MEIRELES, Vívian de Albuquerque. RETRATO DA INVISIBILIDADE
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MEIRELES, Vívian de Albuquerque. RETRATO DA INVISIBILIDADE
CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO MESTRADO PROFISSIONAL EM ADMINISTRAÇÃO VÍVIAN DE ALBUQUERQUE MEIRELES RETRATO DA INVISIBILIDADE PROFISSIONAL DE TERCEIRIZADOS: estudo de casos com trabalhadores de Belo Horizonte Belo Horizonte 2015 VÍVIAN DE ALBUQUERQUE MEIRELES RETRATO DA INVISIBILIDADE PROFISSIONAL DE TERCEIRIZADOS: estudo de casos com trabalhadores de Belo Horizonte Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Profissional em Administração do Centro Universitário UNA, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Administração. Área de Concentração: Inovação e Dinâmica Organizacional Linha de Pesquisa: Dinâmica Organizacional, Inovação e Sociedade. Orientadora: Prof. Dra. Cristiana Trindade Ituassu Co-orientador: Prof. Dr. Luiz Rodrigo Cunha Moura Belo Horizonte 2015 M515r Meireles, Vívian de Albuquerque Retrato da invisibilidade profissional de terceirizados: estudo de casos com trabalhadores de Belo Horizonte. /Vívian de Albuquerque Meireles. – 2015. 130f. Orientadora: Profa. Dra. Cristiana Trindade Ituassu. Dissertação (Mestrado) – Centro Universitário UNA, 2015. Programa de Pós-graduação em Administração. Inclui bibliografia. 1. Serviços Terceirizados. 2. Esgotamento Profissional. 3. Administração. 4. Motivação. I. Ituassu, Cristiana Trindade. II. Centro Universitário UNA. III. Título. CDU: 658 Ficha catalográfica desenvolvida pela Biblioteca UNA campus Guajajaras A todos os trabalhadores, independente se efetivos ou terceirizados, como gestores ou colegas de trabalho, para que as relações profissionais sejam mais humanizadas. AGRADECIMENTOS A Deus, por ser a força que me sustenta em todos os momentos. A minha mãe, por ser o maior exemplo de perseverança, firmeza, amor, bondade e carinho e por me dar todas as condições para realizar este grande sonho. Você é a minha melhor referência! Ao meu padrasto, in memorian, sempre vivo em minhas lembranças, por ter sido como um pai para mim e, com minha mãe, ter me proporcionado a moradia, o sustento e todas as conquistas até agora. À Denise do Carmo Xavier que, no início da minha trajetória acadêmica, me deu condições financeiras para continuar meus estudos e poder chegar até aqui. A minha família, pelo que representam para mim e pelo imenso esforço físico de me auxiliar na mudança de residência, local onde hoje eu tenho paz para me concentrar. Ao meu irmão e sua esposa, Camila, que revolucionaram meu pensamento com algumas discussões calorosas sobre o comportamento das pessoas. Ao Henrique Morais de Almeida e Marco Antônio de Oliveira Pinho por terem me admitido e me darem a oportunidade de trabalhar numa empresa da qual muito me orgulho e que me permite ser realizada profissionalmente. À Renata Horta, minha ex-gerente, e ao André Paolucci, atual, por compreenderem todas as necessidades de compensação das horas extras de acordo com o mais adequado para os meus estudos. Aos meus especiais colegas de trabalho que, com sua solidariedade e alegria, transformam nosso ambiente. Aos meus amigos Débora Takahashi, Lucia Helena Ferreira, Tatiana Campolina e Marco Antônio de Oliveira Pinho, pelos puxões de orelha ao longo da minha caminhada. Vocês me auxiliaram, com sua sabedoria, para que eu me tornasse uma pessoa melhor. Aos meus padrinhos, Milton e Deise, por serem muito presentes e estarem comigo em ocasiões importantes da minha vida. À Professora Cristiana Trindade Ituassu, pela paciência, dedicação, competência, orientação e sabedoria. Você fez toda a diferença e abriu muito a minha mente! À Professora Íris Barbosa Goulart, por me responder a tantos questionamentos feitos em sala de aula com muita paciência, sabedoria e profundidade. Você também fez a diferença para mim como aluna e, principalmente, como pessoa! Ao meu psicólogo, Salim Zaidan, por me auxiliar na direção da maturidade. Com seu apoio pude aproveitar muito melhor os ensinamentos do Mestrado. Ao Dr. Márcio José Sampaio que, com as agulhas mágicas da Acupuntura, me deu condições de exercer tamanho esforço mental e físico para vencer esse desafio. Às Doutoras Ana Lucia Discacciati e Silvana de Mello Vasconcellos, que sempre foram boas ouvintes e buscaram melhorar minha qualidade de vida. A todos os professores e colegas de classe que tornaram produtivas as discussões e contribuíram para meu crescimento. Aos professores da banca, pela gentileza de aceitar o convite. Aos que não foram diretamente citados, mas que estiveram presentes no decorrer deste percurso. Em especial, a todos os entrevistados que, sem me conhecer, compartilharam comigo suas experiências, mesmo que, para tal, reprocessassem momentos difíceis de sua jornada. Sem a participação de vocês, esse trabalho não teria sido realizado. “A cegueira de gente que não vê gente é traumática, causa angústia. A cegueira de gente que não vê gente dispara humilhação. E, mais precisamente, é cegueira política: cegueira de uma classe quanto a outra classe, a classe a serviço da primeira em condições de subordinação.” Fernando Braga da Costa RESUMO O sofrimento no trabalho é um tema amplamente estudado na Administração, Psicologia e Sociologia. Mas a Invisibilidade, que já foi objeto de pesquisa dessas ciências na literatura nacional e internacional, ainda se mostra um assunto pouco explorado, sobretudo, quando associado aos trabalhadores terceirizados. Esta pesquisa, de caráter qualitativo, consiste num estudo de casos que buscou analisar a manifestação do sentimento de invisibilidade profissional no trabalho de terceirizados da capital mineira. Explorando as situações em que a invisibilidade remete ao sofrimento, o estudo teve como instrumento de coleta de dados a entrevista estruturada e, como método de interpretação de dados, a análise de conteúdo proposta por Bardin (2011). Os resultados permitiram concluir que a invisibilidade profissional pode ser vista, conforme os entrevistados, principalmente por meio da falta de reconhecimento, expressa pela desvalorização da pessoa ou da sua profissão, pela distinção de tratamento entre efetivos e terceirizados, que envolve a injustiça e a sobrecarga de trabalho, bem como pela humilhação, discriminação, indiferença, precarização do salário e das condições de trabalho, instabilidade, remuneração e benefícios inferiores. A pesquisa evidenciou a necessidade de reflexão acerca do tema, em especial no que se refere aos terceirizados, que representam um significativo contingente de trabalhadores no Brasil, pela influência na deterioração do clima e nos resultados organizacionais e também pela possibilidade de afetar o estado físico e psicológico dos trabalhadores. Palavras-chave: Sofrimento no trabalho, invisibilidade no trabalho, terceirizados. ABSTRACT Suffering at work is a widely studied theme in Administration, Psychology and Sociology. Invisibility, on the other hand, that has already been object of research by these sciences in both national and international literature, is still little explored, mainly where associated to outsourced labor. This qualitative research consists of a multiple case study aimed at analyzing the demonstration of professional invisibility feelings by outsourced workers in the capital of the state of Minas Gerais. By investigating situations where invisibility leads to suffering, the study used the semistructured interview as the data collection tool and the content analysis proposed by Bardin (2011) as the data interpretation method. The results made it possible to conclude that professional invisibility can be seen, as reported by the respondents, mainly in the lack of acknowledgement, expressed through personal or professional devaluation, unequal treatment towards employees and contractors, which involves unfairness and work overload as well as humiliation, discrimination, indifference, wage deterioration and precarious working conditions, instability, low salaries and insufficient benefits. The research provided evidence on the need for reflection about the theme, more specifically regarding outsourced labor, since it represents a significant share of the workforce in Brazil, given the influence on the work environment and organizational results as well as the likelihood to impact employees’ physical and psychological balance. Key-words: Suffering at work; Invisibility at work; Outsourced labor. LISTA DE ILUSTRAÇÕES 1 Lista de Quadros Quadro 1 – Públicos por ramo de atuação ........................................................... Quadro 2 – Agrupamento de fatores comuns de sofrimento para o trabalhador brasileiro .............................................................. Quadro 3 – Pesquisa de periódicos .................................................................... 36 38 40 2 Lista de Tabelas Tabela 1 – Faixa etária dos entrevistados ........................................................... Tabela 2 – Nível de escolaridade ........................................................................ Tabela 3 – Áreas de estudo ................................................................................. Tabela 4 – Cargo e/ou profissão ......................................................................... Tabela 5 – Faixa de tempo como terceirizado ..................................................... Tabela 6 – Faixa de tempo na empresa atual ..................................................... Tabela 7 – Função equivalente na Contratante por Cargo e Gênero .................. Tabela 8 – Categoria Inicial Prazer ..................................................................... Tabela 9 – Categoria Sofrimento desmembrada em categorias intermediária e final .................................................... Tabela 10 – Condições de Trabalho ................................................................... Tabela 11 – Problemas Físicos ........................................................................... Tabela 12 – Problemas Psicológicos .................................................................. Tabela 13 – Mudança de Comportamento .......................................................... Tabela 14 – Reação ............................................................................................ Tabela 15 – Categoria Invisibilidade desmembrada em categorias intermediária e final .................................................. Tabela 16 – Imagem do terceirizado e da profissão ............................................ Tabela 17 – Diferença entre terceirizados e efetivos .......................................... Tabela 18 – Falta de reconhecimento ................................................................. 67 67 67 68 68 69 69 72 74 75 78 79 81 83 86 86 90 92 3 Lista de Figuras Figura 1 – Contagem dos trechos da Análise de conteúdo em Excel ................. 64 Figura 2 – Categorização Inicial, Intermediária e Final ....................................... 71 Figura 3 – Categorias da análise de conteúdo realizada .................................... 100 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ANAMATRA Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho AOCIP Association pour I’Ouverture Du Champ d’Investigation Psychopathologique (Associação para Abertura do Campo de Investigação Psicopatológica) CAT Comunicação de Acidente de Trabalho DIEESE Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos EMLURB Empresa Municipal de Limpeza Urbana EPI Equipamentos de Proteção Individual FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IES Instituição de Ensino Superior MPT Ministério Público do Trabalho MTE Ministério do Trabalho e Emprego OIT Organização Internacional do Trabalho TAC Termos de Ajustamento de Conduta TRT Tribunal Regional do Trabalho TST Tribunal Superior do Trabalho SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 14 1.1 Problema de pesquisa .................................................................................. 17 1.2 Objetivo geral ................................................................................................ 17 1.3 Objetivos específicos.................................................................................... 18 1.4 Justificativa ................................................................................................... 18 1.5 Estrutura da dissertação ............................................................................. 21 2 REFERENCIAL TEÓRICO ................................................................................ 22 2.1 O trabalho ao longo da história ................................................................... 22 2.2 O sofrimento no trabalho.............................................................................. 28 2.2.1 O sofrimento do trabalhador brasileiro ........................................................ 35 2.3 A invisibilidade profissional ........................................................................ 42 2.4 Os trabalhadores terceirizados ................................................................... 50 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS........................................................... 59 3.1 Caracterização da pesquisa ........................................................................ 59 3.2 Sujeitos de pesquisa .................................................................................... 60 3.3 Instrumentos de coleta de dados ............................................................... 61 3.3.1 Roteiro para entrevista ................................................................................ 62 3.4 Técnica de interpretação dos resultados ................................................... 62 3.5 Produto Técnico ........................................................................................... 65 4 ANÁLISE DOS DADOS .................................................................................... 66 4.1 Dados gerais dos entrevistados ................................................................. 66 4.2 Categorização ............................................................................................... 70 4.3 Categoria Inicial Prazer ................................................................................ 72 4.4 Categoria Inicial Sofrimento ........................................................................ 74 4.4.1 Categoria Intermediária Condições de Trabalho ......................................... 75 4.4.2 Categoria Intermediária Problemas Físicos ................................................. 78 4.4.3 Categoria Intermediária Problemas Psicológicos ........................................ 79 4.4.4 Categoria Intermediária Mudança de Comportamento ................................ 80 4.4.5 Categoria Intermediária Reação .................................................................. 83 4.5 Categoria Inicial Invisibilidade .................................................................... 86 4.5.1 Categoria Intermediária Imagem do terceirizado e da profissão ................. 86 4.5.2 Categoria Intermediária Diferença entre terceirizados e efetivos ................ 89 4.5.3 Categoria Intermediária Falta de Reconhecimento ..................................... 92 4.6 Principais resultados da análise .................................................................. 99 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 102 5.1 Limitações da Pesquisa ............................................................................... 105 5.2 Implicações gerenciais ................................................................................ 106 5.3 Recomendações para pesquisas futuras ................................................... 106 REFERÊNCIAS .................................................................................................... 108 Apêndice A ........................................................................................................... 120 Apêndice B ........................................................................................................... 122 14 1 INTRODUÇÃO O trabalho é fator de grande relevância na construção da identidade das pessoas, nas organizações e na sociedade. Os sinais disso ficam evidentes quando se descrevem, por exemplo, suas diversas faces no percurso da história (ANTUNES, 1999; BERNAL, 2010; BIANCHESSI e TITTONI, 2009; CARRETEIRO, 2003; COSTA, 2008; DEJOURS, ABDOUCHELI e JAYET, 2009; DINIZ, CARRIERI e BARROS, 2013; FERREIRA e MENDES, 2001; GOULART e SAMPAIO, 2004; HALLACK e SILVA, 2005; LOURENÇO, 2014; MELO e CASTILHO, 2009; MENDES e FERREIRA, 2007; NUNES, 2014; PÉREZ, 2013; QUINLAN e SOKAS, 2009; SARAIVA e IRIGARAY, 2009; SCHLINDWEIN, 2010; SEIDLER et al., 2014; SELIGMANN-SILVA, 2009; SZNELWAR, UCHIDA e LACMAN, 2011; UCHIDA, 1998; ULMANN, 2013; VIVIERS et al., 2008; WEBER e GRISCI, 2010; YILDIRIM e YILDIRIM, 2007; ZANELLI, 2010; ZUBERI e PTASHNICK, 2011). Ele já foi atividade para escravos, migrou de maldição para bálsamo, tornou-se uma parceria com Deus, motivo de status, forma de auto-expressão, sustento, arte, agente de transformação do mundo, caminho para a salvação, momento máximo de glória. Mas chegou um tempo em que o trabalho perdeu seu encanto e esperança e entrou em crise (BENDASSOLLI 1, 2007; BERNAL, 2010). As duas grandes revoluções industriais impactaram o modo de funcionamento do trabalho e, principalmente, a partir da década de noventa do século XX, com as alterações do cenário econômico e político internacional e a revolução tecnológica, as organizações passaram por mudanças em sua estrutura e em seu modo de funcionamento que enterneceram, diretamente, o trabalho. Paradoxalmente, os avanços tecnológicos ocorridos vão de encontro a perdas que a população enfrentou, como o desemprego e a desumanização do trabalho, por exemplo (ANTUNES, 2010; BERNAL, 2010; BRAVERMAN, 2011; GOULART e SAMPAIO, 2004; HIGH, 2013; HIRATA, 2011; LINKON, 2013; QUINLAN e SOKAS, 2009; SALAMA, 2002; ZANELLI et al., 2010). Outro fator que afetou de forma negativa a 1 Cabe esclarecer que, neste texto, autores de abordagens distintas foram trazidos para a discussão sobre a invisibilidade no trabalho. Bendassolli (2011), por exemplo, é um psicólogo behaviorista cujo foco é o indivíduo, enquanto outros, como Alves (2000) ou Antunes (2010), privilegiam um olhar mais macro, aproximando-se do Marxismo. Embora essa união possa causar algum estranhamento inicial, acredita-se que as duas perspectivas são capazes de trazer contribuições à compreensão do que, aqui, se investiga. Por isso, foram simultaneamente tratadas na dissertação, respeitando-se os limites e pressupostos de cada uma. 15 vida do trabalhador foi o enfraquecimento dos sindicatos, devido à precarização das condições de trabalho e ao desemprego estrutural que culminou em menor sindicalização dos trabalhadores, ocorrido tanto nacional quanto internacionalmente (ALVES, 2000; ANTUNES, 2010; SALAMA, 2002). No Brasil, a concentração do capital também provocou desordem no mundo do trabalho. Para Antunes (2010, p.23), Foram tão intensas as modificações, que se pode mesmo afirmar que a classe-que-vive-do-trabalho sofreu a mais aguda crise deste século, que atingiu não só a sua materialidade, mas teve profundas repercussões na sua subjetividade e, no íntimo inter-relacionamento destes níveis, afetou a sua forma de ser. O sofrimento no trabalho, por sua vez, está relacionado às condições, à forma de organização e às relações socioprofissionais que tolhem a plena realização do homem, sua liberdade, afetam a expressão da subjetividade e a identidade do indivíduo. Como as pessoas precisam do trabalho para sobreviver, se sujeitam a padrões de comportamento que podem ser fonte de prazer, quando são gratificados, ou de desgosto (MENDES e FERREIRA, 2007). O sofrimento do trabalhador já foi retratado nas mais diversas áreas de atuação: com especialistas em informática (UCHIDA, 1998); atendentes presenciais (FERREIRA e MENDES, 2001); enfermeiros (LIMA JÚNIOR e ÉSTHER, 2001); bancários (ADLER e SILVA, 2013; GRAVINA, 2002; GRISCI, 2003; GRISCI, HOFMEISTER e BECKER, 2006; SANTOS, SIQUEIRA e MENDES, 2011); trabalhadores da indústria de calçados, fiação, tecelagem, metalurgia e produção de cartões de crédito (MERLO et al., 2003); gestores e profissionais da saúde do setor de serviços (BRANT e MINAYO-GÓMEZ, 2007); vendedores (ANTLOGA e MENDES, 2009); profissionais de recursos humanos (CASTRO e CANÇADO, 2009); trabalhadores do setor penitenciário (SOUSA e MENDONÇA, 2009); chefias intermediárias em hospitais (WEBER e GRISCI, 2010); portadores de deficiência auditiva e física (LEÃO e SILVA, 2012); terceiro setor (SALIMON e SIQUEIRA, 2013); docentes (MARTINS e HONÓRIO, 2014); funcionários de uma instituição de ensino superior (VASCONCELOS e FARIA, 2008); terceirizados (BARROS e MENDES, 2003; BRITO, MARRA e CARRIERI, 2012; CAVALCANTE, OLIVEIRA e CAVALCANTE, 2009; COSTA, 2007; DÉCOSSE, 2013; DIEESE, 2012a; LIMA, 2010; QUINLAN e SOKAS, 2009). 16 Uma das possíveis causas de sofrimento no trabalho é a invisibilidade, investigada pela Administração, Psicologia e Sociologia. Pela revisão de literatura realizada para o desenvolvimento deste estudo, observou-se que a invisibilidade está relacionada a sofrimento, ainda que isso não ocorra em todas as situações. Na concepção de Costa (2008), trata-se de uma violência simbólica e material que oprime cidadãos das classes pobres, representando uma humilhação social, uma lacuna entre os cegos superiores e os subalternos. Essa invisibilidade pode ser percebida de várias formas: relacionada à falta de reconhecimento 2 (NELSON, 2011; NUNES, 2014; TEIXEIRA, 2004); ao sentimento de existir sem ser visto (CAVEDON e FERRAZ, 2005; COSTA, 2008); à junção dos dois primeiros (SZNELWAR, UCHIDA e LACMAN, 2011); como forma de discriminação econômica e social (SARAIVA e IRIGARAY, 2009); pela desvalorização e desqualificação da pessoa (BIANCHESSI e TITTONI, 2009; DINIZ, CARRIERI e BARROS, 2013; MELO e CASTILHO, 2009). Com raras exceções (CASTANHA e ZAGONEL, 2005; SARAIVA e IRIGARAY, 2009), nos estudos consultados a invisibilidade está associada à forma como é efetivada a divisão social do trabalho. A escolha por compreender melhor esse tema, por meio do estudo com terceirizados, deve-se à presença de características da invisibilidade como geradoras de sofrimento para esses trabalhadores. Assim, a falta de reconhecimento, a discriminação e a desvalorização, por exemplo, já foram descritas em pesquisas prévias, cujo foco é o sofrimento no trabalho desses profissionais, embora essa relação com a questão da invisibilidade não tenha sido, necessariamente, discutida nesses estudos (BARROS e MENDES, 2003; BRITO, MARRA e CARRIERI, 2012; CAVALCANTE, OLIVEIRA e CAVALCANTE, 2009; COSTA, 2007; LIMA, 2010; DÉCOSSE, 2013; QUINLAN e SOKAS, 2009). Também auxiliaram na definição do público a pesquisa na internet de algumas notícias relacionadas à terceirização, tema que tem despertado a atenção da grande mídia, na atualidade. Esta tem retratado a discriminação, a desvalorização e a precarização do salário e das condições de trabalho desses profissionais (BRASIL, 2015b; 2 Nesse sentido, o reconhecimento pode ser entendido como uma questão de justiça e de necessidade humana vital, para Fraser e Taylor respectivamente. Para esses autores, o não reconhecimento implica em subjetividade prejudicada e autoidentidade danificada, pois impedem o sujeito de ter uma visão positiva de si mesmo. In FRASER, Nancy. Reconhecimento sem ética? Lua Nova, São Paulo, 70: 101-138, 2007. 17 DIREITO PÚBLICO, 2013; FREITAS, 2015; FREITAS, 2015b; PORTAL NACIONAL DO DIREITO DO TRABALHO, 2014; REPÓRTER BRASIL, 2014). O Projeto de Lei nº 4330/2004, que trata das regras para a terceirização, por exemplo, foi recentemente aprovado na Câmara dos Deputados, mas sob discussões e controvérsias de várias partes. Para a Justiça do Trabalho, o ponto mais polêmico é a terceirização de atividades-fim, considerada ilegal (SIQUEIRA e BITTAR, 2015). A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA) e o Ministério Público do Trabalho (MPT) também se opõem ao texto do projeto. Carlos Eduardo Lima, Presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, afirmou: “temos estatísticas que comprovam que o terceirizado, mesmo com grau de especialização semelhante ao contratado, trabalha mais horas, ganha menos, se acidenta muito mais e isso é ruim para a sociedade sob todos os aspectos” (SIQUEIRA, 2015, p. 1). Isso reforça a impressão de que se trata de um assunto sobre o qual cabem reflexões. Diante do exposto assume-se, como problema de pesquisa, o seguinte: 1.1 Problema de pesquisa Como se manifesta o sentimento de invisibilidade profissional no trabalho de funcionários terceirizados de Belo Horizonte? O objetivo geral da pesquisa envolve: 1.2 Objetivo geral Retratar a manifestação do sentimento de invisibilidade profissional no trabalho de funcionários terceirizados da capital mineira. Como objetivos específicos, foram adotados os expostos a seguir: 18 1.3 Objetivos específicos Descrever o cotidiano desses funcionários terceirizados, segundo seu próprio relato, no que se refere aos aspectos relacionados ao sofrimento no trabalho; Identificar, dentre esses aspectos, aqueles referentes à invisibilidade profissional e quais são os mais frequentes; Retratar o sentimento de invisibilidade profissional para os funcionários terceirizados entrevistados; Desenvolver, como produto técnico, uma cartilha para definir a Invisibilidade Profissional, de modo a disseminar o conceito, sobretudo entre gestores de pessoas e estudantes de Administração. 1.4 Justificativa A escolha por tratar o tema da invisibilidade com profissionais terceirizados se iniciou a partir da experiência da autora deste estudo, como terceirizada, e também pela sua percepção do sofrimento de alguns colegas de trabalho, nessa mesma situação, relacionado ao sentimento de invisibilidade profissional. Essa percepção de que o sentimento de invisibilidade pode ser fonte de sofrimento é confirmada nos estudos de Cavalcante, Oliveira e Cavalcante (2009), Costa (2007), Nery (2011) e Santos et al. (2009) e foi percebida pela autora da pesquisa, na sua prática diária, por meio da distinção de tratamento entre efetivos e terceirizados, desvalorização da pessoa, sobrecarga de trabalho, falta de perspectiva de carreira, instabilidade e indiferença por parte dos efetivos. Daí sua intenção de certificar se essa impressão foi fruto de sua experiência como terceirizada ou se acontece com outros trabalhadores nessa condição. Se, por um lado, alguns autores apontam as vantagens que a terceirização traz para as organizações (BERNSTORFF e CUNHA, 1999), sobretudo em termos de enxugamento de custos e ganhos de flexibilidade, por outro há pesquisadores que enxergam, nesse fenômeno, a origem de uma série de problemas que os trabalhadores enfrentam. Na concepção de Nery (2011), por exemplo, a terceirização é muito mais um mecanismo de exclusão social do que, de fato, um modelo de gestão. Para o autor, esse processo tem considerável custo social pois, além de precarizar o salário e as condições de trabalho e promover instabilidade e 19 insegurança, contribui para a debilitação da saúde física e psíquica dos trabalhadores. O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) considera, como grupos de informais, o empregado ilegal, o subcontratado e os trabalhadores por conta própria. O primeiro e o terceiro são caracterizados pela ausência da carteira de trabalho assinada. O segundo, no caso os terceirizados, está relacionado à percepção dos novos modelos de precarização surgidos no mercado de trabalho brasileiro, principalmente, após a reestruturação produtiva dos anos 1990. Essa modalidade prejudica o trabalhador ao fragilizar a proteção social trabalhista e previdenciária e descaracteriza o emprego no tocante à relação de subordinação. Por outro lado, beneficia as empresas ao propiciar a redução de obrigações legais que culminam em menos custos (DIEESE, 2012a). Uma estatística que, dentre outros aspectos, justifica o estudo desse público é da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Segundo dados da instituição, no mundo, 1 bilhão e 200 milhões de pessoas estão desempregadas ou sujeitas à precarização do salário e das condições de trabalho. Desse contingente, cerca de um terço da força humana mundial que trabalha, significativa parcela é de terceirizados que, sujeitos a essa modalidade, perderam direitos trabalhistas e previdenciários que degradam sua qualidade de vida (ANTUNES, 2010). No Brasil, cerca de 25% da mão-de-obra é de terceirizados, que recebem rendimentos bem menores que os empregados formais, possuem jornada de trabalho mais extensa (DIEESE, 2012a) e estão mais sujeitos a acidentes e mortes no trabalho (CAVALCANTI, 2015). Na audiência da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, cujo tema do debate era o Projeto de Lei nº 4.330/2004, a assessora da direção técnica do DIEESE, Lílian Marques, apresentou alguns números sobre a situação dos terceirizados no Brasil. Nas dez maiores operações para resgate de trabalhadores em situação análoga à escravidão, aproximadamente 3.000, de 3.553, envolviam empregados terceirizados. No setor elétrico morreram 79 trabalhadores em 2013 e, desses, 61 eram terceirizados. Na construção civil, nas obras de levantamento de edifícios, 75 óbitos, de 135, eram de terceirizados. Nas obras de acabamento, de 20 mortes, 18 eram de terceirizados. Na terraplanagem, ocorreram 19 óbitos e somente 1 era de empregado próprio. Nos serviços especializados, 30 de 34 mortes eram de terceirizados (CAVALCANTI, 2015). 