Emanuel Castro Costa, Historiador, FESBH
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Emanuel Castro Costa, Historiador, FESBH
MEMÓRIA E TRAJETÓRIA: UMA ANÁLISE A PARTIR DA VIDA DE IRMÃ BENIGNA (1907 – 1981) Emanuel Castro Costa, Historiador, FESBH [email protected] Lucimar Lacerda, Professora Orientadora [email protected] RESUMO: Com autorização do Vaticano, a Arquidiocese de Belo Horizonte deu início à Causa de Beatificação de Irmã Benigna Victima de Jesus, isto é, iniciou a investigação de sua vida, virtude e fama de santidade. Em vista das movimentações em torno do imaginário devocional, este artigo pretende compreender a importância da memória de Irmã Benigna na trajetória individual e no imaginário popular. Através de relatos de amigos, de testemunhos de graças, bem como das atividades realizadas e organizadas pela AMAIBEN (Associação dos Amigos de Irmã Benigna), buscou-se reconstruir a trajetória da religiosa através da biografia-histórica. PALAVRAS-CHAVE: Irmã Benigna – Memória – Trajetória – Devoção – Beatificação ABSTRACT: With due permission from the Vatican, the Archdiocese of Belo Horizonte has started the Cause for Beatification of Sister Benigna Victima de Jesus. This is the commencement of the investigation process of her life, noted virtue and holiness reputation. Aside from the view of the movements around the devotional imagery, this article seeks to demonstrate the importance of Sister Benigna's memory in the individual and social trajectories and in the popular imagination. Through reports from friends, testimonials of grace, as well as from the activities organized by AMAIBEN (Association of Sister Benigna's Friends), this study attempts to reconstruct her trajectory as a nun in a biographical and historical manner. KEYWORD: Sister Benigna - Memory - Trajectory - Devotion - Beatification INTRODUÇÃO Num período em que a Igreja Católica anuncia o início dos trabalhos de investigação da vida, virtude e fama de santidade de Irmã Benigna Victima de Jesus (1907 – 1081) e afixa edital na entrada da Cúria e das Igrejas da Arquidiocese1, perguntas a respeito da santidade surgem à mente de muitas pessoas. O que a faz digna de santidade? Quais milagres são atribuídos a ela? Essas e outras interpelações impulsionam os trabalhos do Tribunal Eclesiástico de Belo Horizonte que, em outubro de 2011, deu início à Causa de Beatificação2 da religiosa. A participação do povo nesse processo é indispensável, especialmente na proposição da Causa. O envolvimento popular resgata a história da religiosa através da memória e nos remete às relações sociais empreendidas por ela nos anos de 1935 a 1981, período no qual entrou para a vida religiosa e que seu trabalho missionário se espalhou e ganhou notoriedade. Conforme afirma o prefeito emérito da Congregação da Causa dos Santos, Cardeal José Saraiva Martins3, “são os leigos que dão o primeiro passo em uma causa de beatificação. São os leigos que devem dizer ao bispo: „em nossa opinião, essa pessoa é santa ou não é Santa” (MARTINS 2006 apud AQUINO 2006, p. 62). Lucília de Almeida Neves (2000. p. 109) afirma que “a memória constitui-se como forma de preservação e retenção do tempo, salvando-o do esquecimento e da perda”. Então, a exigência da participação popular como premissa da abertura da Causa é coerente, visto que o tesouro da memória é guardado e transmitido pelo povo. Nesse sentido, Neves afirma ainda que: A memória, ao constituir-se como fonte informativa para a História, constitui-se também como base da identidade, por meio de um processo dinâmico, dialético e potencialmente renovável, que contem as marcas do passado e as indagações e necessidades do tempo presente (2000. p. 13). 1 “A Cúria Metropolitana é uma instância que congrega toda a supervisão e administração da Arquidiocese Belo Horizonte nos seus mais variados âmbitos”. A Arquidiocese é formada por “milhares de comunidades e, em torno, de 270 paróquias presentes em 28 municípios mineiros. (Cúria Metropolitana. Instituições e Fundações. Arquidiocese. Arquidiocese de Belo Horizonte. Disponível em <http://www.arquidiocesebh.org.br/site/arquidiocese.php>. Acessado em: 14/11/2012.) 2 Beatificação – “Do latim beatus = bem-aventurado + facere = fazer. [...] Declaração papal de que determinada pessoa falecida merece ser tida como bem-aventurada, chegada à visão beatifica e que pode ser alvo de culto localmente determinado ou restrito a uma ordem religiosa.” (SCHULËR, Arnaldo. Dicionário Enciclopédico de Teologia. Porto Alegre, RS: Concórdia, 2002, p. 80) 3 MARTINS, J. S. M. A Igreja Canoniza muitos Santos? Agencia Zênit. 2006. apud AQUINO, Felipe. A intercessão e o culto dos Santos: imagens e relíquias. Lorena. SP: Cléofas, 2006. p. 62. 1 As etapas que a Igreja4 utiliza para julgar a trajetória dos candidatos a Santo são permeadas pelo uso da memória como fonte histórica. Além da construção biográfica, é preciso que os agraciados com milagres relatem os fatos por escrito. Nos casos de cura, o médico envolvido também tem que registrar por escrito o ocorrido e atestar que não há explicação médica para o caso. Irmã Célia Cadorin, principal autoridade brasileira no assunto, detalha os trâmites do processo: Quando um Bispo diocesano instaura o processo de beatificação de uma pessoa em sua circunscrição eclesiástica, esta recebe a denominação de Servo de Deus. Depois é feita a pesquisa de documentos sobre o Servo de Deus, a qual é reduzida a um escrito, completado pela biografia documentada. Se for uma causa histórica, que supõe pesquisas, a documentação é estudada por uma Comissão Histórica da Congregação para a Causa dos Santos. Após a causa de beatificação ser analisada por consultores teólogos, ela recebe o parecer de Cardeais e Bispos da mencionada Congregação pontifícia e sobe à consideração do Sumo Pontífice. Caso ele aprove o processo, um decreto pontifício declara que o Servo de Deus praticou virtudes em grau heróico, passando então ele a ser chamado Venerável. A autenticidade de virtudes heróicas é atestada por escritos e depoimentos de pessoas que conheceram ou conviveram com o Venerável. [...] Depois, para ser considerado Beato, a Santa Igreja exige a ocorrência de um milagre que comprove, por via sobrenatural, a heroicidade de virtudes. O milagre autêntico apresenta quatro características, a saber, a cura deve ser : 1 - instantânea ou muito rápida; 2 perfeita; 3 - duradoura; 4 - preternatural, isto é, a ciência médica não a pode explicar, escapando ela do âmbito científico. Para o Beato ser considerado Santo, isto é ser canonizado, é necessário mais um milagre (CADORIN, 1998.)5. Então, através da análise dessas questões, pretende-se problematizar a relação entre História, Memória e Trajetória. Segundo Neves (2000, p. 109) pode-se afirmar que: O ato de relembrar insere-se nas possibilidades múltiplas de elaboração das representações e de reafirmação das identidades construídas na dinâmica da história. Portanto, a memória passa a se constituir como fundamento da identidade, referindo-se aos comportamentos e mentalidades coletivas. [...] Desta forma, História e memória, enredadas na trama da reconstituição temporal, contribuem para aguçar a consciência dos sujeitos históricos de pertencimento ou de não pertencimento a organizações, grupos, instituições, países. No início do cristianismo, o povo “aclamava a santidade de alguém e cabia aos Bispos serem os juízes da devoção espontânea dos cristãos. Só a partir da Idade Média começou o processo formal de canonização dos Santos” (AQUINO, 2006, p. 48). Ao longo dos anos a 4 Leia-se Igreja Católica Apostólica Romana. CADORIN, Célia. Entrevista. Catolicismo: Revista de Cultura e Atualidade. Setembro de 1998. Disponível em: <http://www.catolicismo.com.br/materia/materia.cfm?IDmat=6E1346F6-3048-560B-1C2F7B9B245 A2B80&mes=Setembro1998> Acessado em: 29/11/12. 