Estudos Teórico e Experimental da Viabilidade da

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Estudos Teórico e Experimental da Viabilidade da
Estudos Teórico e Experimental
da Viabilidade da Tecnologia
Óptica no Espaço Livre
Theoretical and Experimental Feasibility Studies
of the Free-Space Optical Technology
LUCIANO EUGÊNIO DA SILVA MOURA
Programa de Trainees da Vivo Telerj Celular (Rio de Janeiro, Brasil)
[email protected]
ANDRES PABLO LOPEZ BARBERO
Universidade Federal Fluminense (Rio de Janeiro, Brasil)
[email protected]
PAULA BRANDÃO HARBOE
Universidade Federal Fluminense (Rio de Janeiro, Brasil)
[email protected]
JOSÉ RODOLFO SOUZA
Pontifícia Universidade Católica (Rio de Janeiro, Brasil)
[email protected]
RESUMO Sistemas Ópticos no Espaço Livre (Free Space Optical Systems-FSO) estão sendo desenvolvidos em todo o
mundo como uma alternativa econômica à tecnologia de fibra óptica nas mais diversas aplicações. Sua principal desvantagem é a vulnerabilidade a efeitos atmosféricos, como atenuação e cintilação, que afetam o sinal, e, portanto, degradam
o desempenho dos sistemas. Este trabalho está dividido em duas grandes etapas: 1. um estudo consistente da viabilidade
de implantação de sistemas FSO nas diversas regiões brasileiras; e 2. o desenvolvimento de um protótipo de baixo custo
para a comunicação serial de dados entre computadores utilizando a tecnologia FSO e a realização de diversos experimentos simples que demonstram a viabilidade da técnica proposta. Para isso, foi desenvolvido um modelo numérico
baseado no conceito de balanço de potência, que analisa as diferentes contribuições para a perda total em um enlace
óptico no espaço livre. Os resultados, inéditos na literatura, são apresentados na forma de disponibilidade temporal do
sistema em função do comprimento do enlace e indicam boa confiabilidade em algumas regiões do país.
Palavras-chave SISTEMAS ÓPTICOS NO ESPAÇO LIVRE – EFEITOS ATMOSFÉRICOS – VISIBILIDADE.
ABSTRACT Free-Space Optical Systems (FSO) are being developed throughout the world as an economic alternative to
the fiber optics technology in several applications. However, these systems are vulnerable to atmospheric phenomena,
such as attenuation and scintillation, which affect the signs and introduce errors, making the system inoperable for periods of
time. This work is divided into two stages: 1. a consistent feasibility study of the deployment of FSO communication systems in several regions of Brazil; 2. a description of the development of a simple, low cost prototype of an FSO system,
which enabled the serial communication between two remote computers. A numerical model was developed for the
analysis of the different loss contributions on a free-space optical link. The model is based on the system’s power budget.
Results show the system’s availability as a function of the range, and indicate that FSO systems can be deployed with
good reliability in parts of the country.
Keywords FREE-SPACE OPTICAL SYSTEMS – ATMOSPHERIC EFFECTS – VISIBILITY.
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INTRODUÇÃO
E
m anos recentes, os sistemas de comunicação óptica no espaço livre demonstraram ser uma alternativa
viável a sistemas de fibra óptica para prover conectividade de alta velocidade, principalmente em redes
locais (Local Area Networks-LANs) e metropolitanas (Metropolitan Area Networks-MANs). É estimado que, em áreas metropolitanas, os custos de implantação de enlaces de fibras ópticas podem variar de
100 a 200 mil dólares por quilômetro, sendo que 85% desse valor são gastos com escavações e instalação.
Por outro lado, os custos de implantação de sistemas FSO são da ordem de 20% daqueles associados à tecnologia de fibra óptica.
Sistemas FSO já são operados comercialmente nas proximidades da região infravermelha do espectro
eletromagnético, em comprimentos de onda de 750 nm, 810 nm ou 852 nm, devido à disponibilidade de
lasers de baixo custo e receptores PIN e avalanche (Avalanche Photo Diode-APD) com elevadas sensibilidades. Dependendo da aplicação, esses sistemas podem operar em taxas de até 2,5 Gb/s. Entretanto, a rápida
demanda por largura de banda, principalmente em aplicações de telecomunicações, tem impulsionado a operação desses sistemas na janela de 1.550 nm, em que os níveis de potência óptica de lasers são mais elevados,
o que, em conjunto com a utilização de amplificadores ópticos a fibra dopada com Érbio (Erbium-Doped
Fiber Amplifier-EDFA), permite transmissões de longa distância.
