Prof. Dr. Alcides da Costa Vaz

Transcrição

Prof. Dr. Alcides da Costa Vaz
IMPACTOS ECONÔMICOS DA CRISE DA UCRANIA SOBRE A ECONOMIA
INTERNACIONAL: CENÁRIOS ALTERNATIVOS E REFLEXOS PARA O BRASIL
Alcides Costa Vaz
Instituto de Relações Internacionais
Universidade de Brasília
Os impactos econômicos do conflito na Ucrânia, no que tange aos interesses brasileiros,
podem ser vislumbrados em três planos. O primeiro deles é o plano da economia global onde tais
impactos se vinculam (i) ao comportamento dos preços do petróleo e do gás no mercado
mundial, (ii) aos efeitos das sanções econômicas aplicadas pelos Estados Unidos e pela União
Europeia sobre a economia russa e sobre os países da União Europeia. Também incidem no (iii)
ritmo de recuperação das economias centrais e no desempenho das grandes economias
emergentes e, por consequência, na (iv) evolução do comércio internacional e no (v)
comportamento do mercado internacional de capitais, este último particularmente sensível às
incertezas e à volatilidade que a crise alimenta.
Em um segundo plano situam-se os efeitos sobre a economia latino-americana, efeitos
também associados ao comportamento dos preços do gás e do petróleo no mercado global, aos
fluxos comerciais e financeiros mantidos com a Rússia e a Ucrânia diretamente, bem como
aqueles atinentes ao comportamento dos principais mercados de destino das exportações
regionais em razão do transbordamento da crise para aqueles mercados.
Há por fim, os efeitos diretos e indiretos sobre a economia brasileira e que se acham
igualmente vinculados aos impactos sobre os preços do gás e do petróleo, ao comércio e ao fluxo
de investimentos mantidos com a Ucrânia e a Rússia e, por fim, ao grau de afetação das
economias dos principais parceiros econômicos brasileiros. A partir da consideração dos fatores
que definem tendências nestes três planos, procurar-se-á, na presente análise, caracterizar
cenários alternativos no que tange ao ambiente econômico do ponto de vista global e regional, e
que estarão condicionando as opções que se afiguram para o Brasil quanto ao seu
posicionamento em relação à crise. Assim, serão considerados, nas seções subsequentes, os
impactos econômicos da crise na Ucrânia desde uma perspectiva global, tomando-se por marco
temporal o período compreendido entre o mês de março de 2014 e o presente, para, em seguida,
abordar os impactos econômicos da crise no plano regional; considerar-se-ão aqueles relativos ao
1
comércio exterior brasileiro a partir dos eixos bilaterais diretamente envolvidos como também
quanto ao desempenho dos principais mercados de exportação do país e ao comportamento dos
investimentos. Em seguida, são discutidas as implicações da crise da Ucrânia para o BRICS e
para as iniciativas anunciadas recentemente por este agrupamento no campo da governança
econômica global. Por fim, serão apresentados diferentes cenários de evolução da crise ucraniana
com vistas a oferecer subsídios para a definição de posições que o país possa tomar frente à
mesma.
1. Os impactos da crise na Ucrânia sobre a economia global.
Ao longo do segundo semestre de 2013, as principais projeções sobre o desempenho da
economia global para o corrente ano apontavam a intensificação do processo de recuperação da
economia global sob a liderança das economias centrais, com expectativa de crescimento de
3,2% a 3,4%, significativamente maior que a taxa de 2,4% registrada em 2012. Tal perspectiva
se assentava, sobretudo, nos indicadores do crescimento industrial nas economias avançadas, no
fim da recessão nas economias da Zona do Euro, no aumento do valor e volume do comércio
internacional e na expectativa de crescimento da economia chinesa no patamar de 7% e de 5,3%
na média para as economias emergentes1. Contudo, eram também destacados os desafios que se
apresentavam para que tais prognósticos se confirmassem, dentre os quais (i) a continuidade das
reformas do setor financeiro, (ii) a consolidação fiscal e o crescimento do emprego nas
economias desenvolvidas e (iii) a desaceleração do crescimento e as condições financeiras mais
adversas no contexto das economias emergentes.
Nesse contexto e frente a tais expectativas moderadamente otimistas irrompeu a
crise na Ucrânia, somando-se a fatores de ordem preponderantemente doméstica nos países
desenvolvidos e nos países emergentes que, desde o primeiro trimestre de 2014, prenunciavam
dificuldades para que aquelas projeções otimistas de crescimento da economia mundial se
confirmassem. Uma das dificuldades mais salientes é precisamente o agravamento da crise na
Ucrânia ditado (i) pela decisão da população da Criméia de se incorporar à Rússia, (ii) pelas
tensões subsequentes derivadas da intenção do novo Governo ucraniano de se aproximar da
União Europeia e, eventualmente, da OTAN e (iii) pela imposição, por parte dos Estados Unidos
e da União Europeia, de sanções econômicas à Rússia. Concomitantemente deterioraram as
1
International Monetary Fund. World Economic Outlook. Oct. 2013
Disponível em http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2013/02/index.htmr 2013.
The World Bank. Global Economic Prospects, January 2014. Disponível em
http://www.worldbank.org/en/news/video/2014/01/14/slideshow-global-economic-prospects-january2014. Acesso em 17.06.2014 .
2
relações entre Estados Unidos e Rússia e aumentaram incertezas quanto às perspectivas
energéticas no âmbito da União Europeia, forjando um contexto marcado por imprevisibilidade e
insegurança política e econômica.
Os efeitos econômicos do aprofundamento da crise ucraniana se fizeram sentir, de
imediato, nas pressões sobre o preço do petróleo e do gás que, ainda em março de 2014
registraram elevação, tendo o barril do petróleo Brent alcançado então US$ 112. Porém, essa
elevação foi ditada mais por preocupações políticas com uma eventual redução da produção e
das exportações da Rússia do que propriamente pelas condições reais de oferta e de acesso
àqueles produtos, razão pela qual as expectativas de aumento sustentado dos preços não se
confirmaram, tendo os mesmos retroagido ao patamar anterior à crise.
O que se observou, nos meses subsequentes, foram elevações pontuais no mercado
futuro, mas que estiveram associadas não apenas à crise ucraniana em si, mas também a
injunções políticas provenientes de outros espaços. Exemplifica essa tendência a elevação dos
preços do petróleo observada na terceira semana do mês de julho e que foi ditada pela conjunção
de fatores como o anúncio, pelo governo norte-americano, de novas sanções econômicas à
Rússia, a queda do avião da Malaysian Airlines, a intensificação das ações militares israelenses
na Faixa de Gaza e as dificuldades com o esperado reinício da produção petrolífera na Líbia.
