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Saneas
SUMÁRIO
ISSN 1806-4779
4 APRESENTAÇÃO
Saneas é uma publicação técnica quadrimestral
da Associação dos Engenheiros da Sabesp
AESABESP
DIRETORIA EXECUTIVA
Eliana Kazue Irie Kitahara / Presidente
Amauri Pollachi / Vice-Presidente
Cecília Takahashi Votta / 1ª. Secretária
Aram Kemechian / 2º. Secretário
Choji Ohara / 1º. Tesoureiro
Emiliano Stanislau de Mendonça / 2º. Tesoureiro
DIRETORIA ADJUNTA
Carlos Alberto de Carvalho / Diretor de Marketing
Gilberto Alves Martins / Diretor Técnico Cultural
Ivan Norberto Borghi / Diretor de Esportes
Ivo Nicolielo Antunes Junior / Diretor de Pólos
Hiroshi Ietsugu / Diretor de Pólos da RMSP
Cecília Takahashi Votta / Diretor Social
CONSELHO DELIBERATIVO
Almiro Cassiano Filho, Cid Barbosa Lima Jr., Eduardo
Augusto R. Bulhões, Getulio Martins, Gilberto Alves Martins,
Ivo Nicolielo Antunes Junior, José Marcio Carioca, Luiz
Yukishigue Narimatsu, Magali Scarpelini Mendes Pereira,
Nelson Luiz Stábile, Nizar Qbar, Reynaldo Eduardo Young
Ribeiro, Viviana Marli N. Aquino Borges, Wagner Luis
Bertoletto, Yazid Naked
CONSELHO FISCAL
Benedito Felipe Oliveira Costa, Luciomar Santos Werneck,
Oto Elias Pinto
FUNDO EDITORIAL
EQUIPE RESPONSÁVEL PELA SANEAS
Getúlio Martins (Coordenador)
Armando Flores, Cláudia Nakamura, Darcy B. Filho,
Jairo Tardelli Filho, José Antônio de Oliveira Jesus,
Luiz Carlos Helou, Paulo Ernesto Marques da Silva e
Silvio Leifert
5 EDITORIAL
6 CARTAS
PONTO DE VISTA
7 Qualidade da água: para onde vai o planeta Terra?
8 Qualidade da água: ação e desenvolvimento
P&D
12 Disruptores endócrinos no ambiente
MEIO AMBIENTE
15 Saúde global e sustentabilidade
MATÉRIA DE CAPA
19 Qualidade da água, qualidade da vida
TECNOLOGIA
26 Controle da água produzida para a região
metropolitana
ARTIGOS TÉCNICOS
29 Fluoretação da água e democracia
34 O aquecimento global e a agricultura
JORNALISTA RESPONSÁVEL: Ana Holanda Mtb 26.775
REVISÃO: Lilian Mendes
ARTE E PRODUÇÃO GRÁFICA:
Formato Artes Gráficas ([email protected])
IMPRESSÃO: Editora Parma
TIRAGEM: 3.500 exemplares
CONEXÃO INTERNACIONAL
38 Os padrões de qualidade de água
para a União Européia
AESABESP
Associação dos Engenheiros da Sabesp
Rua 13 de maio, 1.642 – casa 1
01327-002 - São Paulo, SP
Fone (11) 3284 6420 – 3263 0484
Fax (11) 3141 9041
www.aesabesp.com.br
[email protected]
ENTREVISTA
40 Responsabilidade social na empresa:
um valor a ser agregado
EMPREENDIMENTOS E GESTÃO
43 Desafios para uma gestão mais eficaz
dos recursos hídricos
RECONHECIMENTO
45 José Robero Nali
PERSONAGENS DO SANEAMENTO
46 Vale a pena!!!
48 RESENHAS
50 PONTO FINAL
Represa Pedro Beicht – Alto Cotia
Foto: Odair Faria
Saneas / agosto 2004 – 3
apresentação
Mais perto do leitor
É
com grande satisfação que lançamos
mais este número de SANEAS, que desta vez ocorre durante a realização do XV
Encontro Técnico da AESABESP. Como você,
leitor, pode notar, na continuidade do processo
de revisão da linha editorial da revista, iniciamos uma alteração do projeto gráfico com a intenção de tornar sua leitura mais atraente, sem
perder o caráter técnico e informativo.
Neste tempo, desde que iniciamos nosso
trabalho no fundo editorial de SANEAS, temos
realizado uma série de reuniões, com discus-
Reunião do
Fundo Editorial
da AESABESP:
Darcy, Carlos,
Paulo, Ana,
Cláudia, Getúlio
e Tonico
sões que levam a ações que acreditamos estar
contribuindo para alcançar nosso objetivo de
nos aproximar de você, nosso leitor. Este fato é
observado por seu retorno, seja através de cartas, seja por conversas que temos em encontros no trabalho. Mais uma vez agradecemos às
pessoas, tanto da Sabesp, como de outras instituições, que colaboraram na elaboração dos artigos e matérias publicadas nesta edição.
O tema eleito para matéria de capa desta
edição é qualidade da água, qualidade da vida.
Este tema dá seqüência às discussões abordadas pelas matérias de capa das duas edições anteriores, nas quais foram abordados os direitos
e responsabilidades do saneamento e os efeitos regionais e locais das mudanças climáticas.
Neste artigo relatamos iniciativas no Brasil e
no exterior que buscam soluções e novos paradigmas para reverter a degradação da qualidade da água que onera cada vez mais o tratamento de sistemas de abastecimento.
Na seção ponto de vista, trazemos o relato de
dois grandes especialistas, sobre o tema qualidade da água. O limnólogo José Galízia Tundisi
dá um panorama da situação da água em nosso planeta e o biólogo Aristedes Almeida Ro-
4 – Saneas / agosto 2004
cha discorre sobre ação e desenvolvimento na
gestão deste recurso. A gestão dos recursos hídricos é abordada também na seção Empreendimento e Gestão, por nossa colega Corina Ribeiro. Dentro do tema pesquisa e desenvolvimento, abordamos os disruptores endócrinos,
preocupação cada vez maior no tratamento de
água para abastecimento. Sabendo que além de
desenvolvimento tecnológico, é preciso mudar
de atitude, a seção meio ambiente trata da saúde global e sustentabilidade através do sistema
de planejamento The Natural Step - TNS.
Em tecnologia você vai poder se interar das
ações desenvolvidas para o controle da água produzida e distribuída na RMSP. Lembrando do papel da água de abastecimento na saúde pública,
tratamos também da importância da fluoretação
na saúde bucal. Dando seqüência ao tema da matéria de capa da edição passada, apresentamos artigo técnico sobre possíveis efeitos na agricultura
decorrentes do aquecimento global.
Inauguramos uma nova seção neste número; é a Conexão Internacional, na qual estaremos buscando relato de colegas que estejam em
viagem no exterior. Neste número nossa colega
Mara Ramos escreve sobre padrões de qualidade da água na União Européia. A responsabilidade social nas empresas é o tema de nosso entrevistado do mês, Sérgio Esteves.
Coerente com o tema da matéria de capa,
nosso homenageado do mês é o encarregado
do Sistema Alto Cotia, José Roberto Nali, responsável pela operação e manutenção de um
grande patrimônio histórico e ambiental. Em
personagens do saneamento temos o relato do
companheiro do Fundo Editorial Paulo Ernesto Marques, contando as incríveis histórias do
saneamento no Vale do Paraíba. Na última seção, Ponto Final, Nilson Castello descreve o
monitoramento de qualidade da água que a Sabesp realiza nos principais rios da RMSP.
Finalmente, esperando estar nos aproximando cada vez mais de você leitor, reafirmamos
nosso compromisso de trabalho na nova linha
editorial de SANEAS. Agradecemos as cartas
e sugestões recebidas, e esperamos contar com
sua participação para tornar SANEAS um instrumento cada vez mais efetivo na discussão de
temas envolvidos com o setor de saneamento,
contribuindo, como dito no título da matéria de
capa, para uma melhor qualidade de vida.
editorial
Custo da poluição das águas
é pago por todos nós
Eng. Eliana Kazue I. Kitahara
Presidenta da Associação dos Engenheiros da Sabesp
S
e considerarmos que o ambiente é o conjunto de elementos naturais e sociais que
se interrelacionam em um lugar e em um
tempo determinado, compreendemos também
que todos estes elementos (o universo, nosso
planeta e o que nele existe de maneira natural:
a água, o ar, o solo, a fauna, a
flora, o clima) se encontram
em permanente relação com
os elementos sociais (seres
humanos, suas construções e
suas ações) e desde essa perspectiva se realizam as atividades que conduzem ao desenvolvimento.
Das relações entre os seres
humanos e a natureza surge
uma série de resultados que
podem ser positivos ou negativos.A natureza atua permanentemente com a sociedade e
oferece a possibilidade de que
o homem mantenha ou viva sua vida utilizando seus recursos. Há possibilidade do desenvolvimento sustentável buscando a satisfação
das necessidades fundamentais da população
e na sua elevação na qualidade de vida através
do manejo racional dos recursos naturais, sua
conservação, recuperação, melhoria e uso adequado.
Infelizmente o que estamos vivenciando é
um aumento da degradação do meio ambiente e conseqüentemente o aumento da poluição
das águas. Os ecossistemas que garantem sua
quantidade e qualidade estão sendo suprimidos, pois, explorar esses recursos está sendo o
motor de desenvolvimento de muitos países,
sobretudo na agricultura, geração de energia,
indústria e transporte. O consumo mundial
de água doce dobrou em 50 anos e hoje corresponde à metade dos recursos acessíveis, incluindo aqüíferos subterrâneos ou águas de degelo sazonal.
Esse consumo desordenado tem apresentado graves reflexos na qualidade das águas com
altos custos econômicos e sociais. Os profissionais responsáveis pelo tratamento e abastecimento de água de uma população diretamente afetada pela poluição estão estudando a implantação de equipamentos e processos avançados para garantir a qualidade da água de distribuição.
Os custos estão se tornando cada vez mais
altos e o preço final desta conta é pago por todos nós.
Essa preocupação não é recente. Nesta edição é citado que em 1988, o ex-governador André Franco Montoro criou a Uniágua, vislumbrando que o excesso de esgoto e de dejetos
industriais e agrícolas, jogados nos rios, afetaria o bolso do consumidor. A verdade é dura
e crua, porém somos nós, seres humanos, que
estamos colhendo o que plantamos.
Rodrigo Victor, do Instituto Florestal,
menciona que a relação da preservação do
Cinturão Verde com a qualidade da água é
direta. É preciso avaliar e questionar ações
que viabilizam e facilitam a implantação de
empreendimentos que possam alterar a capacidade de controlar o fluxo natural das
águas.Citamos entre muitas ações irregulares o art.64 do PL2109 que altera o Código Florestal, liberando áreas de preservação
urbanizadas para regularizar e incrementar
ocupações desordenadas.
Será que os políticos e autoridades que propõem e atuam nessas condições não estão conscientes dos problemas que nos cercam?Será
que só pelo poder e dinheiro não pensam no
futuro de suas gerações?
A sociedade também precisa assumir sua
responsabilidade sobre as questões ambientais
de recursos hídricos, não apenas nos aspectos
associados a degradação pela poluição e consumo excessivo, mas com a compensação de
que sua participação está relacionada com a
melhoria da qualidade de vida.
Em outras palavras, se todo mundo fizer sua
parte, no final o resultado é mais do que perceptível.
Saneas / agosto 2004 – 5
Cartas
C
omo bibliotecária da Universidade do Vale do
Paraíba, solicitamos a doação do material abaixo, para o acervo de nossa biblioteca da Faculdade
de Engenharia e Arquitetura:
- O Brasil privatizado II
- Disposição de esgotos no solo
- Saneas nº 16 e 17
Atenciosamente,
Ana Elisabete M.Godinho
Resposta: Cara Ana, as revistas serão enviadas conforme
solicitado. Agradecemos sua
atenção.
L
i algumas matérias na revista Saneas Vol 1 n 13 /
2002 e gostaria de saber se há a
possibilidade de fornecimento
de edições antigas e atuais da
revista para nossa unidade de
projetos aqui no Guarujá. As
matérias foram ótimas e bastante elucidativas.
Trabalhamos com projetos
de planejamento e gestão dos
recursos pesqueiros na zona costeira que estão visceralmente ligado a qualidade dos recursos hídricos
nas bacias adjascentes, sobretudos aqueles recursos
de manguezais e estuários. Nossa organização tem
participado voluntariamente do CBH-BS que envolve nossa área de trabalho.
Somos uma instituição sem fins lucrativos e gostaríamos de aumentar nosso acervo institucional
voltado á gestão dos recursos hídricos
Agradeço sua atenção e eventual apoio.
Fabrício Gandini – Instituto Maramar para o Manejo Responsável dos Recursos Naturais
Resposta: Caro Fábio, as edições da SANEAS podem ser acessadas no endereço: http://www.aesabesp.
com.br
Saneas
Solicitações de assinatura da revista SANEAS deverão ser
encaminhadas para a Associação dos Engenheiros da Sabesp no
endereço eletrônico [email protected]. Deverão constar
nome, E-mail, endereço, CEP, cidade e estado do assinante.
Valor: R$ 90,00 por 6 edições
Envie seus comentários, críticas ou sugestões para o Conselho
Editorial da revista SANEAS - [email protected]
6 – Saneas / agosto 2004
S
ou professora das disciplinas: Tratamento de
águas e efluentes industriais. Gostaria de receber informativos e se possível, assinatura cortesia
da SANEAS.
Marisa Soares Borges. Doutoranda – programa de
Pós-Graduação em Engenharia de materiais – PIPE.
Curitiba, Paraná.
Resposta; Cara Marisa, as
assinaturas da SANEAS podem ser feitas no endereço:
[email protected].
As
edições digitais podem ser consultadas no endereço: http://www.
aesabesp.com.br/saneas
A
partir da leitura dos artigos sobre a Bacia do Rio
Paraíba do Sul do Dr. Paulo Canedo (UFRJ/Coppe), publicado
na Revista Bio nº 29, e do artigo
do Dr. José A. Marengo, publicado na Revista SANEAS N° 17
(Abril de 2004), gostaria que as
revistas SANEAS e BIO buscassem esclarecimentos junto aos
autores acima mencionados sobre as seguintes questões:
1) considerando que ambos prestaram depoimentos sobre a mesma bacia hidrográfica, à primeira vista não parece que as afirmações do Dr.
Paulo Canedo são opostas àquelas feitas pelo Dr.
José A. Marengo?
2) considerando os médio e longo prazos, as
causas que afetam a disponibilidade hídrica na
Bacia do Rio Paraíba do Sul são problemas específicos de ordem climática ou associadas a fatores
antropogênicos?
Atenciosamente, Darcy Brega Filho
São Paulo, 06 de agosto de 2004
Resposta: Encaminhamos sua correspondência
para os autores citados para suas manifestações.
AGRADECIMENTOS
Odair Marcos Faria,
Rodrigo Braga Moraes Victor,
Carlos Eduardo Palma,
Lineu José Bassoi,
Armando Perez Flores,
Caetano Mautone,
Ivanildo Hespanhol,
Eduardo Mazzolenis de Oliveira,
Gérard Moss e
Sérgio Esteves.
OPINIÃO
PONTO DE VISTA
Qualidade da água:
para onde vai o planeta Terra?
A
José Galizia Tundisi
Presidente do Instituto Internacional de Ecologia de São
Carlos/SP, é membro titular da
Academia Brasileira de Ciências,
da Academia de Ciências do
Estado de São Paulo, do Institute of Ecology (Alemanha), do
International Network on Water
and Human Health (Nações
Unidas, Canadá); é membro
titular da Academia de Ciências,
3o. Mundo. (Triestre), vice-presidente do International Lake
Environment Committee (Japão)
recebeu a medalha Augusto
Ruschi da Academia Brasileira
de Ciências (1986), o prêmio
Bouthors Galli (1995 – Nações
Unidas), o prêmio Anísio Teixeira
(2002) do Ministério da Educação do Brasil e o prêmio Chico
Mendes da Prefeitura Municipal
de São Carlos - Brasil (2003);
recebeu, em 1998, o título de
Doutor em Ciências – Honoris
Causa – pela Universidade de
Southampton, Inglaterra.
s recentes estatísticas de
organizações internacionais mostram, um quadro extremamente preocupante em
relação à qualidade da água.
A deterioração e contaminação dos recursos hídricos
superficiais e subterrâneos,
atinge grandes proporções,
afeta bilhões de pessoas e a
economia de muitas regiões e
países. Tanto os países industrializados e com economias
consolidadas, como países
com economias emergentes
e em desenvolvimento apresentam a mesma situação:
aumento constante da toxicidade em lagos, rios e estuários; aumento de eutrofização;
ameaças contínuas à saúde
humana provocada pelos efeitos de substâncias dissolvidas
na água. Os custos para o tratamento da água, aumentam
em progressão geométrica.
E os efeitos diretos e indiretos da poluição à população
humana, também ocorrem
pelas mais diversas rotas e interações. A crise na qualidade
da água é sem precedentes na
história do planeta e na história da humanidade.
Causas principais e
as raízes do problema
A crise global da qualidade da água tem suas raízes
no crescimento da população humana (mais de seis bilhões atualmente), na extensa urbanização – metade da
população do planeta vive
em áreas urbanas, na extensa industrialização e na agricultura intensiva, as quais,
produziram inúmeros impactos aumentando a con-
centração de nutrientes, substâncias tóxicas e interferindo no funcionamento de rios,
lagos, represas e estuários. As cinco causas
bem conhecidas que afetam a qualidade da
água (aumento da sedimentação, toxicidade,
eutrofização, diminuição do volume, acidificação) atingem globalmente com maior ou
menor intensidade, principalmente os sistemas aquáticos continentais. Dentre os cinco
principais problemas, a eutrofização e a toxicidade são os mais preocupantes, pois têm
uma repercussão na biota aquática e na saúde das populações humanas, tornando também inviável o abastecimento público e acelerando a deterioração.
As principais causas estão amplamente
relacionadas com a visão que imperou por
muito tempo em dirigentes, administradores e políticos, além da população em geral:
é a noção de que os recursos hídricos são infinitos, de que o ciclo hidrológico renova a
qualidade, que a capacidade de auto-depuração é também infinita, e de que a tecnologia é soberana e tem condições de resolver
qualquer problema referente à qualidade da
água. Ou seja, de água com qualquer qualidade produz-se água de excelente qualidade.
Esta visão “recurso infinito” e da “tecnologia
eficiente” permeou as atitudes dos tomadores de decisão, técnicos e da população até
recentemente (Tundisi, 2003).
