análise de falha de parafusos integrantes de um sistema de

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análise de falha de parafusos integrantes de um sistema de
JORNADAS SAM/ CONAMET/ SIMPOSIO MATERIA 2003
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ANÁLISE DE FALHA DE PARAFUSOS INTEGRANTES DE UM SISTEMA DE
VEDAÇÃO DE FILTROS DE ÓLEO DIESEL
Ana Cristina Vidal1 , Ana Rosa Martins1 e Fathi Darwish2
1
2
Instituto Tecnológico da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (ITUC/PUC-Rio).
Departamento de Ciência dos Materiais e Metalurgia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(DCMM/PUC-Rio).
PUC-Rio – Rua Marquês de São Vicente, 225 Gávea, CEP 22451-900, Rio de Janeiro, Brasil
Os parafusos fraturados estavam em uso há cerca de um ano e eram parte integrante do sistema de fechamento da
tampa de filtros de óleo diesel. A fim de se proceder à caracterização do material dos parafusos, foram realizadas
análises: química, microestrutural por microscopia ótica e por microscopia eletrônica de varredura, fractográfica
por lupa estereoscópica e por microscopia eletrônica de varredura e ensaios de dureza. Foi ainda realizado um
estudo das tensões atuantes, resultantes da pressão de trabalho dos filtros, da vibração do sistema e do torque
imposto aos parafusos durante a etapa de vedação da tampa dos filtros.
Palabras claves: fratura, fadiga, análise de tensões.
1. INTRODUÇÃO
A análise foi realizada em diferentes parafusos que
eram parte integrante de um sistema de vedação da
tampa de filtros de óleo diesel de um posto de
abastecimento de locomotivas. Foram recebidos para a
análise dois parafusos novos (ainda não utilizados) e
seis parafusos fraturados, dentre os quais um mostrava
duas superfícies de fratura resultantes da falha (Figura
1). Os parafusos estavam em uso há cerca de um ano e
apresentavam trincas entre a cabeça e a haste,
localizadas na região relativa à mudança de seção, e
que se propagavam em uma direção transversal ao
eixo do parafuso (Figura 2). Esses parafusos
mostravam ainda grandes deformações na área da
cabeça, ocasionando a variação da forma original de
circular para oval (Figura 1).
No maior olhal dos parafusos fraturados, observaramse marcas, caracterizadas pela presença de sulcos ou
entalhes (Figura 3), oriundos, provavelmente, do
esforço realizado com o auxílio de uma haste, para
aplicação do torque durante a etapa de vedação da
tampa do filtro.
Figura 3. Região do maior olhal de um dos parafusos,
onde se caracteriza a presença de entalhes, oriundos
do método de aplicação de torque.
Figura 1. Parafusos como recebidos. Parafusos novos
(direita) e fraturados (todos os demais).
Figura 2. Região do menor olhal de um dos parafusos
fraturados. Observa-se a presença de uma trinca em
uma área referente à mudança geométrica de seção do
parafusos.
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A análise do parafuso fraturado (Figura 4a), cuja falha
na região entre a cabeça e a haste gerou duas
superfícies de fratura, indicou visualmente evidências
da ocorrência de um processo de falha por fadiga. Tais
evidências caracterizavam-se pela presença de
“marcas de praia” nas superfícies de fratura, as quais
originavam-se em um ponto da superfíce externa do
parafuso. As “marcas de praia” são em geral
centralizadas em torno de um ponto comum que
corresponde à origem da trinca e correspondem a uma
faceta característica importante na identificação de
falhas por fadiga. Elas podem ocorrer em virtude de
variações na amplitude ou na freqüência de
carregamento durante os períodos de propagação
estável da trinca [1].
