sociologia das emoções - relevância teórico

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sociologia das emoções - relevância teórico
SOCIOLOGIA DAS EMOÇÕES - RELEVÂNCIA TEÓRICOACADÊMICA E PERSPECTIVAS DE ANÁLISE
Aristides Ariel Bernardo1
RESUMO: Desde o surgimento da Sociologia enquanto ciência, a categoria de análise
“emoções” tem sido desconsiderada como fenômeno sociológico válido para a
compreensão das questões sociais, ou mesmo relegada a segundo plano nas
discussões clássicas. A presente proposta tem por objetivo discutir a pertinência do
objeto e as perspectivas teórico-analíticas colocadas por essa nova área da
Sociologia, buscando contextualizar o início dos estudos e pesquisas no âmbito da
Sociologia das Emoções. Nesse contexto, diante dos autores analisados, identificamse os embates que permeiam esta vertente da Sociologia no que tange as abordagens
teóricas que buscam melhor apreender os fenômenos emocionais como fenômenos
sociais.
PALAVRAS-CHAVE: Sociologia das emoções, Fenômenos Sociais, Fenômenos
Emocionais.
INTRODUÇÃO
Desde o surgimento da Sociologia enquanto ciência, não se via, nem se
propunha estudos em que a categoria de análise “emoções” fosse considerada um
fenômeno sociológico válido para a compreensão dos fenômenos sociais, que por sua
vez, no entanto, eram relegadas a segundo plano nas discussões teóricas clássicas,
sendo vistas apenas como pano de fundo ou um fator que não interferiria
significativamente na esfera social. No entanto, verifica-se uma mudança neste sentido
nas últimas décadas, com a emergência de uma área conhecida como Sociologia das
Emoções, enquanto campo específico do conhecimento, sobretudo a partir de 1970.
Assim, tendo em vista o surgimento desta possibilidade de entendimento
sociológico, a presente proposta tem por objetivo discutir a pertinência do objeto e as
perspectivas teórico-analíticas colocadas por essa nova área da Sociologia. De
maneira específica, busca-se contextualizar o início de estudos e pesquisas no âmbito
da
Sociologia
das
Emoções,
partindo
da
revisão
bibliográfica de
autores
contemporâneos brasileiros como Koury (2003, 2004, 2009), Torres (2009), Bonelli
1
Graduando do curso de Ciências Sociais e Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação à Docência (PIBID) da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul Campus de
Naviraí/MS (UFMS-CPNV). E-mail: [email protected]
1
(2003), almejando um aprofundamento das várias perspectivas teórico-metodológicas
que norteiam a categoria “emoções” como objeto de pesquisa.
Este trabalho está divido de forma clara e sintética em três momentos centrais.
O primeiro busca-se trazer uma breve, e possível conceitualização para o que seria a
sociologia, bem como os seus possíveis objetos de investigação, seguido de um
conciso panorama de seu surgimento, e os três grandes teóricos considerados
clássicos desta disciplina, e como estes viam o então estudo da sociedade capitalista
insurgente. O segundo momento aborda a então denominada "sociologia especial" ou
"específica" conhecida como sociologia das emoções, numa tentativa de classifica-la
enquanto conceito, da mesma forma em que se busca apresentar a pertinência dos
estudos da sociologia acerca da categoria de analise emoções, seguida da principal
dificuldade encontrada particularmente, nos estudos desta disciplina, o que se
caracterizou, como um entrave para a realização do trabalho aqui proposto. Já o
terceiro momento, traz em si, o foco de análise das investigações já realizadas sobre a
sociologia das emoções, que é, identificar como esse objeto (emoção) é vista e
trabalhada por teóricos desta sub área da sociologia, apresentados nas obras de
autores contemporâneos brasileiros como Koury (2003, 2004, 2009), e Torres (2009).
1 - DA SOCIOLOGIA GERAL A UMA SOCIOLOGIA ESPECÍFICA
Sabe-se que a sociologia é a ciência que busca estudar os fenômenos sociais
decorrente das atividades humanas, seja ela, simplesmente tentando analisar e
interpretar a influência e ação das estruturas sociais, e o comportamento dos
indivíduos quanto grupo integrantes de uma sociedade, ou, por vez, buscando a
manutenção e a estabilização dessas mesmas estruturas e a regularidade do
comportamento social, ou ate mesmo visando entender a realidade a qual os
indivíduos então inseridos, com a intenção de propor a apresentação de uma possível
transformação deste estado no qual podem se encontrar.
Claro que estas são definições deliberadamente vagas para classificar o
conceito que temos hoje acerca da sociologia, no entanto situando-a no seu contexto
de surgimento, esse novo projeto de conhecimento emerge como resultado da
tentativa de se analisar com o intuito primevo de entender as grandes e marcantes
mudanças sociais apresentadas pela nascente sociedade capitalista, estruturando-se
basicamente nos intuitos de regulamentar a nova ordem social vigente, analisa-la de
forma sistemática, ou ate mesmo tentando transforma-la.
2
A sociologia pode ser entendida como uma nova expressão do pensamento
cientifico, que tem seu surgimento concomitantemente a transformações históricas e
intelectuais expressivas no período de emergência de uma nova forma de organização
política, econômica, social e ate mesmo cultural, que é o estabelecimento da
organização de estrutura capitalista, marcada pela insurgência de pensadores que
tentam construir elaborações que possibilitem a compreensão das novas formas ao
qual o âmbito social estava sendo direcionado.
Desta forma o século XVIII é um marco de extrema importância para o
surgimento desta nova área do conhecimento, pois a instalação permanente do
capitalismo na estrutura social, proporcionada pelas duas grandes revoluções que se
deram nesse período (Revolução Industrial e Francesa) acarretaram problemas e
situações que ate então eram inéditas para os indivíduos que viviam aquele período
de mudanças. Estas mudanças foram tanto drásticas, quanto trágicas para a então
classe trabalhadora, que num estado de calamidade enfrentavam o "aumento
assustador da prostituição, do suicídio, do alcoolismo, do infanticídio, da criminalidade,
da violência, de surtos de epidemias de tifo e cólera que dizimavam parte da
população etc." (Martins, 1948, p.13-14).