Além disso, quantidade e qualidade da
água, foram sempre tratados de forma estanque e pouco integrada. Quantidade é necessária para a produção de energia e abastecimento, qualidade podia ser conseguida à custa de
tecnologias avançadas e a escassez, seja devido
à falta de água ou devido à poluição, era sempre tratada com a visão do “aqueduto romano”:
vamos trazer água de boa qualidade de onde
ela estiver (Shiklomanov, 1993).
Outro aspecto que não foi previsto neste rumo à deterioração foi o enorme impacto
que as tecnologias modernas e de grande porte tiveram sobre os recursos hídricos: grandes
barragens, enormes volumes de efluentes industriais, fontes não pontuais muito dispersas
e com grandes volumes provenientes de uma
agricultura intensiva produziram impactos
Saneas / agosto 2004 – 7
Ponto de Vista
não só locais, como regionais e a grandes distâncias. Por exemplo, a “zona morta” no Golfo
do México é devida à uma extensiva e intensiva
utilização de fertilizantes nas fazendas ao longo do Rio Mississipi! Os efeitos são observados
a milhares de quilômetros das fontes poluidoras. (Straskraba & Tundisi, 2000).
Entretanto, somente na metade da década
de 1960, é que as análises econômicas e sociais
começaram a ser implantadas nos projetos de
represas financiadas pelo Banco Mundial, o
que mostrou a preocupação então com os impactos dos represamentos no ciclo hidrosocial
e nas economias locais e regionais. (Falkenmark & Lindh, 1974a).
Os novos paradigmas para o
planejamento e gerenciamento de
recursos hídricos
Foi nos últimos dez anos do século 20 que
o paradigma relativo às gestão de recursos hídricos começou a apresentar mudanças significativas e permanentes. Ainda nos encontramos em um estado de transição mas os principais pilares desta renovação estão lançados.
São eles:
• bacia hidrográfica como unidade de gerenciamento.
• qualidade e quantidade como base para o
gerenciamento de águas superficiais e subterrâneas.
• gerenciamento preditivo, integrado e com
a bacia hidrográfica como unidade ao invés
de gerenciamento de resposta, setorial e localizado.
• atuação permanente na educação sanitária e
ambiental da população.
Estamos ainda no início da aplicação destes
novos paradigmas. Há outros pontos importantes que foram sendo paulatinamente abordados:
• a questão dos “serviços” dos ecossistemas e
os custos e valores desses “serviços” aos seres humanos (Constanza et al, 1997).
• a cobrança pelo uso da água e o princípio do
poluidor – pagador.
• os avanços na gestão a partir do monitoramento da qualidade da água.
• a utilização de cenários com base em modelagem matemática e ecológica (Gleick,
1997).
• a diversificação e o barateamento dos sistemas de tratamento.
8 – Saneas / agosto 2004
A situação no Brasil
Há uma permanente atitude de discussão e
de esclarecimentos sobre o problema da qualidade da água no Brasil, com maior ou menor
intensidade em várias regiões, mas este processo já se iniciou e é extremamente salutar.
A noção de que o Brasil tem de 12 a 16% da
água do planeta, não tem sido suficiente nos
dias de hoje para aumentar o otimismo, uma
vez, que mesmo em regiões onde há abundância de água “per capita”, há uma avaliação de
que a deterioração de saúde humana depende, e muito, de doenças de veiculação hídrica.
No Brasil, há regiões com abundância de água
“per capita” e regiões de escassez de água “per
capita”, especialmente no Sudeste. A escassez
“per capita” deve somar-se a escassez devido à
má qualidade e ao risco também devido à má
qualidade.
É o caso da região Sudeste do Brasil, onde
a concentração populacional e a urbanização,
em conjunto com a industrialização e a agricultura intensiva, produziu impactos extremamente elevados na qualidade da água, provocando em muitos casos, uma “escassez por
contaminação” e não só por demanda (ANA,
2002). Além dos descritos exemplos de doenças de veiculação hídrica no Nordeste (Guerrant et al,1996), há perda de qualidade da água
em regiões ainda pouco impactadas. Por exemplo, no projeto “Brasil das Águas” www.brasildasaguas.com.br (um levantamento da qualidade das águas superficiais do Brasil por hidroavião), demonstrou-se que muitos lagos e
rios do Pantanal estão eutrofizados e com alta
concentração de material em suspensão.
Ponto de Vista
A situação no Brasil agrava-se nos grandes
aglomerados urbanos, nas zonas periurbanas
onde há acúmulo de problemas por questões
de abastecimento e qualidade e com custos de
tratamento elevados e em permanente elevação. E também na zona rural de muitas regiões há uma permanente ameaça à qualidade da
água e à deterioração.
Qual o futuro da qualidade da água?
O estoque de recursos hídricos superficiais
e subterrâneos de boa qualidade pode ser considerado um capital que é crítico ao funcionamento do planeta contribuindo para o bem estar e a melhor qualidade de vida da população,
incluindo segurança coletiva.
A preparação e a implementação de polí-
ta de permanente implantação, especialmente no Brasil.
A pesquisa científica em recursos hídricos
tem avançado consideravelmente nas últimas
décadas e, embora existam lacunas, há um acúmulo de conhecimento considerável. É necessário uma contínua e dedicada atenção à inovação tecnológica e a disseminação da informação científica acumulada de tal forma a transformar o conhecimento científico em produtos, serviços e novas tecnologias.
Esse esforço deve ser mundial, e no caso do
Brasil, devemos persistir com o projeto de ampliar a capacidade de gestão, incluindo aí a efetiva participação da comunidade através dos
comitês de bacia e a busca permanente de novas formas de organização institucional e de
inovações para a solução do problema. Melhor
qualidade de água é sem dúvida, melhor qualidade de vida!
Bibliografia
ticas públicas é inovadora e essencial para reverter o quadro. Dentre essas políticas públicas podem ser considerados os principais e novos paradigmas já abordados e, além disso, um
grande esforço de comunicação e disseminação de informações para o público em geral de
forma maciça.
Para atingir as grandes massas da população e disseminar permanentemente as idéias
de economia de água, proteção dos mananciais
e cuidados com a contaminação, o uso intensivo de meios de comunicação, através das mais
diversas técnicas, é prioridade.
Integração institucional, capacitação de
gestores e tomadores de decisão, para dotálos de visão abrangente e sistêmica e atualizá-los com os últimos desenvolvimentos científicos é outro esforço de organização que em
nível mundial está ocorrendo e que necessi-
ANA – Agência Nacional das Águas – 2002. A evolução da gestão dos recursos hídricos no Brasil,
Edição comemorativa do Dia Mundial das Águas.
64 pp.
Constanza et al, 1997. The value of the world’s
ecosystem services and natural capital. Nature. Vol.
387. 253-260 pp.
Falkenmark, M. & Lindh, G. – 1974a. How can we
cope with the water resources situation by the year
2050? Ambio, Vol. 3, Nos. 3-4. 114-122 pp.
Gleick, P.H.
1997. Water 2050: Moving Toward a sustainable
Vision for the Earth’s Fresh Water. Working Paper
of the Pacific Institute for Studies in Development,
Environment and Security, Oakland, California.
Prepared for the Comprehensive Freshwater Assessment for the United Nations General Assembly and the Stockholm Environment Institute, Stockholm, Sweden.
Guerrant, R.L.; Souza, M.A.; de Nations, M.K. –
1996. At the edge of development: health crisis in
a transitional society (Carolina Academic Press)
449 pp.
Shiklomanov, I.A. – 1993. “World fresh water resources”. In: Water in Crisis: A Guide to the World’s
Fresh Water Resources. P.H. Gleick, Ed. (Oxford
University Press, New York). 13-24 pp.
Straskraba, M. e Tundisi, J.G.
2000. Diretrizes para o gerenciamento de lagos. Gerenciamento da Qualidade da água de represas. V.
9. 258pp.
Tundisi, J.G. – 2003. Água no século XXI: enfrentando a escassez. RIMA/IIE. 248 pp.
Saneas / agosto 2004 – 9
Ponto de Vista
Ação e desenvolvimento
na gestão do uso da água
A
importância da água para
a vida é tema tão antigo
quanto o aparecimento do ser
humano na Terra. No Gênesis
está escrito “no mesmo dia,
todas as fontes irromperam
das grandes profundezas e as
janelas do céu foram abertas
[...] prevalecendo as águas sobre a Terra”.
Antigas civilizações, como
sumérios e babilônios, consideravam a água como o mais
valioso presente dos deuses;
os chineses falavam da ajuAristides Almeida Rocha
da que a água traz a milhares
Diretor da Faculdade de Saúde
de pessoas, sem nada exigir.
Pública da USP.
De fato Goethe, mais modernamente, enfatizava que tudo nasceu da água,
tudo é mantido pela água.
Contudo, paradoxalmente, ainda que essas
considerações possam ser verdade absoluta,
desde a Revolução Industrial ocorrida na Inglaterra na segunda metade do século 18, passando pelo 19 e acentuando-se no século 20,
a sociedade tem comprometido o ambiente,
aprimorando os processos tecnológicos, fundamentalmente para gerar conforto e bem estar. O homem está afetando os ecossistemas ar,
solo e água, contrariando e esquecendo também das judiciosas ponderações de Tales de
Mileto, ao reconhecer a água como fonte precípua de tudo que há no universo, ou que alguns alquimistas da Idade Média chegavam a
acreditar que a água fosse a própria “substância
fundamental” que tanto procuravam.
A toda reação corresponde uma reação igual
e de sentido contrário. Estas são forças de contrafacção, que no caso da água, começam também a surgir no século 20, inicialmente de modo
incipiente, e depois, com maior intensidade, talvez menos pelas ações do homem afetando deleteriamente a qualidade, e mais por causar perda econômica, enfim diminuição de lucros.
A própria Organização Mundial da Saúde,
criada em 1945 sob o princípio de que a saúde é um estado de completo bem-estar físico,
mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade, manifestou essa preocupação, ao estabelecer a década da água nos
10 – Saneas / agosto 2004
anos 70 e o ano internacional da água já no século 21, não a dissociando, portanto, da discussão ambiental.
Essa premissa implica na necessidade da difícil tarefa de compatibilizar a aplicação dos conhecimentos tecnológicos e a manutenção das
condições essenciais à sobrevivência, não só do
homem, mas sobretudo, de todos os seres vivos
ou do imenso ecossistema que é a Ecosfera.
A magnitude do problema é tanto maior
quando se leva em conta a dimensão que assumiram os projetos engendrados pela ação antrópica visando utilizar o meio ambiente, em
particular, a água. É necessáriohaver maior escrúpulo ecológico na gestão ambiental.
Um novo paradigma
A Agenda 21, nesse sentido, conferiu sensível alteração conceitual no processo de plane-
jamento e gestão dos recursos hídricos. O capítulo 4, referente ao eficiente uso dos recursos
hídricos, assinala que a água doce é um recurso
finito e indispensável à sobrevivência das espécies, incluindo Homo sapiens.
Veja-se que, finalmente, estamos reconhecendo tudo aquilo que as civilizações antigas
(muitas vezes consideradas menos evoluídas,
por não terem conhecido vários processos tecnológicos e tampouco atingido a era da informática) já conheciam e praticavam, até que se
chegasse à época cartesiana e reducionista.
A partir das Conferências Internacionais
sobre “Desenvolvimento das Águas e do Meio
Ambiente” das Nações Unidas em 1992; “Avaliação e Gerenciamento de Recursos Hídricos” e da OEA em 1996; de um aprofundado
e pormenorizado Relatório sobre os Recursos
Ponto de Vista
de Água Doce do Mundo, em 1997 e das ações
do PNUMA/IETC, 2001, um novo paradigma
para o gerenciamento dos recursos hídricos foi
apresentado. Esse modelo reconhe que a água é
essencial à vida, mas constitui um recurso finito e vulnerável e, portanto, deve ser protegido e
a sua utilização feita com parcimônia.
O gerenciamento exige uma integração sistemática baseada na percepção da água como
parte integral do ecossistema, tida como recurso natural, bem social e econômico sendo que
a quantidade e qualidade é que devem determinar a sua disponibilidade e utilização.
Indubitavelmente, no uso dos recursos hídricos a prioridade deve relacionar-se não
só ao atendimento das necessidades básicas
(abastecimento de água potável) e proteção dos
ecossistemas. Deve se lembrar que, em relação
às bacias hidrográficas circundantes da Região
Metropolitana de São Paulo, a história mostra
ter acontecido exatamente ao contrário, trazendo como resultante a problemática conflituosa que até hoje impera, exigindo vultosos
recursos para a reversão desse cenário.
A água, evidentemente, tem um papel social
e o gerenciamento dos recursos hídricos, que
deve ser integrado (incluindo o solo e as águas),
precisa abranger a bacia hidrográfica, acarretando a essas ações um ônus econômico.
A cada cidadão deve-se prover uma quantidade mínima de água, pois é um bem social
e econômico cujo valor é variável com o tipo
de uso e qualidade propiciada. Portanto, deve
haver uma contabilidade de valor social, ambiental e econômico. No processo de avaliação
do valor econômico da água, portanto, além do
valor do mercado, devem ser considerados fa-
tores externos não só associados à conservação
ambiental e à sustentabilidade dos recursos naturais, mas sobretudo às condições sociais dos
usuários na bacia e sub-bacia.. O problema não
será resolvido pela simples construção de ETA
(Estações de Tratamento de Água), ETE (Estações de Tratamento de Esgoto) ou de quilômetros de emissários e interceptores.
Não resta dúvida de que cabe ao Estado estabelecer parâmetros quali-quantitativos para
as águas, estabelecer medidas compensatórias
e de remediação de possíveis danos causados
pelos agentes de degradação, poluição e contaminação. Contudo, as decisões, creio, não
devem ser tomadas ao arrepio da sociedade.
Essa prática oriunda de períodos ditatoriais
não mais se coaduna com a moderna sociedade brasileira.
O aparente conforto que sentem as autoridades constituídas e daqueles que, eventualmente, detêm o poder decisório nos escalões administrativos mais inferiores, acaba impondo, por
vezes, certos ônus aos cidadãos, que são os que
verdadeiramente mantêm o sistema e fazem girar a economia do país.
Possivelmente, alguns ainda radicais poderão argumentar que o envolvimento de usuários no planejamento e implementação dos
projetos sobre a água constituem entraves à
boa resolução dos problemas.
Entretanto, tendo convivido e participado
nos vários segmentos, como funcionário de
uma estatal do setor; como atuante na iniciativa privada de consultoria; como consultor e
assessor de entidades internacionais, como representante da Universidade de São Paulo no
CONSEMA e atualmente como professor universitário, sinto-me extremamente confortável
em reconhecer que a sociedade civil muitas vezes representada nas ONGs está muito amadurecida para argumentar e defender os seus
pontos de vista, pois quase sempre conhecem e
reconhecem as peculiaridades do mundo à sua
volta, bem como têm consciência de suas próprias dificuldades econômicas.
Concluindo, entendo que para haver ação e
desenvolvimento do gerenciamento do uso da
água de forma satisfatória, visando precipuamente manter a qualidade, é necessário ter uma
abordagem participativa envolvendo usuários,
planejadores e políticos em todos os níveis.
Creio firmemente que só assim estaremos parafraseando São Francisco de Assis, agradecendo ao Criador: “Seja louvado, ó Deus, pela água,
tão necessária, versátil, preciosa e frágil”. ■
Saneas / agosto 2004 – 11
PESQUISA & DESENVOLVIMENTO
O perigo dos disruptores
endócrinos no ambiente
Estudos em animais e seres humanos relacionam os agentes químicos a problemas como infertilidade, deformações genitais, câncer de
mama e de próstata, além de desordens neurológicas em crianças
Eliane Granuzzio Castilho , Profa. Dra. Elizabeth de Souza Nascimento Colaboradores: Rogério de Oliveira Andrade , Fábio Seghese e
Kleber Vasconcelos Amedi Análise de contaminantes ambientais cuja presença pode trazer alterações reprodutivas em animais e humanos
O
s chamados disruptores endócrinos
(EDCs) são uma nova categoria de
contaminantes ambientais que interferem no sistema hormonal, sabotando as comunicações e alterando os mensageiros químicos
que se movem, permanentemente, dentro de
nosso corpo (SANTAMARTA, J., 2001) Esses
compostos têm recebido especial atenção das
agências reguladoras, a partir do momento em
que surgiu a hipótese de existir uma relação
Pesquisadora do Laboratório de Química Orgânica da Bioagri Ambiental. Mestre e Doutoranda em
Toxicologia da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo –SP.
Professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo-SP. Mestre em
Análises Toxicológicas e doutora em Ciências dos Alimentos.
Diretor de Negócios da Bioagri Ambiental. Biólogo UNICAMP.
Gerente Comercial da Bioagri Ambiental. Engenheiro Florestal ESALQ-USP.
Supervisor Comercial da Bioagri Ambiental. Químico especialista em Engenharia Ambiental USP-SP.
12 – Saneas / agosto 2004
Pesquisa & Desenvolvimento
entre exposição aos EDCs e alterações reprodutivas nos animais e humanos (CARGOUËT,
M et al, 2003; HOSOKAWA, Y et al, 2003). Em
dezembro de 1996, foi realizado um Workshop
em Weybridge, na Inglaterra, que definiu os
disruptores endócrinos como sendo uma substância exógena causadora de efeitos adversos à
saúde dos organismos ou a seus descendentes,
em conseqüência de uma alteração na função
endócrina (Swedish Environmental Protection
Agency, 1998).
Esses compostos incluem uma larga variedade de poluentes como os praguicidas, hidrocarbonetos poliaromáticos, ftalatos plastificantes e alquifenóis de uso industrial (textil,
papel, produção de detergentes) e hormônios
naturais e sintéticos de uso doméstico (LIU,
R et al, 2004; BROSSA, L et al, 2003). Os hormônios estrogênicos, tais como o etinilestradiol, mestranol, entre outros, são amplamente
prescritos para o controle da natalidade e reposição hormonal e, juntamente com hormônios naturais como o, 17 β estradiol, estrona
e estriol são excretados pela mulher e consequentemente encontrados no esgoto doméstico (CARGOUËT, M et al; 2003; BROSSA, L
et al, 2002).
Entre as substâncias químicas que apresentam efeitos disruptores sobre o sistema endócrino figuram:
- as dioxinas e os furanos, gerados a partir da
produção de cloro e compostos clorados, como
o PVC, os agroquímicos clorados, os produtos
usados para branqueamento na produção de
papel e a incineração de resíduos;
- as PCB´s – atualmente proibidas. As concentrações em tecidos humanos permanecem
constantes nos últimos anos, ainda que a maioria dos países industrializados tenham deixado
de produzir esses compostos há mais de uma
década. Admite-se que dois terços do total de
PCB´s produzido mundialmente continua em
uso nos transformadores e outros equipamentos elétricos e, por conseguinte, podem ser objeto de liberação acidental. A concentração de
PCB´s nos tecidos animais pode aumentar em
até 25 milhões de vezes, quando se considera
sua ascensão na cadeia alimentar.