5 2 questão foi sendo discutida, até que o Papa João XV (985-996) decretou a primeira canonização formal: A partir daí não valeria mais a aclamação de um Santo por parte do povo de Deus aprovada pelo Bispo local. O Papa atribuía exclusivamente a si a função de canonizar os Santos, após detalhado e cuidadoso processo para examinar os indícios de santidade, a fim de se evitarem equívocos por parte do entusiasmo do povo cristão. (AQUINO, 2006, p. 50). O direito de confirmar a santidade foi reservado à Santa Sé, embora a participação do povo e do Bispo local tenha continuado indispensável. Na Causa de Irmã Benigna, por exemplo, o pedido oficial sobre a santidade da religiosa chegou ao Bispo pelo povo, representado por duas associações, uma leiga e outra religiosa: Associação dos Amigos de Irmã Benigna – AMAIBEN e pela Congregação das Irmãs Auxiliares de Nossa Senhora da Piedade – CIANSP6. Parte da documentação juntada no processo de Beatificação compõe as fontes deste estudo. São relatos e testemunhos que foram extraídos de um livro de memórias e de publicações do Jornal Irmã Benigna Notícias7. São memórias escritas que, além de revelarem aspectos ligados à religiosidade e à trajetória de Irmã Benigna, revelam importantes características culturais e sociais que nos permitem analisar a vida e a obra da freira. Conforme afirma Mary Del Priory (2009, p.11): O indivíduo é, ao mesmo tempo, ator crítico e produto de sua época, seu percurso iluminando a história por dois ângulos distintos. Um explícito, pela iniciativa voluntária do observador que propõe uma análise da sociedade na qual o personagem está inscrito. O outro, implícito, avaliado no percurso do personagem que ilustra, por sua vez, as tensões, conflitos e contradições de um tempo, todos essenciais para a compreensão do período. 6 “Padre Domingos [Pinheiro] buscou criar uma congregação de irmãs de caridade, a qual foi denominada: Congregação das Irmãs Auxiliares de Nossa Senhora da Piedade. Constituída em abril de 1892, a sua regra foi aprovada pelo Papa Leão XIII, em 25 de junho de 1895, com duração indeterminada. A comunicação de aprovação foi realizada através documento episcopal, assinado por D. Silvério Gomes.” (MARIA Ângela do Coração de Jesus, MADRE. O pioneiro da Serra da Piedade. Apud TAMBASCO, J. C. Vargens. A Serra e o Santuário: Nossa Senhora da Piedade de Caeté, uma herança setencionista das minas de ouro. Vassouras, MG: Terra, 2010. p 101.) 7 Publicação bimensal editada pela Associação dos Amigos de Irmã Benigna, com tiragem de 30.000 exemplares, distribuídos gratuitamente nas paróquias da região metropolitana e das paróquias das cidades com grande concentração de devotos, como Lavras e Diamantina. 3 Assim, através da análise dessas informações, pretendemos reconstruir a trajetória de Irmã Benigna sob a perspectiva metodológica da biografia-histórica, sob a qual Giovanni Levi (1996 apud AVELAR 2010, p. 161)8 afirma que: A biografia constitui na verdade o canal privilegiado através do qual os questionamentos e as técnicas peculiares da literatura se transmitem à historiografia. Muito já se debateu esse tema, que concerne sobretudo às técnicas argumentativas utilizadas pelos historiadores. PRIMEIROS PASSOS As investigações provocadas pela Causa de Beatificação não só tiraram “a poeira de arquivos”, como deram novo ânimo à devoção e tornaram a “freira que faz milagres” ainda mais conhecida. Parentes recorreram a álbuns de fotografias, amigos remexeram guardados em busca de cartas e orações escritas por ela, senhoras recordaram o tempo de infância quando ela era vista rezando no jardim da escola. A “fama de santidade” também cresceu, isto é, a quantidade de devotos aumentou. É difícil precisar as razões desse fenômeno, entretanto muito se deve à autorização para culto local concedida pela Igreja e ao trabalho da Associação de Amigos. Essas realidades foram evidenciadas na Concessão de Licença emitida por Dom Walmor Oliveira de Azevedo em 30 de novembro de 2011: Tendo recebido da AMAIBEN (Associação dos Amigos de Irmã Benigna), na pessoa de sua presidente, a Sra. Maria do Carmo Mariano, o pedido de uma igreja e horário para a Missa e a Novena a Nossa Senhora do Rosário de Pompéia, que há 30 anos são rezadas no cemitério do Bonfim, em Belo Horizonte, levando em conta que os restos mortais de Irmã Benigna serão transladados para o Asilo São Luíz, na Serra da Piedade, o número de fiéis participantes semanalmente de 400 a 500 pessoas, que rezam pela beatificação da Serva de Deus, fazendo ali seus pedidos de intercessão e dando seus testemunhos e outras razões, vem pela presente conceder a licença para que estes atos sejam transferidos [...] para a Matriz de Nossa Senhora da Conceição, na Lagoinha (AZEVEDO, 2011-1). 8 LEVI, Giovanni. O Uso da biografia. 1996 Apud AVELAR, Alexandre de Sá. A biografia como escrita da História: possibilidades, limites e tensões. Dimensões, vol. 24. 2010. 4 Figura 01: “Duas mil pessoas acompanham chegada dos ossos de Irmã Benigna a BH” (Werneck, 2012-2.) Fonte: Arquidiocese de Belo Horizonte. A possibilidade da existência de uma “primeira Santa mineira” suscitou e renovou questionamentos. O que é ser santo? O que faz alguém enfrentar uma viagem intermunicipal e se apertar entre duas mil pessoas9 para tocar a ossada de uma religiosa falecida há 30 anos? São questões que ecoaram nas entrelinhas das reportagens e no íntimo daqueles que acompanharam as notícias sobre o Translado dos Restos Mortais10, exumados no cemitério do Bonfim e levados para o relicário construído na capela do Noviciado Nossa Senhora da Piedade11, em Belo Horizonte. E o que leva pessoas a elegerem Irmã Benigna como mediadora com o sagrado e atribuírem a ela o “sucesso” de sua relação com Deus? Na obra “A Intercessão e o Culto dos Santos”, Felipe Aquino (2006) lembra que “antes de tudo, é preciso entender quem é um Santo” e explica: 9 Número extraído da reportagem do jornalista Gustavo Werneck, publicada no Jornal Estado de Minas, em 9 de março de 2012. 