algumas notas sôbre a maconha

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algumas notas sôbre a maconha
ALGUMAS NOTAS SÔBRE A MACONHA
VASCONCELOS SOBRINHO
Sec. de Bot. – Inst. Pesq. Agronômicas
Vez por outra chegam às nossas mãos, na Seção de Botânica do Instituto de Pesquisas
Agronômicas, amostras enviadas pela Secretaria de Segurança, de uma erva sêca, para
identificarmos se é a denominada maconha.
As polícias de todos os países andam em luta contínua com os vendedores de
entorpecentes. Aqui em Pernambuco é a maconha que faz as vêzes do ópio, vendida por
negociadores ambulantes às camadas mais humildes da população.
Procuramos com o presente trabalho fornecer dados para um reconhecimento rápido
de modo que os agentes encarregados de repressão aos entorpecentes, possam fàcilmente
identificar a maconha em mão dos vendedores.
Também não despresamos a parte puramente científica. Certo é que a sistemática da
maconha não é ponto definitivamente elucidado; se bem que alguns autores a
considerassem como sendo o verdadeiro cânhamo sobravam dúvidas pela ausência de uma
determinação científica exata e suficientemente divulgada.
Cultivando no Parque do Instituto de Pesquisas Agronômicas, algumas sementes,
obtivemos plantas suficientes para um estudo sistemático seguro. Dêste modo ao lado de
dados que podem ser utilizados fàcilmente por qualquer interessado em seu
reconhecimento, podemos oferecer a certeza que a planta denominada maconha em
Pernambuco e Alagoas, é a conhecida cientificamente por Cannabis sativa L., e pelo nome
de Cânhamo em grande número de países.
Caracteres - Plantas unisexuais, dióicas, flores não vistosas, de colorido amareloesverdeado, sem perfume; numerosas, situadas em tôda a metade superior da planta, em
grupos, nas axilas das fôlhas. Flores masculinas pendunculadas, femininas sésseis.
Flores masculinas haplolâmideas, 6-meras; estames com filetes curtos, menos que a
metade do tamanho da antera. Anteras introrsas, basifixas, 2-tecas, de deiscência
longitudinal. Pólen amarelo, pulverulento, abundante, com 3 poros salientes, equidistantes.
Flores femininas ac1âmideas, protegidas por 1 bráctea que envolve quase
completamente o ovário e que se prolonga além dos estigmas. Estigma séssil, duplo,
plumoso; ovário súpero, unilocular. Fruto sêco, indeiscente, com tipo aproximado de noz.
órgãos vegetativos - Erva de grande porte, quase arbustivo, atingindo em média 2
metros. Fôlhas simples, partidas, pecioladas, com estipulas. As inferiores com 7
pseudofolíolos e as superiores com 5, até 3 ou reduzidas a lâmina delgada. Pseudofolíolos
com bordos grosso-serreados e com pêlos curtos, resistentes, apenas perceptíveies ao tato,
por todo o limbo.
Meritalos longos; nós com tendência à produção de raizes adventícias.
Pelos caracteres acima mencionados, chegamos com relativa facilidade a subfamília
Canaboideae, gênero Cannabis, espécie sativa, planta conhecida mundialmente pelo nome
vulgar de cânhamo.
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O cânhamo é muito cultivado na Europa (Itália, França, Espanha) com o fim
exclusivo de produção de fibra, a qual é de primeira qualidade, sendo utilizada não só para
cordoaria, como é crença geral entre nós, mas principalmente para, em combinação com as
fibras do linho, entrar na confecção dos tecidos finos.
Obtivemos pelo processo comum de maceração durante 8 dias, fibras de ótima
qualidade e de belíssimo aspecto. A maconha é de origem asiática donde foi introduzida na
Europa e na África, daí passou para a América provàvelmente por mãos dos escravos. Seu
princípio tóxico é uma resina que não se encontra nas plantas européias, sendo portanto
característica da variedade americana, ou produzida sob os efeitos do clima tropical.
