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Revista Jurídica Justa Pena ISSN 2179-9199 Artigos / articles A responsabilidade civil nas relações afetivas Civil liability in the emotional relationships Loiane Alves Martins1 Luiza Maria Rocha Vogado2 RESUMO Escrever sobre o tema responsabilidade civil nas relações afetivas é encarar uma nova realidade, um novo pensar que está surgindo no direito brasileiro. A dicotomia entre os alimentos compensatórios e a pensão alimentícia vem sendo cada dia mais debatida e conhecida e não é para menos, esse assunto defende a introdução da responsabilidade civil nas relações afetivas, motivo de calorosos debates jurídicos. É certo que a resistência é grande, mas a evolução social obriga o operador do direito a olhar sempre em frente e perceber os valores e fundamentos que surgem com as transformações sociais, as quais podem, repercutir na ordem jurídica. E se é certo que a sociedade é construída por meio de constantes mudanças, não é menos verdade que essas inovações certamente repercutirão na ordem jurídica da qual está essa inserida. Palavras-chaves: Pensão Alimentícia, Alimentos Compulsórios, Responsabilidade Civil, Casamento. ABSTRACT Write on the issue in civil responsibility affective relations is facing a new reality, a new thinking that is emerging in Brazilian law. The dichotomy between food and compensatory alimony has been increasingly debated and is not known and for less, this issue calls for the introduction of civil responsibility in relationships, legal source of heated debate. It is true that the resistance is great, but the social evolution of the law requires the operator to look straight ahead and realize the values and fundamentals that come with the social changes, which may have repercussions in the legal order. And it is true that society is built through constant changes, the fact remains that these innovations will certainly have repercussions in the legal system of which it is inserted. Keywords: Child Support, Compulsory food, Civil responsibility, Marriage. ____________________________ 1. Bacharel em Direito pela FAESF e Oficial de gabinete na Comarca de Antônio Almeida. 2. Doutoranda em Ciências Jurídicas e Sociais. Pós-graduada em Direito Processual Civil e em Linguística Aplicada ao Ensino de Língua Portuguesa. Bacharel em Direito. Licenciada em Letras/Português. Advogada. Professora da FAESF. Revista Jurídica Justa Pena Vol. 1, N. 1 (2012): 27-30 27 Revista Jurídica Justa Pena ISSN 2179-9199 1. INTRODUÇÃO O direito como um todo, nunca foi simpatizante da ideia de ressarcir os danos decorrentes de quebra de laços afetivos, não em dinheiro, esse tabu, até hoje quase que indiscutível vem se tornando motivo de bons estudos e há quem diga, que é uma nova dimensão tomada no que se refere a responsabilidade civil. Veremos a grande diferença desses institutos, pensão alimentícia e os alimentos compensatórios, esses últimos como o próprio nome diz, visa compensar o consorte que passou anos ao lado do conjugue, construindo uma vida juntos e criando patrimônios, e de repente se achou sem amparo econômico com o fim da relação. O que alguns chamam de monetarização dos laços afetivos, é em verdade a aplicação da responsabilidade civil nos casos em que o casamento e/ou união estável se finda e o conjugue que se sentiu prejudicado, ingressa em juízo para ser compensado economicamente pelo desequilíbrio causado com o fim da relação. Isso é o que prega a teoria dos alimentos compensatórios que será analisado e comparado com o instituto da pensão alimentícia, tão bem conhecida e aceita em nossa legislação. 2. RESPONSABILIDADE CIVIL Todos devem ressarcir os danos eventualmente causados aos outros, seja por violação contratual, seja pela chamada responsabilidade aquiliana, quando não há relação jurídica contratual entre o autor causador do dano e a vítima. Os artigos 186 do CC (Código Civil) e o art. 6º, VI, CDC (Código de Defesa do Consumidor) tipificam a responsabilidade extracontratual ou aquiliana, esses artigos estabelecem que é conduta ilegal, e portanto punível, as ações comissivas e omissivas, voluntárias e negligentes que lesam o direito de outro. Vejamos essa definição sobre a responsabilidade extracontratual: Trata-se de responsabilidade objetiva extracontratual. É a responsabilidade que decorre da inobservância de norma jurídica, por aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, viola direito e causa dano a outrem, ainda que exclusivamente moral. (Dicionário Acadêmico de Direito. 2ª ed. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2001. Essa responsabilidade não se limita apenas a conduta culposa, o dolo é igualmente punível, nada mais justo, se a culpa tem o condão de obrigar o ressarcimento dos prejuízos causados, muito mais Revista Jurídica Justa Pena Vol. 1, N. 1 (2012): 27-30 terá o dolo que é a intenção límpida de atingir um objetivo. Não há obviamente, critérios específicos para se determinar o que é ou não a culpa, não é uma equação matemática que traz uma exatidão. O magistrado certamente usará em sua observação os frutos de sua experiência profissional, o meio em que vive, as experiências de vida. A condução de todos esses importantes aspectos é que levará o entendimento do Juiz a cerca do que foi ou não conduta culposa. Sobre isso fala MADALENO: “Portanto, na apuração judicial da culpa do agente o magistrado levará em consideração uma valoração objetiva, ponderando critérios e valores pessoais, frutos de sua formação e experiência de vida, e irá considerar um juízo genérico que qualquer homem médio deveria adotar como norma de conduta social, de uma pessoa sensata ou técnica, para a hipótese de oferecer seus préstimos profissionais na execução de alguma tarefa com responsabilidade contratual” A ilicitude de um ato se caracteriza pela conduta dolosa ou culposa, pela existência de danosmorais ou materiais e pelo nexo de causalidade entre o prejuízo sofrido e a ação do autor. 3. A RESPONSABILIDADE DIREITO DE FAMÍLIA CIVIL NO A idéia de responsabilizar alguém por algum dano sofrido nas relações afetivas, nunca agradou a grande parte dos estudiosos do direito de família, essa não simpatia se dá ao fato de muitos entenderem que os princípios e valores amparados por esse ramo do direito estão diametralmente opostos aos critérios usados para se chegar a responsabilidade civil. GUITIÁN (2009, p.25), assim se pronuncia sobre o tema: “O código civil teria remédios específicos para as causas concretas de danos entre familiares e boa parcela da doutrina argumenta que o rompimento dos casamentos pela infração dos deveres conjugais deve ser apartado das regras de responsabilidade civil, porque a legislação já prevê sanções próprias diante da culpa conjugal na falência do matrimonio e a única conseqüência jurídica da quebra de algum dever nupcial é a sua absorção como causa da separação judicial” É certo que os casamentos e uniões estáveis, são, em princípio, sedimentados no amor, respeito e bem –querer, contudo, tem-se que assumir que embora assim idealizados, as relações afetivas 28 Revista Jurídica Justa Pena ISSN 2179-9199 padecem do previsível risco do desfazimento, não são portanto, vínculos inquebrantáveis. Quando o amor finda, e o respeito cede ás agressões físicas/ psíquicas os conjugues se vêem em lados opostos, não são mais duas pessoas que vivem juntas parque querem, porque ainda pensam em perpetuar seus laços , ao contrário, esses se tornam dois estranhos que, agora, simultaneamente se desconhecem. Na Alemanha não há previsão de punição por dano moral para o conjugue que quebrou a aliança matrimonial, muito menos para o terceiro que surgiu na relação, sendo assim, o consorte que se sente lesado não tem o direito de peticionar danos ao outro. Isso porque no direito alemão está calcado no principio da ruptura, principio o qual se faz a total exclusão da culpa na discussão do desfazimento do casamento e uniões estáveis. Se ao contrário essa discussão fosse possível tal princípio estaria sendo mitigado. Há contudo, quem advogue no sentido de que o direito de família deve se resguardar dessa inovação sobre a responsabilidade civil, com isso se tenta impedir a incidência de discussões pecuniárias nesse ramo do direito, para esses, se ocorrer o contrário, se estia monetarizando as relações afetivas. Assim pensa PEREIRA (2004, P. 82) “Essa tendência de vislumbrar em tudo a possibilidade de especular o dano moral está se tornando perigosa, por se pretender monetarizar todas as relações sociais ao divinizar o lucro e sacralizar a moeda, em uma competição desenfreada, e se assim continuar, restará ao ser humano buscar no seu semelhante apenas uma fonte de renda” Embora timidamente, já ventilam em nossa jurisprudência algumas decisões que determina o pagamento de certa quantia em dinheiro em face da infidelidade do outro conjugue. É importante salientar que a indenização se dá em decorrência da conduta infiel conjugue em relação ao outro, e não porque o afeto entre ambos findou-se. Todas essas transformações surgem com a indiscutível mutação do seio social, que consubstancia-se num novo olhar dado ao direito de família nesses tempos, o homem e a mulher cada vez mais em situação de igualdade, a supressão da idéia do patriarca que monopolizava as decisões e gerenciava a vida de quem estava ao seu redor, tudo isso está contribuindo maciçamente para esse novo foco da responsabilidade civil. Revista Jurídica Justa Pena Vol. 1, N. 1 (2012): 27-30 4. ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS PENSÃO ALIMENTÍCIA X Antes de escrever sobre o tema, é interessante estabelecer algumas primícias sobre ele. Os primeiros a excluir a culpa na discussão do divorcio foram os franceses e espanhóis, essa inovação se deu pela absoluta adesão ao princípio da ruptura, principio pelo qual se discute tão somente a vontade não viciada dos consortes em se separar, não colocando em pauta quem deu a causa a esse rompimento. Salienta-se ainda que, ao falarmos de pensão compensatória deve-se lembrar que ela visa compensar ao conjugue que se sentiu lesado por meio de uma quantia que lhe dixe com o mesmo padrão de vida que existia antes da separação. Dito isto, passaremos a enunciar as peculiaridades da pensão alimentícia e a pensão compensatória. A pensão alimentícia tem por fim garantir a sobrevivência do alimentando, essa deve atender a sua condição social, pois deve ser possível abarcar o sustento, a