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A fim de melhor caracterizar as facetas características
observadas visualmente nas superfícies de fratura,
procedeu-se a uma análise dessas áreas em uma lupa
estereoscópica, utilizando-se ampliações entre 2 e
30X. A Figura 4b mostra o resultado da análise, na
área de propagação estável da trinca, onde
evidenciam-se “marcas de praia” em torno de um
ponto de iniciação da falha, localizado na superfície
externa na região de mudança geométrica de seção,
entre a cabeça (menor olhal) e a haste do parafuso. A
região de propagação instável da fratura estava
localizada em um plano a cerca de 90° do plano de
propagação estável (Figura 4b, região assinalada).
(a)
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diferentes parafusos fraturados. Estes últimos foram
seccionados de forma que a seção a ser analisada
contivesse o perfil da trinca observada visualmente na
região de mudança de seção entre a cabeça e a haste.
As amostras foram preparadas metalograficamente, de
acordo com a especificação ASTM E3, e analisadas
por microscopia ótica na condição como polidas e
após ataque químico com reagente Nital 2%.
A Figura 5 apresenta uma macrografia da seção
longitudinal de um dos parafusos fraturados, onde a
trinca de fadiga identificada na análise visual pode ser
observada. Observam-se ainda as linhas de
deformação, oriundas do processo de fabricação dos
parafusos e indicativas da não aplicação de
tratamentos
térmicos
posteriores.
As
áreas
identificadas por 1 a 4 correspondem às regiões
analisadas por microscopia ótica.
3
(b)
1
Figura 4. (a) Superfície de fratura oriunda da falha de
um dos parafusos em serviço. (b) Imagem da região de
propagação estável da trinca, 2X.
2
4
2. ANÁLISE QUÍMICA
Foram realizadas análises químicas em amostras
retiradas de um dos parafusos novos e do parafuso
rompido. Os resultados indicam que o material tanto
do parafuso fraturado quanto do novo é um aço de alta
resistência e baixa liga, do tipo 4140 [2]. Os valores
da concentração em peso dos elementos dosados para
ambas as amostras estão apresentados na Tabela 1.
Elementos
C
Si
P
S
Mn
Mo
Ni
Cr
Cu
V
Parafuso Novo
Concentração
em Peso
(%)
0,392
0,238
0,006
0,015
0,85
0,192
0,035
0,939
0,108
0,006
Parafuso
Rompido
Concentração em
Peso (%)
0,398
0,255
0,011
0,006
0,94
0,214
0,026
1,00
0,018
0,008
Tabela 1. Valores da concentração em peso dos
elementos dosados para as amostras dos parafusos
novo e rompido.
3. ANÁLISE MICROESTRUTURAL
Para a análise microestrutural, foram retiradas
amostras da seção longitudinal (paralela ao eixo do
parafuso) dos dois parafusos novos e ainda de
640
Figura 5. Macrografia da seção longitudinal de um dos
parafusos fraturados.
Os resultados da análise microestrutural nas amostras
dos
parafusos
fraturados
mostraram
uma
microestrutura constituída por ferrita e perlita sob a
forma lamelar e esferoidal. Na região da haste do
parafuso a perlita apresentava um intenso
bandeamento na direção da deformação imposta
(Figuras 6a e b). O bandeamento da perlita é oriundo
da deformação imposta ao material na etapa de
fabricação e está de acordo com a observação da
macroestrutura da seção longitudinal dos parafusos
fraturados (Figura 5). Já na região da cabeça, a
estrutura mostrava uma tendência predominante à
eqüiaxialidade dos grãos de ferrita e das colônias de
perlita (Figura 6c).
A microestrutura observada nos parafusos fraturados
indica a não aplicação de tratamentos térmicos aos
parafusos
após
a
etapa
de
conformação
termomecânica [2].
Microestruturalmente, as trincas presentes nos
parafusos fraturados exibiam um caráter de
propagação transgranular e não apresentavam
ramificações. A ponta dessas trincas em algumas
amostras apresentava-se arredondada, indicando um
possível processo de plastificação nessa região. A
Figura 6d ilustra o aspecto característico das trincas
presentes nos parafusos fraturados.