20 Assim, a relevância da elaboração deste estudo está associada, em especial, à necessidade de provocar reflexões sobre as situações em que a invisibilidade profissional significa sofrimento para o trabalhador terceirizado. Afinal, como outros fatores que geram sofrimento no trabalho, a invisibilidade, em algumas situações, acarreta danos à vida pessoal e profissional dos trabalhadores e pode ocasionar adoecimento e afastamento. Quanto às organizações, pode impactar negativamente o clima de trabalho e reduzir a produtividade (ANTUNES, 1999; ANTUNES, 2010; BERNAL, 2010; ARGOLO e ARAÚJO, 2004; CANIATO, CESNIK e ARAÚJO, 2010; CARDOSO, 2008; COSTA, 2007; GRAVINA, 2002; GRISCI, 2003; GRISCI, HOFMEISTER e BECKER, 2006; HALLACK e SILVA, 2005; UCHIDA, 1998; ZANELLI et al., 2010). A contribuição teórica que este trabalho busca oferecer reside em demonstrar que existe uma lacuna nos cursos de Administração e de Gestão de Pessoas por não associar a invisibilidade aos terceirizados. A autora acredita que desnudar esse sentimento pode auxiliar na compreensão de suas origens, características e efeitos bem como sensibilizar os gestores e colegas de trabalho sobre a importância de tratar, sem distinção, os terceirizados. Além disso, aqui se recorre a autores de diferentes linhas teóricas, que mantêm pressupostos distintos e, dificilmente, são tratados em conjunto. Contudo, acredita-se que uni-los – respeitando as premissas de cada um – pode significar um avanço na compreensão da realidade que a pesquisa investiga, de modo que o fato de se ter recorrido a esses autores pode significar, por si só, outra contribuição teórica do trabalho. Como contribuição social, espera-se que os resultados deste estudo descortinem o panorama do que é desfavorável para esse público. Isso pode acarretar, imagina-se, algumas melhorias para esses profissionais, cuja proteção social trabalhista e previdenciária já é frágil. Talvez favoreça, também, para a criação de um ambiente de trabalho melhor, com menos doenças, menos afastamento do trabalho e, acredita-se, mais satisfação. Como contribuição econômica e prática, almeja-se que a melhora nas condições de trabalho dessas pessoas, possibilitada pelo entendimento de sua condição de invisível, acarrete desempenhos superiores para as próprias organizações. Afinal, farta literatura discorre sobre a relação entre a satisfação dos funcionários e sua performance. 21 Assim, pretende-se que o resultado desta pesquisa contribua para promover reflexões a respeito do sentimento de invisibilidade profissional,quando revelado de forma negativa e prejudicial na vida dos trabalhadores terceirizados, para ajudar a transformar essas realidades e, também, promova melhora do clima organizacional e da satisfação no trabalho para, assim, auxiliar no alcance de resultados organizacionais. 1.5 Estrutura da dissertação Essa dissertação está estruturada em cinco capítulos. Na Introdução, constam uma síntese do que será explorado ao longo do referencial teórico, o problema de pesquisa, objetivos geral e específicos, além da justificativa do estudo. O Referencial Teórico inicia-se com um panorama sobre o trabalho ao longo da história. Em seguida, discorre sobre o sofrimento no trabalho e o sofrimento do trabalhador brasileiro. A invisibilidade profissional é, então, conceituada e discutida e, como fechamento do referencial, é descrito o trabalho dos terceirizados para demonstrar suas características de sofrimento e invisibilidade. No capítulo que trata da Metodologia, apresentam-se os seguintes tópicos: caracterização da pesquisa, sujeitos de pesquisa, instrumento de coleta de dados, técnica de interpretação dos resultados e produto técnico. Logo após, no penúltimo capítulo, encontra-se exposta a análise dos dados do estudo. A dissertação é encerrada com as considerações finais do trabalho, suas limitações, implicações gerenciais e sugestões para estudos futuros. 22 2 REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 O trabalho ao longo da história Com o objetivo de compreender o atual papel do trabalho, é preciso recorrer ao seu sentido, valor e importância, que nem sempre foram os mesmos ao longo da história ocidental. Vem da Grécia e da Roma antigas o berço da concepção clássica do trabalho. Nessa época, era preciso atender as necessidades básicas das pessoas e não se atribuía valor nem à tarefa nem ao indivíduo. O trabalho possuía pouca importância na construção da subjetividade, fato esse observado ao longo de toda a Antiguidade, Idade Média e Renascimento. Ele não tinha status nem prestígio em si, como acontecia com o cultivo da razão entre os gregos, o cuidado com a alma e a busca de salvação entre os medievos ou, até mesmo, a construção estéticoartística da própria vida para os renascentistas. Na Grécia Antiga, por exemplo, o trabalho era tido como uma atividade inferior e humilhante, dirigida às mulheres e aos escravos. Aos membros das classes superiores ficava o encargo do trabalho intelectual. Da mesma forma, no Império Romano, os homens com melhores condições estavam destinados às preocupações com a guerra e a política, ao passo que o trabalho manual, atividade inferior e degradante, era destinada aos escravos e homens livres pobres. Esse conceito permaneceu até o início do século XV e mudou com a percepção do trabalho como um esforço físico ou intelectual destinado a alguma atividade (BENDASSOLLI, 2007; BERNAL, 2010; GOULART e PAPA FILHO, 2013). Na tradição judaica, o homem foi condenado a trabalhar como castigo pelo cometimento do pecado original. No Catolicismo e no Cristianismo, a visão do trabalho era semelhante, já que servia para aperfeiçoamento do corpo, da alma e louvor ao Criador. A Reforma Protestante fez um contraponto à interpretação cristã, ao defender que o trabalho é um modo de servir a Deus e que o caminho para o êxito passa pelo trabalho árduo. Os teóricos do Iluminismo também vislumbraram o trabalho como positivo, a economia clássica visualizou o trabalho como fonte de toda riqueza e de todo valor e o capitalismo considerou o trabalho pelo capital, não mais pelas necessidades humanas (BERNAL, 2010; GOULART e PAPA FILHO, 2013). Na Inglaterra, a partir do século XVIII até meados do século XIX, ocorreram ciclos de inovação, devido à “introdução de máquinas e equipamentos, de novas 23 formas de organização da produção e do desenvolvimento de novas fontes de materiais e energia”. Esse evento, conhecido como a Primeira Revolução Industrial, representou “um divisor de águas na história econômica do Ocidente, dados seus impactos sobre o crescimento da produtividade” e pela “substituição da habilidade e do esforço humano pelas máquinas” (TIGRE, 2006, p. 3 e p. 6, respectivamente). Até então, era a agricultura a principal atividade econômica realizada no mundo. As mercadorias eram concebidas de forma artesanal e não existia um produto como o outro. Contudo, as máquinas substituíram a força humana e a tração animal e também promoveram modificações na organização da produção, com a especialização e a capacitação dos trabalhadores. No fim do século XVIII, já se observava a Revolução Industrial empenhada no aumento da produtividade e do crescimento econômico por meio desse novo processo produtivo, mas com resistência dos trabalhadores à mecanização (TIGRE, 2006). De forma radical, as taxas de produção e de lucro elevaram-se, houve o desenvolvimento do sistema financeiro, aumento exponencial da população urbana e da poderosa burguesia. Nessa época, a riqueza deixou de ser condenada para ser almejada e admirada e o conceito do trabalho passou a ser moderno: em vez de execrado, começou a ser visto com uma força essencial, como a capacidade de criar e acrescentar valor (BERNAL, 2010). Coincidente com o nascimento da sociedade industrial, o sentido e o valor do trabalho passaram a ser definidos em pelo menos cinco dimensões importantes: (1) como fonte de valor econômico; (2) como princípio moral; (3) como investidas ideológicas para domesticar e controlar trabalhadores ao mesclar pregação religiosa e paternalismo industrial; (4) como atividade de construção do ser e da subjetividade, pela qual o homem tem acesso à sua verdadeira essência; (5) como contrato social para ancorar distintos papeis e coordenar a cooperação e a solidariedade entre seus membros. A junção dessas cinco dimensões converge o trabalho para o posto de um dos principais valores políticos, culturais, sociais e psicológicos durante o século XIX e metade do século XX (BENDASSOLLI, 2007). Na segunda metade do século XIX, o processo de industrialização na Europa se aprofundou e definiu a Segunda Revolução Industrial. Após décadas de aprimoramento tecnológico das máquinas a vapor, houve uma explosão de inovações sem precedentes na indústria manufatureira, principalmente a metalúrgica, bem como nos transportes ferroviário e marítimo. A indústria têxtil 24 concluiu o processo de substituição de energia hidráulica e humana pelas máquinas a vapor. Nessa época, Marx elabora sua teoria do valor-trabalho com a preocupação de analisar o impacto da questão tecnológica na sociedade. Como a tecnologia permitia o aumento da exploração da força de trabalho pelos mecanismos de oferta e procura, a mão-de-obra era poupada e, consequentemente, os salários eram diminuídos, o que culminava em piores condições de trabalho (TIGRE, 2006). Assim, o início do século XX, período em que surgiu a grande empresa industrial, assistiu à rápida difusão das inovações tecnológicas e organizacionais, que foram amadurecidas por algumas décadas, com a ampliação da escala e da geografia dos negócios (ANTUNES, 2010; TIGRE, 2006). Essas inovações, sobretudo as promovidas por Ford e Taylor, contribuíram expressivamente para a alteração da estrutura da indústria. O novo modelo de empresa daí originado era de grande complexidade e exigia a organização das atividades e a aplicação de conhecimentos científicos, com altos custos agregados, para a produção em massa. A proposta de Taylor era dividir completamente o trabalho manual do intelectual. O primeiro era limitado à execução das tarefas definidas previamente, enquanto o segundo se incumbia de encontrar formas mais rápidas e produtivas para a realização da tarefa. Por meio dos estudos dos tempos e movimentos, Taylor enumera as regras técnicas e as normas essenciais para a realização do trabalho industrial (ANTUNES, 2010; BRAVERMAN, 2011; TIGRE, 2006). Com elas, promove uma expropriação intensificada do operário-massa, destituindo-o de qualquer participação na organização do processo de trabalho, já que sua atividade era desprovida de sentido e se resumida à repetição (ANTUNES, 1999). Respaldado nos princípios tayloristas, em 1913, Henry Ford inaugurou a linha de montagem de automóveis, cuja padronização visava facilitar a composição e reduzir a variedade de estoques. Todavia, esse modelo foi criticado pelo excesso de ênfase na especialização, que culminava na rigidez do processo e aproximava o trabalho do homem ao de uma máquina. Houve ataques a esse sistema desde os anos trinta, mas somente quarenta anos depois começaram a surgir outras formas de produção, mais flexíveis e cooperativas (ANTUNES, 2010; TIGRE, 2006). Dentre essas formas, tem-se o Toyotismo, modelo japonês que promove a especialização flexível em detrimento do cronômetro e da produção em série. Surgido após a II Grande Guerra, nos anos setenta, o modelo se espalhou pelo 25 mundo. Segundo Antunes (2010), o uso da inteligência do trabalhador e não somente da sua força muscular mostrou aos capitalistas que podiam multiplicar seus lucros, também, a partir da exploração da imaginação dos trabalhadores, que passaram a ter maior flexibilização como exigência. Na concepção de Alves (2000), Bernal (2010), High (2013) Linkon (2013) e Salama (2002), nesse contexto pós-crise do capital que atingiu vários países a partir de 1970, surge o que é denominado de novo complexo de reestruturação produtiva, uma ofensiva do capital na produção cuja finalidade era constituir um novo patamar de acumulação capitalista em escala planetária. Isso veio a debilitar ainda mais o mundo do trabalho e promoveu alterações importantes na subjetividade dos trabalhadores assalariados. Assim, o sentido do trabalho apresenta aspectos paradoxais. De um lado, é enfraquecido e desmontado nas cinco dimensões elencadas por Bendassolli (2007). De outro, gera perplexidade pela contraposição entre ainda ser uma das principais vias de acesso à renda e ter perdido a característica de “forte”, no sentido de ser um porto seguro na definição da identidade (ANTUNES, 2010; BENDASSOLLI, 2007; BERNAL, 2010). O último quartil do século XX experimentou, assim, uma nova revolução, decorrente do desenvolvimento e difusão das tecnologias da informação e comunicação (ANTUNES, 2010; CASTELLS, 1999; HIGH, 2013; LASTRES e FERRAZ, 1999; LIMA, 2010; TIGRE, 2006). O sistema fordista se esgotou e, desde então, a nova fase de destruição criadora mostrou-se intensiva em informação e conhecimento (TIGRE, 2006). Nisso consistiu a Terceira Revolução Tecnológica, que influenciou o capital, processos políticos e a classe trabalhadora. A adoção de políticas anti-sindicais, a desregulamentação da concorrência e a liberalização comercial tiveram força para a instauração de um novo poder do capital sobre o trabalho assalariado, que culmina na debilitação do mundo laboral. O resultado histórico da acumulação flexível sobre o mercado de trabalho é refletido no novo patamar de desemprego estrutural, assim como na proliferação da precarização nos principais países capitalistas. Nos anos 1990, surge uma nova configuração das desigualdades com a insegurança no mercado de trabalho, no emprego, na renda (ALVES, 2000; ANTUNES, 2010; BERNAL, 2010; GERMAIN, 2014; HIGH, 2013; HIRATA, 2011; KARABAY e McLAREN, 2010; LIMA, 2010; LINKON, 2013; QUINLAN e SOKAS, 2009; SALAMA, 2002). Com isso, direitos e conquistas 26 históricas dos trabalhadores são eliminados do mundo da produção (ANTUNES, 2010). Lastres e Ferraz (1999, p.27) complementam que a “intensa taxa de mudança técnica, mercados internacionalizados e desregulados constituem oportunidades e ameaças para países, empresas, trabalhadores, consumidores e cidadãos”. Zanelli et al. (2010) corroboram com esses autores, ao afirmarem que a dinâmica da evolução tecnológica impõe novos referenciais para as relações técnicas e sociais na produção e na prestação de serviços, pois a realidade dos trabalhadores do século XXI é favorável para quem possui alta qualificação e claramente desvantajosa para aqueles de baixa qualificação. Além disso, salientam que a nova divisão do trabalho aumenta a disparidade entre ricos e pobres (ZANELLI et al., 2010). Essas mudanças no processo produtivo repercutem diretamente no mundo das organizações, com prejuízos que incluem desregulamentação dos direitos do trabalho, eliminados cotidianamente; aumento da fragmentação no interior da classe trabalhadora; precarização e terceirização da força humana que trabalha; destruição do sindicalismo de classe e sua conversão num sindicalismo dócil, de parceria (ANTUNES, 1999). Bernal (2010, p.25) sintetiza o percurso do conceito do trabalho com a seguinte sequência dos acontecimentos: “seus antecedentes estão no século XVII, seu nascimento no século XVIII, desenvolveu-se nos séculos XIX e XX e está sofrendo uma transformação radical desde fins do último século e início do XXI. Contudo, ainda não podemos saber com certeza aonde essa mudança nos levará”. Especificamente no caso brasileiro, pode-se dizer que, no início dos anos 1990, a reestruturação produtiva, no País, adquiriu novo impulso e o ritmo de trabalho se acelerou, advindos de ações como privatizações, reestruturações, fusões, aquisições, terceirizações e enxugamentos. Organizações de grande porte incorporaram um conjunto de novas estratégias produtivas que atingiram o mundo organizacional com maior intensidade e foram generalizadas as pressões para a modernização das empresas no País. Os efeitos disso provocaram a desordem no mundo do trabalho. O ajuste imposto à classe trabalhadora, nesse processo de reestruturação, tem como resultado o desemprego em massa e a precarização do 27 salário e das condições de trabalho, mencionada por vários autores (ADLER e SILVA, 2013; ALVES, 2000; ANTUNES, 2010; ARGOLO e ARAÚJO, 2004; BENDASSOLLI, 2007; BERNAL, 2010; CANIATO, CESNIK e ARAÚJO, 2010; CARDOSO, 2008; COSTA, 2007; GOULART e SAMPAIO, 2004; GRAVINA, 2002; GRISCI, 2003; GRISCI, HOFMEISTER e BECKER, 2006; HALLACK e SILVA, 2005; HIRATA, 2011; KARABAY e McLAREN, 2010; LIMA, 2010; MARTINS e HONÓRIO, 2014; SALAMA, 2002; SANTOS, SIQUEIRA e MENDES, 2011; SATO e SCHMIDT, 2004; SOUSA e MENDONÇA, 2009; ZANELLI et al., 2010). Quanto à intensificação das atividades, Hirata (2011) salienta os múltiplos danos à saúde física e psíquica e o aumento da distância entre os que estão empregados/assalariados e os que estão à procura de emprego, o que pode significar a institucionalização da precariedade. Esses acontecimentos levaram alguns autores a questionarem a centralidade do trabalho (ALVES, 2000; ANTUNES, 1999; ANTUNES, 2010; ARGOLO e ARAÚJO, 2004; BERNAL, 2010; BRAVERMAN, 2011; CANIATO, CESNIK e ARAÚJO, 2010; CARDOSO, 2008; CLOT, 2007; COSTA, 2007; COSTA, 2008; DEJOURS, ABDOUCHELI e JAYET, 2009; GERMAIN, 2014; GRAVINA, 2002; GRISCI, 2003; GRISCI, HOFMEISTER e BECKER, 2006; HALLACK e SILVA, 2005; HIRATA, 2011; KARABAY e McLAREN, 2010; LIMA, 2010; LOURENÇO, 2014; POMPILI et al., 2008; RODRIGUES, MORIN e STREHLAU, 2009; SZNELWAR, 2011; UCHIDA, 1998; ZANELLI et al., 2010). Se o trabalho já foi entendido como principal âncora da identidade do indivíduo, hoje ele se torna fator de sofrimento, adoecimento e, em situações extremas, de suicídio. É o que demonstra a pesquisa de Hirata (2011) sobre o Brasil, França e Japão. A situação japonesa é tão grave que o suicídio por excesso de trabalho suplantou a morte por excesso de trabalho. Na França, foram 710 casos associados ao excesso de cansaço, 587 tiveram relação com o local de trabalho e 478 foram atribuídos a erros cometidos no trabalho. Ao todo, foram 1.775 suicídios relacionados ao trabalho, em 2010. Os principais motivos apontados envolvem intensificação das atividades, falta de solidariedade e de trabalho em equipe, isolamento social e assédio moral e psicológico. Diante de tudo isso, conclui Bendassolli (2007, p.25) que “mal-estar, insegurança e medo são apenas alguns dos exemplos de sintomas mais comuns da relação homem-trabalho em nossos dias”, o que configura um cenário propício para 28 a intensificação do sofrimento do trabalhador, tema do próximo tópico desta pesquisa. 2.2 O sofrimento no trabalho Cristophe Dejours é um autor relevante, quando o assunto é o sofrimento no trabalho, que ele entende como a perda de sentido na realização das tarefas. Como origens desse sofrimento, têm-se o medo de não ser competente o suficiente para ser valorizado e manter o emprego, a pressão para trabalhar mal que advém de normas incompatíveis, a falta de reconhecimento e a incapacidade de transformar o trabalho em prazer (SELIGMANN-SILVA, 2009). Médico do trabalho, psiquiatra e psicanalista, nos anos setenta do século XX já havia publicado várias pesquisas sobre os estudos psicossomáticos e as relações entre saúde e trabalho. Sua produção intelectual assinala um olhar amplo e integrador, que perpassa a filosofia do conhecimento e as ciências sociais. Mesmo sendo crítico das abordagens positivistas das pesquisas tradicionais em medicina do trabalho, valoriza a clínica do trabalho, bem como suas experiências. Além disso, desafia a psicanálise no sentido de considerar adequadamente os fenômenos do mundo do trabalho que geram impacto sobre a dinâmica intrapsíquica e a intersubjetividade (SELIGMANN-SILVA, 2009). A escola dejouriana foi constituída pela articulação de especialistas e espaços de pesquisa, inicialmente na França. A posteriori, transpôs fronteiras, atingindo o Brasil e outros países. Seu início teve como foco a dinâmica das situações de trabalho que ora conduziam ao prazer, ora conduziam ao sofrimento e que, em decorrência dos diferentes desdobramentos, poderiam culminar em patologia mental ou psicossomática. A estruturação dessa escola envolveu a Association pour l’Ouverture Du Champ d’Investigation Psychopathologique 3 (AOCIP), que integrou pensadores e pesquisadores de variadas inserções profissionais e institucionais para promover, sistematicamente, reuniões de estudo e seminários interdisciplinares, a fim de discutir pesquisa de campo e teoria, bem como outras iniciativas. Os produtos desse trabalho foram consolidados em livros ou publicados na forma de artigos. 3 Associação para Abertura do Campo de Investigação Psicopatológica 29 Mais do que estudar e identificar doenças mentais específicas, atreladas à profissão ou a situações laborais, a abordagem da nova Psicologia do Trabalho se preocupa com a dinâmica mais abrangente, ou seja, com a gênese e as transformações do sofrimento mental atreladas à organização do trabalho (SELIGMANN-SILVA, 2009). Outros autores também aprofundaram seus estudos sobre as consequências provenientes do trabalho na vida das pessoas (ALARCON, 2011; CLOT, 2007; FERNANDÉZ et al., 2013; HIRATA, 2011, PÉREZ, 2013; POMPILI et al., 2008; SEIDLER et al., 2014; VIVIERS et al., 2008). Karabay e McLaren (2010) argumentam que a volatilidade do mercado mundial enfraqueceu as relações de trabalho, diminuiu a lealdade das empresas para com os empregados e aumentou o desemprego. Antunes (2010) afirma que a década de 1980 assistiu, nos países de capitalismo avançado, a profundas transformações no mundo do trabalho, nas suas formas de inserção na estrutura produtiva, de representação sindical e política. Essas transformações trouxeram, segundo o autor, mais sofrimento para o mundo do trabalho. Zanelli et al. (2010, p. 11) desenvolveram um estudo que envolveu Brasil, Chile, Portugal e México e possibilitou enumerar fatores geradores de sofrimento no trabalho: ansiedade; depressão; doenças físicas e mentais; desgaste físico e emocional; aumento da carga de trabalho; remuneração reduzida; falta de reconhecimento; estresse; valores conflitantes. Também para Antunes (2010), Bernal (2010) e Limongi-França e Rodrigues (1997), a incerteza trazida por esse cenário, em relação à manutenção do emprego, tanto pela instalação de multinacionais em países que não possuem vínculos com seus povos, quanto pela crescente informatização que reduz a oferta de trabalho, é fator de sofrimento. Outro agravante que intensifica o sofrimento no trabalho são as manifestações de estresse ocorridas nas empresas em momentos de maior tensão, como cortes de pessoal, mudanças de chefias, novas tecnologias e formas de trabalhar. Para esses autores, esse panorama em que o trabalhador é visto como descartável diminui sua auto-estima, não considera seu trabalho como algo importante ou interessante, não reconhece seu esforço nem reforça sua identidade. Essas são, portanto, ameaças à dignidade humana, que permanecem nos dias atuais, talvez de forma ainda mais intensa. 30 Em decorrência da atual conjuntura de precarização das condições de trabalho, justifica-se abordar o impacto do desemprego, o estresse do trabalho, a síndrome do esgotamento profissional (burnout) e o assédio psicológico no trabalho (mobbing). Com relação ao desemprego, Bernal (2010) e Germain (2014) ressaltam seus efeitos psicossociais como, por exemplo: problemas de identidade; transtornos psíquicos menores; depressão; autoestima negativa; suicídio. Alguns fatores que pioram a situação do desemprego incluem a baixa oferta de proteção social, a família que não se constitui em fonte de apoio, o forte apelo para o consumo e a perda de status.No nível individual, o desemprego impacta fortemente a saúde mental, torna o indivíduo mais instável emocionalmente, traz efeitos como a infelicidade, problemas familiares, perda de amigos e relacionamentos, incrementa a solidão, o alcoolismo e outros vícios. No nível familiar, pode ocorrer depressão nas esposas quando o marido perde o emprego, aumento dos maus tratos sobre os filhos, uso de drogas, alterações comportamentais. No nível social, pode haver apatia em alguns e atitudes mais críticas e radicais em outros. O desemprego agrava o sofrimento psicológico das pessoas e deteriora o bem-estar psicológico (ARGOLO e ARAÚJO, 2004; CLOT, 2007; GERMAIN, 2014; HIRATA, 2011; LIMA, 2010; POMPILI et al., 2008; SATO e SCHMIDT, 2004), principalmente quando há significativa responsabilidade pelos encargos financeiros e a disponibilidade de recursos escasseia ou se exaure (ARGOLO e ARAÚJO, 2004). Abs e Monteiro (2010) relatam que as vivências de caráter negativo do desemprego estão relacionadas a desamparo, exclusão, falta de perspectiva, intenso medo e despotencialização de capacidades. A pesquisa de Castelhano (2005) pontuam que o medo do desemprego já é suficiente para tornar o trabalhador vulnerável e sujeito à dominação e ao controle. Como ratifica Hirata (2011), mesmo as carreiras estáveis apresentam o sentimento de insegurança no emprego. Com isso, perde-se o espírito de coletivismo e exacerba-se o individualismo. O estresse do trabalho é caracterizado por um esgotamento generalizado, físico, mental e emocional, que acarreta baixa autoestima e relações interpessoais bem mais deficientes e problemáticas. Além da depressão, o estresse também pode causar morte súbita que tem ocorrido, com frequência, entre os executivos japoneses (BERNAL, 2010). Para Murofuse, Abranches e Napoleão (2005), o estresse, sinônimo de cansaço, dificuldade, frustração, ansiedade, desamparo e 31 desmotivação, advém da busca da produtividade a qualquer preço sem levar em consideração seus impactos para os trabalhadores. Para Castelhano (2005) e Clot (2007), a empresa sempre promoveu um ambiente estressor, mas isso se intensificou nos últimos tempos, com o aumento do desemprego estrutural, que deixa o trabalhador sujeito à maior fragilização e vulnerabilidade. A pesquisa de Marchand, Demers e Durand (2005), com mais de nove mil trabalhadores assalariados em diversas ocupações no Canadá, concluiu que o estresse, os recursos e as condições de trabalho são fatores determinantes para o sofrimento psíquico. Richardson e Rothstein (2008) apud ZANELLI et al.