Duetos - Alfonso VALLEJO
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Duetos - Alfonso VALLEJO
Duetos 8 assaltos de Alfonso Vallejo Projeto de trabalho para a BONIFRATES 2014 ÍNDICE Ser ou não ser As coisas são o que são Tudo é nada num momento Quem anda mal, acaba mal Deslize. O rato e o gato O que está feito, está feito Chegou-me o desamor O povo unido QUADROS ORDEM QUADRO 1 Ser ou não ser 2-1 As coisas são o que são 3 Tudo é nada num momento 4 Quem anda mal, acaba mal 2-2 As coisas são o que são ATORES Cristina e João André Mané e Castela Eurídice e Vitor Mizé e Rui Mané e Castela INTERVALO 5 6 7 8 Deslize. O rato e o gato O que está feito, está feito Chegou-me o desamor O povo unido Xana e Gama Cristina e Castela Xana e João André Eurídice e Rui 2 Ser ou não ser (Marín, um homem de uns setenta anos, muito bem conservado, vive num apartamento da Costa frente ao mar. Trata-se de um famoso ator aposentado, que vive só e se ocupa das suas plantas. Música de ópera. Verdi. Ouve-se bater à porta. Espreita pelo buraco, com alguma precaução. Abre, deixando a corrente posta.) Marín - O que deseja, menina? Rita - Pedir-lhe um autógrafo, Senhor Marín. Não lhe roubo muito tempo. (Abre. Entra Rita, uma jovem recatada, com óculos. Marín observa-a demoradamente.) Peço desculpa por incomodá-lo, senhor Marín, mas estou a fazer uma pesquisa sobre o senhor para uma revista de Teatro, o Clarim, e precisava de lhe fazer umas perguntas… Marín – A menina disse que queria um autógrafo. Rita - Era para que me deixasse entrar… Marín - E se lhe tivesse dado o autógrafo sem tirar a corrente… Rita - Talvez tenha sido descuidada… Mas sei que o senhor não dá muitas entrevistas… e comecei agora a trabalhar nesta revista… e mandaram-me… para ver se a conseguia… porque aparentemente sou jeitosa e atraio os homens… e disseram-me que viesse à verão, com uma saia justa… para ver se o senhor… que é tão sensível à beleza feminina… Marín - (Cortante de repente.) Rua! Rita - Não me mande embora, senhor… Compreendo que pus a pata na poça… mas se quiser que me desfaça de alguma peça de roupa para que responda às minhas perguntas. (Nova mudança de humor. Sorri.) Marín - Muito bem, aceito. Tire o sutiã. Rita - Bem… pois… completamente? Marín - Completamente. Rita - Estou… estou a ficar um bocado nervosa. Autoriza que me tapa um pouco? Marín - Não. Rita - Se me deixasse ir à casa de banho, senhor Marín… porque além disso queria fazer uma pequeno chichi… Marín - Se a menina quiser fazer chichi… utilize aquele vaso com um cato, que está um pouco seco e virá mesmo a calhar. Rita - Mas com um cato tão ponteagudo… ainda me cravo num espinho. Marín - Não se baixe tanto e assim evita ser magoada. 3 Rita - É que se não me baixar tanto… o mais certo é mijar para fora… E está fora de questão, sem nos conhecermos, que lhe deixe o apartamento cheio de mijadas… logo no primeiro dia. Marín - Oiça, menina… como é que disse que se chamava? Rita - Não lho disse, mas chamo-me Rita. Marín - Rua. Rita -Se quiser posso despir-me imediatamente. Não tenho nenhuma vergonha do meu corpo e as pessoas que entrevistei… disseramme que o meu corpo está muito bem. Marín - Sente-se aí. (Rita senta-se.) O que quer a menina tomar? Rita - Um whisky, por exemplo. A estas horas da manhã, faz-me cavalgar a tensão. Marín - Umas batatas fritas, talvez? Rita - Que vulgaridade! Isso é o que fazem nas aldeias, senhor Marín. Nas aldeias comem figos, chouriço e mortadela com whisky. Nas aldeias tanto lhes dá… porque estão sempre a ver televisão no taberna e até torresmos já vi a comer. São uns simplórios. Marín - Qual é o telefone da revista Clarim? Rita - Cortaram-lho por falta de pagamento. Somos muito pobres. Imagine-se quão pobres serão… para me terem mandado fazer esta entrevista a mim. (Silâncio. Fica a olhar para ele. Tira os óculos. Sorri-lhe.) A verdade é que queria conhecê-lo. Marín - Isso está melhor. Rita - Disseram-me que o senhor era um homem muito interessante. Importa-se que me estenda um pouco no sofá enquanto falo? É que tenho as cervicais numa lástima. Marín - Por quê? Rita - De foder. Como calha. É um desporto que me apaixona. E a rotina repugna-me… pelo qual me meto nuns exercícios acrobáticos… brutais. (Marín saca de uma pistola e aponta-lha à cabeça.) Marín - Quem és? Rita - Uma aprendiz de jornalista… e correspondente de uma revista que não existe. Queria conhecer-te pessoalmente a ti, Meier. Saber quem és e sobretudo o que esperas fazer. Verás… eu não vou fazer nada contra ti. Nada. Só curiosidade. Tu eras somente um soldado na campanha da Rússia. E ele um espanhol da Divisão Azul. Vocês seguiam numa coluna pelo meio da neve. Ele estava ferido e tinha um entorse no tornozelo direito. Não conseguia acompanhar a passada da coluna. Era o último. Tu aproximaste-te por trás e com a coronha da espingarda, deste-lhe um tremendo golpe na cara para que ficasse tombado na neve e não prejudicasse o ritmo dos outros prisioneiros. 4 (Meier, com extrema habilidade põe uma algema na mão de RITA e imobiliza-a no sofá.) Marín - Assim estás melhor, querida. Assim podemos falar com grande tranquilidade. Rita - (Impassível.) E ainda conheço outro caso em que intervieste. Não foi o meu pai quem mo contou, mas um cego na Praça de Santa Ana em Madrid, que também deixaste tombado na neve com uma coronhada porque não conseguia continuar… e ficou meio congelado. Perdeu os olhos. Mas ouviu o teu nome: Meier. E contou-mo. Que te parece? Marín - Parece-me o mais normal do mundo numa guerra. Os que não podem seguir a passada da coluna, devem ficar para trás. Alguns sobrevivem ao frio, quase todos morrem. É o horror como sistema. Eu também estive quase para morrer. Um soldado deve cumprir o seu dever. E eu cumpri-o. Digo-te mais. Quando acabou a guerra fui para a América do Sul. Tornei-me ator. Tive sucesso e torneime ator principal. Rita – Eu sabia que não eras um criminoso de guerra. Mas… como sou informática fui percorrendo os arquivos… os dados, tudo. A internet é incrível. Sabia que estavas aqui, nesta vila da Costa. Tenho filmes, fotos, gravações, de tudo. Neste momento, olha, estão a ver-nos. Estão a gravar-nos. Não sei porque é que vim verte. Porque tudo foi um jogo… Minto… Não totalmente. Porque ouvi-te a recitar monólogos em silêncio e fiquei admirada com tudo o que pode fazer um ator quando não está à frente do público e que verdade tão extraordinária pode chegar a conseguir. (Silêncio.) Tiras-me as algemas, por favor? (Tira-lhe as algemas.) Marín - O que queres de mim? Rita – Vais-te surpreender. Que recites para mim. O monólogo de Hamlet como há três dias, à noite, quando estavas à janela. O monólogo de Segismundo, como ontem, o Ricardo III, enfim… o que quiseres… mas até que eu diga. (Aponta-lhe uma pistola à cabeça.) O meu pai morreu há seis anos. O cego da praça de Santa Ana também morreu. Tu continuas vivo. Recita ou mato-te. (Marín vai até ao centro da sala.) Marín - HAMLET: Ser ou não ser, é isso a questão, será mais nobre deixar que o espírito suporte os golpes e as setas da fortuna ultrajante ou erguer armas contra um mar de angústias e, não aceitando, pôr-lhes termo? Morrer, dormir, dormir e talvez sonhar. 5 Ai, mas aqui é que está o difícil — pois que sonhos surgirão nesse sonho de morte quando tivermos despido o tumulto mortal? É isso que nos detém — esta é a suspeita que dá tão demorada vida ao sofrimento: pois quem suportaria as chicotadas e as troças do tempo, a injustiça do opressor, os desprezos do orgulhoso, a angústia do amor desprezado, a demora da lei, a insolência das autoridades e os desdéns que o mérito paciente recebe dos medíocres se, com um punhal, pudesse criar ele própria a sua paz? Quem quereria levar os fardos e gemer e suar sob uma vida exausta? Mas o terror de alguma coisa que está depois da morte — país desconhecido de cujas fronteiras nenhum viajante regressa — perturba o nosso desejo e leva-nos a suportar o mal que temos e a não voar para males dos quais nada sabemos. E assim o primitivo brilho da vontade desmaia sob a pálida cor do pensamento. Empreendimentos de grande alcance e grande peso torcem por causa disto o seu caminho e perdem o nome de acção.1 Rita -Continua. Marín-SEGISMUNDO: Por ser verdade, esmagamos esta fera condição, esta fúria, esta ambição, mesmo a pensar que sonhamos; e o faremos, pois estamos em mundo tão singular, que o viver é só sonhar; e a experiência medonha diz-me que o que vive, sonha o que é, até despertar. Sonha o rei que é rei, e insiste em tal engano, mandando, dispondo e governando, 1 Tradução de Sophia de Mello Breyner Andresen 6 e às lisonjas resiste; Mas no vento escreve o triste destino que o leva à morte . É esta a desdita forte que tem quem pensa reinar vendo que há-de despertar do seu sonho, desta sorte? Sonha o rico com riqueza que mais cuidados lhe oferece; sonha o pobre que padece sua miséria e pobreza; sonha o que o triunfo preza; sonha o que luta e pretende, sonha o que agrava e ofende, e no mundo, em conclusão, todos sonham o que são, no entanto ninguém compreende. Eu sonho que estou aqui de cadeias carregado, e sonhei que em outro estado mais lisonjeiro me vi. Que é a vida? Um frenesi. Que é a vida? Uma ilusão, uma sombra, uma ficção; e é pequeno o maior bem; que o sonho a vida sustém e os sonhos sonhos são. Mesmo a pensar que sonhamos; e o faremos, pois estamos em mundo tão singular, que o viver é só sonhar.2 (Silêncio longo. Rita levanta-se, vai até à porta, mas detém-se atrás dele. Silêncio. Põe-lhe a mão no ombro. Sai. Marín fica só em frente do público.) 