A fim de melhor caracterizar a microestrutura das
amostras dos parafusos fraturados, procedeu-se à
observação das mesmas por microscopia eletrônica de
varredura (MEV). Os resultados confirmaram a
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morfologia mista da perlita, alternando-se entre a
orma lamelar e esferoidal. As Figuras 7a e b
apresentam as micrografias resultantes da análise.
Diferentemente das amostras dos parafusos fraturados,
aquelas analisadas dos parafusos novos apresentaram
uma microestrutura compatível com a esperada para
um aço de alta resistência e baixa liga submetido a
tratamentos térmicos de têmpera e revenido, a qual é
predominantemente constituída por martensita
revenida ao longo de toda a seção dos parafusos [2]
(Figuras 6e e 6f).
(a)
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fratura ao longo de toda a seção (Figura 1, primeira
foto à esquerda). Ambas as superfícies de fratura
foram submetidas à limpeza ultrassônica com acetona
para promover a remoção de resíduos de origem
orgânica, e escovadas para retirada de produtos de
corrosão.
A Figura 8 apresenta as superfícies de fratura
analisadas, onde foram assinaladas as regiões
observadas ao microscópio. Os caracteres de A a C
estão posicionados na área referente à propagação
estável da trinca enquanto a região assinalada por D
equivale àquela de propagação instável ou fratura
final.
(b)
A
(c)
B
C
D
(d)
Figura 8. Superfícies de fratura oriundas da falha de
um dos parafusos em serviço. As regiões identificadas
por A a D foram analisadas por microscopia eletrônica
de varredura.
(e)
As áreas analisadas na região de propagação estável
mostraram evidências de falha por fadiga, com o
aparecimento de estrias em diferentes pontos (Figuras
9 e 10). Na região de fratura final, os
micromecanismos atuantes caracterizavam-se pela
predominância de microcavidades (Figura 10b).
(f)
Figura 6. Microestrutura referente aos pontos 1 a 4
assinalados na Figura 5 e às amostras dos parafusos
novos. (a) Região 1, 3,5X. (b) Região 2, 3,5X. (c)
Região 3, 35X. (d) Região 4, 3,5X. (e) e (f) Martensita
revenida na amostra de ambos os parafusos novos,
45X.
Figura 9. Fractografias das regiões A (a) e B (b)
assinaladas na Figura 8. Microscopia eletrônica de
varredura.
(a)
(b)
Figura 7. Imagens por microscopia eletrônica de
varredura da microestrutura dos parafusos fraturados.
4. ANÁLISE FRACTOGRÁFICA
A fim de determinar os micromecanismos atuantes
durante a falha em serviço dos parafusos, realizou-se
uma análise fractográfica, por microscopia eletrônica
de varredura, na amostra do parafuso que apresentava
641
Figura 10. Fractografias das regiões C (a) e D (b)
assinaladas na Figura 8. MEV.
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5.
DISCUSSÃO
CONCLUSÃO
DOS
RESULTADOS
E
A deformação observada na região do menor olhal dos
parafusos fraturados indica a aplicação de uma tensão
superior ao limite de escoamento do material. Esse
nível de tensão é decorrente da combinação de
esforços do torque aplicado durante a etapa de aperto
dos parafusos e da pressão hidrostática de serviço
atuante dentro do filtro, informada pelo solicitante
como sendo 8 kgf/cm2 . Ambos os esforços geraram
tensões axiais, cujas magnitudes somadas devem ter
atingido ou mesmo superado o limite de escoamento
do material dos parafusos.