Desse modo, persistem no presente, expectativas de continuidade de pressões favoráveis à alta
moderada dos preços do petróleo, se tomada em conta a perspectiva de intensificação das
sanções econômicas impostas à Rússia e a volatilidade a que está sujeito o mercado de petróleo
pelos fatores acima mencionados. Os preços do gás, por sua vez, têm se mantido relativamente
estáveis já que não houve redução da oferta e que os volumes estocados nos países europeus
fornecem margem de segurança para assegurar a oferta em caso de eventuais dificuldades no
suprimento.
2.O impacto das sanções econômicas impostas à Rússia
A partir de março de 2014, quando se consumou a incorporação da Criméia à Rússia,
os Estados Unidos, secundados pela União Europeia, aplicaram sanções econômicas em três
momentos. Nos dois primeiros (março e maio) e obedecendo a um sentido de gradação quanto ao
alcance e natureza das medidas e à preocupação de evitar efeitos colaterais nas economias
ocidentais, em particular, as dos países europeus em face das relações mais estreitas mantidas
com a Rússia, optou-se por medidas brandas que alcançavam pessoas pertencentes ao círculo de
poder da Rússia, restringindo suas operações financeiras e viagens internacionais; em um
3
segundo momento, essas mesmas medidas foram estendidas a pessoas na Rússia e na Ucrânia
que estiveram diretamente envolvidas na anexação da Criméia. Esse tipo de sanção se revelou
pouco efetiva como mecanismo de pressão sobre o governo russo, dados seus limitados efeitos
econômicos, uma vez que afetavam alguns indivíduos sem alcançar diretamente setores e
empresas mais importantes da economia do país. Ao mesmo tempo, e a despeito das pressões do
governo norte-americano, os países da União Europeia, enfrentando as contingências de um
período recessivo ainda não inteiramente superado e temerosos do chamado “efeito
bumerangue”, optaram por evitar medidas de maior alcance e peso sobre empresas e setores mais
importantes da economia russa, muitas das quais com operação em seus próprios mercados.
Apesar dos seus impactos limitados as sanções adotadas lançaram margem de crescente incerteza
sobre as perspectivas de uma já combalida economia russa. Nesse contexto, acentuou-se um
movimento de fuga de capitais estimado pelo Banco Central da Rússia em US$ 63 bilhões nos
três primeiros meses do ano o que gerou pressões sobre o rublo, mas que foram contornadas
pelas autoridades monetárias.
O terceiro ciclo de aplicação de sanções se iniciou em meados de julho de
2014, por iniciativa do governo norte-americano em resposta ao continuado apoio do governo
russo aos rebeldes separatistas ucranianos envolvendo, inclusive, armamentos sofisticados com
os quais, se supõe, foram abatidas duas aeronaves militares ucranianas. A queda da aeronave da
Malaysia Airlines na zona de conflito na Ucrânia, supostamente provocada por um míssil
disparado por grupos pró-Rússia ocorreu no dia seguinte ao anúncio das novas sanções,
aprofundando a crise nas relações entre o Ocidente e a Rússia, tendo contribuído fortemente para
o fortalecimento das mesmas. Assim, e diferentemente dos ciclos anteriores, as medidas
impostas pelo governo norte-americano focalizaram um conjunto de doze instituições e empresas
importantes, dentre elas as duas gigantes no setor de energia, dois bancos e oito empresas
fabricantes de armamentos, às quais foram vedadas a concessão de empréstimos e a
intermediação de instituições financeiras norte-americanas e europeias para o lançamento no
mercado de papéis de médio e longo prazo para fins de capitalização. Os bancos de
desenvolvimento ficaram também proibidos de conceder financiamentos àquelas empresas que
compreendem, dentre outras, a maior empresa petrolífera, a Rosneft, a Novateko Seberb, os
bancos Uneshconombank e Gazprombank e NPO Mashinorostroyenia; no setor de defesa, foram
alcançadas a Izhmash, a Kalashinikov e Almaz-Ontey. Simultaneamente, a União Europeia
concordou também em ampliar o alcance de suas sanções.
4
As sanções recém-adotadas, diferentemente das anteriores, suscitam dificuldades
importantes para o acesso a capital por parte das empresas afetadas, contribuindo diretamente
para agravar o quadro de estagnação da economia russa em face da retração de investimentos
externos e internos e da referida fuga de capitais (o Fundo Monetário Internacional projetou que
a fuga de capitais alcançará US$ 100 bilhões no restante do ano). Mesmo assim, como não
envolvem ainda a proibição de que empresas ocidentais realizem negócios com as empresas
afetadas e não obstruem as exportações de gás e petróleo, os efeitos econômicos imediatos destas
sanções tendem a ser limitados. Contudo, caso sejam mantidas de forma sustentada, as sanções
poderão impactar, mesmo que de forma limitada e no médio e longo prazo, a capacidade de
produção de petróleo, de gás e de armamentos, restringindo a oferta destes, inclusive aquela
volta para os mercados de exportação. Tal perspectiva tende a se confirmar caso a União
Europeia implemente medidas de natureza e alcance semelhantes às impostas pelos Estados
Unidos, o que deve ocorrer. Em face das restrições ao acesso a capital junto a instituições
financeiras norte-americanas e europeias que passou a enfrentar, a Rússia passou a se voltar para
as instituições financeiras asiáticas, sobretudo as chinesas, o que concorre para arrefecer os
efeitos das sanções.