- numerosos agroquímicos, alguns proibidos
como o DDT e seus produtos de degradação, o
lindane, o metoxicloro, e outros em uso, como
os piretróides sintéticos, herbicidas triazínicos,
kepona, dieldrin, vinclozolina, dicofol e clordane, entre outros.
- o praguicida endossulfan, de amplo uso na
agricultura, apesar de estar proibido em muitos países.
- o hexaclorobenzeno, usado em sínteses orgânicas, como fungicida para tratamento de sementes e como conservante de madeira.
- os ftalatos utilizados na fabricação de PVC.
Na fabricação de PVC são utilizados em média
95% do DEHP (di-2etilexil-ftalato).
- os alquilfenóis, antioxidantes presentes no
poliestireno modificado e no PVC, assim como
o produto de degradação dos detergentes; o pnonilfenol, pertencente à família de substância
químicas sintéticas alquilfenóis. Os nonilfenóis
são adicionados ao poliestireno e ao cloreto de
polivinila (PVC) como antioxidante propiciando maior estabilidade e menor fragilidade aos
plásticos formados.
- o bisfenol-A, tem amplo uso na indústria alimentícia e na odontologia. É usado também
na produção de resinas epóxi e policarbonatos,
como estabilizador em PVC, como antioxidante em plásticos e é muito ativo como fungicida.
(SANTAMARTA, J, 2001).
Populações inteiras expostas
a agentes químicos
Estudos em animais e seres humanos relacionam os agentes químicos a inúmeros problemas como infertilidade, baixa contagem de
espermatozóides no sêmen e deformações genitais; cânceres desencadeados por hormônios,
como o câncer de mama e de próstata; desordens neurológicas em crianças, como hiperatividade e dificuldade de concentração, além de
problemas no desenvolvimento e reprodução
de animais silvestres.
Muitas populações de animais silvestres já
foram atingidas por tais compostos. Os impactos observados incluem disfunções tireoideanas
em aves e peixes; diminuição da fertilidade entre aves, peixes, moluscos e mamíferos; queda
na produção de filhotes entre aves, peixes e tartarugas; anomalias metabólicas em aves, peixes
e mamíferos; anomalias comportamentais entre
pássaros e mamíferos do sexo masculino; e comprometimento do sistema imunológico de pásSaneas / agosto 2004 – 13
Pesquisa & Desenvolvimento
saros e mamíferos (SANTAMARTA, J., 2001).
Segundo Colborn, autora do livro O Futuro
Roubado, “estamos expondo populações inteiras a agentes químicos extremamente venenosos, como comprovam os estudos com animais. Agentes químicos que, em muitos casos,
têm efeitos cumulativos. Atualmente, este tipo
de exposição começa a acontecer tanto antes
como durante o nascimento. Se não mudarmos nossos métodos atuais continuará acontecendo ao longo de toda a vida das pessoas
que já nasceram. Ninguém sabe ainda quais
serão os resultados deste experimento, já que
não há nenhum paralelo anterior que possa
nos guiar”.
Atualmente, existe uma preocupação no
desenvolvimento de métodos analíticos suficientemente sensíveis na determinação dos
disruptores endócrinos em ambientes aquáticos, com limites de detecção na ordem de
µg/L e ng/L.
A literatura mostra que vários pesquisadores, em todo o mundo, detectaram muitos
desses contaminantes em águas naturais e em
efluentes de ETEs (BILA, et al, 2003)
A ocorrência desses disruptores endócrinos
em águas superficiais e de subsolo demonstra
a necessidade de estudos que determinem os
efeitos tóxicos frente ao meio ambiente e ao ser
humano.
Admite-se que, se a carga ambiental de alteradores hormonais sintéticos não for reduzida e controlada, exista a possibilidade de
ocorrência de disfunções à saúde da população. O potencial de risco é elevado para animais silvestres e seres humanos devido à probabilidade de exposição repetida ou constante
a numerosos agentes químicos sintéticos que
sabidamente alteram o sistema endócrino.
Alguns experimentos apresentam resultados
que evidenciam alterações mesmo em níveis
inferiores aos das concentrações ambientais
atuais (COLBORN, et al, 2002).
Conclusões
É necessário o desenvolvimento de métodos
mais sensíveis para a detecção de substâncias
disruptoras na ordem de μg/L e ng/L.
Também é importante conhecer melhor o
efeito destas substâncias no meio ambiente e
no ser humano, estabelecendo-se limites seguros para seu lançamento em efluentes e corpos
receptores.
O monitoramento da remoção destes com14 – Saneas / agosto 2004
postos em estações de tratamento de efluentes
domésticos e águas de abastecimento público
convencionais é importante para a definição e
implantação de processos complementares ou
novos sistemas de remoção.
A Bioagri Ambiental está pesquisando, implantando e validando novas metodologias
analíticas para a detecção e avaliação dos disruptores endócrinos em água, e em breve as estará colocando à disposição do mercado.
Referências Bibliográficas
COLBORN, T; DUMANOSKI, D; MYERS,
J.P. Our Stolen Future. New York: Penguin
Books, 1996. (Edição em Português: O Futuro Roubado, de Theo Colborn, Dianne Dumanoski e Pete Myers, 2002).
BILA, D. M.; DEZOTTI, M. Fármacos no
Meio Ambiente. Quim. Nova, vol.26, n.4,
p.523-530, 2003.
SANTAMARTA, J. A Ameaça dos Disruptores Endócrinos. Agroecol. E Desenv. Rur. Sustent., v.2, n.3, jul/set. 2001.
CARGOUËT, M; PERDIZ, D.; MOUATASSIM-SOUALI, A.; TAMISIER-KAROLAK, S.;
LEVI, Y. Assessment of River Contamination
by Estrogenic Compounds in Paris Área (France). Science of the Total Environment, 2003 –
disponível on line: www.sciencedirect.com.
HOSOKAWA, Y.; YASUI, M.; YOSHIKAWA, K.; TANAKA, Y.; SUZUKI, M. The Nationwide Investigation of Endocrine Disruptors
in Sediment of Harbours. Marine Pollution
Bulletin, v.47, p.132-138, 2003.
LIU, R.; ZHOU, J.L.; WILDING, A. Simultaneous Determination of Endrocrine Disrupting Phenolic Compounds and Steroids in Water by Solid-Phase Extration-Gas Chromatography-Mass Spectrometry. Journal of Chromatography A, v.1022, p.179-189, 2004.
BROSSA, L.; MARCÉ, R.M.; BORRULL,
F.; POCURULL, E. Application of on-line
Solid-Phase Extration-Gas Chromatography-Mass Spectrometry to the Determination of Endocrine Disruptors in Water Samples. Journal of Chromatography A, v.963,
p.287-294, 2002.
BROSSA, L.; MARCÉ, R.M.; BORRULL, F.;
POCURULL, E. Determination of EndocrineDisrupting Compounds in Water Samples online Solid-Phase Extration-Programmed-Temperature Vaporisation-Gas ChromatographyMass Spectrometry. Journal of Chromatography A, v.998, p.41-50, 2003. ■
MEIO AMBIENTE
Saúde global e
sustentabilidade
Através da busca de soluções em relação a
todos os princípios básicos da sustentabilidade,
encontramos os caminhos mais sábios
e tomamos as decisões mais inteligentes
sobre os investimentos em benefício da
saúde planetária. De outro jeito, seria como
pilotar um avião utilizando apenas seus
instrumentos, mas sem uma bússola.
César Levy França
Ciência e Decisões Políticas
Certa vez, um político ansioso para tomar
uma decisão sobre a toxina PCB (bifenila policlorada), procurou um grupo de cientistas
dentro dos domínios da biologia, toxicologia,
epidemiologia e fez a seguinte pergunta:
- É verdade que PCB é um disruptor endócrino capaz de interferir no desenvolvimento fetal humano e também afetar a reprodutividade
de focas e lontras, fazendo com
que o útero destes animais fique colado durante seu crescimento, eliminando assim a capacidade de reprodução dessa
espécie?
- Sim, é verdade - respondeu um dos cientistas.
- Não, isto não é verdade disse outro cientista
- Não existem provas conclusivas sobre isto. Não existe
análise que confirme esta afirCésar Levy França é
mação. A reputação dos cienDiretor para Pesquisa
tistas é prejudicada por este
& Desenvolvimento da
tipo de declaração...
organização The Natural
O debate continuou por aí...
Step - TNS Brasil. Consultor
com créditos de mestrado
- Nosso grupo identificou
em economia ecológica
uma substância ainda mais
pelo Schumacher College e
perigosa do que PCB, mas
Universidade de Plymouth
ninguém nos escuta! - protesUK e estudos em psicologia
tou um outro cientista.
Gurdjiefiana; (Fundamentos
para Desenvolvimento
O político fez um gesto com
Harmonioso do Homem na
os ombros como quem quer diTerra). [email protected]
zer: “e então, como é que fica?”
e se preparou para deixar o local, pois concluiu
que não seria possível se informar, nem assumir
nenhuma posição política.
Se o mesmo político fosse convencido a
permanecer na sala e as questões sobre PCB
formuladas novamente, abordando os problemas com base em princípios, então possivelmente os resultados seriam bem mais positivos. As questões seriam formuladas da seguinte maneira:
- O PCB é uma substância encontrada naturalmente ou é estranha à natureza?
A resposta seria:
- Não. O PCB é produzido pelo homem...
E todos os cientistas concordariam com isto.
Haveria consenso e seria possível continuar:
- O PCB é degradável na natureza? Ou seja,
uma vez liberado em sistemas naturais, é rapidamente transformado em elementos que já
existem na natureza, podendo ser absorvido e
processado nos ciclos naturais?
- Não, os profissionais do setor químico o
desenvolveram com o objetivo de que fosse um
composto muito persistente...
- E isso significa que enquanto a sociedade continua a usar PCB em larga escala e sem
controle rigoroso (caro e difícil), concentrações
desta substância irão aumentar e produzir uma
variedade de efeitos imprevisíveis na natureza?
- Sim, isso está correto. Matéria não pode
simplesmente aparecer ou desaparecer (leis da
conservação), a matéria se dispersa facilmente (segunda lei da termodinâmica). E se estas
substâncias são estranhas ou inexistentes na
natureza, poucas emissões são necessárias para
aumento dos níveis de concentração, mesmo
quando muito distante das fontes emissoras.
- Alguém deste grupo de especialistas pode
levantar e oferecer previsões confiáveis sobre,
onde na natureza, poderão ocorrer os aumentos mais significativos e também indicar os percentuais mínimos e seguros em relação à toxicidade de PCBs nestas áreas de ocorrência?
- Isso é impossível devido à enorme complexidade da natureza. O melhor que podemos
fazer é revelar as substâncias responsáveis por
determinados impactos, uma vez ultrapassados alguns limites adotados como referência.
Mas este processo é lento, difícil e realizado
com muito esforço. E até serem implementados, diversos danos já foram causados...
- Neste caso, podemos continuar utilizando
PCB, porém de forma cuidadosa, em sistemas tecnicamente bem monitorados e capazes de garantir
que estes não vão se dispersar na natureza?
Saneas / agosto 2004 – 15
Meio Ambiente
- Não, em longo prazo – pelo menos se almejamos construir uma sociedade que seja
sustentável e possa continuar a prosperar. A
propósito, a mesma regra pode ser aplicada
para todas as substâncias que são persistentes
e estranhas à natureza.
A esta altura, o político havia vivido uma situação inusitada. No mesmo dia ele passou por
dois debates completamente diferentes, ainda
que com as mesmas pessoas e o mesmo tema.
Obviamente, a segunda discussão foi a que proporcionou a informação de que precisava, o que
comprova a necessidade não apenas do acesso à
informações em quantidade, mas a importância
de se colocar as perguntas de forma correta.
Esta história nos mostra a necessidade de
descobrirmos princípios fundamentais. Só assim podemos avaliar que tipo de informação é
necessário para os momentos de decisão, assim
como aquelas que não são. Com estes princípios podemos avaliar se a informação disponível é suficiente e se requer mais ciência em
níveis mais detalhados e complexos. Sem o entendimento sobre como estruturar este conhecimento, ao invés de alcançar soluções, talvez
estejamos nos afogando em informações.
Planejando em sistemas complexos
Em busca de consenso científico, a organização The Natural Step (TNS) sistematizou estes princípios através da “Estrutura de Referência – TNS”, organizando-os em cinco níveis hierárquicos distintos, interligados entre
si, porém sem sobreposições:
1. nível dos sistemas: este nível está relacionado com os princípios que abrangem todo o
funcionamento do sistema (neste caso, os ciclos biogeoquímicos da biosfera e seu relacionamento básico com os fluxos e práticas da sociedade humana), que são suficientemente estudados para chegar a:
2. definição básica de sucesso para todos os
projetos dentro do sistema (neste caso, projetos para a sustentabilidade), tornando-se uma
pré-condição a ser desenvolvida;
3. diretrizes estratégicas: neste caso, uma
aproximação passo-a-passo da sustentabilidade seguindo as definições de sucesso (2). (Método – backcasting. pelo qual as condições futuras desejadas são visualizadas, e então são definidos os passos para realizar estas condições).
16 – Saneas / agosto 2004
Ao mesmo tempo, assegurando que os recursos financeiros e outros continuem a alimentar
os processos para uma escolha apropriada;
4. ações concretas: são todos os movimentos
concretos realizados para a transição rumo à
sustentabilidade. Estes devem seguir as diretrizes estratégicas que por sua vez demandam;
5. instrumentos: capazes de monitorar sistematicamente as ações (4), para que estas sejam
estratégicas (3), e levem rumo ao sucesso (2),
no sistema (1).
Em outras palavras, se não sabemos onde
queremos chegar, por definição não podemos
ser estratégicos.
Abordaremos a seguir alguns destes níveis, agora elaborados com um pouco mais de detalhe:
O nível dos sistemas
Este nível contempla uma visão geral do
sistema dentro do qual todo o planejamento
acontece. Se desejarmos descrever o sistema
“sociedade humana na biosfera”, precisamos
descrever os ciclos naturais dirigidos pelo sol,
as relações entre as espécies, o intercâmbio de
recursos e resíduos entre a sociedade e os ecossistemas, etc. Os cientistas poderiam ajudar
muito mais nos processos decisórios. Eles poderiam fornecer dados e informações sobre o
sistema, ou como este funciona, e descrever os
efeitos de práticas insustentáveis na sociedade
e nos sistemas ecológicos. Poderiam também
ajudar dando uma descrição de consenso sobre
as condições gerais do sistema. Desta maneira,
cientistas estariam ajudando aqueles que decidem a formar seus pareceres e lidar com os desafios do “funil” em que a sociedade atualmente se encontra. A partir disso, podemos chegar a uma conclusão importante. A questão da
“saúde” pode ser definida em nível individual.
Mas dentro de uma perspectiva sistêmica, é necessário também defini-la em nível global.
A metáfora do “funil” permite identificarmos os mecanismos que levam a um agravamento da situação. Sustentabilidade não significa uma situação idealista e sem impactos.
Precisamos, pelo menos, alcançar a abertura
do funil, onde ainda haverá impactos negativos nos sistemas sociais e naturais, mas também haverá uma atitude restauradora.
Com este objetivo, percebeu-se a necessidade de, primeiramente, entender os princípios
básicos que possibilitaram a manutenção de
Meio Ambiente
PCB
NOx
CFC DDT
um processo de 3.5 bilhões de anos de evolução dos ecossistemas. Um processo que gera os
serviços e recursos naturais que necessitamos
para manutenção da sociedade humana, (isto
é: ar, água limpa etc). Através de um consenso
científico, foi possível olhar esta questão dentro de uma perspectiva ampla e estruturar o
conhecimento sobre as condições em que vivemos na Terra. Algumas leis da natureza, como
a lei da conservação da matéria, a segunda lei
da termodinâmica e a fotossíntese nos mostram que os seres humanos são uma espécie social por natureza. Enquanto indivíduos, necessitamos do apoio, das habilidades e do conhecimento profissional de cada um. Interdependência e diversidade são as pedras fundamentais do nosso tecido social. Para a manutenção
deste tecido, precisamos reconhecer que juntos
somos fortes, pois a sustentabilidade conta não
apenas com ecossistemas saudáveis, mas também com um tecido social saudável.
O nível sucesso
No jogo de xadrez, o sucesso é determinado
pelo princípio do xeque-mate. No jogo do “desenvolvimento sustentável na biosfera,” foram
elaborados princípios básicos para a sustentabilidade social e ecológica. Estes princípios são
conhecidos pelos setores econômicos e industriais como “Condições Sistêmicas da Natural
Step”. O nome é uma referência à ONG The Natural Step, que os desenvolveu. Definir as condições e obstáculos em relação a este resultado
desejado, que podemos chamar de sucesso, talvez seja um dos aspectos mais importantes. No
entanto, é o menos explorado.
Sabemos que o conceito de sustentabilidade se torna relevante somente à medida em que
compreendemos a não-sustentabilidade. Assim,
passa a fazer sentido projetar os princípios para
sustentabilidade como restrições. Isto é, definir
os princípios que determinam o que a sociedade humana não deve fazer no sentido de não
destruir o sistema. A questão então passa a ser:
quais são os principais fatores que levam à destruição do ecossistema, sociedade e biosfera? E,
tendo em vista estes fatores de destruição, qual
é a capacidade do ecossistema nos sustentar? A
resposta para esta questão deveria ser procurada contra a corrente. Ou seja: rio acima, nas relações de causa-efeito, quando os erros básicos
dos projetos sociais desencadeiam milhares de
impactos negativos, que mais tarde surgem corrente abaixo, ou seja, rio abaixo. Abordar as relações de causa-efeito é a única forma de gerar
compreensão e não apenas se enroscar com os
problemas atuais. Com isso, podemos também
evitar novos problemas que estão aumentando e
surgindo. Neste nível inicial de abordagem existe pouca complexidade e podemos colocar as
questões de forma correta: sem necessidade de
conhecimento sobre todos os detalhes. A partir daí, se acrescentarmos um “não”, a tais princípios, estes podem se tornar condições para o
sistema. Ou seja, “condições sistêmicas.”
Baseado na combinação do conhecimento
descrito sobre o nível sistemas (1), foi possível
identificar três condições que levam à insustentabilidade. São elas:
1. O aumento sistemático de concentração de
matéria introduzida continuamente na biosfeSaneas / agosto 2004 – 17
Meio Ambiente
ra a partir de fontes externas: materiais minerados como metais e petróleo.
2 O aumento sistemático de concentração de matéria produzida dentro da biosfera: produtos químicos desenvolvidos intencionalmente e emissões
provenientes de combustões e incinerações.