2 Tradução de António Manuel Couto Viana/Maria Manuela Couto Viana. Há também uma tradução de Manuel Gusmão para uma encenação de “A vida é um sonho” a Cornucópia 7 8 As coisas são o que são Quadro I (Encontramo-nos numa pequena sala de uma casa modesta. Ao fundo, uma porta que dá para um quarto do qual sai um grito e uma palavra: “Noritoooo! Noritoooo!”. De frente para o público, um homem maduro, com cabelos brancos, com uma bata às riscas, imóvel. Chama-se Dintel. Ouve-se uma chave na porta de entrada da casa. Aparece Varsowa, uma mulher jovem, com bom aspeto, atlética, com calções curtos.) Varsowa – Bom dia, senhor. Dintel – Bom dia, menina. (Ouve-se, vindo do quarto, o grito da mesma mulher. Noritooooo!) Varsowa – Dormiu mal? Dintel – Ela, não sei. Eu não dormi. Varsowa – Quer que lhe faça um café, senhor…? Dintel – Dintel. Chamam-me assim desde criança. Não sei porquê... Não, obrigado, não quero tomar nada. (Varsowa liga o aspirador e começa a trabalhar. Fica claro que é uma empregada que se ocupa dos dois idosos, Dintel e possivelmente a sua esposa, que deve estar demente.) Diga-me uma coisa, Varsowa, acha que eu e a minha mulher nos importamos com o pó? Varsowa – Não sei...suponho que se me contrataram à hora para limpar a casa e cuidar da sua esposa. Limpo o pó porque é o que se faz normalmente. Dintel – Com o que sofro... paralisado... e com a minha mulher demente, acha que me importa o pó? Pode dizer às pessoas da Câmara, da minha parte, que vão à merda? O que eu preciso é de presunto...e de whiskey. (Noritoooo! No quarto do fundo.) E uma pistola. Varsowa – Pois direi ... Desde que não me despeçam... Mas da pistola, não falo. Dintel – Quem é que havia de lhe dizer, em Varsóvia, que viria para a Espanha, não para apanhar sol e beber sangria, mas para limpar o pó numa casa de velhos, um paralisado e a outra demente? Varsowa – Ninguém. Como é que poderia saber? Dintel – Teria que ser bruxo. Varsowa – Mas não pense que estou surpreendida. A minha mãe também está mal. Não tanto. Talvez um pouco melhor. Mas os meus filhos têm que comer. E eu tenho que os alimentar. Aceitei o contrato. Aqui estou. E cumpro a minha obrigação. Em breve voltarei. As coisas são como são. Não há volta a dar. 9 Dintel – E porque é que não deixa estar o pó e se senta aqui, um bocado, ao meu lado? O pó não precisa de companhia e eu sim. Varsowa – Faço o que disser, senhor Dintel. (Senta-se ao seu lado.) Dintel – Já alguma vez lhe disse, menina Varsowa, que estou loucamente apaixonado por si? Varsowa – Todos os dias, senhor. Dintel – E então? Varsowa – Parece-me bem. As coisas são como são. Dintel – E você? Não sente nada por mim... Varsowa – Compaixão. Parece-me cruel que esteja quase paralisado, que a sua mulher não consiga cuidar de si própria e que não tenham dinheiro para ir para um lar onde tomem conta de vocês. Dintel – Eu sei cuidar muito bem de mim. Ainda que esteja quase paralisado. Não me importa. A única coisa que me incomoda é não poder usar a mão direita para me ocupar do que tenho que me ocupar. Varsowa – Mas tem uma grande vantagem. Não há muita gente tão valente como o senhor. Dintel – E ela, coitada, não se apercebe de nada. Não sabe quem é, não se reconhece ao espelho, não sabe falar. Só lhe ficou na cabeça uma palavra que não significa nada. Varsowa – É horrível. Dintel – Mas se ela não sofre...por isso...o que é que podemos fazer... Varsowa – Nada. Dintel – Digo-lhe mais, Varsowa, para além de estar loucamente apaixonado, tenho uma grande admiração por si. Varsowa – Muito obrigado, senhor. Dintel – Imagino o que é entrar naquele quarto, todas as manhãs, e saber que lá dentro está alguém a quem tem de fazer tudo... darlhe banho, perfumá-la, sabendo que, passado pouco tempo, voltará a estar suja, cheia de excrementos e urin... (Noritooooo) Varsowa – Uma pessoa penteia-se de manhã, ao longo do dia vai-se despenteando e vai para a cama. E na manhã seguinte tem de se pentear outra vez e repetir o mesmo todos os dias, lavar os dentes, fazer a cama, cozinhar... A vida tem poucas surpresas... Dintel – Parece-me uma atitude louvável, sinceramente. Uma atitude militar. Varsowa – As coisas são como são. Não nos permitimos muitas fantasias. E tratar das pessoas doentes... é necessário. Para além de que... é bom. Inclusivamente gratificante. 10 Dintel – Quer acreditar que, desde que pisou esta casa, a minha vida mudou? Varsowa – Não sabia. Como assim? Dintel – Em toda a vida nunca vi, nem quando era novo e ia a Saint Tropez e via as moças em bikini... nunca vi umas pernas tão bonitas como as suas. Varsowa – Obrigado. Dintel – Obrigado, não. É a verdade. Você tem umas pernas de... de deusa. Qual deusa qual quê! Melhor! Eu nunca gostei muito de deusas. Vamos a um museu e vemos as deusas pintadas e dizemos... isto é que é uma deusa. Se conhecessem a VARSOWA... Diga-me, nunca provocou furor nas praias? Enchentes e ajuntamentos ilegais à sua volta? Varsowa – Um ou outro tumulto, sim, houve, é verdade... Mas tudo bastante discreto, sem escândalo público. Dintel – E diga-me... não é que queira ser indiscreto... mas... os ossos ilíacos... a púbis... a inserção dos fémures no acetábulo, têm a mesma qualidade? Varsowa – Creio que sim. Pelo menos ninguém se queixou dos meus acetábulos... aliás, nem sei o que é isso. Dintel – No seu país não sabem admirar a beleza selvagem. Aqui, para onde quer que você vá, neste país... terá que levar à sua volta um cordão policial, como se fosse terrorista... Varsowa – Quer que me dispa? Dintel – Como disse? Varsowa – Estou a perguntar-lhe se quer que me dispa. Dintel – Mas isso seria... isso seria... quase paralisado como estou... poderia dar-me alguma coisa! Varsowa – Precisamente por isso não o faço. Dar um pouco de felicidade a uma pessoa doente... só por tirar alguma roupa... não me parece disparatado... Dintel – Não, espere! Não me acontece nada! Eu tenho uma saúde de ferro e o meu aparelho cardiovascular tem uma força quase incalculável... Nada disso! Com absoluta segurança! Tive umas quantas síndromes coronárias... mas tipo angina... episódicas e transitórias... Sem lesão residual. Varsowa – E se a sua mulher chegar? Dintel – Mas o que sabe ela destas coisas? Dirá Noritooo! E já está! Para mim seria um sonho... dava-me uma alegria tão grande... que passaria o resto do dia a pensar na sua pélvis, na inserção do seu glúteo máximo na crista femural... na... Varsowa – Você parece que foi médico legista... Dintel – Coveiro na Rússia... quando fomos para lá uns quantos desgraçados para salvar o mundo... 