834 iam locais

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834 iam locais
PROCESSO DE TESTERRITORILIZAÃO NA INVERNADA BURITI,
MUNICÍPIO DE SIDROLANDIA, ENVOLVENDO FAZENDEIROS E O
PRÓPRIO SPI.
Valdevino Gonçalves Cardoso
INTRODUÇÃO:
A conseqüência da guerra Brasil com o Paraguai foi desastrosa, causando a dispersão
das aldeias Terena por uma vasta região. Este fato poderia ter sido um evento
passageiro, mas, ao contrario, abalou irreversivelmente, a estrutura social Terena, com
perda de suas terras tradicionais. Findo o conflito, quando começaram a retornar aos
seus territórios tradicionais, estes já haviam sido tomados, em grande parte por terceiros
(AZANHA, 2004: 5). A partir daí, começa uma nova etapa nas vidas dos Terena, que
passaram de grandes guerreiros na luta território brasileiro à fornecedores de mão-deobra semi-escrava nas fazendas implantadas em seus território tradicionais.
O pós-guerra é a época em que se inicia a reorganização do espaço territorial na zona de
conflito, com regularização fundiária em prol dos novos ocupantes. Este grande
empreendimento de reordenação territorial e consolidação da fronteira só foi possível
graças à “libertação” das terras indígenas e o uso compulsório da sua mão-de-obra. E os
Terena contemporâneos conhecem esse período – e que para eles se estenderia do póguerra imediato a criação de reservas – como Tempo da Servidão. (AZANHA 2005: 5)
Em 1850, foi decretada pelo governo brasileiro, a “Lei de Terra”, a qual determinava
que a partir daquela data as terras poderiam ser compradas e vendidas sem precisar de
aprovação do governo. Esta lei tinha como finalidade forçar a colonização de mais
terras e autorizava o governo a vender, por leilão, as terras de volutas, na qual estavam
incluídas as terras indígenas que já não viviam em aldeamento, que eram chamados
pelos brancos de “índios mansos”, porque viviam pacificamente com os “civilizados”.
Neste período, muitos territórios tradicionais dos Terena forma tomados e vendidos em
leilão, e nesta nova fase afetou muito a vida deste povo. (BITTENCOURT e
LADEIRA, 200:75)
Segundo Martins (2002: 64), território étnico Terena foi, substancialmente, loteado
entre os combatentes remanescente da guerra e os índios testerritorializado foram
recrutados para servirem como mão-de-obra barata nas fazendas recém implantadas ou
reconstruídas.
À medida que seus antigos territórios iam sendo invadido por remanescente de guerras,
em geral, oficiais desmobilizados do exército brasileiro e comerciantes, que eram
incentivados pelo governo brasileiro, os Terena iam deixando seu lugares de origem e
refugiando em lugares mais distantes em busca de proteção. Com isso, as fazendas se
multiplicavam rapidamente na região e os indígenas, que resistiam em seus territórios,
se viam cercados por fazendas, sendo altamente prejudicado pela destruição de suas
lavouras pelo gado dos fazendeiros e, consequentemente, a vida nas aldeias foi ficando
mais difícil, obrigando os Terena a se empregarem como trabalhadores nas fazendas,
que antes eram seus territórios tradicionais.
TERRA INDÍGENA BURITI
O Posto Indígena de Nacionalização Buriti está localizado atualmente, no
município de Dois Irmão do Buriti-MS, áreas de aproximadamente de 2.140 hectares ,
via acesso pela BR 060, distante a 95 km de Campo Grande-MS. “A delimitação da
área, ao norte, partindo do marco “ 01” , de coordenadas geográficas aproximadas 20º
49’ 59” S e 55º 12’ 2” WGR, cravado nas divisas da Fazenda Nova Esperança de Pedro
Chaira de Albuquerque, Fazenda Boa Esperança, de herdeiros de Takechi Kato e
Fazenda Santa Rosa de Sanite Kogowa e seguindo na direção sudeste, com azimute de
102º 14’ 35” e distancia de 1.518,584 metros , confrontando com a fazenda Fazenda
Santa Rosa, de Sanite Kagawa e Fazenda Buriti e Marioshe fukuda chega se ao marco “
02” , de coordenadas geográfica aproximada de 20º 50 09” S e 55º 11’ 11”WGR.
“Deste, seguindo em direção sudeste, azimute de 123º 59’ 46” e distancia de 123, 854
metros , confrontado-se com a Fazenda Buriti de Maioshi Fukuda, chegas-se ao marco “
03” , cravado na cabeceira do córrego Barreirinho e de coordenadas geográficas
aproxima de 20º 50’ 11” S e 55º 11’ 07” WGR. Deste seguindo em direção jusante pelo
citado córrego até atingir o marco “03-A, na sua confluência no córrego Buriti de
coordenadas geográficas aproximadas 20º 50’ 18” S e 55º 10’ 04” WGR.
