado do resto, fica mais fácil.
Em play também é melhor – explica
Gerardi.
São as casas de festas, porém, que
garantem boa parte dos trabalhos dos
mágicos. Alguns pacotes, como o da casa
Espaço Encantado (com duas filiais em
Laranjeiras e outra em Botafogo),
incluem o show de mágica. Alex e
Ramon são outros dois mágicos cariocas que costumam ser convocados
O número de ventriloquia
arrancou algumas risadas no salão, mas
os olhos ficaram mesmo arregalados
com os truques de Gerardi. A bolinha
que troca de lugar, os lenços que somem
e o guarda-chuva que se desfaz
agradaram as crianças. Ao longo do
show, Gerardi chama ajudantes,
momentos em que vários voluntários
aparecem. O mágico conta que o recurso
serve também para criar certa confusão
e encobrir algum truque que dá errado,
prato cheio para as crianças mais velhas,
que mostravam algum prazer em tentar
desmascarar a mágica e gritavam saber
o segredo por trás do número. No fim
do show, algumas crianças já não
estavam mais na platéia. Mas a tarde
teve um fator extra: o dente da menina
Julia caiu e atraiu alguns pequenos
curiosos para o banheiro.
Mágico, palestrante ou
roqueiro?
Quase no final do show de Girardi, parte das crianças já estava fazendo outras coisas
fazendo passes de mágica. Janjão
conta que a agenda costuma ficar
lotada nos fins-de-semana. Ele se divide, ainda, com o trabalho em uma
oficina de mágica no Rio Design
Leblon, onde vende os brinquedos de
magia que fabrica em uma oficina
caseira. Segundo ele, o ovo mágico, um
clássico da infância de muito marmanjo de hoje em dia, continua sendo dos
mais vendidos. As três cordas que
viram uma só também fazem sucesso.
A enorme oferta de atrativos para
as crianças nas casas de festas atuais é
um desafio para os mágicos.
Fliperamas, totó, pula-pula, piscina de
bolas, brinquedos gigantes e os mais
para entreter os convidados mirins.
Em geral, é em meio a video-games
e escorregas que Gerardi começa seus
shows com o boneco Joca, o Jacaré. O
aniversário de quatro anos de Pedro
Henrique foi comemorado em uma
dessas casas, a Tudo Bem Rio, em
Botafogo. O público, com crianças de 3
a 10 anos, começou bem interessado na
apresentação. Gerardi fala com Joca, que
responde às piadas do mágico. A técnica
de Gerardi impressiona por não deixar
transparecer que é ele falando pelo
jacaré. Até os adultos da festa chegaram
a pensar que havia um sistema de som
em uso, porque Gerardi mal move os
lábios quando é a vez de Joca falar.
26/3/2009, 17:17
Em alguns momentos, os adultos
pareciam mais interessados do que as
próprias crianças. Gerardi sabe bem lidar com o público mais velho. Formado
em marketing, ele usa a mágica, desde
1997, para fazer "palestras
motivacionais" em empresas, sua outra
fonte de renda.
Janjão também trabalha com
adultos. Uma vez por semana, ele sai a
pé de casa, no Leblon, vestido à caráter,
para o bar Conversa Fiada, onde se
apresenta enquanto os clientes
aguardam o pedido. Seus filhos, de 14 e
15 anos, reclamam do pai "pagar o mico"
de andar pelo bairro com uma capa
vermelha nas costas. Mas ele não se
importa. Até na padaria Janjão costuma
mostrar seus truques.
Por trás do nome fanfarrão, já
esteve o vocalista da banda de rock
"Boca de Cabelo", que chegou nos anos
80 a tocar nas rádios o quase hit "João
Bigode", uma referência tosca ao clássico
"Johnny Be Good", do americano
Chuck Berry. Mais de vinte anos depois,
Janjão não tem dúvida:
– Com o nome dessa banda, não ia
dar certo mesmo. Naquela época a
mágica era hobby, influência do meu avô.
Depois virou um prazer diário. Eu me
satisfaço até hoje arrancando sorrisos
das pessoas, principalmente de crianças.
Vale a pena o esforço.
16
NO 13 - 2008/1
Religião de salto alto
Apesar das dificuldades, cada vez mais mulheres sobem ao altar
Rodrigo Canuto
Na esquina da rua Dr. Mário
Viana e a avenida Ary Parreiras, em
Niterói, uma placa indica a Igreja
Apostólica Projeto IDE (Integrando,
Discipulando e Expandindo o
Evangelho e o Reino). Ultrapassando
duas portas à direita e subindo a
escada, chega-se a um amplo galpão
bem iluminado e ventilado. Todas as
quartas às 15 horas, cerca de 30
mulheres se reúnem ali num culto para
pedir proteção a seus filhos. Algumas
carregam fotos. No palco à frente dos
bancos, a pastora Sara Silva narra a
luta de Davi contra o gigante Golias.
À esquerda, a missionária Paula a ouve
com atenção ao lado do pastor
Jackson.
Mulheres celebrando cultos não
é mais novidade nas igrejas
protestantes. Entretanto, essa
presença nos altares ainda é alvo de
muita polêmica. Enquanto a Igreja
Católica nem discute a possibilidade,
as igrejas evangélicas debatem se
pastoras e missionárias têm respaldo
do Evangelho.
Para o pastor Antonio Gilberto,
consultor teológico da Assembléia de
Deus, não é correto. “Algumas igrejas
o fazem, mas sem o suporte das
Escrituras Sagradas”, diz. A presença
feminina nas celebrações da Assembléia de Deus é proibida, mas em
algumas igrejas de localidades
menores, as mulheres marcam
presença.
As igrejas Luterana e Metodista
não têm nenhum impedimento ao
cargo. Para esses Ministérios, não há
diferença entre os sexos perante os
olhos de Deus. Tanto que, nos Estados
Unidos, há duas pastoras luteranas
lésbicas assumidas. Elas não foram
proibidas de exercer seu trabalho
dentro das igrejas.
O padre Luís Sant’anna, da
paróquia de Santa Rosa, explica que
na Igreja Católica homens e mulheres
têm papéis diferentes. Os homens têm
a função de ser exemplo de liderança
espiritual. Já as mulheres têm que
exercer menor autoridade. Por isso, os
padres podem realizar os rituais
católicos. Às mulheres cabe cuidar da
administração da Igreja e do ensino
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16
religioso. “É simplesmente a maneira
que Deus designou o funcionamento
da Igreja”, completa sem margem
para discussão.
A Convenção Geral da Assembléia de Deus exprime a mesma idéia.
“Jesus teve algumas auxiliares
mulheres. Eram santas que o serviam
e aos seus apóstolos de várias maneiras
até a cruz. Mas ele nunca as nomeou
para o Santo Ministério”, afirma o
pastor Antonio Gilberto.