3. A destruição sistemática através de meios físicos, tais como pesca predatória e exaustão de
aqüíferos.
As três primeiras condições sistêmicas especificam como evitar a destruição da biosfera. Se acrescentarmos uma negação a estes três
mecanismos básicos de destruição, temos a
possibilidade de uma “Estrutura de Referência”
para a sustentabilidade ecológica, identificando assim um conjunto de restrições. Baseado
neste raciocínio, formulou-se o quarto princípio básico para os relacionamentos internos da
sociedade, a quarta condição sistêmica. Assim,
temos a seguinte composição:
Na sociedade sustentável, a natureza não é
submetida ao aumento sistemático de:
I concentrações de substâncias extraídas da
crosta terrestre
II. concentrações de substâncias produzidas
pela sociedade
III. degradação por meios físicos.
Nesta sociedade...
IV ...as pessoas não são submetidas a condições capazes de exaurir sistematicamente
os meios para que possam realizar suas necessidades fundamentais
O primeiro passo a ser dado por uma organização, sociedade ou indivíduo que não deseja
se tornar um problema para o sistema, é traduzir estas condições do sistema em objetivos relevantes. Uma forma ética de fazê-lo é acrescentar
um “eliminar a contribuição” a estas frases:
Objetivos da sustentabilidade
1. ...eliminar a contribuição relacionada ao
aumento sistemático em concentrações de
substâncias da crosta terrestre.
2. ...eliminar a contribuição relacionada ao
aumento sistemático em concentrações de
substâncias produzidas pela sociedade.
3. eliminar a contribuição em relação à degradação física sistemática da natureza.
18 – Saneas / agosto 2004
4. eliminar a contribuição em relação à exaustão dos meios e da capacidade humana de
alcançar suas necessidades fundamentais
em nível mundial.
A partir do momento em que conhecemos a
definição de sucesso, podemos ser estratégicos.
Organizamos nossas ações e, consequentemente, escolhemos melhor quais instrumentos utilizar para implementação dos processos rumo
à sustentabilidade no sistema em questão.
Pensamento sistêmico e saúde global
Compreender os princípios básicos de um
sistema possibilita definir o “sucesso” de qualquer projeto a partir de uma perspectiva ampliada. Quanto maior e complexo for o sistema, mais importante será o desenvolvimento
de uma forma de entendimento compartilhado, dentro de uma perspectiva ampliada no espaço e no tempo. Não há desafio maior ou mais
complexo para a humanidade do que criar um
mundo sustentável do ponto de vista social e
ecológico.
Compartilhar uma estrutura de referência
nos possibilita compreender melhor o nível de
detalhamento e com isso, não apenas resolver
de fato os problemas, mas também evitá-los –
até mesmo os problemas que ainda não conhecemos.
Isso não significa que estudos epidemiológicos
sobre as relações causais entre aspectos ambientais específicos e doenças sejam menos importantes do que estudos baseados em uma perspectiva
global do sistema. Ao contrário, estas duas perspectivas estão interligadas e são inseparáveis.
Exatamente por isso, a atual falta de equilíbrio de enfoque causa tantos danos. Detalhes
sem estrutura é reducionismo, e estrutura sem
detalhes é ingenuidade. É óbvio que os princípios do xeque-mate não são mais importantes
do que jogar xadrez. Cada movimento em direção aos princípios básicos é um detalhe. Foi a
análise do conhecimento detalhado sobre impactos que possibilitou a identificação das condições sistêmicas.
É através da busca de soluções e visualizações em relação a todos os princípios básicos da
sustentabilidade que encontramos os caminhos
mais sábios e tomamos as decisões mais inteligentes sobre os investimentos em benefício da
saúde planetária. De outro jeito, seria como pilotar um avião utilizando apenas seus instrumentos, mas sem uma bússola. Esta é a essência
para o planejamento em sistemas complexos. ■
CAPA
Qualidade da água,
qualidade da vida
Degradação do meio ambiente e aumento da poluição das águas tornam o
custo do tratamento nos sistemas de abastecimento cada vez mais altos. O preço
final desta conta é pago por toda a sociedade. Idéias para reverter este quadro
não faltam. Estados Unidos e alguns países da Europa já trabalham dentro de
conceitos como o de reúso e uso racional da água. No Brasil, alguns projetos dão
sinal de que a conscientização das diferentes esferas sociais e políticas é o único
caminho para preservar este líquido cada vez mais escasso.
“E
xiste uma relação direta entre o
custo de tratamento de água e a
preservação do verde”. A afirmação
é de Rodrigo Braga Moraes Victor,
coordenador da reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo e reflete parte
do emaranhado de fatores que afetam –ou contribuem— na qualidade da água potável, que
sai das torneiras. Faz parte desta extensa lista
também mudanças climáticas, tratamento de
esgoto, gestão e educação ambiental. Mais do
que análise e adição de componentes químicos,
a água que bebemos depende de um conjunto
de ações que vão além dos laboratórios de química e dependem de uma dose de bom senso e
de um trabalho em diferentes frentes: governo,
iniciativa privada e sociedade.
Quando a organização não governamental
(ONG) Universidade da Água (Uniágua) nasceu, em 1988, a preocupação com a água potável
já era latente. De olho nos índices de poluição
dos mananciais, o idealizador da ONG, o ex-governador André Franco Montoro, vislumbrava
que o excesso de esgoto e de dejetos industriais
e agrícolas, jogados nos rios, afetaria o bolso do
consumidor. “Quanto mais se polui a água, mais
Saneas / agosto 2004 – 19
Matéria de Capa
Floresta da Tijuca foi
primeiro reflorestamento
em favor da boa água
Em 1840, o Rio de Janeiro já sofria com as conseqüências do desmatamento da região e das nascentes dos rios: o
abastecimento de água na cidade estava comprometido. No
lugar da mata, restava a cultura do café. Assim, em janeiro de 1862, o trabalho de reflorestamento começou. Para
conseguir isso, seguiu-se a seguinte estratégia: as espécies
de maior porte eram conservadas para oferecer sombra e
proteção às mudas e, quando estas se desenvolviam, as árvores antigas eram derrubadas. Existia, também, um sistema de proteção da área contra incêndios e saques. Detalhe,
o trabalho era todo feito com mão de obra humana, cerca de 19 pessoas, sem ajuda de maquinário, para cuidar de
600 hectares de terra. Os relatórios enviados à corte de D.
João valem o registro: “Por este meio não só se pode modificar favoravelmente o clima de muitas regiões, temperando os excessivos calores e a secura do verão, e moderando
até certo ponto a força das chuvas e a violência dos ventos,
mas é também o modo mais simples e eficaz de tornar salubres e habitáveis regiões que d’antes o não eram.... É certo,
além disso, que assim como o desmatamento imprevidente
do solo, especialmente nos terrenos elevados, os empobrece
por efeito de lavagem e arrastamento de terra vegetal pelas
correntes que se formam na estação invernosa, assim também a criação de florestas é, em sentido contrário, o melhor
meio de preparar e fertilizar o solo, pela camada de detritos
vegetais que elas lhe prestam, e que, cada vez mais o enriquecem...”
Fonte: Santos, R. F.1988. Aspectos da Ciclagem de Nutrientes Minerais em
um Reflorestamento Misto (Campinas-SP). Tese de Doutoramento apresentada ao Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. São Paulo.
20 – Saneas / agosto 2004
caro fica seu tratamento”, afirma o engenheiro
Carlos Eduardo Palma, coordenador técnico
da Uniágua. O prognóstico foi confirmado: em
1998, para tratar um milhão de litros de água
provenientes do sistema Guarapiranga (apontada como um dos sistemas de águas mais poluído
do estado de São Paulo), gastavam-se R$ 23,21.
No ano passado, essa cifra saltou para R$ 54,03,
de acordo com dados fornecidos pela Sabesp.
A diferença recai também nas tarifas cobradas
do consumidor. Os números dão a dimensão
do impacto da degradação ambiental nesta região, que sofre, principalmente com a ocupação
urbana desenfreada –e irregular—das áreas de
mananciais.
Natureza a favor -- A relação da preservação do Cinturão Verde com a qualidade da água
é direta. “A floresta tem a capacidade de controlar o fluxo da água, como se fosse uma esponja
e o solo faz com que esse líquido seja filtrado
e depurado naturalmente. Como conseqüência,
essa água chega com melhor padrão de qualidade no rio”, explica o engenheiro florestal Rodrigo Victor, da Reserva da Biosfera. Cinturão
Verde é toda a área do entorno da região metropolitana e que tem, no estado de São Paulo,
predomínio de Mata Atlântica. A relação entre
o verde e a cidade é mantida por trocas e o entendimento desta simbiose é recente. “O Cinturão Verde gera para a cidade bens e serviços e
a cidade gera para o Cinturão Verde pressão e
degradação” conta Rodrigo Victor. Entenda-se
por serviços ambientais todos os benefícios que
se obtêm com os ecossistemas: provisão de água,
o alimento, a lenha, a fibra da madeira, recursos genéticos. E essa relação se repete em qualquer lugar do Brasil. “É uma nova e recente forma integrada de se enxergar o espaço territorial”,
conclui Rodrigo Victor. Mas o conhecimento da
interação meio-ambiente e água já é antigo. Há
mais de cem anos a região do Cantareira foi decretada como de utilidade pública, de conservação, por causa da importância da água.
No Rio de Janeiro aconteceu o mesmo processo, quando D. João VI, na época do Império, mandou reflorestar a Tijuca. O intuito era
recuperar a água de abastecimento para a cidade. Isso porque se percebeu que a qualidade
e a quantidade de água fornecida para a cidade caíram depois do desmatamento (veja boxe
“Floresta da Tijuca foi primeiro reflorestamento em favor da boa água”).
A relação de chuvas e qualidade de água também é íntima. A ausência de chuvas é um dos
Matéria de Capa
de Qualidade da Água para Abastecimento Público (IAP), ótimo, bom e regular; 19%, ruim; e
13%, péssimo. “O motivo se dá, principalmente,
pelo tratamento insuficiente de esgoto doméstico, que causa o desenvolvimento excessivo de
algas nos corpos de água”, acredita Lineu José
Bassoi, diretor de engenharia, tecnologia e qualidade ambiental da Cetesb.
Atualmente, os principais gastos no tratamento de água estão ligados ao custo da adição
de produtos químicos, como o carvão ativado e
o permanganato de potássio, que são adicionados para tirar gosto e cheiro e degradar matéria
orgânica. O uso do carvão é conseqüência direta do excesso de esgoto doméstico nas represas.
Por dentro dos mananciais – No ano Este tipo de material orgânico eleva a quantidapassado, de acordo com dados da Companhia de de fósforo e nitrogênio na água. “Associada
de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Ce- ao aumento da temperatura e luminosidade, a
tesb), 68% dos pontos monitorados pela empre- proliferação de algas, que se alimentam destes
sa no estado de São Paulo apresentavam Índice nutrientes, fica acelerada. E são elas que deixam
fatores de redução no nível da água e a conseqüência disso é um menor volume para a diluição dos poluentes. Não é por acaso que hoje
os menores custos de tratamento são nos Sistemas Rio Claro e Alto Cotia, que mantêm boa
preservação ambiental, onde se registram os
menores custos de tratamento de água. “Outro
aspecto de economia é a questão relacionada
às enchentes. Quando se tem uma região rodeada de florestas, a capacidade de segurar a água
é maior”, acrescenta Rodrigo Victor. Na ausência do verde, uma das soluções é aprofundar a
calha do rio e a construção de piscinões, que
fazem o papel de barragens reguladoras.
Reúso da água
“Temos que mudar o paradigma. Caminhar cada vez mais
longe para buscar água era o que
os romanos faziam, por meio dos
grandes aquedutos. E essa mudança está baseada em duas palavras chaves: conservação (da
água) para evitar perdas por vazamento e roubo de água e reúso”. A idéia é do professor Ivanildo Hespanhol, presidente do
Centro Internacional de Referência em Reúso de Água.
O novo conceito passa por
uma mudança de cultura que,
historicamente, privilegiou o uso
abundante da água. Economizar
é uma lição a ser aprendida. A
indústria, de acordo com o especialista, tem investido para uma
redução do uso de água potável
dentro do processo de produção.
“No final, isso gera uma economia e tem também um papel social, já que contribui para o uso
racional da água” acredita.
A prática do reúso ainda está
engatinhando por aqui. Não tem,
inclusive, legislação. O Centro
Internacional de Referência em Reúso de Água está discutindo junto
ao Conselho Nacional de Recursos
Hídricos a publicação, ainda neste
ano, de uma resolução sobre reúso
de água, que vai enfocar cinco categorias: agrícola, urbano não potável; industrial; aqüicultura (peixes)
e recarga artificial de aqüíferos. Serão políticas de reúso, com padrões
e códigos de práticas.
O conceito de reúso é simples:
a água é reutilizada, com finalidade não potável, antes de ser devolvida ao meio ambiente. “Isso é uma
tendência e já estamos fazendo um
manual de reúso só para os setores de produção. A indústria
está começando a aderir, e isso
vai chegar também nos municípios e domicílios”, explica Ivanildo Hespanhol. O reúso é viável e
o retorno, rápido. A grande demanda deste processo, no Brasil, é exatamente na agricultura.
Aliás, no mundo, 80% da água
consumida é para agricultura.
Por aqui, é em torno de 70%. E
o exemplo vem de fora: países do
Oriente Médio, norte da África,
Alemanha, França e EUA têm no
reúso uma prática habitual.
Saneas / agosto 2004 – 21
Matéria de Capa
cheiro e odor desagradável na água”, explica Armando Perez Flores, gerente da divisão de controle de qualidade de água da Sabesp, que admite que os sistemas mais comprometidos pela
degradação ambiental e com problemas devido à proliferação das algas são o Guarapiranga,
Alto Tietê e Rio Grande. O que a Sabesp tem feito, de acordo com Armando Flores, para tentar
reduzir este impacto é subsidiar ações de planejamento e, assim, tentar reverter este quadro.
“Nessas áreas um dos grandes problemas se refere ao esgoto doméstico. São áreas protegidas,
mas ocupadas irregularmente e, por isso, não
são providas de rede coletora de esgoto”, conta
Armando Flores.
Água limpa – Passam pelo crivo da análise da água parâmetros relacionados à contaminação bacteriológica, física (gosto, odor e cor) e
químicos (componentes orgânicos e inorgânicos,
como a presença de pesticidas, solventes, metais,
sais dissolvidos), já que no rio chegam materiais
provenientes da indústria, agricultura, além dos
resíduos de esgoto doméstico. De acordo com
dados oficiais, divulgados pela Sabesp, 85% do
esgoto é coletado pela empresa. Destes, 76% recebem tratamento –a empresa atende 368 municípios do estado de São Paulo. “E na água bruta,
onde parte do esgoto, tratado ou não, é despeja-
Qualidade da água:
quando cada um
faz a sua parte
do, controlamos quase 300 compostos”, afirma
Caetano Mautone, gerente da divisão de laboratório central de controle da Sabesp. A verificação é feita tanto nos mananciais quanto nas Estações de Tratamento de Água (ETA), Estações
de Tratamento de Esgotos (ETE) e na água que
chega à torneira do consumidor. O excesso de
zelo se justifica: a água contaminada pode causar uma série de danos para o organismo como
a febre paratifoide, disenteria e cólera. Além
disso, a poluição bacteriológica causa doenças,
como poluentes químicos, como metais pesados, provenientes principalmente da indústria,
têm efeito crônico no organismo, num processo
cumulativo, que causa danos principalmente ao
sistema nervoso. Para Ivanildo Hespanhol, professor titular da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e presidente do Centro Internacional de Referência em Reúso de Água, a
absorção de compostos inorgânicos, como metais pesados, por exemplo, poderá ser feita, nos
próximos anos, por um sistema mais econômico do que o uso de carvão ativado: o sistema de
membranas. “Acredito que dentro de cinco anos
o sistema de abastecimento de água vai começar
a usar este tipo de processo. Nos Estados Unidos isso já é comum”, exemplifica Ivanildo Hespanhol. Pelo sistema de membranas, a água passa por microfiltração, ultrafiltração, nanofiltra-
Campanhas de racionalização do uso da água: re-
petir nunca é demais. Este tipo
de campanha ajuda a reduzir
o desperdício. E isso tem relação direta com o nível dos mananciais e a maior ou menor
dispersão dos poluentes. Incluem-se aí não apenas a população em geral, como também a indústria e aqueles que
trabalham na agricultura.
Conscientização ambiental e uso do solo para evitar o alto impacto nas
águas dos rios: cada vez
Visita monitorada na Sabesp concientiza alunos
22 – Saneas / agosto 2004
mais a população tem sido
chamada para participar das
decisões dos planos diretores,
para evitar o crescimento e o
zoneamento em uma área de
manancial, por exemplo; e o
aumento descontrolado de indústrias numa região já saturada; além da organização das
atividades agrícolas.
Educação ambiental: apenas por meio da formação é
que será possível conseguir resultados positivos nesta área.
A Reserva da Biosfera tem
dado bons exemplos, como o
trabalho feito com as comunidades na região do Cinturão
Verde. A idéia é criar modelos de uso sustentável da terra e gerar, assim, inclusão social. Deste projeto estão sendo
formadas pessoas para o ecomercado de trabalho (voltado
para a conservação ambiental, como a reciclagem, agricultura orgânica etc). São 10
núcleos de educação eco-pro-
Matéria de Capa
ção e osmose reversa –que remove tudo, até vírus e sais. “Isso ainda é caro para as companhias
de saneamento. Mas o valor está reduzindo e esses processos vão ser rapidamente competitivos”,
acredita Hespanhol.
Panorama paulista – O padrão seguido para estabelecer poluição e potabilidade de
água é ditado pela Resolução Conama número
20/86, que estabelece os padrões de qualidade
de acordo com seus usos (abastecimento público, irrigação etc). “Não se pode analisar todos os
compostos porque são mais de um milhão. Então focamos aqueles relacionados ao risco para
a saúde pública, ao comprometimento da fauna
e da flora”, conta Eduardo Mazzolenis de Oliveira, gerente do Departamento de Tecnologia de
Águas e Efluentes Líquidos da Cetesb.
Apesar de toda a discussão em relação aos fatores que influenciam a qualidade da água, Eduardo Mazzolenis conta que o panorama paulista demonstra sinais positivos, mesmo que muito
discretos. “Nos últimos quatro anos tivemos um
período de seca muito forte em São Paulo e isso
não só interfere na quantidade de água distribuída, mas também na qualidade. O ano passado
foi um dos anos mais secos na Grande São Paulo,
nos últimos 60 anos,” relata. A Cetesb considera
que, o ano passado, em especial, foi um período
fissional, com 250 jovens, de
15 a 21 anos. Por esta rede já
se passaram mais de 500 jovens, que aprenderam práticas
sustentáveis e conseguem fazer da conservação ambiental
uma geração de renda. Hoje, o
maior potencial do Cinturão
Verde é o ecoturismo.
