CONFLITOS DO MUNDO AGRÁRIO NA CIDADE DO CRATO
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CONFLITOS DO MUNDO AGRÁRIO NA CIDADE DO CRATO
PROPRIEDADE, HONRA E VIOLÊNCIA - CONFLITOS DO MUNDO AGRÁRIO NA CIDADE DO CRATO (1885-1935) Johnnys Jorge Gomes Alencar1 Universidade Regional do Cariri (URCA) e-mail: [email protected] RESUMO Este artigo analisa como se davam as disputas no mundo agrário na cidade do Crato entre 1885-1935. Desse modo, é realizada uma observação do processo de ocupação da terra e a relação de posse entre homem-propriedade, onde muitas vezes geravam os conflitos em busca dessa posse e da honra que era produzida a esse respeito. Como havia um discurso que a cidade possuía uma vocação agrícola, existe uma relação estabelecida entre a propriedade e o modo de produção desenvolvido. Essa análise desenvolve-se a partir dos estudos realizados com processos criminais do período, sendo transcritas e analisadas partes que vem a destacar elementos para pensar esses fenômenos acontecidos, dialogando essas partes destacadas com os autores usados como referências. Palavras - chave: História agrária; Honra; Violência. Introdução Dos diversos conflitos que são presenciados na cidade do Crato entre 18851935, alguns podem até ser entendidos como corriqueiros ou extraordinários – dependendo da ótica que atua a esse respeito. Um dos conceitos que se destacam é o da honra, predominantemente na figura masculina sertaneja, sendo necessário compreender que esse conceito e os conflitos resultantes dos mundos do trabalho aconteceram em um contexto histórico diferente do que se presencia hoje. Segundo Martha Santos, a questão da honra masculina no século XIX é caracterizada: Por sua vez, os sertanejos se preocupavam com a perda da reputação masculina e tentavam defendê-la, com armas, ou de outras formas, 1 Graduando em história na Universidade Regional do Cariri (URCA), e bolsista de apoio técnico do (NEHSA) na pesquisa A HISTÓRIA AGRÁRIA NAS FONTES DOCUMENTAIS: NATUREZA, TRABALHO E PODER NA CIDADE DO CRATO (1889-1930). Email: [email protected] pois um homem sem fama de honrado perdia a capacidade de negociar ou impor seus desejos na utilização de recursos produtivos. (SANTOS, 2008.p.19) A noção de honra naquele período não é a mesma que se entende hoje em dia, por muitos grupos sociais. Ao perder a condição de honrado, o indivíduo não perdia apenas um sentimento ou um hábito, criado por questões morais que eram atribuídas naquele momento, mas, estaria perdendo também espaço de atuação na sociedade em que este homem (sertanejo) estava inserido enquanto honrado, ficando algumas vezes “incapaz” de realizar as atividades que eram de exclusividade masculina. Tal problema abre outra questão, a da violência, que se dava a partir das disputas por poder que eram subentendidas por tais sociedades, e para que se mantivesse o poder concomitantemente a honra, esses usavam de armas ou de outras formas, pois uma reputação masculina no momento histórico citado era defendida de todas as maneiras. Segundo Tarcisio Motta de Carvalho, o conflito era parte constitutiva da relação do posseiro com a terra. (CARVALHO, 2008: 286). Este artigo tem como questão central, a análise dos conflitos no mundo agrário, especialmente relativos aos recursos naturais. Como fontes, foram utilizados processos criminais. A partir das orientações propostas no trabalho como bolsista de apoio técnico, a pesquisa tem como objetivos: analisar as disputas relativas ao mundo do trabalho e os conflitos resultantes da luta pela honra e pela terra; analisar o processo da relação entre poder, propriedade e violência; identificar as principais atividades econômicas desenvolvidas no período. O Mundo Agrário Cratense A cidade do Crato contava com recursos naturais favoráveis à agricultura em algumas de suas áreas, pois parte das terras tinham águas em abundância e eram férteis. Segundo José Benatti, propriedade é toda realização jurídica de apropriação de uma coisa, e segundo o mesmo autor, no Brasil essa apropriação deu-se basicamente a pretexto de “controlar” os recursos naturais (BENATTI, 2009: 212), assim os recursos naturais na cidade do Crato inseriam-se como o centro das propriedades. Até 1889, de modo geral, no Brasil os escravos constituíam parte importante do patrimônio. Com o fim da escravidão, as terras ganharam maior valor, com muitos proprietários preferindo comprar imóveis. Segundo Benatti, até o século XIX não