Revista Desenbahia - Governo do Estado da Bahia

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Revista Desenbahia - Governo do Estado da Bahia
REVISTA DESENBAHIA
Revista semestral editada pela Agência
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R327
Revista Desenbahia, v. 2, n. 4, mar., 2006.Salvador: Desenbahia, Solisluna, 2006.
ISSN 1807-2062
1.Economia-Bahia-Periódicos. I. Desenbahia.
CDD-330
Ficha Catalográfica elaborada pela bibliotecária
Genilda de Oliveira Santana – CRB 5/482
SUMÁRIO
5
Apresentação
7
Taxa de juros em operações de microcrédito: taxas subsidiadas versus
taxas de mercado
MARCELO C. MESQUITA DE SOUZA
27
Reformas microeconômicas, ajustes institucionais e oferta de crédito:
uma análise da nova Lei de Falências no Brasil
LUIZ MARQUES DE ANDRADE FILHO E VÍTOR SANTOS
47
Intermediação financeira e desenvolvimento econômico: as visões
keynesianas
LUIZ RICARDO CAVALCANTE
65
A evolução da política industrial da Bahia: uma abordagem
institucionalista
ANTÔNIO GLAUTER TEÓFILO ROCHA
83
O novo enigma baiano, a questão urbano-regional
e a alternativa de uma nova capital
MARCUS ALBAN
101
Reflexos da globalização na distribuição espacial dos investimentos
industriais privados no estado da Bahia
EDSON A. SILVA SOBRINHO
113
Municípios baianos em destaque: três vias de desenvolvimento local
no estado da Bahia
ADELAIDE MOTTA DE LIMA E VÍTOR LOPES
137
Estudo da indústria do gás natural e seu inter-relacionamento com o
setor elétrico na Bahia: perspectivas e potencialidades
DANIEL PRATES E GEORGES ROCHA
157
Desafios ao fortalecimento da cadeia do algodão: o caso da Região Oeste
VERA SPÍNOLA E MARCELO XAVIER
Apresentação
A questão do desenvolvimento baiano, considerada sob variados aspectos e
abordagens, constitui o cerne deste quarto número da Revista Desenbahia.
De fato, seis dentre os nove artigos que ora publicamos tratam de assuntos
ligados diretamente à economia do estado, seja na tentativa de lançar alguma
luz sobre um ou outro tema ainda obscuro ou para apontar alternativas
merecedoras de análises mais aprofundadas.
Esses artigos versam sobre a evolução da política industrial da Bahia no contexto
político e institucional do estado nas últimas décadas; os reflexos da globalização
na distribuição espacial dos investimentos industriais privados no estado; as
vias de desenvolvimento local adotadas por municípios baianos de porte médio
– Ilhéus, Juazeiro e Vitória da Conquista; a disparidade entre o dinamismo
econômico e o desenvolvimento social e humano na Bahia; os desafios ao
fortalecimento da cadeia do algodão, com enfoque no oeste baiano, e sobre
as estruturas da indústria de gás natural e do setor elétrico no estado e a
relação entre esses segmentos.
Dentre os outros trabalhos, dois estimulam o debate sobre o crédito e um
terceiro faz uma reflexão acerca da relação entre as atividades de intermediação
financeira e o desenvolvimento econômico, a partir das visões keynesianas. Na
área do crédito, um dos artigos defende a utilização de taxas de juros de
mercado nos programas de microcrédito, como forma de alcançar maior
eqüidade no acesso ao capital e assegurar a sustentabilidade das instituições
financiadoras. Há ainda uma análise dos possíveis impactos da nova Lei de
Falências e Recuperação de Empresas em relação à oferta de crédito na
economia brasileira.
Uma pauta tão diversificada nos leva à feliz constatação de que o pensamento
econômico continua vivo nos meios técnicos e acadêmicos, com os quais a
Desenbahia procura estreitar cada vez mais os laços no cumprimento de sua
missão como agente de fomento. Do mesmo modo, nos é especialmente
gratificante registrar que boa parte dos trabalhos publicados nesse número
provém de técnicos e pesquisadores da própria Desenbahia ou que tiveram
passagens pela instituição, e que, desse modo, procuram contribuir com sua
experiência para subsidiar políticas de desenvolvimento do estado.
Vladson Menezes
Presidente da Desenbahia
6 | Taxa de juros em operações de microcrédito: taxas subsidiadas versus taxas de mercado
1
TAXA DE JUROS EM OPERAÇÕES DE
MICROCRÉDITO: TAXAS SUBSIDIADAS
VERSUS TAXAS DE MERCADO
Marcelo C. Mesquita de Souza*
Resumo
O microcrédito tem estado em evidência, nos últimos anos, como instrumento
capaz de contribuir para a redução da pobreza, através da manutenção ou
geração de ocupação e renda, na medida em que permite a pequenos
empreendedores, não assistidos pelo sistema financeiro tradicional, o acesso
ao crédito, fator importante para a manutenção e desenvolvimento do seu
negócio. Este artigo questiona a utilidade de taxas subsidiadas, incompatíveis
com a estrutura de custos da operação, em programas de microcrédito. Procura
demonstrar que a eficácia em atingir o objetivo de uma maior equidade, no
acesso ao capital, é menor do que a que se alcançaria utilizando taxas de juros
de mercado.
Palavras-chave: Microcrédito. Taxa de Juros. Subsídio. Sustentabilidade.
Equidade.
Abstract
Microcredit has been in evidence over the last years as an instrument useful to
contribute to poverty reduction by preserving or generating jobs and income, as
it enables small entrepreneurs, not benefited by the traditional financial system,
in getting access to credit, which is an important factor for the maintenance
and development of their business. In this article the authors question the utility
of subsidized rates, non-compatible with the cost structure operations in micro
credit programs. It also intends to demonstrate that the efficacy in reaching
higher equity in the access to capital is lower than the one that could be reached
using the market interest rates.
Key-words: Microcredit. Interest Rate. Subsidized. Sustainability. Equity.
*
Mestre em Engenharia da Produção, Administrador, Professor Universitário e Gerente de
Microfinanças da Desenbahia. E-mail: [email protected]
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 7
Introdução
O microcrédito pode ser definido como um empréstimo de pequeno valor,
dado a empreendedores de baixa renda. É uma maneira de potencializar o
desenvolvimento de pequenos negócios, através de crédito para indivíduos
que, pelo baixo nível de formalização de seus negócios, ou pela inexistência
de garantias, não conseguem acessar crédito junto às instituições tradicionais
do sistema financeiro. Ou seja, além de pequeno valor, o crédito é direcionado
especificamente para a camada da população de mais baixa renda, em geral
excluída do sistema financeiro convencional, e em especial os microempreendedores do segmento informal da economia (MARTINS et al, 2002;
PARENTE, 2002).
O público-alvo do microcrédito é, predominantemente, composto por donos de
empresas que realizam uma atividade econômica autônoma, muitas vezes
informal e, geralmente, autofinanciada através de poupanças próprias ou de
parentes e amigos. São pessoas que conhecem bem seu ramo de atividade e
cuja orientação é voltada primordialmente para o sustento de sua família, sem
grandes expectativas de crescimento. Por isso a maior parte da demanda por
microcrédito destina-se a capital de giro para cobrir dificuldades momentâneas
de liquidez ou utilizar chances de eventuais negócios favoráveis (NITSCH;
SANTOS, 2001).
As definições de microcrédito, de forma geral, convergem a um ponto comum,
que é o fato desse tipo de operação de crédito ser direcionado para um público
que ainda não tem acesso ao sistema financeiro tradicional. É importante
ressaltar isso, para deixar claro qual é o público-alvo, já que este é, muitas
vezes, confundido com os empresários de micro e pequenos negócios, já
formalizados e com acesso ao crédito, que operam valores superiores aos que
são característicos das operações de microcrédito1, e para os quais outras
metodologias creditícias são mais adequadas.
O grande benefício, portanto, como instrumento de política pública, que o
microcrédito pode proporcionar é a inclusão econômica de milhões2 de pessoas,
que se encontram à margem do sistema financeiro tradicional, e quanto maior
1
Valores médios das operações de microcrédito, em 2001, para o Brasil: de R$ 1.443,39 para
giro e R$ 1.500,77 para ativos fixos. Fonte: IBAM – Instituto Brasileiro de Administração
Municipal – Sistema de Informações de Microfinanças no Brasil – Indicadores. Disponível em:
<http://www.ibam.org.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm>. Acesso em: 01 nov. 2005.
2
Estudo da Organização Internacional do Trabalho – OIT estima a existência de 14 milhões de
clientes potenciais e 6 milhões de clientes prováveis (MEZZERA; GUIMARÃES, 2003).
8 | Taxa de juros em operações de microcrédito: taxas subsidiadas versus taxas de mercado
for o número que passa a ter acesso a um crédito formal maior terá sido sua
eficácia. No que diz respeito à influência do nível da taxa de juros no número
de inclusões alcançado, não obstante predominar, na literatura especializada,
o entendimento de que a prática de taxas de juros de mercado é a mais
eficaz,3 há, também, aqueles que propoem o subsídio à taxa de juros aos
tomadores finais como única forma de ampliar o acesso dos pequenos negócios
ao crédito.
A visão predominante é a de que o principal gargalo para o acesso ao crédito
para os microempreendimentos está na falta de uma oferta adequada em
termos de volumes, prazos, custos e facilidade de contratação e, não, na taxa
de juros. Esta representa apenas parte dos custos com empréstimos e, em
operações de pequeno valor, os custos de transação e oportunidade acabam
sendo mais relevantes. Por outro lado, há os que acreditam que a barreira de
acesso ao crédito, pelos microempreendedores, é, sim, o nível das taxas de
juros cobradas pelos bancos (SANTOS et al, 2004).
Ao se falar de pequenos empreendedores, da população de mais baixa renda,
de excluídos do sistema convencional, parece contra intuitivo – e o público, em
geral, tem dificuldade de entender – por que, nesses pequenos empréstimos,
feitos a empreendedores de micronegócios, geralmente são cobradas taxas
mais elevadas que em operações de maior valor, realizadas pelos bancos
comerciais. Esclarecer a população a respeito do por que da necessidade de
taxas de juros relativamente mais elevadas em microcrédito é importante;
compartilhar essa compreensão com aqueles que fazem política pública, é
essencial. No relatório The Profile of Microfinance in Latin America in 10 years:
Vision & Characteristics da ACCION International, publicado em abril de 2005,
essa questão é colocada como fundamental ao desenvolvimento do microcrédito
e como uma questão que ainda não é tratada de modo efetivo em alguns
países (MARULANDA; OTERO, 2005).
Este artigo revisa a literatura especializada atual, expondo alguns pontos
fundamentais sobre o impacto do nível da taxa de juros no microcrédito, em
um maior ou menor alcance, na inclusão econômica. Inicia revisando alguns
pontos relativos aos custos de uma operação de crédito, que fazem com que
as taxas de juros praticadas no microcrédito devam ser superiores às de outras
operações creditícias. A segunda seção analisa a capacidade de pagamento
dos microempreendimentos para suportarem essas taxas. A seguir, a terceira
3
Ver Marulanda; Otero, 2005; Duval, 2004; Helms; Reille, 2004; BACEN, 2003; GoodwinGroen, 2003; ICCAPE, 2002; Rosemberg, 2002; Nichter et al, 2002; Bruett et al, 2002; Hollis;
Sweetman, 1998.
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 9
seção analisa as conseqüências dessa intervenção no mercado, especificamente
sobre duas formas: o estabelecimento de limites máximos para as taxas
praticadas e a utilização de taxas subsidiadas. Finalmente, na quarta seção,
apresentam-se as conclusões, que levam a ratificar a prática de taxas livres de
mercado como mais eficaz ao desenvolvimento do microcrédito.
Por que as taxas de juros das operações de microcrédito
são mais altas que as taxas de algumas operações
praticadas por bancos comerciais?
Nesta seção procura-se rever alguns pontos da formação do custo em uma
operação de crédito. Particularmente a influência de custos fixos, não proporcionais ao montante do crédito nas operações de baixo valor, do alto custo
operacional da metodologia do microcrédito e da influência da perda, por
inadimplência, no custo final da operação.
No custo total de uma operação de crédito existem fatores que são proporcionais
ao montante emprestado, tais como o custo de captação dos recursos, provisão
para perdas por inadimplência e impostos. Porém outros são componentes
fixos e, portanto, independem do montante emprestado, fazendo com que
quanto menor seja o valor do empréstimo, maior seja o seu custo (SANTOS,
2005; SANTOS et al, 2004).
Nas operações de microcrédito, o custo se torna ainda mais alto pelo fato de
que os clientes geralmente não possuem histórico creditício, nem garantias, e
freqüentemente moram em áreas remotas, às vezes de difícil acesso, onerando
as visitas de avaliação e manutenção realizadas in loco pelo agente de crédito,
peça fundamental na metodologia do microcrédito. O contato direto do agente
de crédito é o grande diferencial dos programas de microcrédito produtivo
orientado; entretanto essa é uma estratégia de custo elevado, que vai em
sentido contrário às estratégias dos bancos, que estão reduzindo custos através
do aumento da informatização e automação de serviços e redução de pessoal
(VILELA; AGUIAR, 2004; GOODWIN-GROEN, 2003).
O CGAP (Consultive Group to Assist the Poorest) apresenta uma forma simples
de cálculo da taxa de juros efetiva para ser utilizada pelas instituições de
microcrédito (ROSEMBERG, 2002). A taxa efetiva de juros anualizada (R) a ser
cobrada nas operações de microcrédito é função de cinco elementos, representados como percentuais da carteira média de empréstimos:
1. Despesas Administrativas (DA)
2. Perdas por Inadimplência (PI)
10 | Taxa de juros em operações de microcrédito: taxas subsidiadas versus taxas de mercado
3. Custo de Fundos de Empréstimos (CF)
4. Taxa de capitalização desejada (K)
5. Renda do Investimento (RI)
Despesas Administrativas: Incluem todos os custos anuais recorrentes, a exemplo
de salários, benefícios, alugueres, depreciação e manutenção. Devem ser inclusos,
também, todas as mercadorias e serviços que a operadora disponha atualmente
de forma gratuita (doações) – treinamento, assistência técnica, gestão – que,
apesar de não serem pagos agora, no futuro terão de ser pagos para que a
operadora possa crescer e manter-se independente de subsídios e donativos.
Perda por Inadimplência: Taxa anual das perdas decorrentes de empréstimos
incobráveis.
Custo de Fundos de Empréstimo: Esta taxa não se refere ao custo atual dos fundos
e, sim, à projeção para mercado futuro dos custos dos fundos para a operadora,
que está crescendo, além da dependência de doações ou subsídios. Deve-se
considerar não só o custo da captação, mas também o custo do capital próprio.
Custo de Captação: Deve ser calculado através da média ponderada
dos diversos recursos disponíveis para empréstimos no futuro. Isso é,
projetando uma situação de crescimento futura, através de um custo
médio de captação para tomadores com mesmo nível de risco. Pressupõe
a diminuição de aportes, a baixas taxas, por parte de agentes doadores
de recursos, à medida que a operadora cresce.
Custo de Capital Próprio: Para o propósito de cálculo do Custo de Fundos
de Empréstimo, é a diferença entre a Carteira de Crédito e as obrigações.
Em outras palavras, é a parte da carteira de crédito bancada com recursos
próprios. Rosemberg (2002) sugere o uso da taxa de inflação projetada,
desde que a inflação represente a perda real do poder aquisitivo do
capital da operadora.
Taxa de Capitalização: Representa a margem de lucro real (acima da inflação),
que a operadora tem como meta, expressa como porcentagem da carteira de
crédito média. O reinvestimento do lucro é fundamental para o crescimento da
instituição, na medida em que o montante de recursos externos que a operadora
pode levantar (emprestar) com segurança é função (depende) do volume de
recursos próprios que ela dispõe.
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 11
Receita de Investimentos: A receita esperada de aplicações financeiras, feitas
com recursos temporariamente em caixa.
Em artigo intitulado “Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado”,
divulgado no site da agência de informação Mastercred, Idalvo Toscano estima
as despesas administrativas das operadoras (formatadas como ONG – Organização
Não-Governamental ou OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse
Público) em torno de 35% da carteira ativa anual média (TOSCANO, 2005).
Supondo-se uma perda em torno de 5% ao ano e um custo de captação de
9,75%4 e admitindo-se, ainda, a não existência de taxa de capitalização (o que
pressupõe o não-crescimento) e uma receita de investimento de 3%. A instituição
necessitaria praticar uma taxa de 49,21% ao ano, ou 3,39% ao mês.
Observa-se que o exercício anterior supõe o não-crescimento (sem taxa de
capitalização) da instituição, o que, por conseqüência, impedira um aumento
de escala e otimização de custos. Pressupõe, ainda, acesso a funding, considerado barato para os padrões de mercado. O que talvez venha a corroborar o
fato de que missões de rating realizadas com algumas instituições brasileiras
tenham revelado que a maioria delas cobra taxas de juros insuficientes para
garantir sua sustentabilidade (NICHTER et al, 2002).
Em função do elevado custo operacional relacionado à concessão do microcrédito, no contexto internacional, de forma geral as instituições operadoras de
microcrédito praticam taxas mais elevadas que as dos bancos tradicionais em
suas operações comerciais, como forma de garantir sua sustentabilidade
(NICHTER et al, 2002). E somente assim podem prover, de forma permanente,
acesso ao crédito a milhões de pessoas que, hoje, estão excluídas do sistema
financeiro tradicional.
Portanto, praticar uma taxa de juros adequada, que garanta essa sustentabilidade, favorece a manutenção da equidade na oferta de capital. Contrariamente, praticar taxas que não permitam a autosustentação da instituição
operadora, fatalmente levará esta ao encerramento prematuro de suas
atividades, reduzindo, dessa forma, a oferta de capital àqueles que não estão
no target das instituições financeiras convencionais.
Os microempreendedores suportam pagar altas taxas de juros?
Colocada, então, a questão do custo e da sustentabilidade, que justificam as
taxas de juros serem superiores nas operações de microcrédito em relação a
4
Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP, em novembro/2005.
12 | Taxa de juros em operações de microcrédito: taxas subsidiadas versus taxas de mercado
outras de maior valor, é pertinente saber se, para os microempreendedores, as
taxas praticadas são viáveis e, mais, se permitem, a estes, se beneficiarem da
alavancagem financeira, já que, se isso não for verdade, perde o sentido a
atividade exercida pelas operadoras de microcrédito.
Para analisar o impacto das taxas de juros nesses pequenos empreendimentos
é preciso fazê-lo no contexto dos custos totais envolvidos no acesso ao crédito.
Além dos custos financeiros, explícitos sobre a forma da taxa de juros, de taxas
administrativas e de comissões, deve-se considerar, ainda, os custos de transação
e de oportunidade. Por custos de transação entende-se todos os gastos
decorrentes do processo de obtenção de crédito, tais como despesas com
obtenção de certidões, cópias de documentos, despesas com transportes
relacionadas à obtenção do crédito, saque do dinheiro e pagamentos etc. E o
custo de oportunidade refere-se à geração de renda perdida em função da
obtenção do crédito por motivos de ausência no negócio para tratar do crédito,
tempo gasto para levantar os documentos necessários à formulação do pedido
e a não-obtenção da receita decorrente da falta de crédito.
A taxa de juros, portanto, é apenas um dos diversos elementos no custo de
acesso ao crédito e, nem sempre, é o mais significativo para o tomador.
Normalmente os empreendedores de baixa renda consideram o acesso ao
crédito mais importante que o custo financeiro real decorrente desse crédito
(GOODWIN-GROEN, 2003). De fato, “os preços costumam ser a primeira
consideração da instituição de crédito e possivelmente a última consideração
dos clientes de microfinanças” (BRUETT et al, 2002, p. 80).
Como exemplo5 comparativo desses custos, imagine um feirante que vende,
em média, R$ 200,00 por dia e cujo custo da mercadoria é de R$ 120,00;
portanto, seu lucro bruto é de R$ 80,00 por dia. Agora, imagine que este
feirante recorra a um banco para conseguir um empréstimo de R$ 800,00 para
ser utilizado como capital de giro. Para conseguir esse empréstimo, teve que ir
ao banco duas vezes e, para tanto, gastou oito passagens de ônibus. Foi
solicitado, do feirante, cópias de documentos e preenchimento de fichas
cadastrais e dados do negócio. O crédito então foi concedido, desde que o
feirante mantivesse uma conta corrente, movimentada por cartão, o que gera
tarifas de cartão e manutenção da conta. Esses custos são chamados de custos
de transação e estão discriminados na Tabela 1.
5
Adaptado de Vilela e Aguiar, 2004.
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 13
TABELA 1
EXEMPLO DE CUSTOS DE TRANSAÇÃO
Custos de transação
Custo Unitário
Unidades
Custo Total
R$
R$
R$
R$
8
6
1
6 meses
R$ 13,60
R$ 0,90
R$ 8,00
R$ 30,00
R$ 52,50
Transporte
Cópias de documentos
Tarifa do cartão
Tarifa de manutenção da conta corrente
Custo Total
1,70
0,15
8,00
5,00
O custo de oportunidade é decorrente de dois meio-períodos que o feirante se
ausentou do seu local de trabalho para tratar da operação, deixando, portanto,
de vender e, conseqüentemente, tendo uma redução de renda da ordem de
R$ 80,00 (um dia = dois meio-períodos). Se o banco cobra do cliente uma taxa
de 3% ao mês, o valor presente do custo financeiro seria R$ 75,956. O custo
total da operação seria de R$ 208,45, dos quais quase 64% são custos de
transação e oportunidade, conforme descrito na Tabela 2.
TABELA 2
EXEMPLO COMPARATIVO DOS CUSTOS DE ACESSO AO CRÉDITO
Custos de acesso ao crédito
Custo de Oportunidade
Custo de Transação
Custo Financeiro
Custo Total
R$
%
R$ 80,00
R$ 52,50
R$ 75,95
R$ 208,45
38,4%
25,2%
36,4%
100%
A metodologia do microcrédito permite a redução dos custos de transação e
de oportunidade do tomador de crédito, diminuindo ao máximo a burocracia
e fazendo com que o agente de crédito vá até ao cliente evitando seu
deslocamento e conseqüente ausência do trabalho, havendo, portanto, uma
compensação entre o custo financeiro e os de transação e oportunidade. Os
empreendedores populares reconhecem, claramente, a redução dos custos de
transação e oportunidade no acesso ao crédito, pela estratégia de operação do
microcrédito produtivo orientado (VILELA; AGUIAR, 2004).
6
O custo financeiro foi calculado como o valor presente dos juros pagos em seis parcelas mensais
pelo sistema Price, a fim de trazer todos os custos para a mesma data, permitindo a comparação.
14 | Taxa de juros em operações de microcrédito: taxas subsidiadas versus taxas de mercado
Uma boa perspectiva para analisar a capacidade de pagamento dos microempreendimentos, é observar os custos financeiros, decorrentes das operações de
microcrédito, no contexto da totalidade dos seus custos e receitas. Para um
microempreendedor o custo de uma operação de microcrédito representa uma
pequena proporção dos custos totais do negócio. Castello, Stearns e Christen
(apud ROSEMBERG, 2002) relatam uma análise amostral realizada no Chile,
Colômbia e República Dominicana, em que microempreendedores pagavam
em média 6,3% ao mês pelo crédito, mas que as despesas com juros
representavam, de seus custos totais, entre 0,4% e 3,4%.
Os pequenos negócios, normalmente, possuem altas taxas de rentabilidade e
giro rápido, resultando em um investimento de alto retorno, capaz de ser
alavancado financeiramente, mesmo com o custo elevado de capital de
terceiros. A Tabela 3 apresenta alguns exemplos de margens e períodos de
giro de pequenos empreendimentos, apresentado por Vilela e Aguiar no II
Congresso Latino-Americano de Microcrédito, em agosto de 2004, em
Blumenau, Santa Catarina (VILELA; AGUIAR, 2004).
TABELA 3
TAXA DE RENTABILIDADE E PERÍODO DE GIRO DE EMPREENDIMENTOS POPULARES
Atividade
Cerveja e refrigerantes
Bebidas quentes
Roupas
Cosméticos
Material de limpeza
Doces e Salgados
Feira: banana
Feira: alho
Feira: cebola
Taxa de rentabilidade bruta
do investimento
60%
150%
100%
30%
100%
50%
70%
60%
50%
Período do giro do capital
Semanal
Semanal
Semanal
Semanal
Semanal
Semanal
2 vezes por semana
Semanal
Semanal
Fonte: Vilela e Aguiar (2004).
A teoria econômica, através da lei dos rendimentos decrescentes, dá uma
explanação mais genérica do por que pequenos negócios podem pagar taxas
de juros que, muitas vezes, sufocariam grandes negócios. Os agentes econômicos
dispõem de uma variedade de alternativas para aplicar unidades adicionais de
capital. Algumas dessas possuem expectativa de altos retornos, enquanto outras,
expectativas de retorno mais baixas. Os agentes, então, hierarquizam essas
opções, existindo, portanto, uma tendência dos retornos diminuírem a cada
unidade adicional de capital empregada.
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 15
Para o público-alvo das microfinanças, o acesso oportuno e ágil ao crédito é
mais relevante que o preço do dinheiro – isto é, as taxas de juros cobradas
pelos empréstimos. A razão para isso é que a produtividade marginal do
capital é extremamente alta nos microemprendimentos (PARENTE, 2002, p. 35).
Empreendedores de baixa renda, especialmente os comerciantes, podem gerar
grandes benefícios com unidades adicionais de capital, diferentemente dos
negócios altamente capitalizados, porque seu investimento inicial é muito pequeno.
Estudos na Índia, Quênia e Filipinas apontam para uma faixa de retorno médio
anual, nos micronegócios, entre 117% e 847% (GOODWIN-GROEN, 2003).
Uma observação que ratifica a existência de capacidade de pagamento pelos
microempreendedores é que, mesmo cobrando taxas relativamente altas, as
operadoras de microcrédito quase sempre encontram demanda superior à sua
capacidade de atendimento. O índice de renovação dessas instituições é bastante
alto: no Brasil, o índice de renovação global é de 62,77%, chegando a 90% na
região Nordeste (MEZZERA, 2003), demonstrando que boa parte desses clientes
usam o crédito, pagam e retornam para novos empréstimos. Esse padrão de
comportamento demonstra convicção dos clientes de que os empréstimos lhes
permitem ganhar mais do que os juros que têm de pagar.
Deve-se lembrar, ainda, que o objetivo dos programas de microcrédito é dar
acesso ao crédito àqueles que não são assistidos pelo sistema financeiro
tradicional. Tal público, em sua maioria, já utiliza mercados informais de crédito,
nos quais empreendedores de baixa renda tomam e pagam recorrentemente
empréstimos informais, a taxas de juros muito mais altas que qualquer instituição
de microcrédito formal cobraria. Goodwin-Groen (2003) cita uma forma de
empréstimo comum nas Filipinas, feita por agiotas, conhecida como “5/6 loan”
– para cada cinco pesos emprestados pela manhã, seis pesos devem ser pagos
à tarde. O que significa uma taxa diária de juros de 20%. Brusky e Fortuna
(2002) citam taxas de 20% ao mês, como habitualmente utilizadas por agiotas
na cidade de São Paulo, no ano de 20017. É como alternativa a esse mercado
informal de crédito que surge o microcrédito.
Portanto, não só existem motivos para que as operações de microcrédito tenham
um custo mais alto, mas, também, seu público-alvo pode suportar essas taxas
e encontrar utilidade nessas operações.
7
Em 2001, a Taxa CDI média anual foi de 17,29%. Fonte: CETIP – Câmara de Liquidação e
Custódia. Disponível em: <http://www.cetip.com.br>. Acesso em: 01 nov. 2005.
16 | Taxa de juros em operações de microcrédito: taxas subsidiadas versus taxas de mercado
Limites e subsídios às taxas de juros
Compreendida a necessidade de se praticar uma taxa que garanta a sustentabilidade da instituição operadora, e considerando que os pequenos empreendimentos, o público-alvo do microcrédito produtivo, de forma geral, possuem
capacidade de pagamento e conseguem obter utilidade nesse crédito, as taxas
de juros, então, deveriam ser definidas pelo mercado.
Entretanto, poderia se argumentar que a redução, mesmo que artificial da taxa,
poderia provocar uma maior taxa de penetração8 ou forçar a competitividade
das operadoras. Analisam-se, a seguir, os efeitos mais contundentes de duas
intervenções nesse sentido: o limite e o subsídio à taxa de juros.
Efeitos da imposição de limites máximos às taxas de juros no
microcrédito
Com o argumento de ser uma forma de proteção ao pequeno tomador, limites
máximos para as taxas de juros aplicadas ao microcrédito têm surgido nos
últimos anos, criando grande pressão sobre as instituições, em um crescente
número de países. A experiência, porém, tem mostrado que é a eliminação de
controles sobre as taxas de juros que tem permitido a essas instituições se
desenvolverem de forma sustentável. O estabelecimento de limites máximos
(teto) para taxas de juros aplicadas ao microcrédito tem se demonstrado uma
política ineficaz: ao invés de proteger o pequeno e o microempreendedor, essa
medida, em geral, tem prejudicado a população de baixa renda, já que dificulta
o surgimento de novas instituições operadoras e o crescimento ou até a
sobrevivência das existentes. O modelo de estabelecimento de teto para as
taxas de juros demonstra uma absoluta falta de entendimento de como esses
tetos reduzem o acesso do pobre ao crédito e perpetuam os níveis de pobreza
existentes (MARULANDA; OTERO, 2005).
Nos países onde existe limitação legal para as taxas de juros, o crescimento da
indústria microfinanceira é mais lento, as instituições operadoras de microcrédito
freqüentemente deixam o mercado. Tornam-se menos transparentes sobre os
custos totais e/ou reduzem os trabalhos na área rural e outros mercados mais
onerosos. Os limites às taxas de juros forçam as instituições a ficarem fora do
negócio, direcionando os clientes de volta para o oneroso mercado informal,
onde não existe a mínima proteção (DUVAL, 2004).
8
Razão entre demanda potencial e demanda atendida.
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 17
O relatório do CGAP, “Donor Brief”, n° 18, de maio de 2004, apresenta dados
de experiências de implantação de limites de taxas de juros na Nicarágua,
Oeste da África e África do Sul. Na Nicarágua, segundo informa o relatório, o
presidente da Associação das Instituições de Microfinanças, Alfredo Alañiz,
apontou uma queda, no crescimento da carteira global das instituições
associadas, de 30%, para menos de 2% no ano de 2001, quando foi introduzida
a taxa limite. No Oeste da África, quando o Banco Central e o Ministério das
Finanças instituíram uma taxa limite, algumas dessas instituições deixaram de
operar com as populações de baixa renda das regiões mais remotas e mudaram
seus focos de atuação para áreas urbanas de menor custo operacional. Outras,
elevaram também o valor médio das operações (presumivelmente diminuindo
o atendimento aos clientes de mais baixa renda). Finalmente, na África do Sul,
as adoções de taxas limites não protegeram efetivamente aqueles de mais
baixa renda. A alocação do crédito foi alterada, prejudicando esses clientes.
Além disso, reduziu a transparência no custo efetivo das operações, fazendo
com que algumas instituições tenham iniciado outras cobranças, como seguros
e outras “reciprocidades bancárias” (DUVAL, 2004). Marulanda e Otero (2005)
citam, ainda, a Colômbia, como mais um dos países em que os limites às taxas
de juros dificultaram os esforços das instituições de microcrédito em alcançar
os menores clientes e cobrir seus custos.
No Brasil, a experiência de limitar a taxa de juros praticada no microcrédito,
operado com recursos do governo federal, a 2% ao mês para o tomador final,
também se mostrou inviável, tendo o governo flexibilizado essa posição,
permitindo aplicação de taxas, na ponta final, de até 4% ao mês9.
Hoje, há um consenso, entre os representantes de governo de diversos países
da África, Ásia e América Latina, além de importantes agentes disseminadores
do microcrédito, fundos internacionais e entidades multilaterais, de que o melhor
modelo de política para microfinanças pressupõe a prática de taxa de juros
livres, com o uso da competição, ao invés de tetos máximos de juros,
estimulando-se a eficiência como forma de baixar esses juros (BACEN, 2003).
Efeitos do subsídio às taxas de juros
Outra forma de intervenção do governo no mercado é, ao invés de estabelecer
limites máximos para as taxas de juros, ofertar crédito a taxas subsidiadas. Não
há relatos de evidências de que taxas subsidiadas aumentem a taxa de
9
Resolução 3.310 do BACEN de 31 de agosto de 2005.
18 | Taxa de juros em operações de microcrédito: taxas subsidiadas versus taxas de mercado
penetração. Estudos internacionais demonstram que não existe um vínculo
entre os níveis de taxa de juros e a profundidade da clientela alcançada
(NICHTER et al, 2002).
De fato, o relatório “Brasil: Acesso a Serviços Financeiros – 2003”, do Banco
Mundial, entre suas principais conclusões aponta, como um dos fatores
responsáveis pela baixa penetração das instituições de microcrédito, a presença
de algumas delas, dirigidas principalmente por governos municipais para atingir
objetivos sociais, que fornecem crédito altamente subsidiado.
The presence of institutions (mostly those established by municipalities), which
charge highly subsidized interest rates, creates a distortion in the market likely
to be a barrier to entry for a new private players. Banco do Povo of Sao Paulo is
an example of such an institution, which although apparently successful, is
extremely costly to the government and where financial self-reliance is clearly
a subsidiary objective (WORLD BANK, 2004, p. 83)10.
As taxas de juros subsidiadas geralmente beneficiam somente a um pequeno
número de tomadores e por um curto período de tempo, devido à rápida
descapitalização dos programas. Bettina Wittlinger, consultora da Accion
International, em sua palestra no Segundo Seminário sobre Microfinanças, do
Banco Central, em novembro de 2003, em Fortaleza, colocou enfaticamente:
“Não podemos continuar com programas de microcrédito dependentes de
subsídio e ajuda externa, que desaparecem quando se suspende o apoio”
(WITTLINGER, 2003).
Também Luis Corrales, diretor do Banco Nacional de Costa Rica, coloca como
fator de êxito, ao relatar a experiência do BNCR, a prática de taxas de mercado
sem subsídios e, assim como Bettina Wittlinger, também enfoca a questão da
permanência do crédito:
Creemos firmemente que las generaciones futuras también tienen derecho al
acceso al crédito. Si usted da subsidio ahora es muy probable que las
generaciones futuras vayan a enfrentarse a una oferta de crédito restringida
(ALIDE, 2005, p. 11)11.
10
A presença de instituições (na sua maioria estabelecida pelas prefeituras), que cobram taxas
de juros altamente subsidiadas, cria uma distorção no mercado configurando uma barreira à
entrada de novos agentes privados. O Banco do Povo de São Paulo é um exemplo de tal instituição,
que embora seja aparentemente bem sucedida, é extremamente custosa para o governo, sendo
a auto sustentabilidade financeira um objetivo claramente secundário (tradução do autor).
11
Acreditamos firmemente que as gerações futuras também têm direito ao acesso ao crédito.
Se você subsidia hoje é muito provável que as gerações futuras enfrentem uma restrição na
oferta de crédito (tradução do autor).
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 19
A curta sobrevivência dos programas é agravada pelas altas perdas por falta de
pagamento dos créditos. Programas com público-alvo específico, que utilizam
taxas subsidiadas, geralmente apresentam alta inadimplência, dependência
institucional e crescimento limitado. Os clientes, freqüentemente, vêem esses
programas como assistencialistas, onde não há a necessidade de repagamento
(MARULANDA; OTERO, 2005; GOODWIN-GROEN, 2003). Nitsch e Santos (2001)
acrescentam que, esse tipo de programa, pode gerar, ainda, o inflamento de
um aparelho burocrático e ineficiente e o incentivo ao clientelismo político,
resultando, portanto, em uso ineficiente dos recursos públicos.
Subsidiar as taxas de juros é um uso inapropriado dos recursos, tanto os
provenientes de doadores não-governamentais como os provenientes de fundos
públicos, porque corrompem o mercado e podem estimular a atração de uma
demanda não originária do público-alvo. Segundo a maioria dos autores, o
crédito subsidiado é rapidamente capturado por setores econômicos e sociais
que não pertencem ao grupo alvo. Para Santos et al (2004), o incentivo ao rent
seeking, por meio dos juros subsidiados, explica, por exemplo, por que a clientela
do Proger, no estado de São Paulo, é composta, em sua ampla maioria, por
clientes das chamadas classes A e B. E, apesar das instituições procurarem
tomar medidas para impedir esse fato, isso somente acarreta um enorme
aumento dos custos operacionais, o que contribui ainda mais para a perda do
foco nesses programas (SANTOS et al, 2004).
Além do Proger, também no Pronaf – Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (e em algumas linhas de crédito e microcrédito oferecidas pelo
BNDES, Banco do Nordeste e Banco da Amazônia, com custos financeiros baixos,
uma vez que a maioria dessas linhas de crédito é subsidiada pelo Estado), verificase um acesso restrito, devido, sobretudo, aos altos custos de transação para que os
potenciais usuários tenham acesso a esses serviços (MAGALHÃES, 2004).
Um trabalho desenvolvido em parceria pelo Ministério do Trabalho e Emprego,
a Fundação Banco do Brasil e o Instituto Centro Cape, intitulado “Guia de
Montagem: caminhos para montagem de uma instituição de microfinanças”,
aponta ainda mais um fator contrário ao subsídio. Desta vez, relativo à
manutenção da auto-estima do tomador:
A noção de que os pobres têm que necessariamente receber dinheiro subsidiado
é repudiada pelo microcrédito pelo simples fato de que isso os coloca numa
situação de inferioridade. Ao subsidiar taxas de juros, por exemplo, estamos
implicitamente dizendo que os pobres são incapazes de pagar um empréstimo
normal, que precisam ser ajudados. O microcrédito pratica juros de mercado e
parte do princípio de que todos apresentam essa condição de criar renda
própria, através de auto-emprego, em níveis satisfatórios para quem recebe o
financiamento (ICCAPE, 2002, p. 25-26).
20 | Taxa de juros em operações de microcrédito: taxas subsidiadas versus taxas de mercado
Hollis e Sweetman (1998) estudaram seis organizações de microcrédito do
século XIX, na Europa, numa tentativa de identificar os modelos institucionais
que levariam ao sucesso e à sustentabilidade12. O exame histórico teve como
vantagem oferecer a oportunidade de explorar as características de organizações
que sobreviveram por muitas e muitas décadas, perspectiva que não é fácil de
encontrar nas instituições contemporâneas, cuja maioria tem menos de 15
anos de idade.
Uma das conclusões mais contundentes do trabalho é a de que organizações
que dependem de fundos (de custeio ou de empréstimo) subsidiados são mais
frágeis e tendem a perder seu foco mais rapidamente que aquelas que captam
seus recursos no mercado. Nas conclusões do referido trabalho eles dizem:
The most striking conclusion emerging from this review is that depositor-based
MOs13 tend to last longer and serve many more borrowers than MOs financed
by donations or governmental loans (HOLLIS; SWEETMAN, 1998, p. 29)14.
Mais recentemente, uma pesquisa realizada pela Accion International, visando
a determinar o perfil das instituições de microfinanças da América Latina,
envolvendo especialistas em microfinanças e 47 instituições operadoras de 14
países das Américas Latina e Central, apresentou a necessidade de condições
sistêmicas que permitam o crescimento da indústria microfinanceira. Segundo
as conclusões do estudo, isso pressupõe um ambiente sem restrições legais às
taxas de juros praticadas e onde a estrutura competitiva do mercado não seja
distorcida pela presença de entidades operando com taxas de juros subsidiadas
(MARULANDA; OTERO, 2005).
Portanto, existem evidências empíricas, em diversos países, que reforçam a
tese que programas de microcrédito com taxas de juros altamente subsidiadas
têm um impacto socioeconômico bastante restrito.
Porém os subsídios podem ser necessários, sim, durante a implantação e a fase
inicial de operação da instituição de microcrédito. Mas a sua melhor utilização
se dará através da cobertura de custos operacionais, do desenvolvimento dos
sistemas e da capacitação do pessoal. Durante o período inicial, doadores de
recursos podem desempenhar um importante papel, capitalizando essas instituições e proporcionando, assim, um crescimento mais rápido, incrementando
12
Microcredit: what can we learn from the past?
13
Microcredit Organization (Organizações operadoras de microcrédito).
14
A conclusão mais instigante levantada nesta pesquisa é que as organizações operadoras de
microcrédito que realizam captação de recursos no mercado tendem a durar mais e servir a
muito mais mutuários que as organizações operadoras de microcrédito financiadas por doações
ou empréstimos do governo (tradução do autor).
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 21
seu desenvolvimento e permitindo atingir um número maior de clientes de
forma sustentável (GOODWIN-GROEN, 2003).
Considerações finais
Este artigo apresentou argumentos que demonstram que o custo de uma
operação de microcrédito é elevado e que as instituições operadoras precisam
cobrar taxas que lhes permita a auto-sustentabilidade, fator esse, evidenciado
na literatura especializada atual, imprescindível para garantir, de forma ampla
e permanente, o acesso ao crédito àqueles que atualmente não o possuem,
seja por falta de formalização, garantia ou, simplesmente, por não serem
atrativos, comercialmente, ao sistema financeiro tradicional. Demonstrou
também que, de forma geral, os micronegócios têm capacidade de pagamento
e encontram utilidade para esse crédito.
Três pontos importantes foram destacados, de como a intervenção do Estado,
no nível da taxa de juros, seja através do estabelecimento de limites máximos
de operação, seja pela oferta de crédito subsidiados, impactam na extensão
da oferta do microcrédito.
Primeiro, existem evidências de que a imposição de limites máximos, às taxas
praticadas junto ao tomador final, tem, em última instância, reduzido a oferta
do crédito ao público-alvo do microcrédito, através da saída de operadoras do
mercado e da mudança do foco em busca de operações mais rentáveis. Tem,
ainda, reduzido a transparência nas operações através do aparecimento de
cobranças indiretas, tais como taxas de abertura de crédito e de análise, além
da exigência de “reciprocidades bancárias”.
Em segundo lugar, também os programas que utilizam taxas subsidiadas acabam
por ter menor penetração e a atuar por menor tempo, devido à falta de sustentabilidade, afastando-se, conseqüentemente, do objetivo de conceder acesso
ao crédito ao maior número possível de desassistidos. Tais programas, durante
seu período de existência, podem, ainda, representar uma concorrência tal,
utilizando-se de taxas muito abaixo das de mercado, que iniba o desenvolvimento da indústria de microcrédito na região.
Como terceira observação, as taxas subsidiadas tendem a atrair um públicoalvo diferente do objetivado pelos programas de microcrédito, saindo do foco e
desviando recursos para um segmento que não necessita de subvenções.
Acrescente-se a essas observações, o fato de que a utilização de taxas subsidiadas
não promove a educação financeira do pequeno empreendedor, mantendo-o
em uma situação não-real, na qual esse empreendedor talvez não sobreviva, quando
deixar de contar com a subvenção e necessitar pagar os preços reais de mercado.
22 | Taxa de juros em operações de microcrédito: taxas subsidiadas versus taxas de mercado
Esses pontos diminuem o acesso do pequeno empreendedor ao crédito,
reduzindo suas oportunidades. Tudo indica que o melhor caminho para a rápida
expansão do microcrédito, reduzindo o imenso gap hoje existente entre a
demanda e a oferta, seja a prática de taxas de juros livres, de mercado, sem a
imposição de limites nem a utilização de taxas subsidiadas. No entanto, subsídios
na implantação, montagem e desenvolvimento institucional, financiamento de
estudos e pesquisas na redução do custo operacional, através da melhoria de
processos e do uso intensivo de tecnologia da informação podem, por sua vez,
ser importantes para estimular o crescimento da indústria financeira.
O Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial – 2006, do Banco Mundial, afirma
que a equidade deve ser parte integral de uma estratégia bem sucedida de
combate à pobreza. E a equidade é definida, fundamentalmente, como
igualdade de oportunidades entre as pessoas. A função do microcrédito é,
justamente, dar essa oportunidade. A questão principal do microcrédito é como
fazê-lo chegar a quem precisa. Não interessa dinheiro barato, se quem o precisa
não consegue tê-lo.
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Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 25
2
REFORMAS MICROECONÔMICAS,
AJUSTES INSTITUCIONAIS E OFERTA
DE CRÉDITO: UMA ANÁLISE DA
NOVA LEI DE FALÊNCIAS NO BRASIL
Luiz Marques de Andrade Filho*
Vítor Santos**
Resumo
Este trabalho parte do referencial teórico da economia institucional e dos custos
de transação para estimar possíveis impactos advindos da nova Lei de Falências
e de Recuperação de Empresas, reconhecida como uma ferramenta necessária
para reduzir os custos de transação no ambiente bancário em relação à oferta
de crédito na economia brasileira.
Palavras-chave: Economia Institucional. Custos de Transação. Lei de Falências.
Oferta de Crédito; Risco Bancário.
Abstract
This article starts from the theoretical framework of the institutional economy
and transaction costs to estimate the possible impacts originated from the New
Law of Bankruptcies and Enterprise Recovery, recognized as a necessary tool to
reduce transaction costs in the banking environment in relation to the credit
supply in the Brazilian economy.
Key-words: Institutional Economy. Transaction Costs. Bankruptcies Law. Credit
Supply. Banking Risk.
*
Economista, Mestre em Administração pela UFBA, Doutorando em Economia pelo Instituto
Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa e Coordenador de Soluções
em Gestão Pública da Fundação Luis Eduardo Magalhães. E-mail: [email protected]
** Economista, Doutor em Economia pelo ISEG, Professor Catedrático do Instituto Superior de
Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa e Professor convidado da Universidade
de Stanford. E-mail: [email protected]
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 27
Introdução
A teoria econômica já possui em sua base de entendimento teórico a concepção
de que, de fato, as instituições são importantes para o desempenho econômico.
Essa afirmação decorre da leitura de autores que podem ser identificados como
mais “à esquerda” do espectro ideológico relativo ao pensamento econômico
tradicional em economia, como Chang (2001; 2003a; 2003b; 2003c), Chang e
Evans (2000) e Harris-White (2003), bem como autores mais identificados como
“à direita”, ou mais ortodoxos, podendo ser citados neste caso, Coase (1990),
Williamson (1987; 2000) e os textos do Banco Mundial (2002); e, ainda, pensadores mais relacionados ao centro do espectro ideológico, como North (1993),
Dixit (2000), Rodrik (2000), Acemoglu e Johnson (2003), e Acemoglu et al (2004).
De alguma maneira, todos esses autores reconhecem a importância das instituições
e seus impactos na economia: há uma distinção clara, porém, entre aqueles que
apenas aceitam o impacto das instituições ditas formais (leis, contratos, mercados
e estruturas burocráticas), como os autores mais à direita entendem, e aqueles
que acreditam, também, na relevância econômica das instituições informais
(história, cultura e valores sociais), como os autores mais à esquerda1.