Sistemas FSO têm diversas aplicações:
1) na extensão de redes metropolitanas, conectando novos anéis de fibra óptica a outros já existentes;
2) na rede de acesso, a chamada última milha (last mile), conectando usuários finais a provedores de
Internet ou a outras redes de mais alta velocidade;
3) na aceleração da implantação/implementação de serviços, provendo infra-estrutura temporária
enquanto cabos de fibra óptica são instalados;
4) na redundância de enlaces, como backup de um sistema de fibra óptica;
5) no provimento de conectividade temporária, como em feiras, congressos, situações de emergência
ou de calamidade pública.
Dentre as aplicações mencionadas, destaca-se a de acesso à última milha (last mile problem), objeto de
interesse neste trabalho. Estudos mostram que, mesmo nos Estados Unidos, apenas 5% dos prédios têm uma
conexão direta com o backbone de fibra óptica, enquanto 75% desses prédios estão localizados a menos de
uma milha de distância desse backbone. No Brasil, os números são consideravelmente piores, indicando um
enorme mercado potencial para a tecnologia FSO.
Este trabalho está dividido em duas etapas. Primeiramente, é feita uma análise das condições de propagação de sinais ópticos no espaço livre. Os sistemas FSO em questão são vulneráveis aos efeitos atmosféricos,
como atenuação (absorção e espalhamento) e cintilação, que limitam seu alcance e disponibilidade. Um modelo
numérico baseado no conceito de balanço de potência é inicialmente desenvolvido. Os diferentes elementos que
contribuem para a perda total no enlace são descritos e avaliados. Em seguida, é calculada a disponibilidade (em
porcentagem de tempo) de um sistema FSO em função do comprimento do enlace. Inúmeros resultados são
apresentados, considerando diferentes cidades brasileiras e variadas condições atmosféricas.
Na etapa seguinte, é descrito o desenvolvimento de um protótipo simples e de baixo custo, capaz de
estabelecer comunicação serial de dados entre dois computadores por meio de um enlace que emprega os
princípios básicos de um sistema FSO. Diversos resultados experimentais interessantes são apresentados. As
principais conclusões do trabalho são, ao fim, elaboradas.
FORMULAÇÃO
A caracterização de sistemas FSO é feita por meio do balanço de potência, que é definido como:
Balanço de potência = PT – PR – α
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(1)
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onde PT representa a potência média na saída do transmissor (dBm), PR representa a sensibilidade do
receptor (dBm) e α representa a perda total no enlace (dB).
Para que o sistema permaneça operante, é necessário que o balanço de potência seja sempre não negativo. Na análise feita a seguir, é considerado o caso limite, em que a diferença entre PT e PR é igual à perda
total no enlace.
Em um sistema FSO, em que o valor total das perdas no enlace não é conhecido a priori, o balanço de
potência pode, portanto, ser usado para estabelecer o alcance máximo, ou máxima distância de operação do
enlace, para dadas características de um par transmissor-receptor. Esta é a abordagem adotada no presente
estudo.
A perda total em um enlace óptico no espaço livre tem diversas componentes, como perda óptica no
receptor, perda por desalinhamento, perda por alargamento do feixe de laser e perda por efeitos atmosféricos.
Relatos encontrados na literatura (por exemplo, Kim et al., 1997) sugerem valores típicos da ordem de
nove dB para a perda óptica total no receptor e de três dB para a perda por desalinhamento do feixe de luz.
A perda por alargamento do feixe de laser é definida como a razão entre a área da abertura de recepção e a
área do feixe de luz no receptor, que é função da divergência do feixe óptico e do alcance do enlace. No
entanto, a principal contribuição para a perda total em um enlace óptico é proveniente de efeitos atmosféricos, como absorção, espalhamento e cintilação. Tais efeitos podem reduzir consideravelmente a disponibilidade de sistemas FSO e introduzir excesso de erro.