Investimento na gestão
ambiental: qualquer decisão
que se toma numa determinada
área de mata terá repercussão
na região, como converter uma
área de floresta em uma área de
agricultura. Essa decisão pode,
por um lado, causar o aumento
na oferta de alimento, mas, por
outro, problemas na qualidade
de água. É preciso conhecer um
pouco melhor essas inter-relações. Outro exemplo: a Reser-
Estação de Tratamento de Esgoto reduz impacto da poluição
crítico e a crença era de que a queda no volume de água nas represas tivesse conseqüências drásticas na piora da qualidade da água.
“Mas não foi o quadro que percebemos”, conta Mazzolenis. O especialista credita o resultado das amostras de água dos mananciais
paulistas –e cujo resultado está no relatório anual da empresa-- aos
investimentos feitos pelos municípios e aos comitês de Bacia, que
reúnem estado, municípios e sociedade civil para discutir o problema da qualidade e quantidade da água, planejamento e educação
ambiental. De acordo com Eduardo Mazzolenis, foram investidos,
apenas na Bacia do Piracicaba, quase R$ 200 milhões desde 1993,
sendo cerca de R$ 80 milhões apenas em programas de tratamento de esgoto.
Para a Cetesb, aconteceu, ainda, um auva da Biosfera tem um projeto,
mento nos programas de controle de poluiligado ao programa internacioção das indústrias nos últimos anos. Por ounal “Avaliação Ecossistêmica do
tro lado, nos municípios têm sido feito invesMilênio” –que tem como meta
timentos para reduzir a poluição, por meio
entender de que forma a altedo tratamento de esgoto nas cidades. E o Miração dos ecossistemas do planistério Público tem influenciado nisso.
neta está afetando ou vai afetar
Além disso, é preciso investir na gestão de
o bem estar da população do
qualidade de água, que não depende só de
mundo. São mais de dois mil
tratamento de esgoto, mas também da reducientistas envolvidos e o proção da poluição nas fontes difusas: água programa, que deve apresentar os
veniente da chuva, que ‘varre’ as ruas e a utiliprimeiros números no próximo
zada na agricultura. Em países como a Franano, é liderado pela Organizaça e a Holanda, por exemplo, a água da chução das Nações Unidas. O prova, que em seus primeiros 15 minutos leva
jeto da Reserva da Biosfera tem
consigo toda a sujeira e lixo para as galerias
como foco entender quais são
e para o rio, passa por um sistema de trataos principais serviços ambienmento em uma ETE. Na agricultura, o sistetais do Cinturão Verde e como
ma de irrigação pode ficar contaminado por
a população se beneficia dispesticidas e inseticidas. A utilização de proso. Estas informações poderão
dutos mais biodegradáveis ajudaria esta água
ser usadas, posteriormente, por
a não chegar tão carregada em poluentes nos
gestores de políticas públicas e
rios e córregos. O meio ambiente e a sociedaempresários.
de agradecem.
Saneas / agosto 2004 – 23
Matéria de Capa
Mapa das águas brasileiras: um
bate-papo com Gérard Moss
D
Projeto
audacioso: a
bordo de um
hidroavião,
o objetivo
de Moss é
traçar um
panorama da
contaminação
--ou não-- das
águas do país
esde outubro de 2003, o aviador Gérard
Moss está percorrendo o país a bordo de
um hidravião anfíbio, o Talha-mar, que teve
parte de seu interior transformado em laboratório. A idéia de Moss é realizar um levantamento inédito da qualidade da água nos principais
rios, lagos e reservatórios hídricos brasileiros,
no audacioso projeto “Brasil das Águas” (www.
brasildasaguas.com.br). Ao final da trajetória,
que deve acontecer este ano, Moss terá percorrido o equivalente a duas voltas e meia em torno da Terra –cerca de 100 mil quilômetros. No
caminho, Moss coleta a água e envia para instituições de pesquisa parceiras. Além disso, por
onde passa, o aviador e Margi Moss, que viaja
com ele, dão aulas de preservação da água em
escolas de pequenas comunidades, como parte
do projeto “Amigos da Escola”. Entre uma viagem e outra, Gerard Moss concedeu esta entrevista a Saneas e falou sobre esta experiência.
Como e por que surgiu a idéia do Projeto Brasil das Águas?
Tive a idéia após completar a volta ao mundo
de motoplanador (2001). Há 15 anos que Margi
e eu voamos pelo mundo - já estivemos em mais
de 100 países -, em aeronaves leves, em geral voando a baixa altitude. Facilmente percebemos a
deterioração do meio ambiente: desde a visibilidade prejudicada por fumaça até o desmatamento e as águas poluídas. E o Brasil é um país
de águas. 2003 foi o ano internacional da água
doce e quis fazer as duas coisas: chamar atenção às nossas águas, para sua preservação e uso
racional; e fazer um levantamento da qualidade
usando a mesma metodologia em todo o país.
Obviamente, as águas nas regiões sul e sudeste são bem monitoradas, e a Agência Nacional
de Águas também manda equipes para medir as
águas no Brasil afora. Mas estes órgãos são limitados pelas distâncias e isso leva muito tempo.
Apenas um avião pode alcançar, rapidamente,
os cantos mais distantes sem precisar seguir os
quilômetros de meandros de um rio.O projeto
foi muito bem aceito pelas empresas e acabamos
fechando patrocínio com a Petrobrás, a Embratel, a Companhia Vale do Rio Doce e a Agência
Nacional de Águas. E uma equipe de pesquisadores escolheu mil pontos espalhados país, onde
seria interessante coletar amostras.
Como é feita a análise da água coletada?
24 – Saneas / agosto 2004
Matéria de Capa
Temos a bordo uma sonda multi-paramétrica, que analisa fatores como pH, oxigênio dissolvido, temperatura etc, quase que instantaneamente. Além disso, coletamos uma amostra
de aproximadamente 150 ml, que é subdividido em várias garrafinhas menores, que seguem
para ser analisadas por vários pesquisadores.
Quantos quilômetros e regiões do país já foram percorridos?
Já percorremos mais de 50 mil quilômetros,
ou seja, mais do que uma volta ao mundo na
linha do equador. Estivemos no Sul, Sudeste,
Centro-oeste, uma parte do Nordeste e parte
do Norte.
Quais as impressões do que foi visto?
Recentemente estivemos justamente no chamado arco do desmatamento, desde São Felix do Xingu até Rondônia e me dá muita dor
no coração ter que afirmar que a imensidão da
Floresta Amazônica está cada dia menor. Francamente, acredito que dentro de muito pouco
tempo - uma década talvez - o que resta desta
floresta será restrito apenas às reservas indígenas e aos parques nacionais. O resto vira cinzas, para depois virar pasto de gado e finalmente soja. Menos as áreas sempre inundadas, claro,
mas as áreas que passam pelo menos alguns meses secos também serão aproveitadas. Do ar, é
mais difícil distinguir a poluição das águas. Caímos na tentação de pensar que águas transparentes são limpas, boas. Por exemplo, coletamos
água do rio Mãe Luiza (SC) que, de cima, parece
o paraíso... água azul, mesmo, transparente. Porém, é ácido! A água desse mesmo rio muda de
cor no percurso de uns 15 quilômetros: de azul
transparente à marrom turvo, à verde turvo, a
laranja e amarelo. A poluição desse rio é provocada pelos resíduos do carvão na região. Em
outros lugares, poderíamos estar sobrevoando
rios muito turvos, cheios de sedimento, mas que
contém água de boa qualidade, apenas aparenta ser suja. Recentemente, ao norte de Porto Velho, no sul do Amazonas, sobrevoamos rios de
águas negras, puríssimas, sem interferência do
ser humano. A poluição que é menos detectável do ar é resultado dos agrotóxicos. Passamos
por grandes áreas no sul do Pará, no Mato Grosso, em Rondônia, onde o desmatamento é radical: derrubam todas as árvores, deixando quase
nada nas margens dos rios.
Quais são as diferenças entre as águas de áreas urbanas e rurais?
Sabemos quais são os problemas de esgoto doméstico e industrial nas áreas urbanas. O
milagre do Tietê - de poder converter as águas
pretas e mal cheirosas do centro de São Paulo
em águas azuladas e limpas no Baixo Tietê - deveria ser mais divulgado. Já conversei com paulistanos que não têm a menor idéia de que no
Baixo Tietê as águas são limpas... e na verdade
pouco se importam. A tragédia dos rios é que,
no mundo inteiro, são considerados um conveniente meio de escoar lixo e dejetos. Ao sobrevoar tantos rios no interior do país, vemos cada
vez mais como é importante que cada cidade
trate seu esgoto.
Na foto feita
por Margi
Moss (acima) é
possível ver a
Barragem Foz
da Areia, no rio
Iguaçu (SC)
Como é o retorno das comunidades nas palestras “Amigos da Escola”? A educação e a conscientização da população são caminhos para
uma melhor qualidade da água?
É extremamente gratificante falar com as
crianças. Primeiro, fiquei impressionado que
elas já saibam muito sobre como economizar
água, preservar. Isso significa que os professores estão fazendo um ótimo trabalho. Temos
que direcionar as palestras de acordo com a realidade de cada região - não faz sentido falar
com crianças do sertão sobre economia de água
porque elas já entendem muito bem e não desperdiçam mesmo. Em todo o Brasil, as crianças parecem entender melhor do que os adultos que, se a gente não preservar a água, não vai
haver no futuro. Felizmente, as crianças levam
essa mensagem para casa e ensinam os pais.
Normalmente, falamos com crianças de 10 a 14
anos. Algumas delas estão muito preocupadas.
Eu também estou preocupado. Mas também
fico feliz de ver quantas águas boas ainda temos no Brasil. Temos muita sorte. Essas águas
são o ouro do futuro, uma riqueza enorme que
o país deve lutar para preservar. ■
Saneas / agosto 2004 – 25
TECNOLOGIA
P&D
Controle da água produzida
para a região metropolitana
Para garantir a qualidade da água distribuída à população da
Região Metropolitana de São Paulo, a Sabesp conta com um
Laboratório Central, que efetua estudos minuciosos
Rosemeire Alves,
Preparação de amostras de MIB/GEO para injeção no equipamento
A
água é um elemento vital para a sociedade, uma matéria-prima que
cada vez mais está se tornando escassa. O crescimento populacional da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) e
a ocupação desordenada em áreas próximas
a mananciais, resultaram na degradação dos
recursos hídricos. O comprometimento da
qualidade da água é ocasionado pelos materiais tóxicos presentes nos esgotos domésticos e industriais.
Com o aumento da freqüência de ocorrência de novos problemas de qualidade da água, e
a diminuição do intervalo de tempo necessário
para resolver tais problemas, torna-se imprescindível o entendimento das origens e complexidade da poluição como um todo, para que
se possa desenvolver novos estudos no que diz
respeito ao tratamento de nossas águas, para
melhor viabilizá-la para consumo humano.
Na seqüência, os problemas de qualidade da
água mais comuns em reservatórios1:
• poluição orgânica clássica.
• eutrofização: produção excessiva de matéria
orgânica dentro de um reservatório, devido
a altas entradas de nutrientes.
• grande contaminação por nitratos e problemas higiênicos associados.
• acidificação: queda do pH com conseqüente liberação de metais; pode ser ocasionada
por chuvas ácidas e acompanhada por transferências de massas gasosas contaminadas.
• problemas de turbidez, derivados do excesso de material em suspensão.
• salinização devido à aplicação excessiva de
fertilizantes ou pela irrigação de solos em
regiões áridas ou semi-áridas.
• contaminação por bactérias ou vírus.
• doenças hidricamente transmissíveis.
• contaminação por metais pesados.
• agrotóxicos ou outros produtos químicos:
acumulam toxinas nos sedimentos e em seres vivos.
• depleção dos níveis e volumes hídricos.
Química e encarregada do laboratório de Físico-Química da Sabesp, na RMSP.
26 – Saneas / agosto 2004
Tecnologia
Para garantir a boa qualidade da água distribuída à população da Região Metropolitana da
São Paulo – RMSP, a SABESP (Cia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), tem um
Departamento de Controle de Qualidade, que
é responsável pelo monitoramento da qualidade da água produzida na RMSP. As análises são
realizadas pelo Laboratório Central, que efetua
os estudos para o completo controle da qualidade da água.
O Laboratório Central está dividido em três
segmentos: Laboratório de Análises FísicoQuímicas (Compostos Orgânicos e Inorgânicos), Laboratório de Materiais de Tratamento e Reagentes e Laboratório de Microbiologia
(Análises Bacteriológicas e Hidrobiológicas).
Cada laboratório é responsável por um determinado tipo de análise, desde a água bruta
que vem dos mananciais, até os produtos químicos utilizados nas oito Estações de Tratamento de água da RMSP.
Com esses laboratórios, a SABESP vem encurtando cada vez mais o caminho do cumprimento total da Portaria 518/04, faltando atualmente, poucos parâmetros que já estão em
processo de desenvolvimento.
Um dos problemas de poluição que vem recebendo particular interesse devido a seu crescimento em várias regiões do Brasil é o de eutrofização, pois em águas eutróficas são produzidos
volumes de algas, incluindo-se as cianobactérias que podem ser tóxicas, além de produzirem
compostos que dão gosto e odor à água.
Quando se é caracterizado um gosto e/ou
odor em águas, é necessário que este seja qualificado e medido para que se busque uma solução. Uma análise rápida, de baixo custo e eficiente, quando realizada por pessoas treinadas
adequadamente, é a Análise Sensorial.
A portaria 518 não exige este parâmetro
como padrão de potabilidade, mas como de
aceitação e a sugere como um bom controle
organoléptico, pois a presença de gosto e odor,
pode fazer com que o consumidor questione a
segurança da água levando-o a procurar outras
fontes de abastecimento, muitas vezes menos
seguras, pois ele espera que a água que sai da
torneira, seja agradável para beber, lembrando que o único odor obrigatório em qualquer
água tratada, é o de cloro, fator este de segurança para o consumidor.
A Sabesp vem realizando esta análise há cerca de 10 anos, sendo pioneira no Brasil em utilizá-la em águas, pois antes seu uso era restrito
a indústrias de bebidas, perfumes, etc. A aná-
lise foi introduzida no Brasil por dois químicos da empresa, Caetano Mautone e Maureen
Sakagami, que receberam todo o treinamento
no Canadá.
A análise é rápida e de baixo custo, pois precisa-se apenas de uma boa dose de sensibilidade, aliados a um treinamento de cerca de oito
meses para que o analista desenvolva um bom
vocabulário para suas sensações gustativas e/
ou olfativas.
Na época, em meados de 1992, já havia uma
preocupação com dois odores característicos
que vinham aparecendo sutilmente em algumas águas. Estes odores eram de terra e mofo,
que hoje sabe-se tratar dos compostos metilisoborneol e geosmina, respectivamente.
Estes compostos são produzidos pela proliferação de algas e não são tóxicos, porém produzem uma sensação desagradável ao paladar
do consumidor.
Atualmente, devido ao aumento contínuo
da poluição em nossas águas, estes compostos
já não aparecem tão “sutilmente” quanto no começo da década de 90, tendo aparecido até mesmo em águas que jamais tiveram registradas em
seus históricos problemas com gosto e odor.
Análise de
MIB e GEO no
sistema GC/MS
e Purge and
Trap
Sessão de
Painel Sensorial
– Testes de
Gosto e Odor
realizados pelas
painelistas
(analistas
treinadas para
testar gosto e
odor) Gabriela,
Rosângela e
Sandra, da
direita para a
esquerda.
Saneas / agosto 2004 – 27
Tecnologia
Aqui vemos um ótimo exemplo da importância de caracterização e acompanhamento constante de um manancial ou reservatório para que
no futuro tenha-se as armas ideais para combater inimigos tão complexos, como são os diversos compostos advindos da poluição.
O Laboratório de Orgânica da Sabesp pode
hoje, não só qualificar tais compostos por meio
da Análise Sensorial, como também quantificálos, auxiliando nos estudos de processos de remoção dos mesmos junto às diversas Estações
de Tratamento. Esta análise recebe o nome de
MIB/GEO.
Este laboratório é um dos poucos que realiza a análise no Brasil, sendo único no estado
de São Paulo. Esta análise exige minuciosas técnicas de preparação das amostras, sofisticados
equipamentos de extração, bem como equipamentos de alta tecnologia instrumental. É possível detectar tais compostos em um cromatógrafo gasoso acoplado a um espectrômetro de
massa (sistema GC/MS) com duas técnicas distintas de extração: SPME (solid phase micro-extraction) e Purge and Trap.
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28 – Saneas / agosto 2004
A implantação do Laboratório de Orgânica
em 1997 era uma necessidade que a empresa
tinha em ampliar seus procedimentos de análises laboratoriais, visando sempre garantir a
qualidade de vida da população.
Países desenvolvidos como o Japão, através
do projeto Jica, e a Alemanha, através do projeto GTZ, costumam manter acordos diplomáticos com países em desenvolvimento, como é
o caso do Brasil, investindo em avanços tecnológicos em empresas públicas.
Um desses acordos de cooperação técnica
com a Alemanha, possibilitou o treinamento
especializado para o corpo técnico e também
na alta tecnologia empregada para uma melhor adequação do controle de contaminantes
orgânicos.
O Laboratório de Orgânica conta hoje com
três sistemas de Espectrômetro de Massa acoplado a um Cromatógrafo Gasoso (GC/MS)
que realizam análises de MIB/GEO e diversos
voláteis, como BETX e Trihalometanos, dois
Cromatógrafos Gasosos com Detectores Específicos (FID/TSD e TSD/ECD) para análise de
pesticidas, um Cromatógrafo Líquido (HPLC)
para PAHs (Hidrocarbonetos Aromáticos Polinucleares) e glifosato, além de um Analisador
de Carbono Orgânico Total (TOC), sendo todos os equipamentos acoplados a amostradores automáticos.
Já existe um projeto para aquisição de um
LC-MS para análise de toxinas, em um trabalho conjunto dos biólogos do Laboratório de
Hidrobiologia e dos químicos do Laboratório
de Orgânica. Ambos vêm recebendo treinamento em tal análise com renomados pesquisadores brasileiros especialistas no assunto.
Recentemente foram adquiridos também
pelo Laboratório de Inorgânica, um Cromatógrafo de Íons responsável em analisar parâmetros como sulfeto, cianeto e muitos outros,
otimizando muitos ensaios realizados antes em
bancada, além de um ICP-MS que permitirá o
cumprimento de toda a série de metais da resolução CONAMA 20.
Com tudo isto, a SABESP está cada vez mais
atendendo às exigências legais, relativas à qualidade da água para abastecimento público.