Claramente esse processo de revolução
burguesa e consolidação do sistema de produção capitalista, influenciaram no
surgimento de uma ciência que se propunha a analisar a sociedade e todas as
transformações que nela vinham ocorrendo. No entanto o aparecimento desta nova
forma de se entender o social tal qual conhecemos hoje não se deu de forma tão
"bela", e fácil como se pode imaginar.
As primeiras ideias de sociologia, possuiam grandes heranças das ciências
naturais, que se desenvolveram de forma gloriosa durante o séc. XVIII e inicio do séc.
XIX, e que eram consideradas exemplos de ciências a serem seguidas. A sociologia
de Saint-Simon é um grande exemplo deste fenômeno de positivismo social, já que
este pensa a ciência que estuda o social como algo fundado com bases e métodos
positivos da física. Ou Augusto Conte, que visava fundar uma ciência da sociedade, ou
Física Social, que seguisse os modelos das ciências naturais, ao qual destacava o
processo de evolução social ou do "espírito humano", que teria passado do estado
teológico ao metafísico e enfim ao ultimo estado de evolução do homem, seu estado
definitivo, marcado pelo esclarecimento científico e positivo. Ou tambem a ideia de
Herbert Spencer sobre a evolução social, ao qual afirmaria que as sociedades
evoluem de seus estados mais simples e primitivos, para sociedades compostas e
mais complexas, como a sociedade moderna. Assim as ideias dominantes devem ser
agora a de ordem, reorganização e aperfeiçoamento da nova estrutura social vigente,
buscando afirmar, legitimar e garantir por excelência a dominação burguesa.
3
No entanto, apesar da grande influencia que as ciências naturais tiveram sobre
aqueles que se dedicavam ao estudo das relações sociais, elas se encontravam
limitadas a ter que se adequar a outras áreas do conhecimento como a física, a
biologia a astronomia e a química. Assim surge uma nova necessidade para o estudo
da sociologia, o de se construir novas bases para essa ciência, e que tivesse a
preocupação de possuir uma área específica constituindo métodos próprios de
investigação. Pois, a sociologia por possuir um objeto e métodos de analises de um
fenômenos, que se distinguem completamente daqueles estudados pelas ciências
naturais, deveria tornar-se uma disciplina independente. É o caso de Émile Durkheim,
e Max Weber, que buscaram criar e institucionalizar uma ciência que estudasse a
sociedade e o que nela acontece. Ao contrario de Karl Marx, que não poderia deixar
de ser citado, por exemplo, que, mesmo não visando construir uma ciência da
sociedade, contribui de forma significativa nos estudos não somente da sociologia
como tambem para a filosofia, a economia a historiografia, a geografia entre inúmeras
outras áreas do conhecimento científico.
No caso de Durkheim, que apesar de não se desprender completamente das
ciências naturais e da ideia positivista de estudos na sociologia, buscou construir os
fundamentos para essa nova ciência, fornecendo a ela procedimentos metodológicos,
e criando um objeto próprio para a sociologia, os "fatos sociais". Devido ao fato de
sugerir que seja aplicado nos estudos dos fenômenos sociais os mesmos métodos das
ciências da natureza, as principais teses de Durkheim visam entender principalmente
as causas dos fatos sociais, alegando que um efeito social, ou um fato social tem
apenas uma causa, e vice e versa, visa entender e identificar uma ordem, uma lógica
para todos os fenômenos sociais. Durkheim realizou diversos estudos sobre fatos
sociais como a educação, o suicídio, e o que é postulado na concepção durkheimiana
de representações coletivas, com o intuito de comprovar suas teses sobre a
exterioridade e coercitividade dos fatos sociais.
Max Weber tambem dedicou-se a construir um objeto próprio para a sociologia,
que seria a "ação social", e métodos próprios de análise deste objeto que se
distinguisse das ciências naturais. Assim, diferente de Durkheim, Weber defendia que
era necessário se desenvolver métodos próprios para as ciências humanas, que
fossem distintas das ciências da natureza, afirmando que a segunda busca encontrar
leis gerais para todos os fenômenos, enquanto a primeira deve buscar compreender
de forma singular os fenômenos sociais. Para compreendê-los por tanto, deve-se
aplicar um método de investigação e análise, que Weber denomina de "método
compreensivo", e que tem como bases de investigação e comparação, úteis na
sistematização dos resultados das pesquisas o que ele denomina de "tipos ideais",
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que seriam nada mais que ideais desenvolvidos pelo investigador para servir de guia,
ou parâmetro na compreensão das inúmeras variações do real. Desta forma o
pesquisador deve-se manter neutro diante os resultados obtidos, visando apenas
estudar e entender o social, sem tomar partido em suas investigações, sendo capaz se
extrair os sentidos das ações e das relações sociais. Na concepção de Weber as
ações sociais são ações dotadas e providas de sentido e com uma finalidade ou
propósito e sempre voltada para o outro, ou seja, o objeto de investigação nesta
concepção analítica segundo coloca Koury (2009, p.25) "é a ação dos indivíduos em
interação".
Dentre inúmeras contribuições, ambos foram responsáveis pela delimitação de
um campo especifico para a sociologia, bem como apresentaram procedimentos e
métodos próprios para a investigação da sociologia, especialmente no caso de Weber,
assim como o seu objeto de investigação, contribuindo significativamente para a
consolidação intelectual e institucional da sociologia enquanto ciência.
Marx, como já citado anteriormente, apesar de não se preocupar em delimitar,
fundar e institucionalizar o campo da sociologia, tambem foi de grande relevância para
a consolidação desta disciplina, pois desenvolveu inúmeras obras sobre o
desenvolvimento do capitalismo, sua forma de estruturação e a situação dos
trabalhadores neste novo modo de organização social. A partir das ideias
fundamentais de Hegel e Feuerbah, Marx constrói o conceito de materialismo
histórico, além de desenvolver a ideia de método dialético, com o intuito de se analisar
a realidade a partir da própria realidade. Deste modo, Marx rompe completamente com
as teses positivistas de Conte e Durkheim sobre a utilização de métodos das ciências
naturais em investigações sociais, bem como mostra-se contrario a ideia de
neutralidade de Weber, fato este que se mostra impossível na concepção de Marx, e
tambem se opunha a abstração dos "tipos ideais" como método de compreensão da
realidade, pois para ele o pesquisador deveria partir das "expressões da realidade", o
que se mostra concreto e presente no real para se entender o social. O principal objeto
de estudo e pesquisa, se é que podemos defini-lo desta maneira, parte da ideia de que
o social se constrói a partir das "relações sociais", relações estas expressas a partir do
modo de produção de uma sociedade, das suas formas de organização políticas e
ideológicas. Marx neste sentido se detém em escrever sobre o modo de produção
capitalista, o seu processo de exploração e produção de mais valor por meio da força
de trabalho, além de sistematizar a ideia de luta de classes.