2.1. As externalidades das sanções econômicas sobre a economia europeia
Apesar das perspectivas restritivas que suscitam para a economia russa no médio e
longo prazo, as sanções tendem a reverberar negativamente também nas economias dos países da
União Europeia, particularmente naquelas em que o relacionamento econômico com aquele país
é mais intenso. Como sabido, um terço do consumo de gás e petróleo da União Europeia é
atendido pelas exportações russas. Ainda que não se cogite, no presente, a redução ou suspensão
do suprimento destes produtos por parte da Rússia, as incertezas que a crise da Ucrânia suscita
afetam diretamente as economias dos países da Europa Ocidental. É importante destacar os
efeitos já sentidos na Alemanha e que tendem a se intensificar por conta do panorama
desfavorável à expansão do intercâmbio comercial e dos fluxos de investimentos com a Rússia,
afetando diretamente as empresas e investidores alemães atuantes naquele país. Desse modo, há
evidências de que as operações de empresas como Volkswagen e Opel já vem sendo afetadas em
razão da crise ucraniana e da estagnação da economia russa que, reforçada pelas sanções
econômicas, deverá sofrer uma retração da ordem de 0,4% em 2014. Assim, o agravamento da
crise na Ucrânia e a concomitante retração da atividade econômica na Rússia e dos negócios das
empresas europeias naqueles mercados se somam a fatores internos para dificultar a lenta
recuperação que vinha se observando na União Europeia a partir de 2013. Com efeito, o PIB dos
5
países da Zona do Euro vinha registrando crescimento, embora muito baixo (0,2% no primeiro
semestre de 2014, segundo o Banco Central Europeu - BCE). Mesmo assim, projeções do
próprio BCE2 apontavam a perspectiva de intensificação do ritmo da atividade econômica,
sustentada em melhores condições orçamentárias e fiscais, na normalização gradual das
condições oferta de crédito, no aumento da confiança das empresas e na queda do preço da
energia e de commodities, o que concorreria para inaugurar um ciclo de gradual retomada dos
investimentos e de elevação do consumo. Tais projeções positivas no curto prazo dificilmente
serão impactadas significativamente pelas sanções impostas às empresas russas em julho. As
sanções tendem a repercutir desfavoravelmente na conformação do ambiente econômico para as
empresas no médio prazo, mas, ainda assim, estes impactos podem vir a ser mitigados caso seja
exitoso o esforço russo de aproximação das instituições financeiras asiáticas para atender às
necessidades de acesso a capital. Naturalmente, são as economias e empresas europeias que estão
mais expostas às contingências econômicas advindas da crise na Ucrânia e das sanções
econômicas impostas à Rússia. Portanto, são elas um dos principais canais de reverberação dos
efeitos da crise em seu conjunto, o que deve ser também considerado à luz da importância das
relações que elas mantêm com a Ucrânia e com a Rússia.
Assim os dados de comércio e investimentos apontam que essa exposição às
contingências da crise é maior no que diz respeito à Rússia, que provê 30% do gás que a Europa
Ocidental consome. A UE é a principal parceira comercial da Rússia, respondendo por 41% das
exportações e importações desta; ao mesmo tempo, a Rússia é o terceiro principal parceiro
comercial da UE, após os Estados Unidos e a China e responde por 12,3% das importações e
6,9% das exportações do bloco. Quanto aos investimentos, a UE reponde por 75% dos
investimentos estrangeiros diretos na Rússia, sendo o estoque de investimentos diretos europeus
no país 2,5 vezes maior que os investimentos diretos russos na UE3.
As relações comerciais entre a UE e a Ucrânia, por sua vez, são modestas. A
participação da Ucrânia nas exportações e importações do bloco europeu é de 1,4% e 0,8%
respectivamente, sendo que a corrente de comércio entre ambos totalizou EU$ 37,7 bilhões em
2013, dos quais EU$ 23,9 correspondem às exportações do bloco. Quanto aos investimentos
diretos, a relação se mostra igualmente assimétrica: o estoque de investimentos europeus na
Ucrânia é de EU$ 23,8 bilhões, ao passo que os investimentos da Ucrânia na UE é de apenas
2
Banco Central Europeu. EUROSISTEMABCE.Projeções macroeconômicas para a área do euro
elaboradas por especialistas do Eurosistema, Junho 2014. Disponível em http://www.bportugal.pt/ptPT/PublicacoeseIntervencoes/BCE/Publicacoesnaoregulares/Lists/FolderDeListaComLinks/Attachments/
111/eurosystemstaffprojections201406pt.pdf.
3
European Commission. General Trade Directorate. Trade Statistics.Disponível em
http://trade.ec.europa.eu/doclib/docs/2006/september/tradoc_111720.pdf
6
EU$ 3,5 bilhões, sendo que as estatísticas revelam um estancamento do fluxo de investimentos
desde 20104.
3. Os impactos da crise sobre o comércio internacional
O impacto da crise da Ucrânia sobre o comércio internacional não deve ser
significativo. Este vem apresentando tendência de moderada retomada de crescimento nos
últimos dois anos (2,2% em média entre 2012 e 2013, e 4,7% projetados para o corrente ano,
segundo estimativas da OMC)
5
sendo este desempenho mais determinado pela tendência de
lenta retomada de crescimento das economias norte-americana e europeias e pela redução do
crescimento das economias emergentes. A pequena participação da Ucrânia no comércio
internacional (o país respondeu por 0,4% das exportações mundiais e 0,5% das importações em
2012) contribui diretamente para tanto. No tocante à Rússia, apesar de sua maior participação no
comércio internacional (2,9% nas exportações e 1,7% nas importações mundiais), os efeitos da
crise sobre o comércio também tendem a não ser significativos no curto prazo, uma vez que as
sanções impostas até o presente não envolvem restrições ao comércio e, se isso eventualmente
ocorrer, seus efeitos deverão se fazer sentir nas relações comerciais com a UE; contudo, a
necessidade de evitar efeitos negativos sobre as próprias economias europeias, notadamente
aquelas mais diretamente vinculadas com a Rússia (Alemanha, França, Itália, Holanda e os
países do Leste) restringem essa possibilidade. Até o presente, as sanções, como visto, foram
direcionadas a restringir movimentações de capitais de um conjunto de indivíduos e empresas
russas, deixando à margem, até o presente, a dimensão comercial.
Desse modo, não se descortina um cenário econômico global de curto prazo marcado
profundamente pelos efeitos negativos da crise da Ucrânia. Estes se somam a um conjunto de
fatores políticos e econômicos que fomentam incertezas no meio empresarial e no meio
financeiro e que ditam um ritmo moderado de recuperação da economia mundial. Como visto,
embora seja o epicentro da crise, a limitada participação da Ucrânia no comércio internacional e
o também limitado e assimétrico relacionamento econômico mantido com a União Europeia
concorre para amortecer os impactos da crise sobre a economia europeia. Porém, esses impactos,
ora ainda muito limitados, podem vir a ser significativos para a Rússia, cuja economia se vê
afetada por fatores que são anteriores à crise, mas que são reforçados, particularmente em
4
European Commission. General Trade Directorate. Trade Statistics. Disponível em
http://trade.ec.europa.eu/doclib/docs/2006/september/tradoc_111613.pdf
5
WTO. Press Release, April 14, 2014. Disponível em
http://www.wto.org/english/news_e/pres14_e/pr721_e.htm.