A política de Recursos Hídricos tem por objetivo assegurar que a água, recurso natural essencial à vida, ao desenvolvimento econômico
e ao bem-estar social, possa ser controlada e
utilizada em padrões de qualidade satisfatórios
por seus usuários e pelas gerações futuras em
todo o território do Estado de São Paulo. ■
ARTIGOS TÉCNICOS
Fluoretação da água
e democracia
Mais do que uma vontade política, a fluoretação das águas
deve ser considerada como um direito de cidadania. Dados de
Campinas (SP), Baixo Guandu (ES) e Curitiba (PR), nos últimos
50 anos, mostram o impacto de políticas públicas que levam em
conta a saúde bucal da população
Paulo Capel Narvai , Paulo Frazão , Roberto Augusto Castellanos Fernandez A
experiência brasileira com fluoretação de
águas de abastecimento público completa meio século e contém ensinamentos
que precisam ser assinalados. A apresentação à
Câmara dos Deputados, em 2003, do projeto de
lei (PL) número 510, pedindo a revogação da Lei
Federal 6.050, de 1974, enseja, entre outras, duas
questões fundamentais sobre a fluoretação das
águas como medida de saúde pública para prevenir cárie dentária. A primeira diz respeito ao
valor da democracia para equacionar divergências e buscar o predomínio do interesse público
na solução de conflitos. A segunda se refere à
própria capacidade da fluoretação da água em se
manter eficiente, eficaz e efetiva enquanto ação
de alcance coletivo.
A fluoretação das águas de abastecimento público é tida como uma medida preventiva da cárie dentária comprovadamente eficaz
(McDonagh 2000) sendo, também, a de me-
Cirurgião-dentista sanitarista. Doutor em Saúde Pública. Professor Associado da
A partir da esquerda: Paulo Frazão,
Roberto Catellanos e Paulo Capel
Universidade de São Paulo. Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo
Av. Dr. Arnaldo, 712. CEP 01246-904 – São Paulo, SP. Tel 3066-7782, Fax 3083-350.
E-mail: [email protected]
Cirurgião-dentista sanitarista. Doutor em Saúde Pública. Pesquisador Orientador no
Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da Universidade de São Paulo.
Cirurgião-dentista sanitarista. Doutor em Saúde Pública. Professor Doutor da Universidade de São Paulo.
Saneas / agosto 2004 – 29
Artigos Técnicos
10
8,6
7,3
8
CPO
5,9
6
5,0
4,9
3,7
3,7
4
2,2
2
1960
1950
1970
1980
Ano
1990
2000
2010
Figura 1. Evolução do índice CPO em escolares de 12 anos de idade.
Baixo Guandu, ES, 1953-2003.
10
8,4
8
6,8
6,7
6
5,3
5,1
CPO
4,8
3,4
4
2,2
2
1955
1960
1965
1970
1975
1980
1985
1990
1995 2000
Ano
Figura 2. Evolução do índice CPO em escolares de 12 anos de idade.
Curitiba, PR, 1958-1996.
10
8
7,4
6,9
CPO
6
5,5
5,1
3,6
4
4,9
3,3
2,6
2
1960
1,3
1965
1970
1975 1980 1985
Ano
1990
1995
2000 2005
Figura 3. Evolução do índice CPO em escolares de 12 anos de idade.
Campinas, SP, 1961-2002.
30 – Saneas / agosto 2004
lhor custo-benefício para a saúde pública (Burt
1989, Newbrun 1989). Quando a água contém
os teores preconizados para prevenir a doença,
a medida é segura para a saúde humana (WHO
1984, 1994). Nos Estados Unidos foi considerada uma das 10 maiores conquistas da saúde pública naquele país, no século XX (CDC
1999). No Brasil, o aumento da cobertura da
fluoretação e o cumprimento da lei 6.050, que
a torna obrigatória onde haja estação de tratamento da água (Brasil 1974), foram recomendados pelos participantes das três conferências nacionais de saúde bucal realizadas até o
momento (CNSB 1986, CNSB 1993 e CNSB
2004). Em todos esses eventos houve reiteração da importância estratégica da fluoretação
das águas no enfrentamento da cárie dentária
como um persistente problema de saúde pública no Brasil. A “força preventiva” da fluoretação das águas, quando atua isoladamente,
não é pequena, reduzindo em cerca de 60% a
prevalência de cárie em dentes permanentes
(Chaves 1977, Murray 1992). Mesmo quando
outras medidas preventivas agem simultaneamente, há reconhecimento de que, ainda assim, é a fluoretação da água o método de maior
abrangência (Peres & Rosa 1995, Featherstone
1999). Ademais, estudos recentes comprovam
que a fluoretação das águas de abastecimento
é uma medida que beneficia proporcionalmente mais àqueles que mais precisam dela, pois
seu impacto preventivo é maior quanto maior
a desigualdade social, tanto em dentes decíduos (Riley et al. 1999) quanto em dentes permanentes (Jones & Worthington 2000).
Em 2003 os 50 anos do início da fluoretação
das águas em Baixo Guandu, ES, foram oficialmente comemorados no município e no estado
capixaba. Baixo Guandu foi o primeiro município brasileiro a ter flúor adicionado às águas de
abastecimento público (Freire 1970, Grinplastch
1974). Na segunda metade do século XX a cobertura da fluoretação expandiu-se notavelmente em todo o país, evoluindo dos cerca de 6.000
beneficiados (população de Baixo Guandu em
1953) para aproximadamente 62,5 milhões em
1995 (Narvai 2000). Em Baixo Guandu, a obtenção de reduções na prevalência de cárie semelhantes às observadas em nível internacional
(Viegas et al. 1987) permitiu derrotar o ceticismo quanto à eficácia e comprovar, também entre nós, a segurança da medida (Pinto 1993).
Não obstante essas características, a fluoretação das águas desperta dúvidas e tem opositores (Amaral 1986, Amarante et al. 1993). Ar-
Artigos Técnicos
gumenta-se, entre outros, com os termos democracia, liberdade, insegurança, toxidez, veneno, compulsoriedade. A oposição à medida
se expressa de modo ativo e passivo. Este artigo
trata desses aspectos da oposição.
Resultados
Nas Figuras 1, 2 e 3 observa-se a evolução
do índice CPO aos 12 anos de idade nos municípios de Baixo Guandu, Curitiba e Campinas,
respectivamente.
A evolução do índice CPO em Baixo Guandu mostra declínio no período de 1953 a 1963,
com o CPO diminuindo de 8,6 para 3,7. Na segunda metade dos anos 60 e durante os anos
70 não houve registro do CPO o que viria a
ocorrer em 1984, quando se constata elevação
do valor (5,0). Em meados dos anos 90 o valor
é máximo (5,5), declinando desde então. Em
2003 o valor do CPO é de 2,2.
Em Curitiba o índice CPO registra 8,4 em
1958 e declina progressivamente até atingir 4,8
em 1968. Expressivo aumento é constatado em
1974, com o valor do CPO atingindo 6,7. Novo
levantamento, realizado em 1989, mostra um
5
4
CPO
Material e método
São utilizados dados secundários sobre
ocorrência de cárie dentária, medida pelo índice CPO, entre escolares de 12 anos de idade nas
cidades de Baixo Guandu, Curitiba e Campinas, em diferentes momentos da segunda metade do século XX. Essas cidades foram escolhidas por serem, respectivamente: a primeira
a fluoretar no Brasil (1953), a primeira capital
estadual a adotar a medida (1958) e a primeira
grande cidade do estado de São Paulo a fluoretar as águas (1962). Outra característica comum às três cidades é a disponibilidade de dados sobre epidemiologia de cárie empregando
o índice CPO recobrindo o período em análise. O índice CPO é o instrumento preconizado
pela Organização Mundial da Saúde para estudos epidemiológicos de cárie, de base populacional (WHO 1997). A idade de 12 anos é considerada uma idade-índice, indicativa da situação da doença em escolares.
Para estimar o impacto epidemiológico da
eventual interrupção da fluoretação das águas
são analisados dados para escolares de 12 anos
de idade do estado de São Paulo, provenientes
do banco de dados gerado pela pesquisa “Condições de Saúde Bucal no Estado de São Paulo em 2002” disponibilizados pela Secretaria de
Estado da Saúde de São Paulo (SES 1999).
6
3
3,5
2,3
2
1
com
sem
Água Fluoretada
Figura 4. Índice CPO em escolares de 12 anos de idade em municípios
com e sem água fluoretada. Estado de São Paulo, 2002.
Fonte: SES-SP/FSP-USP 2002.
CPO de 5,1. A partir daí o declínio é consistente até atingir 2,2 em 1996.
Em Campinas o índice CPO registra 7,4 em
1961. O menor valor obtido no início dos anos
70 revela expressivo declínio atingindo 3,3.
A partir daí eleva-se até atingir 5,5 em 1986
quando a curva faz nova inflexão invertendo-se a tendência de aumento nos valores. Em
2002 o índice CPO atinge 1,3.
Na Figura 4 observam-se os valores do índice CPO aos 12 anos de idade nos municípios do
estado de São Paulo com e sem água fluoretada, em 2002. O CPO registra 2,3 para as cidades
com acesso à água fluoretada contra 3,5 para os
municípios sem o benefício (SES-SP 2002).
Discussão
A análise da evolução dos valores do índice CPO mostra, nos três municípios considerados, tendência de declínio na primeira década após o início da fluoretação das águas e de
alta no período que vai dos anos 60 a meados
dos anos 80 e retomada da tendência de declínio a partir desse período. Em Baixo Guandu a
retomada da tendência de declínio é mais lenta, ocorrendo apenas nos anos 90. É notável a
semelhança das curvas nas três cidades. Mas
esse tipo de curva não é o esperado em situações onde a fluoretação das águas é iniciada —
e mantida. A tendência é de constante declínio
até que a “força preventiva” da medida se esgote, momento em que, mantidas inalteradas significativamente outras variáveis envolvidas na
multicausalidade da cárie, a curva se mantém
praticamente reta. O movimento ascendente é,
portanto, teoricamente inesperado e indicativo
Saneas / agosto 2004 – 31
Artigos Técnicos
Nos três
municípios,
o índice CPO
mostrou queda
na primeira
década após
início da
fluoretação
de que algo anormal ocorreu.
Embora não confirmadas pelas autoridades
há indícios de que, nos anos 60 e 70, teria havido paralisação da fluoretação das águas nos
três municípios, conforme declarações em off
de funcionários das áreas de saúde e saneamento. Em Baixo Guandu a interrupção da fluoretação teria acontecido também nos anos 80 (Sinodonto 1995). Segundo Kozlowski & Pereira
(2003) essa interrupção ocorreu entre 1970 e
1987. Com efeito, os valores obtidos para o índice CPO são indicadores expressivos de que
houve problemas com a fluoretação das águas
nesses municípios, sendo provável que tenha
havido paralisações. Tal dedução é corroborada pelo fato de não ser possível detectar alterações expressivas em variáveis sabidamente associadas com o aumento da prevalência da doença como, entre outras, aumento no consumo
de produtos açucarados ou piora nos níveis de
escolaridade dos pais.
É de conhecimento dos envolvidos com a
fluoretação das águas que, frente a dificuldades econômicas ou necessidade de diminuir
custos, essa medida é a primeira a ser cogitada
para suspensão. Acresce que alguns profissionais da área de saneamento não crêem em sua
eficácia preventiva; outros a consideram prejudicial à saúde humana. Assim, ainda que não
expressem publicamente sua oposição à medida, agem para inviabilizá-la. Há, portanto, razões para admitir que, quando não há controle
público, a fluoretação das águas pode ser interrompida sem que o fato seja percebido por seus
efeitos imediatos.
O período que vai de 1968 a 1988 foi marcado por importantes restrições às liberdades
democráticas no Brasil, sendo freqüentemente
desestimuladas, quando não duramente reprimidas, as manifestações públicas de contrarie-
32 – Saneas / agosto 2004
dade com decisões governamentais ou críticas
ao desenvolvimento de políticas públicas. Nesse sentido, é compreensível que funcionários
tenham preferido se manter no anonimato e se
valer de declarações em off para se preservar de
possíveis retaliações.
Assim, parece razoável admitir a hipótese de que, em decorrência do contexto político marcado pela falta de liberdades democráticas, tenha havido paralisações na fluoretação
das águas em vários municípios, a exemplo dos
apresentados neste estudo. Com a retomada da
democracia ressurgiram práticas de controle
público das decisões de governo e tudo indica
que tal retomada teve significativo impacto na
expansão da fluoretação das águas de abastecimento público no Brasil. Com a democracia
se fortaleceram também as práticas de vigilância sanitária e, quanto à fluoretação das águas,
constata-se o surgimento de experiências baseadas no princípio do heterocontrole. Desse
modo, à expansão da fluoretação, fortemente impulsionada nos anos 80, seguiram-se nos
anos 90 do século XX, práticas de melhor controle público da medida (Narvai 2000).
A vigência de liberdades democráticas no
período pós-1988 foi importante ainda para assegurar o livre debate de aspectos relacionados
com a fluoretação das águas. Assim, a apresentação do projeto de lei número 510, em 2003, à
Câmara dos Deputados, propondo a revogação
da lei 6.050/74 suscitou amplo e aprofundado
debate sobre o assunto. O texto que justificava o PL reuniu e sistematizou os argumentos
contrários à medida, entre os quais, questionamentos sobre a eficácia, eficiência, segurança,
controle. A repercussão obtida pelo documento apresentado ao parlamento brasileiro ensejou que, num contexto democrático, novos argumentos fossem apresentados ao debate e, de
certo modo, proporcionou a discussão não havida em 1974, quando a lei 6.050 foi aprovada
por um congresso nacional manietado. Dentre as várias manifestações contrárias ao PL510/03 cabe mencionar o Parecer elaborado
pelo governo federal e subscrito por dezenas
de entidades das áreas de saúde e saneamento.
O Parecer defende a continuidade da fluoretação das águas no Brasil, reitera sua segurança
para a saúde humana, descarta a caracterização
do flúor como “veneno” e, fundamentado em
consistente base teórica, conclui reconhecendo
a medida como “um direito básico de cidadania” (Brasil 2003).
Os dados apresentados na Figura 4 indicam
Artigos Técnicos
ser correto reconhecer que, nas condições brasileiras, a fluoretação das águas deve mesmo
ser considerada um direito de cidadania. Afinal, mesmo apresentando características socioeconômicas semelhantes, e mesmo que expostas a outras fontes de flúor (como dentifrícios,
por exemplo), populações privadas do benefício da fluoretação das águas apresentaram um
valor 34,2% maior para o índice CPO. Podese admitir que seria em torno dessa porcentagem o impacto epidemiológico da interrupção
da fluoretação das águas no Brasil. Tal porcentagem está em conformidade com a estimativa
de Silva (1997) para quem “em situações de paralisação da medida, o aumento na prevalência
de cárie pode ser de 27% para a dentição decídua e de aproximadamente 35% para a dentição permanente, após cinco anos”. É com esse
contexto epidemiológico como referência que
se deveriam aprofundar as discussões sobre o
uso de produtos fluoretados em saúde pública
e suas relações com a política e a democracia.
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Saneas / agosto 2004 – 33
ARTIGO TÉCNICO
O aquecimento global
e a agricultura
Estudos avaliam o impacto da elevação da temperatura e das chuvas para os cultivos agrícolas. No caso da cultura cafeeira, poderá
ser futuramente deslocada do Sudeste para o Sul do país, além de
uma drástica redução nas áreas com aptidão agroclimática
Hilton Siqueira Pinto , Eduardo Delgado Assad e Jurandir Zullo Junior O
relatório do “ Intergovernmental Panel
on Climate Change” (IPCC, 2001a e
2001b), divulgado pela OMM/WMOPnue/Unep, indica uma situação inquietante
quanto ao aumento da temperatura no planeta.
Considerando os efeitos naturais e antropogênicos no ajuste dos dados observados e simulados,
a previsão é a de que a temperatura global deverá aumentar entre 1,4°C e 5,8°C nos próximos
100 anos, tendo a média de 1990 com o referência. Esse cenário, na realidade, complementa os estudos feitos anteriormente pelo próprio
IPCC (1997), quando estimou um incremento
na temperatura de 0,05°C por década, a partir
das medições mais confiáveis que começaram a
serem feitas nessa época. Verificou também que
a precipitação havia aumentado de 0,5% a 1,0 %
por década, até o final do século XX, principalmente no hemisfério Norte. Na região tropical,
compreendida entre 10° de latitude Norte até
10° de latitude Sul, esse incremento na precipitação foi de 0,2% a 0,3%.
Este relatório do IPCC é, entretanto, extremamente vago ao avaliar os possíveis impactos
das alterações climáticas globais no comportamento dos cultivos agrícolas. Com referência à
adaptação das plantas nas “latitudes médias” e
o reflexo na produtividade, o relatório afirma
apenas que a mudança climática levará a “respostas gerais positivas para variações menores
do que alguns graus Celsius e respostas gerais
negativas para mais do que alguns graus Celsius”. Análises inconsistentes como essas, por
parte do IPCC, induziram as críticas severas
por parte de Reilly et al (2001) e Webster et al
(2001), a exemplo do que já acontecera anteriormente com o relatório IPCC de 1995, ava-
liado por Gray (1997). Reilly et al (2001) mostram sérias incongruências no Third Assessment Report -TAR. Esse relatório afirma que
centenas de cientistas contribuíram na sua elaboração, mas, na realidade, muitos deles listados como contribuintes não foram consultados.
A mais séria crítica desses autores referese aos resultados fundamentais obtidos pelo
TAR, que projeta uma mudança da temperatura global entre 1,4º C e 5,8º C para o final do
século XXI, sem qualquer validação estatística. Posteriormente, Webster et al (2001), com
base em avaliações probabilísticas da sensibilidade do modelo, chegaram à conclusão de que
esses valores seriam 0,9º C e 5,3º C, respectivamente, ao nível de 95% de intervalo de confiança. Análises similares efetuadas por Wingley e Raper (2001) mostraram que, não havendo uma política de limitação dos efeitos antrópicos para minimizar o aquecimento global,
o aumento da temperatura global entre 1990 e
2100, com cerca de 90% de probabilidade, seria
entre 1,7º C e 4,9º C.
Aumento da concentração de CO2
Considerando o cenário de aumento das
temperaturas pode-se admitir que, nas regiões climaticamente limítrofes àquelas de delimitação de cultivo adequado de plantas agrícolas, a anomalia positiva que venha a ocorrer
será desfavorável ao desenvolvimento vegetal.