Ao leste, do ponto anteriormente descrito, seguindo na direção montante do córrego
Buriti até atingir o marco “03-B”, na sua confluência no Córrego do Meio, de
coordenadas geográficas aproximadas 20 51’ 44” S e 55º 10’ 09” WGR, chega-se ao
marco “ 04” , cravado na margem esquerda do citado córrego e de coordenadas
geográficas aproximadas 20º 53’ 12” S e 55º 09’ 43” WGR.
Ao sul, do marco anteriormente descrito, seguindo na direção noroeste, com
azimute de 176º 29’ 26” e distancia de 1.895,825 metros , confrontamos-se com a
Fazenda Bom Jesus de José Barbosa Coutinho Bacha e Fazenda Cambará de Cirene da
Costa Ribeiro e Filhos, chega se ao marco “ 05” de coordenas geográficas aproximadas
20º 53’ 06” S e 55º 10 48 WGR. Deste seguindo em direção noroeste. Com azimute de
278º 19’ 13” e distancia de 1.514,117metros, confrontando-se com a Fazenda Cambará,
de Cirene de Costa e Filhos, chega-se ao marco “ 06” , cravados na margens direita do
córrego Buriti e de coordenadas geográficas aproximadas 20º 532’ 59” S 55º 11’ 40”
WGR. Deste, seguindo na direção jusante do referido córrego até atingir o marco “06A”, na sua confluência no córrego cortado de coordenadas geográficas aproximadas 20º
52’ 43” S e 55º 11’ 34” WGR; deste, seguindo na direção montanrte do córrego
Cortado, chega-se ao marco “ 07” , cravado na margem esquerda do referido córrego e
de coordenadas geográficas aproximadamente de 20º 53’ 12” S 12’ 32” WGR.
Ao oeste, do ponto anteriormente descrito, seguindo na direção nordeste, com
azimute de 08º 48’ 21” e distancia de 1.730,041 metros , confrontamos com a Fazenda
Capão Verde da Agropecuária Correia de Assunção, chega-se ao marco “ 08” de
coordenadas geográficas aproximadas 20 52’ 16” S e 55º 13 12’ 23” WGR; deste,
seguindo na direção nordeste com azimute de 08º 44’ 58” e distancia de 2.008, 118
metros , confrontando-se com a Fazenda Capão Verde da Agropecuária Corrêa de
Assunção e Fazenda Nova Esperança de Pedro Chaira Albuquerque, chega-se ao
marco” 09” de coordenadas geográficas aproximadas 20º 51’ 11” S e 55º 12’ 13” WGR;
deste seguindo na direção direção nordeste, com azimute de 08º 51’ 08” e distancia de
2.260,787 metros , confrontando-se com a Fazenda Nova Esperança de Pedro Chaira
Albuquerque, chega se ao marco “ 01” , marco inicial da descrição deste perímetro.
Os Terenas que habitavam a Invernada Buriti, não fugiam a este processo geral
de desterritorialização, relacionado a medição da chamada Fazenda das Correntes.
Segundo a descrição detalhada do processo pelo diretor da IR5, Inspetoria do Serviço de
Proteção aos Índios (SPI), Nicolau Horta Barbosa, em seu Memorial sobre as Terras do
Córrego Burity, datado em Campo Grande , no dia 23 de dezembro de 1927 confirma
que:
Entre os latifúndios de que muitos fazendeiros se apossaram antes de
qualquer cultivo systemático, ou mesmo antes de qualquer conhecimento
além da conjeturas, ou simplismente baseados a viagens a cavallo –
figurava a fazenda as Correntes, hoje repartida entre muitíssimo
condôminos. Encostada ao S.E. nas quebradas da Serra de Maracaju,
era natural que o seu proprietário a desconhecesse pessoalmente e não a
cultivasse nos recantos ermos das furnas sombreadas de mattas grossas,
por onde correm os princípios os córregos que se despenham serraabaixo,para depois irromperem nos campos de cerradão; onde de longe
são reconhecíveis os seus valles profundos pela cor verde escura de suas
mattas intricadas de taquarassu. Em um desses lugares ermos, e
defendido pela natureza agreste das vistas incommodas dos civilisados –
occultou-se por muito tempo um grupo de índios guaranys. Acostada ao
Aquidauna, a sede da Fazenda das Correntes dista mais ou menos 60km
em linha recta de local tão ermo, distancia esta que valia muitíssimo
mas pelos cerradões que a enchem. Vaqueiros e roceiros e todas as
Fazendas do sul do Estado, não tardou que os índios terenos viessem
em várias turmas servir ao fazendeiro das Correntes; e, internando-se
pouco a pouco pelo seu natural pendor de procurar a tranqüilidade nas
matas, chegaram até onde aldeiavam seus irmão uaxiriys, a que foram
se juntando a mutuo apoio. Assim, em desejando salários, serviam ao
seu patrão fazendeiro; mas, tangido pela nostalgia da vida livre e
selvática, buscam os ermos do Burity, e muitos annos se passaram
assim. Sbrevindo as luctas civis, o fazendeiro entregava suas tropas e
rebanhos a fidelidades dos índios terenos, que os levavão ao ermo do
Burity, onde facilmente se salvavão dos abusos próprios a taes espochas.