O material é um aço de alta resistência e baixa liga
(4140), largamente empregado em aplicações
estruturais na condição de temperado e revenido, ou
seja, exibindo uma microestrutura de elevada
resistência mecânica e tenacidade à fratura. A análise
microestrutural realizada em diversos parafusos
fraturados indicou que o material apresentava uma
microestrutura deformada e constituída por ferrita e
perlita. Essa microestrutura não é consistente com
aquela resultante da prática de tratamentos térmicos
geralmente empregada para esse tipo de aço e
tampouco com os níveis de resistência e tenacidade
desejáveis para a aplicação dos parafusos. Amostras
de parufusos novos, posteriormente fornecidas,
contrariamente aos fraturados, mostravam uma
microestrutura composta predominantemente por
martensita revenida, indicando que o material foi
temperado e revenido após o processo de fabricação.
Ensaios de dureza conduzidos em amostras dos
parafusos novos e dos parafusos fraturados mostraram
que o nível de resistência, entre os materiais nas
diferentes condições microestruturais, varia de um
fator aproximadamente 2, isto é, o material do
parafuso fraturado com uma microestrutura ferríticaperlítica exibe uma resistência mecânica que pode ser
estimada como a metade daquela apresentada pelo
material dos parafusos novos, onde a microestrutura é
constituída por martensita revenida. Os valores
estimados de resistência a partir da dureza são de 650
MPa e 1250 MPa, respectivamente, para o material
dos parafusos fraturados e para aquele dos parafusos
novos [2].
Não foram observadas trincas secundárias nas
amostras analisadas dos parafusos fraturados. Todas as
amostras apresentavam trincas paradas na região de
mudança de seção entre a cabeça (menor olhal) e a
haste. A superfície de fratura de um dos parafusos
mostrava visualmente marcas de praia, características
de falha por fadiga. Tais observações visuais foram
confirmadas pelos resultados da análise fractográfica
por microscopia eletrônica de varredura, onde estrias
de fadiga apareceram em diferentes pontos da área de
propagação estável da trinca. A ocorrência de uma
falha por fadiga e a existência de trincas de fadiga
paradas nos diversos parafusos analisados indica a
aplicação de esforços dinâmicos ao material,
compatíveis com as solicitações de serviço dos
parafusos. Tais esforços dinâmicos podem ser
provenientes tanto das variações na pressão
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hidrostática no interior do filtro, quanto das vibrações
mecânicas inerentes ao funcionamento do sistema.
Uma tensão hidrostática de trabalho de 8 kgf/cm2 gera
uma carga axial da ordem de 26.500 kg, a qual
distribuída pelos seis parafusos implica em uma tensão
axial nos mesmos estimada em 250 MPa.
Considerando-se a deformação plástica constatada na
região do menor olhal dos parafusos, a tensão ali
desenvolvida atingiu, no mínimo, a tensão de
escoamento do aço (aproximadamente 80% do limite
de resistência mecânica, isto é, 520 MPa). Desta
forma, uma tensão da ordem de 270 MPa, proveniente
do aperto do parafuso, é considerada necessária para,
combinada com a tensão de trabalho, causar a
deformação plástica observada. Tal magnitude de
tensão poderia ter sido gerada através da aplicação de
um torque de aperto estimado em 14 m.kgf, o qual
pode ser facilmente atingido pela utilização de uma
ferramenta ou haste, com o intuito de facilitar o aperto
dos parafusos para promover a vedação da tampa do
filtro. As marcas observadas no maior olhal dos
parafusos fraturados (Figura 3) confirmam o emprego
desse recurso.
Finalmente, a operação do equipamento acarreta
vibrações juntamente com variações na tensão
hidrostática de operação, levando ao início de um
processo de fadiga, através da nucleação e propagação
de uma trinca.
Com base na discussão acima apresentada, os
parafusos sofreram fratura por fadiga devido à não
aplicação do tratamento térmico adequado de têmpera
e revenido, resultando em uma microestrutura
imprópria para o tipo de aplicação, e por conseguinte
em níveis de resistência mecânica inferiores àqueles
necessários para o funcionamento seguro dos
componentes.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1] Metals Handbook, Vol. 12. 9th Edition ASM
International
[2] Metals Handbook, Vol.1. 10th Edition. ASM
Internationa

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