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PARAHYBA JUDICIÁRIA 15 ASPECTOS PRÁTICOS DA DEFESA DO CONSUMIDOR NO COMÉRCIO ELETRÔNICO Bruno França Amaro* Resumo O presente estudo pretende analisar, através de uma pesquisa instrumental, a defesa do consumidor no âmbito do comércio eletrônico, com enfoque nos aspectos práticos. São estudadas as compras em lojas virtuais e sítios de leilão, no Brasil, bem como a importação de produtos estrangeiros diretamente pelo consumidor, sob o ponto de vista da proteção jurídica. Palavras-chave: Defesa do consumidor. Comércio eletrônico. Lojas virtuais. Sítios de leilão. Produtos importados. Proteção jurídica. Abstract The present study intends to analyze, through an instrumental research, the defense of the consumer in the scope of the electronic commerce, with approaching in the practical aspects. The purchases in virtual stores and on-line auction sites in Brazil are studied, as well as the importation of foreign products directly by the consumer, under the point of view of the legal protection. Keywords: Consumer defense. Electronic commerce. Virtual stores. On-line auction sites. Imported products. Juridic protection. 1 INTRODUÇÃO Desde o advento da Internet, as vendas através do comércio eletrônico crescem em ritmo uniformemente acelerado, abrangendo, cada vez mais, um * Bacharelando em Direito pela Universidade Federal da Paraíba; Estagiário da Justiça Federal na Paraíba no período 2005-2008; Membro da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor. 16 PARAHYBA JUDICIÁRIA número maior de consumidores. No ano de 2007, por exemplo, as vendas aumentaram quase cinqüenta por cento em relação ao ano anterior1 , demonstrando a força do comércio eletrônico na economia brasileira. Entre os motivos do crescimento constante das vendas on-line, destaca-se a comodidade em comprar sem ter de sair de casa, que se ratifica com a possibilidade de se pesquisar em várias lojas, sem nenhum deslocamento físico. Como diferencial, os fornecedores virtuais oferecem formas facilitadas de pagamento, através de parcelamentos sem juros e outras políticas favoráveis ao consumidor. Os custos operacionais dos vendedores costumam ser menores, sendo que o produto pode sair direto do estoque para o cliente, o que torna o preço mais atraente. Assim, percebe-se que, a cada dia, crescem a variedade de produtos e o número de internautas-consumidores, de sorte que o Direito Consumerista deve acompanhar esse desenvolvimento, no sentido de oferecer sua tutela àqueles que efetuam compras on-line. Nessa conjuntura de enquadramento do comércio eletrônico no microssistema protetivo de proteção ao consumidor, foi feita esta pesquisa instrumental, preocupada com a prática, a fim de se extrair da norma jurídica a solução para as dúvidas do cotidiano. Do ponto de vista metodológico, a pesquisa instrumental visa principalmente à “racionalização das técnicas jurídicas” (MONTEIRO; SAVEDRA, 2001, p. 57), para resolução de problemas práticos. Feitas essas considerações, deve-se ressalvar que o presente estudo abrange as relações de consumo, devendo haver a figura do fornecedor, nos termos do art. 3º do Código de Defesa do Consumidor. A relação jurídica de consumo não ocorre na venda de produtos usados entre particulares, mas aparece, em regra, na compra e venda de produtos novos, em que a atividade deve ser regular ou eventual do profissional, com o fim precípuo de auferir lucro. 2 COMÉRCIO ELETRÔNICO NO BRASIL Em relação aos aspectos práticos da defesa do consumidor, deve-se visualizar que há, basicamente, três modalidades de compras, quais sejam: através de lojas virtuais, as compras internacionais e as realizadas por intermédio dos 1 Dados da Folha de São Paulo, com base no relatório Web Shopper de março de 2008. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u380697.shtml. Acesso em: 18 abr. 2008. PARAHYBA JUDICIÁRIA 17 sítios de leilão. Nas modalidades acima que forem realizadas no Brasil, os direitos garantidos pelo CDC aos consumidores em geral estão assegurados aos virtuais. A proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, a repetição do indébito em dobro e a proibição da venda casada, exempli gratia, também estão previstas no comércio eletrônico. No mundo virtual, ganha destaque o direito básico à informação, posto que o cliente não está diante do produto para poder avaliá-lo com precisão. Então, nos termos do art. 6º, III, do CDC, o consumidor virtual tem direito à informação adequada e clara sobre os diferentes produtos, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem, como forma de saber exatamente o que está comprando on-line. As transações em lojas virtuais são bastante semelhantes às convencionais, pois muitas lojas físicas mantêm sítios de vendas na Internet. Entretanto, a diferença está na garantia de direito de arrependimento, pois o consumidor pode desistir do contrato, no prazo de sete dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial (CDC, art. 49, caput). Nesse contexto, não resta dúvida de que o consumidor tem o prazo de sete dias para reflexão, conforme lição do Instituto de Defesa do Consumidor – IDEC, a qual merece transcrição: Prazo de arrependimento: este prazo de sete dias, estipulado para o consumidor desistir de contratos firmados fora dos estabelecimentos comerciais, é chamado ‘prazo de arrependimento’. Isso beneficia o consumidor principalmente em dois tipos de situação, nas quais as lesões são muito freqüentes. [...] Na segunda situação, o consumidor é induzido por publicidade a comprar produtos vendidos pelo sistema de reembolso postal, telemarketing ou até mesmo pela internet. Nessas condições, ele não tem contato direto com o produto, e acaba se surpreendendo negativamente quando este chega à sua casa [grifo nosso] (RIOS; LAZZARINI; NUNES JR., 2001, p. 63-64). 