Dahi a denominação de Invernada para o loca, como o de colônia em
referencia aos índios. Esses factos vem abandonar a condicta desses
terenos, muito em desacordo com a mais recente campanha de
descrédito, que tão injustamente lhes tem movido os actuais interessados
nas terras que eles ocupam. Fosse movido por um natural escrúpulo de
consciência, fosse porque em verdade reconhecesse eu o alto Burity,
onde se alojam os índios, não faziam parte da posse registrada, e certo
foi que, por demarcação das Correntes, o proprietário concordou que
aquellas terras ficassem fora de seu perímetro. A planta levantada por
ocasião da revisão e divisão judiciária das Correntes – repito a
exclusão, em obediência aos documentos legaes. E desse modo foi que,
sem mais nenhuma contestação, sobraram as terras onde os terenos
habitavão, como habitam, em ambas as margens do Burity, ora sob a
demarcação de “Invernada”, ora e mais geralmente a de “Colonia”.
Além dos Terenas que habitavam a baixada da serra de Maracaju, no alto Buriti,
ali foram também reunidos as macro famílias das aldeias Barreiro Vermelho e
Potreirinho.
Os troncos familiares formadores desta aldeia eram compostos por grupos
domésticos Echeoladi e Terena, oriundo do entorno de Miranda em que se refugiaram,
quando da Guerra do Brasil com o Paraguai, na serra de Maracaju. Durante sua
permanência neste local se incorporaram a grupos de famílias Kinikinaw que ali,
também, haviam se refugiado. Findo o conflito, se estabeleceram em grande aldeia no
lugar chamado Barreiro Vermelho, junto ao córrego do mesmo nome, a cerca de 30
quilometro ao sudeste do Ipegue. Ali perto, outro grupo Terena havia se fixado à
margem do córrego Canastrão, em um local denominado Potreirinho. (Armando Gabriel
e Leonardo Reginaldo).
Exitem no Barreiro Vermelho além da morada do encarregado diversos
ranchos onde habitão alguns índios com sua famílias por consentimento
do demarcante – os quaes possuem algum gado vacum e cavalar e boas
roças e prestão aos encarregados do demarcante alguns serviços como
jornaleiros. (apud, AZANHA, 2002, p. 26).
Após a demarcação das terras, o concessionário, Sr. Diocleciano Mascarenhas,
começou a forçar os Terenas a se retirarem da área, indicando as terras de volutas
existentes para além da linha divisória. Assim os índios do Barreiro Vermelho
mudaram-se para as proximidades do córrego Buriti cerca de 40 quilômetros após a
linha das Correntes, junto ao córrego Cafezal. Os vindos do Potreirinho se fixaram mais
ao norte junto ao córrego Barreirinho, ambos afluentes do Buriti.
Desta forma, durante o final da segunda metade do século XIX, instalaram-se as
famílias indígenas Terena na região a leste da linha das Correntes. Contudo, apenas
vinte anos depois aquelas terras passariam a ser requeridas por diversos particulares, a
quem o Estado do então Mato Grosso foi concedendo títulos provisórios de posse ou
propriedade. De acordo com um fragmento do Memorial sobre as Terras do córrego
Buriti, o diretor da IR5 Nicolau Horta Barbosa escreve o seguinte:
Por este tempo, já os cobiçosos haviam apparecido; tanto que, servindose da oportunidade em que se confirmaram as sobras da fazenda das
Correntes, apressaram-se a requerer as terras ocupadas pelos índios,
sem que os indefesos por natural ignorância e afastamento, puderssem
reclamar imediatamente em forma legal a bem de seus direitos.