Vê-se
aqui
um
breve
panorama
de
contextualização
histórica
de
desenvolvimento da sociologia, e a atuação dos autores considerados clássicos nesta
disciplina, e suas contribuições sejam diretamente intencionais ou não no papel de
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formação e consolidação da sociologia, com o intuito de situar o principal papel desta
ciência que se desenvolveu de forma significativa nos últimos séculos, que é como
descreve Elias Canuto Brandão, o de estudar:
as relações e as interações sociais, formas de associação,
comportamento e vida social no grupo, estruturas e vida social, a
cooperação, competição e conflito na sociedade e ou grupo social. A
sociologia é o estudo dos grupos sociais e tudo que nele decorre em
função da interação e relações sociais, sobretudo da abordagem
dada pelo pesquisador direcionada às sociedades moderna e
contemporânea. (BRANDÃO, 2007).
Além disto, podemos ter uma breve noção da importância dos autores
clássicos nas investigações realizadas pela sociologia bem como a busca pelo
desenvolvimento e aperfeiçoamento nas técnicas de investigações dos fenômenos
sociais, decorrentes posteriormente, das varias formações de Escolas de pensamento
sociológico, que buscavam como melhor estudar os fenômenos sociais e melhor tentar
"compreender como a sociedade se organiza e como seus componentes se
relacionam e interagem". (BRANDÃO, 2007).
A sociologia desde sua constituição passou por longas e complexas
"transformações" e aperfeiçoamentos do seu pensamento, possuindo em suas varias
tendências às características e contextualizações específicas de seus países, bem
como ideologias políticas, e culturais predominantes, e incluía em suas pesquisas, a
necessidade de se estudar fenômenos sociais e históricos específicos desses lugares
e épocas dadas, que necessitavam de atenção especial para análise de seus eventos,
o que proporcionou de forma geral um processo de produção e desenvolvimento de
subdisciplinas dentro da própria sociologia, o que viria a ser denominado de
"sociologias específicas", ou "sociologias especiais". Essas "sociologias especiais" de
modo geral partem dos mesmos princípios teorico-metodológicos da sociologia geral,
mais que abarcam em suas discuções algumas questões e fenômenos sociais mais
específicos, como é o caso da sociologia do trabalho, da religião, da burocracia, a
sociologia da família, sociologia da saúde, sociologia rural, sociologia urbana,
sociologia do conhecimento, do esporte, da arte, entre outras. Uma das mais recentes
subdisciplinas da sociologia geral, e de enfoque neste trabalho é a chamada
"Sociologia das Emoções", que, como o próprio nome sugere, tem como encargo de
suas investigações a categoria de análise "emoção", buscando identificar o caráter
social de nossas emoções, quais os fatores sociais que influenciam-nos a sentir
determinada emoção, bem como identificar o caráter cultural da construção destas
emoções. Assim, a sociologia das emoções surge com o intuito de compreender os
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fenômenos emocionais, a partir de um caráter social, como uma construção social,
preocupando-se assim "com os fatores sociais que influenciam na esfera emocional"
(KOURY, 2009, p. 45).
2 - SOCIOLOGIA DAS EMOÇÕES: DIFICULDADES E ENTRAVES NA ANALISE DA
CATEGORIA "EMOÇÃO"
A sociologia das emoções, como colocado anteriormente, se constitui em uma
sub área do conhecimento da sociologia que segundo Koury (2009), tem seu processo
de formação iniciado nos Estados Unidos em meados da década de 1970, como
resposta a paradigmas predominantes da época, ao qual desprezava ou mantinha
como pano de fundo as ações sociais individuais e os agentes sociais, bem como a
subjetividade social, e as representações destes agentes acerca do plano social e sua
vida emocional.
A sociologia das emoções surge assim, como iniciativa de um conjunto de
investigadores que encontraram nesta tendência insurgente, a capacidade explicativa
e interpretativa de se compreender a influência social das emoções, bem como as
expressões sociais destas emoções e sua relevância na formação do próprio
indivíduo, e seu papel determinante na formação das estruturas sociais. Desse modo,
pondera-se que a sociologia das emoções tem como principal objetivo, estudar ate
que ponto a sociedade influência ou não no modo como vemos e sentimos o mundo
ao nosso redor e a nós mesmos, pretendendo-se analisar quais os fatores históricos e
culturais que regulam nossos sentimentos, e se nossas emoções são constituídas e
administradas através das relações intersubjetivas da vida social, bem como se as
estruturas sociais existentes e o modo pelo qual as sociedades se organizam
influenciam no como sentimos e atribuímos valor, significado e sentimentos as "coisas"
em nossa vida. Ou seja, tem a intenção de avaliar se nossas emoções são
constituídas socialmente e se o social interfere e influência na esfera emocional, e as
emoções na esfera social, ou se as emoções realmente possuem como bases apenas
substratos biológicos e psicológicos derivados da constituição, respectivamente,
instintiva e/ou cognitiva do ser humano.
As emoções, como indica Machado (2003), em seu artigo sobre "A abordagem
das emoções no âmbito das organizações", é um fenômeno que se caracteriza de
forma muito complexa, tendo explicações e estudos sobre seus eventos em diversas
áreas do conhecimento, principalmente no que tange as áreas da biologia, da
neurociência e da psicologia, e, como aqui apresentado, tambem pela sociologia.
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Todavia, sobrevale a resalva de que, "cada área, por sua vez, adota uma perspectiva,
tem seus próprios pressupostos e uma forma diferente de pensar sobre o assunto"
(MACHADO, 2003).
Para a neurobiologia, segundo sustenta Lopes (2011) em seu artigo "As
Emoções", este fenômeno pode ser descrito como:
[...] respostas neurológicas e fisiológicas a estímulos (externos e
internos), coordenados pelo próprio pensamento que envolve as
estruturas do sistema límbico. [...]. De acordo com Vaitsman, os
alicerces da vida emocional começam no cérebro e se estendem ao
sistema imunológico. Pesquisas feitas pelos neurocientistas Antonio
Damásio e Joseph LeDoux, indicam que a maioria das emoções como a raiva e o medo - têm origem bioquímica.[...]. De acordo com
Ballone, os sentimentos e emoções, como amor, alegria, ódio, pavor,
ira, paixão e tristeza tem origem no Sistema Límbico. (LOPES, 2011).