11 Varsowa – Olhe... vou levantar um pouco os calções... para lhe dar prazer e eu não ficar com peso na consciência... Dintel – Qual má consciência qual carapuça! Toda em pelota! A vida são dois dias! (Varsowa levanta um pouco os calções. A cara de DINTEL transforma-se.) Noritoooo! Para que é que digo estas tolices? (Ouve-se no quarto do fundo como um eco.) Varsowa – Bem... já lhe dei o gosto... Agora vou trabalhar. Dintel – Trabalhar coisa nenhuma! Esse trabalho todo foram os americanos que inventaram para nos manter escravos! O trabalho faz mal! É nocivo! Traz efeitos tardios inesperados! Nada de trabalhar! A outra perna, Varsowa! Para que não haja assimetrias, por favor! Sabe lá a tarde que vou passar a pensar na outra perna... imageinando que possa haver uma descompensação, alguma falha na estrutura...! (No quarto. Noritoooo!) Que chata esta gaja! Varsowa – Ou prefere que lhe mostre os seios? Há gente que diz que os tenho deliciosos, acredite... Dintel – Ou as duas coisas, porra! Não se contradizem! Não entram em colisão visual! E o melhor é as duas mamas ao mesmo tempo para não provocar estrabismo e dificuldades no eixo horizontal dos olhos! (Noritoooo.) Dintel – E aquela gaja vai-me estragar o momento... Varsowa – Olhe, Dintel, não falta muito para voltar para o meu país...e quero deixar-lhe uma boa recordação. No fundo não me custa nada. Vou mostrar-lhe o umbigo, que só há um, é baratinho e estimula muito a imaginação. Vamos lá... (Levanta um pouco a camisola e mostra o umbigo. Silêncio.) Dintel – Isso é o umbigo? Varsowa – Claro... Dintel – E isso aí ao fundo? Varsowa – Uma pedra preciosa que eu uso... Dintel – Diga-me... posso beijar a pedra preciosa? Sem tocar na carne, sem lascívia, concupiscência nem nenhum tipo de gozo... Varsowa – Vá, despache-se... (Noritoooo) Dintel – Tá calada! (Cola os lábios ao umbigo. Fecha os olhos.) Varsowa – O que é que lhe deu? Dintel – Você cheira a fantasia... a jardim árabe, a mansão senhorial, a parque oriental... e também a... 12 Varsowa – Não seja mal-educado, Dintel... apesar de não usar roupa interior... pare aí… no umbigo... Dintel – … a luz! Varsowa – Homem, isso é um bocado exagerado... Dintel – Você não usa roupa interior! Varsowa – A roupa interior é um atraso. Mesmo que use umas cuecas ou tanga, ao fim do dia mete-se tudo no sulco interglúteo e parece que tenho lá metido o dedo vertical de um inspetor de Finanças a seguir-me para todo o lado. Calçãozito curto e já está. E se surgir uma oportunidade num dado momento... se ocorrer alguma coisa inesperada... fora do programa... não tenho que andar à luta com a roupa. Encostamo-nos a uma parede e pronto. Dintel – Costumes hipermodernos. E o sutiã? Varsowa – Que é isso? Dintel – Há algumas mulheres que... Varsowa – Outro estorvo! Os seios têm que ser deixados ao seu peso, com o seu movimento rotacional normal e a sua queda livre, como o mamilo marca...! Não vê? É muito melhor assim... Mais livre... Dintel – Então, você acorda de manhã, mete-se no banho... Varsowa – Nada de banho. Outro atraso! Tomar banho para depois ir tratar de gente com muitos anos... limpar-lhes o pó inutilmente... como um exercício inútil quando eles mesmos, em breve, serão pó carnal pouco identificado... Calçãozito e “jersey” e toca a ganhar dinheiro na rua... Dintel – Então o que eu cheirava... era... possivelmente... Varsowa – Cada um cheira o que quer cheirar. A perceção pessoal depende muito das necessidades de cada um... Verá como tenho razão... (Dintel cheira com deleite.) Dintel – Com certeza que não era a luz... Varsowa – Quem é que nunca cheirou a luz? Isso é produto dos cérebros latinos cheios de preconceitos e falsas identificações cognitivas ao longo da história... As coisas são o que são. E o resto são fantasias... Dintel – Ora vejamos... Quanto é que cobra pelo nu integral? Varsowa – Integral? Sem ganchos nem brincos nem bijuteria nenhuma...? Dintel – Integral, total e definitivo. Sem pedras preciosas. Varsowa – Durante quanto tempo? Dintel – Cinco horas. Varsowa – Isso pode-lhe ficar a... a.... 150 euros. Calcule... 30 vezes cinco... 150... E fica-lhe baratinho... Dintel – De acordo. Varsowa – Pagas-me, querido? 13 Dintel – Tira o dinheiro deste bolso. (Tira o dinheiro e começa a levantar a camisola.) (Noritoooo) Varsowa – Dá-me pena a desgraçada... (Pega num relógio com alarme e marca as 5 horas) Dintel – E a mim...e a mim... Mas vamos ver como vamos pagar a conta da luz este mês. (Escuridão.) Quadro II (Vê-se Dintel a fazer exercício com toda a desenvoltura, flexões, alongamentos. Olha para o relógio. Senta-se no seu sofá e tapa-se com uma manta. Pouco tempo depois, ouve-se a porta e entra Varsowa, com um corpete justo, saia comprida, meias.) Dintel – Então, querida? Varsowa – Mudou o tempo. Hoje é tudo um pouco mais caro. Cada botão do corpete custa 10 euros. O nu superior, 200. E o total, 500. Dintel – Tu queres é deixar-me sem luz até ao Natal. Varsowa – E se me pedires em casamento, tens de me adiantar um apartamento na costa. Dintel – Para além de não tomares banho de manhã, também bebes... Varsowa – É tudo junto... Já me tinham avisado na Câmara quando me mandaram para aqui que eras um velho agiota com um monte de joias e dinheiro sujo sacado da “bolha” imobiliária, do branqueamento, das drogas e da prostituição. Deves pensar que sou parva. Hoje, não te estiques… (Saca de uma pistola e apontalhe à cabeça) Estavas inválido, hein! Não te podias mexer, porco! E quando me viste nua, saltaste para cima de mim e fizeste um programa completo de ginástica sobre o meu ventre antes de me violares... Com quem pensas que estás a falar, idiota? Dintel – Eu acreditei na tua inocência... mulher... Tens que compreender que se um tipo quer a invalidez total... tem de cuidar muitos das aparências... Podem estar a filmar-me lá de fora, Varsowa... E não se podem cometer estupidezes numa sociedade tão corrupta como esta. Já tenho desgraças que cheguem com a minha mulher para me estar a meter em mais filmes... Baixa essa pistola! Varsowa – É só de partida. Não tenhas medo. Não sou mais que uma pobre trabalhadora. (Dintel senta-se à mesa com ela.) 14 Tudo é nada num momento Fabiana - Tem de relaxar, D. Torrio. Tem de perder o controle, para encontrar a paz. É imprescindível relaxar para ter prazer. Torrio (Fechando os olhos.) – Você tem toda a razão, Fabiana. Tinhamme falado muito bem de si, mas não esperava esta maravilha. Pensava que a digitopunctura tivesse uma força tal que a alma se libertava do corpo... e embora eu seja um capo sanguinário da Mafia... suponho que também tenho alma e que esta pode elevarse... não sei até onde, mas elevar-se até Deus. Porque, Fabiana, embora eu seja um grande criminoso, eu acredito firmemente em Deus e Deus acredita em mim. Nos meus crimes, suponho. (Fabiana continua a espetar-lhe os dedos nas costas.) Fabiana - Aqui... é precisamente aqui que se encontra o centro do prazer pélvico... (Espeta-lhe um dedo.) Torrio - Efetivamente, acabo de sentir um forte prazer pélvico, que não sei muito bem o que é... mas que se sente... sente-se. É como se te metessem um dedo no cu... mas sem meter. Continue, Fabiana. Fabiana - Para chegar ao Quarto Impedimento!... Torrio (Boca para baixo e costas para cima.) - O Quarto Impedimento!? Mas o que é isso!? Fabiana - Veja, D. Torrio, você é um grande mafioso, um grande criminoso... Torrio – Com muito orgulho, não duvide. Embora me condene... Fabiana - Mas da alma, D. Torrio, não tem a mais pequena ideia... Torrio - O meu negócio são as armas... Fabiana - Então trate de prestar atenção à digitopunctura e ao que estou a dizer... porque se não se deixar levar... ficará com cefaleias. Torrio - A dor de cabeça é terrível... e não sei se é porque estou com stress ou porque a minha Micaela me está a pôr os cornos. Ai! Fabiana, veja se tem cuidado com os dedinhos... porque um pouco mais e você chega-me à próstata. Fabiana - Relaxe... relaxe... Torrio - É que às vezes, não sei se você, Fabiana, tem as mãos frias ou se me está a fazer a digitopunctura com um revólver... E claro, se dispara diretamente à minha próstata, nem quero pensar o que poderá fazer dentro da minha anatomia. Além disso, aviso-a de que tenho casca grossa... e se tentar algo contra mim, não vai conseguir matar-me... e eu, depois, vou esquartejá-la. 15 Fabiana - Deixe-me prosseguir com a terapia, D. Torrio, lendo-lhe acontecimentos funestos que tiveram consequências funestas. Por exemplo, o atentado contra o Arquiduque Francisco Fernando, em 28 de junho de 1914, que deu origem à Iª Guerra Mundial. Torrio - Leia-me o que quiser mas deixemos a próstata em paz. Fabiana - Sete conspiradores... não um mas sete, estavam dispostos a liquidar, na cidade bósnia de Sarajevo, o herdeiro de Francisco José, monarca da casa de Habsburgo. Torrio - Quando participa tanta gente as coisas correm mal... Aí! Aí gosto! Isso é o quê? Fabiana - O prazer capital. Torrio - Estou a ver que anda tudo à volta do cu... Fabiana - Este ponto recolhe as sensações do baixo-ventre, do pénis, dos testículos e das membranas. Torrio - Não sei o que são as membranas... mas dê-lhe, dê-lhe, e se tiver de meter um prego, meta-o, que eu aguento. (Fabiana pega num prego e num martelo e começa a cravá-lo na carne. Estrondo descomunal numa gravação. Gritos de prazer de Torrio.) Fabiana - «Dos sete assassinos, cinco falharam. Um não reconheceu o Arquiduque, o seguinte teve pena da sua mulher, o terceiro não estava preparado para acertar num alvo móvel e o quarto descobriu que tinha um polícia ao seu lado». Torrio - Valente pandilha de amadores! Aí! Aí! Nada de dedos, pregos de cabeça larga! (Alarido.) Fabiana - «Um deles, Cabrinovic, perguntou a um agente: Qual é o veículo de Sua Majestade? e lançou uma bomba para dentro do carro, mas esta rolou pela tejadilho e explodiu debaixo do carro seguinte, e fez um buraco no pavimento». Torrio - Quando acabar... tire os pregos, Fabiana, porque depois tenho uma reunião muito importante com outros assassinos... e assim vou ficar cravado como uma borboleta numa marquesa. Fabiana - «Venho aqui em visita de cortesia e em troca atiram-me uma bomba», disse o Arquiduque com um sorriso imperial. E então foi visitar os feridos. Mas o sexto dos assassinos, Gavrilo Princep, abatido abatido que estava e a pensar em suicidar-se, pelo fracasso do atentado, passou o carro diante dele e ele disparou sobre o arquiduque e sua mulher. Ela teve morte imediata... Torrio - Quem se lembra de casar com um Arquiduque? 