A possibilidade de seu cultivo entre nós, com o fim da produção de fibras, é de fato
por demais esclarecido, visto a existência da planta em estado subespontâneo. Não se deve
contudo despresar as variedades européias já altamente selecionadas, e ainda com a
vantagem provável da não produção do tóxico.
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A Secretaria da Segurança, em sua ação repressora aos viciados da maconha,
encontrará dêste modo maior facilidade em reconhecer o material apreendido no comércio
clandestino...
O material usado no comércio é constituído por fôlhas, pecíolos, ramos floríferos e
grande quantidade de frutos, tudo muito bem sêco e às vêzes em mistura com terra por falta
de cuidado no trato pelos vendedores.
Êste material pode ser identificado fàcilmente pelos frutos os quais são muito
característicos e sempre se encontram inteiros. Seu tamanho é de 4,5 mm. no maior
comprimento e de forma um pouco piramidal, com casca dura, luzidia e caracteristicamente
malhada de prêto (melanística), com duas arestas bem pronunciadas. Os frutos maduros são
escuros e os verdes castanho-claros, daí a disparidade de côr que se nota à primeira vista.
Na falta de frutos somente no laboratório pode o material ser identificado. Com êste
fim devem ser utilizados os seguintes recursos, fàcilmente obtidos do material sêco:
a) Cutícula - destaca-se com relativa facilidade e colocada ao microscópio apresenta
estomas característicos, entre numerosos pêlos unicelulares. Ostíolos alongados, de fenda
muito visível. Pêlos unicelulares, ponteados, com base arredondada.
b) Vasos lenhosos - regulares, de diâmetro muito uniforme, em sua maioria
espiralados, não oferecendo, portanto, grande interêsse, a não ser os vasos fechados
(traqueas) os quais são de diâmetro relativamente grande, com septos transversais muito
oblíquos, às vêzes mal justapostos, paredes longitudinais com belas e numerosas
pontuações alongadas.
c) Vasos crivados - excessivamente estreitos.
d) Grãos de pólen - arredondados com 3 saliências equidistantes, muito
características.
e) Fibras - também as fibras podem servir para auxiliar a identificação. Serão
utilizados os fragmentos de haste e de ramos que por ventura forem encontrados no
material, obtendo-se por maceração uma fibra clara, brilhante.
Ao microscópio, em vista longitudinal, se apresentam com lumen espaçoso, em visão
transversal são quase circulares. Têm mais aproximação com as fibras do linho que com de
qualquer outra planta das quais se distinguem principalmente pela seção transversal, a qual
nas fibras do linho é poligonal e nas do cânhamo, como ficou dito, é circular.
Estudos sôbre a natureza do princípio ativo da maconha não fizemos, pois foi nosso
objetivo esclarecer apenas sua identidade. Uma vez cientes que se trata do cânhamo, deve
cessar tôda curiosidade pois, sôbre tal planta, muito se há escrito desde antes de Martius.
Em sua “Flora Brasiliensis”, volume IV, parte primeira, página 211, Martius, quando
trata das qualidades medicinais das plantas da famí1ia Urticinea (hoje desdobrada em
várias outras famílias, entre as quais a das Moraceas), cita o cânhamo sôbre o qual diz: “In
Índia Orientali Canabis sativae varietas s. d. indica usitatur cujus herba florida apud
Bengalenses Gunjah, folia adultiora et semen Beng s. Bangue, subjee et Sidhee, resina
Crurrus nomen habent. Variis ex hac stirpe praeparationibus animum exilare, grata deliria
et audaciae motus sibi conciliare antiquus inter orientales populos, Mauros praesertin, mos
est. Assassinorum regem milites bolis cannabinis in bellicosum fororem et mortis
contemptum excitasse traditur. Inter nos electuarii, quod Arabes Haschisch dicunt, usus ex
Algeria Galli occupata, innotuit, medendis variis morbis tam mentis quam corporis
commendatus. De qua re jam multa scripta et rescripta sunt”.

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