Neste sentido, percebe-se que nesta perspectiva as emoções possuem
substratos de origem inteiramente derivada de processos neuroquímicos que ocorrem
em nosso cérebro.
No entanto, a primeira teoria que se preocupa em estudar as emoções surge
com Charles Darwin em 1872, numa perspectiva evolutiva das emoções, onde Darwin
se dedicou a identificar as expressões das emoções nos homens e nos animais, a fim
de comprovar suas teses de que as emoções são inatas e universais a ambos os
homens e os animais, estando pré-fixadas no organismo, herdadas por ancestrais
através da evolução das espécies.
Uma terceira perspectiva, de cunho fisiológico, afirma que nossas emoções são
derivadas, originadas e sentidas, a partir das reações fisiológicas do nosso corpo em
detrimento de determinada situação, ou seja, ao contrario das afirmações de Darwin
de que nossas emoções surgem primeiramente em uma determinada situação nos
permitindo reagir, esta tendência fisiológica vai afirmar o oposto, dizendo que primeiro
reagimos a uma situação, e por essa reação é que sentimos nossas emoções. Deste
modo:
Eles postulam que não choramos porque estamos tristes, mas
ficamos tristes porque choramos. Uma pessoa sente medo porque o
seu corpo respondeu com determinadas reações fisiológicas a uma
situação. [...] perante uma situação de emergência, primeiro o homem
reage e foge e é por fugir que sente medo. (LOPES, 2011).
Por outro lado, na psicologia, apesar de resalvarem alguns conceitos da
fisiologia, tais como o pressuposto de que uma determinada situação irá provocar nos
indivíduos reações fisiológicas, eles partem de uma concepção de cunho cognitivista,
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onde o modo como determinada situação é interpretada conscientemente diante seu
aprendizado e sua história pessoal de relação com o mundo é que será dado sentido
emocional aquela situação, "que resumindo diz que as emoções produzem estados
internos de excitação e nós procuramos no mundo exterior uma explicação para
isso".(LOPES, 2011).
Já a perspectiva de cunho culturalista, ou construtivista sociocultural, colaca as
emoções como sendo processos aprendidos dentro da sociedade em que
pertencemos, através da interação com o outro dentro do processo de socialização.
Deste modo, Pereira argumenta que:
Tal como a linguagem, as emoções são uma construção social que
exige aprendizagem e que, por isso, dependem da cultura em que o
indivíduo está inserido e variam no espaço e no tempo. O conjunto de
regras de cada cultura especifica o tipo de emoções que se
manifestam em cada situação e a forma como se devem demonstrar.
Em cada cultura e para cada cultura há uma linguagem da emoção
específica que é reconhecida por todos aqueles que nela estão
inseridos. (PEREIRA, 2010).
As mais atuais tendências de estudos dentro da sociologia das emoções
partem da perspectiva culturalista das emoções como explicação social para os
fenômenos emocionais, na tentativa de demonstrar assim, que o modo como vemos e
sentimos o mundo ao nosso redor e todos os fenômenos recorrentes de interações
sociais, são constituídos no seio destas mesmas interações, que regem nosso
comportamento, e que nos ensina como nos portar diante do outro.
Podemos perceber com esses pequenos exemplos dos diversos olhares
voltados para as emoções, a grande divergência conceitual de o que viriam a serem
emoções, bem como ter uma breve noção de como este fenômeno é visto e analisado
de maneiras divergentes e ate mesmo conflitantes entre si, dentre estas áreas da
ciência. Contudo vale-se lembrar, como discutido anteriormente, que a sociologia não
de se basear metodologicamente em outras ciências para realizar analises sobre seus
objetos de estudos, mesmo que o objeto em si possa, assim como as emoções,
perpassar por diversas áreas do conhecimento. Neste sentido, a sociologia das
emoções deve buscar propor meios próprios para o estudo deste fenômeno.
Sabemos que a sociologia trabalha em grande parte de seus estudos com
conceitos, termos e expressões que visam definir e expressar um evento ou um
fenômeno social, propondo uma aproximação explicativa do real através destes
conceitos explicativos. Neste sentido quando se fala sobre esta nova disciplina do
conhecimento sociológico, a primeira questão que nos vem à cabeça é: "qual o
conceito de emoções para a sociologia?"; "o que é, ou o que significa emoções para a
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sociologia?". Ao menos essas foram as primeiras e continuam sendo as principais,
indagações feitas por mim, no nos estudos e pesquisas sobre esta tão "sombria" e
desconhecida área da sociologia. Pode-se aclarar assim, que as principais
dificuldades encontradas ao se deparar com estudos voltados para a sociologia das
emoções, esta localizada a princípio, na conceitualização de o que vem a ser, ou
significar a categoria de análise "emoção", que é o seu principal objeto de estudos.
Constata-se deste modo que, nos inúmeros estudos sociológicos voltados para este
objeto, muito pouco, ou nada, tem-se voltado a preocupação de se desenvolver uma
taxonomia ou significado conceitual objetivo para o que vem a ser emoção do ponto de
vista da sociologia. Obras de autores contemporâneos brasileiros, que discutem a
problemática das emoções, aos quais são os principais aportes teóricos deste estudo,
por exemplo, iniciam suas obras de maneira direta e objetiva na problematização e
discuções por eles propostas, tais como, o que vem a ser a sociologia das emoções,
como é abordada as emoções por autores clássicos da sociologia geral e da própria
sociologia das emoções, bem como suas principais perspectivas analíticas, ou
tambem investigações sobre emoções específicas, como o luto, o medo, a vergonha, a
amizade e a ate mesmo o amor, demonstrando quais os fatores sociais e históricos
que influenciam-nos a sentir e atribuir significado a estas emoções. Mas, no entanto,
grosso modo, falham em um pequeno ponto, mais de total relevância para uma maior
compreensão de seus estudos, o de não buscarem aplicar em seus trabalhos o que a
sociologia entende por emoções, bem como não aprofundarem o que entendem, ou
nos proporcionar seus entendimentos acerca da conceitualização destas mesmas
emoções específicas a qual se dedicam. Desta maneira, permanece a luz do
conhecimento de quem obtém um primeiro contato com a sociologia das emoções e
suas principais discuções, uma vaga compreensão pautada principalmente no
conhecimento do senso comum, sobre o que se entende acerca de emoções enquanto
categoria sistemática de análise.