16 Fabiana - O Arquiduque, mortalmente ferido, virou-se para ela e disse: «Vive, Sophie, fá-lo pelas crianças». E, de seguida, expirou. (Grito lancinante de Torrio.) Torrio - Estou a sangrar, porra! Estás a chegar com o prego ao ilíaco inferior e vou morrer a gozar como se tivesse lidado touros Miura! Beija-me pelo menos, para que o prazer seja total! Fabiana – O que tu quiseres, querido. (Beija-o.) Lembras-te de Bandolio? Torrio - Vagamente. Com a idade, tenho falhas de memória. Como matei tanta gente... Fabiana - Pois era o meu marido. Torrio - Não sabes o quanto sinto. Fabiana - E eu, mas tu vais senti-lo mais. (Põe-lhe uma pistola no peito e dispara.) Torrio (Morrendo.) - Isto que me fizeste, Fabiana, foi uma grande filha da putice. Mas olha, estou a morrer... e estou a gozar tanto que tu nem imaginas. «Vive, fá-lo pelas crianças.» Mesmo pateta! 17 18 Quem anda mal, acaba mal Klaus – Preciso de me confessar, irmã... É uma emergência. Preciso de me confessar. Eva – Sinto muito, irmão, mas são quase sete da tarde e não temos serviço de urgência de confissão. Se for a um hospital, talvez o padre de serviço o possa atender. Klaus – A um hospital! Vou, vou! Até que me atendam podem passar dez horas... Como estão as urgências hoje em dia... Quando disser que vou para me confessar, ainda me fazem uma análise antes de abrir a boca... ou fazem-me uma radiografia ao tórax e uma TAC... sem sequer ter dito nada sobre o que me atormenta! Nem falar nisso é bom! Da última vez que fui a uma emergência dessas lixaram-me, fizeram-me um transplante ao fígado por engano... Prefiro morrer em pecado. Eva – Olhe, irmão, os religiosos deram passos de gigante na interpretação das Escrituras. Klaus – Creio que já não há Inferno, nem Limbo... acho que não resta quase nada. Eva – Mas o senhor veio aqui fazer o quê? Pedir ajuda, ou semear a discórdia? Klaus – Eu vim confessar-me. Eva – Nós não somos católicas. Nem podemos confessar, porque somos mulheres. Klaus – Para mim, é igual. Eu venho confessar-me. E em concreto confessar-me a si. Uma pessoa não pode controlar os seus impulsos. Há coisas que são instintivas. Que não se podem evitar. E consigo, irmã, eu posso encontrar alívio para os meus pecados e resolver esta situação que me angustia. Cheguei a este lugar de Altíssimas Montanhas Alpinas... Eva – Por favor cavalheiro, oriente-se, nós estamos em plena campina de Toledo. Klaus – Preciso de desabafar. E, quer me escute quer não, falarei. Terão que me matar para que cale a boca. E se tentarem dominar-me, vão necessitar de medidas de controlo hospitalar. E mais, se me quiserem atar com correias, cago-lhes em cima... e converterei este mosteiro numa pocilga. Eva – Está bem, acalme-se. Então, fale. Mas aviso-o que não lhe poderei dar a absolvição. 19 Klaus – E a absolvição faz-me falta para alguma porra! O que eu quero é... largar... aliviar-me... Como se estivesse numa sanita... largar a metralha e que seja o que Deus quiser. Eva – Bem... pois então solte a metralha! O que havemos de fazer! Mas a mim parece-me que se fosse a um serviço de urgência... o psiquiatra de serviço... poderia ajudá-lo melhor do que eu. Klaus – O psiquiatra de serviço? Sabe lá o que faz o psiquiatra de serviço? Espera que chegue um doente desses como se estivesse no fundo da sanita... e o doente, desaperta as calças e verte-lhe na cabeça do pior que tem nas tripas. Nunca chega a contar-lhe uma piada, a dar-lhe um papel de rifa ou um décimo da lotaria. Nada disso! O psiquiatra de serviço, enquanto lhe estão a cagar em cima... vai pensando... o que é que eu vou dar a este... com o fedor que lança a sua diarreia. A última vez que fui ao serviço de urgências... o psiquiatra confundiu-se e receitou-me tinta para o cabelo. E quando me vi ao espelho e vi todo o cabelo vermelho... Sabe o que fiz? Eva – Como é que eu vou saber? Eu passo quase todo o tempo a rezar... Klaus – Peguei numa caçadeira de canos serrados. O psiquiatra ao verme assim... eu parecia um descendente do frango Kiriko... nem olhou mais para mim e pôs-se a correr... reconhecendo explicitamente que se tinha enganado e que o que me tinha receitado não era antidiarreico cerebral... mas umas ervas chinesas para camuflagem em tempo de guerra. Eva – (Tentando conter o riso) Olhe... eu devia estar a rezar... mas estou tão bem consigo... que espero que Deus me perdoe por esta tentação. Klaus – Deus não existe. Eva – Ainda mais essa... Klaus – Deus é uma farsa que os que vivem à sua custa inventaram. Eva – Por favor! Ateísmo a esta hora! Klaus – Se Deus existisse já me teria matado, irmã. Porque eu sou um assassino. E tudo o que ele me tem feito é ignorar-me totalmente e permitir que eu afunde a Saúde Pública com visitas injustificadas a todos os hospitais de Moscovo... Eva – Ui, que homem! Mas espreite, e veja o Alcazar! (Ri-se) Klaus – Aquilo não é o Alcazar! Aquilo é... outra coisa chinesa... dos mesmos que inventam as ervas para a camuflagem social. Eva – Essa é de chorar a rir. Nunca lhe disseram que tem muita graça? Klaus – Nos serviços de urgência dos hospitais públicos... 20 Eva – Isso já é uma obsessão… Klaus – Passei lá metade da vida... E por falar nisso... Se você fosse uma freira... Como Deus manda... Deus deveria tê-la proibido de o ser... Com esse peito tão bonito, essa cara e esse cabelo! Você tem mais pinta de artista de cabaré do que de freira! Reze por mim para que eu encontre o meu caminho... e possa chegar a Sebastopol! O meu caso é sério... tudo começou na Legião Estrangeira. Desde então não me consegui curar. Porque, como mercenário... dispara-se contra um... e se é o primeiro... diz-se... pobre homem... se não lhe tivesse acertado na cabeça, agora estaria a pensar... ainda que fossem tolices... ou maus pensamentos... porque o que se fez ao acabar com ele pode até ter sido um trabalho profilático... e também se salvaram muitos... Quando se dispara contra o segundo, já quase não se pensa. Um a menos, diz-se... E quando chega aos vinte, dispara-se, sopra-se no gatilho e fuma-se um charuto… quem tem o odioso vício de fumar. Eva – Que interessante! Que grande talento narrativo! Klaus – Apresentei-me várias vezes no Planeta. Mas acabei sempre nos serviços de urgência. Eva- Mas resumindo... vamos lá a ver... o que é que se passa consigo verdadeiramente? Quanto é que gasta por mês em comprimidos para a loucura? Klaus – Se eu lhe contasse... Eva – Isso é o que eu quero!! Conte, conte-me! Klaus – Pelo menos... Pelo menos... Fazendo uma média dos meses que estou pior com os meses que estou melhorzito... 2.358,25 euros... E o pior é que estou cada vez pior... cada vez mais louco… porque o que se passa comigo é que estou a fugir de mim. Eva - Está louco, ou faz-se de louco? Klaus – As duas coisas. Porque efetivamente, mentir encanta-me. Efabular apaixona-me. E delirar... bem... delirar é como voar… (Klaus tenta avançar com uma mão para agarrar Eva. Esta dá-lhe uma palmada) Eva – Cuidadinho com as mãos... que já estou a ver quem você é... Klaus – Cinco casamentos e todos fracassados. Pode fazer uma ideia? Se isto não é para ficar louco! Bom, de facto é o que se passa comigo. Vou fugindo da minha loucura. Eva - Você está a roubar-me tempo de meditação. E não creio que tenha solução para si. 21 Klaus – Dir-lhe-ei a verdade. Sinceramente... creio que sou um assassino. É isso que me atormenta. Que tenha sido capaz de cometer um delito de sangue. Não estou certo... mas creio que sim. Porque no outro dia... não há muito tempo...Bem, eu de vez em quando necessito foder...não é ter sexo, que isso é um disparate... porque se quero ter sexo, baixo as calças e tenho sexo o tempo que quiser. Eva – Olhe, eu sou uma religiosa educada, moderna e permissiva mas creio que você está louco e necessita de ajuda médica urgente. Klaus – Pois então escute o que lhe vou dizer e terá motivos para se alarmar. Porque eu matei uma mulher... perdão... creio que matei uma mulher. Sim. Uma