Tendo como base essa breve taxionomia, tem sido argumentado, pelas agências
multilaterais e por estudiosos identificados com o pensamento mainstream, que
os países em desenvolvimento necessitariam realizar ajustes microeconômicos –
como no ambiente institucional – após a efetivação e alcance da estabilidade
macroeconômica durante a década de noventa, como forma de atingirem taxas
de crescimento econômico mais sólidas e sustentadas no longo prazo.
Nesse sentido, Kuczynski e Williamson (2004), por exemplo, indicam a necessidade da implementação do que denominam reformas de segunda geração
para a complementação dos ajustes estruturais demandados pelas economias
da América Latina.
O principal ponto da economia do desenvolvimento nos anos 1990 foi o
reconhecimento do papel crucial das instituições, permitindo que a economia
funcionasse eficazmente. A importância de reformas institucionais complementando as reformas de primeira geração na América Latina foi enfatizada
primeiro por Naím (1994), o qual denominou “reformas de segunda geração”.
Um trabalho recente de Levine e Easterly (2001) conclui que o estado de
1
Quanto à relevância das instituições, observe-se que o Fundo Monetário Internacional,
através do World Economic Outlook, de setembro de 2005, reserva um dos seus quatro
capítulos para o tema Construção das instituições. Os três outros aspectos abordados se
referem às Perspectivas econômicas para 2006; Desequilíbrios globais entre poupança e
investimento e a Eficácia do modelo de metas de inflação para os países em desenvolvimento.
28 | Reformas microeconômicas, ajustes institucionais e oferta de crédito: uma análise da
nova Lei de Falências no Brasil
desenvolvimento institucional fornece a única variável que possibilita apontar
com certeza o grau de desenvolvimento de um país (KUCZYNSKI; WILLIAMSON,
2004, p. 10).
Dessa forma, este artigo objetiva mapear as ações do Governo Federal brasileiro
com vistas à reduzir os custos de transação da economia, em particular com
enfoque no mercado de crédito bancário. O texto analisará o possível impacto
da nova Lei de Falências, aprovada pelo Congresso Nacional no início de 2005,
em um ambiente em que as reformas microeconômicas surgem, pelo menos
em retórica, como um ajuste seqüencial e necessário para fortalecer o equilíbrio
macroeconômico alcançado durante a década de noventa.
Na primeira parte deste trabalho será analisada a agenda de reformas microeconômicas proposta pelo governo federal, para reduzir os custos de transação no
ambiente empresarial; na segunda parte, será avaliada a nova Lei de Falências
e de Recuperação de Empresas, mediante a realização de inferências, a fim de
estimar possíveis impactos na economia como forma de redução do risco dos
bancos no processo de crédito e, em conseqüência, na taxa de juros.
Como hipótese orientadora do trabalho, admite-se que as instituições formais,
como (no caso) a legislação sobre falências, possuem impacto relevante sobre
o comportamento dos agentes, em particular na demanda de crédito bancário,
devido ao fato de uma legislação mais inóspita aos bancos tender a fazer com
que estes aumentem suas taxas ativas como forma de se protegerem contra o
risco de falência das empresas devedoras, reduzindo, dessa forma, a captação
de crédito na economia.
A agenda de reformas microeconômicas a partir da
década de noventa
Já é conhecido, e bastante discutido, o processo brasileiro de evolução econômica que, durante cinco décadas, de 1930 até o início da década de oitenta,
criou uma base industrial diversificada, através do processo de substituição de
importações, com a presença marcante do Estado, pelo incremento dos gastos
públicos, proteção tarifária, direcionamento estratégico do investimento em
formação bruta de capital e intensa atuação das empresas estatais. Esse modelo
básico foi idêntico ao padrão adotado pela grande maioria das economias da
América Latina, fechado à competição estrangeira e com forte participação
estatal, em confronto com o modelo asiático, que adotou um padrão voltado
para a competição externa, mantendo, porém, em paralelo com os latinoamericanos, a característica da intervenção e dirigismo estatal; uma divergência
entre os modelos foi o intenso gasto em educação e pesquisa tecnológica
efetuado pelos asiáticos (CANUTO, 1994; CHANG, 1994).
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 29
Esse modelo de desenvolvimento se esgota a partir da grande crise da dívida
externa no início da década de oitenta, propiciada pelo excesso de endividamento externo, com taxas pós-fixadas durante o período anterior (os anos
setenta), marcado por alta liquidez e taxas de juros muito baixas, seguido da
dura política monetária do governo Reagan, que implicou incremento nas taxas
de juros internacionais. Isso levou as economias latino-americanas às fortes
restrições em seus balanços de pagamentos, devido ao aumento do pagamento
dos juros da dívida externa. Essa quebra, ao lado de um ambiente estagflacionário e, em alguns casos, como na Argentina e no Brasil, hiperinflacionário,
implicou a mudança do padrão de desenvolvimento que, desde a década de
noventa, está voltado à abertura comercial e financeira, com absorção de
poupança externa e redução da participação estatal.
De fato, a década de noventa marca o absoluto esforço dos governos latinoamericanos no controle da inflação, com base em um novo padrão na busca
de crescimento econômico. O Brasil alcançou esse objetivo apenas com o Plano
Real, que controlou as taxas elevadas de inflação através de abertura externa
e políticas internas contracionistas.
Assim, a partir de meados do segundo governo Cardoso, a agenda econômica
discutida em Brasília passou a utilizar, como retórica de governo (intensificada
pelo atual governo de Lula), o pressuposto de que a macroeconomia já estava
“ajustada”, pois os fundamentos macroeconômicos (saldo comercial, transações
correntes, risco soberano e taxa de inflação) estavam a caminho da normalidade
(como em Cardoso) ou, mesmo, já controlados (como em Lula). Dessa forma,
estando os fundamentos macroeconômicos ajustados, seria necessário um forte
trabalho governamental, inclusive através de articulação junto ao Congresso,
para implementar ajustes microeconômicos, chamados de ajustes institucionais,
a fim de reduzir os custos de transação da economia brasileira, em particular
em relação às altas taxas de juros cobradas pelos bancos e às facilidades para
abertura de novos negócios.
O diagnóstico, portanto, se referia ao entendimento de que as altas taxas de
juros seriam em função não apenas da rigidez da política monetária, mas,
também, da incerteza enfrentada pelos credores em relação à realização das
garantias dos empréstimos e pelo aumento da inadimplência. Portanto, o ajuste
institucional – a ser criado mediante a adoção de reformas microeconômicas –
teria o objetivo de interferir positivamente sobre a atividade econômica dos
agentes, pela forma de incentivos2.
2
No documento Juros e Spread no Brasil, de 1999, o Banco Central enumera fatores de
aumento dos custos de transação na economia e como eles afetariam o diferencial entre as
taxas de captação e o empréstimo do sistema bancário. Assim, são propostos meios para a
eliminação desses atritos.
30 | Reformas microeconômicas, ajustes institucionais e oferta de crédito: uma análise da
nova Lei de Falências no Brasil
Nesse sentido, alguns estudos vêm tentando fazer o mapeamento do impacto
dos custos de transação na economia, em função do respectivo ambiente
institucional. Uma dessas formas de análise é inferir a respeito do tempo médio
para abrir e fechar um negócio. Zylbersztajn e Graça (2003) realizaram um
estudo a respeito do tempo e do custo para abertura de novas empresas no
Brasil: para tanto, os autores delimitaram um universo que considerava micro e
pequenas empresas do setor de confecções, na cidade de São Paulo, entre
janeiro de 1999 até julho de 2001. E concluíram que os procedimentos para
abertura de uma empresa variam do tipo de atividade desenvolvida e da região
geográfica do estabelecimento. Segundo os autores, para a formalização de
um novo negócio, é necessário, em média: a adoção de nove procedimentos e
a visita a quatro agências governamentais, dentro de um período de 2,14
meses (64 dias), e com um custo da ordem de 11,3% do PIB per capita.
Os altos custos para a abertura de empresas, e o tempo necessário para a sua
formalização, implicariam, sobre os empresários, um comportamento inicial
de permanência no setor informal da economia. Em um estudo anterior, a
respeito do custo e do tempo para abertura de novos negócios, feito por Djankov
et al (2000), foram realizados testes cross-section, em uma base de 75 países,
e estimado o tempo e o custo demandado para abertura de novos
empreendimentos, bem como a correlação entre variáveis que mensuravam o
intervencionismo governamental e o grau de democracia da sociedade com os
custos de transação para abertura de novos negócios.
An analysis of the regulation of entry in 75 countries shows that, even aside
from the costs associated with corruption and bureaucracy delay, legal entry is
extremely expensive, especially in the countries outside the top quartile of the
income distribution. We find that heavier regulation of entry is generally
associated with greater corruption and a larger unofficial economy, but not
with measures of better quality of private and public goods. We also find that
countries with less limited, less democratic and more interventionist
governments regulate entry more heavily, even controlling for the level of the
economic development (DJANKOV et al, 2000, p. 25).
Ainda a respeito de quais variáveis seriam determinantes para o aumento da
relação crédito privado/PIB, Djankov et al (2005) utilizaram algumas para testar
seus respectivos impactos sobre o comportamento do volume de crédito privado,
entre elas: (i) índice de direitos dos credores; (ii) a variável dummy existência
de registro público, que foi igual a 1 – se havia alguma forma de base de dados
gerenciada pelo setor público relativa a informações sobre demandantes de
crédito – ou igual a 0 se não existisse essa base de informações; (iii) a variável
dummy existência de organização privada de registro, que foi igual a 1 – se
havia alguma organização não estatal responsável pela base de dados relativa
a informações sobre demandantes de crédito – ou igual a 0 se não existisse
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 31
esta organização; (iv) número de dias médios para resolver uma disputa judicial
referente ao pagamento de dívida; e (v) origem do sistema legal da sociedade
(inglês, francês, alemão, nórdico ou socialista).
Partindo do raciocínio de que haveria duas linhas básicas de pensamento para
explicar o comportamento do volume de crédito em uma economia, a primeira
relativa à força e poder dos credores e, a segunda, baseada na informação dos
credores a respeito dos devedores, Djankov et al (2005) modelaram séries
seccionais e, também, uma inferência temporal, esta última para testar o impacto
de mudanças ocorridas nas variáveis e, dessas, sobre o crédito privado/PIB, no
decorrer do tempo. Para os autores (em média), economias menos desenvolvidas
teriam dificuldades em construir sua estrutura de concessão de crédito em
função do poder dos credores: nesse caso, a informação a respeito dos devedores
passaria a ser primordial; no entanto, com o avanço natural das economias o
poder dos credores passaria a superar a necessidade da informação3.
Creditor power and information theories are not mutually exclusive. Both ex
ante (and interim) better information and ex post stronger creditor rights can
contribute to credit market development. Indeed, these institutions may be
substitutes: some countries may specialize in information institutions, others
in legal system giving power to the creditors. Furthermore, there may be a
natural progression. Less developed countries, with poorly functioning legal
systems, might be unable to sustain an effective lending channel based on the
ex post creditor rights, and may depend on information sharing for their credit
markets to function (DJANKOV et al, 2005, p. 3).
Foi, assim, confirmada a hipótese relativa ao impacto positivo do índice de
direitos dos credores em relação ao crédito privado/PIB; já a análise temporal
se baseou em modificações ocorridas nas variáveis e seus impactos sobre o
crédito privado/PIB no decorrer do tempo; em geral, foi comprovada a significância oriunda de alterações no modelo institucional sobre a variável endógena,
ao longo do tempo.
An increase of 1 in the creditor rights index is associated with 14,0 percentage
point increase in the average annual growth rate in the private credit to GDP
ratio in the five years after the reform relative to the five years before, and 16,5
percentage point increase in that rate in the 3 years after the reform relative to
3 years before (DJANKOV et al, 2005, p. 19).
Em estudo de Carvalho e Abramovay (2004) há a descrição de uma pesquisa
realizada com os principais bancos brasileiros sobre os motivos pelos quais os
3
Stiglitz e Greenwald (2004) defendem a tese de que a principal variável que definiria o
mercado de crédito é a informação, colhida pelos credores em relação aos tomadores de
fundos. Desta forma, a assimetria de informações deveria ser reduzida mediante mecanismos
de abertura de informações e de controle pelo mercado.
32 | Reformas microeconômicas, ajustes institucionais e oferta de crédito: uma análise da
nova Lei de Falências no Brasil
mesmos não ofertavam crédito às micro e pequenas empresas (Figura 1): o
item ‘falta de garantias reais’ foi apurado como o fator principal para essa
objeção, em 40% das respostas dadas.
Figura 1
Razões para a negativa de crédito às micro e pequenas empresas – Brasil, 2004
45%
40%
40%
35%
30%
24%
25%
20%
15%
12%
10%
12%
8%
4%
5%
0%
Falta de
garantias
Inadimplência
Insuficiência Linhas de crédito Projeto inviável
de documentos
fechadas
Outros
Fonte: Carvalho e Abramovay (2004, p.30).
Isso indica que, ao tempo que ações governamentais objetivavam incrementar
o volume de crédito às micro e pequenas empresas, a falta de garantias reais
ainda funcionava como um entrave ao processo de crédito (observe-se que
essa pesquisa foi realizada antes da vigência da nova Lei de Falências, aprovada
em fevereiro de 2005, que busca dar maior segurança aos bancos para a
realização das garantias em processos de falência)4. Ressalte-se que, apesar
4
As discussões a respeito da manutenção de altos valores da taxa Selic, como forma de atingir
a meta de inflação do governo federal, tem sido acompanhada, nos últimos anos, do debate
a respeito da independência do Banco Central (BC), como um dos chamados ajustes
microeconômicos a serem efetuados pelo governo para melhorar o ambiente de negócios. Os
defensores da independência do BC acreditam que o modelo atual propiciaria uma maior
pressão por parte de agentes políticos e econômicos sobre a política monetária contracionista.
O documento Reformas microeconômicas e crescimento de longo prazo (BRASIL, 2004, p. 51)
afirma que a necessidade de adoção de um modelo, em que o Banco Central passasse a
operar como uma agência regulatória, com seus cargos de presidência e direção preenchidos
através de mandatos por tempo determinado, e com a devida supervisão pelo Congresso
Nacional, reduziria o viés de pressão recebido pela direção do BC. Observe-se que Mendonça
(2003) analisa a temática a respeito da independência do BC contextualizando-a em uma
perspectiva histórica.
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 33
da nova Lei de Falências implicar uma mudança no ambiente geral das empresas
junto ao sistema bancário, são as micro e pequenas empresas que tradicionalmente possuem maior dificuldade para acesso ao crédito.
O governo federal acredita que o conjunto de ações voltadas não apenas à
melhoria do ambiente institucional para a oferta de crédito, bem como para a
implantação de maiores garantias para os bancos (através da aprovação da
nova Lei de Falências que dá maior poder aos bancos para recuperação de
seus créditos), aliada a uma política monetária que reduza o spread bancário,
tenderá a incrementar o volume de crédito privado em relação ao PIB.
Deve-se observar que a dificuldade vivenciada pelos agentes econômicos
brasileiros, em termos de atritos para a execução de negócios, pode ser ainda
verificada em recente trabalho do Banco Mundial, o relatório Doing Business
(2005), uma pesquisa relativa a 155 economias e seus respectivos ambientes
para a geração de negócios, feita através de dez índices de avaliação.
A apuração da média final entre esses índices, indicou uma má posição do
Brasil em relação à maioria dos itens analisados.
De fato, esse relatório demonstrou a economia brasileira estando apenas no
119º lugar, em termos de custos de transação no ambiente econômico. Ressaltese que os melhores desempenhos entre os países latino-americanos foram
alcançados por Porto Rico, no 22º lugar, e pelo Chile, no 25º lugar da pesquisa.
Abaixo da posição do Brasil, apenas restaram, na América Latina, a Venezuela
e o Haiti (WORLD BANK, 2005). Esse quadro demonstra o tom observado a
respeito do tema em discussão entre o governo e as elites brasileiras, que
passam, agora, após os ajustes da macroeconomia na década de noventa, a
tentar complementar as reformas estruturais da economia brasileira, dada a
argumentação de que os ajustes macroeconômicos já teriam sido exitosos,
havendo espaço, no entanto, para a adoção de reformas microeconômicas.
Na mesma pesquisa do Banco Mundial, em relação ao item ‘acesso ao crédito’,
o Brasil foi definido apenas como a 80a posição, entre as 155 economias,
demonstrando a dificuldade do empresário brasileiro no processo de capitalização
através de fundos bancários.
Seguindo essa linha de raciocínio, e com o objetivo de criar um ambiente para
negócios mais propício, mediante incentivos e redução dos custos de transação
na economia, o Governo Federal brasileiro publicou, em 2004, através da
Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, o trabalho
denominado Reformas Microeconômicas e crescimento de longo prazo (BRASIL,
2004, p. 12-15), em que aponta uma série de medidas de ajuste microeconômico
a serem adotadas sobre áreas específicas da economia, como forma de
34 | Reformas microeconômicas, ajustes institucionais e oferta de crédito: uma análise da
nova Lei de Falências no Brasil
modificação institucional. Seriam as áreas relativas: (i) ao mercado de capitais,
seguros, poupança de longo prazo e sistema financeiro nacional, que considera
ajustes institucionais a fim de aperfeiçoar os instrumentos para concessão de
crédito; (ii) à melhoria da qualidade da tributação, baseada na desoneração da
poupança de longo prazo, novos regimes de tributação para aplicações
financeiras e redução da carga de impostos sobre novos investimentos; (iii) às
medidas econômicas para inclusão social, mediante estímulo às microfinanças
na área de microcrédito, medidas para fortalecimento da agricultura familiar,
medidas que visam à redução da regressividade do sistema tributário e medidas
para estimular a formalização de pequenos negócios; (iv) à redução do custo
para resolução de conflitos, mediante aperfeiçoamento de processos
administrativos do Poder Judiciário e proposta de reforma do trâmite de processos
judiciais, extrajudiciais, trabalhistas, de execução fiscal, do Código de Processo
Civil, bem como através de mecanismos de mediação e arbitragem; e (v) à
melhoria no ambiente de negócios, através de mecanismos de defesa da
concorrência, aumento da competição do setor bancário, medidas para redução
do tempo para abertura de novos negócios, medidas de investimento em infraestrutura, desburocratização das exportações e, por fim, medidas de política
industrial, tecnológica e de pesquisa e inovação.
O governo afirma que os ajustes institucionais gerariam impactos significativos
no volume de crédito destinado ao setor privado e, assim, passou a adotar medidas
para aumentar o volume de negócios relativos à capitalização, mediante crédito
bancário. Medidas estas que atingem o lado da demanda e o lado da oferta,
dadas as características do setor bancário no Brasil, resumidas a uma alta eficiência
operacional, alta lucratividade e baixa elasticidade da oferta, dado um histórico
direcionamento do crédito bancário ao setor público, em função das altas taxas
de juros cobradas na remuneração dos títulos da dívida pública5.
Ações horizontais: a Lei de Falências e de Recuperação
de Empresas
A tese de que a legislação sobre falências possuiria capacidade de influenciar
a ação dos agentes econômicos através da criação de incentivos nos mercados
5
Segundo Carvalho e Abramovay, “o sistema financeiro brasileiro sustenta há muito tempo
desempenho paradoxal: não atende à demanda por crédito e financiamento da maioria dos
setores produtivos e, ao mesmo tempo, preserva margens de lucro excepcionais, ano após
ano. Esse fenômeno singular pode ser caracterizado pela análise de alguns paradoxos que o
acompanham. Os bancos mantêm lucros altos, apesar de flutuações acentuadas do quadro
econômico, enquanto a oferta de crédito permanece baixa e é condicionada pelo
comportamento da economia” (CARVALHO; ABRAMOVAY, 2004, p. 20).
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 35
– devido ao aumento de garantias aos credores, o que reduziria a assimetria
no processo de concessão de crédito –, vem sendo discutida nos últimos anos,
inclusive através da adoção de experiências efetivas pelos governos.
Aghion et al (1992) estudaram procedimentos relativos à falência de empresas e
sua conseqüência sobre a economia, em especial em relação aos países da
Europa do Leste (Hungria e Polônia). Para estes autores, a legislação sobre falências
produziria impactos sobre o nível de atividade da economia, principalmente em
momentos de transição, a partir de um modelo menos competitivo, para um
outro mais concorrencial, como foi o caso dos países analisados. Nesse sentido,
um estudo de Lim e Hahn (2003) analisa as modificações adotadas pelo governo
da Coréia do Sul, ao alterar a sua legislação sobre falências como forma de
aumento da competitividade da economia, aumento esse demandado após a
crise financeira vivenciada por aquele país em 1996-1997. O argumento dos
autores se refere ao fato de que o ordenamento jurídico a respeito de falências
na Coréia do Sul, antes da crise, funcionava como uma espécie de barreira à
saída. Assim, a antiga legislação, durante a fase desenvolvimentista daquele
país, teria sido eficiente devido ao mercado interno facilmente realocar recursos
produtivos em novos setores; porém, essa eficiência da legislação se baseava no
fato de se encobrir a baixa produtividade de empresas em vias de insolvência,
empresas essas que recebiam abrigo por parte da antiga legislação, distorcendo
a otimização da alocação de recursos. No entanto, em função da mudança da
forma de atuação do Estado a partir da eclosão da crise citada, a alteração na
legislação sobre falências passou a ser importante, como forma de aumentar a
competitividade sistêmica da economia.
Em uma linha similar, o Brasil aprovou, em fevereiro de 2005, a Lei no 11.101,
que regula a recuperação judicial e extrajudicial de empresas, denominada Lei
de Falências, e que tramitava no Congresso Nacional desde o início da década
de noventa. Essa medida tinha o objetivo de favorecer a criação de incentivos
no mercado de crédito, a fim de aumentar o volume de recursos concedidos e
reduzir as taxas de juros cobradas pelos bancos. O diagnóstico prevalecente
era que as altas taxas cobradas seriam resultado não apenas da contração da
política monetária, mas, também, do aumento do risco do emprestador. Isso
criaria um ambiente com baixa participação do crédito sobre o PIB e altas taxas
de juros finais. O risco do emprestador ocorreria pelo fato de – pela lei anterior,
datada de 1945 – haver a preferência à recuperação de créditos tributários,
previdenciários e trabalhistas, permanecendo os créditos com garantias reais
(créditos bancários) apenas na quarta ordem de preferência. Isso contribuiria
para que os bancos aumentassem seus spreads como forma de cobrir seus
riscos, inclusive em relação à realização de garantias.
36 | Reformas microeconômicas, ajustes institucionais e oferta de crédito: uma análise da
nova Lei de Falências no Brasil
A lei anterior previa dois tipos de processos: a concordata e a falência. A
falência referia-se ao processo de liquidação judicial de empresas insolventes,
enquanto que a concordata previa dois tipos de processos: a concordata
suspensiva e a preventiva. A primeira ocorria quando, durante o processo de
falência (ex-post o início da falência), se verificasse uma possibilidade de retorno
à solvência e liquidez por parte da empresa em dificuldade, enquanto que, a
segunda, se referia à solicitação oriunda da própria empresa em dificuldade
(ex-ante o início da falência). A concordata, no entanto, previa uma moratória
de apenas dois anos sobre dívidas sem garantia real (passivo junto a fornecedores
e bens e serviços): dessa forma, os créditos com garantia real (os créditos
bancários) não estavam abrangidos pelo instituto da moratória, o que aumentava
o risco de emprestar enfrentado pelo sistema bancário.
A nova lei extinguiu a figura da concordata e criou os processos de recuperação
judicial e extrajudicial. A recuperação judicial passou a abranger todos os créditos
e não apenas aqueles sem garantia real. Já a liquidação extrajudicial se refere
à possibilidade de realização de acordos informais das empresas em dificuldade
junto aos seus credores, em particular, os bancos, excluindo os créditos
trabalhistas e fiscais desse processo.
Além disso, a lei aumentou a participação dos credores durante o processo de
falência e recuperação, através da criação da Assembléia Geral dos Credores
(instância maior de deliberação) e o Comitê dos Credores, responsável pela
fiscalização e legitimização do processo. Mais duas novidades trazidas pela
nova lei referem-se à: (i) possibilidade de concessão de novos empréstimos às
empresas em dificuldade, tratando-os como extraconcursais (com preferência
de recuperação), baseada na concepção da empresa como um agente
econômico que tende a demandar mais crédito para a sua própria reabilitação
e solvência; e (ii) um tratamento especial dado às micro e pequenas empresas
em dificuldade, que poderão apresentar plano especial de recuperação judicial,
diferente das demais empresas. A Figura 2 demonstra a ordem de preferência
de recuperação de créditos, por ordem decrescente, em comparação entre a
lei anterior e a nova lei aprovada pelo Congresso, demonstrando o aumento
de prioridade dada aos créditos com garantia real. Deve-se observar que foi
necessária, também, a efetivação de uma alteração no Código Tributário
Nacional, a fim de adequá-lo à nova legislação sobre falências, pois a lei tributária
brasileira dava, anteriormente, aos créditos de origem tributária, a preferência
para a recuperação em casos de falência.
Ainda a respeito do tema, em estudo de Araújo e Lundberg (2003), realizado
com uma amostra de 35 países, foram classificados os créditos por nível de
preferência à sua recuperação durante os processos de falência, em quatro
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 37
grupos: (i) créditos com garantia real, (ii) créditos extraconcursais, (iii) créditos
fiscais e trabalhistas e (iv) créditos previdenciários. Para essa amostra, 40,3%
dos países analisados dava preferência de primeira ou segunda ordem para os
créditos com garantia real; apenas 5,5% davam preferência de primeira ou
segunda ordem para créditos fiscais; e também 5,5% para créditos trabalhistas.
O Brasil era um dos seis países que não dava como preferência de primeira ou
segunda ordem a recuperação de créditos com garantia real, ao lado da Espanha,
França, Itália, Polônia e Rússia.
Figura 2
Ordem de prioridade da recuperação de créditos entre as leis de falência no Brasil –
Decreto-Lei no 7.661, de 1945, e Lei no 11.101, de 2005
Decreto-Lei no 7.661, de 1945
1. Créditos tributários
2. Créditos previdenciários
3. Créditos trabalhistas
4. Créditos com garantia real
5. Créditos com privilégio especial, privilégio
geral e sem garantia real (quirográficos)
6. Demais créditos
Lei no 11.101, de 2005
1. Créditos trabalhistas (até o limite de 150
salários mínimos) e previdenciários
2. Créditos com garantia real
3. Créditos tributários
4. Créditos com privilégio especial
5. Créditos com privilégio especial e sem
garantia real (quirográficos)
6. Demais créditos
Fonte: Decreto-Lei no 7.661, de 1945, e Lei no 11.101, de 2005.
Dessa forma, considerando as informações disponíveis por Araújo e Lundberg
(2003), realizou-se uma regressão para testar a influência de duas variáveis
exógenas sobre o comportamento da variável endógena, conforme o modelo
Nesse modelo busca-se entender o comportamento da variável CPS (crédito
captado pelo setor privado da economia, média entre os anos de 1990 e 2002,
medido como percentual do PIB) como sendo explicada pelas variáveis SPR
(spread médio, diferencial entre taxas ativas e passivas bancárias) e NGR (uma
variável binária que foi igual a 0 quando relacionada a países que tinham os
créditos com garantia real como a primeira ordem de preferências para
recuperação em processos de falência, e foi igual a 1 para países que não
tinham os créditos com garantia real na primeira ordem de preferências). Ambas
as variáveis exógenas foram estimadas para explicar a variável endógena
“crédito captado” pelo setor privado da economia.
As variáveis foram transformadas para os seus respectivos logaritmos neperianos
(a variável dummy foi tratada como número absoluto em níveis). Com exceção
38 | Reformas microeconômicas, ajustes institucionais e oferta de crédito: uma análise da
nova Lei de Falências no Brasil
da variável NGR (extraída do citado estudo de Araújo e Lundberg), todos os
dados foram coletados na base de dados do Banco Mundial, World Development
Indicators. Por hipótese, acredita-se que a variável spread e a variável dummy
NGR possuiriam impacto negativo sobre o volume de crédito captado pela
economia, gerando, portanto, parâmetros negativos6. O fato de a dummy ser
imaginada com parâmetro negativo pressupõe que, quando igual a 1 (país que
não possuía os créditos com garantia real na primeira ordem de preferências
na recuperação em processo de falências), mais negativo o seu impacto sobre
o crédito captado em relação ao PIB.
A Figura 3 demonstra os resultados da regressão, indicando que a variável
spread possuía significância estatística para a explicação do comportamento
da variável endógena, devido à estatística t ser superior à estatística t crítica.
Não obstante, apesar da variável dummy não ter sido apontada como significativa
(estatística t inferior ao seu valor crítico), o sinal do seu parâmetro calculado
como negativo indica que, quanto mais próximo de 1 (países que não tinham
os créditos com garantia real na primeira ordem de preferências), mais negativo
o impacto sobre o volume de crédito captado pela economia. Já o spread,
também negativo, indica o impacto inverso que essa variável implica sobre o
volume de crédito. Ambos os sinais confirmaram a hipótese levantada.
Figura 3
Resultados da regressão com as variáveis explicativas: lnSPR e NGR – Variável
dependente lnCPS, n = 32
Itens
Estatísticas
Constante
LnSPR
NGR
Soma dos quadrados
dos resíduos
10,574
R2
Estatística F
0,347
7,702
Parâmetros
Estatística T
5,130
-0,540
-0,355
18,902
-3,008
-1,543
Obs.: Valor crítico da estatística t igual a | 2,042 | e da estatística F igual a 3,30.
Em seguida foram realizados os testes de heteroscedasticidade, a fim de
confirmar a validade das inferências realizadas, e o modelo foi apurado com
tendência à heteroscedasticidade, tanto pelo teste White simplificado, quanto
6
Os países com dummy igual a 0 foram Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Bulgária, Canadá,
China, Coréia do Sul, Finlândia, Holanda, Irlanda, Israel, Japão, Malásia, Portugal, Reino Unido,
República da Eslováquia, República Tcheca, Singapura e Suíça. Os países com dummy igual a 1
foram Brasil, Espanha, Estônia, França, Hong Kong, Hungria, Itália, Polônia, Rússia, Suécia,
Tailândia e Vietnã.
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 39
pelo teste Breusch-Godfrey. Dessa forma, para criar uma maior parcimônia nos
resultados da inferência, foi calculado o valor da estatística t robusta à heteroscedasticidade7 (apesar do pequeno tamanho da amostra) como forma de prover
alguma segurança à inferência sobre os parâmetros, se protegendo do impacto
da variância não constante dos resíduos da equação de regressão. As estatísticas
t robustas foram reduzidas devido ao incremento dos erros padrões dos estimadores, como se pressupunha inicialmente.
No entanto, o fato a ser ressaltado se refere ao sinal dos parâmetros, principalmente em relação à variável dummy NGR: sendo o sinal negativo (como
estimado inicialmente na hipótese), isso implica que, a partir da possibilidade
de uma economia não possuir, em seu ordenamento jurídico, a recuperação
de créditos com garantia real como recuperação prioritária (de primeira ordem),
haverá uma tendência à redução do volume do crédito captado como percentual
do PIB.
Essa conclusão também é apurada mediante o cálculo da matriz de correlações
(Figura 4) entre as variáveis, que aponta: (i) uma correlação negativa entre
spread e crédito captado pelo setor privado (-0,542); (ii) também uma correlação
negativa entre o fato de uma economia não possuir a recuperação de créditos
com garantia real como prioridade de primeira ordem em processos de falência
e crédito captado pelo setor privado (-0,378); e (iii) uma correlação positiva
entre o fato de uma economia não possuir a recuperação de créditos com
garantia real como prioridade de primeira ordem e o spread cobrado pelos
bancos (0,289).
A Figura 5 demonstra a comparação entre as estatísticas t apuradas originalmente pelo método dos mínimos quadrados, e as estatísticas t resultantes da
estimação robusta à heteroscedasticidade. Deve-se observar que, tanto para o
método dos mínimos quadrados quanto para o método robusto, a variável NGR
foi apurada como não-significativa, por cair na área da hipótese nula (que
rejeita a significância da variável). Já a variável spread foi apurada como
significativa, para a explicação do comportamento do crédito bancário privado,
mesmo quando apurada de forma robusta à heteroscedasticidade.
7
O estimador robusto à heteroscedasticidade é apurado através das seguintes relações
(WOOLDRIDGE, 2003, p. 259-260):
Onde: SSTx = Soma dos quadrados totais de X, e EPRH = Erro padrão robusto à heteroscedasticidade.
40 | Reformas microeconômicas, ajustes institucionais e oferta de crédito: uma análise da
nova Lei de Falências no Brasil
Figura 4
Matriz de correlações das variáveis
Correlations
LNCPS
LNSPR
NRG
Pearson Correlation
Sig. (2-tailed)
N
Pearson Correlation
Sig. (2-tailed)
N
Pearson Correlation
Sig. (2-tailed)
N
LNCPS
1.000
.
32
-542**
.001
32
-378*
.033
32
LNCPS
.542*
.001
32
1.000
.
32
.289
.108
32
NRG
-.378*
.033
32
.289
.108
32
1.000
.
32
** Correlation is significant at the 0.01 level (2-tailed).
* Correlation is significant at the 0.05 level (2-tailed).
Figura 5
Resultados das estatísticas para as duas variáveis exógenas – Variável dependente
lnCPS, OLS e estimador robusto à Heteroscedasticidade, n = 32
Modelos
LnSPR
NGR
Parâmetro
estimado b
Erro padrão
do estimador
pelo OLS
Estatística t
-0,540
-0,355
0,1795
0,2300
-3,008
-1,543
Erro padrão
robusto à
Heteroscedasticidade
0,2599
0,2394
Estatística t da
variável lnCPS
robusta à Heteroscedasticidade
-2,077
-1,482
Obs.: Valor crítico da estatística t = -2,042.
Esses resultados demonstram que, apesar de estatisticamente não significativos,
o sinal negativo no parâmetro da variável dummy NGR indica que a não prioridade
de recuperação de créditos com garantia real, como primeira ordem na recuperação
em processos falimentares, tende a aumentar o spread cobrado pelos bancos e,
conseqüentemente, reduzir o volume de crédito na economia. Deve-se ainda
lembrar, nesta análise, o coeficiente de correlação linear entre essas duas variáveis
(a variável binária que liga o fato de uma economia não possuir a recuperação de
créditos com garantia real como prioridade de primeira ordem e o spread cobrado
pelos bancos), apurada como positiva, na ordem de 0,289.
Dessa forma, pelos resultados apresentados, confirma-se a hipótese defendida
a respeito do impacto positivo – em termos de criação de incentivo à fluidez do
crédito e redução do risco do emprestador – oriundo da implantação de uma
legislação sobre falências e recuperação de empresas, que contempla a
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 41
recuperação de créditos com garantia real em um maior grau de prioridade em
relação aos demais créditos, em função de seus impactos sobre o spread bancário
e o volume de crédito captado.
Considerações finais
As medidas adotadas pelo governo brasileiro, com o intuito de alterar as
estruturas microeconômicas, buscam uma redução dos custos de transação da
economia, considerados demasiadamente elevados conforme os números do
Banco Mundial, por exemplo. Nesse sentido, apurou-se que as ações do governo
seguem a linha teórica baseada na redução dos custos de transação da economia
através do ajuste das instituições formais, com o objetivo de favorecer as
transações e as ações entre os agentes econômicos. Isso fica explícito, inclusive,
a partir do entendimento da nova Lei de Falências, que objetiva aumentar a
segurança dos bancos na realização das garantias durante os processos de
falência, situação considerada como um dos entraves enfrentados pelos bancos
no processo de recuperação de seus créditos, com base na legislação anterior.
Entende-se que, para a realidade brasileira, as variáveis microeconômicas (que
estão sendo objeto de ajustes) são importantes, devido ao alto custo gerado
pelo ambiente legal e regulatório sobre as empresas. Porém, não se deve
colocar toda a responsabilidade na formatação de um ambiente para negócios
mais equilibrado e menos custoso sobre o impacto das reformas microeconômicas, dado que, em termos macroeconômicos, o Brasil continua a adotar
uma rígida política monetária, mediante a utilização de elevadas taxas de
juros, como forma de contenção da demanda e atração de capitais externos.
Assim, diferentemente da retórica oficial do governo brasileiro, entende-se que a
macroeconomia brasileira precisa de ajustes, pelo fato de ainda se trabalhar com
uma elevada taxa de juros básica, o que reduz a atividade econômica, em conjunto
com o câmbio valorizado, que tem sido adotado como estratégia pelo Banco
Central para reduzir os preços internos. Acredita-se que não se deve colocar toda
a responsabilidade dos ajustes estruturais da economia brasileira sobre os custos
de transação microeconômicos, pois eles, ainda que importantes, não representam
o único âmbito de intervenção que pode ser adotado pelo governo.
A macroeconomia ainda é relevante, porém está sendo considerada pelo atual
governo brasileiro (e também pelo anterior) como uma situação já em equilíbrio,
o que não é fato. Essa é a tese do ajuste macroeconômico já devidamente
efetivado, ou o “dever de casa” efetivamente cumprido, como afirma o pensamento oficial. O raciocínio, a respeito do qual a macroeconomia brasileira já
estaria ajustada, através da abertura externa e rígidas políticas fiscal e
monetária, advém da lógica relativa às políticas liberalizantes adotadas pela
42 | Reformas microeconômicas, ajustes institucionais e oferta de crédito: uma análise da
nova Lei de Falências no Brasil
América Latina a partir da década de noventa8. Por essa lógica, estando a macroeconomia arrumada – no caso latino-americano (Brasil inclusive) significaria
o mesmo que afirmar estando a inflação controlada – restaria a realização de
ajustes microeconômicos, com o objetivo de reduzir os custos de transação
criados por um ambiente legal, jurídico e regulador de alto custo para os agentes econômicos.
Assim, acredita-se que os ajustes microeconômicos são importantes, mas não
seria a única face da medalha: não devem ser entendidos de maneira desamparada da realidade, mas, sim, no âmbito da ideologia econômica dominante
nos últimos anos na América Latina, ligada à liberalização da economia (após
anos de processo de substituição de importações e intensa intervenção estatal)
e às políticas contracionistas para controle dos índices de preços. Não obstante
estas últimas considerações, o reconhecimento da necessidade dos ajustes
institucionais, de cunho microeconômico, e o respectivo esforço para essas
implementações devem ser reconhecidos, permanecendo ainda um vasto campo
para pesquisas empíricas posteriores.
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8
Sobre a crítica às políticas liberalizantes na América Latina e como a modificação institucional
exógena vem sendo tratada pelos governos da região, Araújo (2005) argumenta; “os
economistas da linha neoliberal monetarista têm uma tendência acadêmica a considerar
possível transportar modelos econômicos, de país a país, sem prestar muita atenção ao papel
crucial das instituições políticas e culturais em cada caso. Os modelos por sua vez só funcionam
dentro de determinadas instituições legais, administrativas e políticas. Ora, as instituições são
o produto final da história secular de cada sociedade. Elas permanecem como resultado dessa
evolução social, cultural e política e condensam nelas, para o bem ou para o mal, a essência da
alma coletiva de determinada população, pois elas são, ao lado da herança cultural, a referência
dessa população na confirmação de sua identidade nacional. Se a instituição está no lugar, é
porque toda a somatória de eventos que compõem a formação de uma nacionalidade contribuiu
para que ela funcione dessa maneira e não de outra. Não existem instituições erradas, mas sim
instituições que podem evoluir em uma ou outra direção” (ARAÚJO, 2005, p. 709).
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 43
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Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 45
3
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA E
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: AS
VISÕES KEYNESIANAS
Luiz Ricardo Cavalcante*
Resumo
Duas grandes visões keynesianas sobre a associação entre intermediação
financeira e desenvolvimento econômico podem ser identificadas: a visão novokeynesiana, que se apóia fundamentalmente nos conceitos de assimetria de
informações e racionamento de crédito, e a visão pós-keynesiana, que se apóia
nas idéias originais de Keynes e que contesta a precedência da poupança
sobre o investimento. O objetivo deste trabalho é discutir essas duas visões,
buscando comparar seus pressupostos e metodologias. Argumenta-se que, do
ponto de vista metodológico, a visão novo-keynesiana parece estar tão distante
da visão pós-keynesiana quanto a visão neoclássica. Contudo, em que pesem
as diferenças que as separam, as prescrições de política que derivam dessas
escolas são claramente mais afins uma com a outra do que com aquelas da
escola neoclássica. Com efeito, enquanto esta última preconiza a liberalização
financeira, as escolas novo- e pós-keynesiana, embora apoiadas em diferentes
conceitos e paradigmas, contrapõem-se ao laissez-faire e admitem maiores
níveis de regulação e intervenção do Estado no sistema financeiro.
Palavras-chave: Intermediação Financeira. Desenvolvimento Econômico. Póskeynesianos. Novo-keynesianos. Liberalização Financeira.
Abstract
Two main Keynesian views about the association between financial
intermediation and economic development can be identified: the New-Keynesian
approach that relies on the concepts of information asymmetries and credit
rationing; and the Post-Keynesian view, supported by the original Keynesian
concepts that denies the precedence of savings over investments. The aim of
*
Doutor em Administração (Universidade Federal da Bahia / University of Illinois at UrbanaChampaign), Assessor Especial da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação (SECTI) e
professor do Curso de Mestrado Profissional em Administração (UFBA) e de cursos de PósGraduação (Unifacs). E-mail: [email protected]
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 47
this work is to discuss these views and compare their assumptions and methods.
It is argued that, from a methodological point of view, the New-Keynesian
approach appears to be as distant from the Post-Keynesian view as the
neoclassical approach. However, in spite of distinctions, sometimes
irreconcilable, that set them apart, the policy implications that derive from the
New- and Post-Keynesian views are clearly closer to each other than to the
neoclassical prescriptions. In fact, while the last one points to financial liberalization,
both the New- and Post-Keynesian views, regardless their different concepts
and paradigms, disagree with the laissez-faire and suggest higher levels of
State regulation and intervention in the financial system.
Key-words: Financial Intermediation. Economic Development. Post-Keynesians.
New-Keynesians. Financial Liberalization.
48 | Intermediação financeira e desenvolvimento econômico: as visões keynesianas
Introdução
Embora seja difícil negar a existência de uma associação entre intermediação
financeira e desenvolvimento econômico no capitalismo moderno, persistem
ainda grandes discordâncias quanto à interpretação da natureza dos vínculos
que se estabeleceriam entre essas duas dimensões. Longe de traduzir apenas
um debate acadêmico, essas divergências, especialmente no que diz respeito
ao papel do Estado e aos níveis de regulação do sistema financeiro, costumam
levar a prescrições de políticas públicas distintas e, não raro, antagônicas.
Embora o debate não seja novo no âmbito da história do pensamento
econômico, modernamente é possível identificar três grandes visões sobre o
tema: a visão predominantemente alinhada com a produção teórica neoclássica
sobre crescimento econômico, a visão keynesiana (aqui segmentada em novokeynesiana e pós-keynesiana) e a visão histórica.
Em linhas gerais, a visão neoclássica apóia-se em evidências empíricas da
associação entre o desenvolvimento do sistema financeiro e as taxas de
crescimento do PIB per capita e aponta o aumento das taxas de poupança e o
papel dos bancos na definição da alocação dos recursos financeiros como os
principais mecanismos de transmissão entre o desenvolvimento financeiro e o
crescimento econômico. A visão que se apóia na produção original de Keynes
contrapõe-se à liberalização financeira e preconiza a intervenção do Estado
como agente regulador. Em ambos os casos, a produção teórica está longe de
poder ser considerada monolítica. No âmbito da perspectiva neoclássica,
segmentam-se claramente uma visão prescritiva associada à liberalização
financeira e uma visão mais afim com a produção teórica em crescimento
econômico e crescimento endógeno1. No âmbito do pensamento keynesiano,
à parte a escola neo-keynesiana, cujos pressupostos são, essencialmente,
aqueles da escola neoclássica, pode-se identificar duas correntes que discutem
a associação entre o sistema financeiro e o desenvolvimento econômico: a
visão novo-keynesiana, que se apóia fundamentalmente nos conceitos de
assimetria de informações e racionamento de crédito, e a visão pós-keynesiana,
que se apóia nas idéias originais de Keynes e que contesta a precedência da
poupança sobre o investimento. Já a visão histórica analisa a associação entre
a intermediação financeira e o desenvolvimento econômico tendo em vista as
especificidades das trajetórias seguidas pelos diferentes países e regiões. É
claro que a proposição de uma taxonomia dessa natureza implica a exposição
1
Cavalcante (2004) apresenta uma discussão crítica da visão neoclássica sobre a associação
entre intermediação financeira e desenvolvimento econômico.
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 49
ao risco de segmentar a produção teórica de uma forma por vezes reducionista.
Esse é o caso, por exemplo, de algumas análises que aqui são classificadas
como pós-keynesianas, mas que se debruçam sobre casos empíricos e que
poderiam facilmente ser enquadradas naquilo que aqui se chamou de “visão
histórica”, na medida em que se apóiam na trajetória de países específicos2.
Acredita-se, porém, que a segmentação proposta ajuda a explicitar os termos
do debate que se coloca sobre a associação entre a intermediação financeira e
o desenvolvimento econômico.
O objetivo deste trabalho é discutir especificamente as visões keynesianas sobre
a associação entre intermediação financeira e desenvolvimento econômico,
buscando comparar os pressupostos e as metodologias adotados por cada uma
dessas escolas nas suas análises sobre o tema. O trabalho está estruturado em
mais três seções além desta introdução: na segunda seção, comparam-se as
bases metodológicas das duas escolas; na terceira, discutem-se as diferentes
visões sobre a associação entre o sistema financeiro e o desenvolvimento
econômico; e, por fim, na quarta seção, são apresentadas as principais conclusões do trabalho.
Novo- e pós-keynesianismo: bases metodológicas
As idéias fundamentais de Keynes, expressas nos seus “A treatise on money”
(KEYNES, 1930) e “A teoria geral do emprego, do juro e da moeda” (KEYNES,
1936), têm um enorme impacto nas análises que se pode fazer sobre o papel
do sistema financeiro no desenvolvimento econômico. Com efeito, ao introduzir
o conceito de preferência pela liquidez, dando à formação da taxa de juros um
tratamento distinto daquele que simplesmente a vê como o ponto de equilíbrio
entre a oferta e a demanda de recursos, e ao apoiar sua análise na ausência
de coordenação entre poupadores e investidores, Keynes (1930; 1936) fornece
as bases para uma produção teórica extensa sobre o papel da intermediação
financeira no desenvolvimento econômico que se coloca claramente como um
contraponto à produção neoclássica. Ademais, ao demonstrar que a posição
de equilíbrio do sistema capitalista não é necessariamente o pleno emprego,
Keynes defende a intervenção do Estado na economia para elevar o nível de
atividade através do estímulo aos investimentos privados.