10 Translado dos Restos Mortais (ou transladação dos Restos Mortais) – “Precede a transladação, a exumação dos restos mortais, que exige sempre uma justa causa para transladar os restos mortais de um Servo de Deus, que provavelmente será beatificado. A exumação, normalmente, é feita na fase diocesana da Causa com o reconhecimento dos restos mortais, quando se retiram algumas relíquias e depois de realiza a transladação para uma Igreja ou Capela ou outro lugar de fácil acesso dos fiéis.” (ERMNO, 1975, verbete.) 11 Não sabemos dizer porque o local do relicário foi alterado da Serra da Piedade para o Noviciado da Congregação. Relicário – local para guardar relíquias. “Relíquia significa o que fica, com relação ao corpo humano ou parte dele; em sentido mais extenso chamamos relíquia também aos objetos que tiveram contato com a pessoa que se venera. A Igreja, desde seu inicio, venera as relíquias dos mártires e depois dos santos confessores. A autenticação de uma relíquia supõe um reconhecimento de autoridade eclesiástica.” (ERMNO, Ancilli. (org.). Dicionário Enciclopédico di Spiritualità. Edizioni Studium. Roma: 1975. apud CADORIN, Célia B., Irmã. A transladação dos restos mortais e as relíquias dos Servos de Deus. Jornal Irmã Benigna Notícias. Ano 4. Nº 21. Outubro/2011.) 5 Os homens e mulheres que a Igreja Católica chama de “Santos” são milhares, mais de vinte e sete mil. [...] São de todas as condições de vida, raças, cores, culturas, países, etc. Porém uma coisa é comum a todos: eles foram heroicamente bons; basta analisar suas vidas. Os processos de beatificação e canonização são rigorosíssimos e, por isso, demorados; qualquer dúvida, por menor que seja, pára o processo (AQUINO, 2006, p. 13). Konings (2004) afirma que “confiar em alguém como intercessor supõe sentir-se solidário (familiar) com ele” (2004 apud ARAÚJO 2009, p. 68). Dessa forma, imagina-se que os devotos de Irmã Benigna buscam proximidade com ela. É como se quisessem os mesmos cuidados e amparos que a Irmã destinava às pessoas em vida. O Catolicismo Romano afirma que isso é possível, pois os santos “não deixam de interceder por nós junto ao Pai” (CIC §956). Nos relatos que analisamos, pessoas rememoram fatos e contam como foram acolhidos nos momentos de aflição e necessidade. Vejamos: Conheci a devoção à Irmã Benigna num momento de muito sofrimento. [...] Na época eu estava grávida e não tinha apoio de ninguém, era muito pobre e todos queriam que eu retirasse a criança porque eu não teria condições de criá-la. A minha patroa sabia do meu sofrimento [...] Foi aí que ela me falou da Irmã Benigna, da oração que é rezada em seu túmulo. [...] A partir daquele momento comecei a rezar e pedir a ela que me mostrasse o que fazer. [...] Decidi enfrentar todas as dificuldades para que ela nascesse. [...] (SANTOS, 2012. p.5) [...] Numa noite de abril de 1996, estava eu fazendo a novena de Irmã Benigna quando a alça de minha camisola caiu e, ao abaixar a cabeça para concertá-la, notei um grande caroço no mamilo esquerdo, pouco antes, durante o banho, nada havia no seio. Fiquei assustada e espantada, pois há 15 dias havia feito ultrassom e mamografia e estava tudo normal. [...] Marcamos a biópsia. [...] Resultado: Doença de Paget (segundos os médicos, um dos tipos de câncer mais invasivos e ele não é detectado precocemente pelos exames que eu já tinha feito) [...] Fizeram a mastectomia radical e o esvaziamento radical e o esvaziamento da axila. [...] Tenho certeza que foi essa criatura maravilhosa que me mostrou o mal no momento certe de extirpá-lo e, graças a Ele e a Nossa Senhora, já se passaram 8 anos e estou curada. (MASCARENHAS, 2011. P. 4) Na casa de Mariza, minha sobrinha, estavam todos desempregados. Ela pediu à Irmã Benigna e foi atendida. A filha Venice conseguiu emprego para não sair da faculdade. Mariza, depois de 25 anos sem trabalhar fora, também conseguiu. [...] Meu filho Armando estava num serviço muito perigoso. Trabalhava de motorista toda noite. Foi assaltado três vezes. Eu já não dormia sossegada. Sua esposa, Rose, também não tinha sossego. Pedi a Irmã Benigna muita proteção para ele. Pedi também que ela intercedesse junto a Jesus, Maria e José. Ele conseguiu um trabalho muito melhor. (ARAÚJO apud MARIANO, 2010. p. 148)12 12 ARAÚJO, Helena Barbosa. Os vários empregos alcançados. Apud MARIANO, Maria do Carmo de S. F.; FERREIRA, Belquis C. F. . As mais belas histórias de Irmã Benigna. 7º Edição. Belo Horizonte – MG. 2010. p. 148 6 O arcabouço social construído em torno da devoção ocorre com o auxílio da memória dessas pessoas, sejam das que a conheceram e narram o cotidiano da religiosa, sejam das que conheceram a devoção e relatam as mudanças nas próprias vidas. Neves (1999) expõem que: A memória passa a se constituir como fundamento da identidade, referindo-se aos comportamentos e mentalidades coletivas, uma vez que o relembrar individual – especialmente aquele orientado por uma perspectiva histórica – relaciona-se à inserção social e histórica de cada depoente. (NEVES, 1999, p. 109.) Compreendendo a importância da memória de Irmã Benigna na trajetória individual e no imaginário popular, propomos, neste estudo, um esboço histórico-biográfico da religiosa. Dessa forma, concordamos com Piovesan (2004, p. 3) que afirma: “O indivíduo e sua trajetória passam a ser mais valorizados e a produção é uma memória pessoal e individual ganha cada vez mais espaço na sociedade moderna”. UMA HISTÓRIA DE AMOR Repetidas vezes, a música Peixe Vivo integrou, junto com hinos e salmos, o repertórios executado nas Celebrações Eucarísticas de aniversário de morte e nascimento de Irmã Benigna. Terezinha Lopes (2008) afirma ter comparecido com a Colônia Diamantinense13 à Celebração pelos 27 anos de morte e conta que a “missa foi encerrada com a canção “Peixe Vivo”. Zum, zum, zum, lá no meio do mar Zum, zum, zum, lá no meio do mar [...] Como pode um peixe vivo Viver fora d'água fria? Como pode um peixe vivo Viver fora d'água fria? Como poderei viver Como poderei viver Sem a tua, sem a tua Sem a tua companhia? Sem a tua, sem a tua Sem a tua companhia? Zum, zum, zum Os pastores desta aldeia Já me fazem zombaria Os pastores desta aldeia 13 Grupo de pessoas que promove a interação dos diamantinenses residentes em Belo Horizonte e os que residem na cidade natal. 