O SISTEMA JURÍDICO ANGLO

Transcrição

O SISTEMA JURÍDICO ANGLO
O SISTEMA JURÍDICO ANGLO-AMERICANO
(COMMON LAW)
Wladimir Flávio Luiz Braga
Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais
Professor de Deontologia Jurídica e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito de Campos
Membro da Ordem dos Advogados do Brasil - Conselho Seccional de Minas Gerais
Nos países que adotam o sistema jurídico anglo-americano1, tamanha importância é dada
aos costumes que sua severa observância chegou aos tribunais, inspirando a prática de julgar e
decidir de forma já tradicionalmente consagrada (segundo o convencimento judicial superior).
1
Reino Unido [= Grã-Bretanha (Inglaterra, País de Gales e Escócia) + Irlanda do Norte];
Austrália; Nova Zelândia; Índia*; Estados Unidos* (menos Louisiana) e Canadá* (menos Quebec).
*Sistema misto: adotaram códigos
O histórico dos julgamentos resultantes deste costume forense fez com que o Direito nestes
países ficasse conhecido como consuetudinário (costumeiro). Mais acertada e coerente, porém, é a
denominação Direito Jurisprudencial, já que a fonte jurídica principal é o precedente judicial.
Este sistema de Direito Jurisprudencial surgiu na Inglaterra, por volta de 1154, quando o
Monarca Henrique II criou os juízes visitantes do rei, cujas decisões, revistas pelas Cortes Reais,
foram dando origem a um corpo de julgados uniformes (conjunto de precedentes) que, a partir de
1800, vincularam todos os juízes.
Destaque-se que, neste período, sobretudo de 1485 a 1832, as pessoas que não
conseguissem acesso às Cortes Reais ou que considerassem que nelas não havia sido feita justiça,
podiam, por petição, apresentar recurso diretamente ao rei. Tais petições tornaram-se tantas que,
no século XVI, passaram a ser examinadas por um Chanceler (originalmente um clérigo), que
seguia um processo inspirado na moral e em preceitos religiosos – conhecido como Equity – e
proferia writs (ordens).
No sistema do Common Law (lei comum) o Direito é declarado pelo juiz (judge made law),
sendo o precedente judicial (case law) a principal fonte jurídica.
Mediante o confronto entre um precedente e um novo caso, aplica-se a chamada técnica das
distinções, que consiste na possibilidade de ajustar, completar ou mesmo reformular a regra, para
dar a melhor e mais razoável solução ao litígio.
O Common Law, originalmente, se ocupava de grandes questões, principalmente
financeiras, territoriais e criminais (Direito Público), consolidando-se através de práticas
processuais com validade geral (força vinculante), definidas durante séculos pelas Cortes.
Foi substituindo, gradativamente, os costumes locais – de julgamentos baseados na moral e
na religião – ao assumir a tarefa de apreciar também questões menores, particulares (Direito
Privado).
1
No Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte a chamada Baixa Justiça é composta
por instituições seculares, como os Juízos de Paz (Justices of Peace) e os Tribunais de Condado
(County Courts), onde são tratadas matérias cíveis e criminais.
A Baixa Justiça não produz o precedente: monopólio exclusivo dos tribunais superiores e
alicerce precípuo do Common Law. As sentenças proferidas nesta primeira instância jurisdicional
têm efeito unicamente sobre o caso julgado.
Ainda hoje, no Reino Unido, a maioria dos litígios se resolve na alçada dos tribunais
inferiores, ou mesmo por comissões do contencioso administrativo e por árbitros privados
(mediação e arbitragem).
As questões submetidas aos dois órgãos de primeira instância sobem, seguindo o princípio
do segundo grau de jurisdição, para a chamada Alta Justiça britânica, representada pela Supreme
Court of Judicature (Corte Suprema de Judicatura), dividida em High Court of Justice (Alto
Tribunal de Justiça), Court of Appeal (Tribunal de Apelação) e o Crown Court (Tribunal da
Coroa).
O Alto Tribunal de Justiça, por sua vez, envolve três Seções: Seção da Chancelaria, Seção
do Banco da Rainha e Seção da Família.
A Corte Suprema tem por principal atribuição dizer o que é o Direito, através do
pronunciamento sobre os precedentes judiciais que serão obrigatoriamente observados.
O Parlamento do Reino Unido (Poder Legislativo) é constituído pela Câmara dos Comuns e pela Câmara dos Lordes2.
Qualquer projeto de lei aprovado exige o parecer favorável da Coroa para tornar-se lei.
2
A Câmara dos Lordes, espécie de Senado, é composta por bispos da Igreja Anglicana e
membros da nobreza britânica, nomeados pela Rainha Elizabeth II. Os religiosos mantêm-se no
cargo enquanto estiverem ativos em seus ofícios eclesiásticos; já o mandato dos nobres é vitalício.
Além de participar do processo legislativo, detém poderes judiciais: constitui a jurisdição
suprema no Reino Unido, pois além de tratar – em seu Comitê de Apelação – dos recursos
extraordinários interpostos contra as decisões do Tribunal de Apelação, abarca todo o País com sua
Comissão Judiciária do Conselho Privado, composta por juízes/lordes que deliberam acerca dos
recursos interpostos contra tribunais superiores de outras nações da Commonwealth (Comunidade
das Nações: associação para integração das ex-colônias do Reino Unido; exceção: EUA).
As decisões proferidas nesta instância extraordinária, portanto, constituem precedente para
todas as instâncias inferiores, inclusive para a própria Corte Suprema.
Pode parecer estranho uma função judiciária sendo desempenhada, em grau superior, por
um órgão do Legislativo, sobretudo pelo grau de independência do Poder Judiciário no Reino
Unido.
Ocorre que não se pode considerar o papel legislativo como sendo função típica da Câmara
dos Lordes, já que tal atividade é mesmo desempenhada pela Câmara dos Comuns, integrada por
deputados eleitos pelo povo, representando o verdadeiro Poder Legislativo.
Em termos de atividade legislativa a Câmara dos Lordes colabora, de fato, como um
importante fórum de debates e pareceres.
Não existe, no Reino Unido, Constituição escrita; o que os britânicos chamam de
Constituição é o conjunto de princípios (na maioria das vezes, de origem jurisprudencial) que
garantem as liberdades fundamentais e que limitam o arbítrio das autoridades.
2
A lei, neste cenário, não é um modo de expressão normal do Direito. É fonte secundária,
destinada a trazer retificações e adjunções aos princípios do ordenamento estabelecidos pela
jurisprudência. A lei limita-se a estabelecer exceções ao Direito comum.
As disposições que o legislador formula só são plenamente assimiladas pelo sistema legal
quando interpretadas, aplicadas e reafirmadas – e até alteradas – pela jurisprudência dos tribunais.
Para o jurista britânico o Direito consiste não no conjunto de regras constante de um
código, mas em ações concretas perante o Judiciário e na aplicação prática das regras processuais.
No Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, sempre que possível, ao invés de se
citar o texto de uma lei, são mencionados fatos de uma espécie concreta (precedentes) que tenham
sido decididos mediante a aplicação desta lei. E só diante dessas decisões o juiz saberá o
verdadeiro significado da lei, porque só então encontrará a norma legal sob o aspecto que lhe é
familiar: o da regra jurisprudencial.
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