Na Igreja Batista Central, as
esposas dos pastores são
consideradas pastoras. Mas elas não
celebram cultos. Essas pastoras têm
outras responsabilidades tais como:
relacionar-se com a comunidade,
cuidar da parte administrativa da
Igreja, cuidar para o bom
entrosamento dos fiéis e,
principalmente, zelar pela boa
imagem de seus maridos. Em
hipótese alguma elas devem chamar
mais atenção que o marido. “É uma
responsabilidade muito grande, mas
que acaba por ser gratificante”,
conta uma dessas pastoras que
preferiu não ter seu nome citado.
A pastora Sara Silva não revela
se acredita que essa posição de
algumas igrejas pode ser considerada
machismo. “Acredito que tanto uma
mulher quanto um homem podem
evangelizar da mesma maneira. A
palavra de Deus é uma só e igual para
todos”, diz.
Sara é a presidente do Projeto
IDE. Esse projeto nasceu, de acordo
com ela, de uma revelação que Deus
lhe fez. Para realizá-lo, ela viajou
pela África e Japão. No continente
africano, abriu 10 igrejas. Décima
sexta filha de um casal de
missionários, Sara também é cantora
e lançou recentemente seu terceiro
CD. Depois de dois álbuns solo, ela
chamou vários parceiros da música
gospel em um CD muito elogiado
pela crítica especializada. Dona de
um timbre grave, sempre emociona
as mães do culto de quarta-feira.
Quando ela não pode estar presente,
graças a sua corrida agenda, a
missionária Paula e o Pastor Jackson
assumem o comando.
surgiu o Projeto IDE.
Somente ajudando essas
comunidades carentes, seria
possível evangelizar mais
pessoas e expandir o Reino
de Deus.
Mesmo sendo criada em
uma família de missionários,
Sara diz que recebeu um
chamado de Deus para
evangelizar. Desde o início
foi apoiada pelos pais. Ela
acredita que sua voz é um
dom divino e a usa como
instrumento para esse
trabalho. “Muitas mulheres
acabam se tornando
A pastora Sara Silva na divulgação de seu 3º CD
pastoras
de
tanto
acompanhar o trabalho de
“Prefiro quando o culto é seu marido. É o que geralmente
realizado por uma mulher”, diz a fiel acontece. Mas eu recebi a glória
Cláudia Souza, longe do pastor quando nova. Desde pequena sempre
Jackson, “elas conseguem tocar cantei em cultos. Pra me tornar uma
melhor nosso coração”. Evellyn missionária de verdade, foi
Cristiane pensa diferente: “não vejo relativamente fácil”.
Por e-mail, Jussara Gomes, da
diferença entre o culto de um ou de
outro. Pra mim, o importante é Comunidade Evangélica Nova Vida
de Araruama, conta que se tornou
ouvir a palavra de Deus”.
O Projeto IDE atende a pastora por influência do marido.
comunidades carentes em vários Certo dia, ele estava doente e não
pontos do estado. Oferece aos poderia realizar o culto. Com pena
moradores também a chance de de ter que mandar os fiéis de volta
profissionalização, bem como opções pra casa, ela decidiu conversar com
de divertimento aos jovens. Em os presentes e citou o que seu
Niterói, há o salão de beleza Maison marido havia preparado para a
IDE e a Fashion IDE, butique com celebração. “Foi ótimo!”, escreveu
roupas costuradas pelas fiéis. Já em ela, “Tive um desempenho excelente.
Cabo Frio, há festas e raves com A partir desse dia, passei a me
temática gospel sem venda de bebidas dedicar também a me tornar
pastora. E fui bem aceita na
alcoólicas.
O padre Luís Sant’anna elucida comunidade”. Hoje o casal divide os
também que o papel das madres e cultos em uma casa na cidade da
irmãs na Igreja Católica é parecido. Região dos Lagos.
Com ou sem o suporte da Bíblia,
Mesmo fazendo os mesmos votos que
os homens, seu papel é outro. Elas a verdade é que as mulheres estão
devem cuidar da comunidade em assumindo seus espaços de liderança
seus conventos e orfanatos. Além também no meio religioso. A
disso, devem prestar serviços polêmica ainda é grande em alguns
administrativos à Igreja, quando lugares, enquanto, em outros, a
não há fiéis disponíveis para fazê- religião de salto alto já venceu a
lo.Sara diz que essa preocupação de guerra. Cabe aos fiéis escolherem se
cuidar da comunidade geralmente é preferem homens ou mulheres no
elegada às mulheres. “O homem tem altar. “Eu divulgo a Palavra da
que ser o líder, o exemplo. A mulher melhor maneira que posso. O fato
acaba cuidando da comunidade com de ser mulher não interfere nisso”,
maiores preocupações”. E foi daí que finaliza Jussara.
26/3/2009, 17:17
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NO 13 - 2008/1
Eu tenho a Força!
Levantamento de peso é coisa de Super-Herói
Joyce Freitas
Os atletas de força são, no
mundo real, o que os heróis são nas
histórias em quadrinhos e nos
desenhos animados: pessoas de
grande
capacidade
física,
determinadas a fazer o que os
“humanos normais” não conseguem.
He-Man e She-Ra enfrentam a
concorrência dos fortes de carteirinha
– seja da academia ou da
Confederação: os Atletas de Força.
Há algum tempo, os praticantes
do levantamento de peso eram
conhecidos como halterofilistas, mas
o nome foi substituído: halterofilismo
designava toda atividade que usasse
os halteres, mas estes esportistas
demonstram sua força com
equipamento mais prático e seguro.
Diversos motivos podem levar
pessoas comuns a superar os limites
do próprio corpo e trabalhar a força a
ponto de erguer centenas de quilos.
Alguns buscam o esporte para se
mostrar fortes. Outros, só para
praticar uma atividade que envolva
musculação ou simplesmente por
“diversão”.
Igo Costas conta por que buscou
essa modalidade. Hoje, Igo é
estudante de Engenharia Eletrônica,
mas aproximadamente quatro anos
atrás ele não era só isso: era, também,
um atleta de levantamento de peso.
Aos 19 anos ele começou o
treinamento. A musculação que fazia
na Academia Pitbull rendeu o convite
do professor Rafael Jordão para que
ele fizesse levantamento de peso. O
treinador o convidou por achar que
“levaria jeito pra coisa”, e a
curiosidade impulsionou Igo a aceitar.