18 PARAHYBA JUDICIÁRIA O artigo 49 do CDC assegura, ainda, em seu parágrafo único, que, em caso de exercício desse direito de arrependimento, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados. Ilustrando o ora exposto, através da didática prática, vejamos o caso do consumidor – parte vulnerável da relação de consumo – que adquire uma câmera digital no comércio eletrônico, acreditando ter comprado um ótimo produto, que, além de tirar fotos, filma e tem um ótimo acabamento. Ao receber a câmera, percebe que os vídeos filmados não têm áudio e estão limitados a exíguos sessenta segundos, além de o produto ser de plástico, imitando o aço escovado que ele vira na foto da internet. Indubitavelmente, no exemplo dado, o consumidor pode usufruir de seu direito de arrependimento. Rizzatto Nunes (2005, p. 612) ensina que é desnecessária a justificativa do cliente, conforme se observa: Ressalte-se que a norma não exige qualquer justificativa por parte do consumidor: basta a manifestação objetiva da desistência, pura e simplesmente. No íntimo, o consumidor terá suas razões para desistir, mas elas não contam e não precisam ser anunciadas. Ele pode não ter simplesmente gostado da cor do tapete adquirido pelo telefone na oferta feita pela TV, ou foi seu tamanho que ele verificou ser impróprio. O consumidor pode apenas não querer gastar o que iria custar o bem. Ou se arrepender mesmo. O fato é que nada disso importa. Basta manifestar objetivamente a desistência. Restando, pois, incontroverso que há o prazo de reflexão de sete dias para as compras realizadas através da Internet, resta saber quem é responsável pelos gastos com transportes para devolução do produto. Em se tratando de exercício do direito de arrependimento, os efeitos retroagem ao início do negócio, caracterizando-o como nunca tendo existido. Assim, sendo os efeitos ex tunc, todas as despesas necessárias à devolução do produto são de responsabilidade do vendedor, inclusive o transporte. PARAHYBA JUDICIÁRIA 19 Como o ordenamento prevê a possibilidade de devolução, esta é um risco do empreendimento, e o ônus cabe ao fornecedor. Demonstrando que o tema é pacífico, trazemos os ensinamentos de Nelson Nery Júnior (2007, p. 563), um dos autores do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor: Havendo despesas com frete, postagem e outros encargos suportados pelo fornecedor para fazer chegar às mãos do consumidor o produto ou serviço contratado fora do estabelecimento comercial, seu ressarcimento fica por conta do risco negocial da empresa. O fornecedor que opta por práticas comerciais mais incisivas, como as vendas em domicílio ou por ‘marketing’ direto, isto é, fora do estabelecimento comercial, corre o risco do negócio, de modo que não tem nem do que reclamar se a relação jurídica é desfeita em virtude do arrependimento do consumidor. Essa situação de arrependimento e resolução do contrato de consumo é ínsita aos negócios estabelecidos mediante essa prática comercial. Interessante perceber que, como conseqüência natural da desistência do consumidor, é garantida a devolução do valor pago e, inclusive, o estorno no seu cartão de crédito, se o pagamento foi feito dessa forma. A quantia é devolvida por um terceiro, isto é, a administradora do cartão, que tem responsabilidade solidária no negócio, afinal, o estorno é imperioso, sob pena de tornar inócuo o dispositivo legal que garante o direito de arrependimento ao consumidor. Feitos esses esclarecimentos sobre o comércio eletrônico em lojas virtuais, mister se faz consignar que os direitos ora enumerados também se aplicam às compras realizadas através de sítios de leilão virtual. Nesse caso, tudo que foi exposto é válido para a próxima modalidade, havendo, entretanto, duas peculiaridades que serão apresentadas agora. No tocante aos leilões virtuais, o consumidor tem o direito de exigir nota fiscal ao fornecedor. A despeito de a emissão de cupom fiscal ser algo implícito, ressalva-se que existe um costume contra legem de envio de produtos desacompanhados de documento fiscal idôneo em produtos arrematados em leilões na Internet. Nesse diapasão, o consumidor que arremata produtos, em leilões virtuais, tem o direito e dever de exigir nota fiscal do fornecedor, como forma de evitar produtos apreendidos e cumprir com seus deveres tributários. 