negrita, mais precisamente. Fui ao parque de carro, vi-a, disse-lhe, sobe... ela subiu, fomos para o meu apartamento. Quando chegámos ela disse-me logo: queres ter prazer com asfixia? Eu pensei: vou alinhar! Diz-me lá, o que é isso? Não sei do que me falas... Despe-te, disse-me... Atirou-me para a cama, pôs-se em cima de mim, pôs-me as mãos no pescoço e começou a estrangular-me. Eva – Deus da minha alma! Klaus - Não pronuncie esse santo nome nesta situação de demónios! Porque a negrita era Belzebu! E que força tinha nas mãos! Deteveme o fluxo sanguíneo no pescoço e, para baixo, todo o corpo ficou inchado... os tornozelos assim (Faz o gestos com as mãos) ...as pernas assim... e o membro viril... Eu nunca vi um membro viril tão grande na minha vida! (Separa as mãos. Grito de Eva). Eva – Cale-se, por amor de Deus! Você está a fazer-me perder a fé! Klaus – Eu estava prestes a perder a consciência, mas entre sombras vi como a negrita agarrava a minha carteira e a metia na boca... porque tinha uma boca tal qual um marco de correio... Eva – Era uma criatura diabólica!... que horror!... Com a sua carteira metida na boca!... Klaus – Era uma carteira normal, acredite, eu nunca fui um homem de posses... Eva – Montada em cima de si! Klaus – E saltando como uma fera! Eva – Com as mãos a apertar-lhe pescoço... a estrangulá-lo! Klaus – Mas isso não é o pior... com os enormes seios que tinha, do tamanho de uma botija de gás, golpeava-me a cara para me deixar em nocaute ao primeiro assalto e sair a correr! Eva – Mas, filho de Deus! Porque é que não pensa em andar com gente mais normal? 22 Klaus – Não fale de Deus nestas circunstâncias irmã, porque embora você não acredite, eu sou crente, e rezo muitas horas por dia para que me ilumine e possa pagar a medicação! Eva – Isto da indústria farmacêutica já brada aos céus! Nós, umas pobres religiosas afastadas do mundo… sabe quanto gastamos em medicamentos por mês? Klaus – Não faço ideia... Eva – Brada aos céus! Klaus – E você a dar-lhe. Por menos eu já liquidei uns quantos. Eva – 80. 549 euros... vemo-nos loucas para os pagar. Já estamos a pensar realizar pequenos furtos aos paroquianos para poder salvar as nossas vidas. Porque uma irmã tem cancro e a doença oncológica é... fulminante. E outra... uma esclerose múltipla.... ela sozinha... gasta 7 milhões de euros por ano ... com profilaxia, notese... E outra... Klaus – Bom... voltando ao caso da negrita... que tem certa graça. Porque a si irmã, quando a deixam sozinha... enrola, enrola e nunca mais de cala… Eva – Então continue... Mas diga-me. Estou a aliviá-lo alguma coisa da pena tão grande que carrega? Klaus – Claro... Tinha pensado chegar a Odessa em busca de remédio, mas por agora vou ficar por aqui... (Põe a mãe sobre a da feira. Ela dá-lhe uma bofetada.) Eva - Não confundamos as coisas senhor Klaus! Não é o primeiro que chegou aqui, com uma história parecida com a sua e a quem tivemos que mostrar o bom caminho! (Puxa de uma pistola enorme e aponta-lha.) Como acabou o caso da negrita? Klaus – Matei-a. Saquei uma faca enorme que tenho debaixo da almofada para fazer sanduiches em noite de insónia e fiz assim... (Mima o apunhalamento pelas costas.) Quando deixou de me estrangular... Subitamente todo o meu corpo voltou ao seu ser... e regressei ao normal. (Eva tira o hábito. Está vestida de polícia. Continua a apontar-lhe a arma à cabeça. Põe-lhe umas algemas.) Eva – Tínhamos indícios de que o assassino adorava presunto, porque esconder uma faca debaixo da almofada para combater a insónia.... isso... Deus é minha testemunha... não é muito normal.... Mas como na faca estava gravado o seu nome, isso facilitou as coisas. Temos vindo a segui-lo até pouco antes de chegar aqui. 23 Klaus – (Totalmente enlouquecido, fora de si) Mas isto é inacreditável! Isto não pode ser verdade! Isto é incrível! Parece um sonho! Ou teatro! É isso! Isto é uma peça de teatro e é tudo mentira! Eva – Isto pode ser tudo pura ficção... quem sabe... uma invenção sem sentido. Mas o cadáver, a negrita existiu. Encontramos o seu corpo no caixote do lixo, com a faca cravada nas costas. Isso sim, foi verdade. Klaus – Não sou um grande criminoso, reconheço. A minha paixão por Riofrio, Cumbres Mayores e produtos regionais traiu-me. Parece impossível, mas foi o que aconteceu… Se tivesse tomado um Valium, como me disse o médico, não estaria agora aqui. Mas agora uma pergunta, irmã... Eva – Chame-me sargento. Klaus – A minha pergunta, sargento, é a seguinte... Na prisão onde estiver... os medicamentos para a loucura... quem é que mos vai comprar? Porque se eu não tomar comprimidos, fico ainda mais louco... e nessa altura a prisão vai transformar-se num manicómio insuportável para qualquer pessoa com o mínimo de sensibilidade. Eva – Creio... parece-me... suponho... falo sem ter a certeza… mas creio que não vai necessitar deles. Klaus – Vão-me cortar a cabeça? (Silêncio) Finalmente... que felicidade. Não sabe o alívio que me dão as suas palavras, irmã. Sabia que tinha que chegar até aqui... para encontrar a paz. 24 Deslize O rato e o gato (Grande ruído. Paulina cai na escada e fica no chão a queixar-se. Bastián chega a correr, muito excitado. Abraça-a.) Bastián –Meu amor, o que te aconteceu! Paulina – Estava a lavar os vidros em cima da escada e como temos tão pouco dinheiro e os panos são tão pequenos, quis chegar ao ângulo superior, para que tenhas a tua casa a brilhar como ouro… inclinei-me demais e vê o que me aconteceu! Bastián – Calma, amor, vou chamar o 112 e levamos-te ao Hospital! Paulina -O 112? Nem pensar, querido! Que esses, mal te descuides, entubam-te e fazem-te logo uma transfusão só por fazer! Bastián – Nada disso, Paulina! Foste tu que tiveste uma má experiência! Porque da outra vez que caíste, quando inaugurámos a casita, também quiseste tirar a teia de aranha do teto, deste uma coquinada e disseste que quando te meteram na maca te tinham apalpado o cu. Paulina – E de que maneira! Que ama mulher acabada de casar, a quem ainda não tinham tirado os três… pelo menos não se sabia… que lhe abram as pernas, que lhe enfiem o braço para a segurar e que lhe apalpem o cu descaradamente … para a porem numa maca…! Vamos lá! Nunca mais! Bastián – E se tens qualquer coisa partida! Deixa-me ver… Paulina – Não me vais enfiar o braço por entre as pernas? Bastián – Deixa-te de tolices, Paulina, que tudo isto é muito sério. Que o traumatismo tem os seus efeitos tardios… que se te apanham pelo meio levam-te à cova… Paulina – (Acariciando-lhe o pescoço) Mas que efeitos tardios pode ter um traumatismo caseiro… Ainda vão pensar que fui eu que me atirei ao chão para me socorrerem…porque precisava de amor… Bastián - Não me toques no pescoço! Pois sto pode ser muito grave! (Agarra no telemóvel) É do 112? Paulina – Mas como pode ser o 112, Bastián, se tens o telefone desligado e sem pilhas! Bastián – Deixa-me apalpar-te… Paulina – Não me vais despir? Bastián – Em casos de emergência não é preciso despir… nem ver… (Inclina-se sobre ela. Paulina apalpa-lhe “o entre as pernas”.) Paulina –Ouve… pois eu gostava que me despisses… para ver se há por aí algum pedaço de osso perdido que aparece sob a forma de fatura com minuta… Bastián – Não me apalpes os testículos, Paulina! Pois tenho-os hipersensíveis e se me esfregas, grito! 25 Paulina – Mas se é isso que me apetece… se vou morrer quero ter uma experiência amorosa antes de ir para a cova… Ou… Já sei, despeste tu e eu apalpo-te… Bastián –(Continuando a apalpá-la com método) A rotação do ombro está bem… a anca normal… (Grito forte de Bastián) Paulina – Ouve… isto não é a pele do testículo… mas é mesmo ao lado… é… na junção… tu sabes… Bastián – Sim, claro que sei! Se desde que nos casámos sabes como tenho as formas masculinas,sabe-las de cor e sem qualquer pudor. (Dobra o pescoço da Paulina) O atlas está bem, a vértebra odontoide…(Bastián grita) Não me toques nos sovacos! Posso morrer de riso! (Riso descontrolado, divertido) Paulina – Como tenho a odontoide, eh? E as mamas, não as analisas? Bastián – Não mexas as costas até chegarem os do 112 com a maca! Podes ter uma vértebra dorsal partida e se a fazes mexer, podes seccionar a medula! Paulina –(Abraçando-o) Tenho de te tirar essa terrível mania médica que tens no corpo! Tirar-ta com a língua, como uma mulher na Guerra da Independência! Bastián – O baço é o mais perigoso. Ao mínimo descuido pode rasgar e romper… e começa a sangrar sem que ninguém dê conta… e o choque hemorrágico é a consequência extrema se não pensares nisso. Paulina -Viro-me já? Bastián – Para que te queres virar? Estás totalmente proibida de te virares até fazermos as radiografias. Paulina – Que chatice tudo isto! A vontade que eu tinha de me virar para que examinasses as mamas e o pesccoço de uma só vez. Bastián– Paulina… estamos recém-casados mas quero avisar-te de uma coisa: eu acredito no pecado no seio do casamento. O sexo é sinónimo de procriação e não de concupiscência. Paulina – Bastián… Tu achas que é normal que eu tenha me atirar de uma escada para te aproximares de mim? Bastián – O que não é normal é as escadas possam fazer parte das sexshop… Isso é anormal! Que haja preservativos, estimuladores eléctricos do ponto G, vibradores com diferentes intensidades de estimulação… Paulina – Tu lá sabes… espertinho… Bastián – Cabines onde por dois euros vês pares a foder como cães e até números com travestis que nem consigo descrever… Está bem? Mas escadas, Paulina! Isso já é uma degradação! Paulina – Pois acho que estou a desmaiar… 26 Bastián – Não! Um hematoma subdural, não! E é pior se for epidural! Ou uma contusão hemorrágica… Paulina, meu amor, por favor… não morras agora… (Paulina abre os braços e finge que perde os sentidos.) Socorrrrooooooooooo! 