Após a publicação da Teoria Geral, alguns autores (Hicks e Samuelson, por
exemplo) buscaram conciliar as críticas e observações de Keynes com os
pressupostos da teoria clássica, configurando a chamada “Síntese Neoclássica”.
2
Studart (1995a; 1995b; 1995c) e Amado (1997) são exemplos para o caso brasileiro.
50 | Intermediação financeira e desenvolvimento econômico: as visões keynesianas
O “keynesianismo ortodoxo” – ou, nos termos de Joan Robinson, o
“keynesianismo bastardo” (CROTTY, 1980, p. 20) – resultante foi extensamente
aplicado na formulação de políticas de manejo da demanda agregada até a
década de 1970, quando a crise das economias centrais e as críticas dos
monetaristas (Friedman, por exemplo) e dos novo-clássicos (como Lucas e
Sargent) restringiram a aplicação de políticas daquela natureza. Do ponto de
vista teórico, ainda na década de 1960, parece ter havido uma espécie de
bifurcação da escola keynesiana. Os pós-keynesianos (Minsky e Davidson, por
exemplo) defendiam o retorno ao pensamento original de Keynes, privilegiando
conceitos como incerteza fundamental – isto é, a impossibilidade de prever o
futuro usando distribuições de probabilidade (DAVIDSON, 1994; 2003) – e
instabilidade financeira – tendência de crescimento dos níveis de endividamento
que investidores e especuladores apresentam nos momentos de otimismo,
levando os intermediários financeiros a reduzir suas margens de segurança
para atender a demanda por mais empréstimos e, portanto, tornando o sistema
mais vulnerável a rupturas (MINSKY, 1982; 1986). De outra parte, a escola
neo-keynesiana terminaria abandonando definitivamente as idéias originais de
Keynes, tendo se convertido na chamada escola novo-clássica3. Além de
desprezar os fenômenos monetários, ocupando-se apenas dos chamados
fenômenos reais, a escola novo-clássica busca construir modelos econômicos
apoiados em padrões universais de comportamento consistentes com os modelos
de maximização de utilidade empregados pela escola neoclássica.
Na década de 1980, alguns autores vinculados à escola novo-clássica buscam
desenvolver modelos formais relaxando algumas hipóteses que levariam ao
equilíbrio walrasiano, ainda que mantendo a premissa de que os agentes
econômicos individuais buscariam a maximização de suas funções utilidade,
configurando aquilo que ficou conhecido como “novo-keynesianismo”. Na
prática, esses autores admitem a existência de falhas de mercado, que
decorreriam da assimetria de informações entre os agentes envolvidos em
transações econômicas, incorporando um conceito originalmente proposto por
Akerlof (1970) em um trabalho intitulado “The market for ‘lemons’: quality
uncertainty and the market mechanism”. A idéia básica por trás do trabalho
de Akerlof (1970), que utiliza inicialmente o mercado de automóveis usados
como um exemplo, é bastante intuitiva: compradores de carros usados, por
disporem de informações limitadas sobre o produto que pretendem adquirir,
3
Adotou-se aqui a terminologia proposta por Fazzari (1989) e Fazzari e Variato (1994; 1996),
que consideram neo-keynesianos os economistas que seguiram a síntese neoclássica. Crotty
(1980), por outro lado, considera neo-keynesianos os economistas da escola de Cambridge
(Robinson e Kaldor, por exemplo).
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 51
não conseguem discernir claramente a sua qualidade, obrigando aqueles que
têm um bom automóvel a vendê-lo com deságio para levar em conta o risco
que o comprador estaria assumido. Pouco mais de dez anos depois, Stiglitz e
Weiss (1981) incorporariam o conceito de assimetrias de informações entre os
agentes econômicos nas suas análises sobre operações de crédito4. Para estes
autores, a incerteza é um conceito ergódico e estocástico que pode ser medido
por meio de distribuições de probabilidades, contrapondo-se ao conceito de
incerteza fundamental não-mensurável típico das análises pós-keynesianas.
Além disso, a escola novo-keynesiana não parece preocupar-se com a
irreversibilidade do investimento, um conceito fundamental na formulação
keynesiana. Se, por um lado, a adoção de métodos tipicamente neoclássicos
levou diversos autores a questionarem o próprio enquadramento destes autores
como “keynesianos” (CROTTY, 1996; CANUTO; FERREIRA JÚNIOR, 1999), por
outro lado facultou-lhes um diálogo com a produção teórica ortodoxa e lhes
permitiu aparecer nas páginas de publicações consideradas mais ortodoxas.
Em oposição aos métodos formais e ergódicos das escolas neoclássica e novokeynesiana, a escola pós-keynesiana mantém a sua fidelidade aos conceitos
fundamentais propostos por Keynes. Conforme assinala Crotty (1980, p. 20),
“the label Post-Keynesian has been applied to a large number of economists
who have little in common beyond an acknowledged intellectual debt to Keynes
[...] and a dissatisfaction with orthodox theory”. Nesse sentido, a escola póskeynesiana deve ser entendida, antes de qualquer coisa, como um método de
análise econômica que se contrapõe àquele adotado pelos economistas
ortodoxos. Não surpreende que, pela sua preocupação em formar um paradigma
alternativo de análise econômica, a visão pós-keynesiana manifeste ainda
grande preocupação com questões epistemológicas e metodológicas 5.
Consistente com as proposições originais de Keynes (1930; 1936), o método
pós-keynesiano apóia-se nos conceitos de incerteza fundamental e instabilidade
financeira. Na prática, a análise pós-keynesiana é claramente mais qualitativa
e não-ergódica, embora alguns trabalhos não deixem de empregar modelos
formais. Contudo, tanto a modelagem matemática como a econometria são
usadas com reservas pelos autores pós-keynesianos, que evitam subordinar
sua produção teórica a esses instrumentos6. Além disso, a escola pós-keynesiana
4
Vale notar, contudo, que o trabalho de Akerlof (1970) não é explicitamente citado por Stiglitz
e Weiss (1981).
5
Em vários artigos, percebe-se a preocupação em discutir o enquadramento ou não de idéias
na produção original de Keynes (CROTTY, 1980; FAZZARI, 1989; FAZZARI; VARIATO, 1994;
1996; ARESTIS, 1997; CANUTO; FERREIRA JÚNIOR, 1999).
6
Uma crítica pós-keynesiana ao uso indiscriminado da matemática e dos modelos formais em
economia pode ser encontrada em Davidson (2003).
52 | Intermediação financeira e desenvolvimento econômico: as visões keynesianas
busca reconhecer que as preferências têm uma origem social e, como tais, não
podem ser modeladas apenas quantitativamente, e que os agentes detêm
uma “racionalidade limitada” (em oposição às expectativas racionais da escola
neoclássica) pela disponibilidade de informações e pela capacidade de processálas. Pela própria natureza do método de análise pós-keynesiano, que reconhece
o caráter cumulativo do processo de desenvolvimento econômico, os autores
associados a essa corrente teórica não propõem “modelos imaginários”
aplicáveis a qualquer região, mas “abstrações realísticas” obtidas a partir da
observação (ARESTIS, 1997, p. 38). Isso quer dizer que não se pode esperar da
perspectiva pós-keynesiana uma teoria geral que determine, a priori, os
mecanismos através dos quais as variáveis econômicas associam-se sem levar
em conta a trajetória seguida pelo objeto em estudo.
Intermediação financeira e desenvolvimento econômico
Uma vez discutidas as bases metodológicas sobre as quais são construídas as
análises novo- e pós-keynesiana, pode-se agora avançar para a discussão de
suas visões acerca da associação entre as atividades de intermediação financeira
e o desenvolvimento econômico. Assim, apresentam-se, a seguir, as visões
novo- e pós-keynesiana sobre o tema tal como concebidas pelos autores
vinculados a cada uma essas duas correntes teóricas.
A visão novo-keynesiana
A visão novo-keynesiana apóia-se, fundamentalmente, no conceito de assimetrias
de informações entre os agentes econômicos envolvidos em operações de crédito.
Stiglitz e Weiss (1981), no trabalho intitulado “Credit rationing in markets with
imperfect information”, argumentam que as informações são assimetricamente
distribuídas entre os agentes econômicos7 e, portanto, os retornos esperados
pelos bancos nas operações de crédito não são uma função monotonicamente
crescente das taxas de juros, em função do fenômeno conhecido como seleção
adversa. Stiglitz e Weiss (1981) demonstram que a seleção adversa ocorre porque,
quando as taxas de juros (r) são muito altas, as operações de crédito tendem a
concentrar-se em projetos de maior risco, o que aumenta a probabilidade de
inadimplência, reduzindo o retorno esperado pelo banco (p), conforme evidenciado
no gráfico à esquerda na Figura 1.
7
Conforme assinalam Canuto e Ferreira Júnior (1999, p. 6), “assimetrias de informações entre
duas partes que transacionam ocorrem quando uma parte detém mais informações do que a
outra, seja ex ante em relação às características do que está sendo comprado ou vendido, seja
ex post em relação ao comportamento dos indivíduos depois de firmado o contrato”.
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 53
Figura 1
Retorno Esperado, Taxa de Juros e Racionamento de Crédito
Fonte: Elaboração própria com base em Stigliz e Weiss (1981) e Braga (2000).
Evidencia-se assim que, a partir de uma taxa de juros igual a r*, o retorno
esperado pelo banco ( ) passa a apresentar um comportamento decrescente
com o incremento da taxa de juros. Para uma curva de demanda de crédito D1,
conforme indicado no gráfico à direita na Figura 1, isso não significaria um
problema de racionamento de crédito, uma vez que haveria uma taxa de juros
rA que equilibraria a oferta e a demanda de recursos. Já para uma curva de
demanda de crédito D2, percebe-se a inexistência de oferta suficiente, o que
configura, conforme indica Braga (2000, p. 7), uma situação de “equilíbrio
com racionamento” representado pelo segmento CB. Dessa forma, em certas
circunstâncias, ainda que haja tomadores dispostos a arcar com taxas de juros
mais altas, as instituições financeiras podem optar simplesmente por não conceder
o crédito. Portanto, o mercado de crédito é incompleto pela própria natureza do
processo de intermediação. O sistema financeiro seria marcado, então, pela
competição imperfeita em decorrência daquilo que os autores novo-keynesianos
chamam de “falhas de mercado”. Nos termos de Stiglitz (1994, p. 23):
The fundamental theorems of welfare economics, which assert that every
competitive equilibrium is Pareto efficient, provide no guidance with respect
to the question of whether financial markets, which are essentially concerned
with the production, processing dissemination and utilization of information,
are efficient. On the contrary, economies with incomplete information or
incomplete markets are, in general, not constrained Pareto efficient.
É com base nessa visão que Stiglitz (1994), após enumerar suas principais
falhas, aponta o mercado financeiro como objeto de intervenção direta do
54 | Intermediação financeira e desenvolvimento econômico: as visões keynesianas
governo. As intervenções propostas por Stiglitz (1994) não se limitam à chamada
“regulação prudencial”8, estendendo-se também ao crédito direto, à repressão
financeira e à regulação da competição interbancária. Nesse trabalho, portanto,
Stiglitz (1994, p. 42) sanciona a existência de instituições públicas voltadas
para a concessão de crédito, com base no argumento de que projetos cujo
retorno social seja superior ao retorno privado teriam dificuldade de obter crédito
junto aos bancos privados. Apoiando-se na experiência do Leste Asiático no
período anterior à crise de 1997 (o trabalho foi publicado em 1994), o autor
argumenta que o crédito direto pode ser alocado em setores que contribuam
para o desenvolvimento tecnológico e para as exportações. Com relação à
repressão financeira, Stiglitz (1994, p. 40) assinala que, ao contrário do que
seria esperado pelos teóricos da liberalização (MCKINNON, 1973; SHAW, 1973),
haveria evidências empíricas de que a correlação entre taxas de juros e taxas
de poupança seria reduzida (o autor, contudo, não indica as fontes a que se
refere). Além disso, Stiglitz (1994, p. 40) é cético quanto às evidências de que
a liberalização financeira tivesse garantido uma alocação mais eficiente do
capital9. Por fim, Stiglitz (1994, p. 46) indica que o “excesso de competição”
interbancária, ao reduzir os spreads e margens de lucro, pode aumentar a
fragilidade do sistema financeiro e ter resultados sociais negativos.
A visão pós-keynesiana
No âmbito da escola pós-keynesiana, até como conseqüência da sua fidelidade
ao pensamento original de Keynes, o processo que determina o investimento,
a poupança e as decisões de financiamento é uma questão central de análise.
Nos termos de Crotty (1980, p. 21):
[...], the Post-Keynesians are primarily interested in understanding the process
through which investment, savings, and financing decisions are determined in
a monetary economy in which the future is uncertain, production takes time,
the capital stock is not malleable, and an efficient spot market for durable
goods does not exist.
8
Imposição de regras de disclosure mais severas com o propósito de evitar a ocorrência de
crises sistêmicas no sistema financeiro. Normalmente incluem a fixação de limites para a
relação entre o passivo e o patrimônio líquido de instituições financeiras. De uma forma geral,
esses argumentos são convergentes com o propósito do Bank for International Settlements
(BIS), cujas diretrizes gerais são fixadas nas reuniões periódicas em Basiléia.
9
Na prática, trata-se de uma contestação ao argumento de Goldsmith (1969), adotado por
diversos autores (KING; LEVINE, 1993a; 1993b), de acordo com o qual a eliminação da
repressão financeira garantiria maiores níveis de eficiência da alocação do capital em diferentes ativos, setores e regiões.
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 55
A principal característica da análise pós-keynesiana sobre a relação entre as
atividades de intermediação financeira e o desenvolvimento econômico é a
reafirmação da visão keynesiana da precedência do investimento sobre a
poupança. Na verdade, os autores pós-keynesianos admitem que apenas nos
estágios primitivos do capitalismo a poupança efetivamente precedia o
investimento. Esse o ponto de vista de Chick (1986), que segmenta a evolução
do sistema bancário em cinco estágios distintos10. A idéia básica é que, à
medida que o sistema bancário evoluiu, a poupança foi deixando de ser um
requisito para o investimento, uma vez que certificados de depósito passaram
a ser aceitos também como moeda. É esse argumento que a leva a afirmar
que “a inversão da causalidade entre poupança e investimento, proposta por
Keynes, não devia ser vista como a teoria correta triunfando sobre o erro, mas
como uma mudança no que constituía a teoria correta, devido ao desenvolvimento do sistema bancário” (CHICK, 1986, p. 10).
Naturalmente, ao contestar a precedência da poupança sobre o investimento
(argumento conhecido como “prior-saving”), a produção teórica pós-keynesiana
sobre intermediação financeira e desenvolvimento econômico coloca-se como
um contraponto à liberalização financeira preconizada por uma parte
representativa dos autores vinculados à corrente neoclássica. Conforme destacam
Studart (1993, p. 102-104) e Arestis (1997, p. 141), o pressuposto que se encontra
por trás do argumento do prior-saving é a Teoria dos Fundos de Empréstimos,
que se apóia em uma hipótese de competição perfeita no sistema financeiro,
de tal forma que a taxa de juros real estabeleceria um equilíbrio entre poupança
e investimento. Esse equilíbrio tipicamente walrasiano somente seria possível,
entretanto, se houvesse perfeita competição e distribuição de informações entre
os agentes envolvidos em transações de crédito. Arestis (1997, p. 140)
argumenta ainda que, em virtude da natureza oligopolística do setor financeiro,
dificilmente a liberalização garantiria taxas de juros que refletissem elevados
níveis de competição interbancária. De outra parte, os autores pós-keynesianos
assinalam que, em função da natureza volátil e instável das expectativas dos
10
No primeiro estágio descrito por Chick (1986), o sistema bancário atua apenas como um
intermediário entre poupadores e investidores. Os empréstimos são limitados pela poupança
captada pelo sistema, atuando, assim, como um requisito para o investimento. No segundo
estágio, certificados de depósito passam a ser aceitos como moeda, e não mais a poupança,
mas as reservas, passam a ser o requisito básico para o volume de empréstimos que o sistema
bancário é capaz de fazer. O terceiro e quarto estágios caracterizam-se, respectivamente,
pelo aparecimento de empréstimos interbancários e de uma autoridade monetária que assume
a condição de emprestador em última instância. Esses dois mecanismos adicionais possibilitam
um volume ainda maior de empréstimos a partir de uma base limitada de depósitos. No quinto
estágio, a competição interbancária e a integração dos sistemas financeiros levam a um
ambiente progressivamente especulativo e a margens de manobra reduzidas para as
autoridades monetárias.
56 | Intermediação financeira e desenvolvimento econômico: as visões keynesianas
empresários quanto aos fluxos de caixa futuros a serem gerados por um projeto
de investimento, também a demanda por recursos de empréstimos não pode
ser considerada uma função estável da taxa de juros (CROTTY, 1980, p. 22).
Na prática, os autores pós-keynesianos preconizam a intervenção do governo
no sistema financeiro como forma de garantir baixas taxas de juros, requeridas
particularmente no caso dos países em processo de industrialização (ARESTIS,
1997, p. 152). Studart (1992; 1993; 1995a; 1995b) argumenta que caberia ao
Estado não apenas estabelecer padrões de regulação que minimizassem o
racionamento de crédito, mas também as tarefas de prover crédito para setores
racionados (especialmente nas operações de longo prazo) e de apontar os
setores com boas perspectivas para os demais intermediários financeiros e
poupadores. Esse é, também, o ponto de vista de Santos (1991, p. 67), que
destaca, ainda, que a dimensão financeira do Estado e sua atuação como
intermediário não só contribuiria para assegurar as funções tradicionais do sistema
bancário como também “para a alocação orientada e lucrativa dos recursos
privados, mediante os incentivos e subsídios contidos no sistema tributário e
nas agências especializadas no financiamento de longo prazo”.
Mas o debate com os autores da escola neoclássica não se restringe às críticas
à liberalização financeira. Com os autores neoclássicos ligados à teoria do
crescimento endógeno, os pós-keynesianos discutem a questão da relação de
causalidade entre o desenvolvimento financeiro e as taxas de crescimento
econômico. Enquanto os primeiros argumentam que “the predetermined
components of these financial development indicators significantly predict
subsequent values of the growth indicators” (KING; LEVINE, 1993a, p. 730735), a escola pós-keynesiana tende a alinhar-se com os argumentos de Robinson
(1952, p. 86), para quem “where enterprise leads finance follows”. O debate
consubstanciou-se em uma série de artigos que buscam evidências
econométricas em uma direção e na outra (KING; LEVINE, 1993a; 1993b;
ARESTIS; DEMETRIADES, 199511; 1998).
Considerações finais
No presente trabalho, discutiram-se as visões novo- e pós-keynesiana sobre a
associação entre as atividades de intermediação financeira e o desenvolvimento
econômico. Partindo das bases metodológicas sobre as quais essas escolas se
11
ARESTIS, Philip; DEMETRIADES, Panicos. “Finance and growth: Schumpeter might be right”:
a comment on King and Levine. U. of East London, 1995 (não publicado). Embora não se tenha
tido acesso a este trabalho durante a elaboração da presente análise, acredita-se que seu
conteúdo seja bastante similar ao contido no artigo de Arestis e Demetriades (1999) intitulado
“Finance and growth: is Schumpeter right?“.
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 57
apóiam, buscou-se identificar as duas visões sobre o tema e suas prescrições.
Indiscutivelmente, as duas visões representam um avanço significativo em relação
à produção teórica neoclássica, na medida em que reconhecem que os nexos
que se estabelecem entre as atividades de intermediação financeira e o desenvolvimento econômico são bem mais complexos do que aqueles assumidos nos
modelos marginalistas.
Contudo, as duas escolas mantêm entre si grandes diferenças. Do ponto de
vista metodológico, a visão novo-keynesiana parece estar tão distante da póskeynesiana quanto a visão neoclássica. Essa é a opinião de Fazzari e Variato
(1994, p. 354), que afirmam que os fundamentos da visão novo-keynesiana
são “formal optimization models derived from Neoclassical first principles”
(embora estes autores julguem que as semelhanças dizem muito mais respeito
à forma do que à substância) e de Crotty (1996, p. 334), que afirma haver
“few significant methodological differences between New Keynesian and
Neoclassical theories”. De uma forma geral, os autores pós-keynesianos
(CROTTY, 1996; WOLFSON, 1996) vêem a produção teórica novo-keynesiana
com ceticismo, porque se apóia em métodos ergódicos e estocásticos
incompatíveis com o conceito de incerteza fundamental tão caro aos póskeynesianos (CROTTY, 1996, p. 335)12. Os autores pós-keynesianos argumentam
ainda que a escola novo-keynesiana, embora capaz de explicar o racionamento
de crédito com base no conceito de assimetrias de informação, não consegue
elucidar o excesso de crédito, explicado, na teoria pós-keynesiana, pelas
expectativas otimistas que causam a fragilidade financeira (CROTTY, 1996, p.
347). Studart (1995a, p. 14-15) argumenta que o trabalho de Stiglitz e Weiss
(1981) “does not seem to advance much from the neoclassical perspective: the
role of the financial system is still to be an intermediary between saving and
investment”. Além disso, o emprego do conceito de “falha de mercado” é
estranho ao pensamento pós-keynesiano, na medida em que esta escola não
se propõe a aferir desvios de um hipotético estado ideal de funcionamento do
sistema econômico. Não por acaso, autores como Arestis (1997, p. 136) vêem
o conceito de assimetria de informações como um braço da teoria neoclássica
que procura explicar as razões para o mal-funcionamento dos sistemas bancários
liberalizados. Já Studart e Sobreira (1997, p. 2) criticam a análise dos autores
novo-keynesianos, argumentando que, “se o problema informacional é o único
que impede a alocação ótima de poupança, uma política voltada para o pleno
12
Vale notar, contudo, que, embora a produção teórica novo-keynesiana empregue modelos
formais mais universais, o próprio Stiglitz, ao debater o artigo em que defende a intervenção do
Estado no sistema financeiro (THE WORLD BANK, 1994, p. 60), assinala que “the exact design of
regulations will differ“ de país para país. Essa visão é claramente convergente com o método
pós-keynesiano de análise, que evita propor soluções gerais independentes do contexto.
58 | Intermediação financeira e desenvolvimento econômico: as visões keynesianas
desenvolvimento do mercado financeiro, inclusive com a introdução de regras
de disclosure mais apropriadas, deveria por si só resolver”. Apenas nos trabalhos
de Fazzari e Variato (1994; 1996) as críticas pós-keynesianas aos métodos novokeynesianos são arrefecidas. Estes autores sugerem que a visão novo-keynesiana
forneceria a base formal para explicar a instabilidade do investimento na teoria
pós-keynesiana menos formal (CROTTY, 1996, p. 333). Para Fazzari e Variato
(1994; 1996), as visões novo- e pós-keynesiana seriam, portanto, complementares,
e não substitutas. De outra parte, não foram encontrados trabalhos nos quais os
autores novo-keynesianos demonstrem estar preocupados em estabelecer algum
tipo de debate metodológico com os autores pós-keynesianos.
Em que pesem as diferenças por vezes irreconciliáveis que as separam, as
prescrições de política que derivam das escolas novo- e pós-keynesiana são
claramente mais afins uma com a outra do que com aquelas provenientes da
escola neoclássica. Com efeito, enquanto esta última preconiza a liberalização
financeira, as escolas novo- e pós-keynesiana, embora apoiadas em diferentes
conceitos e paradigmas, contrapõem-se ao laissez-faire e admitem maiores
níveis de regulação e intervenção do Estado no sistema financeiro. Na perspectiva
novo-keynesiana, assimetrias de informação causariam falhas no mercado de
crédito, em particular o racionamento de crédito. Nesse contexto, autores
vinculados a esta corrente sugerem que o Estado teria um importante papel a
desempenhar nos mercados financeiros, não apenas garantindo a sua adequada
regulação (reduzindo, assim, as assimetrias de informações e suas
conseqüências), mas, também, a provisão de crédito em circunstâncias nas
quais o seu racionamento seria um obstáculo ao desenvolvimento econômico.
Assim, a questão da estrutura financeira – sobre a qual a produção teórica
neoclássica tem pouco a dizer – seria mais claramente tratada na visão novokeynesiana. Já no caso da visão pós-keynesiana, a prescrição de maiores níveis
de regulação e intervenção do governo no sistema financeiro surge praticamente
como um corolário da sua fidelidade às idéias originais de Keynes e da
contestação de que a poupança precederia o investimento nas sociedades
capitalistas avançadas. Embora a escola pós-keynesiana evite prescrições de
caráter geral, como conseqüência da própria natureza do método empregado
pelos autores filiados a esta escola, a prescrição de maiores níveis de regulação
e intervenção no sistema financeiro é um instrumento freqüentemente citado
para elevar aquilo que Studart (1995a, p. 64-65; 1995-96) chamou de eficiência
macroeconômica do sistema financeiro13. É claro que, ao proporem a intervenção
13
Para Studart (1995b, p. 64-65; 1995-96), a eficiência do sistema financeiro está associada
não apenas a indicadores microeconômicos (volume e custos dos recursos transacionados),
mas, sobretudo, à sua funcionalidade no plano macroeconômico, de forma a constituir um
instrumento efetivo de suporte ao processo de desenvolvimento econômico.
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 59
do governo no sistema financeiro, ambas as escolas expõem-se à crítica
neoclássica, que questiona a existência de evidências de que a intervenção do
governo não produziria distorções na alocação dos recursos e corrupção. Esta
crítica é claramente dirigida à escola novo-keynesiana por autores como
Jaramillo-Vallejo (1994, p. 54), que argumenta que o tipo de intervenção
proposta por Stiglitz (1994) “has led everywhere to a burst of corruption and
other undesirable effects”, concluindo que as falhas de governo são maiores
do que as falhas de mercado que motivariam algum tipo de intervenção. Embora
a visão pós-keynesiana não trabalhe com o conceito de falha de mercado, a
crítica quanto à qualidade da intervenção proposta pode, claramente, ser
estendida às soluções preconizadas por esta escola. Essas críticas deixam clara
a necessidade – de resto não contestada pelos autores novo- e pós-keynesianos
– de regulação da própria intervenção do Estado no sistema financeiro.
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64 | A evolução da política industrial da Bahia: uma abordagem institucionalista
4
A EVOLUÇÃO DA POLÍTICA
INDUSTRIAL DA BAHIA: UMA
ABORDAGEM INSTITUCIONALISTA
Antônio Glauter Teófilo Rocha*
Resumo
O objetivo principal deste artigo é descrever e analisar o processo de evolução
da política industrial da Bahia na última década e meia, buscando entender os
interesses, as motivações e os conflitos entre os diversos agentes e os demais
aspectos políticos e institucionais envolvidos. Para atingir esse objetivo, além
de extensa revisão da literatura, foi realizado um estudo de caso acerca da
implementação da política industrial da Bahia no referido período. O artigo
está estruturado em cinco seções. Após uma breve introdução, aborda-se, de
forma resumida, a evolução recente da economia baiana. Em seguida,
apresentão-se, sucintamente, as peculiaridades do contexto político e institucional
do Estado nas últimas décadas. E, por fim, descreve-se, analiticamente, a
evolução da política industrial da Bahia, no período 1991-2003, e apresenta-se
algumas considerações finais.
Palavras-chave: Política Industrial. Incentivos Fiscais. Guerra Fiscal. Bahia.
Localização Industrial.
Abstract
The main objective of this article is to describe and analyze the evolution of the
State of Bahia’s industrial policy in the last 15 years. We will try to explain the
interests, motivations and conflicts between the different actors as well as other
political and institutional aspects involved. To accomplish this objective, along
with an extensive literature review, we carried a case study on the
implementation of Bahia’s industrial policy over the last two decades. The article
is organized in five sessions. After a brief introduction, we approach the recent
evolution of Bahia’s economy. Following that, we present the peculiarities of
Bahia’s political and institutional scenario. And finally, we analytically describe
Bahia’s industrial policy in the period of 1991-2003.
Key-words: Industrial Policy. Tax Incentives. Fiscal Wars. Bahia. Industrial Location.
*
Doutor em Engenharia de Produção; Professor Adjunto da PUC/Rio. E-mail: [email protected]
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 65
Introdução
Nas últimas décadas, os governos subnacionais brasileiros vêm utilizando
programas estaduais de desenvolvimento baseados na atração de investimentos
externos, via incentivos fiscais e outros incentivos. Essas interferências nas
decisões de alocação dos investimentos privados no País têm sido motivo de
disputas e conflitos entre seus entes federativos. Essas disputas foram
intensificadas ao longo da década de 90 e ficaram conhecidas como ‘guerras
fiscais’, dando margem ao surgimento de um polêmico e polarizado debate
sobre o assunto no Brasil. Por um lado, essas políticas são vistas como “a pior
alternativa possível para a intervenção do setor público no processo de inversão
privada” (CAVALCANTI; PRADO, 1998, p. 42) ou como “políticas do desperdício”
(ARBIX, 2002). Por outro, são defendidas como instrumentos para promover o
catch up dos estados menos desenvolvidos, em relação aos mais desenvolvidos,
e diminuir desigualdades regionais, quando os governos nacionais se ausentam
dessas funções (AMARAL FILHO, 2003).
Ambas as correntes procuram avaliar esse fenômeno por perspectivas que
envolvem uma racionalidade exclusivamente econômica, quando não puramente tributarista. Entretanto, essa questão envolve aspectos políticos e
institucionais que dificilmente poderiam ser satisfatoriamente capturados por
esse tipo de análise. O desenvolvimento dessas políticas de atração de
investimentos é um processo evolucionário e os processos de tomada de decisão
envolvidos na definição de seus rumos não são norteados apenas por determinantes econômicos, nem mesmo puramente racionais. Além disso, eles têm
negligenciado um aspecto fundamental do processo de implementação dessas
políticas: os governos aprendem, as políticas evoluem. Nesse contexto, este
artigo tem como objetivo principal descrever e analisar o processo de evolução
da política industrial da Bahia na última década e meia, buscando entender os
interesses, as motivações e os conflitos entre os diversos agentes e os demais
aspectos políticos e institucionais envolvidos.
Para atingir o objetivo proposto, além de extensa revisão da literatura, foi
realizado também um estudo de caso acerca da implementação da política
industrial da Bahia no referido período. O método de estudo de caso foi escolhido
porque, normalmente, fornece evidências decisivas a favor ou contra teorias
políticas ou institucionais. Além disso, acredita-se que esse método é o que
melhor se adapta à natureza desorganizada e fluida das informações envolvidas
nesta pesquisa, que são essencialmente qualitativas. Foi utilizado, nesse estudo
de caso, o que Van Evera (1997) denomina de método de “process tracing”,
ou seja: explorou-se a cadeia de eventos e os processos de tomada de decisão
envolvidos na implementação da política industrial da Bahia, para entender
66 | A evolução da política industrial da Bahia: uma abordagem institucionalista
seu processo de evolução nos últimos 15 anos, assimilando, inclusive, como os
aspectos políticos e institucionais atuavam nesses processos.
No desenvolvimento desse estudo de caso foram utilizados dois instrumentos
principais de pesquisa: a pesquisa documental e a realização de entrevistas
semi-estruturadas, com atores relevantes, envolvidos no processo de
implementação das políticas estudadas. No que se refere à pesquisa documental,
as principais fontes de informação foram, primeiro, a legislação sobre as políticas
de incentivos fiscais dos estados e, em segundo lugar, seus planos de governo
e seus relatórios de execução orçamentária. As entrevistas foram realizadas
com executivos das principais agências governamentais envolvidas na
implementação dessas políticas, tais como a Secretaria de Indústria e Comércio
e Mineração – SICM; a Secretaria de Planejamento, Ciência e Tecnologia –
SEPLANTEC; a Secretaria da Fazenda – SEFAZ; e a Agência de Fomento do
Estado da Bahia – DESENBAHIA. Além disso, foram realizadas, também, com
pesquisadores da Universidade Federal da Bahia – UFBA e vários consultores
externos envolvidos no processo de implementação da política.
Este artigo está estruturado em cinco seções. Além desta introdução, na segunda
seção será abordada, de forma resumida, a evolução recente da economia
baiana. Na terceira seção, será apresentada, de forma bastante sucinta, as
peculiaridades do contexto político e institucional do Estado nas últimas décadas.
Na quarta seção, será descrita analiticamente a evolução da política industrial
da Bahia, no período 1991-2003. Por fim, na quinta seção, serão apresentadas
algumas considerações finais.
A evolução recente da economia baiana
Segundo Teixeira e Guerra (2000), o desenvolvimento industrial da Bahia ocorreu
entre os anos de 1950 e 1980 e foi resultado de uma dinâmica predominantemente
“exógena e espasmódica”. A industrialização do Estado foi fortemente apoiada
em intervenções federais planejadas1 e na vinda de capitais externos. Além disso,
sua trajetória foi marcada por blocos de investimentos concentrados no tempo.
Os mesmos autores mostram que três grandes blocos de investimentos marcaram
essa trajetória. O primeiro, ainda nos anos 50, foi decorrente dos investimentos
da Petrobras na instalação da refinaria Landulfo Alves – RLAM, após a descoberta
de óleo e gás nos campos do recôncavo baiano. O segundo, no âmbito da
política federal de desconcentração industrial da década de 60, derivou da criação
1
Por meio de incentivos fiscais e financeiros; pela realização de investimentos em infraestrutura e, também, pela participação acionária, sobretudo no setor petroquímico.
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 67
do Centro Industrial de Aratu – CIA, implantando, no Estado, um parque metalmecânico composto por fornecedores de equipamentos e por alguns produtores
de bens leves de consumo. O terceiro veio com a criação do Complexo
Petroquímico de Camaçari – COPEC, no contexto do II Plano Nacional de
Desenvolvimento – II PND.
No que se refere às últimas décadas, avaliando o comportamento do PIB, Menezes
(2000) argumenta que a evolução recente da economia baiana apresenta três
fases distintas. A primeira fase compreende a segunda metade da década de
80, em que houve uma clara perda de participação da economia do Estado na
economia nacional. A Bahia que, em 1985, era responsável por 5,35% do PIB do
País, fechou a década representando apenas 4,49% desse PIB. Segundo o autor,
a desaceleração e a perda de participação da Bahia na economia brasileira, no
período em questão, foram motivadas tanto pelo desmonte das políticas de
desenvolvimento regional do Governo Federal como, também, pela estagnação
do setor industrial do Estado, devido à maturação dos investimentos do pólo
petroquímico de Camaçari e pelo início da crise nos segmentos tradicionais da
agricultura baiana, especialmente cacau, sisal, fumo, mamona, algodão e café.2
Na segunda fase, que abrange a primeira metade dos anos 90, a economia do
Estado também perdeu participação na economia brasileira, passando de 4,49%
do PIB nacional, em 1990, para 4,14%, em 1995. É, portanto, um período de
pequena queda relativa, ou quase estagnação, do PIB. Nesse período, segundo
Menezes (2000), além dos problemas que o Estado já vinha enfrentando desde
a década anterior, os movimentos da globalização, da abertura da economia
brasileira e da constituição do Mercosul criaram dificuldades adicionais, no
plano externo, mas também algumas oportunidades para a economia do Estado.
Vale ainda ressaltar que, nos primeiros anos da década de 90, devido à elevada
concentração de sua economia em commodities petroquímicas, a Bahia sentiu
mais fortemente os efeitos das transformações estruturais da economia brasileira
daquele período.3
2
Esses produtos passaram de 62% do VAB da agricultura baiana, em 1985, para apenas
25,3%, em 1996.
3
Cavalcante (2002) lembra que, com a abertura da economia brasileira, as alíquotas modais
de importação de diversos produtos petroquímicos de segunda geração caíram abruptamente,
de 60% para 2% no início da década de 90 (voltando a um patamar médio de 14% a partir
da segunda metade da década), expondo, portanto, o principal segmento industrial do Estado
a uma acirrada e repentina concorrência internacional. Portanto, nesse contexto, o setor
petroquímico e os outros setores produtores de bens intermediários iniciaram um processo de
intensa reestruturação,caracterizado pela busca de ganhos de produtividade por meio de
automação, fusões, incorporações, terceirização e redução dos postos de trabalho. O setor
petroquímico, por exemplo, reduziu o número de empregos diretos de 15 mil, em 1990, para
13 mil, em 1994.
68 | A evolução da política industrial da Bahia: uma abordagem institucionalista
Entretanto, cabe destacar que, segundo Uderman e Menezes (1998), nos
primeiros anos da década de 90, durante o terceiro governo de Antônio Carlos
Magalhães (1991-1994), foram gestados alguns fatores que viriam a cumprir
papel importante no início da recuperação da economia da Bahia, já na segunda
metade dessa década. Por um lado, iniciou-se um processo de modernização
do aparelho estatal e o saneamento das finanças públicas, deteriorados no
governo anterior. Por outro, o governo do Estado retomou os investimentos em
infra-estrutura e estabeleceu, ainda que em bases iniciais, uma postura mais
pró-ativa na atração de investimentos e no estímulo à competitividade da
indústria instalada.
Por fim, com a estabilização da economia e o controle da inflação no País, a
partir do Plano Real, e a conseqüente retomada dos investimentos privados na
economia brasileira, configura-se a terceira fase mencionada por Menezes
(2000). Essa fase inicia-se na segunda metade da década de 90, aparentemente
continuando nos primeiros anos do século XXI, quando a economia baiana
começa a inverter o movimento de declínio dos anos anteriores. Nessa fase, há
uma leve recuperação da economia do Estado e a participação relativa do PIB
da Bahia no PIB nacional passou de 4,14%, em 1995, para 4,4%, em 2000.
Para muitos estudiosos contemporâneos da economia baiana, essa recuperação
recente deve-se, em grande parte, à atuação agressiva do governo baiano na
‘guerra fiscal’ (UDERMAN; MENEZES, 1998; MENEZES, 2000; TEIXEIRA;
GUERRA, 2000; CAVALCANTE, 2002; CAVALCANTE; UDERMAN, 2003). O
Governo do Estado, motivado por esses condicionantes externos e internos,4
intensificou o uso da política de atração de investimentos via incentivos fiscais
e financeiros, para tentar mudar o quadro de estagnação e declínio que a
economia baiana vinha atravessando desde meados da década de 80. De
fato, o governo iniciou sua política de incentivos fiscais no início dos anos 90,
mas, devido à escassez de investimentos privados no País nos primeiros anos
dessa década, o Estado não conseguiu atrair, naquele momento, um volume
significativo de investimentos. Contudo, a partir do Plano Real, em 1994, ocorreu
um novo ciclo de investimentos na economia brasileira e a Bahia entrou forte
na disputa por esses investimentos.
Segundo a Secretaria de Indústria, Comércio e Mineração do Estado da Bahia
– SICM, somente entre agosto de 1996 e julho de 2004, foram assinados 599
4
Recapitulando, no fronte externo tinha-se a estabilidade da economia brasileira, a retomada
dos investimentos privados no País, mas, também, a ausência de políticas de desenvolvimento
regional do governo federal e, no interno, o equilíbrio das finanças públicas do Estado,
continuidade administrativa, credibilidade do Governo etc.
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 69
protocolos de intenções para instalação de novos empreendimentos industriais
no Estado5, correspondendo a um investimento previsto de aproximadamente
R$ 30 bilhões, prometendo criar mais de quase 190 mil empregos diretos na
indústria. Obviamente nem todos esses investimentos foram realizados. O
governo baiano ainda não tem um levantamento preciso de quanto desse total
foi efetivado, mas estima que pouco mais da metade deles aconteceu de
fato.6 A esse conjunto de investimentos some-se, ainda, a instalação da fábrica
da montadora americana Ford no início da década atual que, segundo
Cavalcante e Uderman (2003), além de ser um investimento de aproximadamente US$ 1,9 bilhão7 (cerca de 8,4% do PIB baiano em 1999) e de gerar por
volta de 5.000 empregos diretos no Estado, abriu perspectivas para uma maior
integração da indústria baiana em direção aos bens finais de consumo durável
de alto valor agregado, diminuindo a forte concentração da indústria do Estado
em commodities intermediárias.
Portanto, os resultados da política de atração de indústria do Estado têm gerado
um clima de otimismo entre os planejadores do governo baiano, criando a
expectativa de que esses empreendimentos possam alavancar novamente a
economia baiana no decorrer das próximas décadas. A implantação do projeto
da Ford ajudou a consolidar a crença de que os resultados dessa política podem
disparar um novo ciclo de crescimento econômico.
Cavalcante e Uderman (2003), especulando sobre os impactos da implantação
da Ford no território baiano, ressaltam que o principal benefício dessa instalação
não está na criação de empregos diretos, mas na mudança estrutural que
conecta a oferta local de bens intermediários à produção industrial de produtos
finais, estabelecendo efeitos ‘para frente’ e ‘para trás’ na cadeia produtiva
instalada no Estado.
Além disso, os autores lembram ainda outros possíveis efeitos de spillover que
podem derivar da instalação de um empreendimento desse porte no Estado.
Eles citam, como exemplos, o potencial de atração de novos investimentos
que o complexo industrial nascido em torno da Ford pode gerar e os possíveis
spillovers tecnológicos da Ford e de suas sistemistas no sistema produtivo local.
Assim, apesar das inúmeras críticas que os modelos de desenvolvimento
baseados em atração de investimentos externos, via incentivos fiscais, têm
5
Os principais setores beneficiados com esses investimentos foram os de couro, calçados,
têxtil, confecções, eletrônico, transformação plástica, químico e automobilístico.
6
O que ainda representaria um investimento de mais de um quarto do PIB do Estado que, em
2001, foi de R$ 52 bilhões.
7
3,515 bilhões de Reais, ao câmbio do momento em que o investimento foi realizado.
70 | A evolução da política industrial da Bahia: uma abordagem institucionalista
sofrido nos últimos anos pelos críticos das ‘guerras fiscais’,8 os políticos e
planejadores do Governo da Bahia, em geral, alimentam grandes expectativas
quanto à retomada sustentada do crescimento econômico do Estado, acreditando
que esses novos investimentos atraídos poderão criar as bases para o ‘quarto
salto’ da economia baiana. De fato, a política de atração de indústrias do
Estado evoluiu e se aprimorou com o aprendizado ocorrido ao longo de sua
implementação, nos anos 90. São exatamente seus resultados recentes que
têm despertado, até mesmo nos mais céticos em relação a essa política, uma
expectativa positiva em relação a seus efeitos na economia baiana,
principalmente no que se refere à superação da instabilidade devida à sua
forte concentração na produção de commodities intermediárias.
Para tentar compreender melhor a evolução da política industrial da Bahia do
início da década de 90 até os dias de hoje, faz-se necessário que sejam
consideradas também algumas peculiaridades do cenário político baiano das
últimas décadas, bem como seu papel na formação das elites burocráticas da
administração pública estadual. Nesse sentido, antes de se entrar na descrição
da evolução dessa política industrial, serão abordadas, de forma bem resumida,
algumas características desse contexto político e institucional.
O ‘carlismo’ e a formação das elites burocráticas baianas
Nos últimos 30 anos, o cenário político baiano tem sido dominado pelo grupo
político de Antônio Carlos Magalhães.9 Desde 1971, o Estado da Bahia tem
sido governado quase que exclusivamente por políticos ‘carlistas’, excetuandose o período 1987-1990, quando Valdir Pires, do PMDB, foi governador do
Estado.10 Os governos ‘carlistas’, por um lado, adotavam um estilo centralizador
e autoritário de administrar, mas, por outro lado, privilegiavam a busca da
eficiência da administração pública e da qualidade dos serviços prestados à
população. Segundo Coêlho (2003):
[ ... ] No contexto político baiano, os governos ACM (1971-1975) e Roberto
Santos (1975-1979) dão início a um processo de desenvolvimento de um
8
Principalmente de fora do estado, em especial de diversos membros dos governos e do setor
acadêmico dos estados mais desenvolvidos, como São Paulo.
9
Hoje do PFL, mas, antes, do PDS e da ARENA.
10
Nesses últimos 30 anos, o próprio Antônio Carlos Magalhães foi três vezes governador do
Estado. Duas vezes indicado por colégio eleitoral (1971-1975 e 1979-1982), pela ARENA, e
uma vez eleito por voto popular (1991-1994), já no PFL. Além de ACM, nesse período, o Estado
foi Governado também por Roberto Santos (1975-1979, ARENA); João Durval Carneiro (19831986, PFL); Paulo Souto (1995-1998 e 2003-2007, PFL) e César Borges (1999-2002, PFL), todos
do grupo político de ACM.
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 71
modelo de gestão pública baseado no profissionalismo, na tecnicalidade e na
formação das ‘ilhas de eficiência’ [ ... ]. Em 1979, no segundo governo de ACM
é lançado na Bahia um projeto de adequação institucional mais arrojado com
o intuito de modernizar a gestão pública e de racionalizar o aparelho de
Estado. Conforme posto por Dutra (1990), ACM nas duas oportunidades em
que esteve à frente do governo do Estado conseguiu vincular-se à burocracia
civil e militar e com isso obteve condições de viabilizar seus projetos de
modernização da economia, crescimento industrial e melhoria da máquina
pública. [ ... ] Antônio Carlos Magalhães, atento à sua plataforma de gestão de
governo, concentra esforços para também dotar a administração pública do
Estado da Bahia de instrumentos de racionalidade. Sua estratégia volta-se
então para a adoção de instrumentos de gestão que possam dar condições
para que as administrações possam desenvolver o Estado em termos de eficiência
e eficácia administrativa (COÊLHO, 2003, p. 104-105).
No entanto, nos governos que seguiram ao segundo mandato de ACM, ocorreu
uma desvalorização das ‘ilhas de eficiência’: no governo de João Durval Carneiro
(1983-1986), eleito com o apoio de ACM, essas ‘ilhas’ passam a ser utilizadas
para fins políticos de diversas naturezas; no mandato de Valdir Pires (19871990), adotou-se uma política explícita de enfraquecimento das ‘ilhas de
eficiência’ criadas por ACM, com tratamento igualitário de todos os órgãos
públicos, resultando em um nivelamento por baixo do setor público do Estado
(SOUZA, 1991). Somente com o retorno de ACM ao Governo do Estado, para
seu terceiro mandato (1991-1994), é que se procura estabelecer um novo
processo de modernização do aparelho estatal: ACM inicia um novo processo
de qualificação dos recursos humanos da administração pública estadual e de
revalorização das ‘ilhas de eficiência’.
Um dos focos dessa reestruturação foi a Secretaria da Fazenda do Estado –
SEFAZ. Esse órgão deveria se transformar numa das ‘ilhas de eficiência’ do
Estado, com uma burocracia profissional, qualificada, com perfil técnicogerencial e cultura empresarial. Além da SEFAZ,11 o governo baiano privilegiou
também agências como a Secretaria de Planejamento, Ciência e Tecnologia –
SEPLANTEC, e a Secretaria de Administração – SEAD, entre outras. Por
conseguinte, observa-se que a formação das elites burocráticas baianas foi
fortemente influenciada pelo grupo político de ACM que, para realizar seu
projeto político, necessitava de uma burocracia profissional e qualificada na
administração pública do Estado. Portanto, na história recente da Bahia, assim
como no passado, observa-se que o desenvolvimento econômico do Estado
tem sido influenciado pelo planejamento governamental, cultivado pelos
governos ‘carlistas’ e pelas elites burocráticas locais.