3 - PERSPECTIVAS TEÓRICO-ANALÍTICAS DA SOCIOLOGIA DAS EMOÇÕES
A sociologia das emoções nas bases de sua emergência não se dá de forma
harmoniosa, e foi desenvolvida a partir de conflitos e tensões entre tendências e
perspectivas que tentavam formular melhores caminhos para se explicar o fenômeno
emocional, e adequar suas investigações entre a relação de emoção e sociedade
(KOURY, 2009). Podemos afirmar que a sociologia das emoções possuiu duas
grandes tendências teóricas de análise das emoções, que divergiam significativamente
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no modo como viam, construíam e analisavam o objeto, que por sinal, era o único
ponto em comum que possuíam entre si. No entanto, havia modos diversos de ver as
emoções mesmo dentro destas duas tendências, ou seja, dentro de si mesmas haviam
diferenças de pontos de vistas e tendências particulares de se perceber o seu objeto
de investigação, o que, por um lado gera o embate e o maior número da produção
teórica de cada tendência devido ao processo de "concorrência", em que cada
perspectiva busca se afirmar; e por outro, uma fragmentação dentro da disciplina, que
pode ser considerado prejudicial para uma sistematização mais solida de teorias
sociais das emoções. Em sua obra "Emoções, Sociedade e Cultura" (2009), Koury nos
apresenta brevemente, segundo a concepção de Kemper (1990, p.11), estas duas
grandes perspectivas teóricas como sendo, uma de cunho positivista e outra com
"feições antipositivistas". Ou seja, a primeira analisa as emoções dentro da sociologia
concebendo mais importância aos aspectos biológicos e fisiológicos em relação aos
substratos sociais, partindo de uma concepção teórico-metodológica positivista. No
entanto, a segunda, se prostraria para os aspectos socioculturais das experiências
emocionais, valorizando os sentidos subjetivos que os próprios atores sociais
atribuiriam aos fenômenos emocionais através das relações sociais criadas e
desenvolvidas na saciedade e na cultura as quais pertencem. Desta forma para esta
segunda posição as emoções são uma construção social (KOURY, 2009, p.46).
Já, Torres (2009), em sua Tese de Doutorado intitulada "Hóspedes
Incômodas? Emoções na sociedade norte-americana" nos apresenta, e discorre de
forma mais sucinta sobre estas duas tendências utilizando-se dos termos biossocial ou
universalistas para a primeira perspectiva apresentada anteriormente, de cunho
positivista, por valorizarem os aspectos biológicos das emoções, e, numa releitura
evolucionista darwiniana e psicanalítica afirmarem que as emoções são inatas aos
seres humanos, e estão pré-fixadas no organismo, onde fatores sociais seriam apenas
estímulos externos na mobilização das emoções; e socioculturalistas ou construtivistas
para a segunda perspectiva, de características não positivista, por apresentarem o
caráter social das emoções numa afirmativa de que, assim como a linguagem e o
comportamento social, as emoções são aprendidas e mediadas através da interação
com o outro no meio em que o indivíduo se apresenta.
Deste modo, a concepção biossocial ou evolucionista das emoções, defendida
por pioneiros da sociologia das emoções nesta perspectiva teórica como Theodore D.
Kemper e Jonathan H. Turner, defendem segundo Torres (2009):
[...] uma posição cientificista (segundo o modelo da ciência natural) e
afirma a preponderância do substrato biológico sobre os fatores
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sociais. Propõe tambem, que as emoções são indissociáveis da
história evolucionária da espécie, estão pré-fixadas no organismo
humano [...].
Deste modo, de forma sintética, todas as emoções, encontradas em
sociedades e culturas específicas e em épocas distintas, possuem por excelência,
bases biológicas, e mesmo emoções mais complexas, e que "aparentemente"
possuem suas origens na construção do social, não passam de derivações e
combinações das chamadas e tão discutidas "emoções primárias” 2. Portanto assim, o
meio apenas nos relega a significação que daremos a situação, nos dão os fatores
para apresentar as emoções, que por sua vez já são pertencentes ao ser humano e
aparecem e são sentidas a partir da situação dada, como se por extinto, para que
possamos nos preparar para reagir.
Apesar de estes pioneiros serem intitulados ou enquadrados na perspectiva
universalista das emoções, ambos possuíam suas especificidades nos métodos
analíticos das emoções. Assim, Torres (2009) nos aponta de forma breve a visão de
Kemper ao afirmar que este teórico
3
[...] elege o poder e o status como categorias analíticas gerais
aplicáveis ao longo do tempo e das sociedades. As emoções são,
então, consideradas como resultados universais das relações diáticas
dos indivíduos, considerando-se a posição hierárquica ocupada na
estrutura de poder e status vis a vis os outros. Essas disposições
relacionais dos indivíduos envolvem comportamentos e papéis
padronizados quanto às obrigações e aos direitos a poder e status
que cada um espera que o outro cumpra. A incongruência com
relação aos direitos e deveres engendra "emoções estruturais"
distintas, a depender da agencia responsável pelo resultado obtido.
Há uma correspondência entre estrutura social de poder e status e a
estrutura orgânica. Assim, a emoção natural produzida, como
resultado dos comportamentos padronizados de poder e status, não
pode ser social ou culturalmente mudada, dado que poder e status
envolvem emoções fisiologicamente enraizadas no organismo
humano. Qualquer manejo da emoção ocorre a posteriori. A
sociedade ou a cultura não tem o poder de mudar uma emoção,
2
Emoções primárias nas discuções biossocial (evolucionista/universalistas) apesar da grande
contradição entre teóricos desta tendência sobre quais emoções são consideradas primárias,
pode ser entendida como emoções básicas, primordiais para a sobrevivência da espécie desde
suas origens. Alguns autores colocam estas emoções primarias como sendo a raiva, o medo, a
tristeza, a alegria e o afeto, mas não á um consenso sobre quantas, nem exatamente quais
emoções são primárias dentre os próprios integrantes desta tendência. Desta forma as
"emoções secundárias" que são de cunho mais social seriam mesclas das emoções primárias
mediante a significação do indivíduo a situação social em que enfrenta. Podemos ilustrar com o
exemplo das cores primarias onde as misturando, podemos obter as cores secundárias e
assim por diante.