(2010) realizaram 36 trabalhos experimentais, com 2.847 adultos e 55 programas de intervenção, para avaliar o estresse emocional relacionado ao trabalho. No Brasil, Chile e México o impacto do estresse é expressivo. Nos Estados Unidos, 80% dos acidentes de trabalho tiveram o estresse como um dos fatores envolvidos e, de 1997 a 2001, o número de trabalhadores norte-americanos com pedido de licença médica, proveniente do estresse, triplicou. Parte do estresse dos trabalhadores norteamericanos talvez possa ser explicada pelos estudos de High (2013) e Linkon (2013), em decorrência da desindustrialização sofrida nesse país, que ocasionou o desemprego de muitos, assim como a dificuldade de reposicionamento em outras atividades. Quanto ao burnout, para Hirigoyen (2000), Murofuse, Abranches e Napoleão (2005), Pérez (2013), Viviers et al. (2008), Santos, Pereira e Carlotto (2010) e Seidler et al. (2014), esta síndrome do esgotamento profissional tem como componentes a exaustão emocional, a despersonalização e o não envolvimento pessoal no trabalho. Bernal (2010) salienta que os sintomas são semelhantes aos do estresse: físicos (fadiga crônica, cefaleias, insônia, transtornos gastrointestinais, perda de peso e dores musculares); cognitivo-afetivos (distanciamento afetivo, irritação, receios, falta de concentração, baixa autoestima, pessimismo, indecisão); comportamentais (faltas ao trabalho, abuso de drogas, condutas violentas, comportamentos de alto risco). As consequências para o trabalhador envolvem impactos emocionais (sentimentos de solidão, de dispersão e de impotência, ansiedade); de atitude (não verbalização, cinismo, apatia, hostilidade, desconfiança); de conduta (agressividade, isolamento, mudanças bruscas de humor, zanga frequente, irritação); psicossomáticos (dor no peito e palpitações, hipertensão, crises 32 respiratórias, maior incidência de infecções, aparecimento de alergias, dores cervicais e de coluna, fadiga, alterações menstruais, úlcera gastroduodenal, diarreia, enxaqueca e insônia). Para a organização, as consequências incluem: baixa satisfação no trabalho; tendência de abandonar o trabalho; maior número de faltas; perda da qualidade do serviço. Dentre os fatores que contribuem para essa síndrome, é possível enumerar: a desvalorização da profissão na sociedade; ambiguidade de função; falta de apoio no ambiente de trabalho; relações tensas e conflituosas com colegas de trabalho (BERNAL, 2010; HIRIGOYEN, 2000; MUROFUSE, ABRANCHES E NAPOLEÃO, 2005). Outras pesquisas comprovaram a relação que a organização do trabalho, tarefas e condições sociais mantêm com essa síndrome como, por exemplo, as de Alarcon (2011), Germain (2014), Pérez (2013) e Santos, Pereira e Carlotto (2010). Pelos estudos realizados, Seidler et al. (2014) ratificam que o burnout prevalece nas profissões de docentes, médicos e enfermeiros e é um potencial desenvolvedor da depressão, mas há autores que investigaram o fenômeno em distintas profissões, como Viviers et al. (2008). Outro fator de sofrimento é o assédio psicológico no trabalho, que tem como sinônimos os termos mobbing, bullying, assédio moral, assédio psicológico ou terror psicológico no trabalho e é definido pela violência pessoal, moral e psicológica no ambiente de trabalho (BARRETO, 2006; FERNANDÉZ et al., 2013; GUIMARÃES e RIMOLI, 2006; HIRIGOYEN, 2000; POMPILI et al., 2008; YILDIRIM e YILDIRIM, 2007). Esse assédio não é exclusividade de determinados países, mas um fenômeno generalizado. O interesse pelo tema não parece ser de ordem altruísta ou humanista e, sim, econômico, como pontuam Guimarães e Rimoli (2006), devido aos custos que implica com saúde, absenteísmo, baixa produtividade e rotatividade de pessoal. O assédio psicológico no trabalho é caracterizado pela intensidade e repetição contínua da agressão (críticas, menosprezo, ameaças) e pela ilegitimidade de seus ataques, que têm a intenção de destruir psicologicamente um indivíduo. Os sintomas e consequências para o trabalhador são bastante semelhantes aos do burnout (BERNAL, 2010; FERNANDÉZ et al., 2013; HIRIGOYEN, 2000; POMPILI et al., 2008; SEIDLER et al., 2014; YILDIRIM e YILDIRIM, 2007). Para esses autores, o mobbing decorre da atual situação do trabalho, caracterizada pela competição de todos contra todos, pelo contexto de incerteza, de ameaça e de medo do futuro. O 33 mais grave desse assédio é que cerca de 20% dos assediados sofrem a total exclusão profissional e/ou social e, em algumas situações, podem chegar ao extremo do suicídio (BERNAL, 2010; POMPILI et al., 2008; YILDIRIM e YILDIRIM, 2007). A relação homem-trabalho remete a três questões preliminares que exercem influência sobre o sofrimento: (1) o organismo do trabalhador não é um motor; (2) o trabalhador possui uma história pessoal com características únicas e (3) cada trabalhador possui uma estrutura de personalidade distinta. Segundo Dejours, Abdoucheli e Jayet (2009), essas premissas estão diretamente relacionadas ao sofrimento ou prazer do trabalhador diante da organização do trabalho. De acordo com os autores, há duas categorias de trabalho: o fatigante e o equilibrante. A primeira representa fonte de tensão e de desprazer, enquanto a segunda trata do trabalho livremente escolhido ou organizado. Assim, fica claro que a organização do trabalho, que determina a divisão do trabalho e dos homens, pode gerar sofrimento ou prazer para o trabalhador. É fonte de sofrimento quando entendida como a vontade do outro de dominar, controlar e explorar ao máximo a força de trabalho, quando não é mais possível rearranjar a organização do trabalho. É fonte de prazer quando, dentre outros aspectos, há mais liberdade no estabelecimento do que será realizado. Por isso, a mesma organização do trabalho que afeta um não causa igual efeito em outro. Em um de seus estudos, Dejours (2000, p. 27) aborda a relação entre sofrimento e trabalho e afirma que é fantasia a atenuação ou completa eliminação do sofrimento no trabalho em decorrência da “mecanização e robotização, que teriam abolido as obrigações mecânicas, as tarefas de manutenção e a relação direta com a matéria que caracterizam as atividades industriais”. Para ele, o sofrimento dos que trabalham pode ser retratado pelas tarefas arriscadas para a saúde, principalmente nas situações frequentes de infrações às leis trabalhistas, pelo medo da incompetência, pela pressão para trabalhar mal, pela desesperança de reconhecimento, pelas estratégias defensivas e pela própria negação do sofrimento, que serão explicados a seguir. Sobre esses fatores que desencadeiam o sofrimento no trabalho, o medo da incompetência acontece quando resta dúvida se um problema ocorreu por falha humana ou por anomalias do sistema técnico. Já a pressão por trabalhar mal decorre da forma de organização do trabalho, que pode conflitar com os valores do 34 trabalho bem executado, aliado ao senso de responsabilidade e ética profissional. A desesperança de reconhecimento, que pode desestabilizar o referencial do indivíduo em que se apóia a identidade, está relacionada à indiferença ou negação do esforço por se fazer o melhor, com utilização de muita energia, paixão e investimento pessoal dos que trabalham (DEJOURS, 2000). Mas há também tentativas de minimizar o sofrimento no trabalho, quer pela sua negação, quer pela adoção de estratégias defensivas. Para Dejours (2000), as estratégias de defesa são uma forma de mascarar o sofrimento no trabalho que pode contribuir para tornar aceitável aquilo que não deveria ser aceito. Trata-se de mecanismos necessários para o trabalhador proteger sua saúde mental contra os efeitos deletérios do sofrimento, mas que, inclusive, pode funcionar como armadilha para insensibilizar tudo aquilo que faz sofrer. Vários autores relatam a utilização de estratégias de defesa por parte dos trabalhadores para minimizar o sofrimento no trabalho (CANÇADO, 1994; CÂNDIDO, 2004; CASTRO e CANÇADO, 2009; LOURENÇO, 2014; MENDES, VIEIRA e MORRONE, 2009; OLIVEIRA e GARCIA, 2011; VILELA, GARCIA e VIEIRA, 2012; VIEIRA, 2014; VIVIERS et al., 2008). Um deles é Bernal (2010), que aborda essas estratégias, referentes ao estresse, sob duas óticas: enfrentamento e prevenção. Quanto ao enfrentamento, o autor as agrupa em estratégias para mudar a fonte do estresse, o significado ou a percepção do estressor e controlar os sentimentos de insatisfação produzidos pelo estresse. Quanto à prevenção, o autor defende a intervenção organizacional para mitigar os elementos estressores. Em aspectos como este reside uma das contribuições da psicodinâmica do trabalho proposta por Dejours, que representa um avanço do conceito de psicopatologia, cuja crença era a de que o trabalho é fator causador de adoecimento sem considerar a estrutura de personalidade de cada pessoa (DEJOURS, ABDOUCHELI e JAYET, 2009). Vários estudos utilizam as idéias dessa escola (ABS e MONTEIRO, 2010; ANTLOGA e MENDES, 2009; BIANCHESSI e TITTONI, 2009; CANIATO, CESNIK e ARAÚJO, 2010; CASTELHANO, 2005; CASTRO e CANÇADO, 2009; CECCON et al., 2014; COSTA, 2007; FERREIRA e MENDES, 2001; FLACH et al., 2009; GRAVINA, 2002; HALLACK e SILVA, 2005; KARAM, 2003; LEÃO e SILVA, 2012; LIMA JÚNIOR e ÉSTHER, 2001; MARTINS e HONÓRIO, 2014; MERLO e LAPIS, 2007; MERLO et al., 2003; NUNES, 2014; RODRIGUES, MORIN e STREHLAU, 2009; SALIMON e SIQUEIRA, 2013; 35 SANTOS, SIQUEIRA e MENDES, 2011; SATO e SCHMIDT, 2004; SOUSA e MENDONÇA, 2009; SZNELWAR, UCHIDA e LACMAN, 2011; UCHIDA, 1998; VASCONCELOS e FARIA, 2008; WEBER e GRISCI, 2010; WERLANG e MENDES, 2013), demonstrando o reconhecimento dos progressos que fez na compreensão de um tema tão importante, como o sofrimento no trabalho. 2.2.1 O sofrimento do trabalhador brasileiro A história social do trabalho, no Brasil, relaciona-se ao panorama da transição do trabalho escravo para o livre. As marcas deixadas pela escravidão, no país, culminaram numa ética do trabalho degradado, que deprecia o trabalhador e fomenta desigualdades. Essa herança ditou as condições de reprodução da desigualdade social e a divisão do trabalho (CARDOSO, 2008). O sofrimento do trabalhador brasileiro, independentemente de sua profissão, também já foi objeto de estudo de muitos pesquisadores, como Abs e Monteiro (2010), Caniato, Cesnik e Araújo (2010), Castelhano (2005), Flachet al. (2009), Hallack e Silva (2005), Karam (2003), Merlo e Lapis (2007), Nogueira (2003) e Werlang e Mendes (2013). Em todos esses estudos, é comum o entendimento de que o sofrimento no trabalho é um aspecto a ser combatido, dados seus impactos não só sobre os resultados organizacionais, mas também sobre o trabalhador. O sofrimento do trabalhador brasileiro pode ser visto, dentre outros aspectos, por meio de sua face mais letal: o suicídio. No País, constatou-se um aumento nas taxas de morte por suicídio de 4,5/100 mil em 2000 para 5,7/100 mil em 2007 (CECCON et al, 2014). Os resultados dos estudos do autor sugerem que a precarização do trabalho, a redução do poder de barganha do trabalhador e o medo do desemprego pioram a qualidade de vida do trabalhador e promovem sofrimento físico e mental. Este, por sua vez, traz o aumento do risco de autoagressão. De modo mais incisivo, Freitas (2011, p. 54) posiciona o suicídio como um problema organizacional: o aumento desse evento em ambientes de trabalho desperta a atenção para a necessidade de refletir sobre até que ponto a organização do trabalho não seria corresponsável por esse tipo de acontecimento. O fato de os suicidas retratados na pesquisa da autora não serem desempregados ou pessoas pouco qualificadas, e sim indivíduos bem posicionados, traz à tona o problema de 36 que o sofrimento no trabalho, que pode resultar nesse tipo de atitude extrema, envolve desde o chão de fábrica até hierarquias superiores. Várias pesquisas nacionais foram desenvolvidas a respeito do sofrimento do trabalhador para os mais diferentes públicos, como se pode observar no Quadro 1: Quadro 1 – Públicos por ramo de atuação Ramo de atuação Autores Especialistas em informática do setor bancário Uchida (1998) Atendente presencial Ferreira e Mendes (2001) Enfermeiros Lima Júnior e Ésther (2001) Bancários Adler e Silva (2013); Gravina (2002); Grisci (2003); Grisci, Hofmeister e Becker (2006); Santos, Siqueira e Mendes (2011) Trabalhadores da indústria de calçados, fiação, tecelagem, metalurgia e produção de cartões de crédito Merlo et al. (2003) Trabalhadores, gestores e profissionais da saúde do setor de serviços em Belo Horizonte Brant e Minayo-Gómez (2007) Terceirizados no Ministério Público do RS Costa (2007) Funcionários de uma IES das áreas técnicoadministrativas, gestão administrativa e acadêmica Vasconcelos e Faria (2008) Vendedores de material de construção Antloga e Mendes (2009) Profissionais de recursos humanos Castro e Cançado (2009) Trabalhadores do setor penitenciário Sousa e Mendonça (2009) Chefias intermediárias em hospitais Weber e Grisci (2010) Portadores de deficiência auditiva e física Leão e Silva (2012) Organizações ambientalistas do terceiro setor Salimon e Siqueira (2013) Docentes Martins e Honório (2014) Fonte: elaborado pela autora Nesses estudos, inúmeros motivos foram elencados como origem para o sofrimento do trabalhador. Uchida (1998), por exemplo, pesquisou especialistas em informática, do setor bancário, e identificou alguns deles: sensação de que o trabalho não é “seu” e perda de capacidade de impor limites à invasão da 37 organização na vida pessoal. As pesquisas com bancários realizadas por Adler e Silva (2013), Gravina (2002), Grisci (2003), Grisci et al. (2006), Santos, Siqueira e Mendes (2011) descrevem: migração para o trabalho informatizado; menor índice de relacionamento com os clientes devido às diversas modalidades de atendimento; possibilidade de obsolescência do conhecimento; relacionamentos de curto prazo e o nomadismo voluntário (intensificação da mobilidade, disponibilidade constante e ilimitada, instabilidade nas relações familiares e pessoais e perda de controle da própria vida). Ferreira e Mendes (2001), por sua vez, ao investigarem atendentes presenciais, descobriram, como fontes de sofrimento: (1) a configuração do espaço físico; (2) os recursos visuais deficitários; (3) os problemas de concentração no trabalho, que dificultam sua realização e (4) o conflito de interação entre os funcionários e o sistema informatizado, que impacta negativamente o atendimento ao usuário. Lima Júnior e Esther (2001) salientam que o sofrimento para os enfermeiros é decorrente, dentre outros elementos, da jornada de trabalho noturna e da obrigação de se portar sempre como profissional, ou seja, sem demonstração de sentimentos mediante o sofrimento do paciente. Para esse mesmo público, Weber e Grisci (2010) acrescentam a questão do cotidiano de convívio com a doença. Para os trabalhadores da indústria de calçados, fiação, tecelagem, metalurgia e produção de cartões de crédito os motivos de sofrimento incluem, por exemplo, o uso das novas tecnologias, que força o ritmo de trabalho, a redução do tempo de pausa e lanche e,até mesmo,o controle sobre a utilização do banheiro (MERLO et al., 2003). Os funcionários das organizações ambientalistas do terceiro setor, objeto de estudo de Salimon e Siqueira (2013), registraram como motivos de sofrimento: o conflito entre as aspirações do terceiro setor e os indicadores de racionalidade; o foco nos produtos e não no processo; a forma de avaliação dos resultados; os conflitos de racionalidade e intrapsíquicos (o trabalhador discorda da atitude da empresa, mas acata suas determinações por precisar do emprego) e a perda dos valores devido aos novos arranjos organizacionais para favorecer o financiador das organizações ambientalistas. Zanelli et al. (2010) sinalizaram que, em diferentes regiões brasileiras, vários estudos confirmam que a saúde, a qualidade de vida e o bem-estar do trabalhador 38 têm sido prejudicados. Obviamente, isso trouxe repercussões em termos do sofrimento no trabalho. Pesquisas comparativas realizadas pelo Centro Psicológico de Controle do Estresse, em 1996, apontam para 40% o nível de estresse de pessoas com cargos executivos e diretivos no Brasil. Entre 2002 e 2003, 69% das pessoas pesquisadas que possuíam cargos gerenciais nas cidades de São Paulo, Fortaleza, Recife e Salvador apresentavam o quadro de estresse. Um estudo recente sobre o burnout foi realizado por Martins e Honório (2014), com o público docente de uma Instituição de Ensino Superior (IES) privada, em Belo Horizonte. O fator mais crítico para a ocorrência do burnout, conforme os resultados, foi o esgotamento profissional, mas também foi percebida a falta de reconhecimento, além de precarização, falta de autonomia, novas formas de avaliação do ensino superior e relacionamento interpessoal (inexistência de solidariedade, cooperação e harmonia nos relacionamentos, além da competitividade entre os pares). Em comum, esses estudos apresentam, como fatores de sofrimento para o trabalhador, aqueles descritos no Quadro 2. Quadro 2 – Agrupamento de fatores comuns de sofrimento para o trabalhador brasileiro (Continua) Agrupamento Autores Falta de reconhecimento/injustiça Antloga e Mendes (2009); Costa (2007); Leão e Silva (2012); Lima Júnior e Ésther (2001); Martins e Honório (2014); Salimon e Siqueira (2013); Sousa e Mendonça (2009); Vasconcelos e Faria (2008); Weber e Grisci (2010). Instabilidade, ameaça de desemprego ou extinção da profissão Adler e Silva (2013); Antloga e Mendes (2009); Brant e MinayoGómez (2007); Gravina (2002); Grisci (2003); Grisci et al. (2006); Merlo et al (2003); Santos, Siqueira e Mendes (2011); Weber e Grisci (2010). Baixa valorização, remuneração e benefícios inadequados e precarização do trabalho Costa (2007); Leão e Silva (2012); Lima Júnior e Ésther (2001); Rodrigues, Morin e Strehlau (2009); Salimon e Siqueira (2013); Sousa e Mendonça (2009); Weber e Grisci (2010). 39 (Conclusão) Agrupamento Autores Organização do trabalho Antloga e Mendes (2009); Brant e Minayo-Gómez (2007); Leão e Silva (2012); Lima Júnior e Ésther (2001); Merlo et al. (2003); Vasconcelos e Faria (2008). Ambiente físico e condições de trabalho precárias e degradantes Ferreira e Mendes (2001); Vasconcelos e Faria (2008). Falta de treinamento e de recursos Costa (2007); Merlo et al. (2003); Salimon e Siqueira (2013). Quebra de confiança, individualismo e falta de solidariedade entre os pares Adler e Silva (2013); Antloga e Mendes (2009); Gravina (2002); Grisci (2003); Martins e Honório (2014); Santos, Siqueira e Mendes (2011); Weber e Grisci (2010). Adoecimento físico, esgotamento psíquico, ansiedade, angústia, fadiga, estresse, depressão, fragilização, insegurança, medo de fracassar, pressão e excesso de trabalho Adler e Silva (2013); Antloga e Mendes (2009); Brant e MinayoGómez (2007); Gravina (2002); Grisci (2003); Grisci et al. (2006); Leão e Silva (2012); Lima Júnior e Ésther (2001); Martins e Honório (2014); Salimon e Siqueira (2013); Santos, Siqueira e Mendes (2011); Uchida (1998); Vasconcelos e Faria (2008); Weber e Grisci (2010). Conflito no relacionamento com a chefia Antloga e Mendes (2009); Costa (2007); Merlo et al.(2003); Vasconcelos e Faria (2008); Salimon e Siqueira (2013); Sousa e Mendonça (2009); Weber e Grisci (2010). Perda de controle sobre o tempo ou trabalho Adler e Silva (2013); Gravina (2002); Grisci (2003); Grisci et al. (2006); Lima Júnior e Ésther (2001); Santos, Siqueira e Mendes (2011); Uchida (1998). Fonte: elaborado pela autora Inicialmente, o levantamento dessas pesquisas envolveu buscas em periódicos classificados como A1, A2, B1 e B2 no Qualis CAPES, em uma das três Áreas de Avaliação (Administração, Ciências Contábeis e Turismo, Psicologia ou Sociologia), publicados entre 2005 e 2014, conforme discriminado no Quadro 3, além dos anais do EnANPAD – Encontro Anual da Associação Nacional dos Programas de Pesquisa e Pós Graduação em Administração e Portal CAPES. Foram usados, como termos de busca, os seguintes: “sofrimento”, “invisibilidade”, “indiferença”, “reconhecimento” e “terceirizado”. Mas, como em alguns casos, a busca em 10 anos encontrou poucas publicações, o período foi estendido e compreende 1 artigo de 1994 e os demais a partir de 2001.Essa busca mostrou como o tema sofrimento recebe atenção de vários estudiosos. Revela, também, sua complexidade, na medida em que, como fontes de sofrimento no trabalho, são elencados aspectos os mais diversos. Reforça, ainda, a precarização do trabalho e discorre sobre fatores que evidenciam as condições a que são submetidos os trabalhadores na contemporaneidade. 40 Quadro 3 – Pesquisa de Periódicos (Continua) Revista ISSN Classificação Classificação Classificação Administração Psicologia Sociologia Caderno CHR 1983-8239 B1 SC A1 Caderno de Saúde Pública 0102-311X A1 A2 A2 Cadernos de Psicologia Social do Trabalho 1981-0490 SC B2 SC Cadernos EBAPE (FGV) 1679-3951 B1 B2 B3 CEBRAP 0101-3300 B1 SC A1 Ciência e Saúde Coletiva 1413-8123 A2 A2 B1 Economia & Gestão 1984-6606 B2 B4 B4 Economia Contemporânea 1415-9848 B1 SC SC Estudos de Psicologia (Campinas) 0103-166X B1 A2 SC Estudos e Pesquisas em Psicologia 1808-4281 B2 B1 SC Revista de Administração (Belo Horizonte. FACES Online) 1984-6975 B1 SC SC Gestão e Planejamento 2178-8030 B2 SC SC Organizações & Sociedade 1984-9230 A2 SC SC Organizações em contexto 1982-8756 B2 SC SC Physis 0103-7331 SC B1 B1 Produção (São Paulo. Impresso) 0103-6513 B1 B2 B4 Psicologia e Sociedade 1807-0310 B1 A2 SC Psicologia em Estudo 1413-7372 A2 A2 B1 Psicologia USP 0103-6564 B1 A2 B2 Psicologia: Teoria e Pesquisa 0102-3772 A2 A1 B2 Psico-USF 1413-8271 B1 A2 SC Psiquiatria RS 0101-8108 SC B2 SC Revista Brasileira de Ciências Sociais 0102-6909 B1 SC A1 Revista Brasileira de Enfermagem 0034-7167 A2 B2 B2 Revista de Administração Contemporânea 1415-6555 A2 B1 B1 Revista de Administração da Universidade de São Paulo 1984-6142 A2 SC SC Revista de Administração de Empresas 2178-938X A2 SC SC Revista de Administração Mackenzie 1678-6971 B1 B1 SC Revista de Ciências da Administração 1516-3865 B1 B3 B3 41 (Conclusão) Revista ISSN Classificação Classificação Classificação Administração Psicologia Sociologia Revista Eletrônica de Administração (Porto Alegre) 1980-4164 B1 SC SC Revista Eletrônica de Ciência Administrativa 1677-7387 B2 SC SC Revista Latino-Americana de Enfermagem 1518-8345 A2 B1 SC Saúde e Sociedade 0104-1290 B1 B2 B1 Saúde Ocupacional 0303-7657 B1 B2 B2 Serviço Social & Sociedade 0101-6628 B1 B2 B1 Sociologias 1517-4522 A2 B1 A1 Tempo Social (USP) 0103-2070 SC B1 A1 Texto e Contexto Enfermagem 0104-0707 A2 B1 B4 Fonte: elaborado pela autora Nota: SC = sem classificação Os materiais encontrados permitiram uma melhor compreensão do que já se produziu sobre o sofrimento do trabalhador brasileiro, de modo a contribuir para o desenvolvimento das questões relacionadas à invisibilidade profissional, tema do próximo tópico. Além disso, é possível perceber que a questão do reconhecimento está presente nas investigações realizadas, designada sob os mais distintos termos, como desvalorização da profissão perante a sociedade (LIMA JÚNIOR e ÉSTHER, 2004); indiferença e sentimento de pouca valorização (COSTA, 2007); falta de reconhecimento (ANTLOGA e MENDES, 2009; MARTINS e HONÓRIO, 2014; SOUZA e MENDONÇA, 2009; VASCONCELOS e FARIA, 2008); baixo status profissional (LEÃO e SILVA, 2012). A relevância do reconhecimento é apontada, por Dejours (2000), como decisiva para que um trabalho deixe de ser fonte de sofrimento e se torne causa de prazer. Afinal, ele é capaz de mobilizar, de forma subjetiva, a inteligência e a personalidade no trabalho, também designado, no vocabulário da Psicologia, como “motivação no trabalho”. Segundo o autor, quando a qualidade do trabalho é reconhecida, passam a ter sentido os esforços, angústias, dúvidas, decepções e também desânimos que ele envolve. Resta o sentimento de que esse sofrimento não foi em vão, mas contribuiu para a organização do trabalho e transformou o sujeito. 42 Assim, o reconhecimento desempenha um papel fundamental na construção da identidade do indivíduo, pela possibilidade de transformar sofrimento em prazer, pelo alívio, leveza ou, até mesmo, pelo sentimento de elevação, entendido por Dejours como realização do ego (DEJOURS, 2000; ZANELLI et al., 2010). Ao sentimento de falta de reconhecimento se relaciona, intimamente, o conceito de invisibilidade profissional, sobre o qual serão oferecidos mais detalhes na próxima seção deste trabalho. 2.3 A invisibilidade profissional A literatura sobre invisibilidade apresenta alguns relatos em que ela é entendida como existir sem ser visto (CAVEDON e FERRAZ, 2005) e como o ato de se ignorar a existência do sujeito, que passa a não ser reconhecido pelos outros e pela hierarquia das organizações (SZNELWAR, UCHIDA e LACMAN, 2011). Outra definição da invisibilidade está relacionada aos aspectos sociais negativos, ou seja, ao que é fruto da rejeição e dos bastidores, que é desinvestido e desvalorizado por uma escala de desejabilidade moral e psicológica de profissões e atividades. Como exemplos, têm-se atividades desprestigiadas, desconhecidas, estigmatizadas, consideradas ingratas ou condenáveis, humilhantes, degradantes, sinônimos de transgressão dos valores morais ou o que está ligado ao lixo, à faxina, à morte, à loucura, à violência, à velhice, à marginalidade, à deficiência etc. (LHUILIER, 2014). O conceito de invisibilidade adotado neste estudo é o de Costa (2008), para quem ela consiste numa espécie de violência simbólica e material que oprime predominantemente cidadãos das classes pobres, representa uma humilhação social, uma lacuna entre os cegos superiores e os subalternos. Essa invisibilidade se manifesta relacionada à falta de reconhecimento, ao sentimento de existir sem ser percebido, a formas de exclusão econômica e social, à desqualificação e desvalorização do sujeito, num conceito que também é partilhado por outros autores (BIANCHESSI e TITTONI, 2009; CAVEDON e FERRAZ, 2005; COSTA, 2008; DINIZ, CARRIERI e BARROS, 2013; HOEVE, JANSEN e ROODBOL, 2014; MELO e CASTILHO, 2009; NELSON, 2011; NUNES, 2014; SARAIVA e IRIGARAY, 2009; TEIXEIRA, 2004). 43 Costa (2008) interpreta a invisibilidade como uma espécie de desaparecimento psicossocial de um homem no meio de outros homens, fruto de um processo histórico de longa data que rebaixa a percepção do profissional vinculado ao baixo trabalho assalariado, ao trabalho desqualificado que é, simultaneamente, alienado e alienante. O autor desempenhou o ofício de gari na Universidade de São Paulo (USP), durante dez anos, em um ou dois dias por semana, num estudo de caráter etnográfico cuja intenção residia em descrever e interpretar os fenômenos psicossociais desse trabalho, tido como não-qualificado e subalterno. Na pesquisa que resultou dessa experiência, foram discutidos problemas relacionados à humilhação social. Ao comentar situações do dia a dia que vivenciou, como quando colegas do curso de Psicologia não o cumprimentaram, por não enxergá-lo, porque estava uniformizado com um gari, Costa (2008) afirma que a invisibilidade tolhe as expressões corporais e simbólicas dos humanos que já estão apagados, abafa sua voz, baixa seu olhar, emudece seus sentimentos, esmorece o poder de aparição. Diniz, Carrieri e Barros (2013, p. 16) apontam para a gravidade do que afirma Costa (2008), ao ressaltarem que os processos de preterimento podem desencadear sofrimento, estresse, angústia e, até mesmo, anomia. Da mesma forma, o agravamento do adoecimento dos trabalhadores ocorre, dentre outros fatores, também pela discriminação e humilhação, como reforça Clot (2007). Duas outras vertentes da invisibilidade são pontuadas por Gonçalves Filho (1998): a humilhação social e a reificação. Para o autor, a humilhação social é um fenômeno histórico, longamente sofrido pelos pobres; uma modalidade de angústia proveniente da desigualdade de classes; uma longa história de rebaixamento; a exclusão do homem para fora do âmbito intersubjetivo do reconhecimento da sua dignidade; o contraponto entre a superioridade de uns e a inferioridade de outros. Na visão dos pobres, a humilhação é uma realidade constante ou prestes a acontecer, pelo sentimento de não terem direitos, de passarem a ideia de seres desprezíveis e repugnantes, de falarem e se moverem sem serem vistos. A reificação apresenta o caráter de invisibilidade quando é fruto de um processo em que o capitalismo coisifica o homem, o reduz à qualidade de objeto, sem características pessoais. É a transformação do homem em número quando interessa, somente, sua capacidade de produzir. 