11
Incluindo também a DESENBAHIA – Agência de Fomento do Estado da Bahia, sua vinculada.
72 | A evolução da política industrial da Bahia: uma abordagem institucionalista
Nesse contexto é que se inicia, desenvolve e implementa a política de atração
de indústrias do governo baiano, na década de 90. Assim, tanto o perfil técnico
e a cultura empresarial das elites burocráticas, formadas nos governos ‘carlistas’,
como o modus operandi orientado para resultados do governo baiano na era
‘carlista’, configuram-se como elementos fundamentais do processo evolutivo
de desenvolvimento e implementação dessa política, pois ela se adequava
muito bem à imagem de ‘governo que faz’, que os ‘carlistas’ procuravam
cunhar, pois seus resultados de curto prazo eram significativos e visíveis.12
A evolução da política industrial da Bahia (1991-2003):
melhoria contínua e consolidação com a Ford
Ao longo da década de 90, a política industrial da Bahia evoluiu para uma
posição de destaque na configuração de uma nova tentativa de alavancar o
desenvolvimento do Estado. De acordo com os executivos do governo baiano,
distinguem-se três fases principais na evolução dessa política. Numa primeira
fase, a partir do início da década de 90, o governo a inicia timidamente, com
a criação do Programa de Promoção do Desenvolvimento da Bahia – PROBAHIA,
que consistia na concessão de financiamentos, com juros subsidiados, de um
percentual do ICMS, para os novos empreendimentos industriais que fossem
atraídos para o território baiano.13 Esse programa, principalmente nos anos de
1994 e 1995, teve como principal resultado a expansão da base produtiva
anterior, tanto com a implantação de novas plantas como pela ampliação das
existentes, principalmente no setor petroquímico. Nessa fase, os investimentos
foram bastante concentrados nos pólos já existentes, situados na Região
Metropolitana de Salvador.
Em um segundo momento, a partir de 1996, além de dar continuidade ao
ProBahia, o Governo começa a desenvolver programas setoriais mais focados,
12
Como a atração de centenas de novos empreendimentos industriais para o Estado e a
geração de dezenas de milhares de empregos diretos na indústria.
13
O PROBAHIA financia até 75% do ICMS gerado por empreendimentos novos ou que ampliem
sua capacidade nos segmentos industriais, agroindustriais, turísticos e de geração de energia
elétrica. Os prazos dos financiamentos vão de 6 a 10 anos, com carência de 3 a 5 anos e juros
anuais de 3%, sem atualização monetária. Esse mecanismo de concessão de incentivos, por se
tratar de um financiamento concedido por um fundo legalmente constituído, com previsão
orçamentária, atende inclusive às exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Lei
Complementar 24/75. Contudo, com o controle da inflação no País, a partir do Plano Real,
esse mecanismo de incentivo perdeu sua atratividade, pois a grande vantagem para as
empresas era a não atualização monetária das parcelas do financiamento concedido numa
época de inflação elevada. Além disso, ele acarreta significativo ônus para o tesouro estadual,
pois provoca aumento dos repasses para os fundos constitucionais e outros fundos criados por
leis ordinárias, devido a uma arrecadação de ICMS que ocorre apenas escrituralmente para o
Estado, mas que tem que ser repassada para esses fundos.
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 73
como o Programa Estadual de Desenvolvimento da Indústria de Transformação
Plástica – BAHIAPLAST; o Programa Estadual de Desenvolvimento da Mineração,
da Metalurgia e da Transformação do Cobre – PROCOBRE; o Programa de
Incentivo à Produção Têxtil e de Confecções – PROFIBRA; e os programas de
apoio ao Pólo de Informática, Eletrônica e Telecomunicações de Ilhéus; entre
outros. Nesses programas, além de priorizar setores específicos e estratégicos
para o Estado, o governo passou a utilizar um novo mecanismo de incentivos
fiscais, o sistema de crédito presumido do ICMS.14 Esse novo sistema possibilitava
ao governo ser mais agressivo no uso de incentivos fiscais, sem comprometer
tanto a saúde financeira do Estado. Um dos principais resultados dessa fase foi
a implantação da indústria de bens leves de consumo (calçados, têxtil,
confecções, alimentos e bebidas). Ademais, ao contrário do que ocorreu na
fase anterior, os investimentos dessa fase aconteceram de forma menos
concentrada espacialmente, pois o governo baiano muitas vezes os induziu
para que fossem implantados em municípios isolados do semi-árido baiano.
Por fim, no final dos anos 90, devido ao significativo impacto do esforço de
atração da Ford no orçamento do Estado, na tentativa de minimizar os custos
e aumentar os benefícios de longo prazo de sua política de atração de indústrias,
o governo baiano iniciou um período de intensa discussão e revisão dessa
política, emergindo, a partir daí, uma terceira fase em sua implementação, na
qual se mudou o enfoque para uma maior seletividade dos incentivos e para
uma tentativa ainda mais explícita de verticalização e adensamento de cadeias
produtivas. Esse processo de revisão resultou na criação do Programa de
Desenvolvimento Industrial e de Integração Econômica do Estado da Bahia –
DESENVOLVE, cujo objetivo principal é, expressamente, diversificar a matriz
industrial e agroindustrial da Bahia, com a integração e verticalização das cadeias
produtivas estratégicas do Estado.15
Observa-se, portanto, que a política de incentivos fiscais cresceu em importância
dentro da estratégia de desenvolvimento do Estado, tornando-se seu carrochefe em meados da década de 90. Além disso, ela aos poucos foi sendo
14
A grande vantagem desse sistema, em relação ao utilizado no PROBAHIA, é que ele não
acarreta aumento dos repasses para os fundos constitucionais e outros fundos criados por leis
ordinárias, além de ser substancialmente mais atrativo para as empresas. Entretanto, a concessão
de crédito presumido sempre foi contestada por outros estados da federação, por ir de encontro
à Lei Complementar 24/75. Após a Lei de Responsabilidade Fiscal, esse mecanismo de incentivo
ficou ainda mais comprometido do ponto de vista legal, praticamente inviabilizando sua utilização.
Exemplo emblemático dos problemas legais enfrentados com esse mecanismo no Estado foi a
suspensão do PROCOBRE, em razão da ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) proposta
pelo Governo do Estado de São Paulo, devido ao uso de crédito presumido no programa.
15
O Programa DESENVOLVE foi criado pela Lei no 7.980, de 12 de Dezembro de 2001, e regulamentado pelo Decreto no 8.205, de 03 de Abril de 2002, durante o governo de César Borges.
74 | A evolução da política industrial da Bahia: uma abordagem institucionalista
aperfeiçoada e sofisticada, voltando-se, por exemplo, para a atração de
produtores de bens de consumo final, buscando diversificar a economia do
Estado e tentando preencher e adensar suas cadeias produtivas. Com isso, o
governo baiano procurou reduzir a instabilidade provocada pela concentração
da indústria na produção de commodities petroquímicas, herdada do processo
de industrialização das décadas passadas. O coroamento dessa estratégia veio
com a instalação da indústria automobilística, que após duas tentativas frustradas
do governo baiano,16 se consolidou com a vinda da Ford, que abriu o caminho
para uma maior integração da indústria em direção aos bens finais de consumo
durável de alto valor agregado, diversificando as commodities intermediárias.
O Quadro 1 ressalta alguns dos principais acontecimentos que marcaram a
evolução da política industrial da Bahia nos anos 90 e início da década atual.
QUADRO 1
MARCOS NA EVOLUÇÃO DA POLÍTICA INDUSTRIAL DA BAHIA
Período
1991-1994
(3o Governo de Antônio
Carlos Magalhães,
do PFL)
1995-1998
(1o Governo de Paulo
Souto, do PFL)
Marcos
1. Criação do PROBAHIA (1991), iniciando a política estadual de incentivos
fiscais à indústria
2. Criação do Plano Real (1994), possibilitando início da estabilização da
economia brasileira e da retomada dos investimentos privados no País.
1. Criação dos programas setoriais de incentivo à indústria:
a. Programa Estadual de Desenvolvimento da Indústria de
Transformação Plástica – BAHIAPLAST
b. Programa Estadual de Desenvolvimento da Mineração, da Metalurgia
e da Transformação do Cobre – PROCOBRE
c. Programa de Incentivo à Produção Têxtil e de Confecções – PROFIBRA
d. Programas de apoio ao Pólo de Informática, Eletrônica e
Telecomunicações de Ilhéus, entre outros.
1999-2002
(Governo de César
Borges, do PFL)
1. Atração da FORD (2000)
2. Promulgação da Lei de Responsabilidade de Fiscal
3. Primeira revisão da política industrial do Estado (2001)
4. Tentativa frustrada de ‘unificação’ das políticas de incentivos fiscais dos
estados do Nordeste (2001)
5. Criação do Programa de Desenvolvimento Industrial e de Integração
Econômica do Estado da Bahia – DESENVOLVE (2001)
6. Adoção de medidas voltadas para aumentar a seletividade e diminuir os
custos da política.
2003-atual (2o governo
de Paulo Souto, do PFL)
1. Adoção de mais medidas voltadas para aumentar a seletividade e
diminuir os custos da política.
16
Antes da Ford, o governo baiano chegou a negociar a vinda da Hyundai e da Asia Motors,
que acabaram não concretizando os investimentos no Estado.
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 75
Entretanto, esse processo de evolução não ocorreu de forma automática, nem
resultou de esforços intelectuais puramente racionais e técnicos dos tecnocratas
ou políticos baianos. Envolveu também fatores políticos e institucionais, como
as disputas entre os diversos órgãos da estrutura administrativa do Estado,
ligadas direta ou indiretamente à implementação da política, na defesa de
seus interesses e crenças ao longo de todo o processo. Portanto, o balanço de
forças entre essas unidades tem sido também fator crucial na definição dos
rumos da política.
Entre esses órgãos, novamente a disputa de interesses principal recaiu sobre a
secretaria que executa a política, a Secretaria de Indústria, Comércio e
Mineração – SICM, e a Secretaria da Fazenda do Estado. A primeira defendia
sua autonomia no uso dos incentivos fiscais para atrair investimentos para o
território baiano e, a segunda, tentava conciliar essa política com a administração
financeira e tributária do Estado.
No decorrer dos anos 90, o que se observa é, também, uma especialização da
agência executora da política – a SICM – na estratégia de atrair empreendimentos industriais utilizando incentivos fiscais e financeiros. Assim, os resultados
de curto prazo alcançados com essa política incentivaram a intensificação de
seu uso e o aprendizado gerado pelo learning-by-doing aumentou a eficiência
e eficácia dessa agência na atração de investimentos. Em poucos anos, essa
política passou a concentrar a maior parte dos investimentos do Governo da
Bahia na área de desenvolvimento, tornando todas as outras ações dessa área,
no máximo, coadjuvantes no esforço do governo de retomada do crescimento
econômico. Nesse período, a esmagadora maioria dos recursos humanos e
financeiros17 do governo baiano, para a área de desenvolvimento, especialmente
da SICM, passou a ser consumida por essa política.
Contudo, apesar dessa especialização, em decorrência da densidade e
complexidade do aparato burocrático baiano, não deixou de haver, ao longo
de todo esse processo, um esforço interno significativo do Governo para reflexão,
discussão e avaliação da política. A atuação de órgãos como a SEFAZ, a
SEPLANTEC e a DESENBAHIA – por meio da realização de estudos e avaliações
e, principalmente, na formação de grupos de trabalho junto com a SICM –
contribuiu expressivamente para o controle e aperfeiçoamento da política
industrial baiana.
17
Para se ter uma idéia do custo da política de atração de indústrias do Estado, observe-se, por
exemplo, que o custo estimado dos incentivos totais dados para atrair a Ford para o Estado foi
da ordem de R$ 3 bilhões. Cavalcante e Uderman (2003) estimaram que o valor presente dos
incentivos oferecidos à montadora estaria entre R$ 2,72 bilhões e R$ 2,94 bilhões, que
representaria, por exemplo, cerca de 5% do PIB do Estado em 2001.
76 | A evolução da política industrial da Bahia: uma abordagem institucionalista
Desses órgãos, o mais atuante no acompanhamento, avaliação e controle da
política, fazendo um contraponto à especialização da SICM em atrair
empreendimentos industriais externos via incentivos fiscais e financeiros, foi a
SEFAZ. Essa Secretaria, uma das chamadas “ilhas de eficiência” do Estado,
era politicamente forte e possuía uma burocracia bastante qualificada. Sua
missão principal era zelar pelo equilíbrio fiscal do Estado, recuperado no início
da década de 90, no terceiro governo de ACM. Nesse sentido, dada a natureza,
no mínimo, “duvidosa” dos impactos da política de atração de indústrias sobre
as finanças do Estado18, essa secretaria assumiu uma postura crítica e bastante
cautelosa em relação à ela, desde o início de sua implementação. Criou,
inclusive, já no início dos anos 90, uma assessoria especializada em incentivos
fiscais19. Essa assessoria tinha como funções principais: acompanhar a política
de atração; avaliar seus impactos no orçamento do Estado; e ajudar a SICM a
desenvolver e aperfeiçoar os mecanismos fiscal-financeiros de incentivo às
indústrias; entre outras.
O governo baiano foi bastante eficiente e ágil no desenvolvimento, adaptação
e calibração dos mecanismos de incentivos fiscal-financeiros, amenizando os
impactos da política nas finanças do Estado. Somente entre 1991 e 2000, o
Governo do Estado experimentou três tipos distintos desses mecanismos: o
sistema de financiamento do ICMS (‘operações triangulares’), o de crédito
presumido e o de dilação de prazos.
Já a Secretaria de Planejamento do Estado teve uma atuação limitada. Sua
participação no processo de desenvolvimento e implementação da política de
incentivos fiscais baiana ocorreu de forma bastante tímida, basicamente por
meio da realização de estudos e por participações marginais em grupos de
trabalhos específicos. Essa participação acanhada da SEPLANTEC20 deveu-se,
provavelmente, em parte, ao fato de que ela acumulava, além da elaboração
do plano plurianual e do orçamento do governo, diversas outras funções de
natureza operacional, como a realização de obras importantes para o Estado.21
18
Os executores da política – a SICM – alegavam que a prática de redução ou isenção de ICMS
não comprometeria a receita tributária do Estado, porquanto esses incentivos seriam dados a
empreendimentos industriais que não se instalariam no Estado, caso eles não fossem concedidos.
Entretanto, essa hipótese foi derrubada no decorrer da implementação da política ao longo
da década de 90.
19
Em Pernambuco e no Ceará foram criadas, também, em suas secretarias da fazenda,‘células’
específicas para cuidar dos assuntos relacionados às políticas de incentivos fiscais desses estados.
Contudo, em Pernambuco, isso ocorreu na segunda metade dos anos 90 e, no Ceará, apenas
no início da década atual.
20
Secretaria de Planejamento, Ciência e Tecnologia do Estado da Bahia.
21
Sobretudo por meio da Companhia de Desenvolvimento Urbano do estado da Bahia –
CONDER, atualmente subordinada à Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Estado.
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 77
Esse tipo de atividade, além de sobrecarregar os recursos humanos da instituição,
também gerava importantes dividendos políticos para ela, tornando, talvez, o
envolvimento com a política de atração de indústrias de importância secundária
para a instituição.
Um exemplo emblemático da contribuição dessas agências ocorreu no processo
de revisão da política de incentivos fiscais, ocorrido no final dos anos 90 e início
da atual década, que originou o Programa DESENVOLVE, atualmente condutor
da política de atração de indústrias do Estado. Nessa época, esboçava-se um
quadro de apreensão em alguns governos de estados nordestinos sobre a
sustentabilidade de suas políticas de incentivos fiscais, inclusive na Bahia. Por
um lado, havia a necessidade urgente dos governos repensarem seus
mecanismos de atração de investimentos à luz das mudanças que vinham
ocorrendo no marco regulatório fiscal brasileiro.22 Por outro, o acirramento da
competição entre algumas unidades da federação pela atração de investimentos
e o elevado custo dessas políticas para os Estados, apontavam para a necessidade
de revisão dos mecanismos tradicionais de concessão de incentivos fiscais.
Surgiu então, no âmbito das reuniões do Conselho Nacional de Política
Fazendária – CONFAZ, uma proposta de formação de um grupo de trabalho
que envolveria representantes das secretarias da Fazenda e de Planejamento
dos estados do Nordeste – inicialmente Bahia, Ceará, Paraíba e Pernambuco –
para tentar esboçar uma proposta de superação das distorções criadas pela
disputa por investimentos da chamada ‘guerra fiscal’.23 Esse grupo de trabalho
interestadual passou a discutir a criação de um modelo unificado de concessão
de incentivos fiscais para os estados do Nordeste. Os pontos de partida dessa
discussão foram o novo modelo de política de incentivos fiscais que vinha sendo
desenvolvido pelo Governo do Estado do Ceará e o modelo de classificação de
projetos que estava sendo trabalhado pelo Banco de Desenvolvimento do Estado
da Bahia – DESENBANCO.24
22
Principalmente devido à Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101, de 4 de
maio de 2000) – que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade
na gestão fiscal, visando a prevenir riscos e corrigir os desvios capazes de afetar o equilíbrio das
contas públicas – e a emergência da reforma tributária brasileira, que começaram a por em
xeque o uso de incentivos fiscais pelos estados subnacionais brasileiros para atrair investimentos.
23
As secretarias de Desenvolvimento Econômico ou de Indústria e Comércio desses estados,
diretamente responsáveis pela implementação dessas políticas, foram afastadas inicialmente
desse grupo de trabalho, pois, naquele momento, mostravam-se bastante resistentes a qualquer
proposta de avaliação ou de mudança nessas políticas.
24
No âmbito de seu processo de transformação em Agência de Fomento, o DESENBANCO
vinha implementando um índice que tinha o objetivo de aferir o grau de aderência dos
projetos de financiamento, apresentados à instituição, aos objetivos estratégicos de desenvolvimento do Estado, indicados no Plano Plurianual do Governo Baiano.
78 | A evolução da política industrial da Bahia: uma abordagem institucionalista
Esse grupo interestadual, após várias rodadas de discussão e negociação, elaborou
uma proposta inicial desse modelo unificado para ser discutida com os demais
estados do Nordeste. O modelo, de certa forma, funcionaria como um mecanismo
de coordenação das políticas de incentivos fiscais desses estados, estabelecendo
faixas diferenciadas25 de incentivos, que balizariam essas políticas. Além disso,
o modelo preconizava uma postura mais seletiva dos estados na atração de
indústrias e, também, a adoção de um novo mecanismo de concessão de
incentivos fiscais, baseado na dilação de prazos do pagamento do ICMS.26
Segundo a proposta, os governos passariam a adotar uma nova metodologia
para a seleção de projetos e para a definição dos benefícios fiscais a serem
concedidos a cada um deles. Dessa forma, o prazo e o percentual dos incentivos
a serem concedidos passariam a ser definidos de acordo com um índice de
aderência do projeto à ‘matriz de desenvolvimento industrial’ de cada Estado,27
estabelecendo critérios mais técnicos e seletivos para a concessão dos incentivos.
Esses critérios levariam em conta fatores como a repercussão do projeto na
geração de empregos diretos e indiretos; a capacidade de desconcentração
espacial dos investimentos; a contribuição para integração e verticalização de
cadeias produtivas do Estado; o grau de desenvolvimento tecnológico dos
processos produtivos e de assimilação de novas tecnologias; e a capacidade de
exportação do empreendimento, bem como os impactos ambientais do projeto.
Ao final do processo de discussão dessa proposta, o modelo unificado de
incentivos não chegou a ser aceito por todos os Estados do Nordeste pois, entre
outras razões, nem os estados menos desenvolvidos da Região aceitavam reduzir
a oferta de incentivos,28 nem as secretarias de desenvolvimento econômico do
25
Isso permitia, aos estados mais pobres da Região, utilizar percentuais de incentivos maiores
do que os utilizados por Bahia, Ceará e Pernambuco.
26
Nesse sistema, a empresa incentivada é beneficiada com uma dilação do prazo de pagamento
do saldo devedor mensal do ICMS normal. O incentivo é dado por meio de uma cláusula que
garante, à empresa, percentuais significativos de desconto sobre o saldo devedor, caso ela
pague a parcela devida antecipadamente.
27
Para mais informações sobre a ‘matriz de desenvolvimento industrial’ e o ‘índice de aderência’,
ver Cavalcante e Argollo (2002).
28
Os governos desses estados argumentavam que Bahia, Ceará e Pernambuco já possuíam
melhores condições de infra-estrutura, maior aglomeração industrial e outros fatores naturais
de atração de investimentos de que os estados mais pobres da Região não dispunham e isso os
colocaria em desvantagem em relação aos primeiros, que já haviam saído na frente na disputa
pelos investimentos. Além disso, muitos desses estados ainda acreditavam que a utilização
intensiva de incentivos fiscais não teria custos significativos para os cofres públicos, pois como
argumentou o representante do Piauí, numa das reuniões de discussão da proposta, “100%
de 0 é igual a 0% de 100, portanto a política de incentivos fiscais não tem custo para o Estado
e seríamos bobos em não usá-la agressivamente”.
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 79
Ceará, principalmente, e de Pernambuco, eram simpáticas à proposta, que
foi, então totalmente abortada pela maioria dos Estados. Todavia, a burocracia
baiana continuou o trabalho de aperfeiçoamento do modelo internamente.
Naquele momento, já havia sido iniciado, no Governo da Bahia, um processo
de grande interlocução entre a SICM, que executava a política, com a SEFAZ,
a DESENBAHIA e a SEPLANTEC, procurando articular os distintos interesses e
posturas em relação à política de incentivos do Estado,29 não obstante ter falhado
a iniciativa de unificação das políticas dos estados nordestinos. Manteve-se o
grupo de trabalho interinstitucional que havia participado das discussões com
os outros estados, para repensar a política de incentivos baiana e rever seus
mecanismos de atuação. Dos trabalhos desse grupo, originou-se o Programa
DESENVOLVE, que adotou a maioria das mudanças previstas naquela proposta
de modelo unificado.
Esse exemplo demonstra a importância da interação dos órgãos governamentais
baianos no processo de desenvolvimento e implementação da política de atração
de indústrias do Estado. O aprendizado interativo entre essas agências ajudou,
portanto, a moldar a política, contemplando tanto os aspectos racionais e
cognitivos como, também, os políticos. Durante o desenvolvimento dos trabalhos
do grupo montado para rever a política, a todo o momento seus membros
concorriam pela supremacia dos interesses de suas agências nas disputas internas
dentro do grupo. Por exemplo, a SICM contestava veementemente a proposta
da SEFAZ e do DESENBANCO de utilização do modelo matemático da matriz
de aderência para classificação dos projetos e definição dos percentuais e prazos
de incentivos fiscais, pois isso diminuiria sua autonomia e discricionariedade
para negociar os incentivos fiscais com as empresas a serem atraídas.
Na verdade, essas disputas técnicas e políticas entre os órgãos do governo não
se manifestaram apenas nos trabalhos desse grupo, mas ocorreram durante
todo o processo de formulação e implementação da política de atração de
indústrias do Estado, desde o início da década de 90, e foram decisivas em sua
evolução ao longo dessa década, influenciando decisivamente em seus objetivos,
conteúdo, forma, instrumentos e, conseqüentemente, em seus resultados de
curto, médio e longo prazo.
29
Naquele momento, alguns executivos do governo baiano, principalmente da SEFAZ,
DESENBAHIA e SEPLANTEC, passaram a argumentar que já se fazia necessário desenvolver e
implementar um novo modelo de incentivos. Esse modelo deveria atender a três condições
essenciais, quais sejam, atratividade para as empresas, sustentabilidade jurídica do mecanismo
e viabilidade econômica para o Governo.
80 | A evolução da política industrial da Bahia: uma abordagem institucionalista
Considerações finais
As evidências apresentadas neste artigo mostram que, entre outras coisas, as
análises tradicionais das ‘guerras fiscais’ têm negligenciado um aspecto
fundamental no processo de implementação dessas políticas: os governos
aprendem, as políticas evoluem. Ou seja, o desenvolvimento dessas políticas é
um processo evolutivo e seus resultados, de curto, médio e longo prazo, não
são predeterminados pelo seu desenho inicial, mas dependem fortemente do
aprendizado ocorrido ao longo de sua implementação.
Assim, o sucesso ou o fracasso das estratégias de desenvolvimento dos governos
que implementam esse tipo de política estão muito mais relacionados à sua
capacidade de aprender do que, propriamente, à sua eficiência atual na
execução dessas políticas ou do atual formato delas. Além disso, o estudo de
caso analisado neste trabalho sugere ainda que a evolução dessas políticas
não ocorre de forma perfeitamente racional e coordenada. Fatores como as
disputas internas nos governos e a especialização das secretarias e agências
executoras dos programas de atração de investimentos é um viés para avanços
e melhorias predominantemente instrumentais dessas políticas e desempenham
papel fundamental na sua evolução.
Portanto, a principal lição que pode ser assimilada deste artigo é que aumentar
a habilidade dos governos de “aprender a aprender” pode ser o caminho mais
apropriado para tornar suas estratégias mais efetivas e sustentáveis no médio e
longo prazo. Além disso, essa capacidade de aprender deve ser desenvolvida
para um contexto em que o comportamento e interesses políticos dos agentes
são fatores determinantes no processo de aprendizado, e ignorá-los ou tentar
suprimi-los do processo pode ser desastroso.
Referências
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investimentos. Ceará: IPECE, 2003. (Texto para Discussão).
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82 | A evolução da política industrial da Bahia: uma abordagem institucionalista
5
O NOVO ENIGMA BAIANO, A
QUESTÃO URBANO-REGIONAL
E A ALTERNATIVA DE UMA
NOVA CAPITAL1
Marcus Alban*
Resumo
Entre os anos 40 e 50, a Bahia viveu o enigma do não-acompanhamento da
dinâmica urbano-industrial do Centro-Sul. Esse Enigma Baiano foi resolvido através
de uma industrialização planejada, que lançou o estado numa trajetória de
crescimento superior à média nacional. No entanto, em que pese esse dinamismo
econômico, pouco se avançou em termos do desenvolvimento social e humano.
E essa disparidade de dinamismos constitui um novo e importante enigma baiano.
No presente trabalho, busca-se decifrar esse novo enigma através da análise dos
desdobramentos sócio-urbano-regionais das políticas industriais adotadas ao longo
das últimas cinco décadas, discutindo-se a possibilidade de uma nova capital
como ponto de partida para um desenvolvimento mais equilibrado.
Palavras-chave: Enigma Baiano. Economia Baiana. Desequilíbrios Regionais.
Planejamento Urbano-regional.
Abstract
Between the 1940s and 1950s, the state of Bahia lived the enigma of “notfollowing” the urban-industrial dynamics seen in Central-South Brazil. This Bahian
enigma was solved through the adoption of planned industrialization in the state,
which set forth a growth pathway above the national average. Despite its economic
dynamism, the state did not accomplish in regard to social and human development.
This disparity between economic and social dynamisms comprises a new and
important Bahian enigma. This article intends to decipher this new enigma by
analyzing the social, urban and regional consequences of the industrial policies
over the last five decades. The article is concluded with the discussion of a possible
new state capital as a starting point for achieving a more balanced development.
Key-words: Bahian Enigma. Bahian Economy. Regional Unbalances. Urbanregional Planning.
1
Trabalho apresentado no XI Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa
em Planejamento Urbano e Regional – ANPUR, Salvador (Bahia), 23 a 27 de maio de 2005.
*
Professor do NPGA-UFBA, Doutor em Economia pelo IPE-USP. E-mail: [email protected]
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 83
O enigma baiano e o desenvolvimento econômico
Tendo compartilhado da hegemonia política e econômica do país até as primeiras
décadas do século XX, a sociedade baiana vivenciou, nos anos de 1940 e
1950, o ápice de uma grave crise de desenvolvimento. Com a lavoura açucareira
se desmoronando, frente à pesada concorrência de produtores internacionais,
e sem condições edafoclimáticas para participar ativamente do cultivo do café,
a Bahia, apesar do cacau, terminou não participando do dinamismo que envolvia
boa parte do Sul e Sudeste do país.
O cacau, embora se desenvolvendo, como o café, desde o final do século XIX,
não tinha condições para impor uma dinâmica de grandes proporções na Bahia.
De um lado havia as limitações de um mercado internacional relativamente
estreito e, de outro, havia as limitações internas – edafoclimáticas e de infraestrutura – que inviabilizavam a expansão acelerada da lavoura. Assim, mesmo
com um preço relativo muito superior ao café, o desenvolvimento engendrado
pelo cacau era limitado.
Ao não participar do dinamismo do café, a Bahia, como todo o Nordeste,
passou a perder posições na economia nacional. Essa perda não foi apenas
quantitativa. Ocorre que, para expandir a cafeicultura, promoveu-se, no último
quartel do século XIX, uma intensa imigração de europeus, provocando
profundas transformações sociais. De fato, o imigrante europeu não foi apenas
um substituto assalariado do antigo escravo: foi também o criador e difusor de
novos padrões culturais, empresariais e tecnológicos, fundamentais ao
desenvolvimento do capitalismo urbano-industrial.
Na Bahia, a cultura do cacau também contou com imigrantes europeus. Estes,
entretanto, constituíam uma ínfima minoria, envolvida quase sempre com a
comercialização. A grande maioria dos trabalhadores era, na prática, formada
por nordestinos, expulsos pela seca e pela estagnação da lavoura açucareira.
Assim, ao iniciar-se a industrialização brasileira, a Bahia, e todo o Nordeste,
observou, perplexa, sua mutação de região hegemônica em região periférica
do novo sistema. É essa perplexidade, que atinge seu auge nos anos de 1950,
que constituirá o famoso “enigma baiano”. Como bem observa Pinto de Aguiar:
Os anseios generalizados da população baiana e suas elites, pela obtenção de
uma taxa de crescimento econômico mais satisfatória que a atual, encontram
eco e apoio na imprensa local, que abre suas colunas aos debates sobre as
possíveis causas e as soluções eventuais para este problema, o qual foi
denominado de enigma baiano (AGUIAR, 1977).
Em síntese, o “enigma baiano” consistia na não-industrialização da Bahia, ou
melhor, no por que dessa não-industrialização. A elite intelectual da época
84 | O novo enigma baiano, a questão urbano-regional e a alternativa de uma nova capital
buscava então, a todo custo, desvendar o enigma para poder superá-lo. As
causas levantadas iam desde “a influência materna na constituição das famílias
irregulares de nossa sociedade”, sugerida por Thales de Azevedo, o que,
seguindo uma perspectiva freudiana, explicaria o perfil pouco empreendedor
dos baianos, até “a sangria de braços na guerra do Paraguai”, salientada por
Braz Amaral.2
As razões fundamentais, contudo, eram as de natureza econômica, também
levantadas na época. Em linhas gerais, seguindo-se uma análise muito próxima
da aqui desenvolvida, considerava-se que:
• ao não participar do dinamismo do café, a Bahia não gerava grandes
excedentes passíveis de serem canalizados para a indústria;
• os excedentes do cacau, além de serem relativamente pequenos, eram, em
parte, canalizados para o Sudeste do país, em razão da política de câmbio vigente.3
Por outro lado, o que ficava em mãos dos produtores baianos era, em boa
medida, transformado em consumo suntuoso, nem sempre realizado na Bahia;
• a Bahia, nesse sentido, vivia um processo de baixa acumulação de capital, o
que impedia o desenvolvimento de economias urbanas geradoras de mercados
para o desenvolvimento industrial;
• as elites e a população baiana, por fim, decorrente da colonização escravocrata
lusitana, não detinham capacidades empresariais e tecnológicas para a aventura
industrial. O lucro, salvo raras exceções, era sempre perseguido dentro de uma
perspectiva mercantil.
Como se observa, a Bahia não apresentava, nem de longe, as condições mínimas
necessárias ao desenvolvimento do processo de industrialização. Ao contrário,
com suas elites atuando dentro de uma perspectiva mercantil, o natural era
uma involução constante da economia, com a canalização dos parcos excedentes
gerados para o Sul e Sudeste do país, através do sistema financeiro. Para
superar o enigma, portanto, tornava-se necessário reverter essa dinâmica
involutiva natural, o que só poderia ser feito via planejamento.
A necessidade do planejamento também não escapou à análise da elite da
época. Voltando a Pinto de Aguiar:
Não é por deformação profissional, sendo eu professor de economia, que
aponto como primeira providência, o estudo científico do enigma baiano (...).
2
Ambas as análises citadas em Pinto de Aguiar (1977).
3
Em linhas gerais, havia uma sobrevalorização do câmbio na exportação. Sobre esse ponto,
ver Mariani (1977).
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 85
Em segundo lugar a terapêutica: o planejamento. Já se foi o tempo em que se
podia confiar ao automatismo do mercado (...). Planejamento não significa
estatismo e sim demonstração de que o homem tem capacidade para dirigir
em termos racionais os seus próprios destinos (AGUIAR, 1977).
A perspectiva de que seria preciso planejar a retomada do desenvolvimento foi
amplamente assumida pelo Governo de Antônio Balbino (1955-1959). Neste,
sob o comando de Rômulo Almeida, constituiu-se o primeiro sistema estadual
de planejamento, tendo em sua cúpula a CPE – Comissão de Planejamento
Econômico (CARVALHO NETO, 2003).4 Elaborando vários estudos sobre a
realidade baiana, a CPE proporia, ao final dos anos 1950, o primeiro plano de
desenvolvimento do estado – o PLANDEB. Ainda que não aprovado pela
Assembléia Legislativa (em razão das resistências das oligarquias rurais), o
PLANDEB, especialmente em sua estratégia industrial, não deixou de ser
implementado pelos governos de Balbino, Juracy Magalhães (1959 – 1963) e
todos que os sucederam até o final da década de 1980.
É interessante observar que o PLANDEB foi desenvolvido quase que simultaneamente ao plano elaborado pelo GTDN – Grupo Técnico para o
Desenvolvimento do Nordeste, sob a coordenação de Celso Furtado. Embora
contemporâneos, esses planos eram muito distintos. Enquanto o do GTDN
propunha um modelo autônomo, visando a repetir, no Nordeste, a industrialização substitutiva de importações que ocorria no Sudeste,5 o PLANDEB,
ainda que de maneira não explícita, propunha uma estratégia de integração
ao desenvolvimento do próprio Sudeste (ALBAN, 1990).
A grosso modo, a estratégia de industrialização proposta pelo PLANDEB estava
fundada na produção de bens intermediários. Partindo das matérias-primas
existentes, a idéia era agregar valor à produção local, para atender aos novos
mercados, no Sudeste, criados pela substituição de importações (ALBAN, 2003;
GUERRA; TEIXEIRA, 2000; MENEZES, 2000).
Em termos econômicos, essa opção foi, sem dúvida, a mais acertada. Voltandose para mercados externos, e valendo-se também de uma forte articulação
para a atração de investimentos estatais, ela não tinha as restrições do mercado
local. Desse modo, sempre que a economia do Sudeste se expandia, a economia
baiana, ainda que com algum retardo, crescia paralelamente. Com esse
processo, a Bahia sustentou taxas de crescimento significativamente superiores
4
Tendo exercido a chefia da assessoria econômica do segundo governo Vargas, Rômulo
Almeida era a pessoa ideal para o desafio do planejamento. Eleito Deputado Federal pelo PTB,
Rômulo foi convidado para a Secretaria da Fazenda do Governo Balbino, assumindo as funções
de planejamento (Almeida, 1986, cap. 3).
5
Para uma excelente análise da estratégia do GTDN, ver Moreira (1979).
86 | O novo enigma baiano, a questão urbano-regional e a alternativa de uma nova capital
às médias nacionais (Tabela 1), superando a primazia de Pernambuco, no
Nordeste, e transformando-se na sexta maior economia estadual do país. 6
TABELA 1
EVOLUÇÃO DO PIB, BAHIA/BRASIL, 1975 – 1985
Anos
Bahia
Brasil
1975
100,0
100,0
1976
107,8
110,2
1977
116,8
115,6
1978
130,0
121,3
1979
142,9
129,5
1980
158,7
141,3
1981
160,3
135,1
1982
169,2
135,9
1983
171,6
131,2
1984
174,8
138,2
1985
191,1
149,1
Fonte: SEI.
Com a crise enfrentada pela economia nacional, a estratégia de desenvolvimento industrial, proposta pelo PLANDEB, naturalmente se esgotou. Desse
modo, a partir da segunda metade dos anos 80, o governo baiano, já com um
sistema de planejamento montado, começou a buscar um novo modelo de
desenvolvimento. Surgindo de trabalhos diversos, esse modelo se configurou
em sua totalidade no plano de governo Reconstrução e Integração Dinâmica,
elaborado pela Fundação CPE, no começo dos anos de 1990.
Constatando que a estratégia do PLANDEB havia criado um certo mercado de
consumo final no estado, o qual, por sua vez, representava a maior parcela de
todo o mercado final do Nordeste, o novo plano propunha a verticalização da
indústria em direção aos bens finais. O objetivo, ainda vigente, era avançar com
a agregação de valor à produção local, estabelecendo uma ponte entre a produção
dos bens intermediários e o consumo dos bens finais, viabilizando a complexificação
da economia. Paralelamente, propunha-se também a diversificação da base
produtiva, com o desenvolvimento dos complexos agroindustriais no interior,
bem como do turismo, uma vocação natural e esquecida do estado.
Ainda que sem o mesmo dinamismo do PLANDEB, a nova estratégia foi, e
continua sendo, implementada no estado com razoável sucesso. Assim, vencida
a crise de transição, que se prolongou até o começo dos anos de 1990, a Bahia
veio crescendo a taxas equivalentes às do país, mantendo, dessa forma, a sua
posição relativa de sexta maior economia estadual (Tabela 2). A recente
instalação do complexo automotivo da Ford, por outro lado, coroa e potencializa
6
Esse processo de industrialização será extremamente polarizado na Região Metropolitana de
Salvador. De fato, iniciando-se, no final dos anos 50, com a Refinaria Landulfo Alves, em
Mataripe, no município de São Francisco do Conde, a moderna industrialização dos bens
intermediários se dará sempre no entorno de Salvador. Assim, nos anos 60, tem-se a implantação
do CIA, em Candeias e Simões Filho, onde se localizam várias empresas metalo-siderúrgicas e
químicas. Nos anos 70, vive-se o auge desse processo, com a implantação do Pólo Petroquímico,
em Camaçari. O processo se consolida, por fim, com a metalurgia do cobre da Caraíba Metais,
implantada em Dias D’Ávila no começo dos anos 80.
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 87
a estratégia, possibilitando, ao menos nos próximos anos, a volta de um
crescimento mais acelerado.7
TABELA 2
EVOLUÇÃO DO PIB, BAHIA/BRASIL, 1990 – 2001
Anos 1990
Bahia 100,0
Brasil 100,0
1991
98,5
101,0
1992 1993
100,3 103,4
100,5 105,4
1994 1995 1996
107,1 108,2 111,1
111,6 116,3 119,4
1997 1998 1999
118,4 120,4 128,0
123,3 123,5 124,4
2000 2001
128,0 130,4
129,9 131,7
Fonte: SEI.
O baixo desenvolvimento social e humano
Em que pese todo essa transformação produtiva alcançada pelo planejamento,
não se pode dizer que a Bahia tenha, de fato, se desenvolvido. Se, em termos
econômicos, o estado indubitavelmente se industrializou e cresceu,
transformando-se na sexta maior economia do país, o mesmo não se pode
dizer em termos sociais. Não que não tenha havido melhoras sociais, elas,
porém, foram muito tímidas. Assim, como se observa na Tabela 3, em termos
relativos a Bahia continua com indicadores socioeconômicos muito precários,
semelhantes aos dos demais estados nordestinos.
TABELA 3
INDICADORES SOCIOECONÔMICOS SELECIONADOS: BAHIA, SÃO PAULO, BRASIL - 1999
Indicador
- Índice de pobreza
(% de famílias pobres ou até ½ SM de renda per capita mensal)
- Índice de desigualdade de renda
(renda dos 10% mais ricos / renda dos 40% mais pobres)
- Taxa de formalização do emprego
(emprego com carteira + func. públicos / pop. ocupada)
- Taxa de cobertura previdenciária
(ocup. Contribuintes / pop. ocupada)
- Taxa de analfabetismo (pop. > 15 anos de idade)
- Taxa de analfabetismo funcional
(pop. com 15 anos ou mais e com até 3 anos de estudo)
- Número médio de anos de estudo (pop. de 10 anos ou mais)
- Taxa de defasagem idade/série (ensino fundamental) – 2001
- Taxa de defasagem idade/série (ensino médio) – 2001
- Taxa de domicílios urbanos com saneamento básico
Bahia
36,5
S. Paulo
7,2
Brasil
20,1
20,27
16,65
22,13
25,2
47,6
34,0
23,8
61,2
43,3
24,7
48,3
6,2
19,3
13,3
29,4
4,2
63,1
73,5
44,3
6,8
15,8
36,3
91,1
5,8
39,1
53,3
62,3
Fonte: IBGE e SEI.
7
A expectativa é de que, quando em pleno funcionamento, em 2006, admitindo-se a retomada
da economia brasileira, o Complexo Amazon venha a agregar R$ 4,5 bilhões ao PIB baiano (em
valores de 1999), gerando cerca de 64 mil novos empregos entre diretos, indiretos e efeito
renda. Esses valores foram estimados por Alban et al (2000), tomando por base as matrizes de
insumo-produto nacionais desenvolvidas por Najberg e Ikeda (1999).
88 | O novo enigma baiano, a questão urbano-regional e a alternativa de uma nova capital
Essa mesma realidade é percebida nos indicadores de desenvolvimento humano.
Como se constata na Tabela 4, a Bahia, embora ganhando, na última década,
duas posições no ranking do IDH-municípios, permanece entre os 10 piores
IDHs do país, juntamente com os demais estados nordestinos e o Acre. Importante
observar que isso acontece em todos os três subindicadores do IDH: renda per
capita, escolaridade e longevidade.8 Assim, também em termos de desenvolvimento humano, a Bahia apresenta um resultado muito aquém do desenvolvimento
econômico-industrial.
TABELA 4
RANKING DO IDH – MUNICÍPIOS 1991 – 2000
UF
Distrito Federal
São Paulo
Rio Grande do Sul
Santa Catarina
Rio de Janeiro
Paraná
Goiás
M. Grosso do Sul
Mato Grosso
Espírito Santo
Minas Gerais
Amapá
Roraima
Rondônia
Tocantins
Pará
Amazonas
Rio Gr. do Norte
Ceará
Bahia
Acre
Pernambuco
Sergipe
Paraíba
Piauí
Maranhão
Alagoas
IDH-M
1991
0,798
0,773
0,757
0,740
0,750
0,719
0,707
0,712
0,696
0,698
0,698
0,691
0,710
0,655
0,635
0,663
0,668
0,618
0,597
0,601
0,620
0,614
0,607
0,584
0,587
0,551
0,535
IDH-M
2000
0,844
0,814
0,809
0,806
0,802
0,786
0,770
0,769
0,767
0,767
0,766
0,751
0,749
0,729
0,721
0,720
0,717
0,702
0,699
0,693
0,692
0,692
0,687
0,678
0,673
0,647
0,633
Variação
1991-2000
0,047
0,041
0,052
0,066
0,052
0,067
0,062
0,057
0,071
0,068
0,068
0,061
0,039
0,074
0,086
0,057
0,049
0,084
0,102
0,092
0,072
0,077
0,080
0,094
0,086
0,096
0,098
Ranking
1991
1
2
3
5
4
6
9
7
12
10
11
13
8
16
17
15
14
19
23
22
18
20
21
25
24
26
27
Ranking
2000
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
Var. ranking
1991-2000
0
0
0
1
-1
0
2
-1
3
0
0
1
-5
2
2
-1
-3
1
4
2
-3
-2
-2
1
-1
0
0
Fonte: IPEA - Fundação João Pinheiro, PNUD.
8
Para a metodologia de cálculo do IDH-M, ver Najberg e Oliveira (2000).
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 89
Por que razão a dinâmica social apresentou, na Bahia, resultados tão díspares
da dinâmica econômica?9 Em outros termos, como foi possível realizar um
avanço econômico industrial tão grande, levando a Bahia à sexta posição no
ranking nacional, com resultados tão tímidos no desenvolvimento social e
humano? Este é, certamente, um novo e importante enigma baiano. Tentar
decifrá-lo e, se possível, contribuir para superá-lo, são os objetivos maiores
deste trabalho.
A insuficiência da análise político-partidária
De uma maneira geral, os tímidos resultados obtidos pela Bahia no desenvolvimento humano, vis-à-vis os resultados econômicos, são percebidos como
a comprovação de um suposto esquecimento dos governos baianos com a
área social. A idéia é que, por serem esses governos vinculados a partidos de
direita, a preocupação central seria sempre o desenvolvimento econômico. De
fato, ao se observar os governos baianos desde 1964 (Tabela 5), constata-se
que, salvo no interregno da gestão Waldir Pires – Nilo Coelho, a Bahia teve
sempre um viés de direita. Isso, entretanto, não é suficiente para explicar o
baixo desempenho social.
TABELA 5
GOVERNOS DA BAHIA PÓS 1964
Governador
Luis Viana Filho
Antônio Carlos Magalhães
Roberto Santos
Antônio Carlos Magalhães
João Durval Carneiro
Waldir Pires – Nillo Coelho
Antônio Carlos Magalhães
Paulo Ganen Souto
César Borges
Paulo Ganen Souto
Período
1967 – 1971
1971 – 1975
1975 – 1979
1979 – 1983
1983 – 1984
1987 – 1991
1991 – 1994
1995 – 1998
1999 – 2002
2003 –
Partido/ Coligação
ARENA
ARENA
ARENA
ARENA
PDS
PMDB
PFL
PFL
PFL
PFL
Fonte: Memorial dos Governadores - Fundação Pedro Calmon.
No período em análise, outros estados, a exemplo de Santa Catarina, também
foram comandados preponderantemente por partidos de direita e nem por isso
passaram a apresentar desempenhos sociais sofríveis. O percentual de
investimentos do governo baiano na área social, por outro lado, não é baixo
(Tabela 6), nem muito distinto dos estados com desenvolvimento social mais
9
Deve-se acrescentar que essa disparidade na dinâmica social é também percebida em
trabalhos mais recentes, como o Atlas da Exclusão Social no Brasil, de Campos et al (2003).
90 | O novo enigma baiano, a questão urbano-regional e a alternativa de uma nova capital
avançado.10 Assim, ainda que a preocupação com questões sociais possa não
ter sido tão forte quanto o desejável, outras razões parecem ter contribuído, de
maneira mais preponderante, para que os resultados alcançados tenham sido
tão tímidos.