Quanto maior a anomalia, menos apta se tornará a região, até o limite máximo de tolerância
biológica ao calor. Por outro lado, outras culturas mais resistentes a altas temperaturas, provavelmente, serão beneficiadas até o seu limite
([email protected]), ([email protected]) e ([email protected])
34 – Saneas / agosto 2004
Efeito direto: aumento do dióxido de carbono na atmosfera afeta crescimento das plantas
próprio de tolerância ao estresse térmico. No
caso de baixas temperaturas, regiões que atualmente sejam limitantes ao desenvolvimento de
culturas susceptíveis a geadas passarão a exibir
condições favoráveis ao desenvolvimento das
plantas, com o aumento do nível térmico devido ao aquecimento global. Um caso típico seria
o da cultura cafeeira que poderá ser deslocada
futuramente do Sudeste para o Sul do país.
Outro aspecto a ser analisado no contexto
do aquecimento global refere-se ao efeito direto nas plantas do aumento da concentração de
dióxido de carbono na atmosfera, que tem sido
intensamente estudado pelos especialistas em
fisiologia vegetal. É bem conhecido o funcionamento, no que diz respeito à atividade fotossintética, da concentração do dióxido de carbono
no crescimento das plantas. A concentração do
CO2 na atmosfera, sendo próxim a de 300 ppm
está bem abaixo da saturação para a maioria da
plantas. Níveis excessivos, próximos de 1.000
ppm, passam a causar fitotoxidade.
Nesse intervalo, de modo geral, o aumento
do CO2 promove maior produtividade biológica nas plantas. Assad e Luchiari (1989), utilizando modelos fisiológicos simplificados,
mostraram que essas variações são significativas nos cerrados brasileiros. Por exemplo, a
temperatura média durante a estação chuvosa
nessas regiões - de outubro a abril - é de 22º C,
tendo um máximo de 26,7º C e um mínimo de
17,6º C. Supondo que um aumento da concentração de CO2 provocasse um aumento de 5º C
na t emperatura, as plantas do tipo C4, como o
milho e o sorgo, aumentariam a produtividade
potencial em pelo menos 10 kg/ha/dia de grãos
secos. Para as plantas tipo C3 -soja, feijão e trigo - esse aument o seria menor, da ordem de 2
a 3 kg/ha/dia de grãos secos.
No Brasil, poucos estudos foram feitos sobre o reflexo das mudanças climáticas e seus
impactos na agricultura. Assad e Luchiari Jr.
(1989) avaliaram as possíveis alterações de
produtividade para as culturas de soja e milho
em função de cenários de aumento e de redução de temperatura. Siqueira et al (1994 e 2000)
apresentaram os efeitos das mudanças globais
na produção de trigo, milho e soja para alguns
pontos do Brasil. Uma primeira tentativa de
identificar o impacto das mudanças do clima
na produção regional foi feita por Pinto et al
(1989 e 2001), onde foram simulados os efeitos
das elevações das temperaturas e das chuvas
no zoneamento do café para os Estados de São
Paulo e Goiás. Observou-se uma drástica redução nas áreas com aptidão agroclimática, condenando a produção de café nestas regiões.
Cultura cafeeira deslocada para o Sul
Procurando avaliar o efeito da variação das
temperaturas sobre a agricultura nos próximos 100 anos, de acordo com as conclusões do
Saneas / agosto 2004 – 35
Artigos Técnicos
condição
apto
apto com
irrigação
restr.
geadas
restr. temp.
elevadas
inapta
atual
97.848 km²
39,4%
706 km²
0,3%
57.428 km²
23,1%
39.604 km²
15,9%
53.013 km²
21,3%
+1 °C
74.426 km²
30,0%
40 km²
0,01%
17.394 km²
7,0%
54.387 km²
21,9%
102.389 km²
41,1%
+3°C
37.153 km²
14,9%
0,0 km²
0,0%
0,0 km²
0,0%
38.240 km²
15,4%
173.211 km²
69,7%
+5,8°C
2.738 km²
1,1%
45 km²
0,02%
0,0 km²
0,0%
5.516 km²
2,2%
240.301 km²
96,7%
Tabela 1. Áreas, em km² e porcentagem, disponíveis ao plantio de café no estado de São Paulo com condições climáticas
distintas, atuais e simuladas para 15% de aumento das chuvas e de 1º C, 3º C e 5,8º C na temperatura.
IPCC 2001, tomou-se como exemplo a cultura
do café no Estado de São Paulo. Foram feitas
simulações considerando variação nas áreas
de cultivo consideradas como potencialmente
aptas ao café arábica nas condições climáticas
atuais, com temperaturas médias 1º C, 3º C e
5,8º C acima da média de 1990 e chuvas 15%
maiores.
Pode-se observar em simulações realizadas
que as áreas de inaptidão para a cultura cafeeira em função das temperaturas máximas suportadas pelas plantas - 23º C de média anual - aumentam significativamente até o final do
século, deslocando a cultura progressivamente
para o Sul e para áreas mais elevadas, em busca
de clima mais ameno. A incidência de geadas,
por outro lado, diminui drasticamente.
A Tabela 1 mostra que o potencial atual de
cultivo econômico de café arábica no Estado de São Paulo corresponde a uma área de
97.848 km2, ou seja, 39,4% da área do Estado. São consideradas como restritas, por geadas, áreas correspondentes a 57.428 km2 e por
temperaturas elevadas, 39.604 km2. Supondo 1º C de aumento médio da temperatura e
15% nas chuvas, a área apta para o café passa
a ser de 74.426 km2, ou cerca de 10% menor
do que a atual. A área restrita por geadas passa a ser de 17.394 km2 e por temperaturas elevadas aumenta para 54.387 km2. No caso de
aumento de 3º C, as áreas com restrição diminuem para 38.240 km2, mas a faixa inapta cresce para 173.211 km2. No caso extremo
considerado pelo IPCC, de 5,8º C de aumento
da temperatura e 15% de chuvas, a área apta
fica sendo de apenas 2.738 km2, ou 1,1% do
36 – Saneas / agosto 2004
Estado. As áreas restritas por temperaturas
elevadas são caracterizadas por temperaturas
médias anuais acima de 23º C.
Estes resultados e a importância que o agronegócio tem atualmente no cenário sócio-econômico nacional incentivam a continuidade e
o aprofundamento das análises sobre os efeitos
de possíveis mudanças climáticas na agricultura brasileira, quer elas aconteçam ou não. Por
esta razão, avaliação semelhante à que já foi
apresentada para o café está sendo feita também para outras culturas agrícolas economicamente importantes para o Brasil, tais como
milho, soja, trigo, arroz e feijão.
Bibliografia
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CR_div/ipcc/wg1/WG1-SPM. pdf
Artigos Técnicos
IPCC. Intergovernmental Panel on Climat
e Change. 2001b. Climate Change 2001: Impacts, Adaptation and Vulnerability. Working
Group II. TAR: Summary for Policy makers.
http://www.meto.gov.uk/sec5/CR_div/ipcc/
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science. 1061604. http://www.sciencemag.org/
cgi/content/full/293/5529/451. 10 pp. ■
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CONEXÃO INTERNACIONAL
Os padrões de qualidade de
água para a União Européia
Em 2000, a UE definiu a Diretriz Estrutural sobre Recursos
Hídricos (2000/60/EC), que requer “água em boa qualidade” para
todos os recursos hídricos europeus até 2015
Mara Ramos
A
União Européia - UE,
criada em 1950, é formada por um conjunto
de instituições que deliberam
sobre questões específicas de
interesse comum dos países
membros europeus. A princípio, sua atuação era voltada ao comércio e economia,
mas depois passou a tratar de
assuntos ligados à liberdade,
segurança e justiça, criação de
empregos, desenvolvimento
regional e proteção ao meio
Mara Ramos é engenheira civil,
ambiente.
gerente da Divisão de Grandes
Todas as decisões resultam
Consumidores da Universidade
em
tratados e diretrizes, adode Negócio Sul da Sabesp
tados
por todos os participanna Região Metropolitana de
tes
da
UE (veja quadro abaiSão Paulo. Ela está em Delft
na Holanda fazendo curso de
xo).
Gestão de Recursos Hídricos no
Em 1993 foi criada a AgênIHE - UNESCO. e-mail:
cia
Européia do Meio [email protected]
biente, sediada em Copenhaguen (Dinamarca) com o objetivo de acompanhar as ações
de proteção, conservação e sustentabilidade
dos recursos ambientais, incluindo a água.
Há atualmente três grandes vertentes das diretrizes de recursos hídricos na UE:
Estados Membros da UE
Alemanha, Áustria, Bélgica, Chipre, Dinamarca, Eslováquia,
Eslovênia, Espanha, Finlândia, França, Grécia, Holanda,
Hungria, Irlanda, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta,
Polônia, Portugal, Reino Unido, República Checa, Suécia.
Países candidatos: Bulgária, Croácia, Romênia, Turquia.
38 – Saneas / agosto 2004
• Política de Recursos Hídricos da União Européia de 1996;
• Política de Preços e Gestão Sustentável das
Águas de 2000;
• Diretriz Estrutural sobre Recursos Hídricos
de 2000.
Em 2000, entrou em vigor a Diretriz Estrutural sobre Recursos Hídricos (2000/60/EC),
uma das diretrizes mais importantes na área de
recursos hídricos das últimas décadas, que estabeleceu a estrutura de planejamento, e agregou outras diretrizes já existentes sobre padrões de qualidade de água conforme citado
no Quadro 1 na página ao lado.
Essa diretriz requer “água em boa qualidade” para todos os recursos hídricos europeus
até 2015, através de um sistema participatório
de planejamento por bacias hidrográficas e suportado por diversas avaliações e monitoramento extensivo.
Para atingir “a boa qualidade” dos corpos
hídricos, que nesse contexto significa o atingimento dos padrões de qualidade de água, exploração sustentável das águas subterrâneas e
mínimas alterações nos ecossistemas aquáticos, todos os países membros e candidatos devem adaptar o seu sistema de gestão de recursos hídricos aos requerimentos da Diretriz.
Algumas metas estão definidas a curto, médio e longo prazo (Quadro 2).
O caráter inovador dessa diretriz fica por
conta da preocupação com a quantidade de
água como um fator importante para a qualidade dos corpos hídricos, principalmente dos
recursos subterrâneos, da mitigação dos efeitos
das cheias e estiagens e o requerimento do uso
das melhores tecnologias disponíveis em favor
ao meio ambiente, no setor industrial.
Todo o planejamento leva em conta as bacias hidrográficas, porém com a inclusão de
Conexão Inernacional
Quadro 1
Quadro 2 – Principais prazos da
Diretriz Estrutural sobre Água da UE
Diretrizes de acordo com as funções dos recursos hídricos:
- Água potável (75/440/EEC, 79/869/CEE, 98/83/EC)
- Águas piscícolas (78/659/EEC)
- Água para mariscos (79/923/EEC)
- Águas balneares (76/160/EEC)
Diretrizes para substâncias específicas, que demandam
ações dos países membros para a eliminação ou redução de
substâncias específicas e uniformizam os padrões de emissões:
- Substâncias perigosas (76/464/EEC, 82/176/EEC,
84/156/EEC, 83/513/EEC, 86/280/EEC)
- Proteção de águas subterrâneas (80/68/EEC)
Diretrizes relacionadas às fontes poluidoras, que demandam ações relativas à coleta e ao tratamento de esgotos,
determinação e elaboração de planos de ação para zonas
vulneráveis, regulam quantidades de pesticidas na agricultura e demandam a aplicação da melhor tecnologia
disponível em grandes instalações industriais para atender
as condições de padrões de qualidade ambiental:
- Tratamento das águas residuais urbanas (91/271/EEC)
- Nitratos (91/676/EEC)
- Pesticidas (91/414/EEC)
- Controle integrado de prevenção da poluição para
grandes indústrias (96/61/EC)
Outras Diretrizes, relacionadas a resíduos, ar, poluição
marinha e proteção ambiental:
- EIA – Estudos de Impacto Ambiental (85/337/EEC,
97/11/EC)
- Acidentes industriais (82/501/EEC)
- Informações ambientais (90/313/EEC)
2004 Cacterização das bacias hidrográficas, revisão de impactos e análise
econômica
2006 Monitoramento operacional
2006 Plano de trabalho para o planejamento e participação pública no
gerenciamento de bacias hidrográficas (a cada seis anos, 2012,
2018, etc)
2007 Panorama das principais questões
(a cada seis anos, 2013, 2019, etc)
2008 Rascunho do plano de gerenciamento das bacias hidrográficas
2009 Plano de bacias hidrográficas e
programa de ações (a cada seis
anos, 2015, 2021, etc)
2010 Implementação das políticas de
preço de água
2012 Programa de medidas operacionais
(a cada seis anos, 2018, 2024, etc)
2015 Atingimento dos objetivos ambientais (com algumas exceções)
Para consultar as diretrizes na íntegra, acesse:
http://www.europa.eu.int/scadplus/scad_pt.htm
Fonte: Adaptado de Mostert, 2003
águas subterrâneas, estuários e zonas costeiras,
passando a se chamar distritos da bacias hidrográficas e conta com a participação pública nas
discussões, tomadas de decisão e partilhamento de responsabilidades.
A implantação dessa diretriz, com metas
ambiciosas não é uma tarefa simples, principalmente para os países que aderiram há pouco a União Européia e requer discussões contínuas, acesso a informações e envolvimento
das partes interessadas. Por esse motivo, os países membros optaram por adotar uma estratégia comum de implementação, que está sendo
testada em 11 distritos de bacias hidrográficas
como projeto piloto.
2003 Identificação das bacias hidrográficas e identificação das autoridades
competentes
Fonte: Mostert, 2003
A decisão de incluir os recursos hídricos
como assunto comum da UE e definir metas
conjuntas a fim de estimular a discussão e preocupação com o meio ambiente foi uma importante decisão, já que a disponibilidade de
água, poluição e suas consequências ultrapassam fronteiras.
Referências
A União Européia. Disponível em:
http://www.europa.eu.int/.
Mostert E., 2003. The European water framework
directive and water management research. Disponível em http://www.elsevier.com/locate/pce.
Doi:10.1016/S1474-7065(03)00089-5. ■
Saneas / agosto 2004 – 39
ENTREVISTA
P&D
Responsabilidade social
na empresa: um valor
a ser agregado
S
ergio Esteves é administrador de empresas, pós-graduado em Economia, Ecologia e Globalização.Atualmente, é diretor
presidente da empresa paulista AMCE Negócios Sustentáveis, referência na área de consultoria em sustentabilidade e responsabilidade
social corporativa. Como homem de negócios
e presidente do Conselho Consultivo do centro
de Estudos da Sustentabilidade da Fundação
Getúlio Vargas, Sergio Esteves acredita que o
conceito de responsabilidade social e ambiental se constrói por meio da transformação das
pessoas.
Como surgiu a AMCE e o conceito de sustentabilidade no Brasil?
Na primeira metade da década de 90, em
São Paulo, principalmente, começou a se discutir em alguns fóruns empresariais a questão
do que deveria ser considerado responsabilidade das empresas em um cenário socioambiental que piorava a cada ano. Falava-se pouco sobre sustentabilidade, embora esse tema
não fosse novo na época, e se discutia mais
sobre qual deveria ser o escopo da responsabilidade das empresas: até onde ia o papel delas, do Estado, dos organismos internacionais
e da sociedade civil organizada. Essa discus40 – Saneas / agosto 2004
são se prolongou, e se aprofundou, ao longo
de toda a década de 90. Na segunda metade
dos anos 90, várias dessas pessoas que participavam desses espaços de diálogo acharam que
já era hora de começar a fazer algo mais concreto em relação à essa questão e decidiram
incorporá-la de modo mais definitivo e pragmático em sua prática profissional. A idéia era
passar a discussão dos fóruns para as empresas e destas para a sociedade.
A AMCE foi criada exatamente nesse movimento, em 1997, e o Instituto Ethos logo em
seguida, em 1998. Na época, eu trabalhava em
uma empresa multinacional e levei a perspectiva da responsabilidade empresarial para a minha atuação. O caminho precisava ser construído à medida em que se caminhava. Embora
tivesse sido uma espécie de autodidata neste
tema por uns seis anos, eu intuia que precisava fazer alguns ancoramentos em processos de
gestão estratégica e me candidatei então, em
1997, ao MBA Internacional na Universidade
de São Paulo. No ano seguinte, fiz um aprofundamento em Ecologia, Economia e Globalização, na Inglaterra, no Schumacher College,
um centro internacional de estudos ecológicos.
Essas duas iniciativas, em parte por conta da
minha procura por novas respostas dentro de
um novo paradigma, me ajudaram a promover
uma grande mudança em mim e, consequentemente, na minha prática profissional.
Na época eu acumulava três funções em nível estratégico: recursos humanos, qualidade
e a gerência nacional de um programa de gerenciamento ecológico desenvolvido a partir de uma proposta do físico Fritfof Capra.
Em 1999, começou a ser mais divulgada no Brasil a proposta desenvolvida por John Elkington,
co-fundador da consultoria inglesa SustainAbility, enfocando três dimensões para o resultado
empresarial: a econômica, a social e a ambiental.
A idéia era estabelecer uma linguagem empresarial para questões envolvendo sustentabilidade e
responsabilidade corporativa e levar, assim, essa
perspectiva de um modo mais pragmático para
as empresas. Foi também no final de 1999, que
Entrevista
deixei a empresa em que trabalhava e vim para
a AMCE. Optei por fazer essa mudança porque
percebi que a minha profissão nas bases em que
estava não servia mais a ninguém, nem a mim
mesmo.
Por outro lado, havia tudo por fazer na
AMCE. Além disso, eu havia participado de alguns fóruns empresariais e tinha assumido comigo o compromisso de participar na ampliação e na consolidação do movimento pela sustentabilidade e responsabilidade das empresas.
Qual a importância para uma empresa em ser
socialmente responsável?
Em primeiro lugar tem a ver com a promoção do desenvolvimento sustentável. Não
me ocorre uma razão pela qual se deva apoiar
empresas (seja pela oferta de capital, pela produção ou pelo consumo) que não tenham um
compromisso de co-responsabilidade com o
desenvolvimento sustentável. Em outras palavras, cada vez haverá menos espaço para empresas cuja atuação promove principalmente a concentração de renda. Por outro lado,
os acionistas hoje estão desconfiados, diante
de tantas evidências de que sempre é possível uma contabilidade que mostra apenas o
que interessa aos gestores. Por conta disso, os
acionistas, atualmente, querem bem mais doque números; querem governança, indicadores que não há passivos sociais e ambientais,
evidências de gestão do risco e da reputação.
Ética e transparência são assets cada vez mais
valorizados no mundo globalizado.