3
Torres (2009, p.19) afirma que para Kemper poder e status "estruturam todas as relações
sociais humanas, [...] as quais correspondem a duas emoções específicas, fisiologicamente
definidas - medo para poder, e raiva para status.
12
podem, porém, eliminá-la a um custo alto, mutilando o indivíduo, ou
4
levar ao desenvolvimento de patologias. (TORRES, 2009, p. 13-14).
Já na concepção de Turner as emoções são analisadas a partir da interação
face a face do homem, entretanto suas concepções evolucionistas são claras em sua
tese central, onde:
[...] a expansão da capacidade de sentir (emoções positivas), de
controlar emoções (negativas), e de desenvolver a linguagem não
verbal (comunicação sem emissão de grunhidos), foi condição
essencial para possibilitar a vida coletiva sem a qual a espécie teria
sido dizimada. Essas capacidades, decorrentes da atuação do
processo evolucionário de seleção natural sobre o cérebro
humanoide, são então relacionadas às intenções sociais das
sociedades atuais. Assim, Turner considera que as sofisticadas
emoções, encontradas na sociedade atual, são elaborações de
emoções primárias e atribui a tensão permanente entre a liberdade
individual e a cooperação, que caracteriza as interações, ao resultado
do processo evolucionário que transformou o primata agressivo,
independente e antissocial, em um ser gregário. O teórico em
questão aduz tambem que há predominância da linguagem não
verbal nas interações e que tal predominância ocorre em decorrência
da necessidade evolucionária, sobrevivente do passado, de tornar os
primatas em seres silenciosos para protegê-los dos seus inimigos e
predadores. Essa é uma das suas tentativas de se contrapor a ênfase
na linguagem verbal, que está no âmago das concepções
5
culturalistas das emoções. (TORRES, 2009, p.14).
Apesar da breve definição exposta a partir da obra de Torres (2009), podemos
ter um breve panorama de que para os dois teóricos citados acima, suas investigações
partem
do
pressuposto
de
que
as
emoções
humanas
são
semelhantes,
independentemente dos substratos sociais e culturais, que por sua vez obtêm um
caráter secundário na manifestação das emoções. Assim, "apesar da aparente
diversidade com que se manifestam concretamente nas diferentes culturas e sub
culturas, existe um substrato fisiológico que é inerente ao organismo da espécie".
(TORRES, 2009, p.95).
Entretanto,
em
destacável
oposição,
há
os
teóricos
intitulados
socioculturalistas, ou construtivistas das emoções, como Arlie Hochschild e Steven
Gordon, dentre muitos outros, que partem do pressuposto de que as emoções variam
4
Para uma leitura aprofundada e de fácil compreensão sobre a visão de Kemper em relação às
emoções e os conceitos de poder e status numa releitura contemporânea brasileira, ler o
subcapítulo da obra “Hóspedes Incômodas?” de Torres (2009), intitulado "Emoções: A
abordagem Biossocial-Relacional de Kemper".
5
Para uma leitura aprofundada e de fácil compreensão sobre a visão de Turner em relação às
emoções e sua concepção evolucionária da espécie humana numa releitura contemporânea
brasileira, ler o subcapítulo da obra “Hóspedes Incômodas?” de Torres (2009), intitulado "A
concepção evolucionária das emoções em Turner".
13
de acordo com a sociedade e a cultura em que o indivíduo está inserido. Ambos são
críticos vivazes do universalismo. Apesar de não negarem o fato de o biológico e o
fisiológico terem atuação na manifestação das emoções, criticam o fato de atribuir-se a
essas duas concepções toda atenção, numa afirmação convicta de que são suficientes
para se esclarecer todas as questões da esfera emocional. Neste ponto, portanto, esta
perspectiva teórica é defina por dar atenção ao processo de interação dos agentes
sociais e as configurações das emoções a partir dos processos de socialização, bem
como foca nos fatores sociais que influenciam a esfera emocional, assim como, a
forma com que as emoções interferem na esfera social. Assim, segundo Torres
(2009), para Hochschild, o que de fato importa para esta corrente teórica, não é se
existem semelhanças universais entre as emoções, nem o processo evolucionário das
emoções, e sim os aspectos da emoção que diferenciam os grupos sociais de seres
humanos (TORRES, 2009, p. 96).
Hochschild trabalha com a ideia de:
"Regras de sentimento" (feeling rules) e "Trabalho emocional"
(emotion work) (isto é, "administração" e "atuação profunda") são,
para Hochschild, as categorias chaves de um estudo sociológico de
emoções que relaciona o indivíduo e a estrutura social. Hochschild
argumenta que sendo emoções acompanhadas de certas sensações
mais ou menos intensas e não específicas, e dado que existem
padrões sociais que prescrevem a conveniência ou não de sentir e
expressar emoções e sentimentos (feelings), os indivíduos não só
podem como tentam, consciente e deliberadamente, interferir sobre
os seus estados internos, para adequá-los, quando em desacordo. É
porque os indivíduos se esforçam o tempo todo para tentar mudar a
intensidade ou a qualidade de uma emoção ou de um sentimento
(feeling), quando este está em desacordo com os padrões sociais
(gerais ou de grupos ou classes) evidenciados nas regras de
sentimento (feeling rules), que a estrutura social se mantém".
6
(TORRES, 2009, p.13).
Essa manutenção das estruturas sociais vigentes, para Hochschild se dá pelo
fato das regras de sentimentos, ou seja, o modo como o indivíduo deve se portar
emocionalmente na sociedade a qual pertence serem ditadas e propagadas pela
ideologia social dominante (TORRES, 2009). Deste modo, a desigualdade existente na
estrutura social se dá no processo de socialização das emoções, onde indivíduos
tentam a todo momento
6
Para uma leitura aprofundada e de fácil compreensão sobre a visão de Hochschild em relação
às emoções e suas categorias de "Regras de sentimento" (feeling rules) e "Trabalho
emocional" numa releitura contemporânea brasileira, ler o subcapítulo da obra “Hóspedes
Incômodas?” de Torres (2009), intitulado "Arlie Hochschild, interacionismo e as regras de
sentimentos". E Bonelli (2003), "Arlie Russell Hochschild e a sociologia das emoções".