44 Nesse contexto, no tocante aos comerciários, a célebre frase “o cliente tem sempre razão” é contestada por Lourenço (2014). Para a autora, esse lema implica precarização, já que negligencia os trabalhadores e degrada sua relação com o cliente. Sua pesquisa foi realizada com cinco empresas (supermercado; farmácia; panificadora; posto de combustível e hortifrutigranjeiros), cujo perfil dos trabalhadores é de jovens com baixa escolaridade e cuja remuneração é o salário mínimo. Para eles, a principal desvalorização não está associada aos baixos salários, mas ao sentimento de humilhação social. Algumas experiências vivenciadas denotam o sofrimento a que foram sujeitos e demonstram que esses comerciários estão esquecidos nas relações de trabalho: indiferença do cliente; infração às regras estabelecidas para atender as vontades dos consumidores; agressão verbal e física; falta de apoio dos superiores nas situações de embate em que o trabalhador está com a razão são exemplos de situações corriqueiras que enfrentam. Uchida (1998, p.6) não utiliza a expressão invisibilidade, mas investigando questões a ela relacionadas, retrata a transparência do trabalhador do setor bancário, especialista em informática, e define esse público como homem de vidro. Ele esclarece que “isto ocorre porque o trabalho informatizado realiza um controle impensável até recentemente, dando ao usuário a impressão da existência de um censor onipresente”. Em complemento, o homem de vidro pode revelar a sensação de perda de limites e contornos, facilmente quebrável, coisificação, esvaziamento, não-vivência do trabalho – todos relacionados à noção de invisibilidade de Gonçalves Filho (1998). Pérez e Passini (2012) trataram da questão da invisibilidade. Eles realizaram experimentos, auxiliados por tecnologias, com fotos de maiorias e minorias sociais. Participaram vinte estudantes de graduação em Psicologia da Universidade de Valência (Espanha), para que fosse possível investigar como o comportamento social pode ser influenciado pela visão e como a interação visual pode ser geradora de identidade social. O experimento de consciência reflexiva ocorre quando o participante sabe que será monitorado e, no experimento de consciência nãoreflexiva, o participante não sabe que está sendo monitorado. O olhar comunica intenções e sentimentos, é capaz de gerar atração ou repulsa. A representação nas fotos foi dividida pelas dimensões étnica, sexual (casal heterossexual e casal homossexual), cor da pele (branco e negro), idade (novo e velho), raça (pessoas que 45 se relacionam com outras da mesma raça e pessoas que se relacionam com outras de raças diferentes) e animalização da pessoa (humano com expressão normal e humano com expressão raivosa). Segundo os autores, há situações em que não olhar é sinal de desprezo e há situações em que olhar é sinal de humilhação. Os resultados de um dos experimentos de consciência reflexiva revelaram a invisibilidade social pela aversão a minorias, pois são associadas aos estímulos negativos. Como uma identidade social positiva quer ser fomentada, os estudantes evitaram o contato visual com as pessoas socialmente desvalorizadas e optaram por direcionar seu olhar para aqueles que aparentavam ser melhor valorizados socialmente. Mas, quando não houve necessidade da identidade social, as minorias foram mais vistas pelos estudantes, ou seja, para Pérez e Passini (2012) a necessidade de identificação social fez com que as minorias não fossem vistas. Melo e Castilho (2009) abordam a invisibilidade do trabalho reprodutivo no Brasil, relacionado aos cuidados com a família, ou seja, à atividade não mercantil realizada, em sua grande maioria, pelas mulheres. Trata-se do público estatisticamente “inativo”, assim considerado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A profissão de trabalhador doméstico é uma das mais antigas em diversos países e fonte de ocupação, sobretudo, para muitas mulheres em todo o mundo. É a abertura para o mercado de trabalho para as mais pobres e uma atividade laboral essencial para o funcionamento dos lares e da economia. As seguintes categorias estão associadas ao trabalhador doméstico: cozinheiro; governanta; babá; lavadeira; faxineiro; vigia; motorista particular; jardineiro; acompanhante de idosos; caseiro (quando não há exercício de atividade com fins lucrativos). O traço que diferencia esse tipo de emprego é o caráter não econômico, por se tratar de atividade exercida no âmbito residencial do empregador. Mesmo com a significativa contribuição à sociedade e à economia, trata-se de um trabalho subvalorizado, ainda pouco regulamentado e que possui um dos maiores déficits de trabalho decente. Como é predominantemente realizado por mulheres, é vinculado à história mundial de escravidão, colonialismo e também a outras formas de servidão. Essa atividade ressalta as desigualdades de gênero e raça, a divisão sexual do trabalho e a desvalorização do trabalho reprodutivo, que é percebido como “natural” das mulheres e aprendido dentro da família de origem. É percebido quando não é 46 realizado ou quando o é de forma deficiente. Daí sua característica de baixa valorização, precariedade, informalidade (OIT, 2012) ou, por que não dizer, invisibilidade. Esse trabalho de cuidar, que tanto pode ser reprodutivo quanto mercantil, está diretamente associado à esfera doméstica e é realizado, essencialmente, por pessoas do gênero feminino. A pesquisa de Ulmann (2014), apoiada no procedimento etnográfico, foi feita com algumas profissionais da primeira infância em duas creches em Paris. A intenção da autora era observar as tensões vivenciadas silenciosamente pelas mulheres pesquisadas, no cuidado com as crianças, e questionar sobre a saúde delas devido à atividade fatigante. As características da invisibilidade relacionadas a essas profissionais, conforme o estudo identificou, envolvem: a qualidade de ser impalpável e produtor de poucos objetos, a desvalorização e a falta de reconhecimento pela responsabilidade, esforço e desgaste da profissão. Numa linha de raciocínio similar, Dorna (2014) discutiu as relações entre o trabalho de mãe e o trabalho formal. Segundo a autora, cabe às mulheres a parcela principal de responsabilidade no cuidado com a casa e com os filhos e, por isso, muitas empresas vêem a maternidade como sinônimo de produção menor e justificativa para a manutenção da desigualdade salarial entre os gêneros. A autora explica que essa invisibilidade não está atrelada somente ao trabalho invisível das atividades domésticas denunciado pelo movimento feminista, mas também pela falta de reconhecimento e desvalorização do trabalho realizado pela mulher devido à segregação social e política a que foi sujeita ao longo da história. Patriota e Alberto (2014) reforçam que as modalidades de trabalho doméstico não são reconhecidas e não são vistas como trabalho, mas como dimensão do gênero ou participação na vida social. Daí sua característica de invisibilidade. Kosny e MacEachen (2009), por sua vez, estudaram as implicações para a saúde e segurança dos trabalhadores em organizações de serviço social sem fins lucrativos, no Canadá. Nesse país, o serviço social é de extrema importância, conta com 7,5 milhões de voluntários e mais de 1,6 milhões de empregados. É realizado predominantemente por mulheres (mais de 80%) enquanto que, nas empresas com fins lucrativos, as mulheres representam menos da metade desses trabalhadores. Segundo as autoras, essas atividades não têm recebido a devida prioridade quanto às condições de trabalho e de saúde envolvidas. Mesmo sendo um setor em que a 47 violência, o estresse e a alta demanda prevalecem, tem sido um trabalho subestimado, invisível e mal-remunerado. Na pesquisa, associa-se explicitamente a invisibilidade ao gênero e à falta de reconhecimento das atividades de serviço social, tais como o aconselhamento, a gestão das emoções dos clientes e dos próprios funcionários e os cuidados inerentes a cada situação. O ato de cuidar é desvalorizado por ser vinculado ao trabalho doméstico, tido como natural pelas mulheres e, também, por ser voluntário pela maior parte dos trabalhadores. Ainda sobre a desvalorização, a invisibilidade está relacionada ao público atendido por essas instituições, composto, em sua grande maioria, por populações marginalizadas (imigrantes, sem-teto, pobres, dependentes químicos, doentes mentais). Hirata (2011) elucida a questão da precariedade do gênero feminino perante o masculino. Seu estudo foi feito no Brasil, França e Japão e, nesses países, o emprego feminino aumentou substancialmente a partir dos anos 1990, mas acompanhado do crescimento da vulnerabilidade e precarização das condições de trabalho. Ao mesmo tempo em que muitas mulheres estudaram e se especializaram, outras permaneceram em profissões com baixa remuneração, consideradas pouco qualificadas e desvalorizadas. Além disso, a autora afirma que a precarização do trabalho tem consequências diferentes para os homens e para as mulheres, que são mais atingidas por serem minorias na operação fabril e maioria no setor de serviços e comércio. High (2013) apresenta aspectos relacionados à invisibilidade na forma da marginalização dos trabalhadores ingleses e norte-americanos quer perderam seus empregos devido ao processo de desindustrialização vividos nesses países. Esses trabalhadores se sentem deslocados, envergonhados, ridicularizados, despojados de suas identidades de trabalho por uma cultura que reifica o homem. O estudo de Linkon (2013) refere-se somente aos norte-americanos, mas apresenta, igualmente, o cenário de desolação das populações que construíram suas vidas ao redor de empresas e que, com o fechamento das fábricas, passaram a viver com poucos recursos. Jouzel (2009), Schlindwein (2010) e Teixeira (2012), por sua vez, revelam a invisibilidade das doenças e acidentes de trabalho na sociedade atual provenientes do ambiente laboral. Jouzel (2009) afirma que vítimas de acidentes e doenças derivadas da utilização de substâncias tóxicas permanecem invisíveis nos debates 48 políticos, na França, pela posição evasiva dos sindicatos, que não enfatizam a importância da gestão de riscos à saúde dos trabalhadores. Carreteiro (2003) também aborda a questão do sofrimento social vivido por categorias subalternizadas, retratando-o pela exclusão, inutilidade, falta de inserção, desqualificação, depreciação, desvalorização, angústia, instabilidade, humilhação, vergonha, falta de reconhecimento, injustiça e sentimento de diminuição. O silenciamento desse sofrimento é denominado pela autora de lógica da invisibilidade do sofrimento, pois há a pretensão de apagá-lo, anulá-lo ou torná-lo inaudível. Na visão de Diniz, Carrieri e Barros (2013), a invisibilidade dos garçons e garçonetes, por exemplo, está atrelada ao desprestígio social da profissão e à discriminação. Já Nunes (2014) expõe que a invisibilidade de serventes de limpeza está associada à falta de reconhecimento e à depreciação desse trabalhador, cuja construção cultural remete ao trabalho doméstico como, por exemplo, limpeza, manutenção e conservação. O autor comenta ainda que, quanto aos vendedores, a invisibilidade se refere ao deslocamento do perfil da prática de consumir, que modificou a interação desse profissional com o público devido à possibilidade de compra pela internet. A outra face da invisibilidade é que esse profissional sai de cena para que o cliente experimente a compra, sem maiores interferências. No contexto hospitalar, a invisibilidade do profissional enfermeiro é definida pela falta de reconhecimento e desvalorização da profissão (CASTANHA e NELSON, 2011; ZAGONEL, 2005). Para Bianchessi e Tittoni (2009), a invisibilidade está relacionada à desvalorização e à desqualificação, temas que, na sua investigação, mostraram-se provenientes dos embates nas relações profissionais vindos da organização do trabalho num hospital. Hoeve, Jansen e Roodbol (2013) retratam a invisibilidade do profissional enfermeiro com base nos seguintes fatores: limitada representatividade da imagem pública, que não os vê como profissionais (parcialmente influenciada pela dominância da profissão médica); inexpressiva identidade profissional; desvalorização de suas habilidades pelo público interno e externo. Esses autores afirmam que o ato de cuidar, promovido pelo enfermeiro, não é suficiente para que sejam devidamente valorizados, uma vez que, como descrito anteriormente, está relacionado ao trabalho doméstico. Por isso, sua conclusão é que os enfermeiros devem galgar posições superiores (estratégicas) em que tenham a possibilidade de promover uma melhor imagem da profissão e desmistificar a ideia de que a sua atividade não é uma atividade profissional. 49 Mesmo no ambiente administrativo de uma organização multinacional, há pessoas que se sentem invisíveis pela discriminação e indiferença. Esse retrato pode ser constatado no estudo de Saraiva e Irigaray (2009), que discorrem sobre a política de diversidade nas organizações e criticam a lacuna existente, nesse aspecto, entre a teoria e a prática. A pesquisa constatou a baixa efetividade dos discursos empresariais expressos nas políticas organizacionais, a preponderância do preconceito arraigado dos próprios empregados e a falta de senso coletivo de diversidade. Os autores utilizam o termo invisibilidade para descrever o sentimento dos sujeitos de sua pesquisa e evidenciam que as minorias sujeitas a essa condição assim permanecem por medo da perda do emprego, de represálias e pela ausência de exemplos bem sucedidos. Um representante dessas minorias, no caso os negros, explica esse sentimento com os dizeres: “às vezes me sinto invisível, quando falam de viagens para os EUA, por exemplo (...) nem me puxam para a conversa (...) acho que pensam: não vamos humilhar este pobretão que nunca vai ter grana de viajar como a gente” (SARAIVA e IRIGARAY, 2009, p. 344). Na tentativa de compreender a realidade de técnicos de nível médio e superior, no interior dos laboratórios de pesquisa nacionais, Teixeira (2004) define a invisibilidade como o desconhecimento do trabalho que esses realizam, no processo de produção do conhecimento científico. O trabalho intelectual mais valorizado está atrelado aos pesquisadores e não a esses profissionais, que estão encarregados das competências manuais. Já Schlindwein (2010) revela a invisibilidade social dos trabalhadores de fumo do Rio Grande do Sul, pelas características de ser esta uma atividade escravizante (dadas a ausência de direitos e a extensa jornada de trabalho), alienante, pouco lucrativa, precarizada, com baixo reconhecimento, reificada. Como revelam alguns dos entrevistados, nesse estudo, eles são tratados como objetos, na condição de desiguais. A outra face da invisibilidade sentida por esses trabalhadores ocorre quando adoecem ou se acidentam, pois deixam de existir como seres humanos para o trabalho e enfrentam dificuldade para acessar os direitos básicos da previdência e assistência social. Entre 1999 e 2001, os trabalhadores rurais ocuparam a segunda posição no ranking dos óbitos por acidente de trabalho com a representatividade de 14,75% das mortes no estado. 50 Sobre essa questão da saúde do trabalhador brasileiro, Teixeira (2012) afirma que ela tem merecido pouca atenção da sociedade e do Estado devido à lacuna entre o direito e o respeito à saúde do trabalhador. Sua preocupação é válida por duas expressivas estatísticas: os transtornos mentais (estresse, depressão e outras moléstias) estão na terceira posição entre as causas de concessão de benefícios previdenciários e, em 2009, quase 7 pessoas morreram por dia em decorrência de acidentes de trabalho no Brasil.Na estatística da mortalidade, não estão incluídos o funcionalismo público e os trabalhadores informais. As razões apresentadas para esses fenômenos se relacionam aos seguintes fatores: falta de comunicação das doenças do trabalho para os órgãos responsáveis; economia de investimentos em manutenção preventiva; longas jornadas de trabalho e excessivas horas extras. Esses elementos denotam o baixo nível de preocupação com a segurança dos trabalhadores e, para a autora, são evidências da sua não visibilidade e da pouca importância que lhes é destinada. Como se percebe, a questão da invisibilidade se manifesta em variadas profissões e de modos distintos, mas tem como características marcantes a falta de reconhecimento e a desvalorização do trabalho e dos trabalhadores. Afeta as condições laborais e acarreta sofrimento, sentimento de desqualificação, insegurança, instabilidade e humilhação. Esses fatores foram investigados com os trabalhadores terceirizados, escolhidos como sujeitos da presente pesquisa e detalhados no tópico a seguir. 2.4 Os trabalhadores terceirizados Conforme definição do DIEESE (2012b, p.3), “terceirização é o processo pelo qual uma empresa deixa de executar uma ou mais atividades realizadas por trabalhadores diretamente contratados por ela e as transfere para outra empresa”. Dentre as principais justificativas econômicas, está o foco no aumento da produtividade e qualidade como diferenciais para a competitividade e a redução de custos de produção. Para as empresas, a terceirização é uma modalidade que permite obtenção de ganhos com a minimização dos custos e a possibilidade de concentrar seus investimentos nas atividades principais. Mas, para o trabalhador, segundo a ótica do DIEESE (2012b), há maior sujeição a riscos de perda do 51 emprego, redução de salários, precarização das condições de trabalho, jornadas mais extensas, desqualificação profissional e dificuldade de negociação coletiva. No Brasil, 25% da mão-de-obra são de terceirizados, que possuem rendimento médio substancialmente menor (metade) quando comparado ao empregado próprio da Contratante. Eles exercem longas jornadas de trabalho e são mais sujeitos à prática da rotatividade (DIEESE, 2012a). Por meio das pesquisas de diversos autores, verificaram-se várias características da invisibilidade geradoras de sofrimento para os trabalhadores terceirizados. Dentre elas, elencam-se: falta de reconhecimento; desvalorização; isenção de vínculo empregatício com a empresa contratante; direitos trabalhistas e previdenciários negligenciados; insegurança; precarização do salário e das condições de trabalho; instabilidade; falta de perspectiva de crescimento na carreira (BARROS e MENDES, 2003; BRITO, MARRA e CARRIERI, 2012; CAVALCANTE, OLIVEIRA e CAVALCANTE, 2009; COSTA, 2007; DÉCOSSE, 2013; DIEESE, 2012a; LIMA, 2010; QUINLAN e SOKAS, 2009). Existem várias pesquisas em que se procura entender melhor a realidade dessas pessoas. Barros e Mendes (2003), por exemplo, entrevistaram 20 trabalhadores terceirizados de uma construtora em Brasília. Estes atribuíram seu sofrimento à vulnerabilidade, insegurança, condições precárias de trabalho, de alimentação e alojamento, riscos de acidentes por causa da inadequação de equipamentos de segurança, punição por erros, negligência de seus direitos básicos (aposentadoria e plano de saúde). Outros fatores também apontados foram: alta produtividade a qualquer custo; pressão; desgaste físico e mental; ansiedade; medo; insatisfação; rigidez; falta de liberdade e de reconhecimento. Para enfrentar esse sofrimento, vê-se a racionalização expressa em atitudes e comportamentos para justificar a necessidade de sobrevivência. Os terceirizados fazem uso de estratégias de defesa como alternativa para negar e suportar a adversidade, mas estas podem ser positivas, quando favorecem o equilíbrio psíquico, ou negativas, quando alienam e não provocam mudanças no contexto de trabalho. Costa (2007) estudou os terceirizados no Ministério Público do Rio Grande do Sul e identificou que, nesse caso, o sofrimento advém: da ausência de garantias legais e contratuais; do caráter temporário e superficial devido a não permanência por maior período de tempo; da necessidade de se adaptar e ser flexível a cada novo contrato; do afastamento e indiferença por parte da empresa de terceirização; 52 do sentimento de inferioridade por ser terceirizado e do sentimento de fracasso por não conseguir emprego melhor. Cavalcante, Oliveira e Cavalcante (2009) avaliaram os profissionais de saúde mental em um Centro de Atenção Psicossocial em Fortaleza, no Ceará, e constataram que a vivência de sofrimento dos terceirizados está relacionada à ausência de perspectiva de carreira, já que inexiste qualquer programa de ascensão ou plano de crescimento; falta de expectativa de aumento salarial, de estabilidade e de segurança. Santos et al. (2009) pesquisaram garis terceirizados e constataram existir relação entre terceirização e adoecimento do trabalhador. Nesse caso, os resultados apontaram o sofrimento nos seguintes aspectos: esvaziamento do sentido do trabalho; identidade profissional anulada; falta de reconhecimento da sua marca no mundo e, consequentemente, dificuldade de se reconhecer como pessoa; discriminação; despreocupação da empresa com a saúde do trabalhador; falta de treinamento; riscos de doenças e acidentes; punições severas; desvalorização profissional; desqualificação; desregulamentação do trabalho; autoritarismo constrangedor; abuso de autoridade e intolerância gerencial; tratamento hostil e agressivo; omissão do Estado no seu papel de regulador dos contratos sociais. Lima (2010) associa a terceirização à reestruturação produtiva, à crise da sociedade do trabalho e salarial (precarização), ao aumento do desemprego, à intensificação do trabalho com menos trabalhadores; à maior vulnerabilidade social (crescimento da instabilidade e insegurança) e à fragmentação da identidade formada pelo coletivo (dificuldade na percepção de pertencimento). Na pesquisa feita pelo autor, os terceirizados de cooperativas de produção industrial sinalizaram que sofrem com a intensificação do trabalho para atender as encomendas e, também, com a ausência de direitos. O sofrimento a que são submetidos, quando atuam dentro do espaço da empresa contratante, decorre da situação contratual distinta que enfraquece as possibilidades de organização dos trabalhadores. Os terceirizados da Petrobrás e indústrias petroquímicas na Bahia sinalizaram a distinção de tratamento, as degradantes condições de trabalho, inadequação dos equipamentos e diferenciação no refeitório, portarias, vestiário, banheiro e uniformes. Essa segmentação denuncia a disparidade entre um público e outro, já que os terceirizados são vistos como menos qualificados e com acesso restrito a direitos e benefícios. Isso faz com que se sintam trabalhadores de segunda classe. 53 Situação semelhante ocorre nas empresas mineradoras dos grandes projetos da Amazônia. Algumas cidades foram construídas para alojar os funcionários mas, segundo o autor, a parte ocupada pelos terceirizados não conta com habitações decentes, serviços básicos e a mínima infraestrutura. As restrições na esfera interna se relacionam aos acessos à rede de serviços e benefícios dos trabalhadores diretos e, na externa, aos espaços de sociabilidade além dos limites externos da empresa (clubes e eventos de esporte ou confraternização) (LIMA, 2010). Brito, Marra e Carrieri (2012) entrevistaram os terceirizados em indústrias de autopeças da Região Metropolitana de Belo Horizonte, que prestam serviços em curto espaço de tempo. A finalidade era entender como a terceirização cria distinções no ambiente de trabalho e gera diferenciações na construção da identidade social desses trabalhadores que, para os autores, estão situados na periferia do sistema produtivo. Os resultados das entrevistas revelam como os terceirizados se sentem. O primeiro deles denota o sofrimento pelo desemprego estrutural, a centralidade e utilidade social do trabalho (é não estar desempregado). O segundo retoma a precarização e redução dos direitos trabalhistas, a falta de reconhecimento e o sentimento de inferioridade. Esses dois últimos fatores afetam, de forma negativa, a identidade social das pessoas. Outros três entrevistados demonstram dissonância ao afirmarem que ser terceirizado é melhor que estar desempregado, mas dois deles relatam sofrimento pela exclusão e isolamento, que implica a falta de identificação com os grupos sociais da empresa contratante. Outros dois entrevistados demonstram o desejo de pertencer, serem vistos, reconhecidos e escolhidos, pois acreditam que essa é uma forma de ascensão profissional. Quanto às relações sociais nos locais de trabalho, alguns afirmam que se sentem diferentes, discriminados, ignorados, desvalorizados, excluídos, invisíveis, como intrusos. Também sinalizaram a dificuldade de socialização, em decorrência da alta rotatividade e do trabalho temporário (BRITO, MARRA E CARRIERI, 2012). Os autores chegaram à conclusão de que a imagem construída de si e do trabalho desempenhado é negativa, dada a impessoalidade da terceirização que provoca o desejo de mudança do status atual, de pertencer à outra organização que valorize o trabalho e permita crescimento profissional. Dube e Kaplan (2010) avaliaram o impacto da terceirização de porteiros e guardas, nas décadas de 1980 e 1990, nos Estados Unidos. Esses autores 54 identificaram o crescimento substancial dessa modalidade de trabalho nos setores de serviços, o que culminou em salários mais baixos, menos benefícios, menores índices de sindicalização (ou seja, contribuiu para o enfraquecimento dos sindicatos) e aumento acentuado da desigualdade salarial no país.Em sua análise, Anner (2011) chega a conclusões bastante próximas sobre os impactos da terceirização na América Central. Quinlan e Sokas (2009) ressaltam que a atual prática de negócios que privilegia as políticas neoliberais, o downsizing e a acumulação flexível representam uma ameaça à saúde e segurança dos trabalhadores, principalmente, os que se encontram na posição de terceirizados. O crescimento da insegurança e os acordos de trabalho com condições precárias promoveram desigualdades financeiras, em termos de remuneração de salário e de benefícios, doenças ocupacionais, lesões e fatalidades. Além disso, os autores relatam que os imigrantes, principalmente os que não possuem documentos, fogem do seu país de origem para se livrar da pobreza, mas se sujeitam a esse regime de trabalho, no país em que foram buscar abrigo, pela vulnerabilidade de sua situação. Nessa mesma linha, Décosse (2013) denuncia a condição dos imigrantes que trabalham como terceirizados na agricultura, na França. As condições precárias de trabalho são reveladas pelo uso de substâncias tóxicas altamente prejudiciais, cuja nocividade é ignorada pelo empregador, além do baixo salário que recebem e da falta de reconhecimento das suas necessidades básicas para a manutenção da saúde. Devido à necessidade de cortes de gastos, o governo canadense privatizou tarefas de suporte nos hospitais. Todavia, essa medida impactou negativamente a qualidade da prestação desse serviço. Aliado à privatização, também ocorreu a terceirização dessas tarefas. Zuberi e Ptashnick (2011) entrevistaram os funcionários terceirizados da área hospitalar no Canadá e constataram consequências deletérias para trabalhadores e pacientes, quanto à segurança e à qualidade no atendimento. O treinamento deficitário, as altas taxas de rotatividade, os baixos salários, a despreocupação com a saúde em detrimento da rentabilidade dos investimentos, os riscos de contrair doenças e os acidentes de trabalho são as principais revelações de descontentamento e frustração dos entrevistados. Hirata (2011) destaca as consequências da intensificação do trabalho sobre a saúde física e mental dos trabalhadores, assim como as consequências do trabalho 55 precário em decorrência da terceirização. No Japão, os trabalhadores de empreiteiras estão sujeitos a riscos maiores que os não terceirizados. Exemplo dessa situação foi descrito pela autora com relação à última catástrofe nuclear ocorrida no país, em 11 de março de 2011. Os terceirizados são 2.200 e os funcionários próprios são apenas 300. Segundo a autora, os trabalhadores das empreiteiras não possuem cobertura social, caso tenham problemas de saúde relacionados ao trabalho, nem formação e informação adequada para a execução de suas atividades. Além disso, a remuneração é bem menor. Somente há remuneração maior quando o risco radioativo é demasiadamente alto e não há outra alternativa para a empresa. Conforme já dito, a justificativa para a terceirização por parte das empresas é de redução de custos operacionais e de utilização de mão-de-obra especializada, por parte de quem oferece o serviço. No entanto, há inúmeras críticas à terceirização: diferença de tratamento entre os empregados da contratante e os terceirizados; dificuldade de relacionamento entre esses dois públicos; disparidade salarial; qualificação inferior (BRITO, MARRA e CARRIERI, 2012). Algumas reportagens da mídia reforçam essa impressão, ao retratarem a situação dos terceirizados no Brasil e comentarem como a terceirização é fenômeno controverso. O Procurador do Trabalho Helder Amorim, do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Minas Gerais, assinala que a terceirização ilícita, ou aquela relacionada à atividade fim da empresa, integra o rol de temas prioritários enfrentados pelo MPT e abriga alguns tipos de fraudes como, por exemplo, ambiente inseguro de trabalho, falta ou inadequação de treinamento e de equipamentos de proteção individual (EPI), altos índices de doenças e acidentes, jornadas exaustivas. Nesse Estado, nos últimos 5 anos, foram abertos 381 inquéritos civis públicos a respeito de terceirização ilícita. Desses, 147 tiveram solução por meio da assinatura de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) e, para a Justiça do Trabalho, foram levados 96 casos por intermédio de ação civil pública (BRASIL, 2015a). Há vários exemplos recentes de decisões judiciais sobre esse tipo de questão. O Banco Santander foi condenado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) a reconhecer vínculo empregatício de funcionário terceirizado da Prosegur Brasil – Transportadora de Valores de Segurança, que prestava serviços ligados ao caixa rápido. O ministro entendeu que as atividades de abertura, conferência e processamento dos numerários depositados nos envelopes são tipicamente 56 bancárias e, por isso, não podem ser terceirizadas por se tratar de atividade-fim (DIREITO PÚBLICO, 2013). A companhia aérea Air China foi processada por terceirização ilegal por utilizar funcionários terceirizados no serviço de atendimento aos passageiros de check-in, embarque e desembarque. A Procuradora do Trabalho que ajuizou a ação constatou que os salários dos empregados próprios, bem como benefícios e vantagens, eram bem superiores aos dos terceirizados. Além disso, eram comuns os casos de clientes que preferiam ser atendidos por empregados da empresa. Na visão da Procuradora, estas são demonstrações de tratamento discriminatório e de precarização das condições de trabalho promovidas pela terceirização ilícita (REPÓRTER BRASIL, 2014). Da mesma forma, a produtora de açúcar e álcool Agrícola Tatez sofreu processo de R$5 milhões pela terceirização ilícita de atividade-fim de colheita e transporte de cana-de-açúcar. Foram envolvidos 500 trabalhadores por intermédio de 74 empresas distintas, o que, segundo o Procurador do Trabalho, representa consequências negativas para o trabalhador, tais como: empresas sem condições de arcar com todas as obrigações trabalhistas; ausência de carteira assinada; controle precário da jornada de trabalho. O Procurador ratifica que a Agrícola Tatez possui capital social de mais de R$108 milhões e, por isso, não há justificativa de caráter econômico, social ou organizacional que seja impeditivo para contratação direta desses trabalhadores. Também reforça a violação dos preceitos constitucionais como a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, pela negação do direito de participação em planos de carreira, benefícios e equiparação salarial dos funcionários próprios (FREITAS, 2015). A Construtora Norberto Odebrecht S.A. foi condenada por terceirização irregular no exterior, conforme entendimento do ministro do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), que reconheceu a existência de fraude aos direitos trabalhistas pela legislação brasileira e também o vínculo empregatício com a Odebrecht. A construtora alegou que havia apenas intermediado a contratação do empregado mas, pelas provas apresentadas, ficou evidenciado que o trabalhador era empregado da Odebrecht e não da empresa angolana terceirizada. O TRT decidiu pela condenação ao pagamento de horas extras e outras verbas trabalhistas (BRASIL, 2015c). 