A rotina era simples, de acordo
com o próprio atleta: aquecimento e
partir para o ataque, ou melhor, para
o levantamento. Os exercícios eram
alternados por semana, para que ele
treinasse o tipo “terra” e o
“agachamento”. Com apenas dois
meses de prática, Igo foi campeão
nacional de Levantamento tipo terra
em um campeonato promovido pela
Confederação Brasileira dos Atletas
de Força (CONBRAFA). Ele alcançou
o 1º lugar nas categorias “teen 2” e
“open”. “O que não é tão absurdo –
afirma - visto que nessas categorias
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levantamento de peso. Mas ambos
concordam em um ponto muito
importante para os atletas: a falta de
visibilidade do esporte. Rogério
Camões comenta que o Levantamento
de Peso Olímpico já aparece pelo que
o próprio nome diz: participa das
Olimpíadas, as pessoas já ouviram
falar. Já o Levantamento de Peso
Básico (modalidade na qual os dois
treinaram) é amador, não tem essa
visibilidade.
Igo acrescenta que o esporte não
dá retorno para incentivar os
halterofilistas. Ele mesmo via apenas
como diversão:
– Impossível alguém, no Brasil,
encarar isso como profissão. Nenhum
dos competidores que conheci
conseguia sobreviver disso, raros
conseguiam algum incentivo e, quando
conseguiam, não era o
suficiente pra bancar os
gastos básicos de um
indivíduo. Todos ganhavam seu sustento
trabalhando. Os que
praticam fazem porque
gostam e conciliam seu
tempo.
O próprio Igo
abandonou o esporte por
esse e outros motivos: o
professor saiu da
academia, e a partir de
Levantamento de Peso - Modalidade: Arranque
então ele treinava
sozinho. Além disso,
coluna. O agora engenheiro explica que ficou difícil conciliar faculdade e treinos
existem cuidados e técnicas para se – e exatamente porque o esporte não
levantar o peso sem que aconteçam dá retorno, a faculdade foi a melhor
danos. Caso ocorram, provavelmente foi opção.
O depoimento dos atletas prova
um erro ou falta de cuidado do praticante, como postura incorreta ou má que há muitas atividades interessantes
colocação da cinta (que se usa na altura e com muitos praticantes que ficam
da cintura e deve ficar bem apertada esquecidas. O Tae Kwon Do, por
exemplo, só se destacou quando Diogo
para manter a coluna no lugar).
Outro campeão brasileiro que Silva venceu os Jogos Pan-americanos
falou sobre o esporte é o também ex- em 2007, no Rio, assim como o
atleta Rogério Camões. Ao contrário badminton passou a ser conhecido no
de Igo, Rogério não trocou de área país nessa época. Mas poderia ser
quando deixou o levantamento. diferente. Os esportes podem ser mais
Atualmente, ele é treinador de luta em divulgados, atraindo as pessoas a
uma academia na Barra da Tijuca, da conhecê-los e praticá-los. E se os
qual é um dos donos. Muitos lutadores atletas tivessem melhores condições
para continuar na atividade, se
campeões foram alunos dele.
Igo e Rogério foram bem- sentindo incentivados, o Brasil poderia
sucedidos enquanto praticaram formar muitos outros campeões.
tinha poucos competidores no meu
peso”.
Igo afirma que não teve problemas com as pessoas de seu convívio
quando começou a praticar o esporte.
– Minha família pensava que eu
poderia me machucar seriamente, mas
não foi uma questão de condenar a
prática... Uma mera preocupação, até
porque eu era bem novo. Mas ninguém
se opôs e até foram no meu
campeonato assistir.
O atleta conta curiosidades e
desmistifica o Levantamento de Peso.
A força e o físico do atleta, por exemplo,
nada têm a ver com sua sexualidade –
de acordo com Igo, uma associação
muito comum. Há também uma questão que intriga especialmente os não
praticantes: erguer os halteres de
centenas de quilos seria prejudicial à
26/3/2009, 17:17
Para entender o
Levantamento de
Peso
O Levantamento de Peso
Olímpico está nos Jogos da Era
Moderna desde 1896, em Atenas.
Envolve duas modalidades:
arranque e arremesso. Arranque é
quando o atleta levanta a barra de
uma vez, do chão até acima da
cabeça. Já no arremesso, ele levanta
até a altura dos ombros e, em
seguida, eleva acima da cabeça. Os
pesos são identificados pela cor: o de
45kg é verde, de 25kg é vermelho e
de 20kg é azul.
O Levantamento de Peso
Básico possui três modalidades:
agachamento,
supino
e
levantamento terra. Em todas, o
esportista faz um único movimento
para levantar os halteres, que têm
mais de 100kg. Em competições, o
vencedor é o que conseguir erguer o
maior peso, resultado da soma dos
quilos erguidos nas três categorias.
Para tanto, ele tem três chances em
cada uma. Há sempre ajudantes
posicionados ao lado do competidor,
tanto para segurar os halteres
quanto o próprio praticante, caso
aconteça um acidente.
No agachamento, o atleta
ergue os halteres, que ficam
apoiados em uma base (como se
fossem dois tripés, lado a lado) e os
apóia nos ombros, por trás do
pescoço. Isso tudo enquanto está
agachado, como se estivesse sentado
em uma cadeira imaginária. No
supino é utilizado um aparelho
comum em academias, no qual a
pessoa se deita para levantar os
halteres, posicionados na base que
fica acima de sua cabeça. O
“levantador” precisa tirar a barra
daí e mantê-la erguida, com os
braços esticados, o quanto puder.
Finalmente, o levantamento terra
mostra ser o de maior esforço: o
atleta ergue o peso de centenas de
quilos a partir do chão, até acima
da cabeça, em um único movimento.
Em todas as categorias, depois que
o “Poderoso Hulk” demonstra sua
habilidade, ele joga o haltere no
chão.
18
NO 13 - 2008/1
Pelos poderes da lua
Um pouco das histórias de quem acredita e põe fé no poder lunar
Giuliana Azevedo
Na lua cheia a vida encontra todo
o seu vigor e na lua minguante ela se
esvai. Funcionando como termômetro
das emoções humanas na mística
popular, a crença no astro tomou
proporções bem maiores com a
materialização de sonhos antigos:
casamento perfeito, cura para doenças
e cabelos que alcançam sua melhor
forma. Paulo é um dos que crêem que
a compatibilidade astrológica garante
tanto uma união feliz como até a
prevenção de barriga saliente e
celulites.
Com
experiência
comprovada, o estilista capilar Hélio,
na sua longa carreira de mais de seis
décadas, garante que, de posse do
mapa astral, o cliente pode descobrir
a melhor época para cortar os cabelos.
Mas, para Juliana não tem conversa:
a lua não influencia em nada no
crescimento dos cabelos. Sua avó,
apesar do costume de cortar os cabelos
na lua cheia, morreu com ele
minguado. E se esses indícios
demonstram uma certa magia nas
situações descritas, no caso de
Eduardo o que imperou foi a força
religiosa: a observação de fenômenos
astronômicos levou-o à conversão ao
cristianismo.