A atenuação de um feixe de laser na atmosfera é descrita pela lei de Beer (Johnson), (Kim et al., 1997):
– σR
P(R)
τ ( R ) = ------------ = e
P(0)
(2)
onde R é o comprimento (ou alcance) do enlace (m), τ(R) é a transmitância a distância R, P(R) é a
potência do laser a distância R, P(0) é a potência do laser na fonte e σ é o coeficiente total de atenuação (m-1).
O coeficiente total de atenuação atmosférica σ é constituído de quatro parcelas [Johnson]:
σ = αm + αa + βm + βa
(3)
onde αm é o coeficiente de absorção molecular, αa é o coeficiente de absorção de aerossol, βm é o coeficiente de espalhamento Rayleigh e βa é o coeficiente de espalhamento Mie.
Nos comprimentos de onda de interesse (entre 780 nm e 1.550 nm), a atenuação por absorção molecular ou de aerossol é desprezível, assim como o efeito do espalhamento Rayleigh. Isso se deve ao fato de que
as partículas em suspensão na atmosfera têm dimensão da ordem ou maior que o comprimento de onda de
interesse para sistemas FSO. Dessa maneira, o coeficiente de atenuação é dominado, fundamentalmente, pelo
espalhamento Mie (Johnson), o que permite escrever σ = βa.
A eficiência do espalhamento Mie é máxima para aerossóis com diâmetro da ordem do comprimento
de onda, tornando-se praticamente independente dele à medida que o diâmetro dos aerossóis aumenta
(Johnson). A eficiência de espalhamento Mie depende, também, da visibilidade na atmosfera, definida como
a distância em que a intensidade da luz decresce a 2% de seu valor inicial (Johnson).
A variação do coeficiente de atenuação com a visibilidade é descrita como (Johnson):
3, 91 λ –q
σ = β a = ------------  ---------
V  550
(4)
Sendo V: visibilidade (km); λ: comprimento de onda (nm) e q: distribuição de tamanho de aerossóis e
q = 1,6 em alta visibilidade (V > 50km);
= 1,3 em visibilidade média (6km < V < 50km);
= 0,585V1/3 em baixa visibilidade (V < 6km).
Para uma completa avaliação da perda total no enlace, é necessário ter alguma estimativa da perda
média por cintilação. No entanto, o conhecimento desse valor depende de medidas de campo de longa duração. Foi feita uma extensa pesquisa de literatura em busca de informação que auxiliasse na estimativa da
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perda média por cintilação, sem muito sucesso. Foram encontrados apenas alguns poucos dados, como resumido a seguir.
As referências Kim et al., 1997, e Kim et al., 1998, citam resultados de medidas em dois sistemas FSO
operando em 780 nm. Os sistemas em questão utilizam aberturas de recepção com 10 cm e 20 cm de diâmetro e, aparentemente, apenas um feixe de laser. Os dados obtidos para perdas por cintilação enlaces de 1,2
km são, respectivamente, nove dB (abertura de 10 cm) e 4 dB (abertura de 20cm). Para enlaces de 10,4 km,
as perdas por cintilação são, respectivamente, 22 dB (abertura de 10cm) e 12 dB (abertura de 20cm). Na
referência Terescope, são relatados resultados de medidas com sistemas de quatro e três feixes, operando em
850 nm. A área de recepção do sistema de quatro feixes tem diâmetro de 25 cm e a perda por cintilação foi
medida em 1 dB, a uma distância de um km. Para o sistema de três feixes, com área de recepção de 10 cm,
foram medidos dois valores de perda por cintilação: três dB a uma distância de 500 m e 5 dB a uma distância
de um km. A referência Carlson & Paciorek, 2004, cita resultados de medidas para um sistema de quatro feixes, área de recepção com 20 cm de diâmetro e operando em 1.550 nm. Medidas realizadas no meio de um
dia de verão indicaram perdas máximas por cintilação de 2,5 dB a uma distância de 450 m e de 10,5 dB a
uma distância de cinco km. Finalmente, a referência McCullagh et al., 1993, cita resultados de medidas realizadas em um enlace de 4 km de extensão, considerando um sistema de apenas um feixe de laser, área de
recepção com diâmetro de 20 cm e operando em 1.550nm. As medidas indicam perda máxima por cintilação da ordem de 17 dB, sugerindo a adoção de uma margem de segurança de 20 dB.