habitação, o vestir, incluindo até a assistência médica, lembrando sempre que nesse caso, da pensão alimentícia, não podemos olvidar o famoso binômio possibilidade X possibilidade (art. 1.694 §1º, CC), em sentido diverso, está os alimentos compensatórios que serão fixados em decorrência do desequilíbrio econômico havido após a separação, seu propósito não é dar o mínimo de condições de vida ao requerente e sim compensar esse financeiramente pelos prejuízos pós separação, uma vez que nem sempre há esse equilíbrio, pois um sempre fica com boa parte dos bens. Como já foi falado, não é essa indenização um meio de punir o outro conjugue pela quebra dos deveres da coabitação, é sim, um meio de equilibrar a situação quando um dos consortes desfaz a convivência, é um compensar para aquele que se sentiu economicamente prejudicado pela separação. A pensão alimentícia tem uma marcante característica que é o fato de poder ser revisada (art. 1.699, CC) a qualquer tempo, tendo em vista a mutação econômica dos pólos da relação processual. A pensão compensatória, ao contrário, não pode ser objeto de ação revisional, não pode ser revista porque terá como base a situação econômica do casal quando esses viviam juntos, será analisado o padrão de vida de ambos, o que se pretende na fixação dos alimentos compensatórios é equilibrar essa situação, ou seja, o padrão de vida do casal, não novas situações, como a pensão alimentícia que pode ser 29 Revista Jurídica Justa Pena ISSN 2179-9199 revista porque será observada a elevação ou regresso da situação financeira das partes. Outra diferença entre esses institutos é o fato da pensão alimentícia ser paga invariavelmente em parcelas mensais, enquanto a pensão compensatória é paga de uma só vez. Por fim, lembra-se ainda que na pensão alimentícia tem-se a relação de dependência entre o alimentando e o alimentante, situação inexistente nos alimentos compensatórios, pois nesse caso não precisa haver a dependência econômica de um em relação ao outro, a fixação do valor a ser pago é a existência do desequilíbrio econômico com o fim da relação. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com tudo o que foi exposto, pode-se observar que a responsabilidade civil está adquirindo uma nova dimensão no direito pátrio, ela está paulatinamente adentrando no âmbito das relações afetivas, embora haja a esse respeito ferrenhas críticas. A pensão compensatória como foi dito ao longo desse estudo quer dá uma nova ótica aos critérios e fundamentos do direito de família. Essa nova dimensão da responsabilidade visa atender as mudanças sociais, tendo em vista os novos princípios desse ramo do direito, valores esses constitucionais pois tem por fim proteger e dignificar a pessoa. Cuidar da integridade física e psíquica de um conjugue que sofre ao se deparar com uma dura realidade pós casamento, pois passa a viver em situação menos confortável da que vivia anteriormente. Esse novo olhar, que ainda causa estranheza e não poucas vezes repulsa, objetiva estabelecer a solidariedade social, onde o respeito ás pessoas é o foco, o indivíduo nesse contexto é o que importa. Os alimentos compensatórios vem para inovar, e fazer com que se rompa velhos paradigmas, tornando o direito, essa importante ciência social, um reflexo dos anseios da sociedade. Hodiernamente esse assunto é, ainda, motivo de descrédito entre os mais tradicionais, mas quem sabe com o passar do tempo ele se torne mais aceito. É como se esse tema fosse uma jóia a ser lapidada, uma pedra que sempre é batida pela água e que com o passar dos dias se molda, vai, com o trabalhar das ondas, se moldando e cedendo, é quem sabe, um túnel escuro que aos poucos se abre pela claridade dos debates e estudos. Trazer á baile as diferenças entre alimentos compensatórios e pensão alimentícia é visualizar um novo modo de pensar o direito de família , porque ele não é, e nem pode ser estagnado, inerte, ás inovações Revista Jurídica Justa Pena Vol. 1, N. 1 (2012): 27-30 de seu meio, falar do tema é contribuir para o melhor entendimento do mesmo, e aos poucos esse assunto ainda meio obscuro será cada vez mais estudado e assim apresentado mais candidamente aqueles que apreciam um direito dinâmico e integrado ao meio o qual estar inserido. REFERÊNCIAS ACQUAVIVA, Marcis Cláudio. Dicionário Acadêmico de Direito. 2ª ed. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2001. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Nova ED. Ver. Atual e ampl. Com Decreto nº 2.181, de 20 de março de 1997- Brasília. Ministério da Justiça, 2009. GUITIÁN, Alma Maria Rodríguez. Responsabilidad civil en el derecho de família: especial referencia el âmbito de las relaciones paterno-filiales, Navarra:Thomson Reuters, 2009. MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família, 3ª ed., Rio de Janeiro:Forense, 2009. PEREIRA,Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil, 9ª ed., Rio de Janeiro:Forense, 1998. PEREIRA, Sérgio Gischkow. Estudos de Direito de Família, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. VADE MECUM TRABALHISTA / organizador André Luiz Paes de Almeida, Coordenação André Luiz Paes de Almeida, Alexandre Mazza, 6. Ed. Atual. e ampl. –São Paulo: Rideel, 2011. 30