7 Já me fazem zombaria Por me ver andar tão triste Por me ver andar tão triste [...] Brilha o sol e brilha a lua Um de noite, outro de dia Só eu vivo sempre à sombra Só eu vivo sempre à sombra Sem a tua, sem a tua Sem a tua companhia Sem a tua, sem a tua Sem a tua companhia Zum, zum, zum [...] (Peixe Vivo14. Valdemar de Jesus Almeida e Neurisvan Rocha Alencar) Mais que alusão à terra natal, a execução da música memoriza seu jeito de ser e evangelizar. Nos lugares que chegava, pedia um violão e tocava serestas e cantigas aprendidas quando criança. Reavivava seu tempo de Maria da Conceição dos Santos, menina humilde de educação familiar religiosa, crescida em meio a valores cristãos e às coisas da Igreja – atuava como “filha de Maria15” e catequista. Utilizava os matizes culturais nela inculcados para dizer aos presentes que era necessário ser criança; que era impossível viver fora de Deus, igualmente é impossível o peixe viver fora d‟água. O violão, a seresta e a música integravam o agir de Irmã Benigna. Como conta Herculano Pinto Filho: “Ela era muito alegre, tocava violão e cantava para alegrar nossos corações.” (FILHO, 2012. p.3. grifo nosso) e Lucia Moreira de Andrade: “Ela vinha aqui em minha casa para arejar um pouco, porque era muito requisitada pelas pessoas. Aqui ela tocava violão, cantava e dizia: „Aqui está tudo ótimo; quando entro num lugar que tem coisas ruins, me da muito sono‟” (ANDRADE, 2012, p.3, grifo nosso). 14 Letra disponível em <http://letras.mus.br/inezita-barroso/1902097/>. Acessado em: 06/11/2012. Filhas de Maria – Movimento existente nas décadas de 1950 e 1960, com função de auxiliar moças católicas na observância da lei de Deus, no fiel cumprimento dos deveres cristãos e perseverança na pureza. ( ________. Movimentos Religiosos – As filhas de Maria. Piraguçu. Disponível em: http://www.pirangussu.com.br. Acesso em: 06/11/2012. 23h.) 15 8 Figura 2: Irmã Benigna tocando violão Fonte: CIANSP16 As características herdadas de Diamantina não param na música. Maria do Carmo Mariano (MARIANO, 2010, p.13, grifo nosso), ao contextualizar seu local de nascimento, utiliza adjetivos aplicáveis à Irmã também: “terra de gente alegre, hospitaleira, amantes da música, seresteira, gente religiosa”. São inter-relações sobre as quais Piovesan (2007, p. 6, grifo nosso) faz as seguintes considerações: Existe uma relação forte entre biografia e contexto, sendo que para Levi, a importância da biografia é principalmente de mostrar as incoerências dos sistemas de normas e seu efetivo funcionamento, autorizando a diversificação das práticas individuais. Filha de família numerosa, desde cedo Maria da Conceição sentiu o chamado de Deus à vida religiosa. Com a ajuda dos pais, Joaquim Antônio e Eulália dos Santos, a vocação17 foi amadurecendo, criando raízes profundas no Catolicismo Romano e na cultura mineira. Recebeu formação primária e fez curso técnico de secretária18. Para responder àquele chamado era preciso escolher a congregação religiosa pela qual se consagraria a Deus. Havia inúmeras opções, e o conselho de um padre amigo trouxe a informação decisiva: A Congregação das Irmãs Auxiliares de Nossa Senhora da Piedade – 16 PIEDADE, Congregação das Irmãs Auxiliares de Nossa Senhora da Piedade. Irmã Benigna. Disponível em: http://ciansp.com.br/interna.asp?id=10. Acessado em: 12/11/2012 15h20 17 Vocação (do latim vocatio, -onis) – Inclinação que se sente para alguma coisa = PROPENSÃO, TENDÊNCIA; inclinação para a vida religiosa. (Verbete. Priberam – Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Disponível em: <http://www.priberam.pt> Acesso em: 07/11/2012. 18 CRONOLOGIA. Irmã Benigna Victima de Jesus. Encarte. CIANSP (Congregação das Irmãs Auxiliares de Nossa Senhora da Piedade) e AMAIBEN. 9 CIANSP nascera entre as montanhas de Minas. Assim, aos 28 anos, Maria da Conceição inicia sua caminhada como auxiliar de Nossa Senhora da Piedade. Segue-se, então, uma série de acontecimentos cujas datas coincidem com algumas festividades da Igreja. Para os devotos não são coincidências, mas providências. Seria um prenúncio, um sinal da amizade de Deus com a religiosa. Essa releitura faz parte do processo da memória, como afirma Changeux: "O processo da memória no homem faz intervir não só a ordenação de vestígios, mas também a releitura desses vestígios" (1972 apud LE GOFF 1990, p. 424). Em 1935, no dia 11 de fevereiro (festividade de Nossa Senhora de Lourdes) entra oficialmente para a vida religiosa e recebeu o Hábito. No ano seguinte, no dia 19 de março (festividade São José) fez sua primeira profissão (votos de pobreza, castidade e obediência) e escolhe novo nome, passando a chamar “Irmã Benigna Victima de Jesus”. Nossa Senhora de Lourdes e São José, portanto, serão lembrados a todo momento, inclusive às vésperas do falecimento (16.10.1981), quando constrói e inaugura duas obras: a Capela São José e a Gruta de Nossa Senhora de Lourdes, ambas em Lavras/MG. Designada para trabalhar em Itaúna, na Santa Casa de Misericórdia, iniciou seu legado de ajuda ao próximo. Naquele local, diplomou-se como técnica de enfermagem. Nos diferentes relatos da época, as mesmas características da freira são elencadas: alegria, hospitalidade, religiosidade. Conheci Irmã Benigna quando eu tinha 13 anos. [...] Nesta época, meu irmão José de Souza Ribeiro era criança, mais novo do que eu e ficou muito doente. [...] O Tempo que meu irmão ficou internado eu fiz uma amizade tão grande com Irmã Benigna que eu me apeguei a ela. [...] Ela rezava o terço com os doentes e com os visitantes. [...] Era muito amorosa, caridosa e muito alegre. [...] Tratava a todos igualmente. [...] De minha parte ela já estaria nos altares porque para mim ela é Santa Benigna (REZENDE, 2011, p.3). Embora ateste a santidade da amiga e cobre a presença dela nos altares, Rezende não apresenta fatos sobrenaturais como justificativa. Entretanto, ela conta um “milagre” que Irmã Benigna fazia: acolhia a todos igualmente. Era amorosa nos momentos mais difíceis e lhes dava ensinamentos religiosos, tão pertinentes nas aflições. Os votos perpétuos, em 1941, servem de marco para diferentes memorialistas consultados. Atesta-se que, dali em diante, Irmã Benigna alargou o dom da escuta, da acolhida e do aconselhamento. Surgem, então, as narrativas que rompem com a ordem natural, “seus dons eram tão fortes que ela costumava dizer o dia e a hora em que os problemas seriam resolvidos” (MARIANO, 2010, p.14). 