Os resultados experimentais relatados acima mostram claramente que a perda por cintilação pode ser
reduzida com o emprego de múltiplos feixes de luz e/ou grande área de recepção. Os resultados também
indicam que a perda por cintilação é mais severa nos períodos da alvorada e do pôr-do-sol. Outros resultados
(Kim et al., 1999) indicam que a perda por cintilação aumenta com o comprimento de onda de operação.
Na ausência de dados experimentais suficientes para caracterizar a perda por cintilação em cidades brasileiras, este trabalho utiliza os resultados das referências Kim et al., 1997, e Kim et al., 1998, junto com interpolação linear, para estimar a perda por cintilação. As equações anteriores são combinadas de maneira a calcular o
alcance máximo teórico do enlace, ou seja, a maior distância na qual o balanço de potência se torna nulo.
RESULTADOS NUMÉRICOS
Com base no estudo apresentado, foi desenvolvido um software para avaliar a perda total em um
enlace óptico no espaço livre. A disponibilidade de sistemas FSO é estimada em função do comprimento do
enlace, para diferentes cidades brasileiras. Os dados de visibilidade para as referidas cidades foram obtidos,
experimentalmente, nos principais aeroportos brasileiros, o que fornece confiabilidade, consistência e qualidade aos resultados. O software permite, ainda, calcular a margem de atenuação atmosférica (em dB) e a visibilidade (em km) em função do comprimento R do enlace (em km).
São considerados como dados de entrada para a análise de disponibilidade do sistema os seguintes
parâmetros: potência média na saída do transmissor: PT (dBm); comprimento de onda da portadora óptica:
λ. (nm); divergência do feixe óptico: θ (mrad); sensibilidade do receptor para a taxa de transmissão e BER de
interesse: PR (dBm); área do receptor: AR (m2); perda óptica no receptor: Pot (dB); e perda por desalinhamento: Pdes (dB).
Em todas as simulações, foram utilizados os seguintes valores típicos: PT = 13 dBm, λ = 780 nm, PR =
˜– 46 dBm, θ = 1 mrad, AR = 0,025 m2, Pot = 9 dB, Pdes = 3dB. A perda por cintilação é estimada como:
8
27, 2
P cint = --------- R + ------------ ( dB )
9, 2
9, 2
(5)
Visando uma melhor exploração e o entendimento dos resultados, as cidades brasileiras de interesse são
classificadas por região geográfica. Inicialmente, nas figuras 1a e 1b são apresentados resultados da média anual
de visibilidade para as regiões Nordeste e Sudeste, respectivamente. Como pode ser observado nas capitais nordestinas, em 90% do tempo, a visibilidade é superior a 10 km, caracterizando a condição de céu claro (clear).
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Apenas em Aracaju esse patamar é mantido para visibilidades de até 20 km. Em todas as outras cidades, o índice
cai rapidamente, podendo alcançar valores em torno de 30% em Salvador. Para as principais cidades da região
Sudeste, a situação é pior: apenas para faixas de visibilidade em torno de 5 km (condição de névoa úmida – haze
ou névoa seca – light haze) o índice se mantém próximo de 90%, excluindo Belo Horizonte.
Fig. 1. Média anual de visibilidade nas regiões (a) Nordeste e (b) Sudeste.
a)
b)
Outras simulações realizadas indicaram que, na região Norte, os resultados são bastante bons para São Luís.
Na região Centro-Oeste, considerando valores moderados de visibilidade (até 5 km), o que caracteriza a condição
de névoa úmida ou seca, as estatísticas são boas para as cidades de Brasília e Goiânia. Para Campo Grande, o índice
é inferior, provavelmente devido aos longos períodos de chuva. Na região Sul, os resultados obtidos são surpreendentemente ruins: visibilidade inferior a 2 km (condição de nevoeiro – fog) em 94% do tempo.
A figura 2 mostra o alcance (comprimento máximo) de um enlace FSO em função da visibilidade. As
linhas horizontais delimitam faixas de visibilidade, de acordo com as condições climáticas especificadas pelo
Código Internacional de Visibilidade (International Visibility Code-IVC).
É conveniente salientar que o resultado mostrado na figura 2 é válido para as diferentes regiões brasileiras em estudo. Nitidamente, a utilidade desses sistemas está limitada a distâncias inferiores a 8 km. Na prática, é conveniente operar em pontos afastados da fronteira da região hachurada, de maneira a acomodar
efeitos que não tenham sido previamente considerados no modelo numérico. A figura 2 mostra que apenas
em condições de céu claro os sistemas podem operar em distâncias da ordem de 6 km. Além disso, fica aparente que, para enlaces de curta distância (< 2 km), existe uma relação aproximadamente linear entre visibilidade e alcance do enlace.