Há 10 anos, o astrólogo Paulo
Randow promove através do seu site,
Casal Perfeito, análise de mapas
astrais para quem deseja encontrar
seu par ideal, numa relação que, sem
muitos conflitos de planetas, tem tudo
para dar certo. Isso funciona da
seguinte forma: a pessoa se inscreve
no site fornecendo dados pessoais,
características físicas, hora do seu
nascimento, etc. Ela receberá por email uma relação de pessoas
compatíveis, sendo que numa variação
de 0 a 10 será informada somente das
marcas que atingirem nível maior do
que 8.
Depois disso, os casais em
potencial se encarregam de marcar os
encontros. Nesses mapas astrais, itens
como comunicação, afetividade e
sexualidade são analisados com base
na posição dos astros. A posição da
lua no dia do nascimento de uma
pessoa, por exemplo, pode trazer
revelações sobre seu lado emotivo, pois
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18
com uma lua em Áries ela tende a ser
impulsiva; em Escorpião, a ser mais
vingativa. Mas quais são as
conseqüências para um casal que tem
compatibilidade mínima? Segundo o
astrólogo, todos os problemas de um
casal são derivados de sua falta de
afinidade astrológica. Como
conseqüência, passam a se agredir com
facilidade. E, se essas complicações
começarem a prejudicar a saúde dos
cônjuges, os sintomas podem ser os
piores possíveis: a barriga saliente nos
homens e celulite nas mulheres!
Para os que ainda duvidam do
método “Casal Perfeito”, saibam que
ele é tão eficaz que até o seu “criador”
já desfrutou dos benefícios. Paulo
Randow diz que conheceu sua esposa,
Fernanda, pela Internet e após lançar
seus dados no site descobriu que a
afinidade entre eles era de 9,3.
Entusiasmado com o resultado,
insistiu para que Fernanda deixasseo se aproximar, pois “sabia que nossa
compatibilidade astrológica faria o
resto”, conta. Além da Sinastria
(estudo da afinidade entre duas
pessoas), o método também é eficaz
para saber mos sobre eventos
específicos em nossas vidas. Paulo
Randow explica que se calcularmos os
ângulos dos astros em movimento com
a lua veremos quais são as melhores
épocas para o corte de cabelo e para
marcar férias. Lua em Vênus (planeta
relacionado aos prazeres) pode ser um
presságio de que as férias serão
inesquecíveis, mas se a lua estiver em
Plutão (planeta relacionado a
conflitos)... é melhor você não sair de
casa! Porém, o mais incrível é saber
que conhecendo seu mapa astral você
pode se preparar para a chegada de
situações difíceis. “Quando passei por
um aspecto de Netuno com a Lua em
meu mapa, foi um período muito difícil
e tive a sorte de saber quando iria
começar e terminar”, revela o
astrólogo.
Para a psicóloga Liliana Wahba,
o ser humano tende a projetar
conteúdos psíquicos inconscientes no
mundo que o rodeia. No entanto, isso
não significa para ela que recebemos
da lua influência direta em nosso
comportamento ou corpo. Mas o que princípio. Mas, depois, a curiosidade
para alguns beira o campo da fantasia, tratou de atrair os fiéis. Eduardo repara outros se constitui em filosofia lata que acredita na interferência
de vida.
física da lua, por isso não descarta
Ainda muito cedo, Marilza Eches que ela possa exercer influência nos
cultivou a fascinação pelo estudo dos corpos, na pesca e na agricultura. No
astros. Astróloga e webdesigner, entanto, rejeita qualquer forma de
conta que aos 7 anos já procurava ação da lua na área comportamental.
conhecer os signos das pessoas e
Além de astrônomos e astróloanalisar seus comportamentos. Com gos, outros profissionais acreditam no
o passar do tempo,
poder lunar. Os cabeleireidescobriu que a astrologia
ros, por exemplo. Quem
era mais do que simples
nunca ouviu falar que o
previsões de revistas: era,
cabelo cresce mais rápido se
de fato, uma ciência
cortado na lua crescente?
milenar. No seu site na
Ou que na lua cheia ele fica
Internet, Aquário - Cursos
mais cheio? Para o
de Astrologia, é possível
cabeleireiro Henrique
conhecer um pouco mais
Catharino, a lua influencia,
sobre os estudos de
sim, no crescimento dos
Tony pretende
Marilza, dos quais podemos
cabelos, mas o corte regular
lançar,
no
salão,
o
destacar um post em
sem uma boa alimentação
Dia da Lua
especial: conheça sua
não basta para que eles
Crescente
criança interior através da
cresçam lindos e saudáveis.
posição de sua lua natal.
Mas é o barbeiro Hélio, mePara
a
astróloga,
esse lhor dizendo, estilista, como prefere
autoconhecimento ajuda aos que ser chamado, que vai mais fundo nessa
pretendem conhecer seu lado mais crença. Para o profissional de 80 anos
infantil e até a solucionar problemas de idade e mais de 60 anos de careira,
mal resolvidos na infância. Apesar de se tivermos a data do nosso nascimencobrar pelos cursos que fornece online, to é possível através de um mapa
não vive desta profissão e enfatiza: “A astral saber qual a melhor época para
astrologia é uma grande paixão, e um corte. Aliás, durante a entrevista,
ultrapassa a área profissional”.
um de seus clientes, Wilson Coelho,
No caso de Eduardo Baldaci, alfaiate, chegou e nos confessou que,
pastor evangélico e astrônomo ama- quando vê que a lua está cheia, sabe
dor, o fascínio pela ciência também que está no período certo para cortar
veio desde cedo. Durante a infância, os cabelos, que certamente crescerão
com a observação dos astros, come- mais cheios. Para ele nunca falhou.
çou a acreditar na possibilidade de Mas para outros o resultado não é o
existir um Criador. Na adolescência, mesmo.
lendo a Bíblia, procurava por relatos
A cabeleireira Juliana Pureza, 30
de eventos astronômicos, como o anos de idade e 10 de profissão, diz
eclipse no momento da morte de Je- que não acredita em nada disso. “A
sus. Se para ele os assuntos minha avó só cortava o cabelo na lua
científicos abordados já estavam su- cheia, e acabou morrendo com o cabelo
ficientemente atestados, restava minguado”, garante. Por fim, há os
agora estudar um pouco mais a que não acreditam na superstição, no
Bíblia, o que resultou em conversão entanto, não vêem motivo para não
ao cristianismo. Mas a partir daí se aproveitarem do imaginário
começava a sua odisséia. Não popular para atrair clientes.
conseguindo ingressar na faculdade Pensando nisso, o cabeleireiro Tony
de astronomia, resolveu faz er pretende lançar o Dia da Lua
teologia. Porém um pastor-astrôno- Crescente, que já existe em São Paulo,
mo não é muito convencional, o que quando oferecerá 50% de desconto no
lhe fechou algumas portas, a corte. Imperdível, não?