112…! Um telemóvel com bateria! Que venham esses brutamontes e te transfiram para as Urgências mesmo que se aproveitem de ti e de mim, ao mesmo tempo! Socorrrrooooooooooo! Que esta mulher não me morra! Senão como vou eu dar filhos a Deus para o seu santo serviço! (Paulina abraça-o de repente e beija-o na boca, enquanto o prende com as pernas.) Paulina –Carrega o telemóvel e fica preparado, Bastián, porque vai ser preciso chamarmos os brutamontes… Não por minha causa, mas por causa de ti… Bastián – Tenho medo de ti, Paulina. A que me vais operar desta vez? Ao apêndice com os lábios e a boca, como no domingo passado? Paulina – Não, Bastián. Muito mais simples. Vou-te foder. Bastián – Era mais simples teres dito logo e não teríamos comprávamos a escada. Por favor… (Ele começa a despir-se e vai-lhe tirando a roupa) Quando disseste que querias uma escada… eu disse para mim…como estamos de dinheiro… comprar agora uma escada… por favor… como teria sido fácil… dizê-lo e teríamos antes comprado um vibrador ultramoderno de cinco velocidades… (Obscuridade progressiva enquanto começam a fazer amor.) 27 28 O que está feito, está feito Zoa e Tripa em casa. Ela (Zoa), esplendorosa, potente, bom rabo, ancas generosas e pernas longas. Teve buço em tempos. Mas já não se nota porque fez a depilação com fios de seda perto da antiga estação do norte de Madrid. É morena e impetuosa. Uma espécie de tanque russo, que demora a aquecer, mas quando arranca, chega a Paris. Ele (Tripa) vive uma fase decadente, está vestido com um fato de treino, com umas pantufas surradas, tem a barba por fazer e o cabelo oleoso. Tripa - O desemprego é como uma doença. E se nos apanha aos cinquenta anos é como se fosse uma doença crónica, sem cura. Só a morte nos poderá salvar. Zoa – Andas cá com um mau humor, Tripa. Eu ando à rasca por não conseguir pagar a luz e tu com esse choradinho logo pela manhã. E ainda nem tomei café. Tripa – No início, quando te dizem que estás despedido e que a empresa faliu, revoltas-te (Imita cada um dos seus estados de ânimo.) Mas como é que pode ser! Ainda há três dias o chefe, esse grande desavergonhado, veio num carro novo. O dinheiro desapareceu e continuámos a trabalhar sem receber um tostão. (Ouvem-se passos por cima. Zoa olha para o teto, nervosa.) Zoa – Esse aí de cima devia ouvir umas quantas… no outro dia vinha eu do terraço, depois de apanhar a roupa e ao passar na porta dele, mesmo por cima da nossa, como estava entreaberta, olhei para dentro de casa e vi-o nu a fingir que cantava flamenco mas sem sair qualquer som da sua boca. Tripa – Estou sem trabalho há cinco anos, Zoa, já nem dinheiro tenho para fazer contas. Sou um animal diferente, um desempregado sem subsídio que vive num mundo inferior. Quando ultrapassamos a fase da rebeldia, vamo-nos conformando, começamos por nos detestar, primeiro a nós, depois ao mundo. Sem dinheiro, sem emprego, sem esperança, nada tem valor. Sou como um Buda com cornos. E se a mulher nos engana percebemos que é o que tem de ser. Zoa – Eu nunca te trai, Tripa. Sabes muito bem disso. Não digo que não goste de olhar para outros homens, gosto, às vezes desafio-os com o meu olhar enquanto eles me olham, como se lhes dissesse… Que se passa contigo, valentão? Gostas do meu cu e das minhas mamas! Pois, vai-te foder que não são para o teu bico. Hoje, de manhã, quando passei à porta do vizinho, vi-o a fingir que cantava. Quando me viu no corredor, à sua frente, sem deixar de me olhar nos olhos, abriu ligeiramente as pernas e 29 começou a baloiçar para a frente e para trás, como se estivesse a demostrar a lei do pêndulo de… Tripa – É um gajo esquisito. A mim nunca me ocorreu fazer isto com a vizinha de baixo. Até porque sei que ela é casada. E embora o marido esteja desempregado, é caçador de ratas ao domingo… e o escamartilhão faz mossa grande. Da próxima vez que o vires diz-lhe que o pêndulo de Foucault pode levar a consequências desagradáveis. Zoa – Já lho disse. E fui muito clara. Para fazer o que fez é preciso não ter vergonha nenhuma e um caralho como o de Jaime, o Conquistador. Tripa – E como sabes qual o tamanho do aparelho de Don Jaime? Zoa – Jaume, como se diz agora, não vem nos livros de História que Fernando VII e Jaume tinham de pôr uma almofada com um buraco antes do ato, para não criarem líquido peritoneal, fístulas útero-vaginais ou até vagino-retais, o que já é muito, e ainda provoca o sangramento das artérias da pélvis inferior? Tripa – Em suma, quantos centímetros? Zoa – Calculo que duas canetas unidas por fita-cola… ou seja… mais ou menos dois palmos da mão de um militar. Tripa – De que patente? Zoa – Um general na reserva. Tripa – Bem…isso já… está melhor. Vejamos…como eu! (Silêncio) Eu, quando trabalhava. (Silêncio. Tripa espreita para as calças do fato de treino e olha para si.) Na verdade, desde que estou nesta situação tão vergonhosa… às vezes duvido se a vou conseguir voltar a pôr cá fora. Quando tiveres tempo, um dia, perguntaslhe se está a seguir a dieta mediterrânica ou a da tribo dos Nabudos… que dizem ser muito melhor. Zoa – Assim farei. Tripa – E de passagem pede-lhe para tabaco… que estou farto de andar de cócoras a apanhar beatas do chão. (Ouve-se sapateado no piso de cima.) Zoa – Se queres vou lá cima e pergunto-lhe que raio de dança é aquela. Tripa – Oh mulher, deixa para um dia que não tenhamos que comer. (De repente o vizinho põe-se a dançar bulerias. Escutam.) Deve ser um espetáculo. Parece que o estou a ver, com o pêndulo a esta velocidade frenética, o quadro deve ser… chocante. Zoa – Se quiseres vou lá cima e digo-lhe para não fazer barulho, que o meu marido está desempregado… e ainda dá uso à arma de caça … 30 Tripa – Deixa essa história da caça que pode dar mau resultado… ainda ganho uns cornos do tamanho de duas mãos de um general na reserva… que era só o que me faltava. Zoa – Na verdade esse tipo intriga-me, porque tem um comportamento estranho que eu não consigo compreender… Eu sou muito curiosa… que queres que diga… estou com vontade de ir ao terraço apanhar a roupa e dar uma espreitadela… (Ouve-se a água na retrete. O vizinho está a urinar.) Tripa – Espera, Zoa. Está a mijar. Zoa – Claro… com o trabalho que dá aos testículos… depois os testículos respondem. Tem de ser. (Escutam o interminável ruído da urina) Parece um… um touro bravo… uma fera a livrar-se das tentações. Tripa – Parece uma mangueira a regar… Zoa – Só dizes disparates. (Agarra numa vassoura e bate no teto) Já chega! Já não temos idade para isto! (Silêncio. Para o jorrar. Põese a cantar bulerias. Bem.) Tripa – Que homem estranho! Zoa – Que vida interior tão intensa! Que emoção! Como expressa a sua dor! (Cala-se de novo. Silêncio. Depois ouve-se outra vez o jorrar. Zoa e Tripa olham-se atónitos) Tripa – Este homem não para. Tem uma bexiga de burro. Zoa – De elefante! De um deus! É isso que ele é… Quando me estava a olhar e a fazer o pêndulo, de repente aproximou-se, ofereceume a mão como fazem os marqueses na Feira de Sevilha e começámos a dançar sevilhanas, enquanto ele cantava. Tripa – E desde quando sabes dançar sevilhanas? Zoa – São coisas que estão cá dentro… que te saem espontaneamente, porque não… Mas para minha surpresa, em vez de me abraçar ou outra coisa assim… como fazem nestes casos… ou dizer-me um piropo… ou fazer-me descair a alça do soutien… pôs-se à minha frente a fazer o pêndulo e a deitar a língua para fora ao mesmo ritmo. Tripa – Está programado, não há dúvida… É um alienígena que veio para nos salvar… Por favor, vai lá acima