10 Transferências, viagens e despedidas. Em 1948, após dedicar muitos anos à Itaúna – onde foi nomeada superiora do hospital e fundou uma maternidade para dar assistência às mães carentes – foi transferida para a Casa Mãe da CIANSP, em Caeté. Em 1950 foi transferida para Lambari, onde trabalhou auxiliando na enfermaria e nos serviços domésticos. Em 1955 foi novamente transferida, desta vez para o Colégio Nossa Senhora de Lourdes, em Lavras. Em 1960 foi para a Santa Casa de Misericórdia, em Sabará, e em 1963, retorna à Caeté, e permaneceu no Asilo São Luiz até 1966. Por onde passou, Irmã Benigna colecionou amigos e histórias de conversão. Mesmo partindo para novas missões, permanecia presente na lembrança daqueles com quem conviveu e que não cansam de contar o que viram. Contam e escrevem cada episódio: Do colégio em Lavras, senhoras recordam a infância e contam que ela rezava e dizia qual seria a nota nas provas, “sem nunca errar”; Dos asilos, o cuidado com os internos é a marca de sua atuação, que inclui relatos de empreendedorismo e mendicância de roupas e alimentos que suprissem as necessidades do asilo; Dos hospitais e enfermarias, os relatos partem de pacientes e seus familiares, de médicos e enfermeiros. Sobre esse processo, Pierre Janet considera que o ato mnemônico fundamental é o „comportamento narrativo‟ que se caracteriza antes de mais nada pela sua função social, pois que é comunicação a outrem de uma informação, na ausência do acontecimento ou do objeto que constitui o seu motivo" (FLORÈS 1972 apud LE GOFF. 1990. p. 425). Em 1966 foi chamada para a cidade de Lavras, para atuar na reconstrução do Lar Augusto Silva, orfanato, asilo, creche. Partiu “em um caminhão cedido pelo coronel Mota, da Polícia Militar, levando grande quantidade de gêneros alimentícios, roupas, objetos e móveis conseguidos, principalmente, entre diretores do Minas Tênis Clube” (MARIANO, 2010, p.17). A pobreza encontrada era tamanha, que internos e funcionários passavam à água com fubá. Realizou campanhas e “passou a pedir aos padeiros as sobras de pão, aos fazendeiros as sobras de alimentos, aos açougueiros as sobras de carnes e, assim, a fome foi eliminada” (MARIANO, 2010. p.18). Batendo de porta em porta, conheceu a cidade, conquistou amigos, evangelizou, recebeu doações e ajudou a muitos. Cuidou das instalações do Lar, murou, construiu horta, jardim e pomar; reformou e ampliou instalações. Contribuiu para a ordem e bem-estar social da cidade de tal forma que recebeu o título de Cidadã Honorária da Cidade de Lavras: “uma honraria que encheu seu coração de grande alegria” (MARIANO, 2010. p.18). Construiu a Capela São José e a Gruta de Nossa Senhora de Lourdes, inauguradas em 16 de agosto de 1980. 11 Conta-se que para Irmã Benigna não havia tristeza e ela sempre encontrava motivo para festejar. Em uma de suas muitas vindas à Capital, ela organizou uma grande festa no Colégio Nossa Senhora da Piedade para alunos e ex-alunos, professores e ex-professores, funcionários e ex-funcionários. Na noite de 11 de outubro de 1981, Maria do Carmo recebeu um telefonema do Colégio Nossa Senhora da Piedade avisando que Irmã Benigna não estava bem. Sentia dores no peito e falta de ar, mas para não assustar as irmãs que estavam com ela, pegou o violão e tocou e cantou várias músicas para que o ambiente ficasse menos tenso (MARIANO, 2010, p. 9). De manhã, no consultório, antes de ser atendida, “ouviu a Dra. Carmem dizer que estava aflita com problemas pessoais e rezou com ela várias orações. Ao examiná-la, constatou-se que na véspera, ela havia sofrido um infarto e seu estado não era bom, internando-a no CTI”. Mesmo no CTI e toda ligada a aparelhos, não se esquecia de ninguém. “Rezava a SalveRainha com médicos e enfermeiros. Como seu estado de saúde não melhorava, na tentativa de recuperá-la, resolveram colocar-lhe o marca-passo. No dia 16, pela manhã, foi feita cirurgia” (MARIANO, 2010, p. 9). A notícia espalhou-se e, em pouco tempo, a recepção do hospital foi tomada de amigos que buscavam notícias e rezavam. Em seu livro de memórias, Maria do Carmo Mariano (2010. p. 10) conta sobre aquela noite: “por volta das 22 horas, recebi um telefonema do hospital informando que Irmã Benigna estava morrendo. Corri ao hospital e logo depois ela faleceu,” e desabafa: “só pude entrar no CTI depois que ela estava morta. Que choque levei!” Assim, podemos perceber uma vida de doação e ajuda ao próximo. A trajetória de uma menina simples que, ao responder ao chamado de Deus, consagrou-se à vida religiosa e marcou a memória de inúmeras pessoas com escuta, serviço e Fé. VICTIMA DE JESUS Como vimos, ao fazer sua primeira Profissão de Fé, a jovem diamantinense assumiu a identidade religiosa junto de um novo nome: Irmã Benigna Victima de Jesus. É comum haver questionamentos sobre esse sobrenome. Afinal, o que é Victima de Jesus? Qual a intenção daquela jovem ao escolher esse sobrenome? Segundo Aquino, “na Bíblia, quando Deus muda 12 o nome de alguém, Ele está dando-lhe uma função especial” (AQUINO 2012 apud MELHADO 2012)19. Irmã Benigna parecia acreditar nisso. Ao falar sobre a freira, Dr. Antônio Rodrigues Ferreira relembra o período que trabalhou como estagiário na Santa Casa e descreve um convite que a freira lhe fez: Um dia, após certo período de convivência com ela, disse-me: “Eu queria que você fizesse parte de um grupo de pessoas, denominado Almas Vítimas Apostólicas”. Indagando sobre sua finalidade, ela explicou-me que se tratava de pessoas que se dispunham a oferecer todo o seu trabalho, oração, sofrimentos como vítimas de holocausto. “O holocausto”, disse-me, “é a maneira mais primorosa de santificação” (FERREIRA, 2012. p.3). O relato do estagiário permite-nos acreditar que a freira tinha a santidade como meta e que via o holocausto como “maneira mais primorosa” de cumprir aquela meta. A escolha do sobrenome seria inspirada nas narrativas bíblicas, nas quais profetas e sacerdotes ofereceram vítimas em expiação pelos pecados? E mais! Oferecer-se a Jesus como Vítima, teria lhe rendido maior amizade com Deus? Dr. Rodrigues Ferreira conta que: Ela era uma alma vítima, com uma ligação espiritual forte com Deus e de amor ao próximo. As obras – cuidar de uma enfermaria que abrigava doentes chagados – era para ela, como um apêndice de sua vida interior. Notava-se nela uma atitude de transparência, paciência, caridade, de fé, levada a um grande grau de amor a Nosso Senhor, o que é próprio das pessoas contemplativas, das pessoas que recebem graças místicas (FERREIRA, 2012, p. 3). O médico continua apontando o sofrimento como via de santidade: Meses depois, pude comprovar essa afirmação ao ler nos escritos de Santa Tereza D‟Ávila, quando ela trata dos “quatro graus de oração” e das “sete moradas”. A última morada é exatamente a morada do holocausto que leva à santidade. Santa Terezinha do menino Jesus, na sua autobiografia demonstrou, com o exemplo de sua vida, que o fim de uma pessoa santa é o holocausto. Cito esses exemplos para entendermos melhor Irmã Benigna (FERREIRA, 2012, p. 3). Estudando as interfaces do imaginário religioso, Pereira (2005) entende o sofrimento como violência e afirma que o “aspecto da violência intrínseca [...] permeia o sagrado, ou seja, o culto às almas, principalmente a das vitimas” (PEREIRA, 2005. p. 110). A alma de Irmã Benigna seria uma dessas? E sua fama de santidade, seria em razão de ela ter se 19 MELHADO, Nicole. Por que os Papas escolhem novos nomes?. Canção Nova Notícias. Da redação. Entrevista com Felipe Aquino. Disponível em http://noticias.cancaonova.com. Acessado