Frente a esse contexto, a hipótese trabalhada a seguir é de que o baixo
desenvolvimento humano obtido pela Bahia não resulta da ausência de ações
sociais específicas, mas sim da formulação/implementação inadequada das
políticas de governo. Ou seja, da inadequação das políticas de desenvolvimento,
não só na área social, como, também, e sobretudo, na área econômica. Por
serem inadequadas, essas políticas viabilizaram o crescimento econômico sem
enfrentar verdadeiramente os graves problemas estruturais da Bahia.
TABELA 6
BAHIA: DESPESAS EFETIVADAS E INVESTIMENTO MÉDIO, 1992 – 1999
Área e Função
Área Social
- Defesa e Seg. Pública
- Educação e Cultura
- Habitação e Urbanismo
- Saúde e Saneamento
- Trabalho
- Desenvolvimento Regional
Área Econômica
- Agricultura
- Comunicações
- Energia e Rec. Minerais
- Indústria, Com. e Serviços
- Transportes
Área Institucional
- Adm. e Planejamento
- Assistência e Previdência
Área Legislativa e Judiciária
- Legislativa
- Judiciária
Total
Despesas*
3.766.124
445.032
1.202.290
135.648
897.297
36.189
1.049.668
680.140
178.324
5.796
54.096
125.358
316.566
2.393.344
1.705.145
688.199
442.222
109.656
332.566
7.281.830
%
51,7
6,1
16,5
1,9
12,3
0,5
14,4
9,3
2,4
0,1
0,7
1,7
4,3
32,9
23,4
9,5
6,1
1,5
4,6
100,0
Investimentos* %
672.561
43,1
25.492
1,6
183.874
11,8
110.123
7,1
265.657
17,0
877
0,1
86.538
5,6
313.291
20,1
26.821
1,7
3.204
0,2
37.170
2,4
52.782
3,4
193.314
12,4
543.312
34,9
442.079
28,4
101.233
6,5
29.761
1,9
2.710
0,2
27.051
1,7
1.558.925
100,0
Total
4.438.685
470.524
1.386.164
245.771
1.162.954
37.066
1.136.206
993.431
205.145
9.000
91.266
178.140
509.880
2.936.656
2.147.224
789.432
471.983
112.366
359.617
8.840.755
%
50,2
5,3
15,7
2,8
13,2
0,4
12,9
11,2
2,3
0,1
1,0
2,0
5,8
33,2
24,3
8,9
5,3
1,3
4,1
100,0
Fonte: Silva (2003, p. 160), para os dados de despesa, e Margarethe (2003, p. 167), para os dados de investimento.
Ambos com base nos Balanços Anuais do Estado.
* Valores em R$ 1.000,00, corrigidos para preços médios de 2001, com base no deflator implícito do PIB.
10
A rigor, como demonstram os dados consolidados por Fernandes (1998), para o ano de 1995,
tanto em termos de percentual da despesa efetiva quanto em percentual do PIB, o gasto
social baiano supera os percentuais médios obtidos pelos estados socialmente mais avançados
do Sul e do Sudeste.
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 91
As fragilidades do desenvolvimento baiano
Para testar a hipótese de que o baixo desenvolvimento humano da Bahia não
resulta da ausência de ações sociais específicas, mas da inadequação das
políticas de desenvolvimento, é preciso conhecer, antes, as características
estruturais dos estados com os 10 maiores IDHs do país.11 De fato, apenas com
base nessas características é possível analisar as políticas de desenvolvimento
empreendidas pelo governo baiano – bem como pelo governo federal, no
tocante ao desenvolvimento regional –, verificando suas possíveis falhas no
processo de desenvolvimento.
Em linhas gerais, como se observa na Tabela 7, os estados de melhores IDHs
não conformam um único grupo homogêneo. Ao contrário, se subdividem em
três tipos de estados/desenvolvimento, com características bastante distintas.
No primeiro grupo estão os estados da federação com territórios pequenos e
fortes economias urbanas metropolitanas. Nesse grupo, composto pelo Distrito
Federal, Rio de Janeiro e Espírito Santo, o IDH é relativamente elevado porque
a maior parte da população encontra-se envolvida com a economia urbanoindustrial das respectivas metrópoles. Assim, com uma população que cresce a
taxas baixas, garante-se, relativamente, elevados padrões de renda per capita,
educação e saúde.
TABELA 7
CARACTERÍSTICAS GEOGRÁFICAS E SOCIOECONÔMICAS DOS 10 ESTADOS COM MAIORES IDHS
Estado
Distrito Federal
São Paulo
R.Grande do Sul
Santa Catarina
Rio de Janeiro
Paraná
Goiás
M.Grosso do Sul
Mato Grosso
Espírito Santo
Renda População
per capita (em mil)
15.725
10.642
9.129
8.541
10.160
7.511
4.898
6.505
5.650
7.148
2.102
37.645
10.306
5.448
14.570
9.689
5.114
2.112
2.558
3.153
Área Densidade
km²
Pop/km²
5.794
248.256
280.674
95.318
43.653
199.324
340.166
357.471
901.421
45.733
362,8
151,6
36,7
57,2
333,8
48,6
15,0
5,9
2,8
68,9
Diversidade Importância Importância
R. MetroCidades
Econômica*
politana*
Médias*
Alta
Baixa
Baixa
Alta
Alta
Alta
Média
Alta
Alta
Baixa
Alta
Alta
Alta
Baixa
Alta
Média
Alta
Alta
Baixa
Baixa
Baixa
Baixa
Baixa
Baixa
Baixa
Baixa
Baixa
Alta
Baixa
Média
Fonte: IBGE, dados de renda per capita e população para 2001.
* Tipologias formuladas pelo autor, com base em fontes diversas.
11
O estudo necessita ser tipológico, pela diversidade estrutural encontrada entre os 10 maiores
IDHs. O Distrito Federal e São Paulo, por exemplo, são os dois maiores IDHs: suas especificidades,
entretanto, não permitem estabelecer uma média entre ambos para definição de um padrão
de análise único.
92 | O novo enigma baiano, a questão urbano-regional e a alternativa de uma nova capital
O segundo grupo é caracterizado por estados de grande extensão territorial,
mas de baixa densidade demográfica. São os estados vazios que compõem o
Centro-Oeste, onde se desenvolve a expansão da fronteira agrícola brasileira.
Por associarem essas duas características – serem vazios demográficos e
possuírem uma dinâmica economia agrícola e agroindustrial – esse grupo,
composto por Goiás, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, garante uma renda
per capita relativamente elevada, com a qual se criam as condições para um
desenvolvimento social e humano também elevado.12
Por fim, no terceiro grupo estão os estados que, além de possuírem grandes
extensões territoriais, são densamente povoados. Esses estados, com economias
diversificadas e complexas ocupando todo o território, são fortemente infraestruturados e possuem uma estrutura urbana caracterizada por importantes
cidades médias. Com essas características, esse grupo, composto pelos estados
de São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, agrega, à dinâmica
metropolitana do primeiro grupo, a forte economia urbana e a maior qualidade
de vida das cidades médias, que conformam, em grande medida, as condições
básicas para os elevados IDHs.13
Analisando, a partir dessas características, a situação da Bahia, observa-se que
a dinâmica de industrialização polarizou todo o processo de crescimento no
entorno de Salvador. De fato, iniciada, no final dos anos 50, com a RLAM –
Refinaria Landulfo Alves, no município de São Francisco do Conde, a moderna
industrialização dos bens intermediários se dará sempre na RMS – Região
Metropolitana de Salvador.14 Assim, nos anos 60, tem-se a implantação do CIA
– Centro Industrial de Aratu, em Candeias e Simões Filho; nos anos 70, vive-se
o auge desse processo, com a implantação do Pólo Petroquímico, em Camaçari;
e nos anos 80, por fim, essa dinâmica se consolida com a metalurgia do cobre
da Caraíba Metais, implantada em Dias D’Ávila.15
12
Observe-se que a renda per capita de Goiás, a pior do grupo, é quase 24% superior à da Bahia.
13
Para uma excelente análise da importância das cidades médias nos estados de Paraná,
Santa Catarina e Rio Grande do Sul, ver Motta (2000). Para uma análise mais teórica do tema,
ver Amorim Filho Serra (2001).
14
A RMS é formada pelos municípios de Camaçari, Candeias, Dias D’Ávila, Itaparica, Lauro de
Freitas, Madre Deus, Salvador, São Francisco do Conde e Vera Cruz.
15
Essa extrema polarização, é claro, não surgiu por acaso. Ao contrário, foi intencionalmente
planejada. Ocorre que, para atrair as grandes empresas produtoras dos bens intermediários,
além de incentivos fiscais, era necessária, também, uma infra-estrutura física e urbana mínima,
na época só existente em Salvador. A península de Salvador, contudo, já tinha bastante
ocupada a sua face voltada para a Baía de Todos os Santos. Assim, a saída encontrada foi a
interiorização para os municípios do seu entorno, onde já havia alguma infra-estrutura física,
em função da RLAM.
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 93
Deve-se acrescentar que o crescimento não foi apenas industrial. Além dos
serviços empresariais, naturalmente demandados com as grandes empresas
produtoras de bens intermediários, surgiu também toda uma nova classe média
urbana que, por sua vez, sobretudo em Salvador, engendrou o desenvolvimento
do comércio e o surgimento de inúmeras pequenas e médias empresas de
serviços. Assim, com a industrialização, Salvador e a RMS cresceram aceleradamente, gerando fortes economias urbanas e elevados padrões de IDHs.
Se a Bahia fosse um estado territorialmente pequeno, ou seja, se Bahia se
resumisse ao Recôncavo, ou mesmo ao conjunto das regiões litorâneas, essa
dinâmica, a exemplo do que ocorre com os estados do primeiro grupo, seria
certamente suficiente para colocá-la entre os 10 maiores IDHs do país. O mesmo
acontece, vale acrescentar, com a dinâmica que se processa no oeste do estado.
Nessa macrorregião, a Bahia é um imenso vazio demográfico vivenciando uma
forte expansão agrícola e agroindustrial. Tem-se, assim, um processo muito
semelhante ao vivenciado pelos estados do segundo grupo.16 A Bahia, contudo,
não se resume ao conjunto do Oeste e da RMS.
Como se sabe, entre o litoral e o oeste do estado, a Bahia possui um imenso
semi-árido, onde vive boa parte da sua população.17 A Bahia, portanto, como
os estados do terceiro grupo, possui um grande território com razoável densidade
populacional. Desse modo, para apresentar um elevado desenvolvimento
humano, a Bahia, como esses estados, teria que apresentar, também, uma
ampla infra-estrutura que lhe possibilitasse uma economia diversificada e
complexa ocupando todo o território. Além disso, teria que possuir uma boa
parte de sua população residindo em cidades médias. Como nada disso
acontece, nem foi planejado para acontecer, a Bahia, embora estando entre
as 10 maiores economias do país, apresenta um dos 10 piores IDHs.
Como visto, o grosso da infra-estrutura de transporte e energia do estado foi
planejada e implantada para atender apenas a RMS e o litoral do estado.
Assim, é muito difícil desenvolver o interior do estado.18 A população, por outro
lado, salvo a residente na RMS, está dispersa pelo campo e numa miríade de
pequenos municípios, quase todos com pouquíssima infra-estrutura.19 Dessa
16
A região Oeste, que conforma todo o “além-São Francisco”, detém apenas 3,6% da
população do estado.
17
Importante observar que essa população, de pouco mais de 5 milhões de habitantes, é ainda
preponderantemente rural. De fato, de acordo com o censo de 2000, a Bahia tem ainda
32,95% de sua população vivendo no campo, o que equivale a 4,3 milhões de pessoas, “o
maior contingente rural, em termos absolutos, de todo o Brasil” (RIBEIRO, 2002).
18
Toda a dinâmica agroindustrial do Oeste, por exemplo, encontra-se, hoje, estrangulada pela
falta de infra-estrutura para escoamento. Sobre esse ponto, ver Alban (2002, Cap. 1).
19
Importante observar que a Bahia possui 417 municípios.
94 | O novo enigma baiano, a questão urbano-regional e a alternativa de uma nova capital
maneira, não é de se estranhar que Salvador detenha 18,7% da população do
estado e, junto com os demais municípios da RMS, alcance a marca de 23,1%.
Acrescendo a esse montante a população de Feira de Santana, que numa
visão ampliada também compõe a RMS, chega-se à marca de 26,8%.20
Em termos do PIB, essa concentração é ainda maior, com a RMS representando
quase 47% de toda a riqueza gerada. Fora da RMS, por outro lado, excluindose Feira, somente Vitória da Conquista ultrapassa ligeiramente a marca de 2%
da população. Já a participação de Vitória da Conquista no PIB não chega a
1,3%.21 Como se observa, a Bahia é um estado sem cidades médias. Dessa
maneira, quase só se tem economia urbana na RMS, o que faz com que a
população, sem maiores alternativas no interior, migre para a mesma de forma
excessiva, engendrando problemas crescentes de favelização, violência e
desemprego, mesmo com todo o dinamismo da região. 22
O impasse eleitoral dos desafios urbano-regionais
Naturalmente, todo esse processo não se desenvolve sem o conhecimento do
governo baiano. Ainda que um diagnóstico, como o aqui proposto, nunca tenha
se efetuado em sua totalidade, a percepção da dinâmica concentradora da
RMS e de seus problemas decorrentes é bastante antiga. Nesse sentido, várias
estratégias, visando à desconcentração do desenvolvimento, já foram intentadas
no estado. Estratégias que vão desde a implantação de distritos industriais no
interior até o fomento de agroindústrias no oeste. Todas elas, no entanto,
fracassaram ou apresentaram um sucesso relativamente limitado.
A razão para esse desempenho tão pequeno, nas tentativas de interiorizar o
desenvolvimento, é que elas nunca se deram associadas a uma estratégia
efetiva de interiorização da infra-estrutura, inclusive no que toca a infra-estrutura
urbana, visando à constituição de uma rede de cidades médias. Com isso não
se está dizendo que o governo nunca tenha planejado a interiorização da infraestrutura. Ao contrário, esse objetivo sempre foi presente nos seus planos de
governo. Ele, entretanto, na prática da aplicação dos recursos, nunca se coloca
como uma verdadeira prioridade. Assim, entre se concentrar recursos para
uma efetiva infra-estrutura de transportes, ligando, por exemplo, o oeste do
20
Percentuais calculados com base em dados censitários de 2000.
21
Percentuais calculados com base em dados da SEI-SEPLAN para o PIB, por municípios,
em 2000.
22
Como se pode perceber, embora a concentração na RMS tenha sido, a curto prazo,
benéfica para a mesma, a médio e longo prazo tende a inviabilizá-la.
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 95
estado ao litoral, fica-se, sempre, com a implantação de ligações asfaltadas a
todas as sedes municipais. Do mesmo modo, entre se concentrar recursos em
municípios com potencial para se transformarem em cidades médias ou a
adoção de políticas com pequenas intervenções num vasto número de
municípios, fica-se também com a segunda opção.
As razões para essas opções por políticas pulverizadoras são claramente
eleitorais: se os recursos são escassos, melhor diluí-los em ações de pequeno
porte, no maior número de municípios possível. Concentrá-los em poucos
municípios, ou numa dada região, embora tecnicamente mais acertado, implica
excluir municípios e regiões que, naturalmente, migram para a oposição. Dessa
maneira, com a pulverização, especialmente nos municípios pequenos, garantese uma melhor votação para o partido da situação.
A única exceção às políticas pulverizadoras são, obviamente, os investimentos
em infra-estrutura na RMS. Além de possuir a base industrial do estado – e cerca
de 25% do eleitorado – a RMS é, também, a sede e a vitrine do poder político
do Estado. Dessa maneira, tanto em termos econômicos quanto em termos
sociopolíticos, justifica-se – e se aceita – a elevada concentração dos investimentos
e gastos governamentais nessa região, o que viabiliza e potencializa a continuidade
da concentração socioeconômica, com todos os problemas decorrentes.
É importante observar que essa não é uma dinâmica inerente e exclusiva aos
partidos de direita que, como já visto, vem dominando a Bahia ao longo das
últimas décadas. Ocorre que, dado o sistema político-eleitoral vigente, seja
qual for o partido que chegue ao poder, a tentação para buscar se manter no
poder adotando políticas pulverizadoras é muito grande. De fato, como no
sistema eleitoral brasileiro não existe nenhuma vinculação entre a eleição dos
candidatos e o seu desempenho nas regiões, a disputa para o governo se dá
voto a voto, município a município. Dessa maneira, nada mais eficiente do que
essas políticas pulverizadoras. 23
A alternativa de uma nova capital
Como se observa, o novo enigma baiano tem suas origens no sistema políticoeleitoral brasileiro, que não cria incentivos para projetos estruturantes de regiões e
redes de cidades. Como cada voto é um voto, melhor atender, a curto prazo, ao
maior número de eleitores possível. Lógico que uma saída definitiva para essa
questão exigiria uma profunda reforma do sistema político-eleitoral brasileiro,
23
Um bom exemplo dessa lógica, embora numa outra esfera, é a ação do PT no Governo
Federal que, não por acaso, nas ultimas eleições, obteve seu melhor desempenho nos municípios
de pequeno porte.
96 | O novo enigma baiano, a questão urbano-regional e a alternativa de uma nova capital
reforma essa que, contudo, deverá demorar ainda muitos anos. Assim, até lá, para
se evitar o contínuo agravamento dos problemas, é preciso pensar em alternativas
de curto prazo, ou seja, pensar em alternativas de efetiva interiorização do
desenvolvimento, com viabilidade política mesmo no atual sistema político-eleitoral.
É nesse contexto de agravamento dos problemas, e de busca de alternativas
com viabilidade política, que, a título de conclusão, se propõe aqui – para o
estudo da academia e dos organismos de planejamento governamentais – a
criação de uma nova capital para o estado. Ou seja, a criação de uma importante
cidade média no interior, para instauração de uma nova capital. Seguindo o
padrão adotado nos casos de Belo Horizonte, Brasília e, também, em vários
estados norte-americanos, a idéia seria instaurar a nova capital na Chapada
Diamantina – centro geográfico do estado.24 Com isso, não só se criaria uma
importante cidade média, como viabilizar-se-ia uma maior integração do estado,
especialmente das regiões do Oeste e do Vale do São Francisco.25
Deve-se notar que essa estratégia, além de não privilegiar nenhuma das cidades
existentes – o que lhe confere viabilidade política –, pode ser empreendida a
um custo líquido relativamente baixo. Ocorre que, como a RMS já ultrapassou
a marca de 3 milhões de habitantes, e expande-se a uma taxa em torno de
2% ao ano, se nada for feito, em cerca de 8 anos serão mais 500 mil habitantes
na região. Isso, naturalmente, exigirá a expansão da infra-estrutura existente,
infra-estrutura que, em várias vertentes, já apresenta claras deseconomias de
escala.26 Assim, nada melhor do que alocar esses novos habitantes, e a infraestrutura requerida, numa nova capital.27
24
É importante observar que a idéia de uma nova capital para o estado já foi proposta antes
por Antonio Mota de Oliveira (1951). Em 1958, Milton Santos voltou ao tema, discutindo uma
outra proposta formulada pelo General José Lôbo. Discordando da oportunidade da proposta,
Santos sugeriu que se fomente, antes, o desenvolvimento das cidades médias (1958).
25
Sucede que um dos principais desafios econômicos da Bahia é a implantação de uma ligação
ferroviária do Oeste com o sistema portuário da Baía de Todos os Santos. Com ela torna-se
possível, não só o escoamento de safras bem maiores, como também a expansão da produção
de fertilizantes e implementos agrícolas no complexo industrial da RMS (ALBAN, 2002, Cap. 1).
Essa ligação, contudo, tem, como principal obstáculo a vencer, o grande vazio econômico do
semi-árido. Assim, com o desenvolvimento de uma importante cidade média na Chapada
Diamantina, superar-se-ia, em grande medida, esse obstáculo. Para uma outra análise,
abordando a importância de uma cidade média na Chapada Diamantina com funções
integradoras equivalentes às de Brasília, ver Avena (2002).
26
Entre outros aspectos, nos referimos aqui à infra-estrutura de transporte urbano, que já
está exigindo a implantação de um sistema metroviário, e também à infra-estrutura de
saneamento que, como se sabe, nos últimos anos exigiu vultosos investimentos.
27
É importante ressaltar que, com essa proposta, não se pretende desacelerar o
desenvolvimento de Salvador. Ao contrário, o que se espera é que, com a mudança da capital,
Salvador possa se desenvolver ainda mais. Esse desenvolvimento, contudo, seria muito mais
qualitativo que quantitativo.
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 97
Claro que a criação de uma nova capital não resolve todos os problemas. Ela
é, contudo, um importante primeiro passo, especialmente se for acompanhado
de uma maior descentralização administrativa, reforçando os embriões de
cidades médias já existentes nas demais regiões.28 A criação da nova capital,
portanto, é uma proposta com inúmeros desdobramentos potenciais que,
acreditamos, podem ajudar a Bahia a retomar o seu crescimento, de forma
articulada a um desenvolvimento social e humano bem mais justo e equilibrado.
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28
Sobre a possibilidade de desenvolvimento das cidades médias baianas através de uma
estratégia de descentralização administrativa, ver Alban e Souza (2002).
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Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 99
100 | Reflexos da globalização na distribuição espacial dos investimentos industriais privados
no estado da Bahia
6
REFLEXOS DA GLOBALIZAÇÃO NA
DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DOS
INVESTIMENTOS INDUSTRIAIS
PRIVADOS NO ESTADO DA BAHIA
Edson A. Silva Sobrinho*
Resumo
O presente trabalho pretende demonstrar as diferenças econômicas entre
distintos espaços na Bahia e como a globalização tende a acentuar ainda mais
o hiato de desenvolvimento entre essas regiões. Aborda, sob essa ótica, a
questão da desigualdade econômica e mostra como o desenvolvimento industrial
tende a se concentrar em cinco pólos de crescimento, excluindo grande parte
da região semi-árida, carente de políticas públicas articuladas e com elevados
indicadores de pobreza.
Palavras-chave: Planejamento Econômico. Globalização. Desigualdades
Regionais. Território. Políticas Públicas.
Abstract
This article intends to demonstrate the existence of economic differences
between distinct regions in the State of Bahia/Brazil and how globalization
tends to reinforce these developmental gaps across regions. It focuses, under
this perspective, the economic inequality and shows how the industrial
development tends to concentrate on five poles of growing, excluding most of
the Semi-arid Region, which lacks public policies interconnected and have
increased poverty indicators.
Key-words: Economic Planning. Globalization. Inequality. Territory. Public Policy.
*
Economista, Especialista em Economia Baiana pela UNIFACS, aluno especial do mestrado em
Geografia na UFBA e Analista de Desenvolvimento da Desenbahia.
E-mail: [email protected]
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 101
Introdução
Com mais de 13 milhões de habitantes e um PIB estimado em R$ 88,3 bilhões,
a Bahia é a sexta economia do país e o quarto estado mais populoso. Desde
que começou seu período de desenvolvimento econômico, no início da década
de 1950, tem passado por importantes movimentos de transformação espacial.
O lento crescimento econômico, que caracterizou a economia estadual na
década de 1980 até a metade da década de 1990, foi substituído por um forte
dinamismo, tanto das antigas quanto de novas atividades que emergiram no
estado. Contudo, a pobreza ainda é uma realidade em grande parte do território
baiano, cujo dinamismo econômico dos últimos anos não conseguiu alterar,
tornando-se um grave problema para o seu processo de desenvolvimento
econômico-social.
A Bahia apresenta distribuição bastante irregular da população e das atividades
produtivas, o que levou à formação de espaços com elevados níveis de pobreza
em sua parte central, notadamente no semi-árido, desvinculados dos eixos de
desenvolvimento econômico. Com efeito, as unidades produtivas, essencialmente
localizadas no litoral e nos extremos de seu território, impuseram um ritmo de
desenvolvimento bastante desigual em relação à região central do estado.
De fato, pode-se observar que os eixos de desenvolvimento da economia baiana
se concentram na Região Metropolitana, no Extremo Sul, no Oeste do estado
e, em menor dimensão, no Baixo Médio São Francisco. No entanto, grande
parte do território está inserida na Região Semi-árida que, ainda hoje, desprovida
de vantagens comparativas e sem intervenções públicas eficientes, permanece
à margem do desenvolvimento obtido por outras regiões.
A análise da distribuição geográfica das atividades econômicas no território
baiano mostra como algumas regiões estão mais aptas a captar investimentos
privados do que outras e como a intervenção pública direciona a localização
de novos investimentos, particularmente os industriais, justamente para as áreas
já dotadas de dinamismo.
Dados os novos requisitos necessários à localização dos investimentos privados,
este trabalho mostrará como as regiões inseridas no semi-árido tendem a ficar
à margem do processo de desenvolvimento da Bahia, já que a ação privada e
a intervenção estatal têm favorecido a concentração de investimentos nos eixos
mais desenvolvidos.
Além desta introdução, este artigo possui mais quatro seções: na primeira, fazse uma breve retrospectiva do desenvolvimento recente da economia baiana
até a formação dos cinco pólos dinâmicos que sustentam a economia estadual;
102 | Reflexos da globalização na distribuição espacial dos investimentos industriais privados
no estado da Bahia
a segunda, trata dos tradicionais eixos de pobreza do estado, localizados no
semi-árido, e que possuem ritmo de desenvolvimento bastante inferior ao
verificado nos eixos dinâmicos; na terceira seção, sob o contexto da globalização,
analisão-se as previsões de investimentos industriais e governamentais no estado,
demonstrando como são concentradas nas áreas dinâmicas, já detentoras dos
requisitos mínimos de competitividade. Em contrapartida, os eixos mais pobres
continuam sem uma política de integração que permita seu desenvolvimento e
aproximação econômica das regiões mais desenvolvidas. Na quarta seção, à
guisa de conclusão, mostra-se que a seletividade espacial dos investimentos
privados industriais, aliada à ausência de políticas públicas eficientes para os
eixos menos desenvolvidos, tende a acentuar as desigualdades regionais na Bahia.
A Bahia dos eixos de desenvolvimento
O caráter concentrador do modelo de desenvolvimento do estado da Bahia,
seja em termos espaciais ou de níveis de renda, proporcionou a concentração
de atividades econômicas em espaços específicos de seu território. Investimentos
privados, potencializados por forte ação estatal, possibilitaram o desenvolvimento
de cinco regiões, dotando-as de estruturas econômicas modernas e transformando-as em focos de dinamismo, responsáveis pelo desempenho positivo
apresentado pelo conjunto da economia estadual.
Essas regiões são tratadas, na literatura especializada, como “eixos dinâmicos”
e/ou “pólos de desenvolvimento”. São elas: o complexo petroquímico de
Camaçari, o pólo agroindustrial de Juazeiro, as áreas de moderna agricultura
no Oeste do estado, o complexo industrial de papel e celulose no Extremo Sul
e as áreas turísticas do litoral baiano.
O pólo petroquímico de Camaçari é responsável por mais de 25% da receita
estadual de ICMS e foi o investimento que mais contribuiu para alterar a estrutura
da economia baiana. Em 1960, a indústria representava apenas 12% do PIB
estadual, enquanto que, em 2004, seu peso já era de 49,8%1 (SEI, 2005). Além
disso, contribuiu para a elevação das exportações baianas e representa, ainda
hoje, importante via para a verticalização da matriz industrial do estado.
Ainda em Camaçari, foi instalado o Projeto Amazon, da Ford, com investimento
de US$ 1,2 bilhão, que seria o passo inicial da instalação de uma cadeia
automotiva no estado. A instalação de um complexo automotivo propiciaria
uma maior integração da indústria local, concentrada em bens intermediários,
1
Dados sujeitos a retificação, depois de consolidados os resultados de todas as UF’s (Projeto de
Contas Regionais – SEI/IBGE).
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 103
e iniciaria um novo ciclo de crescimento, voltado para a produção de bens
duráveis de alto valor agregado. Esse projeto, de início, apontou uma ótima
perspectiva para o setor de transformação plástica na Bahia. Entretanto, em
que pese os esforços do estado nesse sentido, ainda não existem sinais de
encadeamento entre o projeto Amazon e as indústrias de transformação plástica
aqui instaladas, de forma que estas não conseguiram inserção representativa
no setor automotivo.
Nos anos 1970, apoiado pelo Programa de Desenvolvimento dos Cerrados –
PRODECER, desenvolveu-se, ao longo do Vale do São Francisco, um complexo
agroindustrial que mudou as características dessa região. Com capital japonês,
reforçado pela fundamental presença do Estado, dotou-se a região de moderna
infra-estrutura de captação e distribuição de água para irrigação. Isso permitiu
o cultivo de produtos com maior valor agregado, servindo de chamariz para a
instalação de médias e grandes indústrias na região. Instalaram-se empresas
de variados ramos, como de processamento de alimentos, bens de capital,
embalagens, equipamentos para irrigação e materiais de construção, além de
fertilizantes e rações (ARAÚJO, 1997).
Um pouco mais tarde, começou a expansão da Região Oeste da Bahia, com o
cultivo da soja trazida por agricultores do Sul do país, a partir do desenvolvimento
de técnicas avançadas, que viabilizaram esse cultivo em áreas do cerrado.
Com o crescimento dessa atividade, implantou-se, nos cerrados baianos, diversas
indústrias vinculadas à ela, como avicultura, suinocultura e frigoríficos, além
das indústrias de fertilizantes e máquinas para a agricultura, que encontraram
aí um ambiente propício ao desenvolvimento rápido. Em 1990, toda a produção
do Oeste baiano já representava 14% do PIB estadual (SILVA SOBRINHO, 2000).
Em meados da década de 1980, surgiu a indústria de papel e celulose no
Extremo Sul do estado. As condições ideais de solo e clima existentes ali
permitiram que a plantação extensiva de eucaliptos se expandisse a médias de
crescimento dez vezes superiores àquelas verificadas por outros produtores
mundiais de celulose, como os países asiáticos e escandinavos.
Inicialmente dotado de um parque composto de pequenas e médias empresas
produtoras de papel, o estado recebeu, no início da década de 1990, um
vultoso projeto no Extremo Sul da Bahia, na cidade de Mucuri. Com um
investimento de US$ 1,4 bilhão (era o maior investimento em andamento no
Brasil, à época) esse projeto da Bahia Sul Celulose alterou o perfil do produto
estadual, antes concentrado apenas na produção petroquímica.
Ainda no segmento de celulose e no Extremo Sul, no segundo semestre de
2005 entrou em operação a fábrica da Veracell. Com um investimento de US$
104 | Reflexos da globalização na distribuição espacial dos investimentos industriais privados
no estado da Bahia
1,25 bilhão, esta será uma das maiores fábricas de celulose do mundo e sua
produção, de aproximadamente 900 mil toneladas anuais, será destinada ao
mercado externo.
Contudo, em que pese a importância do setor para o produto estadual, é
importante ressaltar que o complexo produtor de celulose é um ramo industrial
intensivo em capital, com reduzida necessidade de mão-de-obra, baixo nível
de encadeamento intersetorial e necessita de extensas áreas de terras para o
plantio de eucaliptos, motivos pelos quais não gera impactos significativos em
termos sociais.
Além desses quatro vetores de crescimento que impulsionaram a economia do
estado nos últimos anos, deve-se mencionar os diversos investimentos turísticos,
direcionados, sobretudo, para o litoral, principalmente os grandes projetos na
Costa dos Coqueiros e na Costa do Dendê, voltados para os turistas de elevados
gastos per capita. Além disso, investimentos em infra-estrutura melhoraram as
condições de diversos destinos turísticos, a exemplo da Costa do Descobrimento,
Costa das Baleias e Chapada Diamantina.
Todos esses espaços, hoje de forte dinamismo econômico, impulsionaram a
economia do estado nos últimos trinta anos, evidenciando uma Bahia que
poucos acreditavam que poderia surgir.
Entretanto, fora desses “eixos de desenvolvimento”, existe uma Bahia que não
se modernizou: Ao mesmo tempo em que alguns subespaços se modernizaram,
em outros a resistência ao desenvolvimento permanece sendo a principal
característica de um ambiente socioeconômico marcado pela pobreza. Esses
espaços estão, em grande parte, localizados na região semi-árida.
A Bahia dos eixos tradicionais de pobreza
O semi-árido baiano é formado por 258 municípios, que ocupam cerca de 70%
da área do estado e abriga 47,2% da sua população total (SEI, 2004). É uma
região com condições climáticas desfavoráveis e o solo não é propício à
agricultura. Em 2002, a região respondeu por apenas 28% do produto estadual;
desse total, 10 municípios detinham 40% de todo o produto do semi-árido
(SEI, 2002).
De fato, o semi-árido é a região mais pobre do estado, situação atestada por
vários indicadores: a taxa de analfabetismo é de 27%, enquanto que a média
do estado, excluído o semi-árido, é de 17%; o PIB per capita é apenas 20% do
total das outras regiões; o número de leitos hospitalares, por 1.000 habitantes,
é 60% menor quando comparados às outras regiões, além das dificuldades de
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 105
acesso a saneamento básico adequado, energia elétrica e linha telefônica. A
falta de dinamismo socioeconômico, aliada à reduzida intervenção pública,
imprime à região um ritmo de desenvolvimento desigual em relação às demais
regiões, deixando poucas possibilidades de expansão econômica e de melhoria
das condições de vida da sua população.
Por outro lado, as condições climáticas e de solo dificultam o cultivo de vários
produtos, constituindo-se em importante variável que limita seu desenvolvimento.
Dependentes do regime de chuvas e impossibilitados de cultivar produtos de
elevado valor agregado, os agricultores levam ao mercado o pequeno excedente
da produção agrícola de sobrevivência (milho, feijão e mandioca, entre outros).
As culturas tradicionais do semi-árido, como o algodão, a caprinocultura e o
sisal, entraram em decadência desde a segunda metade do século passado,
contribuindo para acentuar as dificuldades da população. Somente no fim da
década de 1990 é que o algodão e o sisal retomaram o crescimento e voltaram
a ter participação significativa no produto estadual.
Exceção para o Vale do São Francisco, que recebeu diversos investimentos em
infra-estrutura agrária e, hoje, é um dos pólos de crescimento do estado. É um
excelente exemplo de que outros locais do semi-árido, se devidamente assistidos
com políticas públicas de desenvolvimento, podem crescer economicamente e
desfrutar dos benefícios advindos da chegada do capital privado.
O nível de pobreza na região só não é maior por conta dos benefícios previdenciários. Contudo, a expansão da ação previdenciária, cobrindo parte da
população idosa e assegurando renda mínima permanente a muitas famílias, é
uma política assistencialista compensatória, que minimiza a pobreza, mas não
contribui para o desenvolvimento de ninguém.
A necessidade de uma agenda permanente de desenvolvimento para o semiárido torna-se imperativo: é uma região com potencial tendência a ficar excluída
dos movimentos do capital privado e cada vez mais distante do rumo do
desenvolvimento econômico-social, como se verá a seguir.
Globalização e investimentos industriais no estado da Bahia
O fim do século XX foi marcado por movimentos que afetaram profundamente
a economia mundial. A globalização, assumida como um processo de hegemonia do mercado e do capital financeiro, provocou impactos diferenciados em
países, regiões e cidades.
A competitividade e a produtividade passaram a ser requisitos cruciais para a
inserção na economia mundial, fazendo com que a presença de grandes
106 | Reflexos da globalização na distribuição espacial dos investimentos industriais privados
no estado da Bahia
conglomerados econômicos, que operam em escala global, se tornasse uma
das maiores características do fim do século XX. Esse movimento transformou
o cenário econômico internacional, no qual fatos e tendências cada vez mais
hegemônicos e de influência crescente passaram a afetar regiões até então
alheias ao capital financeiro.
Nesse contexto, a globalização trouxe consigo efeitos muito fortes de
seletividade. E esse efeito merece particular reflexão ao se definir as
possibilidades de inserção da economia baiana na economia mundial, uma
vez que o caráter seletivo do movimento de globalização faz com que certos
espaços interessem menos que outros, que alguns espaços exerçam função de
comando e, outros, fiquem relativamente isolados, enquanto outros espaços,
ainda, por serem bastante competitivos, sejam ferrenhamente disputados pelo
capital privado (ARAÚJO, 1997).
A Bahia possui espaços que são altamente competitivos, alvos de diversos
investimentos produtivos de empresas multinacionais. Contudo, também possui
espaços que ainda vivem sob intensa resistência ao desenvolvimento, com
economias de base primária e com significativo atraso na acumulação de capital,
na formação de ativos produtivos e no aprimoramento da força de trabalho.
Aliado às mudanças advindas com o fortalecimento do processo de globalização,
a necessidade de atingir altos níveis de competitividade e produtividade levou
o setor privado a reestruturar-se, definindo novos perfis da demanda por mãode-obra, requerendo menos trabalhadores, mas mais qualificados e aptos ao
trabalho em grupo e ao desempenho da polivalência (ARAÚJO, 1997).
Esses fatores intensificaram as tendências de localização das atividades
produtivas pelo país. Um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais,
elaborado por Campolina Diniz e Crocco (1996) constatou uma forte tendência
de concentração espacial das atividades produtivas nos centros urbanos
dinâmicos do país. Essa tendência, na Bahia, tem privilegiado as regiões mais
ricas e industrializadas, dotadas dos requisitos mínimos necessários à atração
de investimentos: oferta de mão-de-obra qualificada, infra-estrutura adequada
e eficiente, proximidade com centros de pesquisa e proximidade com mercado
consumidor de elevada renda.
Dados da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais do Estado da Bahia
(SEI), quanto ao PIB estadual e quanto à distribuição espacial dos investimentos
industriais, podem atestar essa informação: a Tabela 1 mostra o Produto Interno
Bruto, a preços correntes, por regiões econômicas do estado da Bahia.
Observa-se que, em 2002, 50,7% do produto baiano concentrava-se
exclusivamente na Região Metropolitana de Salvador (RMS), enquanto 74,9%
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 107
TABELA 1
DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DO PIB, SEGUNDO AS REGIÕES ECONÔMICAS
BAHIA – 1999/2002
Produto Interno Bruto (R$ 1.000)
1999
2000
2001
2002
Metropolitana de Salvador 22.061,26 25.347,24 27.364,83 31.457,92
3.071,50 3.232,45 3.557,63 4.642,33
Litoral Sul
2.497,81 2.818,08 3.008,30 3.464,98
Paraguaçu
2.004,57 2.219,20 2.559,09 3.113,44
Extremo Sul
1.661,39 1.927,52 2.584,44 2.976,57
Litoral Norte
1.874,04 2.110,76 2.121,63 2.945,75
Nordeste
2.041,58 2.331,89 2.528,36 2.867,02
Sudoeste
1.565,15 1.947,55 2.135,57 2.686,11
Oeste
1.135,26 1.278,18 1.315,99 1.603,20
Recôncavo Sul
Baixo Médio São Francisco 1.042,65 1.247,38 1.156,46 1.564,52
816,88
966,99 1.016,09 1.211,73
Serra Geral
726,96
882,53
969,34 1.149,94
Piemonte da Diamantina
641,04
758,85
829,50 1.014,86
Chapada Diamantina
476,30
612,03
575,77
721,70
Irecê
423,72
516,53
526,30
682,67
Médio São Francisco
Regiões Econômicas
Produto Interno Bruto (%)
1999 2000 2001 2002
52,5 52,6 52,4 50,7
7,3
6,7
6,8 7,5
5,9
5,8
5,8 5,6
4,8
4,6
4,9 5,0
4,0
4,9 4,8
4,0
4,5
4,4
4,1 4,7
4,9
4,8
4,8 4,6
3,7
4,0
4,1 4,3
2,7
2,7
2,5 2,6
2,5
2,6
2,2 2,5
1,9
2,0
1,9 2,0
1,7
1,8
1,9 1,9
1,5
1,6
1,6 1,6
1,1
1,3
1,1 1,2
1,0
1,1
1,0 1,1
Fonte: SEI/IBGE.
estava em regiões cuja totalidade, ou grande parte do território, estão fora da
região semi-árida (Metropolitana, Litoral Sul, Extremo Sul, Litoral Norte, Oeste
e Recôncavo Sul). Esse número era de 75% em 1999. As outras nove regiões
econômicas do estado, inseridas no semi-árido, detinham apenas 25,1% do
produto em 2002.
Apesar do esforço estatal em desconcentrar a atividade produtiva, levando
algumas empresas, de gêneros industriais mais intensivos em mão-de-obra,
para o interior do estado, percebe-se que ainda não há resultados que indiquem
desconcentração do produto estadual.
No que se refere ao investimento privado, a previsão para a área industrial, no
qüinqüênio 2005-2009, fornecida pela Secretaria da Indústria, Comércio e
Mineração da Bahia, permite traçar algumas possibilidades referentes ao futuro
da distribuição das atividades produtivas pelo território baiano: a análise das
informações destaca com bastante clareza a seletividade espacial dos
investimentos industriais, que continuam a privilegiar algumas regiões
específicas.
De fato, como pode ser visto na Tabela 2, a produção tende a se concentrar
ainda mais nas regiões onde já está consolidada a indústria intermediária baiana
de química e petroquímica e de papel e celulose: a RMS e o Extremo Sul.
108 | Reflexos da globalização na distribuição espacial dos investimentos industriais privados
no estado da Bahia
TABELA 2
INVESTIMENTOS INDUSTRIAIS E GOVERNAMENTAIS PREVISTOS
– 2005/2009
NO ESTADO DA BAHIA, POR EIXO DE DESENVOLVIMENTO
Investimentos Industriais Privados
Eixos de Desenvolvimento
R$*
% Nº de Projetos
%
Metropolitano
10.234 52,7
165 57,3
Extremo Sul
6.682 34,4
9
3,1
Grande Recôncavo
1.606
8,3
53 18,4
Oeste do São Francisco
313
1,6
4
1,4
Mata Atlântica
236
1,2
19
6,6
Planalto Central
135
0,7
1
0,3
Planalto Sudoeste
92
0,5
16
5,6
Chapada Norte
61
0,3
8
2,8
Nordeste
24
0,1
3
1,0
Chapada Sul
15
0,1
3
1,0
Baixo Médio São Francisco
12
0,1
3
1,0
Centro Leste São Francisco
0
0,0
0
0,0
Médio São Francisco
0
0,0
0
0,0
A definir
14
0,1
4
1,4
Total
19.424 100,0
288 100,0
Investimentos Públicos
R$* % Total % Definido
1.544
11,1
29,8
389
2,8
7,5
601
4,3
11,6
285
2,0
5,5
474
3,4
9,1
302
2,2
5,8
294
2,1
5,7
341
2,5
6,6
347
2,5
6,7
218
1,6
4,2
125
0,9
2,4
156
1,1
3,0
112
0,8
2,2
8.716
62,7
0,0
13.904
100,0
95,0
Fonte: SICM, 2005.
* Em mil reais.
Verifica-se, também, que 52,7% dos investimentos concentram-se na RMS e
34,4% no Extremo Sul. Ou seja: apenas duas regiões econômicas absorverão
87,1% de todos os investimentos industriais previstos para os próximos cinco
anos. Os eixos inseridos no semi-árido absorverão somente 1,7% do valor dos
investimentos, contando com 34 projetos, de um total de 288. Assim, do ponto
de vista do capital privado, pode-se inferir que o hiato econômico entre o semiárido e os demais espaços do estado baiano tende a aumentar.
A ausência do capital privado em algumas regiões deveria ser compensada
com investimentos públicos em infra-estrutura, educação e saneamento.
Entretanto, ainda pela Tabela 2, se deduz que, dos investimentos públicos já
definidos, apenas 36,5% serão direcionados para os oito eixos de desenvolvimento dentro do perímetro do semi-árido. Além disso, são os eixos com
menor participação individual nos gastos públicos estaduais: ou seja, os investimentos públicos priorizam os focos dinâmicos do estado, deixando em segundo
plano as áreas de economia tradicional.
Isso é preocupante, uma vez que se espera que as ações do Estado tenham
como objetivo a redução das disparidades econômico-sociais, compensando
com sua atuação a ausência de investimentos privados nas regiões desprovidas
de dinamismo econômico. Pelo contrário, as ações do Estado ainda acompanham
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 109
os movimentos do mercado, direcionando-se para os eixos de desenvolvimento
onde os novos fatores de competitividade já são abundantes, fortalecendo
áreas já desenvolvidas em detrimento das menos desenvolvidas.
Com o desenvolvimento das forças produtivas em espaços seletos, as disparidades
regionais na Bahia tendem a agravar-se, mantendo algumas regiões, ou eixos
de desenvolvimento, desarticuladas dos eixos dinâmicos do estado e,
principalmente, deixando de assegurar condições de inserção em uma economia
cada vez mais exigente de requisitos locacionais.
Em que pese o estado ter feito volumoso esforço com incentivos fiscais e infraestrutura no sentido de fortalecer novas atividades industriais em espaços fora
da região industrial tradicional, caso da indústria calçadista, a estrutura do PIB
não sofreu modificações significativas. A produção e os investimentos privados
ainda concentram-se significativamente na RMS e Extremo Sul e, a não ser
que se direcionem recursos para a construção de infra-estrutura física e social
nos eixos menos dinâmicos da economia estadual, há o risco potencial de
perpetuar a exclusão de grande parte do território baiano dos fluxos do capital.
Considerações finais
Face ao exposto até aqui, parece claro que as tendências atuais caminham no
sentido de aprofundar as disparidades regionais na Bahia, destacando os eixos
de desenvolvimento “dinâmicos” das áreas tradicionais de pobreza, notadamente localizadas no semi-árido.
Nessa região, as características socioeconômicas funcionam como fatores
adversos à sua inserção produtiva e, como os requisitos mínimos de competitividade são ausentes, ela não é atrativa para muitas atividades e perde muitos
investimentos para outras regiões.
O caráter seletivo dos investimentos industriais mostra que as deficiências da
região são muitas e, diante da consolidação da globalização, com a acentuação
do poder do capital financeiro sobre o produtivo, leva a inferir que suas
possibilidades de desenvolvimento, no futuro próximo, são bastante improváveis.
A ineficiência do reduzido investimento público agrava a situação, uma vez
que as deficiências de infra-estrutura econômica e social são fatores
determinantes da pobreza na região.
O estado mantém alguns programas voltados para as atividades da população
do semi-árido, como o Cabra Forte e o Programa de Incentivo à Lavoura do
Sisal, entre outros, que, de alguma forma, amenizam a situação dos produtores
da região, mas não induzem, por si só, à consolidação das atividades produtivas,
que são o foco dos programas.
110 | Reflexos da globalização na distribuição espacial dos investimentos industriais privados
no estado da Bahia
A conclusão mais importante que se tira do que foi exposto é que a população
do semi-árido baiano não possui os meios necessários para participar da
economia de mercado, dada a ausência dos requisitos mínimos à atração do
capital produtivo, lembrando-se que é a região que concentra os mais baixos
níveis de renda e de desenvolvimento humano do estado. Diante disso, é urgente
a elaboração de uma agenda de desenvolvimento que consolide suas atividades
produtivas e proporcione o crescimento da qualificação da mão-de-obra local,
configurando-se nos passos iniciais de um projeto de longo prazo que permita
ao semi-árido uma maior representatividade na economia estadual, de forma
a torná-lo apto à atração dos investimentos privados.