26/3/2009, 17:17
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NO 13 - 2008/1
Pimentões
de
carteirinha
Queimaduras por bronzeadores caseiros são mais comuns hoje
do que antes da cultura da fotoproteção
Julia Wiltgen
Nunca se teve tanta consciência
da importância da proteção contra o
Sol quanto nos dias de hoje. Se há 30
anos um bronzeado era sinal de saúde
e beleza, nos anos 2000 muita gente já
não se incomoda em ser branquinha e
não sai de casa sem filtro solar. Na
contramão disso tudo, ainda há
aqueles que ignoram todos os riscos
se atiram de cabeça na busca do
bronzeado perfeito. O chefe do Centro
de Tratamento de Queimados do Hospital do Andaraí (CTQ-Andaraí), Luiz
Macieira, afirma: casos de
queimaduras solares graves devido ao
uso de bronzeadores caseiros nunca
foram tão comuns.
Macieira explica que os meses de
maior incidência são os de primavera
e verão. As vítimas, normalmente
mulheres jovens, querem recuperar
rapidamente o bronzeado perdido durante o inverno e acabam se
acidentando com os produtos que
preparam. O de uso mais freqüente,
segundo o especialista, é o chá de folha
de figueira, que chega a levar ao CTQ
mais de 50 pacientes por mês, no
período de setembro a março.
A folha de figueira possui uma
substância chamada psoraleno,
presente também nas frutas cítricas,
que poder queimar profundamente a
pele ao entrar em contato com os raios
solares. Só houve, no CTQ, um caso
de morte por uso desse chá até hoje,
uma paciente que teve mais de 50%
da superfície corporal queimada. Mas
Luiz Macieira alerta: “Foram várias
as ocasiões em que as pessoas ficaram
com seqüelas definitivas, como
manchas e cicatrizes,” diz.
O chá de folha de figueira não é
a única receita. Coca-Cola, óleo de
avião e óleo de urucum também
constam nessa lista, muitas vezes
associados. Os médicos afirmam que
esses produtos não têm qualquer ação
bronzeadora e podem causar, além de
queimaduras, alergias sérias.
Alguns “alquimistas modernos”, entretanto, ainda defendem que
certas misturas funcionam, e muito
bem. A coordenadora de projetos Ana
Beatriz Fernandes, 39, tem uma
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19
receita que usa há mais de 20 anos:
óleo corporal e vaselina líquida. Ela diz
que não recomenda seu uso a ninguém,
pois embora nunca lhe tenha feito mal,
poderia não cair tão bem para os
outros. Mas a moça garante: “Minha
pele fica muito hidratada, e o
bronzeado, muito bonito.”
se cuida. Só usa produtos indicados
pelo dermatologista e não sai de casa
sem filtro solar, apesar da pele
morena. Ela atribui as “loucuras”
daquela época não só à falta de
consciência em relação aos perigos do
Sol, mas também à escassez de
produtos bons e de preços acessíveis
Hipoglós na pele, quando ainda não
existia filtro solar. Mais tarde, era a
única dentre as amigas que usava
protetor, sem ligar para as
implicâncias de que ia ficar
branquinha. “Não tenho coragem de
cobrar que um paciente use proteção
se não dou o exemplo. Hoje temos o
conhecimento de que a exposição ao
Sol aumenta o risco de câncer de pele
e acelera o envelhecimento,” completa.
Conscientes, mas
nem tanto
Dr. Luiz Macieira: Seqüelas das queimaduras podem ser irreversíveis.
Morenos ontem, branqui- no mercado, tanto para bronzear
nhos hoje
quanto para proteger. “E é normal
No entanto, já existem aquelas
pessoas que desistiram dos produtos
mirabolantes e das horas de praia por
um estilo de vida mais saudável. A
designer Maria Cecília, de idade não
revelada sob hipótese alguma, já foi
adepta de Coca-Cola, óleo de urucum
e até parafina de prancha de surfe,
quando era adolescente, nos anos 80.
Chegou até a preparar, com uma
amiga, uma mistura de cenoura,
beterraba, restos de bronzeadores e
óleo de urucum. Segundo ela, foi o
produto que, até hoje, deixou seu
bronzeado mais bonito. Mas a farra
acabou no dia em que o vidro estourou
dentro do armário da sua
companheira de experimentos. “Acho
que aquele negócio fermentou, sei lá.
Sujou todas as roupas dela,” conta,
rindo.
Apesar das aventuras, Maria
Cecília afirma que nunca teve
problemas de pele por causa da mania
de se bronzear, mas que hoje em dia
fazer esse tipo de coisa nessa idade.
Adolescente não tem medo,” diz.
Mas nem todos tiveram a sorte
de nunca terem sofrido as
conseqüências da falta de cuidado. A
dermatologista Cátia Santos (nome
fictício), uma apaixonada por praia
desde criança, queria, na juventude, o
bronzeado de Sônia Braga em
“Gabriela, Cravo e Canela”. Usava uma
série de produtos improvisados, como
Coca-Cola, óleo de coco, de urucum,
de avião etc. Aos 43 anos, descobriu
um câncer de pele no rosto, do tipo
Carcinoma Basocelular (mais brando).
Ela venceu a doença após cirurgia e
afirma: “Hoje não descuido mais da
fotoproteção diária.”
Exemplo da época em que
vivemos, sua filha, a também
dermatologista Joana Santos (nome
fictício), teve uma infância e uma
adolescência bem diferentes. Outra
apaixonada por praia, era obrigada
pela mãe a usar viseira e passar
26/3/2009, 17:17
O uso de produtos improvisados não é a única conduta
inadequada do brasileiro em
relação à exposição ao Sol.
Apesar de o primeiro filtro solar
ter surgido em 1984, muitos
ainda não incorporaram o hábito
de se proteger, aumentando os
riscos de quei-maduras, câncer
de pele e envelhecimento precoce.
É o caso da contadora
Mônica Fernandes, que não usa
a fórmula bronzeadora da irmã
Ana Beatriz, mas também
descuida do filtro solar. “O único
produto que eu uso é bronzeador.
Nem embaixo da barraca eu fico.
Protetor solar só no rosto e de
alguns anos para cá,” conta.
Resultado: teve insolação várias
vezes e já chegou a ter febre e ir
parar no hospital por causa de
queimaduras graves.
Dados do Instituto
Nacional do Câncer (INCA)
mostram que Mônica não está
só. Aliás, ela pertence à maioria.
O índice de uso de filtro solar
pelos brasileiros fica entre 10%
e 20% e mesmo o uso de chapéus
não ultrapassa os 30%. Talvez
isso explique, em parte, por que
o câncer de pele é o de maior
incidência no país: para os anos
de 2008 e 2009, o INCA prevê
que esse tipo constituirá mais de
25% de todos os casos da doença
no país.
20
NO 13 - 2008/1
Emoções sobre quatro rodas
Alegria, lágrimas e até socos fazem parte da vida de quem anima festas
com um carro enfeitado
Talita Duvanel
Todos os dias, um Gol branco sai
de Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio de
Janeiro, e ganha as ruas da cidade.