57 A Pepsico também foi processada em R$1 milhão pelo Ministério Público do Trabalho em Sorocaba, São Paulo, por terceirização ilegal na produção de salgadinhos Elma Chips. A prestadora de serviços Proficenter responde também por manter trabalhadores em más condições. Dos 230 funcionários, 160 eram terceirizados. Foram encontradas as seguintes irregularidades: não concessão de 11 horas de intervalo entre duas jornadas, ausência de descanso semanal de 24 horas remunerado, trabalhos aos domingos sem autorização prevista no acordo coletivo ou na convenção, falta de registro de ponto e horas extras além do permitido. O Ministério Público do Trabalho (MPT) constatou diferença salarial e de benefícios entre os terceirizados e os funcionários próprios que exercem a mesma função no mesmo local de trabalho. Os empregados da Pepsico recebem vale-alimentação de R$85 e os terceirizados de R$46. Esse órgão requer na Justiça que a Pepsico deixe de terceirizar sua atividade-fim e que a Proficenter não preste mais esse tipo de serviço em nenhuma outra empresa (BRASIL, 2015b). Em uma das maiores ações já realizadas no Brasil, conforme revela o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), 4 bancos e 3 empresas de telecomunicações receberam, em conjunto, R$318 milhões em multas em mais de 900 autos de infração pelo apontamento de terceirização irregular, adoecimento em massa e assédio moral. Outros problemas foram revelados como, por exemplo, a falta de emissão de Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) e a precarização do trabalho. No período de janeiro de 2010 a maio de 2013 foram apresentados 6.000 atestados médicos, equivalentes a, aproximadamente, um terço da força de trabalho, conforme levantamento dos fiscais. Pela estatística da médica do trabalho, Odete Reis, de janeiro a maio de 2014, foram 8.687 atestados de afastamento médico numa unidade em que trabalham 15.000 funcionários (ROLLI, 2014). No setor público também houve ações ajuizadas. O município de Nova Iguaçu, no estado do Rio de Janeiro, e a Empresa Municipal de Limpeza Urbana (EMLURB) foram condenados a pagar R$700 mil por danos morais coletivos pela terceirização ilícita na prestação de serviços de varredura, coleta, depósito e tratamento de lixo. A EMLURB deve assumir, por 18 meses, todo o serviço de limpeza urbana da cidade de Nova Iguaçu, contratar empregados aprovados em concurso público e não realizar novas terceirizações dessa atividade. As irregularidades foram constatadas pela contratação de serviços terceirizados ao mesmo tempo em que a estatal dispensava, arbitrariamente, empregados 58 concursados. O magistrado que julgou a ação considerou que a terceirização prejudicou todos os empregados envolvidos e que a conduta era a de fraudar os preceitos da legislação trabalhista (PORTAL NACIONAL DO DIREITO DO TRABALHO, 2014). Em acontecimento semelhante, o entendimento dos desembargadores do TRT do Paraná foi de que houve ilegalidade na terceirização de serviços de saúde em sete municípios paranaenses, que deveriam ter realizado concurso público para a contratação de servidores nas funções de médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem, dentista, psicólogo e auxiliar administrativo (FREITAS, 2015b). Como se pode ver, a terceirização é um processo que, se por um lado acarreta vantagens para as organizações, por outro traz, também, efeitos indesejáveis – seja lícita ou ilícita. Essa impressão é corroborada pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA), que é a mais influente entidade desse setor no Judiciário. Essa Associação manifesta-se contrária ao Projeto de Lei nº 4.330/2004, que permite às organizações terceirizar funcionários, inclusive, que desempenhem a atividade-fim da empresa, pois acredita que a terceirização indiscriminada é uma ofensa à Constituição Federal, por discriminar trabalhadores contratados diretamente e prestadores de serviços, além de representar uma regressão a garantias conquistadas ao longo da história (MACEDO e AFFONSO, 2015). Como apontam os autores, para os juízes trabalhistas, a terceirização significa rebaixamento salarial, maior ocorrência de acidentes de trabalho, comprometimento dos fundos públicos como o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e a Previdência Social. Devido ao exposto, esses trabalhadores se mostram interessantes sujeitos de pesquisa, numa investigação que se propõe a compreender melhor a questão do sofrimento e da invisibilidade. 59 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Este capítulo é dedicado a apresentar a caracterização do estudo realizado, a unidade de análise e os sujeitos da pesquisa, além dos instrumentos de coleta de dados, bem como as técnicas de interpretação dos resultados. 3.1 Caracterização da pesquisa Como a linha central deste trabalho envolve retratar o sofrimento do trabalhador mediante a percepção do sentimento de invisibilidade profissional de trabalhadores terceirizados, adotou-se a abordagem qualitativa por se mostrar como a mais apropriada. A pesquisa qualitativa ganhou espaço em outras áreas como, por exemplo, a Psicologia, a Educação e a Administração de Empresas. Tem como premissa questões ou focos de interesses amplos, que se definem no decorrer da investigação que se desenvolve. Procura compreender os fenômenos conforme a perspectiva dos sujeitos participantes do estudo, pela obtenção de dados sobre pessoas, lugares e processos interativos, no contato direto do pesquisador com a situação estudada (GODOY, 1995a). Trata-se, também, de uma pesquisa social, definida por Gil (1999) como um processo formal e sistemático que utiliza a metodologia científica para obter novos conhecimentos no campo da realidade social que pode envolver, dentre outras áreas, a Sociologia, a Psicologia e a Economia. Na concepção de Bauer e Gaskell (2008), a pesquisa social se apoia em dados sociais, que são aqueles sobre o mundo social, ou seja, os resultados construídos nos processos de comunicação. Por intermédio da comunicação é possível não só ouvir o que as pessoas têm a dizer, mas também o que está oculto. Interessa, nesse momento, a forma como as pessoas expressam e falam aquilo que é importante para elas e, também, como pensam sobre suas ações e sobre as ações dos outros. Quanto aos fins, a pesquisa é exploratória (GIL, 1999). Neste trabalho, adotou-se essa classificação, pois o sentimento de invisibilidade já foi estudado com alguns públicos, mas pelo que foi apurado nos artigos, não com os terceirizados, que são o objeto desta dissertação. Além disso, espera-se que os resultados da 60 presente investigação sejam tomados como ponto de partida para estudos posteriores, que busquem conhecer o fenômeno em detalhes. Quanto aos meios, trata-se de um estudo de casos, uma das possibilidades oferecidas pela abordagem qualitativa. O propósito desse tipo de pesquisa reside no aprofundamento de uma unidade de análise, tendo em vista o exame detalhado de um ambiente, um sujeito ou uma situação específica, a fim de analisar, de modo intensivo, uma dada unidade social. É a estratégia predileta dos pesquisadores para responder às questões “como” e “por quê” determinados fenômenos acontecem, quando a possibilidade de controle sobre os eventos estudados é baixa e quando o foco de interesse recai sobre fenômenos atuais que somente podem ser analisados num contexto de vida real (GODOY, 1995b). Para Vergara (2011, p.44), o estudo de caso é destinado a uma ou poucas unidades, que podem ser “pessoa, família, produto, empresa, órgão público, comunidade ou mesmo país. Tem caráter de profundidade e detalhamento”. Dados esses motivos, foi a estratégia adotada. 3.2 Sujeitos de pesquisa Para a definição dos participantes desta pesquisa, foi feita uma revisão na literatura e optou-se pelos trabalhadores terceirizados, por apresentarem envolvimento em experiências semelhantes de invisibilidade. Realizaram-se entrevistas com profissionais em operações de risco para a saúde como, por exemplo, da área hospitalar e também trabalhadores da área administrativa, nas iniciativas pública e privada. O propósito dessa escolha residiu no enriquecimento do estudo, pois a variedade de profissionais poderia permitir a identificação tanto de aspectos comuns, quanto de diferenças, no que se refere a como essas pessoas vivenciam o sentimento de invisibilidade. Esses profissionais foram acessados por meio de indicações vindas da convivência diária da pesquisadora e indicaram novos nomes, numa amostragem por bola de neve. Mais detalhes sobre esses sujeitos serão fornecidos oportunamente, neste trabalho. As entrevistas realizadas com esses terceirizados foram encerradas quando se atingiu a saturação, que implica na repetição das respostas sem que nenhum elemento novo surgisse para justificar a elevação do número de participantes (FONTANELLA, RICAS e TURATO, 2008). Nesse ponto, já tinham sido ouvidos 19 61 profissionais, número considerado suficiente para a exploração do material e posterior análise. Não foi intenção da pesquisa esgotar o que se tem a dizer sobre esse assunto, mas explorar um espectro de percepções a respeito do tema. 3.3 Instrumentos de coleta de dados Como instrumento de coleta de dados, neste trabalho foi utilizada a entrevista que, pela definição de Martins (2008, p. 27) é uma técnica de pesquisa para coleta de dados cujo objetivo básico é entender e compreender o significado que os entrevistados atribuem a questões e situações, em contextos que não foram estruturados anteriormente, com base nas suposições e conjecturas do pesquisador. A entrevista é tida por muitos autores como a técnica magnânima na investigação social. Devido à sua flexibilidade, é utilizada para investigar vários campos e contribuiu substancialmente para o desenvolvimento das ciências sociais nas últimas décadas (GIL, 1999). Não há necessidade de imposição de uma ordem rígida de questões, mas as perguntas fundamentais devem estar relativamente estruturadas, segundo Godoy (1995b). Vergara (2011) complementa que a entrevista pode ser realizada com a presença física de pesquisador e entrevistado, ou ser feita via mídia interativa. Contudo, corre-se o risco de perda de qualidade. Por isso, neste estudo as entrevistas foram todas realizadas na presença de pesquisador e entrevistado. A entrevista pode ser informal (aberta) quando se mantém uma conversa, mas com a finalidade específica de coletar os dados necessários. Pode também ser focalizada (fechada), com o foco na abordagem de um assunto, ou pode ser estruturada em pautas (semiaberta), quando o entrevistado elenca vários pontos a serem explorados com o entrevistado. No caso desta pesquisa, optou-se pela primeira alternativa.As entrevistas foram gravadas com a anuência do entrevistado para posterior análise de conteúdo comparativa num total de 8 horas e 37 minutos de gravação. 62 3.3.1 Roteiro para entrevista O roteiro para as entrevistas realizadas neste estudo consta no apêndice A. Ele foi construído baseado no que era preciso conhecer sobre o trabalho dos entrevistados, considerando também o que a literatura traz a esses trabalhadores a respeito de sofrimento e invisibilidade. Por isso, incluíram-se questões referentes a: profissão; escolaridade; tempo de atuação como terceirizado; breve histórico da carreira; atividade desempenhada; relação com colegas de trabalho, chefia e comunidade; o significado do trabalho (se prazer, sofrimento ou os dois); problemas físicos, psicológicos ou comportamentais advindos do trabalho; como o sujeito se vê, profissionalmente; como acredita que é visto. Em seguida, foi solicitado ao entrevistado que falasse a respeito dos temas relacionados diretamente a esta investigação: reconhecimento; tratamento; justiça; diferenças entre efetivos e terceirizados; outras características da invisibilidade. 3.4 Técnica de interpretação dos resultados Para a interpretação dos resultados, foi adotada a técnica de análise de conteúdo, que permite identificar o que está sendo dito sobre determinado tema (VERGARA, 2010). Na visão de Marconi e Lakatos (2013), esta é uma técnica que permite análise, pode ser aplicada a documentos pessoais como diários, por exemplo, e visa aos produtos das ações humanas, voltada para o estudo das idéias e não somente das palavras em si. Para Godoy (1995b, p. 23), a análise de conteúdo “consiste em um instrumental metodológico que se pode aplicar a discursos diversos e a todas as formas de comunicação, seja qual for a natureza do seu suporte”. Além disso, “qualquer comunicação que veicule um conjunto de significações de um emissor para um receptor pode, em princípio, ser decifrada pelas técnicas de análise de conteúdo” (GODOY, 1995b, p. 23). A análise de conteúdo pode ser utilizada também para fins exploratórios e busca a essência nos detalhes dos dados e informações. É a junção do texto e do contexto da palavra utilizada pelo entrevistado; é a inferência entre a descrição e a interpretação; é o entendimento sobre as causas e consequências (MARTINS, 2008). 63 Bardin (2011) orienta que a análise de conteúdo deve conter três etapas. A primeira é a pré-análise, fase de seleção dos dados e procedimentos a serem utilizados. A segunda é a exploração do material, quando se implementam os procedimentos de contagem das palavras ou das unidades de análise. A terceira é o tratamento dos dados e interpretações, o que implica a transformação dos dados brutos em informações que permitam a análise do pesquisador. Nesse processo, o esforço do analista deve ser o de entender o sentido da comunicação e, também, buscar outra significação para o que não foi expresso. Assim, a interpretação, que envolve uma visão holística, deve ir além do que foi manifestado, deve buscar o sentido que se encontra por trás do que foi imediatamente apreendido. As unidades de análise podem ser palavras, expressões ou sentenças. O importante é representar, na essência, o conteúdo das entrevistas (VERGARA, 2010). As categorias iniciais e intermediárias foram estabelecidas pelo roteiro da entrevista, que teve como base o Referencial Teórico dessa pesquisa, onde foram abordados os elementos de prazer/sofrimento no trabalho e invisibilidade. As categorias finais fundamentaram-se nas respostas dos entrevistados. Maiores detalhes constam no próximo capítulo, na seção 4.2 Categorização. Todas as entrevistas foram transcritas em Word e a análise de conteúdo foi feita em Excel, via tabela dinâmica, para facilitar a contagem dos trechos. A autora montou duas estruturas de análise. A primeira planilha foi nomeada “Dados pessoais” e abrange as informações: nome do entrevistado; nome fantasia (nome adotado pela autora para preservar a identidade dos entrevistados); tempo de entrevista; idade; faixa etária; sexo; escolaridade; formação; profissão/cargo; atividade conforme cargo; faixa de tempo como terceirizado; faixa de tempo na empresa; exerce a mesma função de funcionário da contratante; instituição; nome fantasia da instituição. Essas informações foram levantadas para situar o leitor a respeito do público entrevistado. Em outra planilha, denominada “Análise de Conteúdo”, a pesquisadora criou a seguinte estrutura: nome do entrevistado; nome fantasia; nº da questão; trecho da resposta; categoria inicial; categoria intermediária; categoria final; instituição; escolaridade; faixa de tempo como terceirizado; exerce a mesma função de funcionário da contratante. As duas últimas colunas foram repetidas nessa planilha por permitirem melhor compreensão de sua influência em algumas das respostas. 64 Cada trecho foi associado a uma única categoria. Os casos em que uma resposta apresentava mais de uma categoria eram devidamente separados em outra linha, mesmo que, com isso, a pergunta se repetisse. O critério para alocar cada trecho em sua respectiva categoria era o de manter o sentido da resposta. Por isso, há trechos menores e maiores na análise. Inicialmente, muitas categorias foram criadas. Porém, como alguns elementos possuíam identificação, foram agrupados em uma única categoria. É o caso, por exemplo, de “Ambiente e relações no trabalho”, “Sustento, utilidade e/ou fonte de aprendizado”, “Ansiedade, angústia, início de depressão, tristeza e/ou choro”, “Frustração ou desmotivação”, “Humilhação, discriminação e/ou indiferença”. Após classificar cada trecho, foi montada uma tabela dinâmica com as categorias inicial, intermediária e final em rótulos de linha e os trechos em valores com a configuração Contagem de números, em ordem decrescente de trechos, conforme é demonstrado na Figura 1. Figura 1 – Contagem dos trechos da Análise de conteúdo em Excel Fonte: elaborado pelas autoras 65 A partir da tabela dinâmica, foram elaboradas a Figura 2 com a Categorização inicial, intermediária e final e a Figura 3 com a indicação por frequência. 3.5 Produto Técnico Como produto técnico deste estudo, entendido como uma pesquisa realizada no escopo de um Mestrado Profissional em Administração, foi desenvolvida uma cartilha,em formato digital,a fim de conceituar a Invisibilidade Profissional.Nela, apresentam-se conteúdos importantes sobre a questão do trabalho, do sofrimento e da invisibilidade, exibidos de forma simples e educativa. O público alvo são as pessoas interessadas no tema, já que o entendimento dos fatores capazes de afetar o clima organizacional pode contribuir para melhorar o ambiente, bem como as relações entre as pessoas e seus resultados. O objetivo é contribuir para a difusão deste conceito e provocar reflexões acerca das consequências de se sujeitar o trabalhador à invisibilidade, o que pode comprometer sua saúde e capacidade produtiva, bem como sua vida familiar e social. Imagina-se que este produto técnico deve interessar, principalmente, a gestores de pessoas, nas organizações. Além disso, por motivos que ainda serão detalhados, estudantes de Administração também consistem num grupo que é alvo potencial desta cartilha. Pela internet, ela está disponível no link https://drive.google.com/file/d/ 0BwEBXn2gI5VXbExJdDZPSnVhaW8/view?usp=sharing. Neste trabalho, pode ser encontrada no Apêndice B. 66 4 ANÁLISE DOS DADOS Os dados para esta etapa foram obtidos por meio de entrevistas realizadas no período de julho a outubro de 2015, exclusivamente com trabalhadores terceirizados e que atuam em variados ramos de atuação. Após sua realização, a própria autora realizou as devidas transcrições para registro, análise e interpretação dos resultados, adotando-se como técnica a análise de conteúdo proposta por Bardin (2011). No tópico 4.1, são apresentados os dados gerais dos participantes da pesquisa, para situar o leitor quanto ao público entrevistado e, na seção 4.2, Categorização, são explicitadas as análises propriamente ditas. A categorização é a parte da análise de conteúdo que permite classificar os textos em temas ou fazer inferências sobre o que foi dito e não dito, para dar significado às respostas (BARDIN, 2011). A fase de pré-análise teve como objetivo organizar o conteúdo e sistematizar as ideias iniciais. Para tal, a cada pergunta respondida correspondia uma síntese do que foi dito por cada entrevistado. Em seguida, o material foi explorado para permitir a construção das categorias de análise. As categorias finais foram agrupadas, por afinidade, com as intermediárias e iniciais. Por fim, foram respeitados os princípios de categorização propostos por Bardin (2011) adotando-se, como códigos para análise, trechos das entrevistas, independentemente se consistiam em frases, expressões ou longos períodos. Ao todo, foram analisados 713 trechos. É importante ressaltar que, em algumas respostas, foram feitas inferências por parte da autora deste trabalho para associar os trechos às respectivas categorias para que fosse possível revelar o que não foi dito ou o que foi falado nas entrelinhas. Como se trata de análise da comunicação, esse artifício pode ser utilizado (SILVA e FOSSÁ, 2013). 4.1 Dados gerais dos entrevistados Foram entrevistadas 19 pessoas, sendo 13 mulheres e 6 homens. Dezessete trabalham em 6 empresas públicas distintas e duas pessoas na mesma empresa privada. As idades dos entrevistados variam de 25 a 55 anos e se distribuem conforme a Tabela 1: 67 Tabela 1 – Faixa etária dos entrevistados Faixa etária Feminino Masculino Total De 25 a 35 anos 4 5 9 De 36 a 45 anos 4 1 5 De 46 a 55 anos 5 - 5 6 19 TOTAL 13 Fonte: elaborado pela autora Os entrevistados apresentam o seguinte nível de escolaridade: Tabela 2 – Nível de escolaridade Escolaridade Feminino Masculino Total Ensino fundamental completo 2 1 3 Ensino médio incompleto 2 - 2 Ensino médio completo 4 1 5 Superior incompleto ou em andamento 1 1 2 Superior completo 1 3 4 Superior completo e especialização 3 - 3 TOTAL Fonte: elaborado pela autora 13 6 19 Um entrevistado é tecnólogo e cursa outra graduação no momento, enquanto uma entrevistada tem graduação realizada no exterior. Nove dos entrevistados possuem ensino superior completo ou em andamento, assim distribuídos: Tabela 3 – Áreas de estudo Área de Ensino Feminino Masculino Total Administração - 1 1 Design de Produto 1 - 1 Engenharia de Produção - 1 1 Fisioterapia 1 - 1 Odontologia 1 - 1 Pedagogia 1 - 1 Radiologia 1 - 1 Relações Públicas - 1 1 Serviço Social 1 - 1 Sem nível superior 7 3 10 TOTAL Fonte: elaborado pela autora 13 6 19 68 A Tabela 4 exibe os cargos dos entrevistados: Tabela 4 – Cargo e/ou profissão Profissão/Cargo Feminino Masculino Total Administrativo 2 1 3 Atendente 1 - 1 Auxiliar de Enfermagem 1 - 1 Auxiliar de Serviços Gerais 4 - 4 Cerimonialista 1 2 3 Dentista 1 - 1 Fisioterapeuta 1 - 1 Higienizadora de hospital 2 - 2 Técnico de Segurança do Trabalho - 1 1 Varredor de rua - 2 2 13 6 19 TOTAL Fonte: elaborado pela autora No Administrativo, os nomes dos cargos variam entre Assistente Técnico Administrativo, Auxiliar Administrativo e Técnico de Suporte Administrativo. De todos os entrevistados questionados a respeito da profissão conforme o cargo, apenas uma relatou, nessa resposta, o desvio de função. Contudo, ao longo da entrevista, outros informaram realizarem atividades fora do seu escopo de atuação. No que concerne ao tempo como terceirizado, a distribuição se apresenta conforme a tabela a seguir: Tabela 5 – Faixa de tempo como terceirizado Faixa de tempo como terceirizado Feminino Masculino Total Até 5 anos 3 5 8 De 5 a 10 anos 7 1 8 De 25 a 30 anos 3 - 3 TOTAL Fonte: elaborado pela autora 13 6 19 Quando questionados sobre o tempo de casa, os entrevistados forneceram as informações disponíveis na Tabela 6: 69 Tabela 6 – Faixa de tempo na empresa atual Faixa de tempo na empresa atual Feminino Masculino Total Até 5 anos 5 6 11 De 5 a 10 anos 4 - 4 De 10 a 15 anos 1 - 1 Acima de 20 anos 3 - 3 TOTAL Fonte: elaborado pela autora 13 6 19 Onze dos dezenove entrevistados exercem a mesma função de um funcionário da contratante e estão distribuídos, por cargo e gênero, de acordo com a Tabela 7: Tabela 7 – Função equivalente na Contratante por Cargo e Gênero Exerce mesma função de funcionário da contratante Cargo Feminino Masculino Total Administrativo 2 1 3 Atendente 1 - 1 Auxiliar de Enfermagem 1 - 1 Cerimonialista 1 2 3 Dentista 1 - 1 Varredor de rua - 2 2 6 5 11 Auxiliar de Serviços Gerais 4 - 4 Fisioterapeuta 1 - 1 Higienizadora de hospital 2 - 2 Técnico de Segurança do Trabalho - 1 1 Subtotal "Não" 7 1 8 TOTAL Fonte: elaborado pela autora 13 6 19 Sim Subtotal "Sim" Não Apenas uma entrevistada possui a terceirização como sua primeira experiência de trabalho, mas atua no mesmo hospital há 29 anos. Duas sempre trabalharam na mesma atividade, porém, em locais diferentes. Os demais tiveram vivências profissionais em diversificados ramos de atuação. 