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112 | Reflexos da globalização na distribuição espacial dos investimentos industriais privados
no estado da Bahia
7
MUNICÍPIOS BAIANOS EM DESTAQUE:
TRÊS VIAS DE DESENVOLVIMENTO
LOCAL NO ESTADO DA BAHIA1
Adelaide Motta de Lima*
Vítor Lopes**
Resumo
Este artigo objetiva apresentar, discutir e contrapor os aspectos econômicos
mais relevantes de três municípios baianos. Os municípios eleitos como objeto
do estudo, Ilhéus, Juazeiro e Vitória da Conquista, compõem um conjunto das
principais cidades baianas e participam com pesos significativos e relativamente
parecidos no PIB da Bahia. Observa-se, após a apresentação dos dados e da
análise conjunta dos três quadros econômicos, o delineamento de três diferentes
vias de desenvolvimento econômico local. Juazeiro exibe-se como uma economia
mais calcada na produção de mercadorias primárias voltadas para a exportação;
enquanto Vitória da Conquista apresenta-se como uma economia mais
diversificada e com fluxos voltados para o próprio município e entorno; e Ilhéus
como uma via de desenvolvimento em fase de consolidação, posto que as
atividades econômicas que mais se destacam ainda requisitam esforços para o
seu estabelecimento pleno.
Palavras-chave: Economia Baiana. Ilhéus. Juazeiro. Vitória da Conquista.
Desenvolvimento Econômico.
Abstract
This study presents, discusses, and compares the most important economic
features of counties in the State of Bahia, Brazil. Three major municipalities
were selected, Ilhéus, Juazeiro, and Vitória da Conquista, that share relevant
1
Os autores agradecem a Luis Fernando Guerreiro e Vera Spínola pelo apoio no levantamento
dos dados.
* Doutora em Administração pela UFBA; Mestre em Economia pela UFBA; Professora da
Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS e da Universidade Salvador – UNIFACS;
Chefe da Unidade de Estudos Econômicos e Pesquisas da Agência de Fomento do Estado da
Bahia – Desenbahia. E-mail: [email protected]
** Mestre em Economia pela UFBA; Professor da Universidade do Estado da Bahia – UNEB e
da Universidade Católica do Salvador – UCSAL; Gerente de Estudos e Assessoria da Agência
de Fomento do Estado da Bahia – Desenbahia. E-mail: [email protected]
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 113
and similar weights on the state’s GDP. From the described data and the combined
analysis of each economic scenario, it was possible to identify three different
pathways of local economic development. Juazeiro appears as an economy
centered on the production of basic agricultural commodities focused on
exportation; while Vitória daConquista has more diverse economic activities, a
consequence of trading channels between the main town and its neighboring
communities; and, finally, Ilhéus was found as having a new development
track, since its main economic activities are still requiring further efforts to be
consolidated.
Key-words: Bahian Economy. Ilhéus. Juazeiro. Vitória da Conquista. Economic
Development.
114 | Municípios baianos em destaque: três vias de desenvolvimento local no estado da Bahia
Introdução
Em 2003, Porto publicou um estudo no qual destacou a “rede principal de
cidades da Bahia”1, buscando esclarecer como se deu a sua consolidação ao
longo do tempo, as mudanças mais recentes e a importância de ações das
esferas governamentais na indução do seu desenvolvimento. Segundo o autor,
com o processo de globalização em curso e demais dinâmicas correlacionadas
(reorganização da produção e avanços nos meios de comunicação e transporte),
essa rede de cidades perdeu parte de sua força de coesão, na medida em que
cada núcleo ganhou mais independência em relação aos demais, desestimulando
esforços de integração regionalizada. Essa nova situação começou a exigir
novas formas de atuação em termos de políticas públicas, uma vez que parte
do planejamento local passou a ser realizada por empresas que, muitas vezes,
mantêm sedes em outros centros urbanos.
Com a preocupação de tecer uma visão mais sistêmica do processo de
diferenciação dos territórios, a partir dos efeitos da globalização, Santos e Silveira
(2001) explicaram essa perda de força de coesão entre cidades próximas, a
partir da submissão dos circuitos regionais de produção aos circuitos espaciais
de produção. A origem do fenômeno deve ser buscada nos progressos da
ciência, da técnica e da circulação de informações, que viabilizam condições
para intensificar a especialização do trabalho nos diversos lugares. Tal situação
provoca segmentações de territórios, fazendo com que despontem como
compartimentos mais ativos justamente aqueles mais aptos aos produtos exigidos
pelo mercado mundial (SANTOS; SILVEIRA, 2001, p. 105).
Se as diferenciações territoriais são um dos aspectos mais visíveis dos efeitos
geoeconômicos da globalização, uma tipologia dessas diferenças constitui-se
numa tarefa das mais complexas e arriscadas. Santos e Silveira (2001, p. 257)
propuseram a existência de áreas em que prevalece uma globalização
“absoluta”, ao lado de outras em que essa globalização é apenas “relativizada”.
Nas primeiras, onde se verifica uma presença mais plena da globalização, são
observadas cadeias produtivas modernas, produtos exportáveis, serviços
empresariais intensivos em tecnologia, movimentos financeiros especulativos
etc. Nas outras áreas, onde a presença da globalização é menor, esses aspectos
não se apresentam ou são vistos de forma muito tênue.
Tal diferenciação não foi estranha a Porto (2003), ao desenhar a “rede principal de
cidades da Bahia”, posto que ele percebeu o papel distinto que cada cidade exerce
2
De acordo com Porto (2003, p. 9): “trata-se de uma rede que dá o suporte urbano mais
importante e estruturante ao desenvolvimento atual do Estado, exercendo essas cidades o
papel de centros de apoio às atividades de serviços, comércio, educação, saúde, cultura,
movimentos sociais criativos e outros, o que permite classificá-las como cidades-elo (...)”.
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 115
no conjunto, seja por conta de seu envolvimento nos fluxos globais, seja por
conta de suas raízes históricas e culturais, porte e características socioeconômicas.
Não obstante tais considerações, Porto (2003) propôs que, como as 28 cidades3
que compõem a referida rede guardam características gerais próximas, elas
podem ser agrupadas como “co-participantes dos mesmos problemas”. Optou,
assim, por tratá-las como um conjunto, que pode ser compreendido com o fito
de implementação de políticas públicas. Ações de cunho mais geral, como
estimular o espírito empreendedor, qualificar recursos humanos, provocar a
irradiação territorial de informações adequadas, por exemplo, podem ser
pensadas com o propósito de potencializar vantagens locais. Mas como também
é essencial que se desenvolvam ações particularizadas (em função, inclusive,
das diferenciações cada vez mais evidentes dos núcleos), tornam-se fundamentais estudos individualizados de cada caso, desenhando-se o quadro da
cidade, nos seus diversos aspectos: histórico, cultural, social, político, econômico
e outros que permitam compreender a conformação da realidade.
O presente artigo vem ao encontro dessa proposta, buscando explorar os aspectos
econômicos relevantes dessas cidades, a partir de três casos específicos. Procurase apresentar, discutir e contrapor os diferentes cenários econômicos, correspondentes a três importantes municípios baianos, observando-se, ao final, a
construção de diferentes vias de desenvolvimento econômico local. A exposição
sistematizada de dados econômicos sobre os municípios-objeto deste artigo
busca contribuir para uma melhor compreensão da dinâmica local, o que auxilia
na identificação de medidas necessárias para a potencialização das vantagens
de cada município, assim como os limites que a realidade impõe e que devem
ser conhecidos pelos formuladores de políticas públicas. Cabe registrar que a
identificação de medidas dessa natureza não constitui objetivo deste artigo,
que se restringe, nesta oportunidade, a apresentar e contrapor os três diferentes
quadros econômicos baianos.
Metodologicamente, opta-se por trabalhar com os municípios de Ilhéus, Juazeiro e
Vitória da Conquista, em razão dos seguintes motivos: 1) são municípios que integram
a “rede principal de cidades da Bahia”, participando com pesos significativos e
relativamente parecidos no PIB do estado; 2) constituem-se municípios que abrigam
parcelas consideráveis da população da Bahia, posicionando-se entre os seis maiores
municípios do estado em número de habitantes; 3) não são localidades que se
3
São elas: Alagoinhas, Bom Jesus da Lapa, Barreiras, Brumado, Camaçari, Cruz das Almas, Eunápolis,
Feira de Santana, Guanambi, Ilhéus, Itabuna, Itapetinga, Irecê, Itaberaba, Itamaraju, Juazeiro,
Jacobina, Jequié, Porto Seguro, Paulo Afonso, Senhor do Bonfim, Serrinha, Santo Amaro, Santo
Antonio de Jesus, Teixeira de Freitas, Vitória da Conquista, Valença, Salvador/Metrópole (incluindo
os municípios de Salvador, Vera Cruz, Itaparica, Lauro de Freitas e Simões Filho).
116 | Municípios baianos em destaque: três vias de desenvolvimento local no estado da Bahia
situam na Região Metropolitana de Salvador (RMS) e entorno, não usufruindo,
portanto, os impactos dos seus fluxos de pessoas, mercadorias, serviços e dinheiro;
4) são municípios localizados em regiões do estado bastante distintas, o que faz
com que se deparem com realidades diferentes no que se refere à história, cultura,
sociedade, infra-estrutura etc.
No que tange aos dados utilizados e suas fontes, são apresentados: 1) o
crescimento/decrescimento da população nos últimos 20 anos e a evolução do
PIB no período 1999-2002, inclusive a estrutura setorial (fornecida pelo IBGE e
pela Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais do Estado da Bahia –
SEI); 2) as produções agrícola e pecuária no ano de 2003 (provenientes da
Pesquisa Agrícola Municipal e da Pesquisa Pecuária Municipal, ambas do IBGE);
3) os números de estabelecimentos e de empregos formais por atividade
econômica em 2003, (disponibilizados pela Relação Anual de Informações Sociais
do Ministério do Trabalho e Emprego); 4) a movimentação financeira em 2004
(fornecida pelo Banco Central do Brasil). No que se refere aos números de
estabelecimentos e de empregos formais por atividade econômica, estão
expostos apenas aqueles das atividades locais que têm participação superior a
3% da respectiva atividade baiana.
Para efeito de organização, apresenta-se, a seguir, para cada município, uma
breve contextualização da sua economia nos últimos anos, os dados de
população e PIB, os principais segmentos econômicos e uma análise dos dados
expostos. Ao final, uma avaliação conjunta dos três casos estudados é realizada
com vistas a aprimorar algumas das análises empreendidas, permitindo-se tecer
considerações sobre a via de desenvolvimento econômico adotada e os desafios
que o município vem enfrentando.
Ilhéus
Breve contexto econômico
Após cerca de um século de hegemonia da cacauicultura no conjunto econômico
de Ilhéus e região, instalou-se a crise da atividade nos anos de 1990, em
função de fatores de mercado e tecnológicos. O baixo preço do produto e a
concorrência no mercado internacional, aliados aos pequenos níveis de investimento e ao alastramento da praga vassoura-de-bruxa na produção local, foram
os principais motivos para o rápido declínio da atividade, ocasionando importante
queda na oferta de postos de trabalho e geração de renda. Diante desse quadro,
duas novas atividades foram introduzidas em Ilhéus, como estratégia para suprir
a lacuna deixada pela cacauicultura. A primeira delas, o turismo, apesar de
não chegar a se constituir numa atividade inteiramente nova para Ilhéus e
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 117
entorno, recebeu impulso significativo, através de novos investimentos,
principalmente no que se refere à implantação de meios de hospedagem,
além da construção de nova via turística (estrada Ilhéus-Itacaré). A segunda, o
Pólo de Informática, Eletroeletrônicos e Telecomunicações, foi idealizada como
mecanismo de diversificação da estrutura produtiva e redução do nível de
desemprego, contando com os benefícios de um programa estadual de incentivo
fiscal, implementado em 1995.
Dados
População estimada em 2005:
221.110 habitantes – 1,60% da população da Bahia – 4a maior população da Bahia
Taxas médias de crescimento anual da população (dados de censo):
Pop. 1980: 135.642 hab.
Pop. 1991: 223.750 hab. Tx. Cresc. 1980/1991: 4,66% ao ano
Pop. 2000: 222.127 hab. Tx. Cresc. 1991/2000: -0,08% ao ano
TABELA 1
EVOLUÇÃO DO PIB DE ILHÉUS, 1999-2002
Ano
1999
2000
2001
2002
PIB a preços
correntes
(R$ milhões)
961,35
948,69
1.105,67
1.367,97
Participação no Posição na
PIB da Bahia
Bahia
(%)
2,29
6
1,97
7
2,12
6
2,20
6
Estrutura Setorial (%)
Agropecuária
Indústria Comércio e Serviços
6,59
5,78
4,76
3,98
51,46
49,18
52,27
56,79
41,95
45,04
42,97
39,23
Fonte: SEI / IBGE. Elaboração própria.
TABELA 2
PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE ILHÉUS, 2003
Produto
Área Quantidade
plantada
produzida
(ha)
(mil ton.)
215
4.100
Banana
1.500
1.050
Borracha
12.000
1.920
Cacau
400
6.000
Coco (mil frutos)
30
465
Limão
50
950
Mamão
15
190
Maracujá
Valor
(R$ mil)
2.050
2.415
9.024
4.800
302
618
110
Participação Participação
Brasil (%)
Bahia
(%)
0,5
0,06
4,7
0,7
1,1
1,7
0,9
0,3
1,0
0,04
0,05
0,1
0,2
-
Produtividade Média
Região
Bahia
Brasil
19.070
700
160
15.000
15.500
19.000
12.667
14.581
759
226
8.947
14.747
48.922
13.382
13.217
1.442
281
7.050
19.144
46.872
13.836
Fonte: PAM / IBGE, 2003. Elaboração própria.
118 | Municípios baianos em destaque: três vias de desenvolvimento local no estado da Bahia
TABELA 3
PRODUÇÃO ANIMAL EM ILHÉUS, 2003
Espécie
Bovinos
Suínos
Aves
Quantidade
(mil cabeças)
47
9
132
Participação
Brasil (%)
0,02
0,03
0,01
Participação
Bahia (%)
0,5
0,4
0,4
Fonte: PPM / IBGE, 2003. Elaboração própria.
TABELA 4
NÚMEROS DE ESTABELECIMENTOS E DE EMPREGOS FORMAIS DAS ATIVIDADES
ECONÔMICAS MAIS RELEVANTES DE ILHÉUS NA ECONOMIA BAIANA, 2003
Atividade Econômica
Ilhéus
01. Agricultura, pecuária e serviços relacionados
15. Fab. produtos alimentícios e bebidas
30. Fab. de máquinas p/ escritório e
equipamentos de informática
32. Fab. de material eletrônico e de aparelhos
e equipamentos de comunicação
33. Fab. de equipamentos de instrumentação
para uso médico-hospitalar
55. Alojamento e alimentação
63. Atividades anexas e auxiliares do transporte
e agências de viagem
73. Pesquisa e desenvolvimento
Bahia
Participação na Bahia
(%)
Emp.
Est.
Emp.
Est.
Emp.
Est.
482
64
43
2.198
1.169
663
13.240
1.853
58
67.790
25.970
1.105
3,64
3,45
74,14
3,24
4,50
60,00
10
198
18
374
55,56
52,94
3
25
31
641
9,68
3,90
225
23
1.309
244
5.696
773
43.868
7.600
3,95
2,98
2,98
3,21
2
26
23
856
8,70
3,04
Fonte: RAIS / MTE. Elaboração própria.
TABELA 5
MOVIMENTAÇÃO BANCÁRIA NA PRAÇA DE ILHÉUS, 2004
Descrição
Número de agências bancárias
Operações de crédito
Depósitos à vista do setor privado
Poupança
Depósitos a prazo
Movimentação
Valores
Participação na
(R$ milhões)
Bahia (%)
9
1,22
13.548,01
1,45
3.919,09
1,50
7.405,42
1,40
5.743,81
1,55
Fonte: Banco Central do Brasil.
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 119
Análise dos dados
Ilhéus ocupa a posição de quarto maior município, em termos de tamanho da
população, abrigando cerca de 1,60% dos habitantes do estado, em 2005.
Observando a série histórica a partir de 1980, no entanto, constata-se que
Ilhéus já se posicionou com mais destaque no passado, uma vez que vem
registrando taxas de crescimento médias anuais negativas, a partir de 1991. Se
contrapostos o tamanho da população levantada no censo de 2000 (222 mil
habitantes) com a estimativa realizada para 2005 (221 mil habitantes), concluise que o movimento de perda de população continua em curso.
Para uma avaliação do ritmo de incremento da atividade econômica, deve-se
observar as limitações impostas pela escassez de informações, diante da ausência
de uma série histórica mais longa sobre a evolução do PIB municipal. Para o
período anterior a 1999, o que se tem são proxies da participação dos municípios
baianos no conjunto da economia estadual, produzidas com metodologias muito
distintas da empregada para o cálculo do agregado de 1999 a 2002, o que
inviabiliza uma tentativa de comparação. Tomando, assim, apenas o quadriênio
1999-2002 como referência, nota-se que o PIB de Ilhéus apresentou uma perda
de participação relativa no PIB do estado entre 2000 e 1999, vindo a se recuperar
nos anos seguintes. Em 2002, o PIB de Ilhéus somou R$ 1.368 milhões,
representando 2,20% do agregado estadual (índice inferior ainda ao 2,29%
de 1999), e guardando a sexta posição no ranking das maiores economias
baianas – a mesma colocação de 1999.
Ao observar a estrutura setorial da economia do município, constata-se que,
enquanto a agropecuária e o setor terciário têm perdido espaço relativo, o
segmento industrial vem ganhando mais terreno, tendo sido responsável por
57% da conformação do PIB de 2002. Se confrontado esse índice ao congênere
baiano, percebe-se que Ilhéus vem se exibindo como uma economia mais
fortemente calcada na indústria, que a Bahia como um todo (o segmento
industrial baiano representou 42,2% do PIB do estado em 2002). Por outro
lado, é necessário ressaltar a queda de importância da agropecuária, atividade
econômica que, via a cacauicultura, elevou Ilhéus e entorno à condição de
região das mais ricas da Bahia até poucas décadas atrás.
Concentrando a atenção na produção agropecuária de Ilhéus em 2003, percebese que apenas o cultivo local da borracha mantém uma participação importante
no estado, respondendo por 4,7% da produção baiana. A produtividade dessa
cultura, no entanto, está aquém das médias baiana e nacional. Em termos de
geração direta de renda, a cacauicultura permanece como principal atividade
agrícola no município, mas representa apenas 1,7% da produção do estado e
120 | Municípios baianos em destaque: três vias de desenvolvimento local no estado da Bahia
exibe uma produtividade média muito mais baixa que as calculadas para a
Bahia e o Brasil.4
Quando observados os dados sobre números de estabelecimentos e de empregos
diretos formais, constata-se que, apesar da produção agrícola de Ilhéus não vir
se destacando em nenhuma cultura em particular, ainda se trata de uma
atividade que conta com números relativamente significativos de estabelecimentos e de empregos no conjunto do setor estadual. Quando calculado o
volume médio de empregados formais por estabelecimento, percebe-se que o
resultado obtido (4,56) é inferior ao mesmo número baiano (5,12), o que pode
apontar para uma possível melhor distribuição relativa da propriedade rural.
No segmento industrial, Ilhéus sobressai-se em quatro setores no conjunto do
estado, com os números de estabelecimentos e de empregos formais
representando pelo menos 3% das respectivas quantidades estaduais. Desses
quatro setores, dois em especial – fabricação de máquinas para escritório e
equipamentos de informática (CNAE 30) e fabricação de material eletrônico e
de aparelhos e equipamentos de comunicação (CNAE 32) – exibem percentuais
de participação, no conjunto da Bahia, superiores a 50%.
Nas atividades terciárias, Ilhéus apresenta uma participação relevante, no
conjunto estadual, em três setores: alojamento e alimentação (CNAE 55),
atividades anexas e auxiliares do transporte e agências de viagem (CNAE 63)
e pesquisa e desenvolvimento (CNAE 73). Enquanto duas delas se relacionam
com o turismo – atividade que vem se desenvolvendo no município em função
da sua localização geográfica e do seu patrimônio cultural e histórico, a terceira
pode vir a estreitar laços com os segmentos industriais citados acima, consolidando
e fortalecendo todos os três setores (os dois industriais ligados à informática e
eletro-eletrônicos e o próprio de serviços). A despeito de determinadas atividades
terciárias do município mostrarem-se com alguma densidade nas respectivas
atividades do estado, a movimentação bancária de Ilhéus não foi tão
representativa em 2004. Para todos os indicadores financeiros levantados, a
relevância da movimentação realizada em Ilhéus, no conjunto da Bahia, exibiuse inferior à importância da economia municipal no PIB do estado.5
4
Observando uma série de dados a partir de 1990, nota-se que a produção de cacau em Ilhéus
correspondia a cerca de 10% da produção baiana e em torno de 8% da nacional nos anos de
1990, vindo a cair ano a ano após 2000. Os dados mais recentes, disponibilizados pelo IBGE,
mostram que a produção do cacau voltou a se elevar em Ilhéus, em 2004, mas sem alcançar nem
a metade dos índices de participação calculados para a década anterior. As diferenças entre a
produtividade média da região em relação às da Bahia e Brasil acentuaram-se, uma vez que a
primeira caiu, enquanto as duas últimas se elevaram, quando comparados os dados de 2004
com os de 2003. Cabe registrar que a produtividade média do cultivo realizado em Ilhéus, nos
anos 1990, aproximava-se das médias baiana e nacional, superando as duas em diversos momentos.
5
A proximidade entre Ilhéus e o centro comercial de Itabuna concorre como uma das melhores
explicações para a relativamente baixa movimentação financeira no município.
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 121
Juazeiro
Breve contexto econômico
Até a década de 1970, a economia de Juazeiro mantinha como lastro as atividades
relacionadas à pecuária e ao comércio. A criação extensiva de gado beneficiouse de um conjunto de fatores favoráveis, presentes na região do município e
entorno: extensão de terras, relevo suave do solo, vegetação rasteira e arbustiva
da caatinga, ar seco (dificultando a propagação de pragas) e afloramento de
jazidas de salitre. Diante desse cenário, o criatório de caprinos e ovinos também
se difundiu, mas voltado, basicamente, para o consumo local. Aos poucos,
observou-se um melhoramento desse rebanho, passando a carne e o couro a
serem explorados em maior escala, inclusive para a exportação. O comércio, por
sua vez, apresentou-se como atividade relevante desde os primeiros momentos,
em face à posição favorável do município, encravado no cruzamento entre as
rotas do sertão nordestino, Piauí, Maranhão e o sul do país. A conexão ferroviária
com a RMS viabilizou que Juazeiro se tornasse um centro abastecedor de
mercadorias do interior nordestino.6 Após os anos de 1970, no entanto, a
conformação econômica de Juazeiro se alterou com os projetos de irrigação
implantados pela Companhia do Desenvolvimento do Vale do São Francisco –
Codevasf, viabilizando o incremento da agricultura irrigada, notadamente da
fruticultura. Atualmente, encontram-se em operação quatro projetos de irrigação
em Juazeiro: Mandacaru, Tourão, Maniçoba e Curaçá.
Dados
População estimada em 2005:
203.261 habitantes – 1,47% da população da Bahia – 6a maior população da Bahia
Taxas médias de crescimento anual da população (dados de censo):
Pop. em 1980: 95.170 hab.
Pop. em 1991: 128.767 hab. Tx. Cresc. 1980/1991: 2,79% ao ano
Pop. em 2000: 174.567 hab. Tx. Cresc. 1991/2000: 3,44% ao ano
6
Ver Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Juazeiro, elaborado pela CAR, em dezembro
de 2001.
122 | Municípios baianos em destaque: três vias de desenvolvimento local no estado da Bahia
TABELA 6
EVOLUÇÃO DO PIB DE JUAZEIRO, 1999-2002
Ano
1999
2000
2001
2002
PIB a preços
correntes
(R$ milhões)
520,84
611,15
668,56
849,07
Participação no
PIB da Bahia
(%)
1,24
1,27
1,28
1,37
Posição na
Bahia
Estrutura Setorial (%)
Agropecuária Indústria Comércio e Serviços
18,25
22,83
21,55
33,00
13
12
12
10
26,65
23,33
25,74
20,41
55,09
53,84
52,70
46,59
Fonte: SEI / IBGE. Elaboração própria.
TABELA 7
PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE JUAZEIRO, 2003
Produto
Cana-de-açúcar
Cebola
Melancia
Melão
Tomate
Banana
Coco (mil frutos)
Goiaba
Limão
Manga
Maracujá
Uva
Área Quantidade
Valor Participação Participação
plantada
produzida (R$ mil)
Brasil (%) Bahia (%)
(ha)
(mil ton.)
15.253
340
450
195
32
1.800
272
250
200
6.000
90
2.100
1.365.476
5.540
11.250
3.017
1.024
45.000
7.024
6.250
6.000
108.000
1.265
52.500
46.426
3.535
1.856
1.343
625
16.200
871
2.625
1.140
52.920
620
84.525
0,3
0,5
0,6
0,8
0,03
0,7
0,4
1,9
0,6
11,7
0,3
5,0
28,7
3,7
6,0
11,6
0,5
5,7
1,0
18,3
13,3
36,9
1,2
62,7
Produtividade Média
Região
Bahia
Brasil
89.522
16.294
25.000
15.472
32.000
25.000
25.823
25.000
30.000
18.000
14.056
25.000
56.692
24.258
22.210
18.600
39.847
14.581
8.947
12.419
14.747
16.177
13.382
24.939
73.646
17.718
23.079
21.472
58.301
13.217
7.050
18.494
19.144
13.512
13.836
15.592
Fonte: PAM / IBGE, 2003.
TABELA 8
PRODUÇÃO ANIMAL EM JUAZEIRO, 2003
Espécie
Eqüinos
Ovinos
Caprinos
Quantidade
(mil cabeças)
6
163
361
Participação
Brasil %
0,1
1,1
3,8
Participação
Bahia %
1,0
6,0
10,1
Fonte: PPM / IBGE, 2003. Elaboração própria.
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 123
TABELA 9
NÚMEROS DE ESTABELECIMENTOS E DE EMPREGOS FORMAIS DAS ATIVIDADES
ECONÔMICAS MAIS RELEVANTES DE JUAZEIRO NA ECONOMIA BAIANA, 2003
Atividade Econômica
Juazeiro
Bahia
Participação na Bahia (%)
Est. Emp.
Est. Emp.
Est.
Emp.
64 1.169 1.853 25.970
3,45
4,50
15. Fab. de produtos alimentícios e bebidas
2
336
64 5.160
3,13
6,51
40. Eletricidade, gás e água quente
3
460
82 5.420
3,66
8,49
90. Limpeza urbana e esgoto e ativ. relacionadas
Fonte: RAIS / MTE. Elaboração própria.
TABELA 10
MOVIMENTAÇÃO BANCÁRIA NA PRAÇA DE JUAZEIRO, 2004
Descrição
Número de agências bancárias
Operações de crédito
Depósitos à vista do setor privado
Poupança
Depósitos a prazo
Movimentação
Valores (R$ milhões)
Participação na Bahia (%)
9
1,22
15.400,14
1,65
4.123,87
1,57
6.883,99
1,30
4.290,03
1,15
Fonte: Banco Central do Brasil.
Análise dos dados
Com uma população estimada em 203 mil habitantes, em 2005, Juazeiro abriga
1,47% da população baiana, colocando-se como o sexto mais importante
município do estado em número de habitantes. Trata-se de um município que
vem registrando elevadas taxas de crescimento populacional ao longo do último
quarto de século, quando comparadas com o patamar das taxas da Bahia
como um todo. Tomando como referência apenas os dados censitários, observase que a população de Juazeiro cresceu 83% entre 1980 e 2000, enquanto
que a população baiana aumentou 38% nos mesmos 20 anos.
Também o PIB de Juazeiro (R$ 849 milhões em 2002) apresentou altas taxas de
crescimento no período mais recente, maiores, inclusive, que as taxas de
incremento da economia baiana. Em razão dessa situação, a participação do
PIB de Juazeiro na economia estadual cresceu no período 1999-2002, passando
de 1,24%, em 1999, para 1,37%, no final do quadriênio. Em termos de
colocação no ranking das maiores economias estaduais, Juazeiro migrou da
13a colocação, em 1999, para a 10a posição, em 2002.
A estrutura setorial de Juazeiro é bastante característica, com uma participação
da agropecuária muito marcante (33%), quando comparada com a importância
124 | Municípios baianos em destaque: três vias de desenvolvimento local no estado da Bahia
que o mesmo setor guarda na estrutura produtiva baiana (13%). É de se notar
que a pujança da agropecuária de Juazeiro tem se acentuado nos últimos
anos, pois a relevância do setor no agregado produtivo municipal saiu de 18%,
em 1999, para chegar aos 33%, em apenas quatro anos. Se calculado o
desempenho do PIB agropecuário do município, nesse período, verifica-se que
ele cresceu não menos que 193%. Em compensação, o setor industrial e as
atividades terciárias têm perdido espaço, notadamente o primeiro. A participação
do setor industrial, no PIB, caiu de 26,65%, em 1999, para 20,41%, em 2002,
tanto em razão do incremento da agropecuária quanto por conta do desempenho
pífio do PIB industrial que, para o quadriênio em análise, registrou uma elevação
de 24,20%. As atividades terciárias contabilizaram uma queda menos acentuada
da sua participação na economia de Juazeiro, resultado do aumento do seu PIB
setorial em 37,19% nos quatro anos em destaque.
Ao concentrar as atenções nos dados de produção agrícola de Juazeiro, em
2003, nota-se que o município abriga vários cultivos que se destacam nos
cenários estadual e nacional, chegando a responder por participações, na
produção baiana, acima de 10% em seis culturas (cana-de-açúcar, melão,
goiaba, limão e manga) e acima de 50% no caso da uva. Em algumas dessas
culturas, a produtividade média calculada encontra-se acima da contabilizada
para o estado e o país (a exemplo do que ocorre com os cultivos da cana-deaçúcar, melancia, banana, coco, goiaba, limão, manga, maracujá e uva). Na
pecuária, a relevância da produção de Juazeiro no rebanho baiano também é
percebida, notadamente para caprinos e ovinos.
Como a importância do número de estabelecimentos da agropecuária de Juazeiro
não se revela significativa na Bahia (1,53%), vis-à-vis a importância do número
de empregos formais nesse mesmo setor no conjunto baiano (7,06%), é possível
se depreender que a atividade primária de Juazeiro mantém uma relação de
empregados por estabelecimentos muito acima da média do estado. De fato,
calcula-se uma média de 23,68 empregados formais por estabelecimentos em
Juazeiro, em 2003, frente a uma média de 5,12, na Bahia.
Setores econômicos de Juazeiro, com participações superiores a 3% nos seus
congêneres estaduais, simultaneamente em números de estabelecimentos e de
empregados, somam apenas três, sendo dois industriais e um de serviços. Os
industriais são o de fabricação de produtos alimentícios e bebidas (CNAE 15) e o
de eletricidade, gás e água quente (CNAE 40); enquanto que o de serviços é o
de limpeza urbana e esgoto e atividades relacionadas (CNAE 90). Aparentemente,
trata-se de setores típicos de município que polariza fluxos regionais de mercadorias
e de serviços, não se revelando nenhuma especialização produtiva significativa,
inclusive por conta dos percentuais encontrados, pouco acima da casa dos 3%.
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 125
A despeito do incremento do PIB de Juazeiro nos últimos anos e, particularmente,
da pujança do setor agropecuário, os dados de movimentação bancária no
município, em 2004, não indicam tratar-se de uma praça muito dinâmica. De
um modo geral, os percentuais de participação das operações bancárias
realizadas em Juazeiro nas respectivas operações estaduais aproximam-se da
importância do PIB municipal no valor agregado do estado. Em algumas
situações, os percentuais são um pouco mais elevados (a exemplo de operações
de crédito e depósitos à vista) e, em outros, os índices encontrados são inferiores
(depósitos em caderneta de poupança e depósitos a prazo).
Vitória da Conquista
Breve contexto econômico
A pecuária extensiva consistiu na principal atividade econômica de Vitória da
Conquista até os anos de 1940, quando o comércio passou a assumir um papel
mais relevante na economia e na sociedade do município e região. A abertura
da estrada Rio-Bahia (atual BR 116) e da estrada Ilhéus-Lapa fizeram com que
Vitória da Conquista incrementasse suas transações com outras localidades do
estado e do restante do país. Na década de 1970, duas novas atividades foram
introduzidas, ainda que nenhuma delas, isoladamente ou em conjunto,
conseguisse ultrapassar a importância das atividades terciárias, notadamente o
comércio. A primeira foi a monocultura do café e, a segunda, a expansão do
segmento industrial, com a implantação do Distrito Industrial dos Imborés.
Beneficiando-se do Plano de Renovação e Revigoramento de Cafezais, dos
governos federal e estadual, o pólo cafeeiro de Vitória da Conquista chegou a
responder por mais de 50% da produção baiana do produto, na segunda metade
dos anos de 1970.7 Na década seguinte, no entanto, os produtores já começaram
a enfrentar problemas nos preços e na comercialização, tendo as dificuldades
se agravado com o longo período de estiagem no final da década de 1980.8 A
implantação do Distrito Industrial dos Imborés, por sua vez, foi concebida com
o objetivo de verticalizar o bolsão pecuário existente na região, assim como o
processamento de café, numa perspectiva de integração agroindustrial.
Contrariando as expectativas, no entanto, o DI dos Imborés não chegou a
apresentar-se como um centro industrial importante. Nos últimos anos, apesar
da instalação de novas empresas, a atividade secundária de Vitória da Conquista
permaneceu com baixa representatividade na malha produtiva estadual.
7
Ver A penetração do café na Bahia, elaborado pela CEPLAB, em 1979.
8
Segundo estudo efetuado pela Federação da Agricultura do Estado da Bahia (FAEB, 1984),
os problemas nos preços e na comercialização derivavam da reduzida penetração da política
oficial de preços mínimos e da limitação das exportações de café nos portos baianos.
126 | Municípios baianos em destaque: três vias de desenvolvimento local no estado da Bahia
Dados
População estimada em 2005:
285.927 habitantes – 2,07% da população da Bahia – 3a maior população da Bahia
Taxas médias de crescimento anual da população (dados de censo):
Pop. em 1980: 170.624 hab.
Pop. em 1991: 225.091 hab. Tx. Cresc. 1980/1991: 2,55% ao ano
Pop. em 2000: 262.494 hab. Tx. Cresc. 1991/2000: 1,72% ao ano
TABELA 11
EVOLUÇÃO DO PIB DE VITÓRIA DA CONQUISTA, 1999-2002
Ano
1999
2000
2001
2002
PIB a preços
correntes
(R$ milhões)
Participação no
PIB da Bahia
(%)
Posição na
Bahia
646,40
705,41
752,70
819,19
1,54
1,46
1,44
1,32
10
9
8
11
Estrutura Setorial (%)
Agropecuária Indústria Comércio e Serviços
23,26
22,83
23,26
22,02
5,39
5,63
6,16
6,77
71,35
71,55
70,58
71,21
Fonte: SEI / IBGE. Elaboração própria.
TABELA 12
PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE VITÓRIA DA CONQUISTA, 2003
Produto
Banana
Café
Maracujá
Área Quantidade
Valor Participação Participação
plantada
produzida (R$ mil) Brasil (%) Bahia (%)
(ha)
(mil ton.)
Região
6.600
7.938
101
10.000
525
7.000
1.100
7.200
120
11.000
3.780
840
0,2
0,2
0,2
1,4
3,0
0,8
Produtividade Média
Bahia
Brasil
14.581 13.217
880
825
13.382 13.836
Fonte: PAM / IBGE, 2003.
TABELA 13
PRODUÇÃO ANIMAL EM VITÓRIA DA CONQUISTA, 2003
Espécie
Bovinos
Suínos
Eqüinos
Ovinos
Aves
Quantidade
(mil cabeças)
114
33
8
34
1.561
Participação
Brasil %
0,06
0,1
0,1
0,2
0,2
Participação
Bahia %
1,1
1,7
1,4
1,2
4,9
Fonte: PPM / IBGE, 2003. Elaboração própria.
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 127
TABELA 14
NÚMEROS DE ESTABELECIMENTOS E DE EMPREGOS FORMAIS DAS ATIVIDADES ECONÔMICAS MAIS
RELEVANTES DE VITÓRIA DA CONQUISTA NA ECONOMIA BAIANA, 2003
Vitória da
Bahia
Conquista
Est. Emp.
Est.
Emp.
279
870
7.153
18. Confecção de artigos do vestuário e acessórios 40
501
3.233
104
22. Edição, impressão e reprodução de gravações 19
24
314
273
7.439
25. Fabricação de artigos de borracha e plástico
344
656
9.822
26. Fabricação de produtos de minerais não metálicos 37
9
108
3.133
124
27. Metalurgia básica
28
217
422
4.028
28. Fabricação de produtos de metal - exclusive
máquinas e equipamentos
37
381
468
4.700
36. Fabricação de móveis e indústrias diversas
31.208
50. Com. e reparação de veículos automotores e 250 2.030 5.128
motocicletas, com. a varejo de combustíveis
226 1.518 4.429
34.557
51. Com. por atacado e representantes
comerciais e agentes do comercio
1.490 5.498 39.388 163.283
52. Com. varejista e reparação de objetos
pessoais e domésticos
73 3.173 2.034
43.511
60. Transporte terrestre
8
81
168
1.506
66. Seguros e previdência complementar
88 1.215 2.632
29.607
91. Atividades associativas
4.036 30.117 109.918 1.364.607
Total
Atividade Econômica
Participação na
Bahia (%)
Est.
Emp.
4,60
3,90
3,79
3,22
8,79
4,22
5,64
3,50
8,33
3,96
6,64
5,39
7,91
4,88
8,11
6,50
5,10
4,39
3,78
3,37
3,59
4,76
3,34
3,67
7,29
5,38
4,10
2,21
Fonte: RAIS / MTE. Elaboração própria.
TABELA 15
MOVIMENTAÇÃO BANCÁRIA NA PRAÇA DE VITÓRIA DA CONQUISTA, 2004
Descrição
Número de agências bancárias
Operações de crédito
Depósitos à vista do setor privado
Poupança
Depósitos a prazo
Movimentação
Valores (R$ milhões)
Participação na Bahia (%)
13
1,76
17.309,79
1,86
6.003,97
2,29
14.353,27
2,72
4.477,04
1,20
Fonte: Banco Central do Brasil.
Análise dos dados
Vitória da Conquista possuía, estimadamente, 286 mil habitantes em 2005, o
que significa 2,07% da população baiana, colocando-se como o terceiro
município mais importante do estado em tamanho de população. Ao longo do
último quarto de século, apresentou taxas de crescimento médio anual da
população superiores às respectivas taxas do estado.
128 | Municípios baianos em destaque: três vias de desenvolvimento local no estado da Bahia
Diferentemente do que vem acontecendo com o tamanho da população, o PIB
de Vitória da Conquista (R$ 819 milhões em 2002) apresentou taxas de
crescimento, no quadriênio 1999-2002, sistematicamente inferiores às taxas
baianas. Em razão disso, a participação da economia conquistense, no agregado
do estado, tem registrado índices cada vez menores: em 1999, o PIB do município
respondeu por 1,54% do baiano; em 2000, passou a corresponder por 1,46%;
em 2001, esse índice foi para 1,44%, chegando a 1,32% em 2002. Essa
performance fez com que Vitória da Conquista saísse de 10a economia mais
importante do estado, em 1999, para a posição de 11a, em 2002.
A estrutura setorial do PIB não tem se alterado de forma significativa no período
em análise. Com exceção da elevação da participação da agropecuária, de
5,39%, em 1999, para 6,77%, em 2002, um incremento de pouco mais de
um ponto percentual sob uma base relativamente pequena, pode-se afirmar
que a malha produtiva do município apresenta-se estável, sem importantes
transformações. Enquanto o setor agropecuário responde por 6,77% do PIB
municipal (metade do respectivo índice baiano, que é de 13%), o segmento
industrial é responsável por 22,02% (também metade da importância que o
setor assume no PIB do estado), ficando para a atividade terciária a enorme
fatia de 71,21% do agregado produtivo do município em 2002.
Na produção agropecuária, de 2003, se destacaram as atividades relacionadas
ao café e à avicultura. A produção cafeeira do município respondeu por 3% de
toda a produção baiana, mas registrou uma produtividade média muito aquém
daquelas contabilizadas para o estado e o país. A avicultura, por sua vez, reunindo
cerca de 1,6 mil cabeças, apresentou um rebanho de quase 5% do estadual.
Um dos principais aspectos a caracterizar o quadro econômico de Vitória da
Conquista é o número relativamente alto de setores locais que possuem
densidades em termos de estabelecimentos e de empregos formais. Em 2003,
13 setores (entre industriais e terciários) apresentaram participações dos números
de estabelecimentos e de empregados, para seus congêneres estaduais,
superiores a 3%. Do segmento industrial, sete setores registraram tal performance; os três setores de comércio (por atacado, varejista e o relacionado a
veículos) também estão inclusos nesse rol; e mais três setores de serviços.
Entre esses últimos, cabe ressaltar a presença do de seguros e previdência
complementar, posto a complexidade que envolve a atividade, o que certamente
pode servir de indicador do nível de sofisticação que a economia do município
vem apresentando.
A análise dos dados referentes à movimentação bancária vem ao encontro da
inferência realizada acima. Na maioria dos fluxos levantados para 2004, as
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 129
operações realizadas na praça bancária de Vitória da Conquista registraram
índices de participação, no conjunto do estado, superiores à importância do PIB
municipal na economia da Bahia. Nos casos de depósitos à vista (2,29% do
fluxo baiano) e de poupança (2,72%), essa situação ficou mais que evidente,
quando confrontado com a relevância do PIB local no estado (1,32%).
Avaliação comparativa das três vias de desenvolvimento
O primeiro aspecto que se destaca, analisando conjuntamente os três quadros
econômicos, é o ritmo de crescimento acelerado de Juazeiro vis-à-vis as taxas
observadas para Ilhéus e Vitória da Conquista. Seja em termos de tamanho da
população, seja em termos de atividade econômica, Juazeiro apresenta taxas
de crescimento superiores à média baiana e muito maiores que as referentes
aos outros dois municípios. Enquanto Ilhéus exibiu decrescimento populacional
na última década e meia, mantendo com alguma dificuldade sua posição no
ranking das maiores economias do estado, Vitória da Conquista, apesar de
manter um ritmo de crescimento populacional acima da média estadual,
apresenta queda de participação do seu PIB no agregado baiano. Juazeiro, por
sua vez, é o único município a registrar, simultaneamente, taxas elevadas de
incremento populacional e econômico. No que tange à questão econômica, o
ritmo de crescimento mais acelerado de Juazeiro, que a média baiana, faz
com que a sua participação na estrutura produtiva estadual cresça ano a ano,
permitindo que o município registre posições mais importantes no ranking das
maiores economias do estado.
Observando os dados levantados para Juazeiro, constata-se que se trata de
uma economia que cresce bastante concentrada na produção agrícola, mais
especificamente na fruticultura, e, em menor medida, na produção de caprinos.
Focando a atenção na produção de frutas, atual carro-chefe da economia
municipal, é necessário que se acrescente que, apesar da atividade contar
com o apoio fundamental do setor público, através dos projetos de irrigação da
Codevasf, é uma via de desenvolvimento mais conectada com os movimentos
do capital internacional, voltando uma parte significativa da produção para o
mercado externo. Como o nível de transformação do principal produto (frutas
de mesa) é praticamente inexistente (observa-se que o setor industrial não é
forte no município, contando-se com a presença de poucas vinícolas, por
exemplo), é possível associar as características dessa via de desenvolvimento
com o tradicional modelo primário-exportador. Como é sabido, nas versões
contemporâneas desse modelo, as exigências de aprimoramento tecnológico
constante se constituem em condições sine qua non à sobrevivência da atividade,
130 | Municípios baianos em destaque: três vias de desenvolvimento local no estado da Bahia
a fim de garantir altos níveis de competitividade, dada a elevada concorrência
praticada no mercado internacional.9
Empregando a tipologia proposta por Santos e Silveira (2001), dos três municípios
em análise, Juazeiro se exibe como aquele mais próximo da referência de área
onde prevalece uma globalização “absoluta”, dada a presença de cadeias
produtivas modernas, produtos exportáveis, preocupação com desenvolvimento
tecnológico etc. Sua inserção nos fluxos globais na condição de primárioexportador, no entanto, coloca importantes desafios para a manutenção da
atividade em ritmo crescente. Flutuações nos preços (inclusive por conta da
evolução da taxa de câmbio), risco de entrada de novos ofertantes no mercado,
inovações tecnológicas que podem levar a incrementos substanciais de
produtividade em outros mercados e perda de competitividade do produto
local são alguns dos aspectos a que uma economia calcada na produção primárioexportadora encontra-se submetida, precisando manter-se alerta. No caso de
Juazeiro, a constante atualização dos produtores e do emprego de novas técnicas,
com vistas a garantir a qualidade do produto, faz-se importante, assim como a
continuidade do setor público, viabilizando os projetos de irrigação. Ademais,
atentar para eventuais investimentos específicos, como em logística e transportes, por exemplo, podem viabilizar a expansão da competitividade do setor,
sobretudo quando houver forte concorrência externa.
A via de desenvolvimento observada para Ilhéus, por sua vez, é menos evidente
que a anterior, ou pelo menos ainda se encontra em fase de construção. Com a
crise da cacauicultura, a alternativa delineada aparenta calcar-se em duas vertentes
distintas: a indústria de informática e de eletroeletrônica e o turismo. Além do
baixo grau de complementaridade que se observa nas duas atividades, ainda é
necessário destacar o elevado nível de complexidade que envolve cada uma
delas. No caso do turismo, apesar de Ilhéus estar margeada por um litoral extenso,
é necessário que se desenvolvam estratégias para explorar o patrimônio histórico
existente, assim como se realizem investimentos em infra-estrutura e preparação
de mão-de-obra na prestação de serviços. A consolidação da indústria de
informática e de eletroeletrônica não é menos complexa, a despeito da
concentração constatada de empresas e empregados do setor no município.
Focando a atenção nessa indústria, resultado de uma política de incentivos
fiscais iniciada em 1995 e ainda em vigor, ressaltam-se alguns aspectos
indicativos de que a sua consolidação não se encontra estabelecida. Há
problemas com a qualificação da mão-de-obra local, que não se encontra apta
9
Santos (2000) destaca as exigências de uma agricultura científica globalizada. Sobre os
problemas da “reprimarização“ das exportações brasileiras, ver Gonçalves (2005, cap. 9).
