Aposta na baixa

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Aposta na baixa
Roberto Gerab
Aposta na baixa
Em um momento em que grandes incorporadoras se mostram
reticentes quanto à atuação na baixa renda, incorporadora
Kallas cria nova empresa para crescer no segmento
Edição 145 - Agosto/2013
'Hoje, o patamar ideal é atingir
20% de margem de lucro [na
baixa renda]. Nos outros
segmentos essa média é maior,
vai até 35%, variando de acordo
com as condições do mercado e
do empreendimento'
Em 2007, quando as grandes incorporadoras abriram capital, muitas viram
nas habitações de baixa renda a solução para entregarem os ambiciosos
Valor Geral de Vendas (VGVs) prometidos aos investidores. O cenário era
promissor: uma demanda habitacional reprimida associada ao crescimento
da classe C e ao barateamento do crédito. Mas muitas incorporadoras não
tinham nem estrutura operacional e nem experiência no segmento para dar
conta do rápido crescimento no volume de obras. Os resultados foram
estouros de custos e atrasos nos empreendimentos, cujo caso emblemático
foi o da construtora Tenda. As empresas aprenderam, às duras custas, que
o modelo de negócio para as habitações populares é totalmente diverso
daquele das faixas mais altas.
A próxima construtora a entrar nesse segmento com mais força é a Kallas,
que acaba de criar um braço específico para a baixa renda, a Kazzas. Com
isso, a incorporadora quer aumentar sua participação no segmento,
levando unidades que variam de R$ 150 mil a R$ 200 mil a regiões
periféricas e cidades próximas de São Paulo.
Roberto Gerab, diretor-executivo da Kallas, acredita que estratégias
erradas e a falta de experiência foram fatores decisivos para o fracasso de
algumas empresas na baixa renda. Com um portfólio considerável de
unidades construídas nessa faixa de renda - cerca de 50 mil, segundo o
diretor - a Kallas pretende evitar erros similares se apoiando em uma
gestão eficiente e na experiência nesse tipo de habitação. A seguir, Gerab
conta como será a estratégia de atuação da Kazzas e analisa as
perspectivas do segmento.
Por que a Kallas decidiu apostar no segmento de baixa renda?
Historicamente, a gestão da Kallas sempre foi feita por profissionais que
sabem fazer esse tipo de habitação. Tanto o Emílio (Kallas) quanto eu
vivenciamos, na década de 1980, o efervescer das cooperativas de
habitação financiadas pela Caixa Econômica Federal, que era justamente o
perfil de produto que iremos produzir agora, na Kazzas. No início da
década de 2000, apareceu o crédito associativo da Caixa, que financiava
diretamente o comprador, um modelo precursor do Minha Casa, Minha
Vida. Nesse período, chegamos a fazer cerca de dez mil unidades para o
segmento de baixa renda.
Pelo Programa de Arrendamento Residencial (PAR)?
Não só pelo PAR. Nesse programa, especificamente, fizemos 500 unidades
para o governo da Marta Suplicy, mas como concorrência pública.
Operamos muito nesse mercado como empresários, pelo crédito
associativo. Temos muita história nesse segmento. Em 2004, quando o
mercado imobiliário começou a aquecer, percebemos que era o momento
de enveredar para os segmentos de médio e alto padrão que estavam
crescendo muito devido à mudança de faixa de renda da população.
Esse é um mercado com características muito específicas, não? Quais as
estratégias para não repetir o erro das empresas que não se deram bem
nesse mercado?
Sim, a escolha do terreno deve ser bem-feita e o desperdício, mínimo. Por
isso era necessário criar uma empresa nova, a Kazzas, para separar a
gestão do empreendimento na concepção, que será feita por profissionais
capacitados para isso. A construção ficará a cargo da equipe técnica da
Kallas. Apenas daremos continuidade ao que já tínhamos feito. Em 2002,
por exemplo, entregamos as 500 unidades do PAR sem passar por nenhum
grande sobressalto.
Mas o cenário da construção civil era completamente diferente em
2002, não?
Sim, é verdade. As empresas não haviam aberto capital ainda. Mas os
preços praticados na baixa renda eram apertadíssimos, algo em torno de
R$ 50 mil por unidade. Mesmo assim, conseguimos fazer ótimos
empreendimentos. Nessa época, inclusive, muitas empresas pararam de
construir pelo PAR, justamente por não entender as particularidades desse
segmento. Toda vez que se cria um mercado novo, as empresas vão para
cima dele, mas nem sempre sabem se adequar ao tipo de construção que é
solicitada.
Onde essas empresas erraram, na sua avaliação?