14
[...] administrar seus sentimentos nas relações interpessoais, e,
sobretudo, como nas relações de troca no mercado de trabalho, a
capacidade de gerenciamento das emoções se torna mercadoria
valorizada, comprada e vendida em certos tipos de emprego.
(TORRES, 2009, p.13).
Koury (2009) nos traz uma visão um pouco mais específica ao apontar que
Hochschild, assim como Candece Clark, Susan Schott, MacCarthy, dentre outros
teóricos buscam analisar as emoções como fenômeno social a partir do modelo e dos
métodos interacionistas e do interacionismo simbólico. Sendo assim as emoções
teriam em sua essência um conjunto de significados e regras que seria produzidos a
partir das interações subjetivas e de subjetividade entre os indivíduos, na construção
do social (KOURY, 2009, p.52). Hochschild deste modo trabalha especificamente:
[...] com a categoria de trabalho emocional ou de trabalho das
emoções. Define, dentro de um modelo goffmaniano de análise, uma
espécie de "ideal emocional" sobre o qual os indivíduos devem
basear suas ações no exercício de uma atividade profissional
(Hochschild, 1990, p.121). Ideal emocional este, construído no
processo de interação social, onde os indivíduos envolvidos procuram
elaborar e manusear suas emoções[...]. (Koury, 2009, p.52).
Vê-se, portanto, que, assim como Hochschild, os pesquisadores das emoções
que partem desta perspectiva sociológica
[...] dão prioridade para os processos sociais, morais e culturais de
onde as emoções emergem, e suas condições de formação e ação
no social através dos indivíduos, buscando entender o jogo interrelacional entre as instâncias subjetivas e objetivas dispostas em uma
interação social. (Koury, 2009, p.52).
As emoções por fim, possuiriam um conjunto de regras, que coordenariam as
práticas sociais, bem como indicaria as ações emocional dos indivíduos derivado de
valores adquiridos no modo de vida baseado a partir de uma rede de sociabilidade
específica, onde as ações sociais dos atores relacionais seriam medidas com base,
dentre outros fatores relacionais, nos códigos simbólicos projetados cultural e
socialmente.
O segundo nome da insurgente sociologia das emoções discutido por Torres, e
tambem de fundamental importância para a posição socioculturalista é Steven Gordon.
Este Teórico propõe que:
A sociedade desenvolve o "eu social" de cada membro, socializando
os seus sentimentos. Isto significa: provê os indivíduos com
"vocabulários de sentimentos" de forma a lhes capacitar a fazer o
15
"manejo da expressão" e o "manejo dos sentimentos". A socialização
emocional, que permite aos indivíduos "saber" sobre sentimentos e
consequentemente ter a habilidade de manejá-los, está, para Gordon,
relacionada às funções sociais essenciais para manutenção da ordem
social: a construção da solidariedade do grupo e a reprodução da
estrutura de status-poder. (TORRES, 2009, p.12).
Gordon não nega que as emoções possuem características sentidas pelos
indivíduos no âmbito biológico e psicológico, pois, para ele, as emoções são
"experimentadas pelos indivíduos como estados internos intensos, envolvendo
'alterações psíquicas' expressas por gestos corporais" (TORRES, 2009, p.104),
entretanto como o indivíduo irá a partir daí se comportar e expressar essas emoções,
é considerado socialmente construído e possuem um patrão já estabelecido
socialmente, que regula o comportamento do indivíduo ao "modo apropriado" como
deve se portar. Desta maneira os "estados emocionais revelam aspectos sociais que
vão muito além do estímulo corporal imediato que dizem ser a emoção" (TORRES,
2009, p.105).
Segundo Koury (2009, p.46), Gordon, assim como Randall Collins, dentre
outros, vêm o inicio da sociologia das emoções constituída desde os clássicos como
Marx, Weber e Simmel, considerando como precursores chaves para o nascimento
esta disciplina, os clássicos da sociologia francesa, Durkheim e Mauss. Para Gordon
"a estrutura social influência as esferas do comportamento e dos aspectos
motivacionais das emoções, enquanto a cultura alcança os aspectos de qualidade e
intensidade no processo de fixação das emoções" (Koury, 2009, p.48), onde estes
seriam definidos como um "aprendizado social de sensações corporais, onde gestos e
sentidos estão conectados com o processo de relações sociais e, sempre, no interior
de um dado processo cultural" (Koury, 2009, p.48). É apontado assim, por Koury
(2009) que:
A sociologia de origem durkheimiana, [...] tem influenciado em muitos
sentidos a análise de vários autores no interior da sociologia das
emoções. Para estes autores, a análise sociológica desenvolvida em
suas fronteiras, ajudou a aprofundar os significados da
intersubjetividade, bem como as relações entre as análises macro e
micro e, em certo sentido, a sociologia das emoções pode ser
considerada, enquanto campo disciplinar, herdeira desta tradição.
(KOURY, 2009, p.49).
Apesar dos conflitos e embates teóricos diretos, tanto da perspectiva analítica
construtivista, que apesar de não negarem os substratos biológicos e psíquicos das
emoções, mais, no entanto criticar ferozmente a tendência biossocial, por relegar
atenção exclusiva as questões neurobiológicas no desenvolvimento das emoções,
16
deixando os estímulos sociais e culturais à margem ou como pano de fundo no estudo
das emoções, ou o contrario, de uma tendência à outra, vale resaltar que ambas foram
de grande importância para a consolidação desta tão debatida disciplina. Claro que
cada um com seu ponto de vista particular, e teorias várias dentro de suas tendências
teórico-analícas, o que põem-se como fator enriquecedor para as mais variadas
discuções realizadas desde então acerca das emoções como elemento de
investigação da sociologia.