7
perspectiva de médio e longo prazo, pelos efeitos das sanções econômicas sobre importantes
setores da sua economia.
Ao mesmo tempo, observa-se que são já imediatos os efeitos da retração da
atividade econômica na Rússia para importantes empresas dos países da UE, em particular, da
Alemanha, carro chefe do bloco, efeitos estes que tendem a se agravar com o aprofundamento
das sanções econômicas em setores chave da economia russa. Tal perspectiva de agravamento
dependerá, contudo, dos resultados da aproximação que o governo e as empresas russas ora
realizam junto às instituições financeiras asiáticas com o propósito de contornar as dificuldades
de acesso a capital que lhe foram impostas6.
4. Impactos sobre o comércio exterior brasileiro
Os efeitos econômicos da crise na Ucrânia, no que tange ao Brasil, têm se feito sentir,
de modo direto e intenso, no comércio bilateral7. Os valores destes são modestos, tendo a
corrente de comércio alcançado a marca de US$ 1 bilhão apenas em 2011 e 2012, tendo
descendido a US$ 791 milhões em 2013. No entanto, ao longo do primeiro semestre do corrente
ano, alcançou apenas US$ 148 milhões, uma redução de 81% em relação ao ano anterior e que
afetou tanto as exportações quanto as importações. Contudo, como o mercado ucraniano
absorveu, no anterior, apenas 0,2% do total das exportações e 0,13 das importações brasileiras
em 2013, essa forte redução não exerce impacto significativo sobre o conjunto do comércio e na
balança comercial brasileira.
Panorama distinto é observado com relação à Rússia. Como a pauta das exportações
brasileiras para aquele país é constituída em 78% por alimentos (carnes, açúcar e soja) e a das
importações também em 78% por fertilizantes químicos, produtos portanto de baixa elasticidade
de demanda, os efeitos da crise não se fazem sentir de forma direta e imediata. Com efeito, após
sensível redução em 2009, na esteira da crise financeira global, a corrente de comércio bilateral
cresceu nos dois anos subsequentes, quando alcançou seu mais alto valor, US$ 6.1 bilhões, tendo
descendido para US$ US$ 5.6 bilhões em 2013, resultado, contudo, determinado mais por
flutuação de preços do que por contração do volume de bens transacionados. Porém, no primeiro
semestre de 2014, portanto, no período em que se inicia a crise, registrou-se crescimento tanto
6
Quando da conclusão desta análise, os países membros da UE se reuniam para decidir sanções
econômicas mais fortes ao passo que o governo norte-americano aprofundava aquelas adotadas na semana
anterior.
7
Secretaria de Comércio Exterior. Comércio Brasil-Ucrânia Série Histórica.
8
das exportações como das importações brasileiras o que aponta para a estabilização dos fluxos de
comércio com a Rússia no restante do ano.
Panorama semelhante se afigura quando considerado o desempenho do comércio com
a União Europeia, cuja corrente de comércio com o Brasil se manteve relativamente estável a
partir de 2010, situando-se na marca de US$ 98 bilhões na média dos últimos três anos. Dados
relativos ao primeiro semestre de 2014 apontam perspectiva de ligeira do comércio com a União
Europeia, o que, contudo, não reflete diretamente os efeitos da crise da Ucrânia, mas antes,
aspectos mais afeitos à própria economia brasileira, uma vez que, como visto na seção anterior,
acha-se em curso um processo de gradual recuperação econômica no bloco europeu. Isso está
refletido, em particular, no desempenho das exportações brasileiras que haviam atingido o pico
de US$ 53,1 bilhões em 2011, tendo retrocedido a US$ 49,1 bilhões no ano seguinte e a US$ 47,
7 bilhões no ano passado. Os dados do primeiro semestre deste ano apontam um total de US$
20,9 bilhões, prenunciando nova contração. Com relação às importações brasileiras, estima-se
ligeira redução para este ano, o que interromperá um ciclo de significativo aumento a partir de
2009, quando registraram US 29,2 bilhões, chegando a alcançar a cifra de US$ 50,7 bilhões em
2013.
Não há, portanto, evidências que apontem para a existência de efeitos significativos da
crise na Ucrânia sobre o comércio exterior brasileiro, à exceção do comércio bilateral com este
país, embora, como visto, tais efeitos não sejam de fato importantes dada a muito pequena
participação do mesmo nas exportações e importações brasileiras. Eventuais impactos mais
significativos tendem a se associar à conformação, no médio e longo prazo, de condições
econômicas mais restritivas primeiramente na Europa, onde os efeitos da crise tendem a
repercutir de modo mais sensível a partir da Rússia e de seus principais parceiros econômicos no
continente, notadamente Alemanha, França, Itália e os Países Baixos, que são, simultaneamente,
importantes parceiros econômicos do Brasil no contexto da União Europeia. A configuração
deste cenário mais restritivo passa, por sua vez, pelo transbordamento dos efeitos das sanções
aplicadas à Rússia dificultando o lento processo de recuperação econômica observado no
contexto da UE nos últimos três anos. Como visto, no presente, as cadeias de transmissão dos
efeitos da crise para a economia europeia e desta, para a economia global, estão dadas mais pela
dimensão financeira e não tanto pelo comércio, visto serem as condições mais difíceis de acesso
ao crédito para importantes empresas russas o foco das recentes sanções aplicadas pelos Estados
Unidos e pela União Europeia, condições estas que podem vir a ser contornadas caso a Rússia
logre êxito em sua estratégia de aproximação com instituições financeiras asiáticas.
9
Outro fator a ser considerado como conducente à configuração de um ambiente
econômico internacional ainda mais restritivo no futuro é a possibilidade de que novas sanções
venham a impactar diretamente os fluxos de comércio, inclusive de gás e petróleo exportados
pela Rússia afetando também a produção, com repercussões imediatas e de maior impacto sobre
os preços destes produtos não somente no mercado futuro, como observado no presente de forma
muito moderada, mas nas operações correntes. Neste cenário, confirmar-se-iam as expectativas
mais pessimistas de parte de organismos internacionais e de muitos analistas de que a crise
ucraniana poderia induzir uma crise econômica global, de cujos impactos o Brasil não estaria
imune nem do ponto de vista comercial nem financeiro.