Despertaram elles, porém, quando os intrusos providenciaram sobre as
demarcações, precedidas alias de um período em que os índios foram
perseguidos em suas roças onde soltavão aquelles as suas criações;
ameaçando em suas vidas, acussados de viccios de crime que nunca
haviam cometidos, etc. ; tudo como preparativo da espliação preste a
efetivar-se. De um lado o senhor Agostinho Rondon ou seu preposto; do
outro o Sr. Cel. Porfírio de Brito ou o seu preposto Rabello de outro
ainda o Sr. José de Souza, etc. porfiavam em amedrontar e prejudicar
aos terenos por todas as formas, té que enfim animaram a chegar com o
demarcador, que afincou os marcos dentro mesmo da aldeia, por entre
os ranchos e roçados, em nome de um irrisório direito conferido por um
título
provisório
dolosamente
obtido
pelo
governo,
pois
que
systematicamente alegaram em seus requerimentos uma cultura que não
tinham, ocupação que não faziam sinão por esbulho; ao mesmo que
ocultavam as circunstância de exisitiram nas terras requeridas as
aldeias indígenas com suas roças e mais trabalhos! (BARBOSA,
Nicolau Horta. Memória sobre as Terras do Córrego Burity, 1927).
Certamente por conta disso, o Relatório dirigido ao inspetor interino no Estado
de Mato Grosso, Antônio Viana Martins Estigarribia, ao diretor interino do SPI, José
Bezerra Cavalcanti, datado em 1923, traz uma referencia sobre a “Invernada Burity”,
que encabeça a parte relativa às indicações sobre terras necessárias aos índios desta
Inspetoria:
INDIOS TERENOS: Invernada do Burity, município de Aquidauana.
São 400 indivíduos e necessitam de 3 léguas de terras pastaes com
pequena proporção de lavradias. A situação dos que habitam a litigiosa,
parecendo que única solução será a compra, se não prevalecerem os
protestos e acordos em que a Inspetoria está empenhada. O valor da
légua nessa região é de 50 contos e as despesas de medição, por légua,
regulam 2: 160$ ou seja, 600 reis por hectares, por predominem terras
pastaes. (ESTIGARRIBIA, Antonio Martins Vianna. Relatório, 1923).
A interferência do Estado e do SPI esta clara no relatório acima citado, pois
nenhum momento o órgão responsável pelos indígenas reivindicou a Invernada Burity
para os Terena, já que estavam ali antes da concessão de títulos para fazendeiros.
Departamento de Terras do então Mato Grosso só estava preocupado em vender as áreas
aos requerentes. Outro relatório da mesma época dizia que: “A questão de terras ai é
bem difícil de ser resolvida, por estarem cedidas pelo o estado, com título provisório, a
outras pessoas” (Relatório, 1925)
Essas terras devolutas resultão de sobras da medição da Fazenda de
Correntes e são ocupadas pelos índios desde muitíssimos annos, com
outras contiguas que lhes foram tomadas pelos Srs. Porfírio Britto,
Agostinho Rondon e mais recentemente pelo Sr, José Ananias, senhores
esse que se tem limitado a pôr-lhes marcos, expulsandos os índios que as
cultivavam e deixando-as incultas.
Possivelmente, a consciência do órgão tutelar de que estaria consagrando a
desterritorialização, caso efetivado tal requerimento, levou à consideração deste pedido,
sendo mencionada no Relatório Anual da Inspetoria do Mato Grosso, 1927, a
solicitação feita ao governo do Estado para proceder uma reserva de terras, com área de
4.000 hectares em benefício da aldeia “Invernada do Buriti”:
No comprimento do meu dever de Inspetor do Serviço de Proteção aos
Índios, neste Estado, e para atender os insistentes pedidos de alguns
índios aldeados no lugar denominado Invernada do Buriti limites da
Fazenda de Correntes, Município de Aquidauana, cujo aldeamento ao
que informam ai existe a mais de trinta e cinco anos, em terras que
afirmam, são de propriedade do Estado, peço-vos de acordo como
disposto nos artigos 90 e 95, Cap. VI da consolidação de Terras, Minas
e Colonização, Decreto nº 130, de 4 junho de 1902, vos digneis mandar
reservar para os referidos índios uma área de 4.000 hectares , ou quanto
for possível, cortejando-se a situação dessas terras devolutas nos limites
da Fazenda de Correntes que por ser habitada pelos índios Xavantes,
antecessores dos atuais, deixou de ser incluída na medição procedida
nessa Fazenda em 1896 (Cardoso de Oliveira, 1968, p.93).