se viu nenhum movimento dos grandes proprietários procurando legitimar suas propriedades territoriais rurais, porque o que tinha valor eram os escravos e não a terra. (BENATTI, 2009: 221). Contudo, embora a terra fosse abundante no Brasil, não estava disponível para todos nem mesmo para os primeiros ocupantes do território brasileiro (BENATTI, 2009: 221), o que se viam eram as terras sendo passadas ao poder privado através das sesmarias, passadas a pessoas que já tinham um poder econômico demarcado socialmente, pois algumas dessas pessoas já tinham propriedades de terras. Esses beneficiados, definidos por marcadores sociais e raciais, eram os que detinham de um prestígio social e econômico, pois eram livres e dessa forma poderiam trabalhar em suas terras adquiridas, garantindo uma possibilidade de ascensão econômica, o que não era possível para escravos, antes do período da abolição. Os proprietários ao terem domínio sobre uma determinada área natural, simultaneamente tinham o poder de promover quaisquer mudanças, produzindo na maioria das vezes uma iniciativa de produção nessas áreas rurais, sendo destacado como principal ponto, a base agrícola, pois estes detinham terras que eram próprias para praticas dessa produção, e eram prováveis para o cultivo. Essa produção era a forma de realizar o seu meio de alimentação, surgindo nesse momento essa forte agricultura que de inicio era cunhada na subsistência, podemos assim dizer que as atividades econômicas desenvolvidas, vinham em sua maioria da produção no campo, mais especifico na área da agricultura e da pecuária (criação de gado), e ao ponto em que esses proprietários passaram a cultivar, explorar e usar essa propriedade de diversas maneiras, desenvolve-se as questões de sentimentos sobre as produções realizadas, e caso a sua propriedade ou qualquer criação que tenha sido desenvolvida pelo mesmo, venha a ser violada de algum modo, seria um caso suficiente na maioria das vezes para gerar questões conflituosas. Segundo José Murilo de Carvalho até 1930, o Brasil ainda era um país predominantemente agrícola (CARVALHO, 2012: 54), e na cidade do Crato não acontecia diferente, essas terras têm um grande significado não só em termos econômicos – a economia também predominantemente era gerada pelas práticas agrícolas – mais elas também carregavam códigos emocionais, o que diz respeito nesse exemplo a honra, e diante dessa expressão vemos que depois da abolição o que mais vale enquanto propriedade privada são as terras. Essa questão de grande valor era entendida por a terra ser a base para uma produção agrária, produção essa que ganhava espaço no comércio local, produzindo assim sobre essa um desenvolvimento econômico em função das mesmas. Os possuidores de terras eram proprietários, que na maioria das vezes eram produtores agrícolas, com essa relação podemos perceber que os donos das terras tinham poder sobre essa propriedade e em seguida também produziam dinheiro com a produção que lhe era permitida. Com o forte poder que era desenvolvido sobre a terra durante o período em estudo, formou-se as oligarquias, e o poder a partir desse momento ficou descentralizado. Essa transformação que ocorreu, fez com que caminhasse em direção a outras transformações, citando como exemplo maior, a revolução dos anos 30, que tornou o Brasil em um país moderno urbano-industrial. Esse ponto foi acompanhado para mostrar como se deu a transição de um para outro período, pois a partir dessa revolução, o mundo agrário muda de perspectivas em diferentes grupos sociais. Conflitos no Cotidiano de uma Cidade Como foi mostrado desde o inicio deste trabalho, é possível notar que os conflitos resultantes naquele período tinham no seu inicio problemas ligados a questões de honra e de terras (propriedades) na maioria das vezes. Passo a um exemplo de conflito relacionado aos problemas citados nesse artigo. O documento diz respeito ao senhor Joaquim Ignacio padrinho de Procopio Alves, que havia realizado uma tapagem na levada por qual passava água corrente na sua terra, essa tapagem serviria para reter a água, facilitando assim a irrigação de sua lavoura de arroz, e da lavoura do seu afilhado (Procopio Alves), portanto, essa tapagem impedia que a água escoasse por demais propriedades que se encontravam a um nível geográfico inferior aquela. Parte da terra que ficava a esse nível inferior pertencia aos irmãos Candido Gabriel e Joaquim Gabriel, que com realização da