5. Perspectivas sobre o BRICS
Nesse contexto, cumpre analisar também os reflexos da crise na Ucrânia e do
agravamento da economia mundial e da economia russa sobre o BRICS, uma vez que o Brasil
tem neste agrupamento uma das mais importantes vertentes de sua ação internacional. Ademais,
a crise da Ucrânia coincide, em larga medida, com o contexto no qual o BRICS gestou e
anunciou a criação de seu Banco de Desenvolvimento e de um Fundo de Contingência,
iniciativas com que almeja transformar o contexto das instituições que compõem o arcabouço da
governança econômica internacional. O Fundo Monetário Internacional estimou no ano de 2011
que, em 2016, os países do BRICS responderiam por 25% do PIB mundial. A desaceleração do
ritmo de crescimento econômico dos países do bloco registrada nos últimos três anos fez,
contudo, que essa participação esteja ora na casa de 20%, o que, apesar de corresponder ao
mesmo patamar de 2012, representa um valor quatro vezes superior ao registrado uma década
antes, atestando a importância destes países na economia global8. Do ponto de vista comercial, a
participação do bloco no total do comércio internacional se situa em 17,6%, com crescimento
tanto das exportações como das importações, levando a que o intercambio comercial global do
BRICS saísse de US$ 4.7 trilhões em 2010 para US$ 6.5 trilhões em 2013. O comércio
8
A ascendência das economias emergentes foi questionada em razão de seu desempenho a partir de 2010.
Argumentos nesse sentido são exemplificados por análises críticas como a matéria intitulada The post BRICS
world,
publicada
em
pela
revista
The
Economist
em
06.05.2013.
Ver
http://www.economist.com/blogs/freeexchange/2013/05/global-economy. Ver ainda, no mesmo veículo, When
giants slow down. 25.07.2013. Disponível em http://www.economist.com/news/briefing/21582257-mostdramatic-and-disruptive-period-emerging-market-growth-world-has-ever-seen.
10
intrabloco também registrou crescimento no período, mas com desaceleração a partir de 2011,
evoluindo de US$ 567 bilhões para US$ 811 bilhões em 2013.
Contudo, é sabido que as relações econômicas entre os países do BRICS estão marcadas
pela centralidade da China cujo comércio exterior com os demais países membros corresponde a
78% de todo o comércio intrabloco. Desse modo, o peso da Rússia na produção e no comércio
no contexto do BRICS é reduzido. O país responde por apenas 5,4% do comércio intrabloco.
Desse modo, os efeitos econômicos da crise na Ucrânia sobre o desempenho do BRICS tendem
também a ser modestos, valendo o mesmo para o comércio com o Brasil, tal como apontado em
seção anterior, uma vez que a Rússia representa apenas 7% do intercâmbio comercial brasileiro
com o conjunto dos países do BRICS. Como já apontado, os efeitos econômicos da crise
projetam-se como potencialmente significativos apenas em um cenário de médio prazo e ditado
pela simultaneidade da elevação dos preços do petróleo e do gás, forte desaceleração do
comércio por conta dos efeitos diretos e indiretos do recrudescimento das sanções econômicas
impostas à Rússia e comprometimento da ainda lenta recuperação da economia mundial.
Outra dimensão a se considerar em função do protagonismo internacional do BRICS no
campo econômico se relaciona à criação pelos mesmos de um Banco de Desenvolvimento e de
um Fundo de Contingência da ordem de US$ 100 bilhões. Anunciadas originalmente no terceiro
Encontro de Cúpula, tais propostas foram objeto de estudos preliminares no último ano e
finalmente formalizadas no quinto Encontro de Cúpula de Fortaleza realizado em julho de 2014.
As mesmas assinalam a disposição do BRICS de alterar o cenário da governança econômica
global relativizando a centralidade das instituições financeiras do sistema de Bretton Woods e a
influência das potencias ocidentais nas mesmas.
Ainda assim, a exposição da Rússia aos efeitos imediatos e mediatos da crise da Ucrânia
e que se passa no contexto de desaceleração econômica do BRICS em geral coloca em questão
as motivações, o significado e as perspectivas da proposta de criação de um Banco de
Desenvolvimento e do Fundo de Contingência. Ambas as propostas devem ser consideradas
inicialmente à luz da prioridade que é outorgada
o campo financeiro como espaço de
protagonismo imediato do bloco no campo internacional, o que expressa o entendimento de que
deste plano e da volatilidade que o tem marcado ao longo da última década é que provêm as
maiores vulnerabilidades e incertezas na economia global e nas economias nacionais. Não
coincidentemente ambas as iniciativas se estabelecem no campo financeiro e apontam para o
sentido de reduzir, no que tange, em particular, ao Fundo de Contingência, a vulnerabilidade das
moedas nacionais a injunções econômicas adversas e de alavancar a capacidade de investimentos
em áreas essenciais para a sustentação do crescimento e do desenvolvimento econômico. Ao
11
procurar dispor de mecanismos próprios para tais fins, o BRICS expressa insatisfação com o
congelamento dos critérios de decisão dos principais organismos econômicos internacionais,
notadamente o Fundo Monetário Internacional, cuja reforma foi objeto de acordo que não foi
ainda implementado. Expressa descontentamento também com a concomitante insegurança
quanto a uma eventual dependência para com o FMI, mesmo em contexto de crises mais
intensas9. Nesse sentido, a criação do Fundo de Contingências responde ao objetivo primeiro de
melhor salvaguardar as moedas nacionais de ataques especulativos e de fatores de pressão
relacionados a medidas de terceiros países no campo monetário que possam resultar em
desequilíbrios importantes quanto ao câmbio e ao balanço de pagamentos. Com o Fundo de
Contingência almeja-se; diminuir a eventual necessidade de recurso ao Fundo Monetário
Internacional em situações de crises cambiais e financeiras. Essa iniciativa pode vir a ser mais
premente para aqueles países do BRICS que vêm aumentando vulnerabilidades no setor externo
de suas economias, como são os casos particulares da Rússia, que, como já apontado, vivencia
um intenso processo de fuga de capitais e também o Brasil, cujos superávits comerciais se
reduziram fortemente nos últimos dois anos e meio, aumentando assim a dependência para com
um fluxo também decrescente de investimentos estrangeiros diretos para equilibrar suas
transações correntes. Embora disponha ainda de significativo volume de reservas internacionais
que lhe permitem fazer frente a contingências cambiais no curto e médio prazo, a contínua
deterioração das contas externas brasileiras, se não revertida, faz com que a disponibilidade de
instrumentos alternativos para a proteção de sua moeda se torne desejável como aporte adicional
a contribuir para a confiança na mesma no médio e longo prazo.