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 131
a atender às necessidades da indústria de forma imediata; com o mercado
consumidor e fornecedor que não se encontram na região; com a forte dependência tecnológica, o que explica o baixo grau de inovações; e, não menos
importante, com a inadequação de equipamentos de infra-estrutura. Dois
indicadores que atestam essa realidade são as elevadas taxas de mortalidade
e de natalidade de empresas, nessa indústria, em Ilhéus.10 A questão premente
que se coloca é se a indústria permanecerá representativa no município quando
os prazos para os benefícios dos incentivos, por parte das empresas, se expirarem.
Apesar da pequena complementaridade que pode ser observada entre as duas
vertentes eleitas para o desenvolvimento da economia de Ilhéus, sobressai-se
a qualificação da mão-de-obra como um requisito necessário a ambas as
atividades. Nesse aspecto, em particular, o planejamento de ações integradas,
contando, inclusive, com o apoio de instituições de ensino de terceiro grau, em
especial da universidade estadual sediada no município, pode se constituir
numa estratégia para atacar os problemas e aproximar as duas atividades.
Uma estratégia particular para a indústria de informática seria a de articular a
produção de computadores em Ilhéus com o Arranjo Produtivo Local de
Tecnologia da Informação, sediado em Salvador, o qual vem produzindo software
e desenvolvendo tecnologia na área.11
Enquadrando-se a via de desenvolvimento de Ilhéus na proposta estilizada de
Santos e Silveira (2001), sobre o grau de inserção da área nos fluxos globais,
constata-se que prevalece, no município, apenas uma globalização “relativa”,
a despeito das duas atividades principais estabelecerem vínculos com o mundo
externo. Isso porque, como ambas se encontram em estágios ainda incipientes,
as raízes delas na economia do município e, mesmo, suas relações com as
demais atividades são tênues. À medida que as duas vertentes se consolidem,
é possível que Ilhéus seja inserida nas áreas de globalização plena.
O modelo de desenvolvimento econômico que ora se observa em Vitória da
Conquista difere completamente dos dois casos anteriores. Enquanto, no
primeiro, verificam-se aspectos típicos de um modelo primário-exportador,
tratando-se de uma área de globalização “absoluta”, e, no caso de Ilhéus, de
um modelo em construção que tende a se inserir nos fluxos globais mais
intensamente, pari passu à solidificação das atividades representativas, em
10
As informações sobre a indústria de informática e eletroeletrônica geralmente convergem
para essas questões mencionadas. Entre os estudos mais recentes sobre o tema, ver Ferreira
Jr. e Santos (2004) e França (2004).
11
Ver trabalho que vem sendo desenvolvido pela Rede de Apoio aos Arranjos produtivos Locais
do Estado da Bahia, coordenado pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Informação do
Estado da Bahia, no site www.redeapl.ba.gov.br.
132 | Municípios baianos em destaque: três vias de desenvolvimento local no estado da Bahia
Vitória da Conquista, observa-se uma economia mais diversificada, sem predominância de atividades representativas e com indicativos de presença de
atividades terciárias mais complexas.
Diferentemente de Ilhéus, onde a crise da cacauicultura parece ter incitado a
formulação de uma estratégia de eleição de atividades que viessem “substituir”
a importância que a cultura assumia até então, em Vitória da Conquista, a
crise da cafeicultura não engendrou uma alternativa lastreada em um ou poucos
segmento(s) como carro-chefe da economia municipal. A produção de animais
mantém uma importância relativa (notadamente a avicultura), mas também
alguns segmentos industriais, de comércio e de serviços exibem representatividade no conjunto da economia.
A diversificação econômica que se verifica em Vitória da Conquista não permite
apontar alguma atividade como sendo característica da economia do município,
assim como nenhuma grande inserção dos setores locais nos fluxos globais de
produção, mercadorias, pessoas ou capital. Ao contrário, o quadro econômico
que se delineia para Vitória da Conquista aparenta tratar-se de uma economia
com desenvolvimento mais endógeno, tendo os raios de abrangência das
transações econômicas do município alcance mais limitado, ainda que relevantes
para o entorno.
Esse caráter de endogeneidade, da via de desenvolvimento de Vitória da
Conquista, associado à ausência de uma ou poucas atividades como carrochefe da economia local, pode se constituir numa das principais explicações
para a maior estabilidade da estrutura setorial do PIB do município. Como se
constata nos dados apresentados, a estrutura setorial de Juazeiro é aquela que
mais apresenta mudanças recentes, ao passo que a de Vitória da Conquista é
a que menos tem sofrido alterações significativas nos últimos anos. Por outro
lado, esse mesmo caráter endógeno e a ausência de importantes demandas
externas podem estar na base explicativa para as menores taxas de crescimento
da economia do município, tanto em relação aos outros casos analisados quanto
em relação à média baiana.
Considerações finais
Com vistas a ampliar o nível de conhecimento sobre municípios baianos,
notadamente daqueles participantes da chamada “rede principal de cidades
da Bahia”, este artigo buscou apresentar, analisar e contrapor alguns aspectos
econômicos relevantes de Ilhéus, Juazeiro e Vitória da Conquista. Constatouse que, apesar de se constituírem em três municípios com importâncias no
estado muito próximas, em termos de tamanho da população e relevância da
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 133
economia, exibem vias de desenvolvimento econômico bastante distintas,
podendo-se até contrapor os quadros observados em Juazeiro e Vitória da
Conquista como o de dois casos extremos.
De um lado, verifica-se uma economia que apresenta elevadas taxas de
crescimento recentes, fortemente calcada na produção agrícola, com algumas
culturas locais assumindo pesos muito significativos na produção baiana e
nacional, e com uma parcela relevante da produção voltada para a exportação.
Inserindo-se nos fluxos globais, através do modelo primário-exportador, Juazeiro
desponta como uma área de globalização absoluta. De outro, em Vitória da
Conquista, observa-se uma economia que exibe taxas de crescimento inferiores
à média estadual, uma estrutura econômica diversificada, aparentemente mais
complexa e com aspectos de estabilidade no que se refere ao peso dos três
grandes setores econômicos no PIB municipal. Com uma via de desenvolvimento
mais voltada para dentro, Vitória da Conquista apresenta-se menos vulnerável
a mudanças nos fluxos globais, posto não se perceber a presença, em seu
território, de importantes produções voltadas para exportação ou com vínculos
fortes com o exterior.
Por sua vez, com uma via de desenvolvimento ainda em construção, não se
pode dizer que Ilhéus apresenta-se como uma área de globalização plena,
nem como uma economia com crescimento endógeno. Suas atividades mais
relevantes no momento (informática e turismo) não possuem integração, estando
o desenvolvimento de cada uma delas aparentemente dependendo de ações
empresariais específicas e de políticas próprias.
Por fim, cabe salientar que o presente trabalho tem um caráter exploratório e
busca levantar inquietações sobre as diferentes vias de desenvolvimento
econômico adotadas por importantes municípios do estado. Evidentemente
que as análises aqui empreendidas, bem como as conclusões alcançadas, podem
ser mais aprofundadas e consistentes, se os aspectos sociais, geográficos e
históricos dos municípios forem contemplados. Essa não parece ser uma tarefa
fácil de ser realizada, posto que complexa e interdisciplinar, mas possível na
medida em que envolva os órgãos do Estado, universidades e demais
especialistas no assunto.
134 | Municípios baianos em destaque: três vias de desenvolvimento local no estado da Bahia
Referências
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Pólo de Informática de Ilhéus/BA. Salvador: SEBRAE / UFSC / NEITEC / FEPESE,
2004. (Relatório para Programa de Financiamento de Bolsas de Mestrado
Vinculadas à Pesquisa “Micro e Pequenas Empresas em Arranjos Produtivos
Locais no Brasil”).
FRANÇA, Milena. Pólo de Informática de Ilhéus. Conjuntura & Planejamento,
Salvador, SEI, n. 124, p. 26-28, set. 2004.
GONÇALVES, Reinaldo. Economia política internacional: fundamentos teóricos
e as relações internacionais do Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
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Urbano de Juazeiro. Salvador: Companhia de Desenvolvimento e Ação Social
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Economia, Sociedade e Administração Municipal – dez. 2001.
PORTO, Edgard. Desenvolvimento e território na Bahia. Salvador: SEI –
Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia, 2003. (Série Estudos
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SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à
consciência universal. 3. ed. Rio de Janeiro: Record, 2000.
SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil: território e sociedade no
início do século XXI. 3. ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.
SEI. SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA.
Dinâmica demográfica da Bahia: 1980 – 2000. Salvador: SEI, 2003. 2 v. (Série
Estudos e Pesquisas, 60).
SEI. SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA.
Serviços Estratégicos na Região Metropolitana de Salvador. Salvador: SEI, 2004.
(Série Estudos e Pesquisas, 70).
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 135
136 | Estudo da indústria do gás natural e seu inter-relacionamento com o setor elétrico
na Bahia: perspectivas e potencialidades
8
ESTUDO DA INDÚSTRIA DO GÁS
NATURAL E SEU INTERRELACIONAMENTO COM O
SETOR ELÉTRICO NA BAHIA:
PERSPECTIVAS E POTENCIALIDADES
Daniel Prates*
Georges Rocha**
Resumo
A indústria de gás natural vem tendo um grande inter-relacionamento com o
setor de energia elétrica, devido a aspectos técnicos, econômicos e institucionais.
No Brasil, essa tendência mundial acentua-se rapidamente, sobretudo a partir
da crise de energia vivida pelo país em 2001. Não obstante ser o terceiro maior
produtor e consumidor no Brasil, a Bahia atualmente é deficitária em gás natural,
comprometendo a geração termelétrica, dada a carência desse energético,
bem como a deficiência na infra-estrutura de transporte e distribuição. Além
disso, a Bahia é o estado brasileiro com a maior população sem acesso à
energia elétrica. Isso motiva reflexões acerca das potencialidades do gás natural
para atenuar esta situação. Este trabalho tem como objetivo avaliar as estruturas
da indústria do gás natural e o setor elétrico na Bahia e a relação entre esses
segmentos.
Palavras-chave: Gás Natural. Indústria. Setor Elétrico. Termeletricidade. Bahia.
Abstract
The natural gas industry has been gaining increased inter-relations with the
electric power trade as a result of technical, economic and institutional factors.
In Brazil, this worldwide tendency is quickly increasing, especially after the
energy crisis that occurred in 2001. In spite of being the third largest producer
and consumer in Brazil, currently the state of Bahia has no natural gas sufficiency,
which compromises the thermal-electrical production, also a result of problems
in transport and distribution infrastructure. In addition, Bahia is the Brazilian
*
Engenheiro Mecânico, Especialista em Engenharia de Gás Natural – PETROBRAS S.A. E-mail:
[email protected]
**
Doutor em Planejamento de Sistemas Energéticos, Professor do Curso de Especialização em
Engenharia do Gás Natural – CEEGAN/DEQ/UFBA e do Centro Federal de Educação Tecnológica
da Bahia – CEFETBA, à disposição da Secretaria de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis
Renováveis do MME. E-mail: [email protected]
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 137
state with the largest population lacking access to electric power. This raises
reflections concerning the potential use of natural gas to minimize this situation.
Therefore, this article has the objective of evaluating the structures of the natural
gas industry and the electric sector in the state of Bahia and the relationship
between these segments.
Key-words: Natural Gas. Industry. Electric Sector. Thermal-Electricity. Bahia.
138 | Estudo da indústria do gás natural e seu inter-relacionamento com o setor elétrico
na Bahia: perspectivas e potencialidades
Introdução
A geração de energia elétrica no Brasil está intrinsecamente vinculada ao
aproveitamento do enorme potencial hídrico existente no país. A matriz
energética brasileira, no que diz respeito à energia elétrica, apresenta 83,6%
de sua potência de geração de origem hídrica, através de Usinas Hidrelétricas
(UHE) e de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH) (BIG, 2005). Apenas 14,7%
da potência de geração é de origem térmica, através de Usinas Termelétricas
(UTE), sendo que, desse montante, 3,6% corresponde à geração térmica cujo
energético é o gás natural; o restante é ocupado por outros energéticos, a
exemplo da biomassa (bagaço de cana, madeira etc.), derivados de petróleo
(óleo diesel, óleo residual) e carvão mineral.
Na Bahia, a matriz de energia elétrica tem espelhado em seu território o cenário
nacional e nordestino em particular. De 9.016 MW de capacidade instalada de
geração (BIG, 2005), o que equivale a 9,83% da capacidade nacional, apenas
1.522 MW é de origem térmica, sendo que, desses, somente 976 MW utiliza o
gás natural como energético, ou seja, cerca de 10% da capacidade de geração
do estado.
Como não poderia deixar de ser, por razões óbvias, a vocação do Brasil para a
geração de energia elétrica, foi e ainda tem sido o aproveitamento do seu
potencial hídrico. O país tem um aproveitamento de apenas 26,6% do seu
potencial hidrelétrico tecnicamente aproveitável (BEN, 2005). Porém, alguns
aspectos já demonstram a necessidade de busca de outras fontes primárias de
energia, com o intuito de se diversificar a matriz de energia elétrica no país. O
investimento em hidrelétricas tem características singulares e exigem alto grau
de planejamento e disponibilidade de recursos. Além disso, podem trazer
conseqüências indesejáveis do ponto de vista sócio-ambiental – grandes
alagamentos e deslocamentos de populações, entre outros – embora paradoxalmente traga também grandes benefícios quando comparado à geração
por energéticos de origem fóssil: não-geração de poluentes, a exemplo de
dióxido de carbono, monóxido de carbono, óxidos de enxofre, óxidos de
nitrogênio, particulados pesados de carbono, etc.
A termeletricidade a gás natural no país se apresentou, durante um curto período
de tempo, revestida de aspectos que preponderaram para um melhor
equacionamento do setor energético brasileiro. No final da década de 90, o
governo federal, a partir de uma conjunção de dados que apontava para um
cenário de escassez de energia elétrica, configurada através da falta de
investimentos no parque de geração no porte necessário para fazer frente ao
crescimento econômico e demográfico da população, e de índices pluviométricos
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 139
e afluências abaixo da média histórica, instituiu, dentre outras ações, o Programa
Prioritário de Termeletricidade (PPT). Esse programa teve o intuito de fomentar
o desenvolvimento do parque gerador a partir da termeletricidade a gás natural.
A iniciativa configurada com o PPT, porém, não logrou os resultados esperados,
devido a diversos fatores, entre os quais a baixa infra-estrutura de transporte
instalada, o que demandaria altos investimentos para sua implantação, a rigidez
da indústria de gás natural frente à instabilidade nos preços do energético e a
baixa competitividade da geração termelétrica em um país potencialmente hídrico.
A despeito das razões que levaram ao engessamento do programa de fomento
à termeletricidade no país, a região Nordeste, em particular, necessita ver
equacionados os fatores que dificultam a viabilização da termeletricidade a
gás natural, pois tem seu potencial hídrico bastante explorado, e é dependente
da importação de energia elétrica dos subsistemas norte e sudeste, tornandose vulnerável, sob o ponto de vista de desenvolvimento econômico, e exposta
em demasia aos riscos de falta de energia.
A co-geração a gás natural figura como grande promessa, no plano nacional,
e no regional em particular, no crescimento da indústria do gás natural. O
potencial para sua utilização é enorme e agrega o propósito nobre do
desenvolvimento sustentável, através do planejamento integrado de recursos,
viabilizando um aumento na eficiência termodinâmica do processo de geração
elétrica, em relação à termeletricidade pura e simples.
Ademais, vários aspectos contribuem de forma assertiva no aumento da sinergia
entre a indústria do gás natural e o setor elétrico, quais sejam:
• Tecnológicos: o advento das Usinas Termelétricas em Ciclo Combinado,
aumentando enormemente sua eficiência termodinâmica;
• Econômicos: a elevação dos custos de produção e transporte de Usinas
Hidrelétricas, cada vez mais distantes dos centros de consumo;
• Institucionais: a saída do Estado como agente protagonista dos investimentos
em geração, transporte e distribuição de energia elétrica – resultado das
privatizações –, criando oportunidades de negócios para agentes privados a
partir de unidades termelétricas de menor porte.
As reservas de gás natural no Brasil e na Bahia
O Brasil é um país de grande extensão territorial, conquanto com pequena
participação no que tange à oferta de gás natural, no cenário internacional. As
reservas provadas nacionais de gás natural responderam, em 2004, por apenas
0,18% do total mundial (BP STATISTICAL..., 2005).
140 | Estudo da indústria do gás natural e seu inter-relacionamento com o setor elétrico
na Bahia: perspectivas e potencialidades
O país, entretanto, vem percebendo um crescimento a uma taxa média de
7,7% a.a. nas reservas provadas de gás natural, de 1964 a 2004, no esteio da
busca do desenvolvimento da indústria do gás, energético com comprovadas
vantagens energéticas e ambientais quando comparado a outros energéticos
de origem fóssil, e da redução da dependência do petróleo. Atualmente, 77,4%
das reservas provadas de gás natural do país encontram-se em mar,
principalmente na Bacia de Campos (39,1%), enquanto que as 22,6% restantes
encontram-se em terra, principalmente no campo de Urucu (AM) e em campos
produtores no estado da Bahia (ANP, 2005b).
A Bahia, nesse contexto, se insere como um estado que responde por 7,7% do
total dessas reservas. Mas um aspecto importante a ser observado é o
crescimento acentuado das reservas em mar, particularmente a partir de 2001,
e o decrescimento das reservas em terra. A principal razão para esse fenômeno
é a descoberta de reservas importantes na bacia de Camamú-Almada,
justificando a elevação das reservas em mar, e o amadurecimento dos campos
de produção em terra.
A produção de gás natural no Brasil e na Bahia
A produção de gás natural no Brasil teve, em 2004, uma presença percentual
maior (0,41%), em relação ao cenário mundial, porém ainda muito tímida
quando comparada a outros países da América Latina. O México, por exemplo,
tendo reservas provadas aproximadamente 27% superiores às brasileiras,
produziu mais de 3,3 vezes o que o Brasil produziu em 2004 (BP STATISTICAL...,
2005). Isso revela que, apenas sob o viés da similaridade de porte econômico
do país em relação a outros países com economia equivalente, existe um
potencial enorme de crescimento da produção.
Apesar dessa ainda tímida participação do Brasil no cenário latino-americano e
internacional, a produção de gás natural do país tem crescido a passos largos,
apresentando aumento total de 7,2%, em 2004 em relação a 2003, e aumento
na produção líquida, excluindo-se reinjeção, perdas, queima e consumo próprio,
de 9,3% no mesmo período. Segundo o Boletim de Gás Natural da ANP,
no período 1954-2004, a produção cresceu 11,8% a.a., em média, tendo
ocorrido um grande salto na década de 1980, principalmente em decorrência
do início de operação das jazidas da Bacia de Campos. Em 2004, 54,2% da
produção se concentrou nos campos marítimos, situação bastante distinta
daquela ocorrida até 1972, quando a produção concentrava-se nos campos
terrestres, especialmente no Estado da Bahia (ANP, 2005b, p. 12).
A Bahia é o terceiro estado em produção de gás natural, com 13,3% da
produção total do país em 2004, atrás apenas do Rio de Janeiro – Bacia de
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 141
Campos, basicamente – e do Amazonas – campo de Urucu. A produção na
Bahia está essencialmente situada em campos terrestres do recôncavo baiano
(98,3%) e, em sua maior parte, sob a forma não-associada1 (70,8%). A Tabela
1 apresenta os três maiores produtores de gás natural do Brasil.
TABELA 1
PRODUÇÃO DE GÁS NATURAL, POR LOCALIZAÇÃO (TERRA E MAR),
SEGUNDO UNIDADES DA FEDERAÇÃO, 1994-2004
Unidades da Localização
Federação
Total
Produção de Gás Natural (milhões m3)
1997 1998 1999
2000
2001
04 / 03
2004
%
7.711,85 8.065,95 9.167,43 9.824,72 10.787,6 11.855,18 13.282,88 13.998,8 15.525,15 15.792,06 16.923,23
7,2%
1994
1995
1996
2002
2003
Subtotal
Terra 2.813,65 2.906,29 3.288,98 3.530,61 3.750,21 3.896,87 5.232,58 5.827,55 6.168,64 6.708,65 7.744,57 15,4%
Amazonas
Terra 308,82 257,66
Bahia
Terra 1.584,92 1.606,87 1.717,18 1.805,23 1.909,92 1.860,27 1.895,90 1.958,07 1.964,18 2.115,72 2.212,27
Mar 4.898,19 5.159,66 5.878,45 6.294,11 7.037,39 7.958,31 8.050,30 8.171,25 9.356,51 9.083,42 9.178,66
Mar
Rio de Janeiro
13,18
37,39
369,47
27,78
1,0%
529,73 617,94 734,15 2000,20 2.427,33 2.743,18 2.992,56 3.610,95 20,7%
30,64
32,28
-
0,02
8,48
52,64
50,15
4,6%
37,96 -24,3%
Mar 2.893,31 3.164,61 3.576,92 3.876,35 4.544,31 5.528,26 5.721,03 5.968,33 6.886,34 6.660,15 6.758,71
1,5%
Fonte: Anuário Estatístico ANP, 2004 e Boletim, 2005.
A comercialização de gás natural no Brasil e na Bahia
A comercialização de gás natural no Brasil sofreu alterações estruturais a partir
de 1997, quando foi publicada a Lei Federal no 9.478, de 06 de agosto de
1997, dispondo acerca da política energética nacional e das atividades relativas
ao monopólio do petróleo. A partir desse momento, as estruturas de produção,
importação, carregamento e transporte de gás natural foram profundamente
alteradas, com vistas à abertura do mercado, que deixava de ter o monopólio
da União exercido exclusivamente pela Petrobras. Estabeleceu-se, a partir disso,
um marco, onde se regulamentava a alteração constitucional e se conferia a
criação de uma agência reguladora independente para a consecução desse
objetivo. A Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis2 –
ANP, tem a função, explicitada no artigo 8º da Lei no 9.478, de promover a
regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes
da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis.
As vendas de gás natural pelos produtores, bem como seus desdobramentos
no consumo interno das regiões do país, apresentaram, em 2003, um
1
A expressão produção não-associada significa a produção do gás natural sem a presença
de petróleo.
2
Este último energético foi introduzido entre as funções da ANP mais tarde, pelo governo
atual, através da Lei Federal No 11.097 de 13 de janeiro de 2005.
142 | Estudo da indústria do gás natural e seu inter-relacionamento com o setor elétrico
na Bahia: perspectivas e potencialidades
crescimento acentuado em relação a 2002, de 12,5%. Esse expressivo aumento
nas vendas tem relação direta com a nova orientação energética que se tem
adotado para o país: o gás natural tem se firmado como importante energético,
com participação cada vez maior na matriz energética nacional. Segundo o
Balanço Energético Nacional – BEN, emitido pelo Ministério das Minas e Energia,
o gás natural já participava com 8,9% na matriz energética nacional em 2004
(BEN, 2005). Verifica-se, ademais, que esse crescimento experimentou um salto,
a partir de 1999, de 12%, em relação a 1998 e, de forma ainda mais
contundente, aumentou em 31% em 2000, em relação a 1999.
Entretanto, a participação do gás natural importado, na oferta nacional, tem
sido cada vez maior e atinge, atualmente, um patamar bastante expressivo:
45,53% do volume de gás natural ofertado3 no país, em 2004, foi importado
(ANP, 2005b). Consoante à explicação anterior, a produção própria de gás
natural no país cresceu 7,16% em 2004, em relação a 2003, enquanto a
importação cresceu 35,71% no mesmo período. O total da oferta de gás natural
no país, então, aumentou, em 2004, 19,91%, em relação a 2003.
Na Bahia o cenário é convergente com o nacional, tendo o estado apresentado
crescimento bastante acentuado nas vendas de gás natural, resultado de sua
maior participação na matriz energética regional: em 2003 houve crescimento
de 39% no volume comercializado, em relação a 2002. Tal estado é responsável
pelo maior volume de vendas no nordeste e está na terceira colocação entre os
demais estados da federação. O Gráfico 1 apresenta a evolução das vendas de
gás natural realizadas pela concessionária Bahiagas no Estado da Bahia, no
período 1994-2004. Nota-se um crescimento vultoso, de aproximadamente
4,8 vezes, na comercialização de gás natural, de 19944 ao ano de 2004,
indicando a existência de uma demanda reprimida por esse energético.
A despeito de ser o terceiro maior produtor de gás natural do país, o estado da
Bahia é importador desse energético do estado de Sergipe. A produção baiana
é insuficiente e o fornecimento é igualmente limitado.
Ao analisar-se a estratificação do consumo de gás natural no mercado baiano,
percebe-se que a parcela industrial é bastante expressiva, seguida da co-geração
e do consumo automotivo. É interessante notar, entretanto, que apesar da
grande participação do segmento industrial, responsável por mais de 60% do
3
Oferta: Igual ao mercado aparente (produção nacional líquida + importação), que engloba
LGN, condensado, consumo próprio nas refinarias, unidades de processamento de gás natural
e sistemas de transferência e transporte, importações, vendas e ajustes de gás natural de
produção nacional.
4
Ano em que se iniciou as atividades da Bahiagas.
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 143
consumo de gás natural, há um crescimento perceptível nos segmentos de cogeração em 2004, saltando de 18%, em janeiro, para cerca de 30%, em
dezembro desse ano, e, no segmento automotivo, com elevação da participação
de 4%, em janeiro, para 6%, em dezembro. O Gráfico 2 apresenta a participação de cada segmento nas vendas de gás natural no estado da Bahia.
Gráfico 1
Volume de Gás Natural Comercializado na Bahia 1994 - 2004
3.809
2004
3.826
2003
3.416
2002
3.298
2001
2000
3.103
2.188
1999
1.888
1998
1.603
1997
1996
1.508
1.352
1995
782
1994
500
1.000
1.500
2.000
mil m3/dia
2.500
3.000
3.500
4.000
Fonte: Bahiagas, 2003 e Revista Brasil Energia, 2004/2005.
Gráfico 2
Estratificação das Vendas de Gás Natural na Bahia por Segmento – 2004
100%
90%
80%
4%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
1%
0%
25%
28%
29%
30%
29%
30%
32%
33%
29%
29%
26%
5%
5%
5%
4%
5%
5%
5%
5%
5%
6%
68%
66%
66%
66%
65%
65%
65%
Nov
Dez
18%
70%
60%
0%
16%
4%
5%
50%
40%
30%
66%
69%
62%
63%
61%
20%
10%
0%
Jan
Fev
Residencial
Comercial
Mar
Abr
Mai
Industrial
Automotivo
Jun
Jul
Ago
Set
Out
Co-geração
Geração Elétrica
Fonte: Revista Brasil Energia, 2004/2005.
144 | Estudo da indústria do gás natural e seu inter-relacionamento com o setor elétrico
na Bahia: perspectivas e potencialidades
18%
O ano de 2004 também foi marcado pelo início do fornecimento de gás natural
no segmento residencial. Tal fornecimento começou em maio desse ano, com
um volume comercializado de 30 m3/dia, chegando, em novembro, à marca de
1.000 m3/dia. Apesar de representar pequeno volume incremental, sinaliza uma
mudança no planejamento estratégico da concessionária estadual, no âmbito da
disseminação e massificação da utilização de gás natural no estado da Bahia. A
distribuição de gás natural canalizado para o segmento residencial se concentrou
na cidade de Salvador no ano de 2004, em consonância com a ampliação da
disponibilização de gás para os segmentos automotivo e de co-geração.
Os investimentos na produção e ampliação das malhas de
transporte e distribuição de gás natural no Brasil e na Bahia
O Brasil apresenta um cenário bastante promissor no que diz respeito à ampliação
da oferta de gás natural canalizado. Os investimentos na ampliação da produção
de gás, bem como nas ampliações das malhas de transporte e distribuição, são
expressivos e indicam uma orientação bastante clara quanto à sua inserção na
matriz energética nacional. A descoberta de gás natural na Bacia de Santos,
divulgada pela Petrobras em 2003, representou um novo paradigma na oferta,
pois significou quase o dobro das reservas provadas de gás do país nesse ano:
o país possuía 245,34 bilhões de m3 em reservas provadas e foi divulgado um
volume descoberto de 419,00 bilhões de m3 na Bacia de Santos (SIQUEIRA,
2003). Saliente-se, entretanto, que tal volume ainda se encontra em avaliação
para sua classificação como reserva provada5, de acordo com o Regulamento
Técnico ANP no 001/2000 e código publicado pela Society of Petroleum Engineers
– SPE (ANP, 2005b).
A Petrobras, através de seu Plano de Negócios 2006-2010, projeta um
crescimento no mercado de gás natural, de 2004 a 2010, da ordem de 162%.
Para tanto, a estatal pretende investir US$ 4,5 bilhões no período 2006-2010,
no intuito de desenvolver o mercado de gás natural e assegurar suas estratégias
de negócios para esse segmento, que incluem o desenvolvimento da indústria
de gás natural, garantindo a colocação do seu gás e sua atuação no negócio
de energia elétrica com o idêntico objetivo de garantir o mercado de gás natural
da companhia.
5
Segundo a ANP (2005) “Reservas Provadas são aquelas que, com base na análise de dados
geológicos e de engenharia, se estima recuperar comercialmente com elevado grau de certeza”.
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 145
Os principais projetos citados no Plano de Negócios 2006-2010 são:
• Gasoduto Sudeste-Nordeste – GASENE
• Malha de Gasodutos do Nordeste
• Gasoduto Urucu-Coari-Manaus
• Ampliação Gasbel
• Gasoduto Bolívia-Brasil (até 34 MM m3/dia)
• Projeto Malhas Sudeste e Nordeste
• Gasoduto Paulínea-Jacutinga
• Plano de Desenvolvimento do Escoamento de Gás – PDEG
No que tange, especificamente, as malhas de transporte de gás natural no
nordeste e sudeste do país, destaca-se a implementação de um ambicioso
investimento que objetiva sua ampliação. Trata-se do Projeto Malhas, concebido
e estruturado pela empresa, com o objetivo central de atender as demandas
originadas pelo Programa Prioritário de Termeletricidade – PPT, estabelecido
pelo governo federal, que visa a fomentar, através de incentivos, a ampliação
da oferta de energia elétrica de origem térmica, através de usinas termelétricas
a gás natural – cujo arcabouço legal foi estabelecido a partir do decreto
presidencial no 3.371, de 24 de fevereiro de 2000. Tal decreto instituiu o PPT
no âmbito do Ministério das Minas e Energia – MME, e, desse ministério foram
emanadas, especificamente, as portarias no 43/00, de 25 de fevereiro de 2000,
e no 215, de 26 de julho de 2000, que estabeleceram as regras para consecução
do programa. Essas normas determinaram a obrigatoriedade, por parte da
Petrobras, de suprimento de gás natural por um período de até 20 anos.
O Projeto Malhas visa, pois, a ampliar as malhas de gasodutos do Nordeste e
Sudeste, para atender, primordialmente, às demandas térmicas para geração
de energia elétrica – termeletricidade. Com isso, o governo federal objetiva
ampliar a participação do gás natural na matriz energética nacional, bem como
deslocar o perfil de geração hidrotérmico para uma condição de maior equilíbrio;
a portaria MME no 43/00, de 25 de fevereiro de 2000, considera uma projeção
de participação de 80% (hidro) e 20% (térmico) no cenário hidrotérmico até
2009. Esse projeto é, em si, de grande envergadura: exigiu engenhosa
estruturação financeira, em função do aporte de capital, inicialmente previsto
em US$ 960 milhões, com a participação de bancos financiadores japoneses e
de empresas transportadoras de capital japonês, e a criação de um consórcio –
o Consórcio Malhas – formado por tais transportadoras, além da Transportadora
Nordeste Sudeste (TNS)6, e Transpetro7 (ANP, 2003).
6
7
A TNS é subsidiária da Gaspetro que, por sua vez, é subsidiária da Petrobras.
A Transpetro é uma empresa controlada pela Petrobras.
146 | Estudo da indústria do gás natural e seu inter-relacionamento com o setor elétrico
na Bahia: perspectivas e potencialidades
A implantação do Projeto Malhas não atingiria os objetivos propostos se não
houvesse um projeto de interligação das malhas de gasodutos do nordeste e
sudeste do país, o Gasene. O nordeste, deficitário em energia elétrica e carente
em reservas e produção de gás natural (as reservas provadas de gás natural
nordestinas representam apenas 22,8% das reservas nacionais e, a produção
nordestina, 32,8%) não poderia prescindir da interligação com a malha sudeste,
sob o ponto de vista estratégico. A viabilização do PPT, particularmente no que
diz respeito à diversificação da matriz energética e à redução da vulnerabilidade
elétrica do nordeste do Brasil, passa por essa integração das malhas de gasodutos.
Segundo Tourinho (2004),
em resumo, a alternativa de interligar a rede de gasodutos de gás natural do
Nordeste com a da Região Sudeste, de forma a viabilizar a geração térmica
local, tem as seguintes motivações:
1. O esgotamento dos potenciais hidrelétricos e a mudança no regime
hidrológico indicam a necessidade urgente da diversificação da matriz
energética do Nordeste.
2. A expansão baseada em importação de outras regiões através de longas
linhas de transmissão compromete a confiabilidade elétrica do NE (risco de
blecaute, não de corte do suprimento de energia).
3. A baixa complementaridade hidrológica entre o NE e outros subsistemas
reduz os benefícios das interligações. Uma baixa hidrologia no SE poderia
comprometer o suprimento no NE;
4. O aumento da capacidade instalada térmica próxima aos centros de carga
aumenta a confiabilidade elétrica do sistema, reduzindo os riscos de blecaute.
5. O transporte de energia via gasodutos tem menor custo ambiental do que
linhas de transmissão (pequena faixa de passagem).
A Tabela 2 apresenta investimentos em produção, processamento e transporte de
gás natural, implementados, ou em implementação, na Bahia, nos últimos 3 anos.
No que tange à distribuição de gás natural no estado da Bahia, o cenário aponta
para a ampliação e interiorização da malha de gasodutos, em consonância com
os investimentos na ampliação da produção, processamento e transporte. A
concessionária responsável por distribuir o gás natural, a Bahiagas, anunciou
investimentos de até R$ 90 milhões para o ano de 2005 (CRUZ, 2005).
Os planos de investimento da concessionária incluíam a inauguração do gasoduto
que interliga a estação de recebimento de gás natural, no município de Candeias,
ao município de Feira de Santana, a 110 km de Salvador, investimento orçado
em R$ 22 milhões (VIGLIANO, 2004c). Tal empreendimento marca uma nova
fase na história da distribuição de gás natural na Bahia, uma vez que se principia
com maior vigor o atendimento a municípios e microrregiões mais afastadas
da região metropolitana de Salvador e, por conseguinte, da produção e
processamento de gás natural.
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 147
TABELA 2
INVESTIMENTOS EM PRODUÇÃO, PROCESSAMENTO E
TRANSPORTE DE GÁS NATURAL NA BAHIA NOS ÚLTIMOS 3 ANOS
Situação
Extensão Diâmetro Capacidade
(km)
(in)
(milhões
m3/dia)
Plataforma
Gasoduto de Transferência
Unidade de Processamento de Gás
Natural (UPGN)
Em construção
Em construção
Em construção
125
-
24
-
6,0
6,0
6,0
Projeto Malhas
Gasoduto Candeias-Aratú
Gasoduto Dow-Aratú-Camaçari
Gasoduto Catú (BA) – Carmópolis (SE)
Em operação
Em construção
Em licenciamento
ambiental/Instalação
15,4
27
265
14
14
26
0,65
2,29
9,0
Gasene
Gasoduto Cacimbas (ES) – Catú (BA)
Em licenciamento
ambiental/Instalação
970
28
20,0
Processamento
UPGN-3 (Catú/BA)
Em operação
-
-
2,5
Projeto Manati
Fonte: Elaboração própria.
Dificuldades a serem vencidas para o crescimento da
indústria de gás natural e seus desdobramentos no setor
elétrico na Bahia
A despeito dos investimentos que se pronunciam na ampliação da produção,
processamento, transporte e distribuição de gás natural no Brasil, e particularmente na Bahia, existem dificuldades que deverão ser vencidas para que o
projeto nacional de massificação do gás e seus desdobramentos, no que tange
a integração com o setor elétrico, possam alcançar o êxito desejado.
Os obstáculos vão desde a inexistência de um marco regulatório bem definido
para o setor de gás natural, em nível federal e estadual; passam pelo modelo
de desenvolvimento e expansão do setor elétrico, onde há um argumento subjacente de incentivar usinas termelétricas próximas aos centros de carga, ou
investir em transmissão; atravessam a política de preços do gás, que pode
inviabilizar projetos de substituição de energéticos, em função de baixa
competitividade desse energético em relação a outros menos nobres (a exemplo
do carvão); e remetem à capacidade de alavancagem financeira da concessionária estadual, de sua capacidade de endividamento, em função de sua
geração de caixa, e do fato de ser uma estatal. Além dessas questões, as
dificuldades quanto à emissão de licenças por parte de órgãos ambientais se
constituem, muitas vezes, entraves aos investimentos previstos.
148 | Estudo da indústria do gás natural e seu inter-relacionamento com o setor elétrico
na Bahia: perspectivas e potencialidades
Do ponto de vista regulatório, as atividades de produção, processamento,
importação, carregamento e transporte estão sob a égide da Agência Nacional
de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP, cuja função é promover a
regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes
da indústria dessas áreas. A distribuição de gás natural canalizado, entretanto,
está sob a jurisdição das agências reguladoras estaduais, haja vista o fato dessa
atividade ser de competência dos Estados, conforme preconiza o parágrafo 2º
do artigo 25 da Constituição Federal. Na Bahia, a agência reguladora estadual
foi criada através da Lei Estadual no 7.314, de 19 de maio de 1998. A Agência
Estadual de Regulação de Serviços Públicos de Energia, Transportes e
Comunicações da Bahia – AGERBA tem por finalidade regular, controlar e
fiscalizar a qualidade dos serviços públicos concedidos nos setores de energia,
transportes e comunicações. Tem, ademais, o ofício de garantir a universalização
e qualidade dos serviços públicos concedidos, bem como a modicidade tarifária
e o equilíbrio econômico e financeiro dos contratos de concessão. O fato de ser
uma agência reguladora multissetorial confere certa dificuldade no atendimento
às demandas que legalmente lhe são impostas. Para Rocha (2003), as
dificuldades podem ser classificadas em dois tipos: internas e externas. As
dificuldades de natureza interna estão relacionadas à organização do seu
organograma, que não possibilita diferenciar precisamente os papéis
desempenhados pelos seus técnicos, em relação a cada setor regulado, especificamente no que tange a fiscalização, controle de tarifas, estudos, planejamento
e a regulação propriamente dita. As dificuldades de natureza externa têm
relação com as deficiências no chamado marco regulatório estadual. Para o
autor, existe grande defasagem no contrato de concessão estabelecido entre o
poder concedente e a única empresa distribuidora de gás natural canalizado
no estado da Bahia, por sua vez, sob controle estatal.
A ausência de uma política bem definida de preços do gás natural, atualmente
amarrada a uma cesta de óleos, pode representar uma dificuldade adicional à
penetração mais acentuada desse energético na matriz energética brasileira e,
mais especificamente, baiana. Segundo Amaral (2004, p. 16), o país precisa
de uma “política muito mais agressiva de precificação do gás natural”. O
segmento industrial reclama uma maior atratividade do gás natural, sob o
ponto de vista comercial, para que se concretize a tão sonhada substituição de
energéticos menos nobres e mais poluentes, pelo gás. Segundo o consultor
Fernando Tavares Camacho (VIGLIANO, 2004a), a indústria do gás natural no
Brasil precisa de um choque de competitividade, para que o mercado possa
ditar o preço, estimulando a entrada de novos produtores, regulando a entrada
de terceiros nas malhas existentes e estabelecendo um controle sobre as tarifas
de distribuição em nível nacional, tal como faz a Agência Nacional de Energia
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 149
Elétrica – ANEEL, no setor elétrico. Essa proposição, entretanto, se traduz em
grandes dificuldades, uma vez que implica mudança constitucional, que confere
aos Estados a autonomia sobre a distribuição do gás natural canalizado. Além
de a conversão térmica industrial estar ameaçada em função dessa instabilidade
e indefinição na política nacional e estadual de preços do gás natural, outros
segmentos potenciais, particularmente de geração termelétrica e co-geração,
se deparam com a mesma situação.
A massificação do gás natural no Brasil, e em particular na Bahia, está intrinsecamente associada à capacidade da distribuidora estadual em alavancar os
recursos para garantir investimentos que suportem o crescimento na oferta de
gás natural no estado. A malha de gasodutos atual é incipiente e está concentrada em apenas dois pólos industriais que integram a Região Metropolitana
de Salvador. Segundo Almeida et al (2004, p. 8), a superação desse problema
“irá requerer uma política setorial para o gás natural que ataque também o
problema específico da dificuldade de financiar investimentos por parte das
empresas”, particularmente as estatais, como é o caso da Bahiagas.
Perspectivas e potencialidades de integração entre a
indústria de gás natural e o setor elétrico na Bahia
O Brasil, como fora dito anteriormente, possui enorme potencial de aproveitamento hídrico para geração de eletricidade. Tal característica se traduz em
enorme vantagem competitiva, quando comparada a qualquer outra fonte
primária de geração elétrica, inclusive a termeletricidade a gás natural. Apesar
desse fato concreto, quando analisadas de forma conjuntural e integradas no
plano macro, as regiões do país possuem características e potencialidades
distintas. A região Nordeste, em particular, não possui grande potencial
hidrelétrico em relação a outras regiões do país e, o que dispõe, já se encontra
em sua maior parte explorado. Portanto, para essa região, ao contrário das
demais, faz-se necessário pensar concretamente outras formas de geração
elétrica, em complementação ao sistema hídrico.
Atualmente, a região Nordeste é importadora de energia elétrica dos subsistemas
norte e sudeste, através do Sistema Interligado Nacional – SIN. A dependência
dessa região do suprimento de energia elétrica pura e simplesmente através
de linhas de transmissão é por demais arriscado e a coloca em situação de
grande desconforto, haja vista não se poder garantir uma confiabilidade de
100% nessa transmissão, tecnicamente impossível. Além disso, o espectro de
dependência de outros subsistemas se apresenta desfavorável quando pensado
sob o ponto de vista da escassez do recurso hídrico em nível nacional, como
acontecido em 2001 com a crise energética, o que poderia conduzir a um
150 | Estudo da indústria do gás natural e seu inter-relacionamento com o setor elétrico
na Bahia: perspectivas e potencialidades
privilégio das regiões mais desenvolvidas e industrializadas do país,
particularmente as regiões Sul e Sudeste, em detrimento das regiões menos
desenvolvidas.
Deve-se pensar na inserção do gás natural na matriz energética regional,
inclusive, e sobretudo, sob o viés do potencial de integração com sistema elétrico
da região. O modelo de complementação térmica é uma tendência mundial e
no Brasil deve ser melhor explorado, em especial nas regiões mais carentes em
recursos hídricos, a exemplo do Nordeste.
A Bahia se insere nesse contexto como estado de grande desenvolvimento
industrial e de grande tradição na utilização desse energético para fins
industriais. A prospecção e o desenvolvimento da indústria do gás natural
começou nesse estado e, em função disso, o mercado desse energético foi se
instalando progressivamente. Isso confere ao estado da Bahia a condição de
terceiro maior mercado de gás natural do país.
Considerando a conjunção desses fatores positivos, quais sejam tradição e
mercado, faz-se mister refletir sobre algumas possibilidades de integração entre
a indústria de gás natural e o setor elétrico regional. A possibilidade do
desenvolvimento de um mercado industrial de gás natural com consumo
interruptível parece ser bastante razoável, quando analisada sob a ótica da
complementaridade térmica. As térmicas, com base na previsibilidade hídrica,
venderiam o gás nos períodos em que não o utilizassem. Tal fato atenuaria o
efeito da rigidez da indústria do gás natural, o qual, em função do alto capital
investido, de natureza irrecuperável, impõe contratos de “take or pay” ou
“ship or pay”.
A co-geração figura também como uma possibilidade real e grande promessa,
quando analisada sob a ótica da racionalidade da utilização dos recursos naturais.
A Bahia, com um parque industrial de porte e diversificado, concentra ainda
melhores condições de explorar essa possibilidade. Paro et al (2004), em seu
estudo acerca da análise comparativa entre a geração termelétrica convencional
e a partir de co-geração, conclui que “sob o aspecto do aproveitamento
energético do gás natural, a utilização de sistemas de co-geração traz melhor
benefício global”. A atratividade econômica da utilização do gás natural, aliada
à co-geração, se mostra evidente, na medida em que eleva a eficiência
termodinâmica dos processos em que se insere e, portanto, deve ser sempre
lembrada quando se planeja a integração da indústria do gás e o sistema
elétrico. Paula e Sauer (2004), em seu estudo sobre a co-geração no setor
elétrico a partir de um plano de inserção incentivada do gás natural, apresenta
um potencial de inclusão no setor elétrico da região Nordeste de 5.878 MW de
capacidade de geração, em 2013, a partir da co-geração. Isso representaria
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 151
um incremento de aproximadamente 10,1 milhões de m3 por dia de gás natural
no consumo da região Nordeste. Para chegar ao montante potencial de
acréscimo na capacidade de geração instalada no país, através da co-geração,
tal estudo estratificou as contribuições de três setores potenciais: o setor industrial,
o setor sucroalcooleiro e o setor de serviços. Os resultados apontam o setor
industrial como maior contribuinte potencial para a co-geração em todas as
regiões do país. No caso específico da região Nordeste, a contribuição do setor
industrial representaria 85% do potencial de incremento na capacidade de
geração, através da co-geração, em 2013.
O estado da Bahia, como dito anteriormente, é pujante em seu parque industrial,
devendo, à luz dos dados que se apresentam, intensificar seus esforços no
sentido de fomentar, como política de Estado, cada vez mais a participação da
co-geração como possibilidade real de otimização de processos, com a utilização
ecologicamente eficiente dos energéticos disponíveis, em particular do gás
natural, o que implica a redução da vulnerabilidade elétrica do estado e, por
conseqüência, da região Nordeste. Uma particularidade desse estado, que amplia
as possibilidades de integração energética através da co-geração, embora em
proporções menores, é o crescimento acentuado do setor de serviços8. Segundo
Nascimento (2002, p. 79), “o setor de serviços foi o que mais cresceu na
economia baiana nas últimas duas décadas, com 3,6% de taxa geométrica
média anual, no período 1980/1990, e 2,5% no período 1990/2000. O consumo
comercial de energia elétrica (que envolve atividades similares às agregadas
no setor de serviços) respondeu a esse crescimento de forma ampliada: 6,2%,
entre 1980-2000”.