Fig. 2. Alcance de um enlace FSO em função da visibilidade.
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Fig. 3. Disponibilidade de sistemas FSO em função do alcance nas regiões (a) Nordeste, (b) Sul, (c) Centro-Oeste, (d)
Sudeste.
A figura 3 mostra a disponibilidade de um sistema FSO para as regiões (a) Nordeste, (b) Sul, (c) CentroOeste e (d) Sudeste. Na cidade de Fortaleza, por exemplo, a disponibilidade é melhor que 99,5% do tempo
para enlaces de até 4,5 km. Uma avaliação semelhante em outras cidades nordestinas revela que elas oferecem condições favoráveis à comunicação FSO, devido à alta probabilidade de ocorrência de céu claro.
Ela também indica que, para a cidade de Florianópolis, índices de disponibilidade da ordem de 99,5%
do tempo são alcançados somente em enlaces de comprimentos menores que 2 km, devido aos fortes nevoeiros, limitando bastante a utilidade de sistemas nessa região. Na cidade de Belo Horizonte, sistemas FSO são
praticamente inoperantes: enlaces maiores que 2,8 km têm disponibilidades sempre inferiores a 80%.
DESENVOLVIMENTO DO PROTÓTIPO
A segunda parte deste trabalho descreve o desenvolvimento de um protótipo simples de um equipamento FSO capaz de estabelecer a comunicação serial de dados entre dois computadores remotos. Esse protótipo é uma extensão do trabalho descrito na referência Moura et al., 2003. É importante ressaltar que a elaboração do projeto como um todo foi norteada pelo emprego somente de peças e equipamentos de baixíssimo custo e que os componentes utilizados na montagem do protótipo são facilmente encontrados em lojas
especializadas em material eletrônico.
O projeto foi desenvolvido segundo as etapas descritas a seguir. A primeira diz respeito à seleção da
interface a ser utilizada. A interface serial foi escolhida por operar com transmissão assíncrona e possuir um
sistema próprio de recuperação de relógio, embora apresente taxas de transmissão relativamente reduzidas,
de no máximo 115,2 kb/s, em comparação a outras interfaces disponíveis em um computador. Vale a pena
ressaltar que os dados já estão no formato serial e, portanto, prontos para serem transmitidos pelo sistema
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FSO. A segunda etapa diz respeito à seleção do comprimento de onda de operação do sistema, que foi fixado
em torno de 620 nm, na região vermelha do espectro eletromagnético visível. Essa escolha se deve ao baixo
custo do diodo laser e à facilidade de alinhamento do feixe de luz (visível), assim como de caracterização do
diodo laser e do fotodiodo. A figura 4 mostra, esquematicamente, (a) o encapsulamento do diodo laser e (b)
um detalhe do circuito receptor, já montado e adaptado ao seu módulo.
Para verificar o funcionamento adequado dos circuitos e assegurar que sua resposta encontrava-se dentro das especificações do padrão RS232, foi utilizado um gerador de funções para modular o transmissor e
um osciloscópio para analisar o sinal entregue pelo receptor. A montagem desta experiência é apresentada na
figura 5, em que também é possível observar os invólucros dos módulos transmissor e receptor, bem como a
estrutura projetada para sustentá-los e manter o seu alinhamento. Um espelho, localizado a 5 m da montagem, foi usado para refletir o feixe do transmissor em direção ao receptor.
Fig. 4. (a) Encapsulamento do diodo laser e (b) circuito receptor montado.
a)
b)
Fig. 5. Teste de funcionamento do protótipo.
Tubos pretos de PVC foram empregados na montagem dos invólucros, de modo a que ficassem bem
compactos e proporcionassem uma proteção para o fotodiodo contra a luz externa. Com isso, foi praticamente eliminado o chamado ruído de fundo, causado por qualquer outra fonte de luz que não a do transmissor. No lado externo dos invólucros, foram adaptados conectores para o encaixe de cabos destinados à alimentação dos circuitos e ao tráfego de dados, um LED para indicação de alinhamento e uma chave para permitir a seleção entre modo de alinhamento e modo de transmissão de sinais.