O Banco de Desenvolvimento, por sua vez, se afigura como mecanismo que visa a
responder às necessidades de financiamento dos próprios países membros, uma vez que todos,
embora em ritmos distintos, experimentaram forte crescimento econômico na última década. A
sustentação desse crescimento passou a requerer maior capacidade de investimento em
infraestrutura de apoio à produção e às exportações e em setores de maior irradiação econômica
e alcance social, sobretudo no contexto pós-2008 em que medidas de ajuste implicaram redução
dos investimentos públicos e, consequentemente, significativa perda de impulso do crescimento.
A China e o Brasil possuem seus respectivos bancos de fomento e não seriam
dependentes, em princípio, de novo mecanismo análogo para atender suas necessidades de
investimentos no apoio ao desenvolvimento; a Rússia comparece como eventual beneficiária da
iniciativa de modo mais direto em razão das incertezas que rondam sua economia e que tendem a
9
ESCOBAR, Pepe. BRICS go over the wall. Global Research. March 27, 2013. Disponível em
http://www.globalresearch.ca/brics-go-over-the-wall/5328662
12
se agravar com o aprofundamento das sanções econômicas. Contudo, o próprio tempo necessário
para colocar o Banco de Desenvolvimento em operação não aponta para que este se afigure
como opção imediata e capaz atender às necessidades de investimento em um contexto de fuga
de capitais, como o que atravessa aquele país no presente. Por esta razão, como já apontado, a
opção imediata para a qual se voltou o governo russo são as instituições financeiras asiáticas.
Em perspectiva mediata, o Banco de Desenvolvimento se apresenta como eventual
instrumento de ação internacional do BRICS, particularmente junto aos países em
desenvolvimento. Por outro lado, e tomando em conta a existência de bancos congêneres
também de natureza regional e nacional, é ainda prematuro estimar a relevância que o mesmo
pode vir a assumir, uma vez que também não estão definidos ainda os critérios de elegibilidade
para projetos, as condições de financiamento e pagamento e outros aspectos próprios de
instituições dessa natureza que possam diferenciar o novo banco daqueles ora existentes.
A criação do Fundo de Contingências e do Banco de Desenvolvimento reafirma
primordialmente a centralidade da China no tocante à ação do BRICS no campo econômico e as
assimetrias entre eles. Atesta isso o fato de que a mesma aportará ao Fundo de Contingências
US$ 41 bilhões, ao passo que Rússia, Índia e Brasil aportarão US$ 18 bilhões cada e a África do
Sul US$ 5 bilhões. Desse modo, se considerado também os aportes de capital ao Banco de
Desenvolvimento, a China arcará, no total, com US$ 51 bilhões, enquanto Índia, Brasil e Rússia
assumirão US$ 28 bilhões cada um e a África do Sul apenas US$ 15 bilhões. Cumpre destacar,
ademais, que a China concedeu mais empréstimos a países em desenvolvimento para projetos de
infraestrutura e operações comerciais que o Banco Mundial, o Banco Interamericano e o
Eximbank dos Estados Unidos somados10. Desse modo, a criação do Banco de Desenvolvimento
tem sido interpretada, no meio internacional, como um fator a concorrer para uma maior
aproximação da China e, em menor medida, dos demais BRICS com países em desenvolvimento
a partir de suas próprias regiões (o que explicaria ainda que parcialmente a decisão da sede da
instituição vir a ser Xangai) e também com a América Latina.
É certo que há um processo de aproximação política e econômica da China, como
também da Rússia, com os países latino-americanos e, de modo mais intenso, com a América do
Sul, embora sobre fundamentos diversos, em cada caso. A China tem privilegiado, de modo
evidente, investimentos em projetos de infraestrutura, mineração e energia (petróleo e gás), em
países como Brasil, Argentina, Peru, Chile e Colômbia, e do ponto de vista comercial, o acesso a
10
Gallagher, Kevin P.; Amos, Irwin; Koles, Catherine. Os novos bancos em cena: financiamentos
chineses na América Latina. Diálogo Interamericano. Informe, 2013. Washington D.C. Disponível em
http://www.ase.tufts.edu/gdae/Pubs/rp/GallagherNewBanksPortuguese.pdf
13
matérias primas e alimentos, ao mesmo tempo em que aumenta o perfil de suas exportações de
manufaturados11, estabelecendo assim um padrão tradicional de comércio com os países da
região, inclusive o Brasil.
A Rússia, por sua vez, vem incrementando seus laços econômicos com a América
Latina, em seu conjunto, particularmente desde o plano comercial, embora em patamares muito
inferiores aos da China. O comércio com a região alcança US$ 16 bilhões apenas, mas cresceu
de forma sustentada a partir de 2005, estando ainda fortemente concentrado no Brasil. Contudo,
nos últimos três anos, observa-se o esforço da Rússia em diversificar suas parcerias e suas pautas
comerciais na região, esforço este amparado, em um primeiro momento, na venda de
armamentos, o que levou aquele país a ser converter no principal fornecedor de armas à região 12;
Assim mesmo, o país vem também promovendo suas exportações de manufaturados e
procurando incrementar as compras de alimentos, expandindo laços com outros países sulamericanos como Argentina, Chile, Equador, Venezuela13, tendo o Presidente Vladimir Putin
proposto, recentemente, também uma aliança energética entre o BRICS e a América do Sul.
Um aspecto adicional, mas não menos relevante nesse contexto é a influência da
diáspora russa que levou a um fluxo migratório importante direcionado ao Brasil e também à
Argentina, o que fez com que as relações com esta também adquirissem maior importância para
a Rússia no contexto sul-americano. Nesse sentido, o pertencimento ao BRICS oferece à Rússia
um argumento e uma possibilidade para incrementar a aproximação econômica com países
latino-americanos e sul-americanos, mas é importante destacar que essa aproximação é um
processo iniciado anteriormente à crise da Ucrânia e à imposição de sanções pelos Estados
Unidos e União Europeia14. A crise e as sanções, contudo, comparecem como fatores que
fomentam o incremento dessa aproximação e da diversificação das parcerias e laços econômicos
de modo mais imediato, tanto por razões políticas como econômicas.