em: 30/11/2012 13 oferecido como vítima? O historiador René Girard (1998 apud PEREIRA 2005, p. 323)20 afirma que: “o pensamento etnológico dispõe-se a reconhecer, no seio do sagrado, a presença de tudo o que pode ser recoberto pelo termo violência”. Maria de Souza Rezende, uma das amigas que conviveram com Irmã Benigna em Itaúna/MG, conta que: “Muitas vezes ela me confidenciava que estava sofrendo essas calúnias. Mesmo com todo esse sofrimento ela tinha o coração cheio de amor e aceitava tudo em silêncio e com muita dignidade” (REZENDE, 2011, p.3). Que confidências foram essas? Em um encarte-cronologia impresso pela AMAIBEN e CIANSP, encontramos a seguinte descrição: 1947 – Sofreu calunia e foi exonerada da função de superiora. Por decisão do Governo Geral, em 1948, foi transferida para a Casa Mãe e neste local foi castigada e impedida de receber visitas. O povo a descobre e novamente cresce a procura por aquela que alivia as dores, que porta esperança 21. A memorialista Maria do Carmo Mariano narra o fato com maior riqueza de detalhes: Da noite para o dia, dentro da casa que ela dirigia, espalharam que ela estava grávida e retiraram-na de lá presa, numa viatura policial, dizendo ser ela irmã do povo e comunista. [...] Levaram-na para a Serra da Piedade, em 1948, e para o Asilo São Luiz em Caeté. [...] Na Serra da Piedade, em oração e meditação, pedia a Deus e à Nossa Senhora forças para continuar, bem como perdoar tantos que a caluniaram, perseguiram-na e injustiçaram-na. [...] Lá sofreu grandes dores por não poder se quer se defender. [...] Foi colocada até num chiqueiro onde adquiriu várias doenças. [...] Depois de mais de um ano na Serra da Piedade, os amigos conseguiram descobri-la e quando chegavam para visitá-la a encontravam nos serviços mais pesados, mas sempre alegre e recebendo a todos com amor e oração. Sua saúde já estava bastante abalada e, quando Dr. José Nogueira, médico e amigo, foi visitá-la ficou horrorizado. [...] Comunicou, então, à diretora da casa que a saúde de Irmã Benigna estava muito abalada [...] Dessa forma ela não aguentaria mais e que ele responsabilizaria a congregação por sua morte (MARIANO. 2010, p.15-16,). “A História Oral possibilita o afloramento de múltiplas versões da história e, portanto, potencializa o registro de diferentes testemunhos sobre o passado” (NEVES, 2000, p. 115). Assim, ao suscitar diferentes narrativas sobre a questão, estamos potencializando o registro do passado. Lucia Moreira de Andrade, em seu testemunho, relata confidências que a freira teria feito a ela: 20 GIRARD, René. A violência e o Sagrado. São Paulo. Paz e Terra. 1998. p. 323. apud PEREIRA, José C. Devoções marginais: interfaces do imaginário religioso. Porto Alegre, RS: Zouk, 2005. p. 110. 21 CRONOLOGIA. Irmã Benigna Victima de Jesus. Encarte. CIANSP e AMAIBEN. 14 Irmã Benigna me contou pessoalmente que ficou 30 dias no chiqueiro comendo ração de porcos, na Serra da Piedade, num lugar muito frio. E foi daí que ela desenvolveu artrose e muitas outras doenças. A partir daí, ela passou a ter mais cuidado no relacionar com as outras freiras. Ela não me contou isso com tristeza. A humildade dela era completa, era humildade de coração, não era para aparecer. Ela tinha uma caridade extremosa (ANDRADE, 2012, p. 3, grifo nosso). Também é possível confirmar que Irmã Benigna suportava maus-tratos e humilhações, o que caracteriza violência e sofrimento moral: Irmã Benigna era gorda, de cor escura e muito alegre. Ela gostava muito de cantar e animava a todos. O seu carisma era tão grande que as pessoas não negavam nada a ela. A congregação porém não compreendia e não colaborava com ela. [...] Quando Irmã Benigna nos viu, ela colocou as mãos no rosto, nos levou para a cozinha e disse que não poderia receber visitas porque estava de castigo a mais de um mês. Ela esperou a hora do repouso das freiras e nos levou para uma salinha onde rezou conosco (HORTA, 2011. p.3) Para alguns, recordar essas questões é inútil e fora de propósito. Outros dizem que a própria Irmã Benigna ensinava que sofrer “é a maneira mais primorosa de santificação” (FERREIRA, 2012. p. 3). Há ainda, aqueles que relembram o sofrimento e atribuem função expiatória a ele: Muita gente ia à Santa Casa procurá-la. Quando Irmã Zélia deixava, o pessoal falava com ela. Senão, às vezes, ela dava o jeitinho dela. Irmã Zélia a perseguia muito, não sei se era inveja, eu seu que ela a perseguia demais. [...] Às vezes, a gente acha que está acontecendo uma coisa terrível, tão violenta e lembra que Irmã Benigna passou pior que isso e venceu. Ela era tão boa e só fazia o bem para os outros e essa irmã a perseguia. O que eu entendia de criança, parecia que essa [outra] irmã tinha muita ambição, porque todo mundo procurava Irmã Benigna e não procurava outro (BARBOSA, 2012, p.3, grifo nosso). Percebemos então, que os sofrimentos suportados pelos candidatos a Santo alimentam o imaginário popular religioso. Parece haver uma ligação entre o grau de sofrimento suportado e o grau de compaixão do “Santo” para com o sofrimento do fiel que pede sua intercessão junto a Deus. E ainda, destacamos dois pontos da trajetória de Irmã Benigna rememorados nos relatos que parecem confirmar uma caminhada de santificação: a espontânea adesão à mentalidade de “Alma Vítima Apostólica”; e o inusitado episódio da prisão no Chiqueiro de Porcos. 15 MEDIADORA Dentre os objetos de devoção comercializados pela AMAIBEN para sustentar as obras de caridade deixadas pela Irmã, há um CD chamado “Irmã Benigna Lembranças”, cuja contracapa trás a seguinte inscrição: Este CD foi feito de gravações de fitas de Irmã Benigna que permaneceram até então no asilo. Essas fitas tem em média 30 anos (quando da gravação para o CD), não são de boa qualidade nem foram gravadas com cuidado ou em aparelhos sofisticados. Por isto a gravação do CD não é de qualidade padrão. Vale para quem quer a lembrança da querida Irmã Benigna. Trata-se, portanto, de um registro histórico relevante. É a voz da religiosa, pela qual conhecemos seu jeito de rezar e de expressar. Das 11 faixas do CD22, transcrevemos a sétima: Todos que conhecem a pessoa da Irmã Benigna e sabe que preparo, eu não tenho – né? – para falar diante de tantas palavras comoventes e merecedoras das pessoas boas e distintas de falar... Bem eu tenho uma simples palavra aqui e queria agradecer a todos o gesto: Nessa hora de grande emoção venho agradecer aos vereadores desta Câmera e do projeto que me concedeu o Título de Cidadã desta terra que muito quero. Pedirei a Deus que traga sempre a essa casa paz, amor, compreensão e que as ilumine e nas decisões aqui tomadas para as melhores, melhor desenvolvimento da cidade. Muito obrigada. E nesse momento, como todos já me conhecem, eu também desejava rezar uma Salve-Rainha com todos, para a felicidade de todas as famílias. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, Amém. Salve, Rainha, Mãe misericordiosa, vida, doçura e esperança nossa, salve! A vós bradamos os degredados filhos de Eva. A vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas. Eia, pois, advogada nossa, esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei, e depois deste desterro mostrai-nos Jesus, bendito fruto de vosso ventre, ó clemente, ó piedosa, ó doce sempre Virgem Maria. Rogais por nós Santa Mãe de Deus, para que sejamos dignos das promessas de Cristo. Nossa Senhora da Piedade: rogai por nós! Em nome do Pai, do Filho e Do Espírito Santo, Amém. Deus lhe pague a todos! O Lar Augusto Silva é o asilo citado na contracapa do CD, onde as gravações originais ficaram guardadas por trinta anos. Em 1966, como vimos, Irmã Benigna foi chamada à cidade de Lavras/MG para trabalhar em sua reconstrução. Aquela cidade tornou-se “terra querida” de seu coração, numa reciprocidade comprovada pela honraria concedida pela Câmera Municipal Lavrense. 22 1-Inauguração da Capela; 2-Agradecimento pela Festa de Aniversário; 3- Como os médicos na saída do CTI; 4-Orando e cantando pelos benfeitores; 5-Um amigo; 6-O Amigo Bom e Fiel; 7-Cidadã Honorária de Lavras; 8-Seresta; 9-Cantando para os amigos; 10-Agradecimento pela Festa de Aniversário II; 11-Novena de Nossa Senhora do Rosário de Pompéia. 16 Uma vez mais, recorremos à memória para conhecer as vicissitudes vivenciadas naquele Lar e naquela cidade interiorana. Afinal, “a memória é um elemento essencial do que se costuma chamar Identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje” (LE GOFF, 1990, p. 476). Figura 3: Irmã Benigna segurando uma colher de pedreiro. Fonte: AMAIBEN Irmã Maria Pia de São José, companheira de congregação, revela-nos o motivo da missão e as circunstâncias que a esperavam: Quando eu cheguei a Lavras, no asilo Lar Augusto Silva, as dificuldades eram de toda ordem. Não tinha banheiro, porque o telhado caiu e entupiu as privadas. As meninas tomavam banho numa panela grande, de pé, porque não tinha água. Eram muitos estragos. As casas caindo, muita sujeira, muita bagunça. E o perigo até moral. Eu disse à Madre que somente Irmã Benigna daria um jeito naquilo. Pedi, então, à Irmã Branca e ela trouxe Irmã Benigna da Serra da Piedade para Lavras. Havia 8 ou 10 casinhas no asilo. Tinha o prédio das crianças, dos homens e das velhas, mas eles se misturavam e era uma complicação. [...] ela chegou e foi colocando ordem aos poucos. Sempre ganhava doações de alimentos. Com relação às instalações, Irmã Benigna arrumou mais pedreiros, foi tirando as terras do banheiro. Às vezes, as calhas entupiam e, quando chovia, era água para todo lado, goteiras. E Irmã Benigna arrumando. Depois, ficou aquela maravilha (JOSÉ, 2009, p. 7). Foram 16 anos de entrega e trabalhos, aliás, os 16 últimos anos de sua vida. No livro “Irmã Benigna: Centenário de Nascimento”, Maria do Carmo Mariano (2007, p. 21) conta que a freira: 17 Queria que o pobre fosse tratado com respeito, com direitos iguais. Quando organizava as festas para os velhinhos no asilo, arranjava uma roupa nova para cada um, atendia a todos os desejos deles. Bijuteria, batom, esmalte, perucas, vestidos novos, até salão de beleza instalou para que todos pudessem se sentir melhor. Calças novas para os velhos, camisas, botas e gorros faziam a alegria de todos. Jamais se esquecia do fumo de rolo, fruta predileta de todos. Mais que uma freira de caridade que faz sua oração cotidiana e faz afazeres domésticos num orfanato, Irmã Benigna proveu ajuda de toda ordem. “Ela sabia canalizar toda a ajuda para dar conforto espiritual e material a todos” (MARIANO, 2007, p.21). Assim, formou-se uma rede de solidariedade onde todos eram ajudados, cuja mediação era feita por Irmã Benigna. Ela sabia das necessidades de cada um, sabia que poderia ajudar naquela necessidade e supria a necessidade existencial-religiosa de todos. Herculano Pinto Filho, conhecido radialista lavrense, escreveu sobre isso: Fui um companheiro permanente em seu trabalho social. Ela estava sempre nos convocando para dividir conosco esse trabalho. Fomo com ela ao encontro de fazendeiros, comerciantes e pessoas comuns da cidade para pedir ajuda. Estivemos sempre ao lado de Irmã Benigna. Não foi uma graça só conviver com Irmã Benigna e assistir a beleza de sua formação humana, foi, sem dúvida nenhuma, uma grande graça que Deus me concedeu através dela. [...] Eu fui com Irmã Benigna ao encontro de várias famílias que foram excluídas e ela entrava nos casebres e ajudava a todos; ajudava a construir as casa, ajudava a amenizar as dores de enfermidades, ajudava a encaminhar crianças para a escola. [...] Ela procurava por todas as classes sociais para ouvir dela palavras que só ela sabia e tinha condições de falar. (FILHO, 2012, p. 3). Todos os depoentes ressaltam o zelo de Irmã Benigna no trato com as pessoas. No asilo, funcionários e internos recebiam carinho especial. Ela dedicava grande cuidado com a saúde e com a alimentação, preocupando-se com o bem estar de todos. Gostava de tudo limpo e organizado. Atendia às vontades de cada um, conseguindo brinquedos, maquiagens, balas, bombons e até fumo de rolo. A vontade de fazer o melhor pelo outro a consumia. Maria Vilas Boas (2008, p.12), uma amiga de Lavras, conta que ela sempre dizia: “Os meus velhinhos são a corda do meu coração e as meninas dos meus olhos”. Irmã Benigna esforçava-se para transformar a vida das pessoas, valorizando cada encontro, cada momento. Vilas Boas conta que “Irmã Benigna jamais se esquecia de dar-lhes maçãs, fruto muito apreciado por eles” e narra o acontecido em um Natal: Já na noite do dia 24, Irmã Benigna deparou-se com o inesperado: ainda não havia conseguido as maças que, todos os anos, ofertava aos velhinhos. Foi quando se reuniu com seus amigos, a fim de que todos percorressem mercados e armazéns da cidade, em busca de maças. Contudo, as frutas não 18 foram encontradas. Então, ansiosa em não decepcioná-los, conclamou a todos que rezassem a “Salve-Rainha”, rogando a Deus e pedindo a intercessão de Nossa Senhora para que resolvessem a situação. Quando terminaram a oração, para surpresa de todos, escutaram o chamado da campainha. Ao atender a porta, depararam-se com um caminhão repleto de maças doadas pelo Sr. Agnaldo, proprietário do Expresso Nepomuceno (VILAS BOAS, 2008. p. 12). O cuidado com roupas, remédios e alimentação era insuficiente para Irmã Benigna, pois faltava a parte espiritual. A oração era sua grande companheira de caminhada. “Ao pedir ajuda levava paz para muitos corações, era o balsamo que aliviava a muitos em aflição” (MARIANO, 2007, p. 21). No asilo não era diferente: Se preocupava por não haver no asilo uma capela para missas e orações. Foi com muito amor que conseguiu concretizar o grande sonho. Os