tapagem por Ignacio não ficaram nada satisfeitos. Para explicar o que de fato se entende que tenha ocorrido, será citado um trecho do documento ao qual corresponde ao depoimento da testemunha Vicente Ferreira de Araujo, onde essa passa a expor: Que ás oito horas [...] da manhã, mais ou menos, quando desta [...] povoação fora ao brejo em procura dagoa para molhar a sua lavora de arroz e chegando ao lugar onde Joaquim Ignacio fizera uma tapagem na levada para a regação de sua lavoura, ahi encontrara Candido Gabriel e Joaquim Gabriel a derrubarem a tapagem da levada, ouvindo nessa occazião, elle testemunha, a Procopio Alves dizer, ou pedir aos Gabrieis que não interrompessem a molhagem de Joaquim Ignacio, [...] então ditos Gabrieis ameaçando a Procopio, este recua, [...] e então os Gabrieis fizerão lhe os ferimentos constantes do corpo de delicto[...]. (lesão corporal, ano 1885, CEDOCC caixa I, pasta 07. F4v) Nesse trecho podemos perceber que as disputas por recursos naturais – nesse caso a água – citam-se a privatização dos mesmos e também do sistema de posse que era atribuído sobre as propriedades de terras, tornou-se nesse momento uma discussão e posteriormente em ferimentos físicos. Sendo assim, é possível observar como as disputas relativas ao mundo do trabalho, e as formas com que a terra era distribuída, eram determinantes, proporcionando de forma direta o proprietário possuir honra sobre a sua propriedade. E uma vez que tais irmãos estariam invadindo a propriedade do padrinho de Procopio, estariam invadindo também os seus sentimentos, pois aquela propriedade não era apenas uma parte da natureza que tinha alguém a possuir, mas, seria uma parte do poder enquanto proprietário que estaria plantada, e que essa parte do poder e de sentimento que era produzida sobre a propriedade fora desrespeitada no momento em que os irmãos em questão se puseram a fazer a quebra da tapagem. Para consolidar e mostrar como era entendida e estabelecida a questão da honra e como uma propriedade seria uma parte integrada ao seu proprietário será apresentado mais um exemplo, este que é um processo criminal um dano: um boi é atingido com golpes de facão, e em poucas semanas depois do atentado ocorre à morte do mesmo, ocasionada pelas cutiladas que veio a receber ao ser atingido. E em depoimento da testemunha Raymundo Alves de Lima, diz o que sabe sobre tal fato: [...] estando elle testemunha em sua caza, pelas oito horas da manhã ali foi ter o réo Raymundo Fino e lhe contou que os Réos José de Luzia e Raymundo Jacob o avizando de que o boi a que se refere a quinca estava dentro do roçado d´elles Réos, o convidaraõ para irem fazer-lhe a oçada, isto é matar a dito boi; e que acudindo aquelle convite, se dirigiram para dito roçado anoite, levando o réo Raymundo Jacob um façaõ que amolara para o mesmo fim; e que, ao chegarem ao roçado, elles réos correram atras de dito boi, sendo que o réo Raymundo Jacob foi o unico que o ferira com o façaõ que conduzira. (dano, ano 1893, CEDOCC, caixa I, pasta 01. F14v) No depoimento reproduzido nota-se um pronome “deles”, e esse pronome cria uma relação de poder entre os réus e o roçado, deixando esses intimamente próximos a sua respectiva propriedade, quando essa aproximação é realizada, cria-se uma teia de relação fixada no sentimento de honra. E ao dito animal invadir os roçados, estava ao mesmo tempo violando a posse e os sentimentos dos proprietários, nesse caso, réus agiram com violência ao animal. Esse exemplo serve de base para mostra como era defendida a honra entre os sertanejos, que concomitantemente defendiam a sua masculinidade, esses conflitos também eram gerados por influências da forte propagação do capitalismo comercial, e através de uma competência que se gerava a partir das disputas pelos recursos naturais enquanto bases econômicas, e essa competência é citada por Martha Santos, onde faz a seguinte afirmação: Essa competência pelos meios de subsistência, por sua vez, intensificou a necessidade de provar a "masculinidade" e a honra entre os sertanejos pobres e livres, pois questões de honra estavam relacionadas à posse, ocupação e domínio sobre a terra, [...]