A exposição e os argumentos não foram contundentes o suficiente para que o
governo do Estado não deixasse de reservar por meio do Decreto nº 834, de 14 de
novembro de 1928 somente 2.000 hectares para a Invernada Buriti do Terena. A área
então reservada foi assim descrita no artigo 1º do citado decreto:
Fica reservada no município de Campo Grande, na linha divisória com
o de Aquidauana, na encostada da Serra de Maracaju e no lugar
denominado Burity, um lote de terras pastaes e lavradias, de 2.000
hectares , para a colônia de índios Terenos, limitando: a Leste e Sul,
com terras de Porfírio de Britto e requerida por Agostinho Rondon; a
Oeste, com terras da fazenda Correntes; ao Norte, com terra de José
Ananias.
A demarcação dessa área foi provavelmente efetuada pelo SPI no ano de 1931,
pois é nesse período que o Fazendeiro Agostinho da Costa Rondon acabaria por
legitimar as terras que havia requerido, contando para com isso como o apoio e auxilio
do Chefe de Posto Indígena de Nacionalização Burity, Alexandre Honoratos Rodrigues.
É o próprio encarregado que confessa ter providenciado a desocupação dos índios que
permaneciam nas suposta terras da fazenda Recurso. Em relatório de sua autoria,
dirigido ao inspetor regional do Ministério do trabalho, em Cuiabá, ao tempo que o SPI
era subordinado ao Ministério da Guerra, datado no dia 02 de junho de 1937, aquele
servidor faz as seguintes observações:
Terra do Sr. Agostinho da C. Rondon – tendo este Sr. me apresentado
documentos comprobatório de sua propriedade „ Recurso‟ que limita
com as terras do Posto nomeei uma comissão para verificação dos
limites. Concluída foi lavrada a Acta, que junto acompanha. Verificado
que um grupo de índios habitam uma parte das terras desse Sr.
proporcionei a desocupação das mesmas terras, dando a elles índios o
prazo de 45 dias para terminação da colheita e mudança [...]. terras. A
área de terras destinada a este Posto é de 2.200 hectares , mais ou
menos, não se podendo affirmar ao certo por não existir documento
algum, aqui nem no cartório de Aquidauana, onde outrora estava afeto o
SPI – Rogo vosso empenho junto a autoridade superior, para conseguir
esse documento acerca de terras deste Posto, pode ser documentada,
com existência de terras devolutas em seus limites.
O relatório do encarregado do PIN Buriti mereceu reação quase imediata das
instâncias superiores do SPI. O Boletim nº 20, de 31 de agosto de 1937, assinado pelo
chefe do SPI Tem. Cel. Vicente Paulo da Fonseca Vasconcelos, do estado maior do
exército, continha as seguintes instruções: “a terra do índio é analienável e a sua posse
está garantida pela Constituição da República em seu art. 129: Será respeitada a posse
de terras do silvícolas que nellas se acham permanente localizados, sendo portanto
vedado alienal-as”.
Porém não houve atitude decisiva a respeito, permanecendo os índios espoliados
em suas terras à margem direita do Córrego Cortado, onde existia a aldeia Invernada.
Por outro lado, talvez em razão mesmo dessa impunidade, nos anos que se seguiram, a
comunidade indígena seria igualmente esbulhada das terras existentes à margem
esquerda do córrego Barreirinho, onde igualmente existiam a aldeia e o Cemitério. O
processo de apropriação ilícita das terras indígenas pelos fazendeiros confrontantes se
seguiu sem a interferência ou reivindicação do órgão responsável pelos índios, o SPI.
Considerações Finais
O Serviço de Proteção aos Índios, pelo seu regulamento, aprovado por meio do
Decreto nº 8.072, de 20 de junho de 1910, tinha a responsabilidade de garantir a
efetividade da posse dos territórios ocupados pelos índios, entretanto em acordo com os
governos locais sempre que necessário, e ainda evitar, por meios eficazes as,foi a
invasão por fazendeiros ou não índios dos territórios indígenas. Porém, nada disso feito!
O governo do estado do então Mato Grosso “confundiu”, propositalmente, a
legislação e considerou as terras da Invernada Burity como devolutas passando a
disputar sua regularização com as posses comuns sujeitas à legitimação. Por outro lado,
o SPI, na eficácia, ou no mínimo um conhecimento muito restrito do conceito de
ocupação indígena, ainda, os seus serviços não vislumbraram os problemas futuros
decorrentes do aumento demográfico da comunidade indígena.
Concluído, após analise do contexto histórico do conflito fundiário, envolvendo
a Invernada Burity e os fazendeiros confrontantes, percebe-se que o esbulho foi
realizado em decorrência da omissão e concluiu do governo do Estado e da
incapacidade administrativa do Órgão Tutelar de fazer valer e completa expressão dos
direitos indígenas no quadro político e institucional daquele período.
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