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RESULTADOS EXPERIMENTAIS
Foram realizados diversos experimentos para avaliar as limitações do sistema, como máxima taxa de
transmissão, alcance máximo do enlace e comportamento quando operado em condições adversas de propagação do sinal (cintilação). Dessa maneira é possível verificar se os resultados atendem aos objetivos pretendidos. Após a conclusão da montagem dos dois módulos transceptores, alguns testes foram realizados, que são
resumidos a seguir:
• modulação em até 800 kb/s a uma distância de 10 m (figura 6);
• comunicação entre dois computadores afastados 1,5 m, a uma taxa de transmissão de 115,2 kb/s;
• comunicação entre duas calculadoras HP 48GX afastadas 10 m, a uma taxa de transmissão de 9,6 kb/s
(figura 7, para afastamento de 1,5 m);
• comunicação entre um computador e uma calculadora HP 48GX afastados 3 m, a uma taxa de transmissão de 9,6 kb/s;
• estabelecimento de alinhamento entre os módulos transceptores afastados 80 m.
Fig. 6. Modulação e detecção a 800 kb/s.
Sinal detectado
Sinal modulante
Fig. 7. Enlace entre duas calculadoras HP 48GX.
Para simular os efeitos da cintilação (turbulência atmosférica) no sinal transmitido, foi utilizada a
mesma montagem apresentada na figura 5, mas empregando um secador de cabelos para gerar um fluxo de
ar quente que interceptasse o feixe do laser nas proximidades do transmissor. Devido às bruscas variações do
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índice de refração do ar quente em movimento, a frente de onda do sinal é completamente deformada,
dando origem a interferências construtivas e destrutivas no receptor, que variam rápida e aleatoriamente.
Esse efeito pode ser observado na figura 8, para uma modulação a uma taxa de 500 kb/s.
Fig. 8. Efeito da cintilação no sinal recebido, a 500 kb/s.
Sinal recebido
Sinal transmitido
Entretanto, verificou-se que a cintilação provocada dessa forma não foi suficiente para introduzir erros
na comunicação entre duas calculadoras HP 48GX operando a uma taxa de 9,6 kb/s, no experimento apresentado na figura 7. Isso se deve ao fato de que o valor mínimo de potência óptica que atinge o detector e que
ainda permite a demodulação correta do sinal é menor para taxas de modulação reduzidas. Dessa forma, um
sistema operando a 9,6 kb/s possui uma margem de atenuação total maior do que quando opera a 500 kb/s.
Em taxas de transmissão mais elevadas, correspondendo a uma duração temporal menor de um bit, a quantidade de luz que pode ser coletada pelo receptor e convertida em elétrons durante o intervalo de um bit
torna-se extremamente baixa. Em outras palavras, a sensibilidade do receptor é função da taxa de transmissão. Em termos gerais, quanto maior a taxa de transmissão, menor a sensibilidade do receptor. Quando o
limite da sensibilidade do receptor é atingido, o ruído térmico passa a determinar a BER do sistema (Willebrand & Ghuman, 2002).
CONCLUSÕES
Este trabalho apresentou um consistente estudo da viabilidade da tecnologia óptica no espaço livre. Inicialmente, foi desenvolvido um modelo numérico baseado no conceito de balanço de potência que permitiu
caracterizar as diferentes componentes da perda em um enlace óptico e avaliar seus efeitos na disponibilidade
de um sistema de comunicações ópticas no espaço livre. Os dados de visibilidade foram coletados nos principais aeroportos, assegurando confiabilidade ao software desenvolvido.
Os resultados são apresentados, principalmente, na forma de disponibilidade (porcentagem de tempo)
em função do comprimento do enlace (km) para diferentes cidades de interesse, classificadas de acordo com
sua região geográfica. Fica claro que as condições atmosféricas são determinantes na disponibilidade dos referidos sistemas.
Na região Nordeste, devido às boas condições atmosféricas (condição de céu claro), sistemas FSO são
capazes de oferecer qualidade e confiabilidade a custos reduzidos, tornando-se atraentes como backup na
infra-estrutura de fibra óptica já instalada e/ou na implantação de uma rede de acesso de alta velocidade.