e pede-lhe para tabaco e para uma cervejinha porque aqui está um calor dos diabos. Zoa – Tenho vergonha! Tripa – Mais tenho eu, por ter sido posto na rua por uma fraude no Banco, e até agora não morri… Zoa – Estou com calor…Ufa… (Abana a cara) Tripa – Estás com roupa a mais… Tinha alguma coisinha, mulher… 31 Zoa – Não… ainda vai pensar mal de mim… e em vez de para um maço, dá-me uma nota de cinquenta, pensando coisas… Tripa – Deus nos livre… Zoa – O que é que me estás, querido, que não ouvi bem? Estás a chamar-me prostituta? Tripa – Nem por sombras! Estava a pensar alto! Não… mas assim não nos cortavam a luz… porque hoje vêm fazê-lo sem falta! E a luz sempre nos dá algum conforto. Zoa - Já sei o que vou fazer! Vou lá acima mas como uma senhora! De casaco, um rabo-de-cavalo e uns bons sapatos, para que saiba que não está a falar com uma qualquer. (Afasta-se, caminhando com altivez até à porta) Vou apanhar a roupa, sim, mas como uma senhora e se o encontrar quando descer… digo-lhe umas tantas… por… por muito excitante e sedutor que esteja! Digo-lhe que o vou denunciar ao condomínio… que … (De repente, desce uma corda com um maço de notas enroladas. Para junto à janela. Agarram o maço de notas.) Tripa – Mas… é mesmo um anjo! É mesmo muito bondoso! Zoa – Valha-me Deus, que homem! Até me fez corar de vergonha. Tripa – É bondoso, não há dúvida. Tem muito bom coração. Percebeu que nos iam cortar a luz… não sei como soube… Zoa – Eu disse-lhe no fim de dançar as sevilhanas, com as lágrimas nos olhos… Estou com vontade de lhe agradecer… Tripa – Vou contigo, querida! Estas pessoas têm de saber que gostamos delas… Zoa – E se te pedir para fazer o pêndulo, que fazes? Tripa – Faço o pêndulo como fazem os desempregados… e se quiser que fique de quatro, ficarei de quatro… faço o que for preciso. Nos tempos que correm… Zoa – Só peço a Deus que não me apalpe. Porque se me apalpa os seios ou o cu… e a mexer a língua… não sei o que faço! A carne é fraca e a alma, nos tempos que correm, mais fraca é. Vai buscar a caçadeira que dá mais segurança. Tripa – A caçadeira e tudo o que for preciso, que com este anjo a viver por cima de nós… vou-me fartar de fumar. Zoa - Uma coisa é certa, ele é mesmo bom… e a dançar sevilhanas faz qualquer um perder a cabeça… Tripa – Para mim está tudo, desde que não queira dançar comigo. Já fiz figuras tristes que cheguem… não é agora que me vou por a dançar nu com o D. Trombas. 32 Chegou-me o desamor Tano – Chegou-me o desamor. Sinto muito. Gostaria de te dizer uma coisa diferente. Mas já não te amo! Que queres que faça? Eu não posso fazer nada! Nada de nada! Eu sou o primeiro a lamentar. O nosso tempo acabou. Foi-se. Foi morrendo com o passar dos anos. E chega um limite que não se consegue passar. Acabou-se! Temos de nos separar. Irá cada um para seu lado e logo se vê. Assim, sem mais. Como um iogurte. Prazo de validade. E olha que o nosso já acabou há muito tempo. (Tano continua a ler o jornal.) Sonia – E o que fazemos com o nosso filho? Tano – Com o nosso filho faremos o que tiver que ser feito! Tudo o que nos disserem os advogados. E vamos colaborar os dois. Os teus pais também queriam ocupar-se dele. Tu até falaste disso com eles. E eles pareceram bastante disponíveis. Sonia – E com o andar? Tano – Não nos porão na rua. As coisas mudaram, Sonia… Já há gente que se opõe a essas coisas, gente que chama outros pelo telemóvel e se junta à porta das casas… Enviam-se mensagens, emails… Hoje em dia, as coisas são diferentes… Sonia – E tu desapareces. Tano – Eu desapareço. A Patrícia vem-me buscar… entramos no carro, viramos para Norte e vamos em direção a França… e … veremos o que acontece. Porque, quer gostemos quer não, há coisas na vida que não têm solução. E esta é uma delas. Desta vez tocou-nos a nós. E teremos de enfrentar a situação. Sonia – E assim me deixas… sem marido… com um filho… uma infinidade de contas para pagar… um despejo iminente… que, não sei se sabes… está previsto para hoje… Tano – Eu sei. Sonia – E é por isso te vais embora… Tano – Vou porque não aguento nem mais um minuto… porque ouço a tua voz e sinto cãibras nas pernas… Até consultei um médico… Disse-me que podia ser de muitas coisas… até de hipoparatiroidismo… ou esclerose múltipla ou mesmo transtornos no metabolismo devidos ao magnésio. Mas não é nada disso! É a tua voz, Sonia. Cada vez que falas a tua voz mete-se-me cá dentro, percorre-me os nervos e cria anticorpos anti-voz de Sonia… como uma inflamação aguda provocada pelas tuas cordas vocais… E se por acaso sonho contigo, Sonia, tenho descargas horríveis que me percorrem os nervos nocturnos e então tenho de começar a gritar. Sonia – Ou seja, quando acordas a gritar durante a noite… não é por causa do despejo… é por causa da minha voz. 33 Tano – Porque sinto que me falas ao ouvido e me metes a língua lá dentro… finíssima… até à cóclea… e segues pelo nervo auditivo, e segues cada vez mais para dentro… provocando explosões silenciosas que me chegam ao pénis e aos pés. Sonia – Tu estás a ficar louco… Tano – Não. Louco já eu estou. E quero curar-me. Sonia – E que tipo de trabalho pensas tu que eu posso encontrar? Tano – Nenhum. Nunca soubeste fazer mais nada senão as tarefas de casa e ver televisão… pois claro… agora já é um pouco tarde… Sonia – Conheceste-me quando eu era ainda uma menina e tu eras o chefe de um restaurante. Nunca quiseste que eu trabalhasse. Pediste-me que cuidasse da casa e do nosso filho… E foi o que eu fiz, porque tu me disseste. Tano – Pois agora o chefe está na rua. Nos restaurantes não se come carne de vaca, mas apenas carne de rato, e nos hamburgers vai tudo, desde o pâncreas dos animais até carne de cavalo e alguns clientes saem com a albarda posta, aos coices e prontos a cavalgar. É o fim do mundo. Há que fugir, antes que tudo seja ainda pior e nos matemos uns aos outros como animais predadores. Sonia – Eu, apesar de tudo, olho para ti e compreendo o que estás a passar. Eu preciso da tua voz. Tano – Deixo-te uma fita gravada, a ti e ao menino. Eu já não posso mais. Entro nesta casa e parece-me que entro no inferno. Nem sei onde me hei de meter. Saio para o terraço de onde se via toda a cidade… e dá-me vontade de por uma bomba. Até desejo que venham os do despejo e destruam a casa. E só não me levanto e me ponho a deitar abaixo as paredes… porque ainda sairia algum inseto e me comia o nariz. Sonia – Portanto, deixas-me um filho e um despejo. E… o que é que eu posso fazer? Tenho de me tornar uma prostituta para resolver esta situação… lamentável. Tano – Tens emprego imediato. Começas logo a trabalhar se te sentires bem. E tu, Sonia, não quero ofender-te. Toma-o como um elogio… como mulher és um canhão. Sou eu que to digo. E se não fosses minha mulher, agora mesmo te despia e fazia amor contigo até que chegassem os do tribunal. Sonia – Muito obrigada. Conheces algum bordel perto daqui? Tano – Há um muito perto. Descendo a rua à direita, no nº 18. Oitenta euros por meia hora. 150 por uma hora completa. A casa fica com 50%. Boa como estás, calculo que por dia, ainda que os tempos vão mal, consigas fazer facilmente cinco serviços. Acredito que vais tirar 300 euros por dia… No mínimo! Sou eu que tu digo! A encarregada é muito minha amiga. Chama-se Fabíola. Já não lhes chamam madame como antes… dependem de uma grande empresa que tem empregadas fixas com recibo, tudo muito legal… É como se estivessem numa montra, como prendas ou guloseimas! 