70 4.2 Categorização Os pilares que sustentam esse estudo são o sofrimento no trabalho e o sentimento de invisibilidade profissional de terceirizados. Respectivamente, Dejours (2000) e Costa (2008) são os principais autores que respaldam esses conceitos. Baseado neles, foram criadas duas grandes categorias de análise, quais sejam, Sofrimento e Invisibilidade. Contudo, como o trabalho também é apontado, na literatura, como fonte de prazer (MENDES e FERREIRA, 2007), uma terceira categoria foi criada para contemplar esse aspecto. A categoria denominada Prazer refere-se às falas dos entrevistados que indicam o trabalho como fonte de prazer e abrangem a percepção sobre a identificação com o trabalho, as relações, a finalidade, o ambiente e a oportunidade de inserção no mercado. Os resultados serão expostos posteriormente. A categoria chamada de Sofrimento indica os fatores que levam o trabalhador a sofrer e inclui as condições de trabalho, os resultados desse sofrimento em termos de problemas físicos, psicológicos, comportamentais e as reações que ele provoca. Ela também será detalhada oportunamente. A categoria que discorre sobre a Invisibilidade é a mais diretamente relacionada aos objetivos deste estudo. Ela traz as falas que se referiram à autoimagem do entrevistado, à imagem da sua profissão, à forma como é tratado, à diferença entre terceirizados e efetivos e à falta de reconhecimento percebida por eles. Assim, trata-se de um espaço aberto para incluir os fatores que podem levar um terceirizado a se sentir invisível. Dentre eles, destacam-se a humilhação, a precarização, a coisificação e a desvalorização da pessoa ou da sua profissão. Por fim, numa categoria à parte, denominada “Outros”, foram incluídos trechos da análise que em nada se relacionavam às categorias anteriores, e que também não eram importantes para que se alcançassem os objetivos do estudo. Exemplos são falas que narram acontecimentos da vida pessoal do entrevistado, em nada relacionados ao que esta pesquisa investigou. Essas falas totalizaram 236 trechos das respostas. A Figura 2 demonstra o esquema de categorias elaborado para a análise, com essas três grandes categorias iniciais e suas subcategorias, aqui denominadas “intermediária” e “final”. pormenorizadamente. Em seguida, cada uma delas é analisada 71 Figura 2 – Categorização Inicial, Intermediária e Final Categoria inicial PRAZER Categoria intermediária Aspectos positivos ou neutros Condições de trabalho Ambiente e Relações no trabalho Chefia, falta de apoio ou de recursos Oportunidade de trabalho Falta de perfil para o trabalho ou desejo de mudar de profissão Identificação com o trabalho Desvio de função SOFRIMENTO Problemas físicos Problemas psicológicos Ansiedade, Dor, lesão, doença angústia, início de ou outro problema depressão, tristeza físico e/ou choro Fadiga ou cansaço físico Estresse e/ou sensação de esgotamento INVISIBILIDADE Mudança de comportamento Reação Imagem do terceirizado e da profissão Diferença entre terceirizados e efetivos Falta de reconhecimento Frustração ou desmotivação Posicionamento/ Reflexão Valorização Injustiça Humilhação, Discriminação e/ou Indiferença Alteração de humor Isolamento Desvalorização Sobrecarga de trabalho Precarização do trabalho e/ou Instabilidade Categoria final Sustento, utilidade e/ou fonte de aprendizado Fonte: elaborado pela autora Consumo de álcool Valorização parcial Falta de treinamento, remuneração e/ou benefícios inferiores Imagem negativa ou desconhecida Não invisibilidade 72 4.3 Categoria Inicial Prazer A categoria inicial “Prazer” abrange as 4 categorias finais exibidas na Tabela 8, com a respectiva frequência, analisada por trecho. Envolve tanto os aspectos considerados como positivos pelos entrevistados quanto os neutros, ou seja, o que não é sinônimo de sofrimento ou invisibilidade. Dejours (2000), Dejours, Abdoucheli e Jayet (2009) e Mendes e Ferreira (2007) foram alguns dos autores utilizados nesse estudo e que abordaram, também, a temática do prazer no trabalho no que se refere ao ambiente, relações e identificação. Tabela 8 – Categoria Inicial Prazer Categoria intermediária Aspectos positivos ou neutros TOTAL Categoria final Total de Trechos Ambiente e relações no trabalho 63 Oportunidade de trabalho 23 Identificação com o trabalho 13 Sustento, utilidade e/ou fonte de aprendizado 10 109 Fonte: elaborado pela autora A primeira categoria final, Ambiente e Relações no Trabalho, tem como elementos marcantes e positivos um local tranquilo para se trabalhar e o relacionamento com a chefia. Nessas falas, os entrevistados afirmaram que são tratados com equidade e justiça e narraram o empenho da chefia em melhorar a situação dos terceirizados. “(...) tinha um, um senhor aqui que olhava, né, sobre a empresa. Ele correu atrás e conseguiu um ticket pra gente. Conseguiu tudo direitinho. (...)” (Bárbara) 4 Na fala a seguir, a entrevistada reforça que o ambiente de trabalho é bom por causa da chefia mesmo, fator que adquiriu, ao longo da análise, relevância crescente. 4 Os nomes dos entrevistados foram trocados por outros, arbitrariamente definidos, com a finalidade de preservar sua identidade. Seria possível nomeá-los Entrevistado 1, 2, 3 e assim por diante. Contudo, considerou-se que essa maneira de chamar esses sujeitos retiraria deles um pouco de sua humanidade, aspecto que esta pesquisa, focada na invisibilidade, busca ressaltar. 73 “Ah, aqui eu adoro. Aqui eu adoro. (...) por causa da minha chefia. (...) Aqui é que na época eu falei: foi o único lugar que eu trabalhei que eu, quando eu saí daqui, que acabou, eu chorei. Porque, por causa da minha chefia. Eles são ótimos. (...)” (Amanda) Amanda foi a única entrevistada que trabalhou duas vezes como terceirizada na mesma instituição e somente voltou por causa da chefia, que permaneceu inalterada. Os elementos neutros da categoria Ambiente e Relações no Trabalho tratam das respostas em que os entrevistados afirmaram não terem tido problemas físicos, psicológicos ou mudanças de comportamento provenientes do trabalho. A segunda categoria final, Oportunidade de trabalho, apresenta falas que mostram outra vertente para a terceirização debatida nesta pesquisa. Nesta situação, ela é favorável ao trabalhador por possibilitar sua inserção no mercado e, em poucos casos, pelos terceirizados terem maiores salários ou benefícios que os efetivos. Contudo, mesmo alguns dos terceirizados que indicaram a terceirização como oportunidade de trabalho, manifestaram características de sofrimento e de invisibilidade, como pode ser comprovado na fala a seguir. “uma amiga minha, aonde eu trabalho, que me indicou. (...) Eu fui, fiz entrevista. Na época eu acho que eles não tinham muitos currículos e quando a pessoa me contratou, viu o meu currículo, com curso no experior, no exterior, falo inglês fluente e tudo, ela ficou encantada e me contratou. (...) E eu, no desespero que num tinha emprego, qualquer salário pra mim eu tava ganhando.” (Beatriz) (grifo da autora) A fala de Beatriz condiz com o estudo de Brito, Marra e Carrieri (2012) com terceirizados da indústria de autopeças da Região Metropolitana de Belo Horizonte, em que alguns dos participantes da pesquisa sinalizaram o sofrimento pelo desemprego estrutural e que, entre essa situação e o subemprego, preferem o segundo. A terceira, Identificação com o trabalho, está relacionada à pessoa fazer o que gosta e se sentir bem no trabalho. “Fonte de prazer quando você se sente (...) bem em estar fazendo o que você quer, o que você gosta”. (Jéssica) 74 E a quarta, Sustento, utilidade e fonte de aprendizado, envolve, também, o resultado do próprio trabalho, pois demonstra como as pessoas se sentem bem com suas realizações. As falas abaixo evidenciam exemplos dessa categoria: “Ele é fonte de prazer pra mim quando eu vejo a melhora dos pacientes, quando eu vejo os pacientes interessados. É quando eu vejo que eles precisam realmente da fisioterapia.” (Débora) “Então, tudo eu levo assim, sabe? É um aprendizado. Então eu aprendi muita coisa.” (Luíza) Dos dezenove entrevistados, seis responderam que o trabalho é fonte somente de prazer. Os demais apresentaram falas pertinentes às outras duas categorias, Sofrimento e Invisibilidade, que serão descritas a seguir. 4.4 Categoria Inicial Sofrimento A categoria inicial Sofrimento possui 5 categorias intermediárias e 12 categorias finais, conforme Tabela 9: Tabela 9 – Categoria Sofrimento desmembrada em categorias intermediária e final Total de Trechos Categoria intermediária Categoria final 11 Condições de trabalho Chefia, falta de apoio ou de recursos Falta de perfil para o trabalho ou desejo de mudar de profissão Desvio de função Problemas Físicos Dor, lesão, doença ou outro problema físico Fadiga ou cansaço físico 9 6 Problemas Psicológicos Ansiedade, angústia, início de depressão, tristeza e/ou choro Estresse e/ou sensação de esgotamento Mudança de Comportamento Reação TOTAL Fonte: elaborado pela autora 8 7 12 10 Frustração ou desmotivação 9 Alteração de humor Consumo de álcool 5 1 Posicionamento/Reflexão Isolamento 32 5 115 75 4.4.1 Categoria Intermediária Condições de Trabalho Essa categoria está relacionada às condições de trabalho a que os terceirizados estão sujeitos e à incompatibilidade com o perfil de trabalho. Hirata (2011) sinalizou que condições de trabalho adversas como, por exemplo, o sentimento de insegurança no emprego, exacerba o individualismo e prejudica o espírito de coletivismo. Marchand, Demers e Durand (2005), que pesquisaram mais de nove mil trabalhadores assalariados nas ocupações definidas pelo Padrão de Classificação Ocupacional de 1981 do Quebec, Canadá, concluíram que as condições de trabalho, os recursos e o estresse são fatores determinantes para o sofrimento psíquico. Ferreira e Mendes (2001), Lima Júnior e Ésther (2001) e Vasconcelos e Faria (2008) também apontaram sofrimento em decorrência da precariedade das condições de trabalho. Em linha com esses autores, essa categoria apresentou as seguintes subdivisões: Tabela 10 – Condições de Trabalho Categoria intermediária Categoria final Condições de trabalho Chefia, falta de apoio ou de recursos Falta de perfil para o trabalho ou desejo de mudar de profissão Desvio de função TOTAL Total de Trechos 11 8 7 26 Fonte: elaborado pela autora A primeira categoria final, Chefia, falta de apoio ou de recursos, retrata a dificuldade no relacionamento com o superior, o desamparo, por parte da empresa terceirizada ou de colegas de trabalho e a pouca ou nenhuma importância conferida pela alta direção a aspectos como, por exemplo, a segurança do trabalho desses profissionais. “outra coisa que me causa sofrimento: ele como meu chefe. Porque ele é uma pessoa assim, arbitrário sabe, um Hitler.” (Débora) “o ruim é que eu era muito maltratada, né, pelo meu chefe. (...) Ele me elogiava, né, quando, na sala dele, dentro de sala, com ele, ele me elogiava. Dizia que eu era a melhor funcionária dele. Mas quando tava na frente dos outros funcionários, ele mostrava autoridade. Ele muito rígido. Então, ele gritava comigo. Me fazia chorar na frente de todo mundo. Falava que eu tava me fazendo de vítima. E aquilo me machucava muito, né?” (Thaís) 76 “Os diretores, o próprio presidente, que às vezes muda o presidente, eles não, não são todos que compram essa idéia de investir na segurança do trabalho, na, nos benefícios para os trabalhadores, na qualidade de vida.” (Charles) Os autores Antloga e Mendes (2009), Costa (2007), Merlo et al. (2003), Salimon e Siqueira (2013), Sousa e Mendonça (2009), Vasconcelos e Faria (2008) e Weber e Grisci (2010) indicaram, em seus estudos, o sofrimento no trabalho decorrente do conflito no relacionamento com a chefia. Nesta pesquisa, esse aspecto mostrou-se de fundamental importância. Pelos relatos, é possível perceber que os gestores, cujo papel é exatamente o de promover relações saudáveis e produtivas com a equipe e entre seus membros, são incapazes de estabelecer relacionamentos assim entre eles próprios e os demais trabalhadores. Envolvem os subordinados em relações tensas e desgastantes, negligenciando seu papel agregador. Adler e Silva (2013), Antloga e Mendes (2009), Gravina (2002), Grisci (2003), Martins e Honório (2014), Santos, Siqueira e Mendes (2011) e Weber e Grisci (2010) sinalizaram a quebra de confiança, o individualismo e a falta de coleguismo e de solidariedade entre os pares como fonte de sofrimento para o público de suas pesquisas. Neste estudo, o relacionamento com colegas de trabalho também foi sinônimo de sofrimento para alguns dos entrevistados, como pode ser visto na fala a seguir: “Então, assim, o trabalho pra mim é sofrimento nessa parte, de ter que vim trabalhar sabendo que você não tem apoio da equipe de, de, de trabalho. Você tá ali pra fazer sua função enquanto os outros ficam lá, entre aspas, morcegando, né? Como dizem, né? Eu sinto, isso pra mim, me chateia muito.” (Júlia) Costa (2007), Merlo et al. (2003) e Salimon e Siqueira (2013), em suas pesquisas, constataram a falta de recursos como fatores de sofrimento para os entrevistados. Abaixo, uma fala que retrata a ausência de recursos apropriados para o trabalho que, inclusive, causa problema físico nos trabalhadores. “(...) desde que eu entrei ali, tem uma mesa que ela arrebenta a coluna da gente. Como só tem terceirizado sentando nela, tipo assim, é a gente, por enquanto só tem eu e a outra menina que é terceirizada, eles não trocam a mesa. O dia que vier um efetivo pra cá, uma pessoa mais alta e tal, que a pessoa virar e falar, acionar o médico do trabalho, a fisioterapia e falar: olha, essa cadeira tá acabando com a minha né, no caso com a minha lombar, 77 com a minha coluna, ele vai dar um jeito de arrumar. A cadeira, a mesa, né? Entende? (Jéssica) (grifo da autora) A segunda categoria final foi nomeada Falta de perfil para o trabalho ou desejo de mudar de profissão e pode ser percebida na seguinte fala: “Mas todo mundo que trabalha nessa área de terceirizado, cê pode perguntar. Tá todo mundo tentando outros locais, outros concursos, outras formas, outras, outros meios de, de trabalhar.(...) se fosse pra escolher hoje, eu não, não valeria à pena. Eu preferia mil vezes trabalhar num comércio ou em qualquer outra coisa assim, começando. (...) Eu prefiro fazer um concurso de qualquer outra área, de qualquer outra empresa. Mas, terceirizado, não. Não vale à pena não. Não vale. Não é bom.” (Sara) (grifo da autora) Vale chamar a atenção para o final da fala da entrevistada em que ela repetiu, de forma contundente, cinco vezes a palavra “não”. Por meio desse trecho é possível ratificar que, para ela, é forte o desejo de mudar de profissão. De forma semelhante, a pesquisa de Brito, Marra e Carrieri (2012), com terceirizados em indústrias de autopeças da Região Metropolitana de Belo Horizonte, que prestam serviços em curto espaço de tempo, demonstrou que alguns desses trabalhadores possuem o desejo de mudar a situação atual e pertencer a outra empresa para que sejam reconhecidos e valorizados, já que não tem perspectiva de que isso ocorra na empresa onde são funcionários. A terceira categoria final, que trata das fontes de sofrimento, é o Desvio de função. Em variados trechos, foi possível detectar que os terceirizados atuam em outras atividades, fora do seu escopo de atuação, diferente do que acontece com os efetivos que, segundo os entrevistados, se recusam a fazê-lo. “nós não somos seres de apoio. (...) Minha profissão não é serviço de apoio, né? Seu eu fosse vim pra cá pra fazer serviço de apoio, entendeu, taria lá na minha carteira: serviço de apoio.” (Pedro) “o que se vê aqui, é, é um sentido de descaso com quem é terceirizado. A gente exerce o mesmo trabalho, ah, se não for mais do que o, do que o próprio servidor (...) A gente é taxado, taxado como a, o, serviço de apoio. Então o que, o que eles falam pra gente é que é um serviço de apoio.” (Alexandre) (grifo da autora) “Fonte de sofrimento seria quando a gente tem que realizar algumas tarefas mais complexas, que seria carga e descarga de material, é, que são tarefas que exigem muito esforço físico. Então, apesar de não tar determinado no 78 cargo que a gente realiza essas tarefas, a gente realiza assim mesmo.” (Thiago) 5 (grifo da autora) 4.4.2 Categoria Intermediária Problemas Físicos Essa categoria inclui efeitos físicos do sofrimento no trabalho. Alguns autores também indicaram, em seus estudos, os problemas físicos como fatores geradores de sofrimento (ADLER e SILVA, 2013; ANTLOGA e MENDES, 2009; BRANT e MINAYO-GÓMEZ, 2007; GRAVINA, 2002; GRISCI, 2003; GRISCI et al., 2006; LEÃO e SILVA, 2012; LIMA JÚNIOR e ÉSTHER, 2001; MARTINS e HONÓRIO, 2014; QUINLAN e SOKAS, 2009; SANTOS, SIQUEIRA e MENDES, 2011; UCHIDA, 1998; ZANELLI et al., 2010 e ZUBERI e PTASHNICK, 2011). Essa categoria está subdivida em duas: Tabela 11 – Problemas Físicos Categoria intermediária Problemas Físicos Categoria final Total de Trechos Dor, lesão, doença ou outro problema físico 9 Fadiga ou cansaço físico 6 TOTAL 15 Fonte: elaborado pela autora A primeira categoria final, Dor, lesão, doença ou outro problema físico, envolve um relato em que a profissional faz menção, inclusive, ao fato de não ter ânimo para trabalhar em razão dos problemas que enfrenta por ser terceirizada: “Dor muscular, dor de cabeça, tem dia que não me dá vontade de vim trabalhar, porque tem algumas pessoas aqui dentro que, que tipo assim, é, eu posso, eu mereço, eu passei no concurso, entendeu? E, e você não pode, você assim. Então, aí, aí eu não tenho vontade de trabalhar. Muitas vezes assim, assim não me dá vontade de vim pra ter que olhar pra essas pessoas, sabe?” (Jéssica) Outros entrevistados comentaram sobre dor muscular, dor osteoarticular e dor na coluna e, com relação à lesão, doença ou outro problema físico, foi mencionada, por exemplo, a tendinite. 5 Thiago foi contratado para as atividades de Auxiliar Administrativo, mas exerce, além das tarefas de carga e descarga de material, o papel de motorista. 79 A Fadiga ou cansaço físico, segunda categoria final, é descrita por alguns entrevistados como um desânimo por ser terceirizado e pode ser identificada nas falas abaixo: “Sabe, aí eu fico fadigada com isso. Eu, e assim, as pessoas que faz o erro mas, porque ele é efetivo, ele nunca vai levar a culpa. Tem sempre um que vai, entendeu?” (Luíza) “(...) tonturas, correria, muita correria. Você tem que fazer muitas coisas ao mesmo tempo e, quando, igual eu tô falando, quando num tem pessoas pra te auxiliar, tudo bem. É outro papo. Mas tendo pessoa pra te auxiliar, você acaba tendo que tomar conta de várias coisas ao mesmo tempo. Já aconteceu d’eu sentir tonturas, é, nossa, muita é, pressão subir, sabe? É isso mesmo, em relação ao trabalho, cansaço mesmo, físico.” (Júlia) 4.4.3 Categoria Intermediária Problemas Psicológicos Essa categoria apresenta queixas dos entrevistados e está diretamente associada ao fato de serem terceirizados. Tabela 12 – Problemas Psicológicos Categoria intermediária Categoria final Problemas Psicológicos Ansiedade, angústia, início de depressão, tristeza e/ou choro Estresse e/ou sensação de esgotamento TOTAL Total de Trechos 12 10 22 Fonte: elaborado pela autora A primeira categoria final, Ansiedade, angústia, início de depressão, tristeza e/ou choro, envolve elementos que já foram retratados nos estudos de Adler e Silva (2013), Antloga e Mendes (2009), Brant e Minayo-Gómez (2007), Gravina (2002), Grisci (2003), Grisci et al. (2006), Leão e Silva (2012), Lima Júnior e Ésther (2001), Martins e Honório (2014), Salimon e Siqueira (2013), Santos, Siqueira e Mendes (2011), Uchida (1998), Vasconcelos e Faria (2008), Weber e Grisci (2010). A categoria pode ser evidenciada nas falas a seguir: “eu sofri demais com isso (...) eu praticamente (...) pedi pelo amor de Deus pra me tirar de lá porque (...), quando eu ia trabalhar, eu chegava lá com vontade de chorar. Eu não tinha ânimo pra trabalhar (...).” (Júlia) “angústia, a ponto de ter, eu comprei, quando eu não queria tomar remédio controlado, eu comprei um fitoterápico, é, que chama Calman, pra ver se eu 80 acalmava mais, pra ver se eu conseguia ficar aqui melhor, sabe? Porque isso já, eu tava chegando na minha casa muito estressada, eu tava demorando muito pra dormir, sabe? E no outro, assim, eu tava vindo com muito, assim, um peso no coração, sabe? Uma sensação, assim, não muito agradável.” (Jéssica) “o que tem me pegado ultimamente é a ansiedade. Ansiedade pelo que eu ainda posso fazer por mim, porque eu, eu já desisti do local, do meu atual local de trabalho.” (Alexandre) Em Estresse e/ou sensação de esgotamento, percebe-se o desânimo com o trabalho atual por ser terceirizado: “É, a sensação de esgotamento é, é certa, é, de fadiga, a sensação de acordar e falar: poxa vida, eu vou ter que ir pra lá (...) de novo. (...) Stress, perfeito, lembrei o que eu queria dizer. Eu tô, eu sou um cara muito tranquilo. Eu tô passando, é uma coisa que parece básica, mas eu tô começando a ter um tique do lado direito do rosto. Imagino que, óbvio que tenha relação com o meu trabalho, que a minha vida pessoal, ela tá tranquila, caminhando bem, família tranquila, não temos problema nenhum. Então, eu tenho total certeza de que é fruto daqui. Eu levo tudo no bom humor, na esportiva mas, tudo tem um limite. (...) Eu quero outro rumo.” (Alexandre) (grifo da autora) O estresse foi objeto de estudo de Adler e Silva (2013), Castelhano (2005), Clot (2007), Gravina (2002), Grisci (2003), Grisci et al. (2006), High (2013), Linkon (2013), Marchand, Demers e Durand (2005), Martins e Honório (2014), Murofuse, Abranches e Napoleão (2005), Santos, Siqueira e Mendes (2011) e a sensação de esgotamento, ou burnout, foi explorada por Hirigoyen (2000), Murofuse, Abranches e Napoleão (2005), Pérez (2013), Viviers et al. (2008), Santos, Pereira e Carlotto (2010), Seidleret al. (2014) e Zanelli et al. (2010). Nesse sentido, as entrevistas confirmam que se trata de problemas que acometem os trabalhadores – em especial, nesse caso, os terceirizados. O fato de constar na literatura e também nesta pesquisa indica como afeta negativamente a vida dos trabalhadores e pode ser prejudicial para sua saúde física e psíquica. 4.4.4 Categoria Intermediária Mudança de Comportamento Essa categoria, que faz parte da análise do sofrimento no trabalho de trabalhadores terceirizados, está subdividida em: 81 Tabela 13 – Mudança de Comportamento Categoria intermediária Mudança de Comportamento Categoria final Total de Trechos Frustração ou desmotivação 9 Alteração de humor 5 Consumo de álcool 1 TOTAL 15 Fonte: elaborado pela autora Dentre outros fatores, a categoria final Frustração ou desmotivação, advém das chateações do dia a dia como terceirizado e, ainda, da desvalorização como profissional. “Hoje, ao mesmo tempo que eu me sinto bem, em me sinto frustrada. Eu não sei aonde tá o defeito, se tá ni mim, se tá no mercado de trabalho, se tá nas oportunidade (...).” (Sophia) Nesse ponto, a entrevistada Sophia se emocionou e a entrevista precisou ser temporariamente paralisada. Uma evidência da frustração associada à condição de terceirizado pode ser ilustrada com o depoimento a seguir: “infelizmente ali não tem ninguém que vai chegar pra uma pessoa terceirizada e vai falar assim: ah, eu sei que você sofre, sofreu uma injustiça, mas vamos tentar ajeitar a situação. Isso não existe. Eu não tenho patrão que vai pegar e vai falar assim: ah não, eu vou tentar olhar a sua situação. É claro que existe (...) essas pessoas. Existem certas pessoas, chefes e tudo, que você sabe que ela vai tentar lutar pelo direito do funcionário. (...) Ela pode talvez não conseguir tudo, mas ela vai se esforçar. (...) Mas, eu num tive isso. Pelo contrário.” (Beatriz) (grifo da autora) Barros e Mendes (2003), Brito, Marra e Carrieri (2012), Cavalcante, Oliveira e Cavalcante (2009), Costa (2007), Santos et al. (2009) foram autores que constataram a frustração ou desmotivação dos terceirizados devido ao ambiente de trabalho em que estão inseridos. No caso do relato de Beatriz, a falta de um gestor preocupado em construir um bom ambiente de trabalho volta a demonstrar que esse é um problema recorrente na vida de maior parte dos terceirizados que participaram da pesquisa. Já a segunda categoria final, Alteração de humor, pode ser retratada nessa situação: 82 “A, a gente, eu, eu que sou terceirizado, tem um, temos mais dois terceirizados no local, que a gente se identifica e a gente conversa muito e o que se vê aqui (...) É, eu tento ter bom humor sempre e me abster das coisas. Nem sempre eu consigo(...)” (Alexandre) (grifo da autora) Já o Consumo de álcool, terceira categoria final, foi uma mudança de comportamento que ocorreu para minimizar o transtorno de uma situação específica e pelo cotidiano que chega a prejudicar o sono de uma das entrevistadas: “tem às vezes aqui a gente passa tanta raiva no sentido de que, vou te dar um exemplo: eu saía cinco minutos mais cedo porque, por causa do meu ônibus. (...) Aí ele deu a entender que eu não poderia fazer mais isso. Aí isso me deixou tão transtornada, mas eu fiquei assim tão assim amargurada, que quando eu cheguei na minha casa eu tive que tomar vinho. Eu falei: vou tomar um vinho, vou tomar uma Ice, cerveja, sabe? Pra ver se eu consigo, sabe? Pra ver se eu (...) Eu não gosto de bebida, eu não bebo, eu não fumo, graças a Deus eu não faço uso de drogas, mas, tem às vezes, eu costumo às vezes sair daqui tão chateada com algumas coisas que acontecem aqui que eu acabo, ai eu vou tomar algum coisa, pra ver seu eu relaxo, pra ver se eu durmo, porque senão eu deito na cama e num durmo. Eu fico ligada aqui. É um, né, de certa forma, é uma coisa que não é boa.” (Jéssica) (grifo da autora) A entrevistada que respondeu ter feito uso de bebida alcoólica foi quem precisou de calmante para lidar com as experiências negativas do cotidiano como terceirizada. Também é a mesma que comentou ter uma chefia que menospreza os terceirizados e trata, de forma diferenciada, os efetivos. Novamente, percebem-se falhas da chefia no seu papel de liderança. Argolo e Araújo (2004), Clot (2007), Germain (2014), Hirata (2011), Lima (2010), Pompili et al. (2008) e Sato e Schmidt (2004) reforçaram que o estresse pode provocar mudanças de comportamento nas pessoas. Em seus estudos, Hirigoyen (2000), Murofuse, Abranches e Napoleão (2005), Pérez (2013), Viviers et al. (2008), Santos, Pereira e Carlotto (2010) e Seidler et al. (2014) também assinalaram, dentre outros fatores, as mudanças de comportamento que podem ocorrer com os trabalhadores sujeitos a esgotamento profissional. Diniz, Carrieri e Barros (2013) sinalizaram que o sofrimento no trabalho pode, inclusive, desencadear a anomia. 