Enfeitado com bolas de todas as cores,
laço colorido no capô, sirene e outros
badulaques a gosto do freguês, ele
segue em busca da reconciliação de
casais antes apaixonados, da surpresa
de aniversariantes e festividades
diversas. Comandando o espetáculo
estão os parceiros Marisa Gonçalves e
Damião dos Santos, casados há 12
anos, e há seis no inusitado serviço de
mensagens ao vivo. Para quem está
cansado de dar flores, bombons ou as
famosas “lembrancinhas” em datas
importantes,
o
produto do casal é
uma alternativa: um
carro adornado com
penduricalhos
diversos,
uma
locutora declamando
poemas, quase uma
festa surpresa no
meio da rua. Antes
motorista de ônibus,
Damião largou o
volante dos coletivos
para pilotar o carro
da firma idealizada
por sua esposa, a
Toque de Emoções.
Marisa trabalhava
como despachante na
mesma empresa do
marido e, ao ser
demitida, resolveu
criar seu próprio
negócio. Com o
dinheiro da indenização, comprou um
Gol e convenceu o
companheiro a participar dessa
arriscada jogada. Ele no volante e ela
no microfone.
Demorou um ano para o casal
começar a colher os frutos da
empreitada. A dedicação e o esforço
pela qualidade fizeram dos serviços da
dupla um das mais populares do
bairro. Desde a ornamentação do
carro, passando pelo tempo das
mensagens, até o relacionamento com
o cliente, tudo foi pensado para deixar
os concorrentes para trás. “Sou a
locutora que revolucionou esse serviço
aqui no bairro, a começar pelo tempo.
As pessoas faziam as homenagens em
15 minutos. Na Toque de Emoções não
faço menos de 30”, garante Marisa. A
micro-empresária também acredita
que o tratamento diferenciado é a
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20
chave do sucesso. “Dou muita atenção
a todos, principalmente às famílias.
Trato todo mundo bem, do pobre ao
rico, do bandido ao artista”.
O sucesso do negócio possibilitou
ao casal a compra de mais um carro
(um Corsa modelo novo), a contratação
de dois funcionários (mais um
motorista e uma locutora) e o
incremento da aparelhagem de som.
Nos fins de semana o movimento é
mais intenso e, por isso, toda a frota
vai às ruas. Nos sábados de maior
movimento são entregues até 14
mensagens. Os preços dependem dos
trabalhava nesse lugar. E nós fomos,
mas claro que não deixei meu marido
sair do carro”, ri Marisa. “Mas o
recado foi bem rapidinho, afinal a
menina estava em horário de trabalho,
né?”.
Os maus bocados também não
são poucos nesses seis anos de
estrada.
Cer ta
vez,
um
aniversariante embriagado chegou a
segurar a empresária, incitado pelos
convivas, que também alcoolizados
gritavam: “agarra, agarra”. A
locutora se desvencilhou do assédio
e seu marido teve de ficar ao seu
O Gol de Marisa e Damião com direito a bolas, laços e até sirene.
balangandãs pedidos pelo freguês e do
bairro onde acontecerá a homenagem.
Em Jacarepaguá, uma surpresa com
dois fogos de artifício, sirene e três
brindes (cestinha, chaveiro e um CD
de mensagens) sai por R$ 60. Se o
cliente quiser bolo, champanhe e
flores, precisa desembolsar R$130.
Mas todos os pacotes incluem o
famoso tapete vermelho, estendido ao
lado do carro, por onde o homenageado
desfila em seu momento de rei.
As muitas viagens pelo Rio de
Janeiro rendem boas histórias ao
casal. Lugares inusitados, clientes dos
mais variados, quase tudo já foi visto
pela dupla. O Corsa já chegou a fazer
festa até em uma termas. “Um cara
nos contratou para passar uma
mensagem para uma menina que
lado, como segurança, para que ela
completasse a mensagem. Expulsões
também fazem parte do currículo da
Toque de Emoções. Em uma ocasião,
a empresa foi contratada para
felicitar um senhor que, segundo
amigos e a própria esposa, era
bastante sisudo. Na hora da escolha
das músicas para a homenagem, a
mulher optou por canções de gosto
duvidoso para um sujeito
considerado sério. No momento do
tapete vermelho ela pediu para tocar
a música “Ele é corno, mas é meu
amigo”, do cantor Tiririca. Quando
o refrão soou nos alto-falantes do
Gol (“Ele é corno mas é meu amigo /
Ele é viado mas é meu amigo”)
sobrou para Marisa e Damião. O
sujeito, bastante nervoso, partiu
26/3/2009, 17:17
para a agressão e a confusão se
instalou no quintal da casa. “E o pior
foi que a mulher dele teve a coragem
de dizer que fui eu que escolhi as
músicas. Ainda bem que havia várias
pessoas na comemoração que
conheciam a integridade do meu
trabalho”, conta Marisa, chateada.
Carro quebrado, eles garantem já ter
tido algumas vezes. Inclusive o vidro
do Corsa foi rachado há pouco tempo
por bolinhas de gude jogadas de cima
de um prédio em Ipanema. “Fui
fazer uma homenagem para gente
importante, de escola de samba, e aí
tacaram bolinhas lá de cima. Poxa,
se o som está alto, é só pedir que a
gente abaixa”, garante.
Fora em alguns momentos de
tensão, a dupla garante se comover na
maioria das mensagens. “Já fiz
muitos casais se reconciliarem, muitas
mães chorarem, e isso tudo é muito
gratificante. Sempre me emociono,
talvez porque tenho amor pelo que
faço”.
Mas não é só a locutora que se
sensibiliza com as festinhas que anima.
Vânia Cabral, assessora parlamentar
de um deputado carioca, se emocionou
bastante ao receber um carro parecido
com o de Damião e Marisa, na porta
da Câmara Municipal. “Foi uma festa
só, gostei bastante. Todo mundo falou
no microfone, até o vereador”,
orgulha-se Vânia. “Eu adorei, mas
tem gente que não gosta”. É o caso de
Ana Luisa Machado, estudante de
webdesign, que ao completar 15 anos
recebeu na porta da escola uma
homenagem encomendada pela avó.
“Foi um mico horrível. Me lembro de
ter ficado possessa. Imagina uma
adolescente se deparar com um carro,
cheio de bolas, soltando fogos e
tocando umas músicas fora de
moda?”, relembra Ana Luisa.
Damião e Marisa respeitam esse
tipo de opinião, mas confessam ficar
chateados quando seu trabalho é
alvo de piadas. Outro dia, assistindo
ao Programa do Jô, eles se
indignaram com as piadas sobre
carros de mensagem feitas pelo
humorista cego Geraldo Magela.