Esses dados demonstram que o potencial existente para integração da indústria
de gás natural e o setor elétrico, a partir da co-geração, na região Nordeste, e
em particular no estado da Bahia, não é pequeno. Considerando a capacidade
instalada atual, da região Nordeste, de 24.131 MW (BIG, 2005), o potencial
apresentado de incremento, através de co-geração, de 5.878 MW, representa,
aproximadamente, um quarto da capacidade de geração atual.
Considerações finais
As considerações apontadas no texto permitem concluir que a região Nordeste
do país, e em particular a Bahia, necessita ver concretizadas ações efetivas na
direção da ampliação da produção, processamento, transporte e distribuição
de gás natural. Os planos de investimento atualmente apresentados, com vistas
8
O Setor de Serviços inclui shopping centers, hospitais, hotéis, etc.
152 | Estudo da indústria do gás natural e seu inter-relacionamento com o setor elétrico
na Bahia: perspectivas e potencialidades
à consecução desses objetivos, não apenas devem ser viabilizados, como devem
ser ampliados. A escassez de recursos hídricos e a dependência de importação
de energia elétrica de outras regiões, através de linhas de transmissão, são
aspectos que merecem uma reflexão aprofundada acerca da vulnerabilidade,
riscos e limitação de crescimento econômico e social na região de menor PIB
per capita do país (MDIE, 2004). A entrada do gás natural, com maior vigor, na
matriz energética regional e estadual, certamente mitigará tais riscos, através
da sua utilização na geração termelétrica, segundo um modelo de
desenvolvimento diferenciado – de mercado secundário com consumo industrial
interruptível – assim como através da co-geração. A Bahia, por abrigar o maior
número de habitantes “sem luz” do país e, paradoxalmente, dispor de presença
industrial pujante, deve ter um compromisso assertivo, no sentido de não apenas
desenvolver a indústria do gás natural, mas integrá-la ao setor elétrico, o que
configura oportunidade ímpar de desenvolvimento regional.
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Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 155
156 | Desafios ao fortalecimento da cadeia do algodão: o caso da Região Oeste
9
DESAFIOS AO FORTALECIMENTO DA
CADEIA DO ALGODÃO: O CASO DA
REGIÃO OESTE1
Vera Spínola*
Marcelo Xavier**
Resumo
A Região Oeste é aquela de maior produção agrícola no estado da Bahia,
impulsionada pela cultura de grãos em grande escala: soja, milho e, mais recentemente, algodão, do qual o estado já se tornou o segundo produtor nacional.
No corrente artigo, faz-se um estudo do processo de expansão da cotonicultura
no Oeste e sua inserção no mercado nacional e internacional; apresentam-se
as possibilidades e entraves ao fortalecimento de sua cadeia produtiva em
nível local e estadual; discutem-se alternativas para a consolidação da cotonicultura nessa região, a fim de não se tornar apenas mais um ciclo agrícola.
Palavras-chave: Cotonicultura. Algodão. Bahia. Região Oeste. Cadeia Têxtil.
Abstract
The western region of the state of Bahia, Brazil, has reached the highest levels
of agricultural production, boosted by large-scale grain crops, such as soybeans,
corn, and, more recently cotton, of which the state has become the second
domestic producer. The current paper studies the process of expansion of the
cotton crop in the western region of the state of Bahia, as well as its
embeddedness in the domestic and international markets. It also presents the
possibilities and obstacles to its integration at local and state levels. The
alternatives to the development of the cotton crop in the western region of
Bahia state are discussed, aiming at preventing it from simply becoming one
more agricultural cycle.
Key-words: Cotton Crop. Cotton. Bahia. West. Textile Productive Chain.
1
Os autores agradecem a Adelaide Motta Lima, cujas reflexões contribuíram para o aprimoramento desse estudo.
*
Doutoranda em Administração pela UFBA; mestre em Economia pela UFBA; analista de
desenvolvimento da Desenbahia; professora da Unifacs. E-mail: [email protected]
**
Estagiário da Desenbahia e estudante do curso de graduação em Ciências Econômicas da
UFBA. E-mail: [email protected]
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 157
Introdução
Em 2004, o estado da Bahia alcançou a posição de segundo maior produtor
brasileiro de algodão, depois do Mato Grosso, superando Goiás. O vertiginoso
crescimento da cotonicultura se deu a partir de 1998, quando foi introduzida
no cerrado. De fato, o oeste da Bahia pode ser considerado, hoje, a maior
região exportadora do produto no Brasil, respondendo pela quase totalidade
dos US$ 60 milhões exportados pelo estado: sua produção, por hectare, é das
mais elevadas do país e seus produtores são organizados e mecanizados, além
de plantarem o algodão em rodízio com a soja e o milho.
No corrente artigo faz-se um estudo do processo de expansão dessa cultura na
Região Oeste, buscando entender como se dá sua inserção no mercado nacional
e internacional, suas fragilidades, suas possibilidades de verticalização e sua
diversificação na economia local e estadual. O estudo consta de cinco seções.
Após esta introdução, faz-se uma análise das características e principais
ramificações da cadeia do algodão. Em seguida, na terceira seção, apresentamse dados de produção e de mercado, em nível mundial e nacional.
Na quarta seção, a mais extensa, discorre-se sobre a cultura do algodão na
Região Oeste do estado da Bahia: evolução; estrutura empresarial e investimentos previstos nas diferentes atividades da cadeia produtiva dentro do estado;
destino da produção; composição de custo; logística de transporte; as atividades
de P&D, incluindo a atuação da Embrapa Algodão no desenvolvimento do
algodão colorido; e a questão dos transgênicos.
A cotonicultura do oeste tem semelhanças com o modelo de produção agrícola
referido por Couto Filho (2004) como “modelo produtivista”, caracterizado
pela busca contínua de aumento dos rendimentos físicos por hectare, com a
utilização intensiva de máquinas e equipamentos, de insumos químicos e de
sementes melhoradas geneticamente, para a produção em grande escala de
monoculturas de commodities. Também são características inerentes a esse
modelo a concentração fundiária, a desocupação da mão-de-obra e o uso
intensivo da terra.
À luz do referido modelo, nas considerações finais do corrente artigo, sintetizamse as vantagens e desvantagens do algodão cultivado em larga escala nas
grandes propriedades do oeste, alertando para a necessidade de se criarem
alternativas ao caminho produtivista.
Infere-se que a cotonicultura do oeste, se continuar focada na produção de
uma commodity agrícola apenas, corre o risco de se tornar mais um ciclo
agrícola, altamente vulnerável às oscilações da demanda externa.
158 | Desafios ao fortalecimento da cadeia do algodão: o caso da Região Oeste
Principais segmentos da cadeia produtiva do algodão
O algodão é cultivado em mais de 100 países, em área superior a 34 milhões
de hectares. Seu cultivo requer uma longa estação de crescimento, com muita
água e sol, e um período de estiagem na colheita, condições encontradas em
latitudes quentes subtropicais, seja no hemisfério norte ou sul. O algodoeiro é
uma planta de cultura delicada e bastante sujeita a pragas, além de grande
consumidora de desfolhantes, herbicidas e fungicidas.
Em 1 kg de algodão bruto, 35% a 40% equivalem à pluma, utilizada na
indústria têxtil, mais de 50% refere-se ao caroço e, o restante, a impurezas.
Com o caroço fabricam-se tortas e óleos, utilizados na produção de uma gama
de itens: sabões e cosméticos e comestíveis, a exemplo do óleo de fritar,
margarinas e chocolates, além do biodiesel.
Embora o algodão tenha múltiplas aplicações, sua principal utilização está na
indústria têxtil, onde os maiores concorrentes são as fibras químicas: algumas
análises indicavam uma tendência de aumento da demanda pela fibra sintética
de poliéster (PANORAMA SETORIAL, 2005), devido ao menor custo desta. No
entanto, a alta dos preços do petróleo repercutiu no aumento de preço do
poliéster e, em contrapartida, na tendência de expansão do consumo de algodão.
Distingue-se, como principais elos da cadeia têxtil: a cultura do algodão; seu
beneficiamento primário, que consiste em separar o caroço da pluma; a
produção de fios e fibras a partir da pluma; a fiação e fabricação de tecidos; e
a indústria de confecções, incluindo malharia e vestuário. Apesar da cadeia
têxtil e de confecções se caracterizar pela diversidade, sendo cada elo constituído
por um número relativamente alto de segmentos, existe uma elevada
concentração industrial na produção de fibras e filamentos, onde atuam poucas
e grandes empresas. Segundo Santos (2005), o produtor do algodão em pluma
está sujeito a um oligopsônio, dominado pelos grandes compradores produtores
de fios, fibras e tecidos, dentre os quais se destacam a Coteminas, a Vicunha
e a Santista, em nível nacional.
À medida que se aproxima do final da cadeia (produção de artigos de confecção),
o número de estabelecimentos cresce significativamente, mas o porte da
empresa decresce. É possível se inferir que o poder de barganha dos produtores
de confecções é limitado pelos interesses dos seus fornecedores, os produtores
de tecidos.
Em se tratando do aproveitamento do caroço do algodão, constatou-se que
parte é consumida in natura, ou em farelo, na alimentação de bovinos. O
restante é destinado a empresas de esmagamento para a produção de óleo,
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 159
de farelo e de línter – fibra que sobra no caroço após a retirada da pluma. O
óleo obtido do caroço do algodão é também utilizado para a produção de
biodiesel, semelhante à soja, ao milho, à colza, à mamona, ao girassol e a
outras culturas.
Mercado mundial e brasileiro
Algumas estatísticas do mercado mundial
As estatísticas do período 2004/2005 indicam que a produção mundial de
algodão ultrapassa 24 milhões de toneladas e é dominada por três produtores:
a China, com 6,423 milhões de toneladas; os Estados Unidos, com 4,909 milhões
de toneladas; e a Índia, com 3,092 milhões de toneladas. O Brasil aparece na
quinta posição, depois do Paquistão, de acordo com o relatório de janeiro de
2005 do United States Department of Agriculture – USDA (PANORAMA
SETORIAL, 2005). Agentes do setor avaliam que o Brasil, em poucos anos,
deve se tornar o terceiro maior produtor de algodão do mundo, posto que o
seu volume de produção tende a dobrar em dez anos.
O excedente mundial exportável atinge 7,0 milhões de toneladas, sendo que
os EUA, a África e a Ásia Central representam 65% das exportações mundiais.
Os EUA lideram as exportações, com 2,722 milhões de toneladas. Os principais
mercados importadores estão na Ásia, liderados pela China, seguida da
Indonésia, Tailândia e Bangladesh. A China, maior produtor e maior importador
da matéria-prima, com 1,687 milhão de toneladas, é também o maior
consumidor. Estima-se que o país asiático tenha consumido 7,838 milhões de
toneladas na safra 2004/2005, à frente da Índia, com 3,092 milhões de toneladas.
A demanda de algodão no comércio internacional também está em expansão,
mas não em igual ritmo da produção. A expectativa é de aumentar de 21,447
milhões de toneladas (98,506 milhões de fardos), na safra 2003/2004, para
22,411 milhões de toneladas (102,931 milhões de fardos) na safra 2004/2005.
O crescimento no período equivaleria a 4,5% (PANORAMA SETORIAL, 2005).
Mercado brasileiro
A projeção de uma promissora evolução do setor algodoeiro, na agricultura do
Brasil, é baseada na recente trajetória de recuperação do mercado nacional.
Após a interrupção no desenvolvimento da cultura, ocorrida principalmente
nos primeiros anos da década de 1990, a atividade reverteu seu fraco
desempenho para um ritmo mais vigoroso, a partir dos anos 2000, como
comprovam os dados da Tabela 1.
160 | Desafios ao fortalecimento da cadeia do algodão: o caso da Região Oeste
TABELA 1
PRODUÇÃO BRASILEIRA DE ALGODÃO (1990-2003)
(EM TONELADAS MÉTRICAS)
Estados
Mato Grosso
Bahia
Goiás
São Paulo
Mato Grosso do Sul
Minas Gerais
Paraná
Outros
Brasil
2000
1.002.836
132.675
254.476
148.230
127.839
99.743
125.444
115.859
2.007.102
2001
1.525.376
170.092
326.150
166.219
169.425
69.760
174.771
41.731
2.643.524
2002
1.141.211
179.971
301.255
154.200
154.105
90.588
84.432
60.252
2.166.014
2003
1.065.779
276.360
305.187
167.000
159.060
85.914
71.720
68.248
2.199.268
2004
1.884.315
704.163
469.794
224.700
187.296
134.966
89.945
103.075
3.798.254
Fonte: IBGE/PAM – Produção agrícola municipal. Elaboração própria.
Nas décadas de 1980 e 1990, a cotonicultura brasileira passou por três momentos
que desgastaram a atividade no mercado nacional: iniciou com a incidência da
praga do bicudo, ao longo dos anos 80, que dizimou plantações; depois, no
início dos anos 90, houve a abertura comercial, que contribuiu para a substancial
entrada de produtos têxteis; e, finalmente, a política cambial do Plano Real,
adotada pelo governo Fernando Henrique Cardoso, que reduziu acentuadamente a competitividade do agricultor (PANORAMA SETORIAL, 2005). A
fase de recuperação do setor veio com a mudança do regime da política
monetária, em 1999, através da implantação do sistema de câmbio flutuante.
Não obstante a melhora das condições internas, entre 2001/2002 houve uma
retração do cultivo do algodão, motivada pela redução dos preços internacionais,
devido a uma supersafra mundial no período. A valorização das cotações das
demais commodities, por sua vez, também desestimulou a ampliação das
plantações de algodão: os agricultores optaram pelo aumento das lavouras de
soja, influenciados pelo menor custo de produção, pelos preços atraentes e
pela alta liquidez da comercialização (PANORAMA SETORIAL, 2005). O
crescimento no cultivo de algodão foi retomado a partir da safra 2003/2004.
No que se refere ao número de produtores e tamanho das propriedades, o
estado do Mato Grosso, maior produtor nacional, abriga milhares de pequenos
produtores com menos de cinco hectares, embora seja possível encontrar
propriedades com mais de 10.000 ha. Na Bahia, as grandes propriedades caracterizam a produção do oeste e, as pequenas, do sudoeste.
O incremento da atividade da cultura do algodão, a partir de 2000, também
contou com as mudanças tecnológicas ocorridas no agronegócio do Brasil, que
permitiram o aumento da produtividade e o surgimento da cotonicultura moderna, especialmente em Mato Grosso, Bahia e Goiás (PANORAMA SETORIAL,
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 161
2005). De fato, o deslocamento da cultura do algodão para a região do Cerrado
favoreceu a produção mecanizada em maior escala.
Um aspecto tecnológico relevante é que a aproximação da lavoura do algodão
à cultura da soja viabilizou que uma se tornasse complementar à outra, num
movimento de rotatividade. Com efeito, a cultura da soja é economicamente
menos exigente que a do algodão e ainda deixa o solo com resíduos significativos
de nutrientes para o plantio do algodão. Este, por sua vez, viabiliza retornos
mais atraentes para o produtor, em função dos preços mais elevados da
mercadoria. Assim, em algumas regiões, onde é possível semear soja precoce
nos meses de setembro e outubro, permite-se a plantação de algodão a partir
de janeiro, em tempo de aproveitar os períodos de chuvas e obter fibras de
melhor qualidade (PANORAMA SETORIAL, 2005).
Em termos de preços, estima-se que, no ano de 2005, com o aumento da
produção norte-americana e a queda das cotações internacionais, as commodities
tenham tido um desempenho mais contido que o observado em 2004.
Comparando-se os preços do algodão em pluma, no primeiro trimestre de
2004, de US$ 1,45 mil/ton a US$ 1,60 mil/ton, com os operados na Bolsa de
Nova York no final do mesmo ano, na casa de US$ 1,018 mil/ton, constata-se
essa tendência de queda (PANORAMA SETORIAL, 2005).
Na Tabela 2 destacam-se as principais categorias de produtos de algodão
exportadas pelo Brasil, no período de 2000 a 2004.
TABELA 2
EXPORTAÇÕES DOS PRINCIPAIS PRODUTOS DA CADEIA DO ALGODÃO – BRASIL
US$ 1.000 FOB – 2000/2004
Produtos da Cadeia do Algodão
2000
2001
Algodão não cardado
31.930 152.835
Tecidos de algodão de diferentes tipos 156.795 193.350
Fios de algodão de diferentes tipos
39.602 32.545
Demais produtos
34.559 31.252
Total
262.887 409.982
2002
2003
2004
92.055 186.974 404.734
158.821 210.459 228.830
46.710 87.747 61.481
26.089 47.470 57.853
323.675 532.649 752.899
Participação %
2000 2004
12,15 53,76
59,64 30,39
15,06
8,17
13,15
7,68
100,00 100,00
Fonte: Secex – Secretaria de Comércio Exterior MDIC/Promo – Centro Internacional de Negócios da Bahia.
Elaboração UEP/Desenbahia.
Observando a coluna relativa às exportações em 2004, verifica-se uma grande
concentração (53,76%) nas exportações de algodão em estado primário. Se
contrapostos, porém, os dados de 2004 aos referentes ao período 2000/2003,
percebe-se que a concentração das vendas de algodão em estado primário é
uma tendência mais recente e que vem se acentuando ano a ano. Em 2000,
apenas 12,15% das exportações eram de algodão não cardado; em 2001, a
162 | Desafios ao fortalecimento da cadeia do algodão: o caso da Região Oeste
parcela desse produto menos beneficiado contabilizou 37,28%; em 2002, foi
de 28,44%; chegando, em 2003, a pouco mais de 35%. É possível se inferir,
assim, que o incremento da produção brasileira de algodão está viabilizando
uma exportação maior do produto, mas pouca agregação de valor tem sido
realizada à mercadoria exportada.
Como na maioria dos produtos agrícolas, as exportações brasileiras de algodão
enfrentam barreiras tarifárias e não-tarifárias. Em junho de 2004, o Brasil
conquistou uma vitória na OMC, com a condenação dos subsídios do governo
dos Estados Unidos a seus produtores de algodão: a OMC reconheceu que os
subsídios vinham deprimindo os preços das commodities e determinou que os
EUA retirassem os subsídios ao algodão até 1° de julho de 2005 (PANORAMA
SETORIAL, 2005).
Segundo Beltrão (2004), os produtores norte-americanos estocaram o produto
até a retirada dos subsídios, contribuindo para a queda brusca dos preços
internacionais, estimada em 9% entre julho e agosto de 2005. Em conseqüência,
alguns produtores brasileiros declararam que os preços inviabilizavam o plantio
(AGRICULTOR..., 2005). Um levantamento da Companhia Nacional de
Abastecimento – Conab, mostrou que, a preços de agosto de 2005, enquanto
a soja possibilitaria uma rentabilidade de 23,9%, o algodão viabilizaria apenas
4,1% sobre o custo variável de produção. Além disso, como já mencionado, a
cultura da soja demanda menos adubos que a do algodão, o que torna o
desembolso inicial, por parte do produtor de soja, menor que o investimento a
ser realizado pelo produtor de algodão.
Os altos estoques e as cotações menores também reduziram a disposição dos
agricultores brasileiros de investir em algodão para a safra de 2006. O IBGE
prevê reduções de 24,14% na colheita (2,8 milhões de toneladas) e de 28,07%
na área plantada (SOARES, 2005).
A cultura do algodão na Região Oeste do estado da Bahia
Sua evolução
A Região Oeste da Bahia, composta por 23 municípios e com cerca de 20% do
território do estado, exibiu, nos últimos anos, uma excepcional evolução no
que se refere à atividade agrícola. Na safra de 2003/2004, foi responsável por
62% da soja, cerca de 90% do algodão, 27% do milho e 6% das frutas
produzidas no Nordeste.
A cultura do algodão ocupava cerca de 14% da área plantada na safra agrícola
do oeste baiano, em 2004/2005, ficando atrás somente da área destinada à
soja (58%) e ultrapassando a do milho (8%), de acordo com estimativas da
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 163
Associação dos Agricultores e Irrigantes da Bahia – Aiba. Na safra 2004/2005,
houve um aumento de 35% da quantidade produzida, em relação à de 2003/
2004, que já registrava um incremento de 147% em relação à da safra anterior.
Trata-se da produção que mais cresce entre os grãos do oeste (DIAS, 2004),
permitindo ao estado ocupar o posto de segundo maior produtor nacional em
2004. Do volume total de algodão produzido na Bahia, 85% se localiza no
oeste e 15% no sudoeste baiano.
No oeste da Bahia, a primeira colheita significativa de algodão ocorreu na
safra de 1997/1998. Adotou-se, então, um novo sistema de manejo e mecanização, já empregado no Mato Grosso: foi introduzida a variedade Delta Opal,
hoje responsável por 90% da produção do oeste e de cerca de 70% da produção
do estado (ANUÁRIO BRASILEIRO DO ALGODÃO, 2005a). Antes, a produção
de algodão do estado era realizada principalmente no sudoeste, nos municípios
de Guanambi, Brumado e Caetité. O Gráfico 1 evidencia o momento de
introdução da cultura na Região Oeste, revelando como a produção total do
estado se comportou após seu ingresso na cultura do algodão.
Gráfico 1
Total da produção de algodão na Bahia (em mil toneladas)
900
800
700
600
500
400
300
200
100
-
90/91 91/92 92/93 93/94 94/95 95/96 96/97 97/98 98/99 99/2000 00/01 01/02 02/03 03/04 04/05
Fonte: Conab.
Até os meados da década de 1990, a produção baiana de algodão sofreu pequenas
oscilações, típicas de uma commodity. Entre a safra de 1993/1994 e de 1997/
1998, a trajetória foi decrescente, caindo de 133 mil toneladas para, apenas,
37,8 mil toneladas colhidas. A inflexão começa na safra de 1998/1999, com um
pequeno aumento para 42,3 mil toneladas: daí em diante a lavoura se expandiu
geometricamente no oeste, em particular na última safra, ultrapassando 700 mil
toneladas. O principal município na produção de algodão é São Desidério, com
45% da produção baiana e 8% da nacional (SANTOS, 2005).
A evolução da área plantada corrobora o comportamento da produção de algodão
no período. Houve um decréscimo acentuado até a safra de 1997/1998, pontuado
164 | Desafios ao fortalecimento da cadeia do algodão: o caso da Região Oeste
por recuperações conjunturais. A queda mais significativa ocorreu entre as safras
de 1996/1997 e 1998/1999, quando o plantio caiu em 70%. A situação se
inverteu nos anos seguintes, aumentando expressivamente a partir da safra de
2002/2003. Na última safra, de 2004/2005, houve um crescimento de 18% da
plantação em relação à anterior, ultrapassando os 200 mil hectares plantados na
Bahia, o que representa mais de 2,3 vezes a área plantada de algodão nos
demais estados nordestinos (PANORAMA SETORIAL, 2005).
Entre 2003 e 2005, o aumento do produto médio por hectare, no estado, foi de
4,5%, passando de 3.300 kg/ha para 3.450 kg/ha. A Região Oeste obteve um
resultado mais representativo, com uma produção média de 3.724 kg/ha. Esse
resultado pode ser atribuído aos maciços investimentos na mecanização, que
levaram ao aumento da produtividade e à ampliação da área plantada.
Estrutura empresarial e investimentos previstos
Enquanto, no sudoeste do estado, estima-se que existam cerca de 15.000
produtores com propriedades de até 10 hectares, no oeste predominam as grandes
propriedades, em número de aproximadamente 150, com áreas a partir de 1.000
hectares, sinalizando uma concentração fundiária, típica do modelo produtivista.
Desses, 144 são associados à ABAPA – Associação Baiana dos Produtores de
Algodão, e cultivaram cerca de 210 mil hectares na safra de 2004/2005: contudo,
prevê-se a redução da área plantada, em 2005, devido à tendência de queda do
preço internacional no período. Calcula-se que, de forma geral, a atividade gere
em torno de 8.000 empregos na região (ABAPA, 2005).
Considerando a Região Oeste como um todo, existem 58 algodoeiras, onde se
dá o beneficiamento primário, ou seja, a separação da pluma do caroço. Cada
uma delas gera, aproximadamente, 50 empregos diretos (SANTOS, 2005). No
município de Luís Eduardo Magalhães, há duas pequenas esmagadoras de
caroço, a Taje e a Xavier, produtoras de torta utilizada para ração animal. No
sudoeste, no município de Guanambi, encontram-se mais duas pequenas esmagadoras de caroço.
A única empresa de fiação da região, a Algofio, localiza-se no município de
Urandi, fronteira com o estado de Minas Gerais, com investimento estimado
em R$ 20 milhões. A empresa está em processo de ampliação, com a produção
quase toda vendida para o estado de Santa Catarina. Seu maior gargalo é a
escassez de energia, cujo custo atinge cerca de R$ 50 mil/mês (LEDO, 2005).
Atualmente, no oeste, embora não se verifique qualquer aglomerado têxtil ou
de confecção, em se tratando de outros aproveitamentos do algodão, em agosto
de 2005 foi inaugurada uma refinaria de óleos vegetais em Juazeiro, do grupo
cearense Icofort, com capacidade para produzir 1,8 mil toneladas de óleo de
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 165
algodão e 2 mil toneladas de óleo de soja por mês. O grupo já contava, desde
1999, no próprio município de Juazeiro, com uma fábrica de extração de óleo
bruto de algodão, que era vendido para outras empresas, e que passou a
abastecer a nova refinaria. Embora seu foco principal seja o mercado interno,
particularmente o Nordeste, a Icofort Agroindustrial pretende exportar óleos
semi-refinados e refinados de algodão (ICOFORT..., 2005).
De acordo com informações do prefeito de Luís Eduardo Magalhães, Oziel
Oliveira, prevê-se a implantação de uma empresa de fiação nesse município,
pertencente ao grupo Mota e Fernandes do Brasil, de origem portuguesa. Seu
protocolo de intenção foi assinado junto à Secretaria de Indústria, Comércio e
Mineração do Estado da Bahia (OLIVEIRA, O., 2005).
Por sua vez, em novembro de 2004, também foi assinado um protocolo para
implantação, em Barreiras, da fiação de algodão Confecções Oeste da Bahia,
com um investimento de R$ 3 milhões e geração de 42 empregos diretos
(SICM, 2005).
O maior projeto agroindustrial previsto para a região é o do grupo francês
Dagris, que deverá cultivar algodão em áreas da Codevasf, implantar uma
unidade de processamento de óleos vegetais e outra de produção de biodiesel.
As obras da unidade multiuso para a produção de óleos vegetais serão iniciadas
no final de 2006, também no município de Luís Eduardo Magalhães. O
investimento total do projeto integrado é calculado em 40 milhões, gerando,
estimadamente, 250 empregos industriais diretos (AGECOM, 2005). Pretendese trabalhar com a produção de caroços de algodão, proveniente tanto da
agricultura intensiva como daquela originária de pequenos agricultores,
fomentando a agricultura familiar e o cooperativismo.
Dentre os protocolos firmados entre a SICM e os grupos empresariais com
intenção de investir na Região Oeste, destaca-se ainda a Mill Indústria de
Alimentos, voltada à produção de derivados do milho, no município de Luís
Eduardo Magalhães, e a AJS Grãos e a Bahia Oeste Indústria, ambas produtoras
de óleos vegetais, a serem implantadas em Barreiras (SICM, 2005). Ressaltase, contudo, que a assinatura de um protocolo de intenção não implica,
necessariamente, a concretização do empreendimento.
A Vicunha Têxtil, uma das maiores empresas de fiação do país, também firmou
um protocolo de intenção para a implantação de uma produtora de fios de
algodão no Centro Industrial de Aratu – CIA, município de Simões Filho, Região
Metropolitana de Salvador (RMS). Sua entrada em operação é prevista para
2006, com um investimento de R$ 87 milhões e geração de 300 empregos
diretos. Seu foco comercial será o mercado interno (OLIVEIRA, A., 2005).
166 | Desafios ao fortalecimento da cadeia do algodão: o caso da Região Oeste
O projeto da Vicunha integrará o pólo têxtil a ser implantado em Camaçari,
que produzirá tanto fibras naturais quanto sintéticas, sob a liderança da Braskem,
que garantirá a fabricação do insumo utilizado na indústria de fiação, o ácido
tereftálico purificado (PTA), cuja matéria-prima, o paraxileno, já é produzida
no Pólo de Camaçari. O investimento do pólo têxtil, previsto na carta-consulta
em tramitação no BNDES, é da ordem de US$ 1 bilhão. Estima-se que diferentes
tecelagens sejam atraídas para a RMS pela garantia de suprimento de fibras
têxteis e, a jusante, empresas de confecções, completando, assim, os elos da
cadeia produtiva (CASTANHEIRA, 2005).
A título de curiosidade, é interessante lembrar que, no século XIX, a Bahia foi
um grande produtor de tecidos do país. A Valença Têxtil, localizada na região
do Litoral Sul, a quase 300 km de Salvador, foi fundada em 1844 e chegou a
ser responsável por 35% da produção no período imperial. Na segunda metade
do século XX passou por grandes dificuldades e atualmente é controlada pelo
grupo empresarial Troller, de origem cearense, que modernizou suas técnicas
de produção e gestão: atualmente fabrica mais de um milhão de metros de
tecido por mês, além de gerar cerca de 400 empregos diretos.
Destino da produção
Segundo informações dos próprios produtores, o mercado brasileiro absorve
70% da produção de algodão do oeste baiano. Na região Nordeste são
comercializadas 70% das vendas destinadas ao mercado interno (90% no estado
do Ceará e, o restante, nos outros estados, com destaque para Paraíba); os
30% remanescentes vão para São Paulo, Santa Catarina e Minas Gerais. Por
conseguinte, menos de 5% são beneficiados no próprio estado.
Enquanto o beneficiamento da pluma é realizado, em grande parte, no estado
do Ceará, o caroço é vendido para outros estados ou comercializado como
ração no mercado local, segundo Ledo (2005). Estima-se que o mercado externo
seja destino de 30% da produção do Oeste, que se tornou a maior região
exportadora de algodão do Brasil. O estado da Bahia já exporta mais que o
Mato Grosso: em 2004, as vendas externas dos produtos de algodão do estado
totalizaram US$ 60,2 milhões (Tabela 3), representando 7% das exportações
do Brasil (US$ 752,9 milhões). O principal destino é o sudeste asiático e seu
maior concorrente é o algodão australiano. As exportações se concentram no
material em estado primário (99,99%) e não incluem fios ou tecidos. Nota-se
que os valores FOB mais que triplicaram de 2003 a 2004, com aumento do
volume exportado de 11,3 mil para 32,9 mil toneladas.
Segundo Santos (2005), a exportação é a melhor opção para o algodão do
oeste, porque, no mercado interno, os preços são controlados por poucas e
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 167
grandes empresas de fiação. Além disso, as transações de comércio exterior
têm acesso a linhas de crédito com juros mais baixos, e, geralmente, são
negociadas no mercado a termo, protegidas pelas operações paralelas de hedge.
TABELA 3
EXPORTAÇÕES DOS PRINCIPAIS PRODUTOS DA CADEIA DO ALGODÃO – BAHIA
US$ 1.000 FOB – 2000/2004
Produtos da Cadeia do Algodão
2000
2001
2002
2003
2004
Algodão não cardado - diferentes tipos
Tecidos e Fios de algodão
Total
8.298
0
8.298
27.216
104
27.320
11.180
185
11.365
18.061
74
18.135
60.294
5
60.299
Part. BA
2004 %
99,99
0,01
100,00
Fonte: Secex – Secretaria de Comércio Exterior MDIC/Promo – Centro Internacional de Negócios da Bahia.
Elaboração UEP/Desenbahia.
Se acrescido, a essa explicação, a constatação de que o produto exportado é
de baixo valor agregado, tratando-se, portanto, de uma commodity, cujos preços
são determinados pelo mercado internacional, percebe-se a vulnerabilidade
do produtor diante dos seus principais mercados compradores, problema típico
da atividade primário exportadora.
Custo, preço e competitividade
Em linhas gerais, os produtores estimam que seus custos estejam distribuídos
de acordo com os itens da Tabela 4. Quase 50% do custo de produção do
algodão provêm de fertilizantes e defensivos agrícolas, grande parte importada.
TABELA 4
PLANILHA DE CUSTOS DE PRODUÇÃO DE ALGODÃO
Descrição
Fertilizantes
Defensivos agrícolas
Gastos com Pessoal Fixo
Energia Elétrica
Depreciação de equipamentos
Serviços Terceirizados
Demais custos operacionais
%
20
25
10
7
10
10
18
Fonte: Santos (2005). Elaboração própria.
Os principais equipamentos utilizados na produção são importados, a exemplo
da colheitadeira e da máquina separadora, esta última facilmente adquirida
de fabricante nacional.
168 | Desafios ao fortalecimento da cadeia do algodão: o caso da Região Oeste
É importante registrar que o patamar da taxa de câmbio interfere sobremaneira
na rentabilidade do negócio. No momento, por exemplo, os produtores alegam
que houve queda de rentabilidade por conta da valorização do real: compraram
insumos importados quando a taxa de câmbio era R$ 3,0/US$ e, no último
trimestre de 2005, exportavam seu produto a uma taxa de R$ 2,20 a 2,30/US$.
De acordo com a ABRAPA – Associação Brasileira dos Produtores de Algodão,
os produtores estão enfrentando custos e juros igualmente elevados. Para
agravar, os preços estão em queda, devido a uma superprodução da safra
brasileira. Por isso, os produtores goianos ameaçam reduzir a área plantada
para a próxima safra, caso o governo não defina uma política para o setor que
garanta um preço mínimo de mercado.
Avaliando a produção do algodão em pluma, nota-se que a produtividade
média nacional da safra 2004/2005 foi estimada em 1.190 kg por hectare
(ANUÁRIO BRASILEIRO DO ALGODÃO, 2005b). O melhor desempenho será o
da produção mato-grossense, cuja produtividade deverá alcançar 1348 kg/ha.
Logo atrás virá a Bahia, firmando o segundo melhor índice de produtividade,
com 1.344 kg de pluma por hectare. Estima-se que, no oeste, esse indicador
chegue a 3.900 kg por hectare (ANUÁRIO BRASILEIRO DO ALGODÃO, 2005a).
Vale lembrar que a busca contínua pelo aumento dos rendimentos físicos, por
hectare, como ocorre no oeste, é inerente ao modelo produtivista.
O potencial da Região Oeste para a cultura do algodão é inequívoco, haja vista
o crescimento substantivo da atividade em curto espaço de tempo. No entanto,
a Abrapa não acredita que o algodão ameace a hegemonia da soja na região
(DIAS, 2004), que ainda continuará ocupando a maior parte da área plantada.
Para corroborar, há o fato de que os custos de entrada (iniciação da produção)
da soja são bem menores que os do algodão.
De fato, os custos da lavoura de algodão, em virtude do elevado grau de
mecanização, estão acima dos custos das demais culturas da região, algo em
torno de US$ 1.400 por hectare. Apenas a título de comparação, a área plantada
com soja tem um custo de US$ 400 por hectare. Contudo, o algodão possui
um retorno líquido bem maior, cerca de US$ 500/ha, enquanto a rentabilidade
da soja varia entre US$ 100/ha a US$ 200/ha (DIAS, 2004).
A explicação para a expansão da cotonicultura baiana reside na elevada
qualidade da pluma do algodão, superior à do Mato Grosso, segundo Herald
Brunckhorst, diretor da agropecuária Maeda. O produto local permite obter
uma fibra mais longa e resistente, o que é um diferencial traduzido em preços
maiores (DIAS, 2004). Foi assim que os cotonicultores baianos conseguiram
negociar 100 mil toneladas da safra de 2005, ainda na colheita de 2004
(PANORAMA SETORIAL, 2005a).
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 169
O diferencial de qualidade do algodão é atribuído às condições climáticas do
oeste, consideradas ideais para a cultura, com precipitações bem distribuídas
no período de plantio e sem chuvas na época da colheita, além da alta
luminosidade. “Estas características climáticas proporcionam a homogeneidade
da cor branca, que é uma vantagem competitiva em relação ao produto do
Mato Grosso”, comenta Santos (2005). Ademais, a região, localizada entre a
Serra Geral e o Rio São Francisco, possui uma topografia plana, o que facilita a
mecanização das lavouras (ANUÁRIO BRASILEIRO DO ALGODÃO, 2005a). Santos
(2005) acrescenta que o associativismo entre os empresários contribui para
reforçar a competitividade.
Com vistas a recuperar uma parcela do mercado de fibras têxteis, não deixando
o consumo de algodão perder mais espaço para outras fibras químicas, as
associações de produtores de algodão tentam desenvolver estratégias de
fidelização do consumidor, além do desenvolvimento de novos usos para o
produto. No V Congresso Brasileiro de Algodão, ocorrido em Salvador, em
setembro de 2005, algumas propostas foram levantadas, como a de criação de
um selo, identificando a matéria-prima utilizada, e a divulgação massiva da
idéia de que o algodão é sinônimo de conforto e durabilidade, além de se
tratar de um produto biodegradável.
Logística
Toda a produção de algodão sai, embalada em fardos, para os portos de Salvador,
Vitória e Santos. A carga destinada ao Nordeste, que representa 70% das
vendas no mercado interno, geralmente parte dos municípios de Barreiras ou
Ibotirama, pela rodovia BR-242, em direção a Itaberaba e Paulo Afonso e, daí,
é escoada para toda a região.
Na visão de Riva et al (2003), a implantação de um sistema de transporte
multimodal é a melhor solução para o escoamento da produção do oeste,
aproveitando e adaptando a infra-estrutura já existente. O primeiro passo seria
a revitalização da navegação no rio São Francisco que, hoje, em escala comercial,
está restrita apenas ao trecho de 610 km de extensão, de Ibotirama a Juazeiro/
Petrolina (SEPLAN, 2005). Em linhas gerais, a trajetória do sistema de transporte
multimodal teria início nas estradas que conectam as zonas produtoras do
oeste com a rodovia BR-242, através da qual se transportariam cargas em
direção ao portal da hidrovia, que poderia se localizar em Ibotirama ou Muquém
do São Francisco.
Na visão de alguns produtores (SANTOS, 2005), contudo, a desvantagem do
transporte multimodal são os transbordos. Oliveira (2005) aponta, como melhor
solução, a construção de uma ferrovia ligando a Região Oeste ao complexo
portuário da Baía de Todos os Santos.
170 | Desafios ao fortalecimento da cadeia do algodão: o caso da Região Oeste
A infra-estrutura portuária, por outro lado, tem sido incapaz de suprir a demanda
por armazéns. Santos (2005) aponta a precariedade dessa estrutura no estado
da Bahia como o principal problema logístico: pondera que tem sido mais fácil
exportar algodão pelo porto de Santos.
Os melhoramentos de logística poderão contribuir para um maior adensamento
da cadeia do algodão no oeste, já que a facilidade de acesso ao mercado
consumidor parece ser fator determinante para a instalação de empresas de
beneficiamento na cadeia têxtil, a exemplo da Corduroy Suape Têxtil. Sua
posição de terceiro maior fabricante de veludo do mundo é atribuída à decisão
estratégica de transferir parte da produção de São Paulo para o Porto de Suape,
em Pernambuco. Por estar mais próxima dos Estados Unidos e da Europa, a
empresa passou a atender aos pedidos internacionais em apenas vinte dias,
três vezes mais rápido que seus concorrentes asiáticos (PETRY, 2005).
Infelizmente, nas condições atuais, a facilidade de acesso aos mercados não é
característica da região oeste.
Pesquisa e desenvolvimento
No Brasil, o desenvolvimento tecnológico da cultura do algodão é apoiado pela
Embrapa Algodão, instituição vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária
e Abastecimento.
Através de mutação genética, a Embrapa Algodão desenvolveu uma variedade
cuja pluma já nasce colorida, nas cores creme, marrom, verde e, mais recentemente, vermelha. A fibra colorida pode representar uma redução de custos
para a indústria têxtil, pois o processo de tingimento representa de 25% a 30%
do custo final do produto têxtil. Na visão de Beltrão e Cardoso (2004), a produção
de algodão colorido é uma oportunidade para os pequenos produtores do
Nordeste. Políticas setoriais têm estimulado sua expansão no estado da Paraíba.
Resistente à seca e menos poluente, por não precisar de tingimento artificial,
nem desbotar, o valor de mercado do algodão colorido é 30% superior ao
tradicional (PANORAMA SETORIAL, 2005): trata-se de um bem produzido em
pequena escala, cuja demanda é ainda muito limitada.
Embora, no laboratório da Embrapa do município de Luís Eduardo Magalhães,
se façam experimentos para medir a qualidade da fibra colorida, não se verificou
interesse dos produtores da Região Oeste pela nova alternativa: por ser voltado
a nichos de mercado, seu cultivo é mais adequado para pequenos produtores.
Assim, há expectativas de que esse tipo de cultura seja adequado à realidade
do sudoeste do estado. Aponta-se, ainda, como alternativa à cotonicultura em
pequena escala, o plantio de algodão de fibras extralongas, que o Brasil importa
(ANUÁRIO BRASILEIRO DO ALGODÃO, 2002, apud BELTRÃO; CARDOSO, 2004).
Revista Desenbahia nº 4 / mar. 2006 | 171
A Embrapa também está desenvolvendo uma variedade de algodão transgênico,
agregado a uma enzima capaz de matar o bicudo, ainda não disponível no
mercado. Suas pesquisas começaram na primeira metade da década de 1980,
quando o inseto, que tem grande capacidade reprodutiva, dizimou boa parte da
lavoura nacional. O foco do trabalho, realizado pelo Laboratório de Regulação
Gênica da Embrapa Biotecnologia e Recursos Genéticos, em Brasília (DF), é evitar
o uso acentuado de produtos químicos, a exemplo de inseticidas, que elevam o
custo de produção e agridem o meio ambiente (PANORAMA SETORIAL, 2005).
Para os membros da Abrapa, o cultivo do algodão transgênico pode trazer
impactos positivos para a indústria têxtil nacional, contribuindo para a redução
dos custos da matéria-prima. De acordo com representantes da Aiba, a liberação
da produção do algodão transgênico reduz o uso de inseticidas e,
conseqüentemente, o custo de produção (HERMES, 2005a). Além disso, os
transgênicos possibilitam uma diminuição de gastos com combustíveis,
maquinário e mão-de-obra, e a redução da alocação de capital para o controle
de pragas (ALGODÃO..., 2004).
A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio aprovou, em março
de 2005, o cultivo e a comercialização do algodão Bollgard, desenvolvido pela
Monsanto, resistente às principais pragas da lavoura algodoeira: a lagarta-damaçã, o curuquerê do algodoeiro e a lagarta rosada.
No final de 2005, o Ministério da Agricultura definiu os municípios brasileiros
autorizados a plantar algodão transgênico e, também, as zonas excluídas desse
cultivo. À exceção de municípios da Região Norte do estado da Bahia, os demais
poderão plantar a variedade transgênica. “Trata-se de uma vitória dos produtores
brasileiros”, comentou Walter Horita, presidente da Abapa (HERMES, 2005a).
No entanto, o uso de transgênicos não é consenso. Os principais argumentos
contrários são: a atual dificuldade de avaliar se afetam ou não a saúde e o
meio ambiente; o risco de não se ter mais uma espécie pura, sem mistura com
grãos geneticamente modificados; a maior dependência dos produtores em
relação a um menor número de fornecedores de sementes; e os produtos e
serviços agregados ao pacote tecnológico, que podem aumentar o custo e
reforçar o aprisionamento tecnológico ao fornecedor.
Considerações finais
As vantagens comparativas naturais da Região Oeste, aliadas à organização
dos produtores, colocaram a Bahia na posição de segundo maior produtor
brasileiro de algodão.
A cotonicultura do oeste concentra-se na produção de matéria-prima com poucas
atividades de beneficiamento. A indústria a jusante na cadeia têxtil – fiação,
172 | Desafios ao fortalecimento da cadeia do algodão: o caso da Região Oeste
tecelagem e confecção – geralmente localiza-se mais próxima aos grandes
centros de consumo, ou de fácil acesso ao mercado externo ou, por fim, em
locais onde as atividades de tecelagem ou confecções sejam parte da tradição
local. É o caso do Ceará, principal destino do algodão do oeste: sua população
detém conhecimentos tácitos no ramo, que se transformaram em especialização,
estimulada por políticas públicas.
Considerando que as tortas e os óleos produzidos do caroço do algodão têm
inúmeras aplicações e servem de insumos na fabricação de uma gama de
itens, pode-se vislumbrar uma série de aproveitamentos da cotonicultura, não
necessariamente na cadeia têxtil. No oeste estão se implantando diversas
esmagadoras de grãos, para a produção de óleo de algodão a ser utilizado em
diferentes produtos da indústria de alimentos e, até, como fonte de energia na
fabricação de biodiesel. Ademais, na SICM, existem vários protocolos de intenção
prevendo a implantação de projetos de beneficiamento de algodão, embora
suas assinaturas, por prováveis investidores, não impliquem, necessariamente,
a concretização dos empreendimentos.
O maior gargalo à expansão da cadeia do algodão, na Região Oeste, é a
logística: hoje, toda a produção é escoada através de rodovias em péssimo
estado, problema agravado pelas dificuldades de armazenamento nos portos
do estado da Bahia. Uma alternativa ao transporte rodoviário é a implantação
de um sistema multimodal, a partir da recuperação da hidrovia do Rio São
Francisco e das vias férreas já existentes.
Na Região Oeste, a produção de bens de maior valor agregado da cadeia do
algodão não acompanha o dinamismo da produção da matéria-prima. Pelo menos
no médio prazo, não se vislumbra o adensamento da cadeia por meio da formação
de um aglomerado têxtil no oeste, mas, possivelmente, na RMS. A verticalização
local da cadeia é mais provável de ocorrer pelo lado das esmagadoras de algodão.
No médio e longo prazo, se os problemas logísticos forem superados ou
minorados, naturalmente uma gama de atividades será atraída à região e as
diferentes possibilidades da cadeia do algodão tenderão a se desenvolver com
maior dinamismo. Nas condições atuais, a cotonicultura do oeste parece uma
atividade primário-exportadora para outras regiões do Brasil e para o mercado
externo, vulnerável às oscilações da demanda internacional, com risco de se
tornar apenas mais um ciclo agrícola.
Dentre as desvantagens do agronegócio homogêneo e em larga escala, nos
moldes produtivistas, estão o uso intensivo dos recursos naturais, com a erosão
do solo, sua dependência em insumos industriais e a pouca absorção de mãode-obra no meio rural, que constitui uma ameaça à proliferação de favelas nos
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núcleos urbanos da região. Políticas de desenvolvimento local deveriam
considerar a alternativa de reservar, no oeste, áreas para assentamento em
minifúndios, com agricultura familiar e diversificada, ao lado da grande
propriedade voltada à produção de grãos em grande escala. Tende-se a
concordar com Couto Filho (2004), segundo o qual esse tipo de arranjo poderia
amenizar os problemas inerentes ao produtivismo do agronegócio.
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Esta revista foi editada em fevereiro de 2006,
pela Desenbahia. Composta em Frutiger
e impressa em papel pólen print 90g/m2.
Tiragem 1200 exemplares. Impressão e
acabamento da JM Gráfica e Editora Ltda.