83 4.4.5 Categoria Intermediária Reação Essa categoria revela os mecanismos de defesa dos entrevistados perante o sofrimento. Dejours (2000) entende que as estratégias de defesa são um artifício para mascarar o sofrimento no trabalho e podem tanto atenuá-lo ou agravá-lo. Para este estudo, a categoria denominada Reação está subdividida em: Tabela 14 – Reação Categoria intermediária Reação TOTAL Categoria final Total de Trechos Posicionamento/Reflexão 32 Isolamento 5 37 Fonte: elaborado pela autora O Posicionamento/Reflexão engloba trechos das entrevistas em que os profissionais descrevem reações relacionadas a alguma atitude, uma postura mais ativa diante do sofrimento e os momentos de reflexão em que buscam se conscientizar de que não merecem o sofrimento simplesmente por serem terceirizados. O sentido é o de não se deixar afetar, estudar para mudar de posição, separar o trabalho da vida pessoal, manter o bom humor, como mostram as falas a seguir: “o que acontece muitas das vezes, vejo colegas que, por causa do medo, ah não, eu sou um terceirizado e vão me mandar embora se eu reclamar ou se eu não, se eu não me opor, se eu me opor a isso, entendeu? Por causa desse medo, muitas pessoas vivem um determinado sofrimento, vive, né, uma angústia e, né, e releve isso. Eu acho que é enfrentar esse medo porque, como eu falei, você num deixa de ser um profissional como ele, como uma outra pessoa. (...)Você tem de reconhecer o seu valor. Se você não reconhece o seu valor, ninguém vai reconhecer. (...) Então, eu acho que não é se opondo, né, mas (...)Se posicionando, né, dando idéias. Muitas vezes as idéias não vão ser acatadas, mas você se posicionou, né?” (Pedro) (grifo da autora) “Aí você fica meio assim mas, ao mesmo tempo, como ser humano, você acaba passando por cima disso, que se fala que, pra pessoa agir dessa forma, humilhar, pisar, é porque tem que ser muito pequeno. Então, cê acaba relevando. Mas isso, como ser humano. Como profissional, não. Como profissional, é, eu acho inadmissível.” (Sara) (grifo da autora) Nesse sentido, o posicionamento está alinhado ao conceito de Bernal (2010), que descreve, como uma das estratégias de defesa, o enfrentamento. Este implica 84 na mudança da fonte de sofrimento, do significado dele e da percepção do estressor. Outros autores pesquisados como, por exemplo, Barros e Mendes (2003), Cançado (1994), Cândido (2004), Castro e Cançado (2009), Lourenço (2014), Mendes, Vieira e Morrone (2009), Oliveira e Garcia (2011), Vilela, Garcia e Vieira (2012), Vieira (2014) e Viviers et al. (2008) também demonstraram, em seus estudos, a adoção dessas estratégias por parte dos entrevistados. A fala a seguir, em que o entrevistado se posiciona, desperta a atenção para a comparação que ele faz entre a realidade do efetivado e do terceirizado, como muito distintas e distantes. Ao usar o termo “casta” para descrever essa diferença, ele remete à ideia de que quem pertence a um grupo jamais pertencerá ao outro e que ambos desfrutam de direitos e deveres bastante desiguais. “Não vou deixar essas coisas acontecerem não. (...) Mas a gente é, se você não tem um psicológico, é, forte, (...), você vai se sentir sempre um desvalorizado, se sentir sempre um excluído dentro dessa casta, né? Efetivados e terceirizados. (...)” (Pedro) (grifo da autora) A pesquisa de Lima (2010) com terceirizados da Petrobrás e indústrias petroquímicas na Bahia também narrou a disparidade entre os públicos, já que se sentem vistos como menos qualificados e restritos a direitos e benefícios. A Reflexão, que faz parte da primeira categoria final,está relacionada ao fato de os entrevistados considerarem as críticas como aprendizado, vendo a situação por outro ângulo e pensando a respeito. “tudo que for aprendizado pra mim eu vou querer fazer, independente da pessoa ficar me criticando. (...) pra mim eu quero levar como aprendizado, eu acho melhor, entendeu? (...)” (Luíza) “eu paro e penso: não, eu tô aqui sim, eu existo e não será essa pessoa que vai diminuir porque eu sou muito mais do que essa pessoa. Talvez essa pessoa tenha estudo, tenha faculdade. Eu posso não ter faculdade, mas eu tenho amor, tenho carinho e tenho respeito pelas pessoas. (...) Então, graças a Deus pra mim, nesse sentido, quando eu penso dessa forma, o sofrimento passa” (Sophia) “A gente não pode viajar! Imagina! O avião vai cair. Ah, mas é que, num sei, que num sei o quê. Aí, tentando disfarçar, mas é um negócio acintoso, né? A primeira vez que eu ouvi isso, eu falei: poxa vida, onde que eu tô? O quê que eu tô fazendo aqui? E se, então, se eu, se eu não tivesse conversado comigo mesmo, é, psicologicamente, eu certamente tava doente aqui (...)” (Alexandre) (grifo da autora) 85 A terceira categoria, Isolamento, foi mencionada como uma forma de reagir ao sofrimento quando os entrevistados ficam chateados e evitam maiores dissabores buscando um certo recolhimento. “Fico quieta na minha sala. Eu fico quietinha aqui. (...) pra evitar stress.” (Débora) Por meio da análise das entrevistas, foi possível averiguar que há mais trechos de resposta de sofrimento para os terceirizados com nível de escolaridade superior completo ou em andamento do que para os que possuem ensino fundamental ou médio. Talvez isso reflita uma maior conscientização, por meio da educação, a respeito de sua própria condição. Quando avaliado o número de trechos com a faixa de tempo como terceirizado, observa-se que os profissionais até 5 anos e os de 5 a 10 anos sofrem mais do que os que possuem de 25 a 30 anos. Imagina-se que o longo tempo de serviço pode ter funcionado como algo que, de certa forma, acomodou esses profissionais e amenizou o sofrimento vindo das diferenças entre o terceirizado e os efetivos, ainda que isso não passe de especulação. Outro fato revelado nas entrevistas aponta que quem exerce a mesma função de um funcionário da contratante sofre mais do que quem não exerce, talvez porque a diferença de tratamento e benefícios seja mais óbvia, nesse caso. Ao analisar o sofrimento por empresa, observa-se a concentração em 3 instituições das 7 pesquisadas. 86 4.5 Categoria Inicial Invisibilidade A categoria inicial Invisibilidade possui 3 categorias intermediárias e 10 categorias finais, conforme demonstra a Tabela 15: Tabela 15 – Categoria Invisibilidade desmembrada em categorias intermediária e final Categoria intermediária Categoria final Total de trechos Valorização Imagem do terceirizado e Desvalorização da profissão Valorização parcial Imagem negativa ou desconhecida 37 22 Diferença entre terceirizados e efetivos Injustiça Sobrecarga de trabalho 22 16 Humilhação, discriminação e/ou indiferença 78 Precarização do trabalho e/ou instabilidade Falta de treinamento, remuneração e/ou benefícios inferiores 22 Não invisibilidade 9 Falta de reconhecimento 20 7 20 TOTAL 253 Fonte: elaborado pela autora 4.5.1 Categoria Intermediária Imagem do terceirizado e da profissão Essa categoria abrange as falas que tratam da imagem do terceirizado, o que implica perceber como ele se vê profissionalmente, como acredita que é visto por seus colegas de trabalho, chefia e sociedade, bem como a imagem da profissão que exerce. Está desmembrada conforme a Tabela 16: Tabela 16 – Imagem do terceirizado e da profissão Categoria intermediária Categoria final Valorização Imagem do terceirizado e Desvalorização da profissão Valorização parcial Imagem negativa ou desconhecida TOTAL Fonte: elaborado pela autora Total de trechos 37 22 20 7 86 87 A primeira categoria final, Valorização, se refere a atributos associados à pessoa dos entrevistados como, por exemplo, ser bem vista, respeitada, de confiança, eficiente, empenhada, pontual, prestativa, proativa e também à profissão dos terceirizados, no sentido de ser elogiada e/ou considerada importante. “Sim, com certeza. (risos). Sem a limpeza não existe lugar nenhum, né? Todo mundo precisa da limpeza. Eu acho que a gente é o principal. Da limpeza. Porque sem nós aqui, ninguém faz nada.Não é? Quer que um broco cirúrgico faz uma cirurgia sem nós? Eles faz uma hemodiálise sem nós? (...) Eles usa um banheiro sem nós? Num usa.” (Bárbara) “Como é um trabalho novo, então eu sou bem, graças a Deus, eu sou bem valorizado, o pessoal reconhece o meu trabalho, o meu esforço de estar sempre fazendo um trabalho bacana. Eu acho que, que momentaneamente eles me reconhecem que eu, o esforço de fazer um trabalho bacana. Tanto eles quanto os demais funcionários terceirizados ou de outros setores também.” (Charles) A segunda categoria final, Desvalorização, remete: (1) à estagnação na carreira e à sensação de fracasso; (2) à percepção dos terceirizados quanto à sua posição por não serem efetivos, inclusive com a afirmação de que seria diferente se não fosse terceirizado; (3) quanto a não valorização pela sociedade, chefia, colegas de trabalho e/ou empresa terceirizada; (4) por se sentir infeliz na profissão. Os trechos a seguir ilustram essa categoria: “Mesmo tendo curso superior, mas eu ainda trabalho na área técnica hoje ainda.” (Charles) “Eu, mesmo sendo terceirizado, tenho uma graduação, duas pósgraduação, tô fazendo outra graduação agora e tô com projeto de mestrado, eu, é, enquanto gabarito diante de minha chefia e diante de outros colegas que são efetivados, eu estaria bem na frente deles salarialmente. (...) E eu não posso receber essa premiação, mesmo eu tendo toda a, todos os aspectos legais necessários, entendeu?” (Pedro) “Então, assim, reconhecimento zero, é, salário zero e estagnação total.” (Alexandre) “Olha, eu sou, eu, eu sou um bom profissional. Eu sou muito bom profissional, mas desde que eu cheguei pra cá, a, aqui, a sensação que eu tenho, pra mim, é de fracasso. É, pelo, pelo salário que nos pagam, pela falta de reconhecimento que isso, isso é muito grave. Eu acho que é muito grave, que cê vem trabalhar, cê dedica, cê deixa sua família em casa, é, e, e não há esse reconhecimento. Eles acham que é sua obrigação fazer tudo e mais um pouco.” (Alexandre) (grifo da autora) 88 A pesquisa de Costa (2007) com terceirizados no Ministério Público do Rio Grande do Sul também evidenciou que os entrevistados se sentem fracassados por não conseguirem um emprego melhor. A fala abaixo retrata que ser terceirizada é uma marca negativa para a profissional e condiz com a constatação das pesquisas de Brito, Marra e Carrieri (2012), Costa (2007), Décosse (2013), Lima (2010), Quinlan e Sokas (2009), Santos et al. (2009) e Zuberi e Ptashnick (2011), por exemplo. “eu sinto que a maior parte das pessoas gostam de mim, gostam do meu trabalho, mas eu sou terceirizada. (...) É, é uma marca. Não tem jeito.” (Beatriz) (grifo da autora) Na última fala (é uma marca. Não tem jeito.), fica evidente que o fato de a entrevistada ser terceirizada a rotula e a estigmatiza; a impressão é que a profissional se sente aprisionada, problema do qual não deve se livrar enquanto não deixar a condição de não-efetiva. Por isso está, inclusive, cursando outra graduação para mudar de profissão. A terceira categoria final, Valorização parcial, envolve os seguintes elementos: (1) a percepção sob a ótica da sociedade, chefia e colegas de trabalho; (2) o reconhecimento pelo discurso contrastado com a desvalorização pelo salário; (3) a profissão ser vista como necessária; (4) a profissão ser bem vista, mas quando não é realizada; (5) a profissão ser bem vista por uns e por outros não. As falas a seguir ilustram essa categoria: “Uns acham que fisioterapia é massagista de velho, né? E outros, os que conhecem, os que já precisaram, acham que fisioterapia é muito importante.” (Débora) “Ser reconhecido, diz assim: você é um bom profissional, isso a chefia fala. Mas você ser reconhecido profissionalmente, é, no que diz respeito a ganho salarial, não sou. (...) Porque existem duas diferenças: você, sua chefia falar que você é competente, é, e outro, por outro lado, é questão salarial que não é, nós não so, não é igual, entendeu?” (Pedro) “Hum, bom, pela chefia reconheço. Pelos colegas de trabalho também. Pela sociedade, é, a sociedade vê o gari como muito importante, né, pra num ter sujeira, né, pra num ter, pra ter as rua limpa, tudo certinho. Mas é aquela coisa: eles vê que a gente faz falta, né, mas a gente num tá assim tão visto na sociedade não. (...) A gente tá um pouquinho apagado também.” (Roger) (grifo da autora) “Eu acho que ela é essencial, mas, sabe? Eu acho que as pessoas só vê que ela é bem vista o dia que você não vem, né? Porque quando cê tá ali fazendo todo dia, ninguém viu que todo dia cê limpou ali, todo dia cê coisou 89 o telefone, todo dia cê tirou o lixo, mas o dia que você não vem, eles falam assim: ó, fulano não veio, o lixo tá aqui, entendeu?” (Giovanna) “tem gente que olha com bons olhos. Tem gente que acha que a gente é lixo. E não é. Que deveria dar mais valor porque, se não fosse a gente, eles ia trabalhar na sujeira. Eles ia num banheiro imundo, sentar numa mesa cheia de poeira. Mas, mesmo assim, tem gente que num vê isso, né?” (Ana Clara) (grifo da autora) Esse aspecto que aponta para uma visibilidade condicionada ao não cumprimento da tarefa remete às pesquisas que tratam do trabalho doméstico, muitas vezes reconhecido apenas quando não foi realizado (DORNA, 2014; MELO e CASTILHO, 2009; KOSNY e MACEACHEN, 2009; NUNES, 2014; OIT, 2012; ULMANN, 2014). A quarta categoria final, Imagem negativa ou desconhecida, refere-se às respostas de alguns dos terceirizados sobre como eles acreditam que sejam vistos e envolve os elementos: agitada, chata, irritante e/ou brigona. “Eu não acho que eu sou mal vista aqui não, sabe? Algum tempo atrás talvez, assim, mais por brigona, porque teve uma época aqui quando caiu a ficha, porque até então igual eu te falei, eu só trabalhei na iniciativa privada. Quando eu conheci o quê que era a tal da terceirização, eu revoltei. E como eu ainda era acadêmica eu uh, estourei isso aqui dentro e disseminei isso pra, entendeu? (risos). Aí, minha filha, eu só faltava subir no palanque. Reuni os terceirizados da casa pra reivindicar aqui, melhorias. Então assim, né? Agora hoje não. Hoje eu não sou, sou tanto quanto brigona não.” (Jéssica) (grifo da autora) Essa categoria também contempla a imagem da profissão que, segundo os cerimonialistas entrevistados, é desconhecida pela sociedade, pois eles acreditam que a visão seja deturpada a respeito do ofício que exercem. 4.5.2 Categoria Intermediária Diferença entre terceirizados e efetivos A criação dessa categoria busca retratar os terceirizados no seu ambiente de trabalho e, para tal, foi subdivida em: 90 Tabela 17 – Diferença entre terceirizados e efetivos Categoria intermediária Categoria final Diferença entre terceirizados e efetivos Total de trechos Injustiça 22 Sobrecarga de trabalho 16 TOTA 38 Fonte: elaborado pela autora A primeira categoria final, Injustiça, revela algumas faces da invisibilidade. Dentre elas a distinção de tratamento, evidenciada nas duas primeiras falas, bem como o descompasso salarial quando comparado ao efetivo, descrito nas duas últimas. “É, a gente tem uma copinha, aqui, e quando reúnem nós terceirizados, por exemplo, o chefe chega e esparrama todo mundo. Ou então o chefe chega e manda cê, pichi, fala baixo, pichi. Isso, na maioria das vezes, quando eu tô aqui, eu escuto voz de efetivo conversando e dando risada na copinha. Ele não chega perto dessas pessoas pra parar de conversar, dá pra falar mais baixo. Ele não fala isso com eles. Entendeu? Vamos supor, outro exemplo, computador. Meu computador é bloqueado pra tudo, não vejo Facebook e também não tenho vontade, não vejo Facebook, não vejo Youtube, blog você não consegue entrar, muita coisa você não consegue entrar. Dos efetivos, tem tudo. É liberado tudo, tanto é que os médicos ficam assistindo filme aqui. Põe fone de ouvido e fica assistindo filme.” (Débora) “quando cê vem de uma empresa terceirizada, se acontece uma situação entre você e um efetivo em que você tá errado, você vai embora ou você recebe algum tipo de punição. Se acontece alguma coisa entre você e um efetivo e o efetivo tá errado, pede pra você não levar em consideração, deixar passar.E isso eu acho injusto, sabe? Porque o tratamento é diferente.” (Sara) “Eu acho que não é justo você ter, estar dentro de uma instituição na qual você exerce as mesmas funções de outras pessoas que são seus colegas de, de trabalho e, no fim do mês, né, quando você pega sua, o seu contracheque, seu salário é cinquenta por cento, né, do que, do outro.” (Pedro) “É uma injustiça você fazer o mesmo trabalho de um servidor e não ter o mesmo salário ou um salário digno. Eu não vou nem falar um salário compatível. Um salário digno (dito com ênfase). Porque o que a gente recebe em relação ao servidor é uma coisa discrepante.” (Alexandre) (grifo da autora) A injustiça foi objeto de estudo de alguns autores como, por exemplo, Antloga e Mendes (2009), Costa (2007), Leão e Silva (2012), Lima Júnior e Ésther (2001), Martins e Honório (2014), Salimon e Siqueira (2013), Sousa e Mendonça (2009), Vasconcelos e Faria (2008), Weber e Grisci (2010). Desses autores, Costa (2007) foi 91 quem pesquisou os terceirizados no Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul e lá constatou, também, a precarização trabalhista, o sentimento de inferioridade e a negação da identidade. A segunda categoria inicial, Sobrecarga de trabalho, revela outra faceta da distinção entre terceirizados e efetivos. Está relacionada à acomodação e/ou morosidade do efetivo e ao acúmulo das atividades não realizadas por concursados e alocadas para o terceirizado. “É o terceirizado que faz mais horas extras, é os terceirizados que viajam, é os terceirizados que às vezes põem sua vida em risco com um carro às vezes não muito bom, né, na estrada, que às vezes a instituição oferece. (...) E é o terceirizado que você não tem família. Só tem trabalho, entendeu?” (Pedro) (grifo da autora) “o efetivado ele, se ele tem alguma atividade e ele não vai fazer, eu num vou fazer, vou pra casa e pronto. Ainda mais dentro, principalmente dentro da instituição pública em que ele passou por um processo de, de concurso, foi empossado, tem todos os direitos ali, né? Então, ele já criou raiz ali. Ele num sai. A chefe dele de imediato num vai falar assim: ó, amanhã cê tá indo embora. O máximo que pode acontecer com ele é ele troca de setor. (...) Entendeu? Aí vai ver esses servidores vão minando, vão saindo, né, deixando o, o fogo e quem apaga o fogo são os terceirizados.” (Pedro) (grifo da autora) Outra vertente dessa categoria pode ser observada na fala abaixo que, inclusive, narra um horário de trabalho que poderia ser descrito como escravizante, pelo excesso de horas trabalhadas, além do sofrimento dos terceirizados pela falta de agradecimento e importância conferida a seu trabalho: “Então, se o evento acabou na, na sexta-feira, nós tínhamos pessoas pra desembarcar até no domingo. Nós chegamos a trabalhar vinte horas por dia. (...) Vinte horas por dia! E uma, e uma das coisas mais, ah, es, louca que eu, que, que eu vi, que eu presenciei, que existe um grupo no WhatsApp e, assim que acabou o evento, a nossa gestora, a nossa gerente, ela agora, ela fez um agradecimento: eu queria agradecer a todos porque o evento foi perfeito. Mas o evento não acabou, entendeu? Então, quer dizer que o evento acabou pra eles. (...) E nós presenciamos isso, tanto que nós respondemos: o nosso evento só acaba no dia vinte e nove. Isso era dia vinte e seis. É aí que a pessoa, que a pessoa lembra, porque a gente dá pitaco, a gente, poxa, eu tô aqui. (...) E, e digo mais: aí o presidente foi fazer um agradecimento pra nós, ele reuniu toda a Assessoria de Comunicação e o, e todos os presidentes (...) ficaram alucinados com o nosso atendimento. Alucinados com o atendimento do aeroporto, que foi o atendimento que nós fizemos. (...) E nenhum “obrigado” nos foi falado.” (Alexandre) (grifo da autora) 92 A pesquisa de Barros e Mendes (2003) descreve, dentre outros fatores, a alta produtividade a qualquer custo. Nessa mesma linha, Lima (2010) retrata a sobrecarga de trabalho de terceirizados e a associa à questão da intensificação do trabalho com menos trabalhadores, que se sujeitam a essas condições por insegurança e pela vulnerabilidade do emprego. 4.5.3 Categoria Intermediária Falta de Reconhecimento Essa categoria apresenta as características da Invisibilidade consoante o conceito de Costa (2008), que está relacionado à humilhação, desvalorização da pessoa, discriminação, ter a presença ignorada e ao conceito de reificação de Gonçalves Filho (1998). As seguintes subdivisões foram criadas para abranger essas peculiaridades: Tabela 18 – Falta de Reconhecimento Categoria intermediária Categoria final Falta de reconhecimento Total de trechos Humilhação, discriminação e/ou indiferença 78 Precarização do trabalho e/ou instabilidade Falta de treinamento, remuneração e/ou benefícios inferiores 22 Não invisibilidade 9 TOTAL 20 129 Fonte: elaborado pela autora A primeira categoria final, Humilhação, discriminação e/ou indiferença, apresenta falas que mostram que isso ocorre às vezes pelo simples fato de os trabalhadores serem terceirizados, por se sentirem como funcionários facilmente descartáveis e por se sentirem excluídos. Envolve, dentre outros elementos, falas que retratam assédio, hostilidade, coação e grosserias de efetivos. “Ah tem, isso aí tem minha filha, demais. Se a gente for levar em conta, cê num, cê num trabalha, entendeu? Cê vê que acontece isso. As pessoas te, chega aqui com ar de, sabe, assim (...) Superioridade, entendeu? Porque tem, né, só porque é um cargo efetivo e a pessoa ali é terceirizado. Mas o trabalho só tá funcionando ali porque tem um terceirizado, entendeu, atendendo um efetivo.” (Luíza) (grifo da autora) 93 “Pra te ser franca, (...) aqui dentro aqui pra esses povo aí, pra o Estado aí, a gente não é ninguém, entendeu? Pra eles, eles são melhores, isso e aquilo, que aqui dentro, pra alguns aí, a gente não é ninguém não, minha filha.” (Ana Clara) (grifo da autora) “Você sente isso quando você vai pra um órgão público, né, e que há essa distinção de provimento, um é provimento né? (...) Mas se eu não fosse, se eu não tivesse aqui, eu, eu estaria com certeza como muitas pessoas aí, da sociedade, sem saber como que é e achando que é bom. Quando vem, quando vem a propaganda: a terceirização é bom por causa disso, por causa daquilo, tal. Oh, legal, eu também taria, estaria achando talvez que o negócio é bom demais. Agora como eu, a, a, aqui dentro, você toma uma visão de um todo. Você passa realmente a ver que não é bom.” (Jéssica) (grifo da autora) As duas falas abaixo demonstram como é marcante a distinção entre efetivos e terceirizados. Pedro utiliza a palavra “casta”, que denota a estratificação dos trabalhadores e Júlia reforça, inclusive no tom de voz e nas expressões faciais durante a entrevista, como se sente inferiorizada pelo simples fato de ser terceirizada. “A fala é essa: não há distinção entre nós aqui. Mas, quando acontece alguma coisa, você vê a distinção nas, nos atos e não na fala. A fala é unânime: todos nós aqui somos iguais, né? Nós todos desempenhamos as mesmas funções. Somos iguais. Mas (...) Na realidade é outra, né? Você terceirizado a, né, você tá numa casta, né? Você servidor, efetivado, tá em outra casta.” (Pedro) (grifo da autora) “Depois que eu passei a trabalhar em empresas terceirizadas com pessoas que fizeram concurso público pra outra, como é que eu vou dizer, pro, pro Estado, aí já mudou a história. (...) Eles se sentem superior a gente. Como se diz: nós estamos lá pra trabalhar pra eles, não pra aju, ajudá-los, auxiliálos. (...) Então você, você é como se fosse subalterno (...) E se eu não fizesse, eu ficaria como: num tá trabalhando direito.” (Júlia) (grifo da autora) As três falas, a seguir, indicam que a identidade de terceirizado é uma identidade renegada: quem o é prefere que isso não seja público, ainda que por símbolos como o crachá, evitando assim toda sorte de reações negativas que isso poderia provocar. “em relação ao emprego, eu perguntei se teria: ah, você é terceirizada? Credo!” (Júlia) (grifo da autora) “A gente sofre é, realmente uma discriminação por ser terceirizado, né? (...) a ponto da chefia chegar e apresentar os, as pessoas do trabalho assim: esse fulano, essa é (Jéssica), é, terceirizada (fala com ênfase) (...) Não tem necessidade dele, dele ter falado terceirizada, né?” (Jéssica) (grifo da autora) “Teve uma vez que eu passei a maior vergonha. Fizeram um, um banquete lá e eu achei que era pra todos. Fiquei na fila. Chego lá, eles falaram que 94 era só o pessoal do Estado. Aí eu falei assim: nó (...) Mas eu chorei de vergonha. Chorei de vergonha. (...) Eu falei assim: nossa, desculpa, porque eu achei que fosse pra todos, né? Voltei. Eu falei assim: nossa, eu vou tomar um café da manhã hoje maravilhoso, aquele banquete lá. Eu tô vendo que, eu vi que o pessoal tava me olhando, porque a gente fica com o cra. Hoje eu não tou, tô sem crachá, mas a gente fica com o crachá, né o crachá, crachá do, tem o efetivo e tem o do terceirizado, né? Voltei pra trás e o pessoal riu da minha cara.” (Júlia) (grifo da autora) O próximo depoimento demonstra a humilhação a que foi sujeito um terceirizado por não poder se aperfeiçoar profissionalmente nos cursos de capacitação oferecidos pela instituição em que presta serviço. Nesse local, os estagiários e os concursados podem participar, exceto os terceirizados. Ao narrar esse acontecimento, o entrevistado deixou transparecer profunda mágoa pela sua condição laboral: “foi logo quando eu cheguei aqui, é, chegou, né, um, uma, uma apostila pra nós fazermos um curso na escola, é, da instituição, porque ela tem uma escola, né, que oferece curso de capacitação para todos, menos pros terceirizados.” (Pedro) (grifo da autora) Já as duas falas a seguir servem para exemplificar como a humilhação ocorre com relação aos terceirizados na forma de ironia ou de agressão verbal: “(...) às vezes acontece muito assim: essa mesa é a que eu fico, esse, essa mesa é minha, esse computador é meu, esse telefone é meu. Aí, se você vem e você senta aqui e utiliza você não tem direito de tar sentada aqui, porque isso aqui é de fulano. Essa mesa, esse computador, esse telefone, tem muito isso aqui. Aí quando a gente vai fazer, vai sentar num lugar que é da, digo assim, que é dito que é da outra pessoa ou que você vai falar alguma coisa, eu já vi brincadeiras, brincadeiras no sentido de, de a pessoa virar e falar assim: cê fica, viu? Cê fica. Cê é terceirizada, tá? Cê é ralé aqui. Já, brincando, né? Eu já vi, eu já sofri isso aqui. Eu acho que eu, como bastante outras pessoas, aqui também já tiveram o desprazer de, de ouvir essas brincadeiras assim, de mau gosto.” (Jéssica) (grifo da autora) “Pessoas levantando a voz. Levantando a voz não, gritando realmente, mas grita porque sabe que além de você não ser efetiva, não ser do quadro de servidor, então cê não é uma concursada daquele lugar, é, o seu cargo é muito pequeno com relação ao deles, cê só tem serviço administrativo prestado ali dentro, dentro da visão deles, então não tem um cargo. Então, te tratam diferente por isso, já gritaram comigo por causa disso, coisa que ele não faria com outro efetivo, mas teve coragem de fazer com você porque você é pequeno ali dentro.” (Sara) (grifo da autora) A fala adiante retrata a reificação descrita por Gonçalves Filho (1998): 95 “Só como mais uma.(...) É como se a gente fosse assim: eu sei que todo mundo é substituível, mas acho que tem que ter um cuidado com a gente, assim. Por mais que seja fácil de você conseguir uma pessoa no mercado de trabalho, mas tem que levar em consideração tudo que já foi feito” (Sara) (grifo da autora) Os terceirizados se sentem excluídos também pela profissão que exercem, como exemplifica a fala a seguir: “Tem momentos que acontece o seguinte na, na rua: passa um morador de rua, né, é, de manhã cedo e te dá um bom dia. Fala: ô gari, Deus abençoe o seu dia aí filhão. Mas tem pessoas elegante, bonita, cheirosa, que deixa o cheiro no nariz da gente, que passa, nem um “oi” dá pra gente. A gente vê a diferença. Ninguém sabe se é, se é o dia da pessoa que tá começando ruim ou, ou, ou o quê que ela pretendendo naquele dia com aquilo, sem pelo menos ter olhado prum lado e ter dado um bom dia pra quem tava quase varrendo o pé dela.” (Roger) (grifo da autora) Outras vertentes da exclusão, fruto da invisibilidade, podem ser percebidas pelo fato de não serem aceitos por colegas de trabalho, não pertencerem ao grupo e pelo impacto negativo que a identidade de terceirizado lhe traz. “eu trabalho com protocolo e cerimonial há muito tempo. Eu sei precedência de mesa, precedência de autoridade. É, e um belo dia, as pessoas não costumam te perguntar.” (Alexandre) (grifo da autora) “Já senti na primeira empresa que eu trabalhei sim, porque tinha, era só, era só eu de terceirizada no lugar. Então, cê não era muito levada em consideração e quando você tentava fazer alguma coisa, era, assim, taxada como se você quisesse aparecer.” (Sara) “Várias vezes. Várias áreas de trabalho. Em casa de família, é, em questão de evento, né, em família, em, na empresa, esse, esse negócio do dis, tem empresa que é terceirizado. Então, assim, tem uma festa de final de ano, os terceirizado num é convidado, num participa. Tem uma comemoração de aniversário, o convidado num participa, terceirizado num participa, né? Então isso, eu me sinto, então isso eu me sinto excluída sim.” (Sophia) (grifo da autora) “Ai meu Deus é tão triste. Cê tá ali, inclusive, por exemplo, tem uma, uma comemoração. Os efetivos vão. Você não é nem convidada. Você trabalha no setor. Acontece muito isso. É, vou, ah, sei lá, tem um aniversário. Você, chamam todos, você fica excluída. Hum, comemora aniversário de todos, menos o seu. Aí lembra do aniversário de todos lá e tudo. O seu, nem lembra o seu. Acontece muito isso. (...) Acontece muito isso assim de ser, de ser invisível.” (Júlia) (grifo da autora) As duas falas a seguir demonstram como os entrevistados se sentiram excluídos em situações de trabalho por terem sido ignorados por colegas. 