“Achei um desrespeito ele falar que
esse trabalho é ridículo. É através
dele que já fiz muita gente feliz. Vou
até mandar um e-mail para o
programa reclamando”, diz Marisa
indignada. Mas antes ela precisa
pensar no conserto do vidro do carro
e em novidades para a clientela ávida
por surpresas.
21
NO 13 - 2008/1
Eternos enamorados
Morar em casas separadas pode ser uma forma de manter o relacionamento
Carolina Leal
Casar, ter filhos e viver feliz
para sempre – em casas separadas.
Pode soar estranho, mas essa é a
opção de relacionamento que alguns
casais têm adotado: depois de longo
tempo de namoro, casam-se ou se
consideram
casados,
mas
permanecem morando em casas
separadas, como eternos namorados.
Juntos há 18 anos, os escritores
Ruy Castro e Heloísa Seixas ainda
vivem a ansiedade de estarem
juntos nas horas vagas:
– Durante a semana, é aquela
saudade, vivemos g r udados,
trocando e-mails e telefonemas o dia
inteiro. Nós dois esperamos
ansiosos pela chegada da sexta à
noite, porque sabemos que
ficaremos juntos até domingo à
noite na casa do Ruy, que chamamos
de nossa casa – diz Heloísa.
Há três anos os escritores se
casaram no civil, segundo Heloísa
com “uma festa deliciosamente
careta, com bolo, buquê e brinde” e
continuaram morando em casas
separadas,
mantendo
o
relacionamento que tinham antes:
– Foi uma coisa natural, não
foi especialmente planejada.
Acontece que, quando nos
conhecemos, Ruy estava morando
em São Paulo e eu no Rio.
Namoramos durante cinco anos na
Ponte Aérea. Sendo assim, quando
ele voltou para o Rio, morar no
mesmo bairro, o Leblon, já foi um
grande avanço, mas nossa relação
era tão boa que não pensamos em
mudá-la.
Mas nem sempre morar em
casas separadas é algo natural.
Liberdade, ausência de rotina,
desgastes da convivência, filhos de
outro casamento, motivações
econômicas ou, simplesmente,
manter o relacionamento como está.
Cada casal possui os seus motivos
para optar por não morar junto.
No caso do bancário Sérgio
Moraes e da secretária Marinete
Nascimento, juntos há 14 anos,
morar em casas separadas foi uma
decisão. Ambos já foram casados,
possuem filhos e acharam que unir
ojornal 2008-1ok.pmd
21
as famílias não seria uma boa opção:
– Esse relacionamento é para
gente uma forma de recomeçar,
queríamos o mínimo de problemas
possíveis. A gente mora na mesma
rua, o que facilita o contato e, nos
fins-de-semana saímos para ver um
filme, tomar um chopp, comer um
bolinho de bacalhau, essas coisas de
namoro mesmo, sabe? Até agora tem
dado muito certo – afirma Sérgio
entre sorrisos.
Para Carlos Zuma, terapeuta
de casais e família do Instituto
Noos, vive-se um contexto de novas
configurações familiares e o
casamento em casas separadas é
apenas mais um dos novos tipos de
relacionamentos, como as famílias
monoparentais (um homem ou uma
mulher vivendo sozinhos com seus
filhos), casais homossexuais ou
casamentos inter-raciais que,
segundo ele, têm crescido muito.
Sobre o casamentos em casas
separadas, ele afirma:
– Não dividir o espaço de
moradia pode aliviar as negociações
necessárias de serem feitas em todo
relacionamento. O relacionamento
exige negociar pontos de vistas e
diferenças e toda relação a dois
necessita que espaços individuais
sejam mantidos, para não virar uma
fusão de duas pessoas. Morar em
casas separadas pode ajudar a
preservar esse espaço individual
dentro da relação, necessário para
manter a saúde das pessoas e da
relação de qualquer casal. Mas não
garante.
Preservar o espaço individual e
evitar os desgastes da convivência
são os principais motivos para um
casal, mesmo depois de casar e
morar na mesma casa por 5 anos,
optar por não dividir mais o mesmo
espaço. Esse é o caso da assistente
social Clarice Almeida e o professor
Maurício Carvalho, juntos há 21
anos. Segundo Clarisse, depois que
casaram, surgiram sérios problemas
de convivência, o relacionamento foi
se desgastando e caindo na rotina.
Como não queriam se divorciar,
tentaram voltar ao relacionamento
que tinham antes, morando cada um
em sua casa.
– O que
importa é a
autenticidade da nossa relação, se
estamos felizes juntos ou não.
Tentamos morar juntos, não deu
certo, preferimos assim. As nossas
vidas já são unidas, independente de
morar no mesmo lugar. E confiamos
um no outro o suficiente para ter
certa tranqüilidade quanto a isso,
acho que esse é o segredo – revela
Maurício.
No entanto, os casais
entrevistados afirmam que esse
estilo de relacionamento não é
sinônimo da relação aberta, muito
adotada nos anos 70 como forma de
26/3/2009, 17:17
contestação
ao
casamento
tradicional. Um ícone desse tipo de
relacionamento aberto foram os
filósofos franceses Jean Paul Sartre
e Simone de Beauvoir. Morando em
casas separadas, viveram juntos e
durante toda a vida em uma relação
“Esperamos
ansiosos pela
chegada da sexta à
noite, porque
sabemos que
ficaremos juntos até
domingo”
que chamavam de tête-a-tête. Sartre
e Beauvoir não se consideravam
casados, tinham o que chamavam de
um contrato de namoro. Eles se
relacionavam com outras pessoas e
contavam de seus casos externos um
para o outro, de forma que a
transparência controlasse os ciúmes.
Para Heloísa Seixas, morar em
casas separadas não significa a
negação do casamento tradicional e
nem a anarquia das relações, é apenas
ter a liberdade de escolher o que é
melhor para seu relacionamento e
agrada mais ao casal.
Para Clarisse, morar na mesma
casa passa a sensação de que você
tem a outra pessoa a todo o
momento e implica em estresses
conjugais. Ela afirma que, no caso
dela, quando cada um leva a sua
vida separadamente, a cumplicidade
aumenta, assim como a saudade e o
romantismo.
Uma afirmação é comum a todos
os entrevistados: o que vale hoje é
encontrar
a
forma
de
relacionamento em que o casal viva
bem, não é o molde de um
comportamento que será a solução
de todos os problemas. O estilo de
“eterno namorado” foi apenas a
forma que, por acaso ou decisão,
esses casais encontraram para serem
eternos enamorados.
22
NO 13 - 2008/1
Do jeito que o diabo gosta
Opções para quem não quer aguardar até o dia do juízo final
Millos Kaiser
Para quem não sabe o que é,
ou tem vergonha de dizer que sabe,
inferninhos são boates como outra
qualquer, com ambientes escuros,
música alta, bebida e demais prazeres
mundanos à disposição, inclusive, e
principalmente, o mais desejado deles,
o da carne. E para alcançá-lo, dispensase bom papo, visual atraente ou
habilidades na pista de dança. Aqui,
a conquista do prazer depende de um
simples ato: abrir a carteira.