20 PARAHYBA JUDICIÁRIA A outra peculiaridade se refere à responsabilização dos sítios de leilão virtual, em relação aos danos sofridos pelos consumidores, em transações de produtos adquiridos por intermédio de seus serviços. Esses portais da rede mundial de computadores recebem comissão proporcional às vendas que intermedeiam, logo sua receita provém dos lucros gerados nas vendas. Portanto, como conseqüência normal e lógica do risco da atividade, devem arcar com os prejuízos sofridos pelos consumidores em negociações imperfeitas ou fraudulentas. Embora caiba a alegação de culpa exclusiva da vítima, dependendo do caso concreto, no âmbito do processo, resta evidente que a responsabilidade civil é objetiva e independe de culpa do sítio que proporcionou o acontecimento do leilão virtual. 3 COMPRAS INTERNACIONAIS Considerando o caráter instrumental desse estudo, é necessário adentrar no tema da defesa do consumidor no comércio eletrônico internacional, através da importação de bens via remessa postal ou encomenda aérea internacional, inclusive para remessa de compras realizadas via Internet. Esse é um tema multidisciplinar, que não é encontrado em obras do Direito do Consumidor, devido à sua forte ligação com o Direito Internacional. A despeito do caráter transnacional das compras realizadas virtualmente em estabelecimentos localizados no exterior, é cabível aqui a proteção do consumidor-contribuinte no ordenamento jurídico brasileiro. É questão de direito interno a defesa do consumidor em face da tributação demasiada de bens novos adquiridos de fornecedores estrangeiros em sítios de leilão ou em lojas virtuais. Segundo a Portaria Ministério da Fazenda nº. 156, de 24 de junho de 1999, em compras internacionais realizadas entre pessoas físicas, os bens que integrem remessa postal internacional no valor de até US$ 50.00 (cinqüenta dólares dos Estados Unidos da América) ou o equivalente em outra moeda, incluindo o frete, serão desembaraçados com isenção do Imposto de Importação. Nas importações de bens pelos correios, companhias aéreas ou empresas de courier, inclusive compras realizadas pela Internet, caso o teto monetário acima seja ultrapassado ou a outra parte seja pessoa jurídica, será utilizado o Regime de Tributação Simplificada. A tributação será de 60% (sessenta por cento) sobre o valor dos bens constante da fatura comercial, acrescido dos custos de transporte, consoante sistema simplificado RTS instituído PARAHYBA JUDICIÁRIA 21 pelo Decreto-Lei nº. 1.804, de 03 de setembro de 1980. Por sua vez, o Decreto nº. 4.543, de 26 de dezembro de 2002, ao tratar do controle do correspondente valor aduaneiro, admite o arbitramento do valor dos bens importados para cálculo do tributo correspondente. Entretanto, havendo o valor constante da fatura comercial, é direito do consumidorcontribuinte a utilização da verdadeira quantia paga para o cálculo, em documento idôneo, desde que os preços e eventuais descontos sejam compatíveis com os praticados no mercado em relação a bens similares. Por fim, em relação às isenções tributárias, registre-se que, no caso de medicamentos importados destinados a pessoas físicas, será aplicada a alíquota de zero por cento. É vedada, ainda, a instituição de impostos sobre livros, jornais e periódicos impressos em papel, para o consumidor-contribuinte, nos termos do art. 150, VI, “d”, da Constituição Federal. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Por todo o exposto, percebe-se que o ordenamento jurídico brasileiro prevê uma série de dispositivos para a defesa do consumidor no comércio eletrônico. Incluem-se, nessa proteção jurídica, modalidades como a compra em lojas virtuais e sítios de leilão, bem como a defesa do consumidor-contribuinte em face da onerosidade excessiva na tributação de produtos importados. As regras e os princípios presentes no CDC são plenamente aplicáveis às relações jurídicas do consumo realizadas no âmbito do comércio eletrônico. Nessa conjuntura, merece destaque o direito de arrependimento, consubstanciado no prazo de reflexão para compras realizadas fora do estabelecimento comercial, como forma de tutela do Microssistema Protetivo do Consumidor nas compras realizadas através da Internet. REFERÊNCIAS BRASIL. Decreto nº. 4.543/2002. Regulamenta a administração das atividades aduaneiras, e a fiscalização, o controle e a tributação das operações de comércio exterior. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/ Legislacao/Decretos/ 2002/dec4543.htm> Acesso em 22 abr. 2008. ______. Decreto-Lei nº. 1.804/1980. Dispõe sobre tributação simplificada das remessas postais internacionais. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ 22 PARAHYBA JUDICIÁRIA CCIVIL/Decreto-Lei/1965-1988/Del1804.htm > Acesso em 22 abr. 2008. ______. Lei n. 8.078/90. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L8078.htm> Acesso em 12 abr. 2007. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2004. GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado Pelos Autores do Anteprojeto. 9. ed. 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