34 Mas de guloseimas não têm nada! Guloseimas de outro tipo. Todas se chamam Fabíola, Andreia ou Violeta. Quantas vezes já jantámos cá em casa, porque ela me deu uma gorjeta, depois de me ver chorar! Sonia – E isto… porque é que não mo contaste antes? Tano – Tens de compreender, Sonia, não ia chegar uma noite com a gorjeta de uma madame no bolso e contar-to, depois de ver a televisão… “SONIA… tenho pena de o dizer… mas não há outra solução… tens de te fazer puta. Sonia – Pois eu também te digo que estou a pensar nisso, sim… porque… repara… como estava desesperada… até… até tinha pensado imolar-me em fogo no terraço… Vê a lata de gasolina que já comprei… (mostra-lhe uma lata de gasolina escondida por baixo da mesa) Tano – (Impassível) Com cinco litros? Com isso o que fazes é queimar as pestanas, o cabelo e a cara… e ficarás como um monstro… Não morres. Apenas te deformas. E se te recomendo à minha amiga para que te coloque… nessas condições… que cara achas que ela me vai fazer? Sonia – E… vêm clientes jovens, suponho… Tano – O que é que pensas que eu sou? Um velho? Sonia – Não queria dizer isso… Tano – Há-os muito jovens… muitíssimos… estrangeiros que vivem fora do seu país… e que não se podem aliviar… E não imaginas que músculos têm… que peitaças, que dentes mais brancos… E por vezes cantam samba ou… canções cubanas enquanto esperam… E quando entram… ouvem-se gritos de prazer nos quartos… que… que… quase dá vontade de entrar e ver o que estão a fazer esses selvagens… Tu nunca tiveste nenhuma experiência com homens das Caraíbas na tua vida? Sonia – Eu? Tu foste o único homem que conheci em toda a minha vida… Tano – E eu saí-te um fiasco, já agora digamos tudo! Sonia – Um fiasquinho. E a atirar para badalhoco Tano – E como é que eu era na cama? Sonia – Um desastre total. Ainda não tinha acabado de tirar o soutien e tu já estavas a roncar na cama… totalmente K.O. Tano – Um roncador! O que se pode chamar um alarme eletrónico híper-veloz! Sonia – Se até no dia em que quisemos fazer o nosso filho … tive de chamar a criada para que se despisse e eu fiquei de pernas abertas na cama. 35 Tano – Um desastre! Eu sei. Pois aí está, querida! Imagina que te entra no quarto um desses morenaços a cantar Guajira guantanamera… e que te abraça e te beija porque precisa de amor, de rum com coca-cola e de perfume tropical… E tu vais notando enquanto te beija… que se vai formando entre as pernas um tubarão furioso, lutando para sair das cuecas. Não como no meu caso que parece que tenho um percebe lá em baixo! Sonia – Um grão. Tano – Bom, é a mesma coisa. Um grão tipo um alarme vibrador e hiperveloz. Pelo contrário, esse caribenho morenaço, cheio de músculos, cheirando a palmeiras e óleos tropicais, baixa as cuecas e encontras um poste de alta tensão… Que me dizes? Sonia – Não tenho palavras. Estou aba-na-nada. Tano – E tu dizes-lhe papito… Sonia – Ah… tenho que lhe dizer papito … Tano – E mesmo antes do mastro… “Pagas-me querido?” Porque se lho disseres antes de começar a cantar Gantanamera… talvez ele já não te pague… Sonia – Pois que até nem é tão difícil, vendo bem, com uma visão pósmoderna, prática e utilitária… Tano – E ele traz coca e quer que a compartilhes… Já alguma vez fizeste alguma “carreirinha”? Já provaste coca? Sonia – Eu, parecido com coca, a única coisa que provei foi a pasta de dentes e o café. Tano – Mas onde é que tu tens vivido, miúda? Há que conhecer o mundo! Porque se ficarem cheiinhos de coca, depois eles podem aguentar horas, a noite inteira… e de manhã tu podes levantar-te farta de prazer e com mil euros ou dois mil para a tua casita. Sonia – Estás a pintar-me as coisas de uma forma… que eu nem sei o que estive a fazer todos estes anos… Tano – Tens sido bem idiota. Digo-to eu. Isso não é viver… Viver com um cozinheiro a cheirar a comida … e a azeite… e com um aparelho reprodutor como o de um anão liliputiano… com maus fígados… e sem falar inglês… és capaz de me dizer que vida é essa. Tu acreditas no céu? Sonia – Pois nem sim nem não. Quando era mais pequena… Agora… depois de te conhecer… menos. Tano – Uma história da carochinha! Digo-te eu. Isto é a selva, querida. É preciso sobreviver! Por isso … antes de vir para casa a Patrícia levou-me a ver a minha amiga… a madame. Mostrei-lhe aquelas fotos tuas que te tirei na praia, quando ninguém nos via… e ela disse-me… que fossemos… de imediato… que por estes dias tinha precisamente um grupo de cubanos … que estavam desejosos de fazer uma cama redonda com mulheres de curvas graciosas... 36 Sonia – Isso da cama redonda… Tano – Também não sabes o que é uma cama redonda? Mas tu, SONIA, que tens feito durante estes últimos anos? Sonia – Papel de idiota. Tano – Pior… de parva Uma cama redonda é um círculo onde se juntam mulheres e homens, que se põem a beber e a tomar drogas e onde pode acontecer… o que acontecer… até que o círculo se rompa… e uma mulher, por exemplo… tu cais-lhe nas graças e ela enamora-se de ti. Sonia – Isso não seria nada mau, vê lá. Que alguém me quisesse um pouco… calhava-me mesmo bem. Tens razão… Portanto… descendo esta rua… no número… Tano – Dás com a casa de certeza… e quando vierem os rapazes do Tribunal… vão encontrar uma surpresa… Escuta… (Pega no telefone) Mario… chama os teus amigos… que venham todos e gritem o mais que puderem, verás como vão adiar a execução… De acordo. Garantido? Mas não me falhes, hem… peço-te por favor… porque à minha mulher…. esta situação está a ficar muito dura para ela… é uma mulher muito sensível, um pouco fora do mundo… e nalgum sítio se tem de viver… sobretudo para que o miúdo possa descansar e brincar. Está certo. Muito obrigado. (Olhando para Sonia) Está resolvido. (Soa uma buzina na rua. Silêncio. Outra) O desamor é mau. É o pior. Sou eu que to digo. Porque… uma pessoa vai morrendo por dentro. E, queiras ou não… temos de voltar a nascer. (Buzina) Dás-me um beijo? (Silêncio) Compreendo. A vida é dura. Mas prometo-te, Sonia … e não o tomes como um comentário cínico ou cruel… Prometo-te Sonia … que a próxima vez que passe por aqui… irei ver-te ao teu lugar de trabalho… para te dar um bom beijo de amor. (Buzinadela. Vai até à porta e sai. Silêncio. Pouco depois soam pancadas na porta. Depois pancadas mais fortes e golpes de um cassetete contra a porta) (SONIA tira a lata debaixo da mesa e lentamente sai para o terraço. Fica imóvel) (Escuta-se uma voz a ler notícias de um jornal.) (Os atores podem ir lendo as informações.) 37 25 de outubro: 1. Foi encontrado morto um homem que ia ser despejado em Granada. 2. Um homem lança-se no vazio em Valência quando ia ser despejado. A vítima deu um beijo ao filho e atirou-se de um 2º andar depois de ter telefonado a um membro da comissão judicial. 23 de outubro 1. Suicida-se devido a um despejo um jovem em Las Palmas de Gran Canária. O jovem atirou-se da ponte de Lomo Apolinário quando se apercebeu que lhe o tirar da casa. 1 de outubro 2. Um vigilante suicida-se acossado/atormentado pelas dívidas … 2012 5 de setembro Um homem de 74 anos, viúvo há uma semana, mata o seu seu filho de 46 anos, com invalidez total, e uma doença muito grave e, posteriormente, suicidou-se. Deixou um bilhete a explicar que não podia tomar conta do seu filho, em estado vegetativo. 2013 10 de maio Faleceu a mulher que se imolou pelo fogo em 18 de fevereiro de 2013, enquanto gritava “tiraram-me tudo!”. A Câmara promete tomar conta das filhas que ficaram órfãs. 11 de fevereiro Um homem de Basauri (Viscaya) suicida-se por lhe ter sido cortadas a água e a luz, além de outras dívidas. Deixou um bilhete aos seus filhos a dizer que “Não podia aguentar mais”. (Podem escolher-se estas ou outras notícias…) 38 O povo unido (Estamos num apartamento que vai ser despejado. Uma grande janela virada para o público e outra para a cidade, com as suas casas, luzes, igrejas. ZAPATA, cheio de gordura, sujo, com a roupa meio rota, corre enlouquecido de um lado para outro. Marta segue-o tentando acalmá-lo. No chão, uma picareta, uma pá, um lança-chamas e uma enorme máquina para perfurar paredes.) Zapata – Vou dar cabo da casa. Marta – Acalma-te Zapata, voltaremos a levantar a cabeça. Zapata – Ficarem com o meu apartamento depois de eu o estar a pagar durante vinte anos… (Agarra numa enorme picareta e começa a demolir a parede.) Marta – Não sejas uma besta, meu menino. Às tantas nem nos despejam! (Grito selvagem de Zapata, apertando a cara com as mãos, arrepela os cabelos. Depois começa a picar uma parede.) Zapata – Sou capaz de pegar numa bomba e fazer a casa ir pelos ares para que estes desgraçados não possam levar nada… (Agarra no lança chamas e de forma desordenada, quase descontrolada, começa a apontá-lo aos diferentes objetos.) Marta – Meu amor, Zapatita, nós havemos de sair desta. Não continues que ainda nos cai o telhado em cima. Zapata – Guerra! Matança! Destruição! (Liga a rádio. Música de Wagner. Tanhauser. Salta uma tubagem. Fumo, ruído em cena, faíscas de um curto-circuito. Ambiente caótico. Zapata vai à janela, aperta as bochechas e grita desesperadamente. Silêncio. Volta a gritar. De repente, ouve-se alguém que lhe responde de uma outra casa. Silêncio de novo. Zapata e Marta olham um para o outro espantados.) Marta – Parece que o teu eco, meu menino… Zapata – Eco, uma merda! (Como se estivesse a tentar comunicar com os ecos, grita, mas já como se estivesse a lançar uma mensagem Silêncio . Respondem-lhe com gritos de dois lados diferentes.) Marta – Mas isto parece um milagre! (Ela também grita. Silêncio. Respondem-lhe) Mas têm uma vozes tão bonitas! (Concerto de gritos que se vai espalhando pelas diferentes casas, por toda a cidade.) Zapata – Vitória! 39 (Agarra no lança chamas. Respondem-lhe de sítios diferentes. Música. Gritos. Tambores. Tambores que respondem uns aos outros. Concerto de fumo, labaredas, tambores e gritos.) 40