Em 2007, as empresas do setor que fizeram abertura de capital foram uma
atrás das outras. Começaram a contar a história de que sabiam fazer
habitações populares. Mas não sabiam. Empresas que não estão habituadas
a fazer esse tipo de habitação e mesmo assim resolvem construir para esse
segmento acabaram quebrando a cara. Para operar no MCMV com sucesso é
preciso escolher corretamente os terrenos, que não podem ter custos
adicionais. Ou seja, não podem ser acidentados e devem contar com
estrutura elétrica e hidráulica. Quem sabia fazer, fez isso; quem não sabia,
não fez. Os empreiteiros que tocam esse tipo de obra são específicos. Não
adianta contar com o mesmo empreiteiro que executa em bairros nobres. É
preciso apostar em grande escala também, pois o custo fixo da obra deve
ser diluído por mais unidades. Acho que, fundamentalmente, os principais
erros dessas empresas foram de gestão.
A Kazzas atuará então no modelo clássico de empreendimentos
econômicos, com construção de várias torres em único grande terreno
afastado das regiões centrais?
Sim. O preço desses empreendimentos não abarca a construção de subsolo.
As vagas são descobertas. Em um projeto mais enxuto é possível reservar
de 40 m² a 50 m² para cada unidade, destinados à vaga. Multiplicando 50
m² por 200 unidades, precisamos de um terreno de quase 10 mil m² para
construir o empreendimento. Sem contar que os novos lançamentos devem
contemplar áreas de lazer. Por isso os terrenos devem ser enormes.
O foco de atuação da Kazzas será a Grande São Paulo e região
metropolitana de Campinas, em um primeiro momento. Na Grande São
Paulo praticamente não há mais terrenos disponíveis ou quando há, são
caríssimos. Como pretendem driblar esse problema?
Decidimos sair um pouco da região metropolitana de São Paulo,
expandindo nossa área de atuação para 100 km a 150 km dessa área.
Conseguimos achar bons terrenos no chamado cinturão de Campinas, em
cidades como Sumaré, Paulínia, Vinhedo e Valinhos, onde a renda da
população melhorou muito. Mas não é fácil achar terrenos.
E quanto a São Paulo, mais especificamente? Ainda há terrenos na
cidade para esse perfil de empreendimento?
Hoje há muita dificuldade de comprar terrenos na cidade. O preço da terra
nos bairros mais nobres subiu demais. O produto nesses locais foge do
perfil do MCMV, saindo do limite do valor de vendas do programa. A saída é
procurar terrenos no ABC, em Guarulhos e em Osasco.
A Kazzas já tem estoque de terrenos para a construção de novos
empreendimentos econômicos?
Sim, já temos um terreno em Campinas e estamos negociando um, em São
Paulo, próximo à região do Campo Limpo e ainda outro, perto de Itaquera.
Qualquer alteração de infraestrutura ou urbanismo nos locais, no entanto,
afeta o preço da terra. A execução do Itaquerão, por exemplo, elevou os
preços no local e no entorno, como um efeito dominó.
Qual o impacto do custo do terreno no custo global de uma obra com
esse perfil?
O ideal é nunca passar de 10% a 11% do valor de venda do imóvel. Se vende
por R$ 150 mil a unidade, a cota do terreno não pode passar de R$ 15 mil.
Está difícil achar terra com esse valor, mas estamos à procura.
Na baixa renda, os orçamentos são enxutos e o desperdício de materiais
deve ser praticamente nulo. Mesmo assim, as margens de lucro são
pequenas. Vale a pena entrar em um mercado tão difícil?
Realmente é um mercado difícil. Não podemos perder nada e os prazos são
rigorosos. Dois meses de atraso, por exemplo, representam dois meses de
custos adicionais com tudo, luz, água, funcionários, vigias etc. Como o
preço de venda é barato, "queimamos" duas ou três unidades se o
cronograma falha. Por isso o projeto é fundamental e a execução deve ser
feita por empresas especializadas. Mesmo assim, vale a pena apostar no
segmento porque é a Caixa que financia o comprador, que paga a
construtora. O dinheiro sempre vem para a construtora, ou seja, não há
falta de caixa durante a obra. O único investimento que deve ser feito é no
terreno. Com um projeto adequado e uma boa venda, não existe pró-soluto
ao final da obra. Recebemos todo o valor ao final da execução.
O custo financeiro desses empreendimentos é menor?
Sim, como o resultado acontece até o último dia da obra, dá para se
contentar com uma margem de retorno menos robusta do que outros tipos
de empreendimentos. Hoje, o patamar ideal é atingir 20% de margem de
lucro. Nos outros segmentos essa média é maior, vai até 35%, variando de
acordo com as condições do mercado e do empreendimento.
'Temos muita experiência com o uso da alvenaria estrutural e vamos
continuar usando o sistema'
A Kazzas pretende abocanhar o espaço deixado pela saída de
incorporadoras de capital aberto que tentaram entrar nessa faixa de
renda?