Essa aproximação, por sua vez, se insere em um processo mais amplo em que, ademais
da China, outras importantes potencias econômicas se mobilizam para também explorar
oportunidades econômicas e, de certo modo, contrabalançar a crescente presença e influência da
China na região, o que é exemplificado pela visita do Primeiro Ministro do Japão, na esteira da
visita recém empreendida pelo Presidente da China e que foi marcada pela celebração de grande
11
CEPAL. China and Latin America and the Caribbean: building a strategic economic and trade
relationship. Santiago:CEPAL, 2012.
12
Stockholm Institute of Peace Research Institute (SIPRI). .
http://www.academia.edu/6849116/Russia_and_Latin_America_Old_and_New_Paradigms
13
Para um balanço dessa aproximação ver Vladimir Rouvinski, Russia and Latin America: Old and New
Paradigms. Moscou: Academia de Ciências. Disponível em
http://www.academia.edu/6849116/Russia_and_Latin_America_Old_and_New_Paradigms
14
número de acordos no campo comercial, e pelos preparativos também de visita do Presidente da
Coréia do Sul. Em outras palavras, a América do Sul estará cada vez mais exposta à projeção de
interesses econômicos dos países asiáticos tanto por razões associadas a oportunidades de
investimento e comerciais, como de ordem política e geopolítica. Nesse sentido, a aproximação
da Rússia com outros sócios do MERCOSUL recorça interesses políticos compartilhados como o
fortalecimento da multipolaridade e a redução da influência das potencias ocidentais notadamente dos Estados Unidos, em termos globais e também na própria região - mas traz
consigo externalidades econômicas e políticas para o Brasil. Do ponto de vista econômico, a
mais imediata é a perspectiva de aumento dos produtos manufaturados nas pautas de exportação
dos países asiáticos para a América do Sul, incrementando assim a concorrência com a indústria
brasileira nos mercados que são o principal destino das mesmas; ao mesmo tempo, tal presença
pode implicar o aumento do protecionismo dentro do próprio MERCOSUL e nos países
associados. Essa possibilidade se afigura, contudo, como mais provável quando considerados
países como a China, o Japão e a Coréia do Sul que almejam aumentar a participação de bens
manufaturados em suas vendas para a região, muito embora também a Rússia almeje o
incremento das vendas de bens como automóveis e de máquinas e implementos agrícolas na
região e produtos químicos15.
Portanto, a crescente projeção dos interesses políticos e econômicos de potencias extraregionais na América do Sul se afigura como um ponto incontornável para o Brasil a ser
discutido no marco das instâncias regionais como o MERCOSUL, a UNASUL e a CELAC. Até
recentemente, a aproximação dos demais países do BRICS, em especial a China e a Rússia, com
os países sul-americanos se processou bilateralmente. Contudo, há importantes indícios de que
esse padrão possa ser complementado com iniciativas de diálogo político envolvendo os
diferentes agrupamentos regionais e o BRICS. Nesse sentido, é importante recordar que em 29
maio de 2013, em encontro do Chanceler Russo Servei Lavrov com representantes da CELAC
em Moscou, acertou-se que as partes trabalhariam para manter contatos permanentes entre a
CELAC e o BRICS. O mesmo ocorreu na quarta cúpula do BRICS celebrada em Johanesburgo,
África do Sul, quando o Presidente Jacob Zuma convidou os Presidentes da União Africana para
contatos com os líderes do bloco paralelamente à Cúpula, iniciativa que teria sido recebida com
reservas pelo Brasil, mas que abriu um precedente do qual o país não pode se furtar quando da
preparação da quinta Cúpula do BRICS recentemente celebrada em Fortaleza. Assim, o governo
15
Russia seeks to restore influence in Latin America. The Moscow Times, 30.05.2013. Disponível em:
http://www.themoscowtimes.com/news/article/russia-seeks-to-restore-influence-in-latin-america/480827.html.
15
brasileiro convidou os Presidentes dos países da UNASUL para encontros com os mandatários
do BRICS previamente à Cúpula, o que marcou a primeira iniciativa de aproximação entre duas
das mais importantes instâncias da ação internacional do Brasil nos planos regional e global
respectivamente.
Cumpre assinalar que, até então, a diplomacia brasileira primara pela condução paralela
das vertentes regional e global da política externa, evitando sua articulação. De certo modo, a
dinâmica instaurada a partir da CELAC e da iniciativa sul-africana na quarta cúpula do BRICS,
certamente estimulada pelos demais sócios deste agrupamento, precipitou para o Brasil, uma
aproximação de ambas vertentes e a necessidade, que já se afigurava, de promover concertação
regional no que tange ao posicionamento frente aos interesses e às expressões da crescente
projeção dos interesses e da presença econômica da China, da Rússia e de outras potencias
asiáticas no continente sul-americano e na América Latina, em geral. A resistência brasileira em
vincular as vertentes regionais e globais de sua ação internacional se prende, dentre outros, ao
desejo de não submeter politicamente seus desígnios econômicos e estratégicos às injunções
políticas e econômicas dos países vizinhos e possam resultar eventualmente em indesejados
constrangimentos à promoção de interesses nacionais no plano externo. No entanto, os
desenvolvimentos recentes em ambas as dimensões levam paulatinamente a que o enlace entre
dinâmicas políticas e econômicas globais e regionais se intensifique, questionando, assim, a
estratégia internacional brasileira, tal como conduzida até o presente.
Não há indicativos, até o presente, de que a concertação política no marco do BRICS e a
intensificação de laços econômicos do Brasil com a Rússia possam expor o país às respostas de
parte dos Estados Unidos e da União Europeia à crise na Ucrânia e ao envolvimento da Rússia na
mesma, em particular no que se refere à eventual aplicação de sanções econômicas.
Ao
contrário, embora venham se apoiando cada vez mais nas sanções econômicas para restringir a
margem de ação e da influência russa no espaço e no contexto da crise, de forma imediata, e na
esfera internacional, de modo secundário, os Estados Unidos e a União Europeia têm se
preocupado igualmente em limitar ao máximo o transbordamento dos efeitos das sanções para a
economia europeia bem como seus impactos sobre a recuperação da economia mundial, processo
este ainda não consolidado e que depende, em grau significativo, da condição econômica dos
países emergentes. O posicionamento brasileiro - embora tenha diferido da condenação das
potencias ocidentais ao referendo que resultou na separação da Criméia e sua imediata
incorporação à Rússia e ao reiterar perspectiva tradicional da política externa de não ingerência
em assuntos que envolvam separatismos - expressou a preocupação em salvaguardar interesses
políticos e econômicos no marco do BRICS. Eventuais reações de parte dos Estados Unidos e da
16
União Europeia a tal opção e posicionamento devem se expressar notadamente nos campos
diplomático e político sob a forma de reiteradas e crescentes pressões por comprometimento por
parte do Brasil com as posições e perspectivas ocidentais e da concomitante elevação de
demandas nos processos de negociação política e econômica entabulados bilateralmente e em
foros multilaterais, mas preservando o sentido de salvaguardar e reforçar, tanto quanto possível,
os laços políticos e econômicos com o país, dada a abrangência e o alcance dos interesses
políticos, econômicos e estratégicos junto ao mesmo e à América do Sul.