Koury (2009) cita tambem outros autores, contemporâneos, que foram de suma
importância para o desenvolvimento e consolidação da sociologia das emoções. É o
caso de Thomas Scheff, Retzinger, Scherer, Schott dentre outros. Estes autores não
viam nos clássicos da sociologia geral precursores desta disciplina em questão, pois
para eles, os clássicos da sociologia, como Durkheim, não deu a devida atenção para
o que chamou de "emoção social", ou George Mead, que não desenvolveu em sua
psicologia social o conceito de emoções, apesar de considerar um ingrediente
importante para seus estudos, e Parsons, que elege a emoção como um dos "quatro
componentes básicos da ação social" em suas análises teóricas, sem dar uma
atenção mais rigorosa a esta categoria. Sendo assim estes autores clássicos
relegaram a relevância das emoções em suas investigações a segundo plano, e
possuíam em seus esquemas teóricos apenas o papel de pano de fundo (KOURY,
2009, p.61-62). Sendo assim pode-se afirmar que:
[...] os sociólogos clássicos e as diversas escolas no interior da
sociologia geral, apesar de conseguirem identificar as emoções como
um processo social, e até diagnosticarem a importância da temática
para a análise do social, não conseguiram avançar nos estudos das
emoções e suas relações com o social. (KOURY, 2009, p. 62).
Para os autores desta tendência, portanto as emoções realmente ocuparam um
papel de destaque nos estudos da sociologia a partir dos trabalhos de Norbet Elias,
Helen Lynd e Richard Sennett. Isso porque estes três autores citados partem do
pressuposto de que a sociologia das emoções deve se aprofundar em pesquisar sobre
emoções específicas, que no caso dos três seria a "vergonha" (KOURY, 2009, p.62).
Assim, partindo de uma emoção específica, como:
A emoção vergonha e suas variantes, como o embaraço, a
humilhação, a baixa autoestima, a falta de autoconfiança, entre
outras, bem como os conceitos estreitamente correlacionados ao ato
de envergonhar-se, como o sentimento de honra, o sentimento de
orgulho, e o autorrespeito, formariam, deste modo, o centro básico, e
o núcleo compreensivo da cultura emocional no social, na análise
sociológica e antropológica das emoções. (KOURY, 2009, p. 62).
17
A partir deste modelo, se pode citar alguns autores(as) contemporâneos (as)
brasileiros(as), que em seus estudos se dedicam as emoções específicas e suas
variantes, como é o caso de Claudia Barcellos Rezende (2002, 2002a, 2003, 2006)
que "a partir do final dos anos noventa do século passado, adota a antropologia das
emoções enquanto linha de pesquisa específica para estudar a questão da amizade"
(KOURY, 2009, p.74). Ou Maria Claudia Coelho (2003, 2006, 2006a, 2008), que
estuda o conceito de dádiva na contemporaneidade, "onde procura compreender os
princípios, as normas e as regras que norteiam a troca de presentes (Coelho, 2006), e
discutir a dádiva como tática usada para a construção de identidades e demonstração
de emoções" (KOURY, 2009, p.74).7
Outro nome de suma importância para a sociologia das emoções no Brasil, é o
de Mauro Guilherme Pinheiro Koury8, que em suas discuções aborda questões sobre o
sentimento de luto e sociabilidade (1993, 1999, 2002, 2003), bem como suas
representações na construção do indivíduo, "onde procura compreender as mudanças
e as permanências, os conflitos e as ambivalências, nos modos de vida e no
imaginário urbano brasileiro, a partir dos anos setenta do século XX" (KOURY, 2009,
p.76). Na antropologia visual trabalha com imagens e constituição de emoções (2001,
2002b, 2006a), onde o autor busca de forma concisa e sistemática "um
aprofundamento das relações entre a imagem e as formas de sociabilidade. E, nestas
relações, trabalha, principalmente, com uma análise crítica da fotografia e de suas
relações com a problemática dos sentimentos" (KOURY, 2009, p.76). Koury tambem
investiga a relação entre os medos vivenciados nas cidades contemporâneas
brasileiras (2002a, 2002b, 2005a, 2006, 2008), onde vem realizando "uma série de
investigações sobre a emoção medo no urbano brasileiro contemporâneo. Nos seus
estudos parte da hipótese, [...], de que a emoção medo é uma construção social
significativa para a análise do social." (KOURY, 2009, p.76).
A sociologia das emoções é um campo historicamente recente, e possui uma
vida mais curta ainda em âmbito nacional. No entanto nota-se um esforço dos autores
previamente citados aqui, dentre inúmeros outros, que buscam consolidar esta
disciplina no Brasil, apresentando a importante relevância da categoria emoção e das
emoções específicas nos estudos e investigações da sociologia, nos permitindo
7
Coelho e Rezende coordenam, desde 1998, o Grupo de Pesquisa Transformações da
Intimidade na UERJ.
8
Koury coordena o Grupo Interdisciplinar de Estudos em Imagem (GREI), e o Grupo de
Pesquisa em Antropologia e Sociologia das Emoções (GREM) que publica tambem a Revista
Brasileira de Sociologia da emoção (RBSE) desde 2002, na UFPB.
18
entender de forma cientifica e sistemática este fenômeno que por muito se acreditava
ser algo dotado de irracionalidade, provido por instintos primitivos dos seres humanos.
Todavia, estes autores buscam comprovar o oposto, demonstrando que nossas
emoções possuem uma lógica social, que a certo ponto nos dita ou regula nosso
comportamento emocional, na forma como sentimos, o porque sentimos, para que e
para quem expressamos nossas emoções.
CONCLUSÃO
A presente proposta teve como objetivo marcar o inicio de estudos e pesquisas
sobre a sociologia das emoções a partir de autores contemporâneos brasileiros. Deste
modo tentou-se apresentar aqui um panorama geral acerca do tema e da disciplina em
questão, bem como abordar na visão da autora Torres (2009) e do autor Koury (2004,
2009) as diferentes perspectivas
teóricas e metodológicas que impulsionaram a
sociologia das emoções no seu contexto de surgimento e as tendências a qual segue
as investigações no Brasil nos dias atuais.
Nesse contexto, diante dos autores analisados, pode-se identificar os embates
que permeiam esta vertente da Sociologia no que tange as abordagens teóricas que
buscam melhor apreender os fenômenos emocionais como fenômenos sociais. Bem
como perceber que, independente dos posicionamentos, alguns mais positivistas, de
cunho universalista e/ou biossocial, outros, não positivistas, que destacam aspectos
socioculturais, como os construtivistas, interacionistas ou interacionistas simbólicos, o
objeto de estudos da Sociologia das Emoções se concentra na análise e
problematização dos fatores e fenômenos sociais que influenciam e geram as
emoções nos indivíduos, assim como o porquê reagimos emocionalmente de
determinada maneira diante de um evento específico.
19
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