. (SANTOS, 2008:16) E essas questões que tinham um forte papel na sociedade descrita, são cada vez mais ligadas a questões da terra, pois mesmo que um homem fosse um sertanejo e pobre, necessitaria de respeito, desde que ocupasse, dominasse ou tivesse uma posse de terra, e essas questões de terra concomitantemente de dinheiro eram mantidas por um papel masculino, de onde derivavam em sua maioria os códigos de honra e violência. A honra é uma ação social, e é espalhada desde a infância nesse período histórico. No próximo exemplo citado neste artigo, nota-se que o discurso de honra está presente desde a infância, e as atividades que eram desenvolvidas no mesmo período também eram realizadas por crianças. O acusado deste crime é Miguel Estevão dos Anjos, que tinha 13 anos de idade e auto se declarou agricultor, é neste momento que se consolidam em dizer que atividades do cotidiano da cidade eram desenvolvidas por crianças. A vítima tinha 12 anos de idade, e vem declarar no auto de perguntas, que estava realizando uma atividade de cunho pecuário no momento de agressão, essa atividade que a vítima desenvolvia fazia parte do cotidiano das atividades que eram desenvolvidas na cidade, portanto essa estava sendo desenvolvida por uma criança. E no mesmo auto de perguntas a vítima diz que: [...] hoje (10 de junho de 1890) pelas oito horas da manha estando pastoriando uns bois no lugar bebida nova, quando Miguel Frajano lhe dera um tiro do lado esquerdo. Disse mais que tendo elle respondente hontem prometido um pedaço de rapadura a Miguel Frajano, hoje quando chegou com os bois ao pastoreador, Miguel Frajano lhe perguntou “cadê o pedaço de rapadura que você me [...] prometeu; ao que respondendo o offendido; eu não trouxe o pedaco de rapadura pur que o engenho não moeu hoje; nesta ocaziaõ Miguel Frajano deu lhe um tiro com uma espingarda. (lesão corporal, ano 1890, CEDOCC, caixa II, pasta 18. F7f) Nas respostas dadas pelo ofendido é perceptível que ele estava a trabalhar, e que por não cumprir a sua palavra de honra que tinha atribuído a outro menino, foi atingido. Ao mesmo tempo em que ele “quebra” a sua palavra, perde a sua honra, mas, simultaneamente também está proporcionando que o outro menino perda a sua honra também, quando este engana o mesmo no momento citado. Ao mesmo momento poderíamos dizer que seriam só duas crianças, mas, naquele determinado momento essas crianças estavam atribuindo papéis de pessoas adultas, a realidade era distinta, e a forma com que o acusado passa a agir é influenciado pelo discurso de honra que vos circundavam. Com os exemplos dos conflitos citados anteriormente, é possível notar que todos se passaram em um cenário agrário, e que em todos os exemplos citados, foram apresentados ainda que superficialmente atividades que eram desenvolvidas no período. As atividades citadas estavam ligadas a plantações e a criação do gado, justificando em um ponto citado quais eram as principais atividades econômicas desenvolvidas no período. Considerações finais Neste trabalho, foi lançada uma visão dos sentimentos que eram atribuídos as propriedades, em especial a terra, no período que corresponde a 1885-1935 na cidade do Crato, também foram observadas como se desenvolvia a relação com a honra e a reprodução que tomava a questão da violência entre os sertanejos. Foi tentado demonstrar como se dava a preocupação que esses sertanejos tinham em defender a sua honra, provando a sua masculinidade e assumindo um papel que foi demarcado culturalmente. Ao mesmo tempo também foi tentado demonstrar como acontecia a ocupação no mundo agrário, e o modo como esse mundo agrário era desenvolvido nas suas produções econômicas. Foi destacada a possibilidade de tratar a honra enquanto uma ação social, ao qual vai sendo passada e reproduzida, ao notar que em um conflito citado a honra estava presente entre crianças. REFERÊNCIAS: BENATTI, José Heder. Apropriação privada dos recursos naturais no Brasil: séculos XVII ao XIX (estudo da formação da propriedade privada). In: NEVES, Delma Pessanha (org.), Formas dirigidas de constituição do campesinato. Brasília: UNESP, 2009. CARVALHO, Jose Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 15° Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012. CARVALHO, Tarcísio Motta de. Inimigos do processo: dominação de classe e resistência camponesa na Primeira Republica: a guerra sertaneja do contestado. In: MOTTA, Márcia; ZARTH, Paulo (orgs.), Concepções de justiça e resistência no Brasil. Brasília: UNESP, 2008. DAVIS, Mike. Holocaustos coloniais: clima, fome e imperialismo na formação do terceiro mundo. Rio de Janeiro: Record, 2002. HERSHMANN, Micael. & PEREIRA, Carlos Alberto. 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