O espaço deixado por uma grande empresa que não foi bem-sucedida
facilita a nossa entrada no segmento. Mas ainda temos empresas de grande
porte atuando nesse perfil de renda, que também serão nossos
concorrentes e lutarão por esse espaço. Por isso apostamos na Kazzas, para
focar nesse produto e tentar bater a concorrência. Não é fácil, perde-se
muito tempo investigando terrenos, por exemplo.
Além do terreno com condições próprias, a tecnologia de construção na
baixa renda é específica e tem um peso no custo final do
empreendimento. O produto da Kazzas já está formatado?
Temos muita experiência com o uso da alvenaria estrutural e vamos
continuar usando o sistema.
A Kallas já atuou nas regiões onde a Kazzas pretende atuar? Conhecem
bem esses mercados?
Sim, já construímos em Santos, Campinas e Sorocaba. Os mercados não são
tão diferentes quando se está muito próximo de São Paulo. Não prevemos
grandes problemas, nem de fornecimento de material nem de mão de
obra.
Em entrevista a Construção Mercado, o presidente da MRV, Rubens
Menin, afirmou que um dos motivos do sucesso da empresa nesse
segmento é o fato de possuírem mão de obra própria. Como avalia essa
experiência? A Kazzas terá equipe própria ou terceirizada?
Não posso opinar sobre o que ele disse, pois não sei como é a gestão da
construção com equipe própria. Teríamos de ter um setor de RH enorme,
nesse caso. Mas preferimos terceirizar. Contamos com parceiros que
trabalham com exclusividade para a Kallas há mais de 20 anos. A
confiabilidade deles no nosso trabalho é grande, pois sabem que vão
receber corretamente e a parceria vai continuar.
A Kazzas vai atuar, preferencialmente, no MCMV. Temem que o
programa possa ser descontinuado?
Não acredito que isso aconteça. Talvez o programa seja modificado ou
ganhe outro nome, caso haja mudança de governo. Mas não haverá
mudanças radicais, pois é um programa habitacional muito sólido. O MCMV
dá segurança a todos os envolvidos. A garantia do negócio é muito grande.
Como serão as linhas gerais da estratégia de vendas?
Se o terreno for bem localizado, podemos vender ali mesmo. Do contrário,
podemos alugar um ponto em uma avenida de acesso ao empreendimento
e montar um estande de vendas nesse local. Já vendemos um
empreendimento inteiro desse modo. A venda será direcionada para o
cliente da MCMV, com corretores especializados nesse tipo de negócio. A
única diferença no programa é que se trata de uma venda em duas etapas.
O cliente tem de assinar com a construtora e depois com a Caixa, que só a
partir daí libera os recursos para a construção.
Quantas unidades a Kallas já construiu para a baixa renda?
Até agora, mais de 50 mil unidades, somando os empreendimentos das
cooperativas habitacionais entregues na década de 1980.
Com a Kazzas, a intenção é apenas replicar o produto que a Kallas já
fazia para a baixa renda ou pretendem futuramente estudar mudanças,
incluindo novas tecnologias construtivas?
Tudo o que é novo e interessante será bem-visto. Mas as nossas parcerias
são com empresas que sabem trabalhar com o nosso sistema. Se parecer
um sistema muito inovador, é claro que estudaremos e adotaremos, se for
o caso. Por enquanto, vejo que as empresas que adotaram tecnologias
ditas inovadoras, como fôrmas de alumínio, por exemplo, estão chegando
ao mesmo resultado que nós. Então, prefiro fazer o que sempre fiz. Não
vejo por que mudar radicalmente nesse momento.
Quanto representa hoje o segmento econômico no VGV da Kallas? Qual a
expectativa para incremento desse mercado com o lançamento da
Kazzas?
Algo em torno de 20%, mas queremos chegar em 30% nos próximos dois
anos. Pretendemos chegar a R$ 200 milhões de VGV em 2014 e R$ 500
milhões em cinco anos, atingindo metade do faturamento da Kallas.
Qual o investimento inicial feito na nova empresa?
Investiremos R$ 100 milhões, principalmente para a compra de terrenos.
Já temos um terreno em Campinas e devemos lançar o empreendimento no
segundo semestre de 2013. Serão apartamentos de 48 m² a 50 m², num
total de 200 unidades. Também estamos prevendo lançar em breve 270
unidades em Americana.
Os projetos do segmento econômico lançados pela Kallas serão migrados
para a Kazzas?
Servirão como um norte para a nova empresa, mas a ideia é melhorá-los.
Queremos fazer um projeto padrão, para implantá-los nos terrenos. Nem
sempre isso é possível, em função das características dos terrenos, normas
específ icas das prefeituras e cultura de cada local. Mas essa seria a
situação ideal.