Inferninhos são onde prostitutas,
clientes e eventuais curiosos vão a fim
de encurtar as cerimônias entre o
querer e o fazer “aquilo”. De uns anos
para cá, é verdade, o termo banalizouse, ficando assim um pouco mais
comportado.
Cadernos
de
programação cultural da cidade
passaram a usar a palavra para
designar qualquer festa realizada em
locais fechados e pequenos. Clubes
como Casa da Matriz, Fosfobox, Pista
3, Dama de Ferro e Lounge 69 são
alguns desses infernos mais brandos.
Mas então onde é que a coisa
esquenta de verdade no Rio de Janeiro,
cidade que já não é lá muito santa? O
bairro que mais se destaca pela
tradição e pela quantidade de casas é
Copacabana. Tanto que até Janis
Joplin já freqüentou uma delas. A
visita atípica, mas nem por isso menos
extravagante, se deu no verão de 1970,
quando a cantora hippie, reza a lenda,
desceu fundo nos subterrâneos do
bairro e fez um show obscuro para
poucas pessoas. E se em Copa a carne
já é fraca, na rua Prado Júnior e
adjacências ela é mais ainda. Ali, a
princesinha do mar, apelido derivado
da música de Braguinha, usa minisaia, top decotado e salto plataforma.
Ao todo, são mais de seis casas.
O Barbarella e o La Cicciolina
cobram o maior preço da praça: R$60
pela entrada, com direito a dois
drinks. Nos outros, a média é entre
R$15 e R$40, sempre com pelo menos
uma bebida incluída. No entanto,
apesar das diferenças de preço, todos
eles contam com atrações similares,
como strip-tease, DJ’s, samba e show
de mágica. Nos inferninhos da Vila
Mimosa, no outro extremo da cidade,
ojornal 2008-1ok.pmd
22
A maioria dos freqüentadores só é
abordada pelos garçons, que estão
sempre enchendo os copos e oferecendo
uma próxima dose. Ou então trazendo
mais uma porção de amendoim
torrado, cortesia da casa, que mal
terminada já é prontamente reposta.
O garçom diz que é “um mimo pros
clientes”.
Com exceção de uma mesa com
oito coreanos e de poucas outras com
clientes que dão toda a pinta de serem
Beijo na boca não pode!
o prazer custa mais barato: a entrada
é gratuita e o “serviço completo” na
faixa de R$10.
No Erotika, onde até o Mc Créu,
aquele da música de mesmo nome, já
tocou, para passar pela porta (do
paraíso?) cobra-se R$30. Mulheres
desacompanhadas não pagam. Numa
terça-feira à noite, a oferta parece ser
maior que a demanda, já que há mais
mulheres que clientes em potencial. A
maioria delas não parece ocupadas.
Conversam entre amigas, bebem algo
no bar, dançam, ou ajeitam o decote e
a maquiagem no espelho. Rafael
Prestes, jovem recifense, veio pela
primeira vez ao Erotika e explica
porque prefere inferninhos a
prostíbulos convencionais: “Vou a
lugares assim porque sou um cara
romântico. Aqui você precisar abordar
a mulher que te chama atenção, bater
um papo, conquistar. Em puteiro você
entra e já vai pro quarto com a
rapariga”. O rapaz parece estar certo.
“Vou a lugares
assim porque sou
um cara romântico.
Aqui você precisar
abordar a mulher
que te chama
atenção, bater um
papo, conquistar.
Em puteiro você
entra e já vai pro
quarto com a
rapariga”
já habitués do recinto, chamando pelo
nome as mulheres que passam, a
maioria não parece muito interessado
no que o lugar tem a oferecer. Poucos
olhares miram as duas dançarinas que
rebolam nos dois queijos ao lado do
palco principal. Uma delas é Maitê,
que sai de seu posto só de fio-dental e
faz um breve desfile pelo local. Em
seguida, o nome dela é anunciado pelo
DJ como protagonista de um “um
show pra lá de picante que tomará o
palco principal em cinco minutos”.
A trilha sonora então muda do
Axé para aquelas baladas típicas de
coletâneas musicais com “Love” no
título. Maitê retorna acompanhada de
Bruno. Os dois iniciam a performance
dançando juntinhos e vão
gradativamente despindo-se sob um
banho de luz vermelha. Nas caixas de
som, Bon Jovi entoa o refrão de “Bed
of Roses” e o casal começa a transar
de fato, encenando diversas posições,
26/3/2009, 17:17
sempre tentando ressaltar a
plasticidade do ato. Movimentam-se
devagar, fazendo caras e bocas, como
num filme pornô em câmera lenta.
Apesar do show, porém,
animação não era mesmo a palavra de
ordem no Erotika nessa terça-feira.
Amanda, sentada sozinha na mesa ao
lado, concorda: “Geralmente, mesmo
que não arranje nenhum cliente, me
divirto. Escuto música, encontro as
amigas, bebo. Hoje, nem isso. Tá
deprê aqui.”
Já na av. Atlântica, número 3432,
a pasmaceira passa longe. Ali funciona
a Help, inferninho tão grande e com
tanta história, que talvez seja mais
justo abandonarmos o sufixo “inho”
e chamá-la logo de infernão. Preferida
de dez entre dez gringos que vêm para
a cidade com segundas intenções, a
Help está presente até em vídeos no
Youtube. Rumores recentes dizem que
o lugar irá fechar as portas, dando
lugar para a construção de um Museu
da Imagem e do Som. Funcionários e
prostitutas freqüentadoras duvidam
da notícia. Érika, que mora em São
Paulo, é uma delas: “Venho aqui há
seis anos e sempre escuto isso. Mas
não vai fechar não. Isso aqui sábado é
cheio de global, tá na moda”, diz. De
dentro, a Help nem parece a mesma
da fachada decadente. As paredes são
todas cobertas por reluzentes tecidos
verdes, equipamentos de luz de ponta
colorem a pista e o DJ Mercelinho da
Rádio Transamérica é quem embala a
noite. Nos dois telões, vídeos de
esporte e clipes de hip-hop.
Ao contrário do que muitos
podem pensar, inferninhos não são
cenário para cenas chocantes, de
“sacanagem”. Ela pode até ser
planejada por lá, mas a ação
propriamente dita só acontece entre
outras quatro paredes. Até beijos na
boca um pouco mais calorosos são
coibidos pelos seguranças do local.
Outra opção ainda na cidade é a
Praça Mauá. Lá, a boate Flórida
oferece a promoção 5 por 1: quem levar
consigo cinco amigos “ganha” uma
mulher de graça. No Rio, é luxúria
para pecador nenhum botar defeito;
para todos os gostos e bolsos.

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