Os resultados indicam, ainda, que a tecnologia FSO é viável em várias cidades das regiões Sudeste e
Centro-Oeste, onde são possíveis enlaces com alcance típico de 3,5 km e disponibilidades em torno de 98%.
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Nesses casos, os sistemas FSO são particularmente úteis na solução do problema da última milha, oferecendo
ampla largura de banda quando comparados com outros sistemas wireless. Na região Sul, sistemas FSO
podem ser empregados em enlaces de curta distância, por exemplo, para o provimento de conexão temporária ou de emergência.
Como último comentário, é importante ressaltar a necessidade de aprimorar o modelo numérico de
cintilação, por meio da coleta de dados específicos para as diversas regiões brasileiras.
Em seguida, foi desenvolvido um protótipo que mostra ser possível construir um equipamento simples
e de baixo custo para um sistema FSO. Os resultados obtidos nos diversos testes demonstram que o dispositivo é capaz de atender às especificações da aplicação proposta. Vale a pena ressaltar que o custo total do protótipo montado e testado não ultrapassa R$ 50,00! Obviamente, equipamentos de melhor desempenho
podem ser desenvolvidos com o emprego de componentes de melhor qualidade. Um segundo protótipo,
mais aprimorado, encontra-se em desenvolvimento.
Sem dúvida, os resultados obtidos com este trabalho indicam claramente que, se forem realizados estudos e experimentos utilizando técnicas mais avançadas, é possível executar um projeto mais elaborado e
desenvolver um equipamento capaz de oferecer taxas de transmissão muito superiores àquelas aqui consideradas e ao longo de distâncias bem maiores, de forma a que seja possível atender às atuais necessidades do
mercado, como superar o gargalo do acesso à última milha.
Pesquisa e estudo complementares estão em andamento e/ou encontram-se em fase de amadurecimento, com o objetivo de possibilitar o dimensionamento, projeto e caracterização de um sistema FSO que
atenda às demandas de capacidade e qualidade de tráfego de informação das aplicações pretendidas. Sem
dúvida, o pleno desenvolvimento do projeto deverá contar com o apoio de agências oficiais de fomento à
pesquisa e/ou a participação da iniciativa privada.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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WILLEBRAND, H. & GHUMAN, B.S. Free-Space Optics: enabling optical connectivity in today´s networks. Indianápolis:
Sams Publishing, 2002.
Dados dos autores
LUCIANO EUGÊNIO DA SILVA MOURA
Graduado em engenharia de telecomunicações pela UFF/RJ.
Atualmente participa do Programa de Trainees da Vivo Telerj
Celular, Rio de Janeiro/RJ.
ANDRES PABLO LOPEZ BARBERO
Engenheiro de telecomunicações (UFF/RJ), com mestrado em
sistemas sensores a fibra óptica (experimental) pelo ITA e
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doutoramento em modelagem numérica de amplificadores
ópticos dopados com Érbio (FEEC/Unicamp). Professor em
regime de dedicação exclusiva do Departamento de Engenharia
de Telecomunicações e coordenador do curso de mestrado em
telecomunicações (UFF/RJ). Integrante de projeto interinstitucional
(UFF/IME) para pesquisa e desenvolvimento de redes ópticas de
alta velocidade, financiado pela FAPERJ.
PAULA BRANDÃO HARBOE
Engenheira elétrica, com ênfase em telecomunicações (PUC-Rio),
onde obteve os títulos de mestre e doutora em ciência em
engenharia elétrica, ambos com ênfase em telecomunicações. É
professora em regime de dedicação exclusiva do Departamento
de Engenharia de Telecomunicações da UFF, onde ainda
participa de cursos de extensão e MBAs.
JOSÉ RODOLFO SOUZA
Engenheiro elétrico, com ênfase em telecomunicações (PUC-Rio),
por onde é mestre em ciência em engenharia elétrica; doutor
(PhD) em engenharia elétrica em The City University, com pósdoutoramento na University College London, ambos em
Londres, Inglaterra. Professor da PUC-Rio, onde integra o Centro
de Estudos em Telecomunicações (CETUC).
Recebimento do artigo: 14/ago./03
Consultoria: 30/out./03 a 18/dez./03
Aprovado: 18/dez./03
REVISTA DE CIÊNCIA & TECNOLOGIA • V. 12, Nº 23 – pp. 25-35
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jan./jun. • 2004

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