asilados para assistir a Santa Missa precisavam ir até a cidade, a distância era grande, condução especial não havia. Pedindo aos amigos, caminhando, foi conseguindo ajuntar o material necessário e dinheiro para iniciar a construção da capela (MARIANO, 2007, p. 21). A construção da Capela São José e da Gruta de Nossa Senhora de Lourdes é citada constantemente nos relatos de Lavras: A obra da Capela foi de grande dimensão para uma pessoa isoladamente concretizar. Uma iniciativa daquela importância, ela enfrentou muitas dificuldades, muitas preocupações quando num determinado ponto da construção faltava cimento, tijolos, mas Deus sempre a socorria (FILHO, 2012, p.3). Dessa forma, a trajetória de Irmã Benigna alimenta o imaginário religioso, e a divulgação de relatos contribui para o crescimento da devoção. Trata-se da trajetória de alguém que se alegrava em ajudar os mais necessitados, seja necessitado de bens materiais, existenciais ou espirituais, pois “Irmã Benigna Conhecia Deus perfeitamente, enquanto nós tínhamos apenas um sentimento” (JOSÉ, 2009, p. 7). Marta Raimundo Matias (2010, p. 3) escreve sobre um momento de grande desespero, quando era ameaçada por um oficial de justiça. O marido havia fiado um senhor na compra de um carro e ela tinha 72 horas para pagar a dívida: Passei a mão naquele documento, apavorada, atravessei a rua, correndo, e entrei no asilo, aos gritos, chamando a Irmã Benigna. Perto do quarto dela tinha um sofá. E eu me debrucei nele, a chorar. Nisso Irmã Benigna abriu a porta e, com aquela calma, que lhe era peculiar, me falou: – O que foi minha filha? Ela leu o papel e disse: – Não fique desse jeito não. E pegou sua bolsa de orações e falava: 19 – Essa aqui é para a senhora rezar. E punha outra para ela. E assim fez: ora, uma para mim e outra para ela. Quando ela terminou de separar as orações, ela pôs a mão em meu ombro e falou assim: – Vou falar para a senhora como vai ser: Ela falou uma frase que eu nunca mais vou esquecer. – Não precisa chorar. Com a Irmã Benigna, não o demônio pode. Então vai acontecer assim: Esse homem vai ter um desassossego, uma aflição tão grande que ele vai entender que ele precisa entregar esse carro. Para ele ter a paz, ele precisa entregar esse carro. A Senhora pode confiar. [...] Passadas 48 horas da nossa conversa, isto é, 2 dias, meu marido recebeu um telefonema de um senhor, o qual era proprietário de um estacionamento em Lambari. Ele disse que o senhor avalizado pelo meu marido, Sr. José Rodrigues, havia deixado o carro no estacionamento, e que meu marido teria três dias de prazo para ir buscar o carro. “A lógica da mediação cultural pauta-se pelo fluxo de recursos materiais e simbólicos entre diferentes níveis, esferas e espaços sociais, dinâmica que encontra nos mediadores peça fundamental” (SEIDL, 2007, p.78).23 Foi essa, pois, a lógica que percebemos em Irmã Benigna, que lançava mão da suas relações pessoais para ajudar as pessoas com quem convivia. E ainda, aproximava essas pessoas de Deus, auxiliando-as na relação com o sagrado. CONSIDERAÇÕES FINAIS Na medida em que investigamos os relatos sobre a vida de Irmã Benigna, começamos a compreender a relação entre Memória e a História, na qual uma alimenta a outra e viceversa. Também percebemos a influência que a memória sobre a vida da religiosa exerce na mentalidade de quem as narra e de muitos que as leem ou ouvem. A análise de testemunhos de pessoas que conviveram com a religiosa permitiu conhecer parte significativa de sua trajetória e vida em comunidade. Dessa forma, esboçamos um estudo histórico-biográfico que possibilitou perceber que a “Fama de Santidade” atribuída a ela e exigida pela Igreja como premissa para a abertura da Causa de Beatificação difere-se da leitura contemporânea de fama, associada ao efêmero. Constatamos ainda, que Irmã Benigna foi uma menina simples do interior que, correspondendo à sua vocação, viveu servindo ao próximo e acolhendo a todos. Uma religiosa obstinada em conquistar amigos e levá-los até Deus. Nas palavras de Herculano Pinto Filho (2012. p.3), “Irmã Benigna era uma mulher semeadora de bondade, solidariedade, perdão, e com todas essas virtudes, reunia em 23 SEIDL, Ernesto. Interpretes da História e da cultura: carreiras religiosas e mediação cultural no Rio Grande do Sul. Anos 90, Porto Alegre, v. 14 n. 26, p. 77-110, dez. 2007 20 torno de sua pessoa uma legião de admiradores, pessoas que passaram até a fazer dela sua orientadora espiritual”. Os testemunhos de graças, escritos em maioria por pessoas que a conheceram através da devoção popular, permitiu-nos conhecer as variações de importância que cada pessoa atribui aos “milagres” narrados. Encontrar um mole de chaves perdido pode ser insignificante, embora seja um grande milagre para quem o guardava e depende de encontrá-lo para permanecer no emprego. Ver o cãozinho ou o animal de estimação curado de algum mal, pode ser um milagre sem importância para muitos, bem como a conversão de uma pessoa é desprezada por tantos outros. Essa variação de importância dada ao milagre pode ser uma das razões pelas quais a Igreja Católica estabeleça conceitos e regras para estudá-los. Nos casos de cura física, por exemplo, tem que ser aprovados por uma junta médica. Identificamos também que a condição de mediadora propagada pelo imaginário devocional já existia em vida, quando a freira ajudava pessoas em aflição e as aproximava de Deus. Neste ponto, o trabalho da Associação dos Amigos de Irmã Benigna, que tem em sua ata de fundação o objetivo de preservar a memória da freira, tem especial significância. O exercício mnemônico de recordar Irmã Benigna motiva amigos e devotos a reproduzirem a prática de caridade iniciada por ela no Lar Augusto Silva e a recorrerem constantemente à sua ajuda junto a Deus. O ato mnemônico empreendido pelos devotos interfere fortemente na trajetória pessoal de muitos indivíduos. É como se quisessem experimentar a Fé e a Alegria incondicionais da religiosa e, para isso, se esforçassem para ser mais pacientes diante de sofrimentos e dificuldades; retomando a relação com Deus, com a religião e com a oração. Finalmente, é preciso reconhecer que a quantidade de documentos abarcados e avaliados na Causa de Beatificação de Irmã Benigna permite um estudo de maior fôlego. Em uma investigação como a nossa é impossível contemplar tantas fontes ou tratar de tantas questões suscitadas pelas análises que empreendemos. Assim, sabemos que deixamos lacunas abertas e problematizações a serem trabalhadas. 21 REFERÊNCIAS ANDRADE, Lucia Moreira de. Amigos falam de Irmã Benigna. Jornal Irmã Benigna Notícias - Informativo da AMAIBEN, Belo Horizonte, Ano 4. Nº 22. Abril/2012. AQUINO, Felipe. A Intercessão e o culto dos santos: imagens e relíquias. Lorena, SP: Cléofas, 2006. 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