96 “eu já me senti invisível em reuniões, entendeu? (...) Porque, ah fulano, seu salário num sei o quê. Às vezes vão discutir plano de carreira, eu me sinto invisível, porque eu não faço parte daquele papo. Por mais que eu esteja ali, o único, sozinho, né, diante daquela situação, eu me vejo invisível porque eu não participo daquele debate. Eu não participo, não porque eu não queira. Porque a minha situação de terceirizado, ela não agrega aquele debate.” (Pedro) (grifo da autora) “(...) invisível no sentido de que, às vezes você pode resolver uma coisa e eles passam por cima de você, no sentido de que é, pra poder privilegiar outras pessoas, entende? Pra, pra aparecer também, sabe? Eu, eu às vezes eu tô, eu posso assim, vamos supor, surge o atendimento de uma pessoa aqui que é, que tem um certo poder, aí o chefe vai e não passa pra mim, passa direto pro médico. É como se eu não tivesse condições de, de atender, né? (...) invisível no sentido de que às vezes a sua opinião não conta, não vale, entende?” (Jéssica) (grifo da autora) Vários autores utilizados neste estudo, que tiveram como público os terceirizados, descreveram situações em que estes se sentiram humilhados, discriminados ou tratados com indiferença (BARROS e MENDES, 2003; BRITO, MARRA e CARRIERI, 2012; COSTA, 2007; DUBE e KAPLAN, 2010; LIMA, 2010; QUINLAN e SOKAS, 2009; SANTOS et al., 2009; ZUBERI e PTASHNICK, 2011). A segunda categoria final, Precarização do trabalho e/ou instabilidade, referese a perdas de direitos, trabalhar quando não há boas condições físicas, pressão de trabalho, recursos inferiores para trabalhar, atividade mais nobre para o efetivo, ameaça de demissão, tipo de trabalho e carga horária. A seguir, algumas evidências dessa categoria constatada nas entrevistas: “É ter a minha mão-de-obra qualificada, precari, é, é, no sentido de precarizada, cê entendeu? (...) eu vejo que a terceirização ela, ela é precarização mesmo do trabalho, ela não é, ela, ela é uma não valo, valorização do profissional.” (Jéssica) “Fragilidade, é, instabilidade, muita instabilidade. É, cê ter que engolir tudo porque, qualquer hora, cê pode(...)” (Débora) “Existe um tipo de trabalho que nós fazemos que é confirmação de autoridades. (...) E aí uma efetiva precisava que alguém fizesse isso, mas todos os cerimonialistas estavam com muito trabalho. Ela foi conversar com a pessoa que estava na coordenação e pegou e falou assim: ah, quem pode fazer isso? Ah, fulano de tal num pode porque ele viajou a trabalho. (...) Aí o coordenador falou assim: ah, então, porque que você não passa pro fulano de tal que é o efetivo. (...) Aí essa pessoa pegou e falou assim: ah, mas eu num vou passar pra uma pessoa de mesma classe que eu. (...) Outra coisa: teve uma reunião no meu setor, que normalmente tem alguns tipos de trabalho, que alguns efetivos, eles acham que não é digno deles fazerem. (...) Mas, sim, de um terceirizado fazer.” (Beatriz) (grifo da autora) 97 O relato de Amanda retrata que, mesmo sendo empregada de uma empresa, ela não se sente como tal. Para a entrevistada, o significado de emprego é não ser terceirizada: “o bom é se eu tivesse um emprego, uma coisa assim mais estável, né?” (Amanda) 6 Barros e Mendes (2003), Brito, Marra e Carrieri (2012), Costa (2007), Cavalcante, Oliveira e Cavalcante (2009), Lima (2010) e Santos et al. (2009) foram alguns dos autores que também sinalizaram a precarização do trabalho e/ou instabilidade nas pesquisas que fizeram com terceirizados. Esses mesmos autores identificaram elementos da terceira categoria final, que versa sobre as diferenças entre efetivos e terceirizados. Trata-seda Falta de treinamento, remuneração e/ou benefícios inferiores que aborda o rebaixamento a que são sujeitos os terceirizados: “E vários cursos que às vezes efetivo pode fazer e terceirizado num faz. (...) a gente só faz se for de muito interesse pro setor, mas o diploma a gente não pode receber.” (Beatriz) “Você poderia crescer na sua instituição, você poderia, é, entrar na, a gente fala, é, programa de carreira da instituição, entendeu? Você um dia podia chegar a ser gerente, uma coisa que um terceirizado hoje num, nem chega, né, não chega, não, nem como chegar tem, entendeu? (...) Não existe plano de carreira pra terceirizado.” (Pedro) (grifo da autora) “Por remuneração é completamente diferente (...) é bem menor e (...) cê não tem possibilidade de crescer.” (Sara) (grifo da autora) “Tem um outro, uma outra coisa que é discrepante que é: auxiliar viaja com um servidor para o mesmo local e tem uma diária que é a metade da dele. (...) a nossa diária (...) É de cento e quarenta reais, a deles é duzentos e oitenta se, ou, ou, é, ou próximo disso, que aí eles não falam muito pra num, num ficar muito evidente.” (Alexandre) (grifo da autora) A fala a seguir demonstra que os benefícios inferiores podem sujeitar os terceirizados a situações de maior desgaste físico e, até mesmo, de risco: “tem uma coisa que eu acho que é, que é um absurdo que, como eu sempre trago tudo pro bom humor, uma vez foi solicitado que nós viajássemos pra ir pra, pra uma comarca muito longe. Não me recordo qual comarca. E isso e a servidora queria ir de avião. Eu imaginei que nós iríamos de avião, né? Já que ela tava indo, eu iria de avião. É, só que ela falou que: “nanão (...) você 6 A entrevistada trabalhou por duas vezes no mesmo local em que presta serviço. Da primeira vez em que foi terceirizada, trabalhou por meio de uma sociedade civil. Dessa vez, em que é empregada e possui a carteira assinada, não se sente como tal. 98 não pode ir de avião”. Sabe, sabe aquela coisa velada? (...) Ela pegou e falou pra mim: não, mas terceirizado não pode viajar. Aí eu brinquei com ela: ó, mas claro, a gente tem uma doença infecciosa” (Alexandre) (grifo da autora) A quarta categoria inicial, Não invisibilidade, envolve não se sentir invisível ou a postura de não se deixar abater pela invisibilidade. Demonstra que alguns entrevistados mantêm uma atitude diferenciada mediante as pessoas ao seu entorno ou perante situações em que são tratados com inferioridade. Alguns responderam que sabem se impor e outros que desconsideram quem os ignora, mas narraram que a invisibilidade acontece. “Ah já, mas eu não deixo a pessoa perder tempo de que num tá me enxergando não. (gargalhadas) (...)Cê chega dá um bom dia, boa tarde e a pessoa (...) Então assim, eu num levo muito em consideração isso não, sabe? Em conta isso não, sabe? Mas as pessoas fazem isso, entendeu? As pessoas têm o prazer assim, entendeu, de, né? De fingir que cê não chegou ou, né, que você chegou e que seja outra pessoa, né? Já cansei de ver isso, entendeu? As pessoas, né, tratar com superioridade, sabe, assim? Achar que cê não é alguém.” (Luíza) (grifo da autora) “É, as pessoas que passam perto de mim, num me cumprimenta, e daí? Eu faço o mesmo. Se ele acha que eu num tô lá, porque que eu vou achar que ele tá ali? Então, pra mim, se me cumprimentar, eu cumprimento (...) Então, da mesma forma que a pessoa vai me responder, eu também vou responder. (...) Se a pessoa me perguntar, eu respondo. Se a pessoa conversar, eu converso. Se a pessoa cumprimentar, eu cumprimento. Se a pessoa num me cumprimentar, pra mim a presença dele não vai fazer diferença nenhuma. Da mesma forma que a minha presença também não tá fazendo diferença pra ele.” (Sophia) (grifo da autora) “Não. Não. Eu não senti não, porque eu também não deixo sentir não, né? (...) Olha eu aqui! (risos) Tô aqui, gente, ó! (risos)” (Ana Clara) (grifo da autora) “Hum, não. Graças a Deus também nunca me senti invisível no trabalho. Acho que às vezes eu sou visto até demais. (risos). Lá embaixo a gente fala que eu sou funcionário-padrão. Tudo sou eu que resolvo. Então, eu tô ao contrário do invisível no meu trabalho.” (Thiago) “Eu sou o mais visto no meu trabalho, menina, porque eu sou o mais zoador.” (William) A postura de não se deixar abater pela invisibilidade condiz com a estratégia de defesa mencionada no trabalho de alguns autores como, por exemplo, Barros e Mendes (2003), Cançado (1994), Cândido (2004), Castro e Cançado (2009), Lourenço (2014), Mendes, Vieira e Morrone (2009), Oliveira e Garcia (2011), Vilela, Garcia e Vieira (2012), Vieira (2014) e Viviers et al. (2008). 99 Por meio da análise das entrevistas, foi possível apurar um relativo equilíbrio em termos de números de trechos de resposta de invisibilidade entre os níveis de escolaridade fundamental/médio e superior, diferente do que ocorreu com a categoria sofrimento. Talvez isso se deva ao fato de os trabalhadores com menor escolaridade desempenharem tarefas menos nobres e, portanto, mais frequentemente invisíveis. Ao avaliar o número de trechos com a faixa de tempo como terceirizado, foi possível verificar que os profissionais até 5 anos e os de 5 a 10 anos se sentem mais invisíveis do que os terceirizados que trabalham há mais de 25 anos nessa condição. Do mesmo modo que ocorre com o sofrimento, imagina-se que o tempo de trabalho pode contribuir para que a pessoa vá naturalizando uma condição não natural. Além disso, igualmente como aconteceu com a questão do sofrimento, quem se sente mais invisível são os terceirizados que exercem a mesma função de um funcionário da contratante. Ao analisar a invisibilidade por empresa, observa-se a concentração nas mesmas 3 instituições públicas em que o sofrimento foi preponderante e, ainda, nas que mais concentram terceirizados com escolaridade de nível superior. Isso sugere a necessidade de se pesquisar que características dessas organizações podem favorecer a manifestação da invisibilidade para evitar que isso aconteça. Com base na análise desse público, pode-se inferir que a invisibilidade está diretamente associada a sofrimento, para muitos dos entrevistados, e que a contribuição da chefia e dos colegas de trabalho talvez possa mudar esse cenário. Afinal, esse sentimento vem predominantemente dessas fontes, devendo ser combatido preferencialmente nelas. A fala do entrevistado Alexandre, relacionada à chefia e colegas de trabalho, sintetiza o conceito de invisibilidade dos trabalhadores terceirizados entrevistados nessa pesquisa: “eu dei a entender pra eles que eu era um, uma pessoa invisível, já que eu era tratado como tal. (...) E as pessoas, parece que não te enxergam.” (Alexandre) 4.6 Principais resultados da análise A Figura 3 apresenta as categorias e subcategorias da análise de conteúdo realizada. A intensidade das cores sinaliza aquelas que englobaram um número maior de respostas, conforme pode ser visto a seguir. 100 Figura 3 – Categorias da análise de conteúdo realizada Categoria inicial PRAZER Categoria intermediária Aspectos positivos ou neutros Condições de trabalho Problemas físicos Problemas psicológicos Mudança de comportamento Reação Imagem do terceirizado e da profissão Diferença entre terceirizados e efetivos Falta de reconhecimento Ambiente e Relações no trabalho Chefia, falta de apoio ou de recursos Dor, lesão, doença ou outro problema físico Ansiedade, angústia, início de depressão, tristeza e/ou choro Frustração ou desmotivação Posicionamento/ Reflexão Valorização Injustiça Humilhação, Discriminação e/ou Indiferença Oportunidade de trabalho Falta de perfil para o trabalho ou desejo de mudar de profissão Fadiga ou cansaço físico Estresse e/ou sensação de esgotamento Alteração de humor Isolamento Desvalorização Sobrecarga de trabalho Precarização do trabalho e/ou Instabilidade Identificação com o trabalho Desvio de função SOFRIMENTO INVISIBILIDADE Categoria final Consumo de álcool Sustento, utilidade e/ou fonte de aprendizado Legenda conforme frequência Categorias Prazer Alta Média Baixa Fonte: elaborado pela autora Sofrimento Invisibilidade Valorização parcial Falta de treinamento, remuneração e/ou benefícios inferiores Imagem negativa ou desconhecida Não invisibilidade 101 A tonalidade das figuras apresenta a frequência das respostas em cada categoria. Assim, percebe-se que a primeira categoria inicial, Prazer, apresentou Ambiente e Relações no Trabalho como a mais pontuada nas entrevistas, o que reforça a importância do bom relacionamento e clima organizacional para os entrevistados. Já na categoria Sofrimento, constatou-se que Chefia, falta de apoio ou de recursos, Ansiedade, angústia, início de depressão, tristeza e/ou choro e Posicionamento/Reflexão foram as que mais apareceram nas falas, sendo que a última demonstra como os terceirizados reagem ao sofrimento. No que tange à Invisibilidade, ficou claro que esta se manifesta, predominantemente, por meio da categoria Humilhação, discriminação e/ou indiferença. Com relação às respostas com média intensidade, observa-se uma categoria de significado positivo: Valorização, que se refere às respostas quanto à autoimagem dos entrevistados, como acreditam que sejam vistos e se a profissão é valorizada pela sociedade. A categoria Valorização parcial engloba as respostas em que há valorização e desvalorização concomitantemente. As demais categorias de média intensidade apresentam significado negativo para o público entrevistado: Desvalorização, Injustiça, Sobrecarga de trabalho, Precarização do trabalho e/ou instabilidade e Falta de treinamento, remuneração e/ou benefícios inferiores. De qualquer forma, 216 das 253 falas que se referem à invisibilidade possuem conotação negativa, ou seja, 85% delas tendem a ser relacionadas a sofrimento, o que reforça a necessidade de se empreenderem ações em prol do trabalhador terceirizado, para que as condições de trabalho e as relações construídas nesse ambiente minimizem o seu sofrimento. 102 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Essa pesquisa teve como proposta retratar o sentimento de invisibilidade profissional de trabalhadores terceirizados. Para tal, discutiram-se os temas: trabalho, sofrimento, invisibilidade e terceirização. Além disso, buscou-se descrever e analisar o cotidiano desse público, de acordo com seu próprio relato, no que se refere aos aspectos relacionados ao sofrimento no trabalho e à invisibilidade. Isso foi feito por meio de uma pesquisa qualitativa e exploratória, que consistiu num estudo de casos. Por meio da análise de conteúdo realizada com 19 trabalhadores terceirizados em sete empresas de Belo Horizonte, foi possível perceber que esses profissionais vivenciam mais experiências de sofrimento do que de prazer no trabalho. Assim também acontece com a invisibilidade, que se revela rotineiramente no cotidiano da maioria deles e está, predominantemente, associada a sofrimento. Quanto às fontes de prazer, quem falou da experiência de trabalho como algo prazeroso o relacionou, principalmente, ao ambiente e às relações no trabalho. No quesito sofrimento, os entrevistados comentaram que as condições de trabalho mais associadas a ele incluem a chefia, a falta de apoio e/ou de recursos. A questão da chefia chamou a atenção, pois foi recorrente nas respostas. Falta de apoio, relacionamento ruim e tratamento inadequado foram alguns dos aspectos frequentemente mencionados. Nesse ponto, cabe questionar o papel do gestor. Farta literatura aponta a importância dessa figura para as organizações, já que é ela a maior responsável por agregar, ouvir, valorizar, negociar e criar, dentre outras coisas, um ambiente saudável e construtivo de trabalho. Contudo, não foi essa a realidade que apareceu nos relatos. Gerentes mal preparados parecem exacerbar o sofrimento dos terceirizados, em vez de contribuir para minimizá-lo. Administrar uma equipe de alta performance é tarefa complexa que demanda preparação. Nesse sentido, diante das queixas sobre a chefia que os entrevistados trazem, cabem também questionamentos quanto ao administrador que a Academia vem formando. Seriam pessoas maduras, ecléticas, com uma visão ampla de mundo ou gestores autômatos, que repetem técnicas e ferramentas, mas são incapazes de pensar de forma crítica, reflexiva e humana? Seriam pessoas que conseguem entender o nível macro em que as organizações se inserem, conhecendo autores de diferentes linhas e tendo contato com distintas perspectivas, ou profissionais 103 insensíveis, interessados apenas por leituras instrumentais, resultados imediatos e alcance de metas? Aqui, faz-se um alerta: ou se repensa a formação do administrador ou uma nova geração de gestores que incorporam a invisibilidade como prática, reproduzindo-a e naturalizando-a, invadirá as empresas. É importante que temas como ética ganhem destaque na grade curricular dos cursos de Administração e que a universidade prepare profissionais menos alienados, mais comprometidos com o outro e as contribuições sociais que podem trazer. Só assim as mudanças de que o mundo do trabalho tanto necessita podem acontecer. E essas mudanças são urgentes. Pelo que se viu, embora a gerência ainda seja a base da administração, ela não é efetiva. Num tempo em que se fala tanto de liderança, as pessoas não andam conseguindo sequer ser bons chefes. Despertar a atenção para a relevância da chefia, no que se refere à tarefa de conduzir bem uma equipe e, especialmente no caso deste trabalho, evitar episódios de invisibilidade, consiste na primeira contribuição teórica deste estudo. Outras pesquisas falam da importância dos chefes, mas não destacam o papel fundamental que eles ainda têm, na administração e, ao que parece, não está sendo cumprido. Retomando a análise empreendida neste estudo, os resultados mais frequentes do sofrimento que os entrevistados relataram são problemas psicológicos como ansiedade, angústia, início de depressão, tristeza e/ou choro. A reação mais comum a ele foi o posicionamento/reflexão, que consiste numa postura de não aceitação passiva do sofrimento. No que tange à invisibilidade, esta se manifestou, sobretudo, pela falta de reconhecimento, o que inclui experiências de humilhação, discriminação e/ou indiferença vivenciadas, muitas vezes, em decorrência do processo de terceirização. Assim, parece razoável afirmar que a terceirização pode trazer situações em que o trabalhador não é enxergado em suas necessidades, expectativas ou, em última instância, na sua humanidade. Por ser tratado de forma diferente dos efetivos, receber remuneração e benefícios inferiores, contar com menos apoio e recursos, sofrer injustiça, ser submetido à sobrecarga de trabalho, não receber treinamento adequado e manterse sob a ameaça da instabilidade, esse profissional sente-se reificado, alguém que está na marginalidade do sistema produtivo; um trabalhador que não é levado em consideração e, por vezes, sequer é visto. 104 Essa realidade vale para homens e para mulheres, como mostram as entrevistas. Quando se analisa a definição que Costa (2008) faz da invisibilidade, ao descrevê-la como uma violência simbólica e material, um desaparecimento psicossocial de um homem no meio de outros homens, fica evidente a necessidade de se incorporar a figura da mulher nessa descrição. A invisibilidade não se restringe à realidade masculina, não é só de homens sobre outros homens. Se há relatos dos dois gêneros sobre o sofrimento, vindos de sua condição invisível, a figura feminina não pode ser excluída dessa interpretação. Pelo contrário, acredita-se que a literatura deve se debruçar sobre ela, dado que, talvez, sofra ainda mais que os homens as consequências dessa forma de exclusão. Um sinal disso é o fato de as profissões diretamente relacionadas ao trabalho doméstico, ligadas ao ato de cuidar e servir, serem extremamente desprestigiadas – e, portanto, alvo provável da invisibilidade – e tenderem a ser realizadas por mulheres. Não bastasse essa questão, como afirma Hirata (2011), as consequências da precarização são diferentes para as mulheres por estarem lotadas, em sua maioria, no setor de serviços e comércio, que se revela mais desvalorizado que a operação fabril. Tudo isso aponta para a necessidade de se enfatizar como a invisibilidade atinge e afeta o gênero feminino, para o que é essencial que a definição do conceito de invisibilidade incorpore a figura da mulher. Esse acréscimo que se propõe consiste, portanto, na segunda contribuição teórica do estudo. Nesta investigação foram unidas duas diferentes tradições de pesquisa. De um lado, autores idealistas, que focam a subjetividade, numa análise micro dos fenômenos, geralmente associada à Psicologia Social e do Trabalho. Exemplos são Bendassolli (2007) e Goulart e Papa Filho (2013). De outro, pesquisadores materialistas, com uma visão macro dos fenômenos e tendências marxistas, como Alves (2000) e Antunes (1999, 2010). Em princípio, utilizar argumentos de ambos pode soar incoerente. Contudo, acredita-se que, respeitando-se os pressupostos teóricos de cada um e os paradigmas que os embasam, é possível trazer para o texto contribuições de ambos. Afinal, as duas linhas podem oferecer interessantes reflexões sobre o fenômeno ora tratado. Aprofundar esse diálogo, ainda que com algumas restrições, consiste numa terceira contribuição teórica deste estudo. Os resultados da pesquisa realizada com os terceirizados revelaram-se coerentes com a literatura, pois os elementos de sofrimento relatados pelos entrevistados coincidem com o que foi descrito pelos autores citados (ADLER e 105 SILVA, 2013; ANTLOGA e MENDES, 2009; BRANT e MINAYO-GÓMEZ, 2007; GRAVINA, 2002; GRISCI, 2003; GRISCI et al., 2006; LEÃO e SILVA, 2012; LIMA JÚNIOR e ÉSTHER, 2001; MARTINS e HONÓRIO, 2014; QUINLAN e SOKAS, 2009; SANTOS, SIQUEIRA e MENDES, 2011; UCHIDA, 1998; ZANELLI et al., 2010 e ZUBERI e PTASHNICK, 2011). No entanto, a análise permitiu retratar a realidade específica desses trabalhadores, no que se refere ao sofrimento vindo, sobretudo, da sua condição de invisíveis. Trazer o tema invisibilidade para o universo dos terceirizados e retratar o sofrimento no trabalho desses profissionais consistiu, imagina-se, na principal contribuição desta pesquisa. Ela mostrou que profissionais terceirizados, além de excluídos, marginalizados, diminuídos, são também, muitas vezes, invisíveis. Reconhecer essa questão e sensibilizar-se para ela, passando a enxergá-los como sujeitos dignos da mesma atenção que os demais é o primeiro passo para que essa realidade se transforme. 5.1 Limitações da Pesquisa Uma das limitações desta pesquisa consiste na vastidão das nuances do trabalho no cenário atual, como apontada na revisão de literatura, que amplia a possibilidade de diferentes vivências do sujeito em relação a ele. Para minimizar essa limitação, as entrevistas foram realizadas até que se atingisse a saturação. Acredita-se que isso tenha aumentado as chances de o estudo ter contemplado um espectro razoável de percepções. Além disso, o fato de poucos entrevistados pertencerem à iniciativa privada pode ter restringido que se alcançasse a visão desses profissionais, assim como possíveis distinções que apresentam, na vivência do sofrimento no trabalho e, particularmente, da invisibilidade profissional. Outra limitação envolve o fato de algumas pessoas (7, exatamente) terem se recusado a participar das entrevistas. Algumas responderam claramente que não concederiam entrevista em decorrência do sofrimento no trabalho a que já foram sujeitas. Outras, supõe-se que tenham negado pelas experiências fortes que vivenciaram no trabalho, o que tornaria as entrevistas ainda mais ricas. 106 5.2 Implicações gerenciais Dessa pesquisa se depreendeu que é possível minimizar o sofrimento e a invisibilidade no trabalho por meio de algumas ações. Dentre elas, está a importância que deve ser atribuída a todo profissional, independente da atividade que executa. É necessário promover um ambiente de trabalho livre de preconceito, indiferença, injustiça e humilhação, em que prepondere o apoio e a cooperação entre os pares e as chefias. É preciso haver políticas de valorização, reconhecimento, remuneração, benefícios e perspectiva de crescimento na carreira, pois esses fatores se sobressaíram nas respostas e sua falta se apresenta como elemento determinante de sofrimento e invisibilidade. Todavia, isso precisa ocorrer na prática e, não somente, no discurso. O responsável por iniciar essas transformações é, conforme se argumentou, a chefia. Figura fundamental nas organizações, para desempenhar esse papel, é essencial que o gestor seja um profissional bem formado. Portanto, os reflexos dessa pesquisa se estendem, também, aos cursos de Administração, que precisam discutir esse tipo de questão e formar não profissionais preocupados unicamente em arrumar um emprego, mas verdadeiros agentes transformadores da sociedade. Diante dos resultados, recomenda-se também um olhar diferenciado para o ambiente de trabalho onde estão inseridos os terceirizados, a fim de que se minimizem as consequências da invisibilidade que geram sofrimento. Esse olhar requer uma postura gerencial capaz de mobilizar gestores e colegas de trabalho na promoção de um ambiente salutar, em que o legado seja o reverso do sofrimento e da invisibilidade, isto é, um ambiente de prazer, em que as pessoas possam se sentir reconhecidas – para o que é fundamental que sejam vistas. 5.3 Recomendações para pesquisas futuras Uma sugestão de pesquisa a ser feita refere-se a investigações que busquem compreender o sofrimento que os terceirizados enfrentam, relacionada ou não à invisibilidade. Como se viu, trata-se de um grupo especialmente vulnerável, que enfrenta grandes desafios no ambiente de trabalho e merece, portanto, atenção diferenciada. 107 Pesquisas que foquem a invisibilidade como vivenciada por outros públicos, além dos terceirizados, também se mostram promissoras. Em especial, estudos que envolvam minorias, como as mulheres, os negros ou pessoas com deficiência, por exemplo, são capazes de oferecer informações importantes para que se conheça melhor esse fenômeno e se vislumbre a realidade desfavorável que enfrentam, também no trabalho. Estudos comparativos, nesse contexto, também parecem de grande valia, por permitirem que se estabeleçam paralelos, por exemplo, entre o sofrimento no trabalho vindo da invisibilidade por que passam terceirizados do setor público e do setor privado; homens e mulheres ou pessoas com atuações profissionais distintas. Por fim, investigações de caráter quantitativo, que utilizem amostras representativas e procurem estabelecer relações entre variáveis, formando modelos, podem contribuir para o avanço no conhecimento da invisibilidade. Acredita-se que, com esses esforços, é possível se desnudar uma realidade digna da atenção de qualquer pessoa interessada tanto na competitividade das organizações quanto na satisfação e autorrealização do sujeito, por meio do trabalho. 108 REFERÊNCIAS ABS, Daniel; MONTEIRO, Janine Kieling. Práticas da Psicologia Clínica em face do sofrimento psíquico causado pelo desemprego contemporâneo. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 15, n. 2, PP.419-426, abr./jun. 2010. ADLER, Claudia Segadilha; SILVA, André Luis. A interface entre valores humanos e mudança organizacional: evidências de uma operação de aquisição. RAM, REV. ADM. MACKENZIE, V. 14, N. 2 São Paulo, mar/abr. 2013, p. 16-41 ALARCON, Gene M. A meta-analysis of burnout with job demands, resources, and attitudes. Journal of Vocational Behavior 79 (2011) p. 549-562. ALVES, Giovanni. O novo (e precário) mundo do trabalho: reestruturação produtiva e crise do sindicalismo. Boitempo Editorial: São Paulo, 2000. ANNER, Mark. 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Por exemplo: estresse, angústia, mudança de humor, ansiedade, depressão, sensação de esgotamento, insegurança e outros? Descreva. 4. Você já apresentou mudanças de comportamento para as quais você possa atribuir, como causa, o seu trabalho atual? Por exemplo: conduta violenta, abuso de álcool ou drogas, pensamento suicida e afins? Descreva. 5. Como você se defende do sofrimento no trabalho, ou o que faz para evitá-lo? 121 Invisibilidade 6. Como você se vê, profissionalmente? 7. Como acredita que é visto? 8. Você se sente reconhecido e valorizado pela chefia, colegas de trabalho e sociedade? 9. Na sua opinião, sua profissão é bem vista pela sociedade? 10. Há distinção de tratamento no seu ambiente de trabalho? Entre que profissionais e por quê? 11. Você sente que é tratado com injustiça? Se sim, explique quando e por que. 12. Alguma vez você já foi humilhado, discriminado ou tratado com indiferença no seu trabalho? Quando e por quê? 13. Alguma vez você já se sentiu diminuído, desvalorizado ou excluído? Quando e por quê? 14. Você acha que se não fosse terceirizado isso teria sido diferente? Por quê? 15. O que significa ser terceirizado para você? 16. Quais as principais diferenças que você percebe entre funcionários efetivos e terceirizados, na organização? Percebe remuneração, treinamento, condições de diferenças trabalho, em termos de: reconhecimento ou valorização? 17. Você se sente ou já se sentiu invisível no seu trabalho? Descreva. 122 APÊNDICE B – Cartilha Informativa 123 124 125 126 127 128 129 130