Conclusões
A evolução da crise na Ucrânia não confirma, até o presente, os prognósticos negativos
acerca de seus impactos econômicos. Estes se fazem sentir mais diretamente na economia
ucraniana e, secundariamente, na economia russa cujo desempenho já vinha sendo afetado por
questões até então alheias à crise e nas economias europeias com vínculos mais estreitos com
ambos os países, sem que tenha surtido efeitos sustentados sobre os preços do gás e do petróleo.
A alteração dessa tendência passa, no presente e de modo imediato, pelo alcance e efeitos das
sanções econômicas aplicadas à Rússia e aos eventuais transbordamentos dos mesmos sobre a
economia europeia. Face à tendência de aprofundamento das sanções, abre-se a perspectiva de
pressão sobre os preços do petróleo no médio e longo prazo, sobretudo se as mesmas afetarem as
condições de produção e comercialização de modo a levar também à redução dos estoques que
hoje contribuem para arrefecer as pressões imediatas sobre o comportamento dos preços
daqueles produtos. De todo modo, afigura-se um panorama econômico mais restritivo que aquele
vigente até a eclosão da crise, uma vez que também assomam fatores políticos e geoestratégicos
na medida em que a contraposição de interesses e posições entre os Estados Unidos e a Rússia
ditada a partir da crise na Ucrânia, alcança outras esferas do relacionamento entre ambos. O
fortalecimento de dinâmicas políticas derivadas direta e indiretamente da crise na Ucrânia, mais
que os efeitos econômicos imediatos, é que pode afetar de modo mais efetivo os interesses e as
perspectivas brasileiras em relação à mesma, colocando em questão a aproximação da Rússia
com o país no marco do BRICS e de sua estratégia em relação à América do Sul, bem como os
esforços norte-americanos e europeus de responder à proatividade russa em seu próprio entorno e
no plano global. Nesse contexto, é possível delinear os seguintes cenários, a guisa de conclusão:
Cenário A: A crise na Ucrânia se encaminha para a superação ditada pelo
reconhecimento pragmático por parte do Governo de Kiev, dos Estados Unidos e dos governos
17
dos países da União Europeia da incorporação da Criméia à Rússia como fato consumado e cuja
reversão implicaria abrir um flanco de grande instabilidade e potencial conflitividade doméstica
e regional, com custos e riscos políticos e econômicos não aceitáveis para a própria Ucrânia e
para os países europeus e para os Estados Unidos. Nesse contexto, as sanções econômicas
aplicadas à Rússia permanecem como principal instrumento de pressão, mas sendo concebidas e
aplicadas de tal modo a evitar que seus efeitos colaterais comprometam o processo de
recuperação da economia internacional, permanecendo a crise confinada à esfera regional, sem
suscitar maiores implicações políticas e econômicas para o Brasil para além daquelas já
manifestas quando de sua eclosão, tanto no plano do relacionamento bilateral com a Ucrânia e
com a Rússia como no plano do BRICS em seu relacionamento com os países sul-americanos.
Cenário B: A crise se agrava mediante a intensificação e aprofundamento do conflito
entre o Governo ucraniano e os grupos pró-Rússia e do apoio militar prestado pelas potencias
ocidentais à Ucrânia e pela Rússia aos grupos separatistas atuantes também em outras regiões do
país. Em decorrências, Estados Unidos e União Europeia intensificam as sanções econômicas,
com reflexos crescentes sobre os preços do gás e do petróleo em razão de medidas restritivas à
produção e à exportação da Rússia destinada ao bloco europeu, gerando um novo ciclo recessivo
no continente e na economia mundial. A América do Sul se vê alcançada pelo novo ciclo
recessivo por força da contração de seus principais mercados de exportação e pelas pressões
inflacionárias advindas do aumento do custo do petróleo e do gás e das importações em geral,
bem como pela retração da demanda chinesa por matérias primas e alimentos. Nesse contexto, os
esforços do BRICS por mudanças na governança econômica e suas iniciativas neste plano
enfrentam condições adversas para sua consolidação e suas economias, inclusive a chinesa, se
veem expostas à deterioração. O Brasil perde assim ativos políticos e econômicos importantes
global e regionalmente e se vê em condição de isolamento em relação aos seus principais
parceiros econômicos, passando a ser alvo de retaliações políticas e econômicas por parte dos
Estados Unidos e da União Europeia.
Cenário C: A crise se prolonga face às tentativas do governo ucraniano de conter os
movimentos separatistas e das ações da Rússia em apoio aos movimentos de oposição e aos
grupos separatistas e de consolidar a incorporação da Criméia. Os Estados Unidos e a União
Europeia convergem no sentido de apoio às posições do governo ucraniano e de fortalecimento
das sanções econômicas à Rússia, evitando, porém, uma escalada militar do conflito e os efeitos
nocivos das sanções sobre a economia europeia. Estados Unidos e União Europeia exercem
18
crescentes pressões no meio internacional em favor de um gradual isolamento da Rússia e que se
fazem sentir nas negociações bilaterais e multilaterais de que forma parte, gerando um ambiente
restritivo, do ponto de vista político, ao BRICS que, mesmo assim, encontram margem de ação
para o avanço comedido de suas propostas no campo institucional e econômico. A lenta
recuperação da economia mundial é arrefecida, sem que se instaure, contudo, um quadro
recessivo, acentuando-se a tendência de desaceleração das economias dos países emergentes. A
economia brasileira estanca aumentando, concomitantemente, suas vulnerabilidades associadas
ao desequilíbrio da conta de transações correntes e às pressões inflacionárias domesticamente.
Ao mesmo tempo, o país se defronta com perspectivas políticas mais restritas no trato com os
Estados Unidos e a União Europeia em negociações bilaterais e multilaterais.
19

Documentos relacionados