Há também um movimento articulado da
sociedade, lento, mas gradual, que é capaz de
criar diferenciação para as empresas que levam em consideração seus públicos e a sociedade. Claro que nem todas as empresas têm
um interesse sincero em rever seu jeito de ser
e se engajar nesse movimento pela sustentabilidade e responsabilidade corporativa. Por
outro lado, já vi muitas iniciativas começarem pelos motivos equivocados e se transformarem em práticas virtuosas. Em minha
opinião precisamos sempre acreditar que é
possível mudar, mesmo que a “realidade” pareça ter força suficiente para impedir a mudança. Finalmente, acho que cabe comentar que clientes, fornecedores e colaboradores (público interno das empresas) não estão
tão mais dispostos a criar valor para empresas que se dispõem a ser mais sensíveis e responsáveis no futuro, apenas depois que resolverem suas questões econômico-financeiras.
Como uma empresa deve tratar a questão da
sustentabilidade e da responsabilidade socioambiental?
A questão da sustentabilidade e da responsabilidade corporativa está ligada a dois
eixos: o primeiro é a capacidade que temos,
como organização, de constituir e integrar
redes de valores; e o segundo é o vinculo
pragmático com uma agenda nacional de desenvolvimento. Há, entretanto, um dever de
casa a ser feito, que envolve estabelecer onde
se está e onde se quer chegar em relação a
um conjunto de indicadores de performance, que dá condições de gestão e de reporte
de resultados nos planos econômico, social
e ambiental.
Na AMCE temos pesquisado a relevância e trabalhado com indicadores que integram essas três perspectivas – e que chamamos de indicadores complexos. Definido um
gap, pode-se chegar a uma estratégia de ação
e começar o processo de mudança organizacional, que envolve considerar diversos planos: cultural, de infraestrutura, de posicionamento de marca, etc. Nesse processo, há
muitas interações com inúmeros públicos,
mas estas estão voltadas a prover referenciais
para que a empresa possa estabelecer seus
Os acionistas querem bem mais do
que números; querem governança,
indicadores que não há passivos sociais
e ambientais, evidências de gestão do
risco e da reputação.
horizontes de mudança. Depois, como só é
possível construir sustentabilidade e responsabilidade corporativa nas relações, é necessário trabalhar para constituir e integrar redes de valor, que são redes de empresas norteadas por um conjunto de princípios e valores capazes de promover a sustentabilidade e
responsabilidade corporativa.
Depois, há o eixo pragmático do vínculo das empresas (noção de co-responsabilidade) com os interesses nacionais. Há várias
formas de fazer isso, desde considerar o artigo III da Constituição Federal, que aponta
para um projeto de país, até considerar uma
agenda nacional de desenvolvimento ou as
metas do milênio propostas pela ONU. A
Saneas / agosto 2004 – 41
Entrevista
Fórum gratuito discute
responsabilidade social
A AMCE tem uma parceria com o Centro de Estudos de Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e, mensalmente, as duas instituições promovem um Fórum Empresarial em que
são debatidos temas relacionados à sustentabilidade e responsabilidade corporativa. O evento é gratuito e conta com a participação de empresários, executivos, representantes de organizações da sociedade
civil e de governo. A idéia é envolver diferentes grupos nos diálogos sobre esses temas. Para se inscrever
basta enviar um e-mail para lucianabuarque@amce.
com.br solicitando integrar o mailing list do fórum.
idéia básica é que não é mais possível assumir que basta ter um plano anual de crescimento para que as empresas participem do
desenvolvimento sustentável. Sem intencionalidade, esse plano operacional ou plano de
negócios pode não contribuir para o desenvolvimento sob condições consideradas satisfatórias e pode, potencialmente, até agravar alguns dos dilemas que afligem a sociedade contemporânea. Os planos das empresas podem – e devem--, cada vez mais, conectar-se a interesses legítimos da sociedade.
Há setores mais conectados com a sustentabilidade e a responsabilidade social?
Nosso país é muito grande e apresenta desigualdades intoleráveis. A comunidade empresarial tem uma co-responsabilidade na diminuição permanente dessas desigualdades
e na construção de uma sociedade e de um
mercado capaz de gerar desenvolvimento humano. Há setores que enfrentam mais desafios do que outros, como o setor siderúrgico,
que deve desenvolver processos de monitoramento em relação à utilização de trabalho infantil, trabalho escravo e trabalho degradante
ao longo de sua cadeia produtiva.
Há setores que têm desenvolvido mais mecanismos de promoção da sustentabilidade e
responsabilidade corporativa, como o setor financeiro, que tem compreendido bastante bem
o sentido da co-responsabilidade na geração
de ativos e passivos. Não acho possível destacar setores porque os níveis de dificuldade que
cada um deles enfrenta para desenvolver um
42 – Saneas / agosto 2004
sentido de sustentabilidade e responsabilidade corporativa é diferente. Mas há empresas
que estão adiante de seu tempo e assumiram
essa perspectiva como um valor, não como um
oportunismo. É bastante fácil identificá-las.
As empresas estão conseguindo gerir suas estratégias de ação, na esfera social?
Nenhuma estratégia de ação pode prescindir do estabelecimento de metas e de um sistema de gestão. Não se trata de fazer da perspectiva da sustentabilidade e da responsabilidade corporativa um negócio paralelo, mas
do próprio jeito de fazer negócios da empresa. Portanto, não faz sentido ter um plano para sustentabilidade e outro para vendas e para crescimento. Na atuação da AMCE
procuramos ajudar as empresas que são nossas clientes a estabelecer metas a partir de um
diagnóstico com base em indicadores e a integrar essas metas em outras metas dos planos de negócios. Nosso entendimento é que
é necessário pensar sustentabilidade ao pensar o negócio e não criar uma dispersão em
relação aos objetivos da empresa pensando
sustentabilidade como uma commodity que
pode ser tratada e vendida separadamente.
Afinal, o que se deve esperar da responsabilidade social das empresas?
Uma ética bem construída com seus interlocutores; acionistas, fornecedores, clientes, público interno, concorrência. Depois, um
sentido de co-responsabilidade com o desenvolvimento social e humano. Não há uma razão plausível para que uma empresa se envolva com sustentabilidade e responsabilidade social sem o sentido de ser co-responsável com
o desenvolvimento social e humano. Não podemos tratar esse tema de uma maneira oportunista porque estaremos banalizando a maior
mudança nos pressupostos de gestão de negócios já experimentada.
Sustentabilidade e responsabilidade têm a
ver com relações, tem a ver com mudar em nossas empresas no sentido da mudança que queremos ver no mundo empresarial. Não é uma
questão intelectual, ou técnica, mas de valor.
Implica assumir uma responsabilidade diante
das futuras gerações, tanto em relação ao ambiente social como com relação ao meio ambiente. Implica assumir que o consumo possa
ter como referência a equidade social; enfim,
significa construir empresas a que gostaríamos
de pertencer. ■
EMPREENDIMENTO & GESTÃO
Desafios para uma gestão mais
eficaz dos recursos hídricos
Evento em Indaiatuba (SP) reúne pesquisadores do Brasil
e exterior para discutir questões como biodiversidade,
meio ambiente construído e ambiente e saúde
Corina Alessandra B. Carril Ribeiro E
mas urbanos (saneamento, moradia, transportes, etc...). A intervenção dos municípios dá-se
com nível fraco e uma participação insuficiente da sociedade civil”.
1- A necessidade de uma gestão
metropolitana dos municípios
A gestão municipal aparece como sendo frágil, sem corpo técnico adequado, com ausência
de um serviço de informações eficaz e de perfil clientelista.
“Não existe uma estratégia de gestão metropolitana dos municípios em relação aos proble-
2- O funcionamento dos sub-comitês
O debate sobre os recursos hídricos pela
complexidade que possui e pelos interesses dos
atores que atuam nesta questão, ainda é restrito
ao corpo técnico das instituições.
Os sub-comitês que poderiam representar
um espaço de debate sobre a gestão dos recursos hídricos, com a participação do governo, sociedade, universidade, entre outros
setores envolvidos, não estão funcionando
de forma democrática e operam através de
questões pontuais. Falta uma visão ampla
dos principais problemas da gestão dos recursos hídricos.
“Há uma visão de cima para baixo do papel
dos comitês e sub-comitês. Predomina a participação dos representantes do governo”.
“Os sub-comitês são organismos importantes, mas funcionam sob pressão. Um exemplo
disso é a discussão sobre o término da licença
da Sabesp em retirar e utilizar as águas da bacia do Piracicaba para o abastecimento público
de São Paulo”.
Além dos temas mais urgentes, os sub-comitês deveriam discutir outros assuntos a partir de uma agenda de debates construída pelos
atores sociais. Os principais desafios dos subcomitês seriam enfrentar as seguintes questões:
representatividade, comunicação, assimetria
de conhecimento e de poder político.
Outra problemática que se coloca para discussão é a persistência dos conflitos setoriais:
Departamento de Água e Energia Elétrica DAEE, Companhia de Saneamento Básico do
Estado de São Paulo - Sabesp, Municípios e Setores Hidroelétrico e Industrial.
Sabemos que há iniciativas locais de gestão
do solo por meio de programas de urbanização
ntre 26 e 29 de maio último, ocorreu em
Indaiatuba, o II Encontro da ANPPAS
(Associação Nacional de Pós-Graduação
e Pesquisa em Ambiente e Sociedade). Durante
quatro dias, pesquisadores do Brasil e do exterior participaram dos grupos
técnicos e mesas-redondas que
discutiram temas importantes
da ciência ambiental.
Foram abordados diversos
assuntos em que a questão ambiental foi relacionada a partir de vários aspectos locais: a
produção teórica de pesquisas
sobre o meio ambiente, biodiversidade, agricultura, energia, cidade e sustentabilidade,
Corina é socióloga e mestranda em
ambiente e saúde; manejo coCiências Ambientais – PROCAM- USP
munitário, conhecimento lo([email protected])
cal, modernidade e riscos, relações internacionais, meio ambiente construído, turismo, história e justiça ambiental.
Aspectos globais também foram abordados
como as mudanças climáticas e a produção intelectual da América Latina sobre meio ambiente.
O que mais nos chamou a atenção em participar foi a mesa redonda intitulada: “Gestão
Compartilhada de Recursos Hídricos no Brasil
– Qual a Inovação Possível?”, coordenada pelo
Prof.Dr. Pedro Jacobi da USP (Universidade de
São Paulo). Nela, foram apontados problemas
e sugestões para uma gestão mais eficaz dos recursos hídricos. Apresentaremos quatro questões que foram abordadas:
Saneas / agosto 2004 – 43
Empreendimento & Gestão
de favelas, com a participação da comunidade,
ONG´s e governo estadual.
O desafio que surge é como articular as diferentes escalas: municípios; sociedade civil organizada e governo?.
3 - Cobrança pelo uso da água
Comentou-se que existem leis avançadas,
mas os atores sociais são atrasados. Há uma
certa inviabilidade e incerteza quanto ao funcionamento dessa lei. As principais dificuldades estariam na interferência da cultura e prática política. Os gestores políticos carregam uma
cultura anti-democrática.
Dois pontos a serem ressaltados: questionase o destino dos recursos arrecadados com a
cobrança, se realmente serão investidos na melhoria da água das bacias hidrográficas. Outro ponto que se coloca, é que a simples aplicação da cobrança ou multa pelo uso da água,
não representa necessariamente uma mudança
de comportamento, ou seja, não possui caráter educativo e transformador. As pessoas poderão até vir a economizar água, mas será menos por uma questão de consciência, do que de
economia.
A desconfiança da sociedade civil em relação ao governo, aparece em dois momentos:
primeiro, em relação à destinação correta dos
recursos e, segundo, para haver mudança de
comportamento da população, o governo prefere adotar a cobrança de taxas e multas, e não
necessariamente investir em educação, seja ela
ambiental ou de nível básico.
4 - Falta de gestão participativa e
integrada da Sabesp
Segundo analistas, persiste uma visão ainda
ruim sobre a Sabesp. Há falta de transparência
em sua direção.
A questão da água aparenta ser uma guerra não declarada aliada à uma rigidez institucional.
“Difícil coordenação entre os planos estratégicos da Sabesp e as estratégias dos municípios”.
“As pessoas que a dirigem passam a idéia de
que são donas dela”.
Isso nos traz um enorme desafio: como ser
uma empresa pública que fornece água a 18
milhões de pessoas e gerenciar de forma democrática?
Três saídas apontadas pelos pesquisadores:
• Incentivar a gestão integrada uso do solo e
recursos hídricos;
• Melhorar a articulação e atuação dos municípios;
• Facilitar a transmissão de informação entre
as diferentes escalas (sociedade, poder municipal e estadual).
Foram apontados problemas e soluções para
o estabelecimento de uma gestão dos recursos
hídricos mais eficaz. Esboçou-se um cenário de
luta e negociação, em que cabe aos atores sociais construírem o tão sonhado planejamento
(participativo e integrado) e que sua aplicação
seja o resultado de um longo processo de discussão entre todos os envolvidos: a sociedade,
o poder municipal e o estadual. ■
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44 – Saneas / agosto 2004
RECONHECIMENTO
José Roberto Nali
A
o chegar na Reserva Florestal
do Morro Grande, em Cotia,
tem-se a impressão de estar bem
longe de São Paulo, tal a beleza da
paisagem e a pureza do ar que se
respira. É no meio desta mata, com
mais de 10 mil hectares, rica em
espécies vegetais e animais, que se
encontram preservadas com excelente qualidade as represas Pedro
Beicht e Cachoeira da Graça. Elas
abastecem a Estação de Tratamento de Água Morro Grande, também dentro da reserva.
Encarregado do sistema de
tratamento de água, Nali pertence a um grupo de profissionais
que, para além das questões do
dia-a-dia, zelam por acervos de
importância histórica, cultural e
ambiental, como é o caso do sistema Alto Cotia. Ele tem papel
fundamental na manutenção da
reserva.
Neto de italianos, filho de lavradores, Nali nasceu em Pereiras (SP), cidade próxima de Tatuí.
Começou a trabalhar aos 13, ao
lado do pai. E desde cedo, aprendeu a respeitar a natureza. “Meu
pai construia cerca de arame farpado e, quando encontrava uma
árvore no caminho, eu queria
mudar o rumo da cerca, para não
derrubá-la”, recorda-se.
Nali entrou na Sabesp em 1975
para trabalhar como operador de
filtros, sendo lotado no Sistema
Alto Cotia que, na época, era administado pelo engenheiro Luiz
Carlos Ribeiro. Boa parte do que
faz, atualmente, aprendeu na
prática, no dia-a-dia de trabalho.
Hoje responde aos pedidos de
produção de água do Centro de
Controle Operacional da Região
Metropolitana de São Paulo, e
sabe como ninguém como operar
as represas do sistema Alto Cotia.
Ele conta que um dos momentos
mais tristes de sua carreira foi
quando os reservatórios desceram
a apenas 5 % de sua capacidade.
Além da produção da ETA, a
grande paixão de Nali é a preservação da belíssima Mata Atlântica, que compõe praticamente
toda a Reserva Florestal do Morro Grande. Lá, ele já plantou mais
de 100 mil árvores, de 50 espécies
nativas, para reconstituir as áreas destruídas – ao todo faltam
aproximadamente 250 hectares a
serem reflorestados. “Se não fos-
Reconstituição
florestal: Nali
ao lado de um
pé de ingá que
plantou
Vista parcial da
ETA rodeada
por mata
atlântica.
se pelos incêndios, coisa muito
triste quando ocorre, a mata já
estava toda recuperada”, diz. Ele
mantém, ainda, um viveiro de
plantas nativas, que desenvolveu
para apoiar esta atividade.
Com quase 30 anos de profissão, ele acredita que a qualidade
da água se manteve sempre muito boa por causa da existência da
mata preservada em toda a área
de contribuição das represas.
Conta também que o combate às
atividades de caça possibilitou o
aumento da fauna da região -- dá
para ver com mais freqüência tucanos, quatis e até onças. O que
não se conseguiu evitar foi a quase extinção dos palmitos da área,
devido a uma pressão urbana
cada vez maior e a uma fiscalização insuficiente. Problema que
ele aponta como sendo muito
grave e que, somente com uma
maior conscientização de todos,
será possível resolver.
Entretanto, dentro do seu ambiente de trabalho, hoje todos se
preocupam com a preservação da
natureza. “Aqui o pessoal não corta árvore, só se planta”, afirma.
Nali, com seu jeito simples e
sábio de ser, agradece a oportunidade que a vida lhe deu de realizar
seu trabalho. Nós agradecemos a
ele e reconhecemos o grande valor de seu trabalho que deve servir
como exemplo para todos. ■
Saneas / agosto 2004 – 45
PERSONAGENS DO SANEAMENTO
Chegada de àgua da Nova Captação do Paraíba - Janeiro 2000
teiros que, ávidos, esperávamos que ele nos desse a honra
de sua presença.. Pensava eu :
que boa vida é ser gerente da
Sabesp e ter todo mundo te
agradando!
Passei seis anos na sede da Superintendência
naquele Departamento que, por coincidência, tivera como gerente anterior o próprio Luiz Sérgio
que de gerente de Taubaté fora promovido ao Departamento Técnico que eu agora ocupava.
Em 1995 fui para Taubaté como engenheiro e após três anos, com a aposentadoria do
grande Frederico Testa, assumi esta Gerência
que, por outra coincidência, foi onde conheci
o Luiz Sérgio.
Em 1998 Taubaté tinha um sistema de abastecimento de água sofrível. A falta de água era
constante e no verão, havia um caos. O sistema
do rio Una não suportava as necessidades da
população, que crescia rápido. Além do mais,
o sistema era, digamos, sensível. Uma chuva
mais forte já carreava uma grande quantidade
de areia e éramos obrigados a parar as bombas. As inundações, sempre freqüentes, tornavam nossa vida um pesadelo. Explicações eram
buscadas em todas as desculpas possíveis. Rádios, jornais e televisões me entrevistavam diariamente. Pela primeira vez senti estresse. Não
dormia. Qualquer toque do telefone e acordava
sobressaltado já imaginando uma notícia ruim:
Vale a pena!!!
Paulo Ernesto Marques Silva E
stou completando 15 anos de Sabesp.
Em 21 de agosto de 1989 fui admitido
na empresa como gerente do Departamento Técnico do Vale do Paraíba – SRV. Tinha tido um breve contato com a Sabesp entre
1983/84 quando trabalhei numa empreiteira
-Said Abdala – que executava reformas nas
duas Estações de Tratamento de Água de Taubaté. Naquela época era Gerente Divisional o
Engº Luiz Sérgio da Silva. Lembro-me bem que
quando ele visitava as obras causava um certo
suspense entre nós. Esperávamos pela sua reação. Vai gostar ou não? O Luiz Sérgio chamava a atenção pelo seu porte e postura. Negro,
magro e altíssimo, de maneiras elegantes e educadas, um
sotaque carioca marcante, ele
era realmente peculiar. Não
me lembro de naquela oportunidade ter conversado alguma vez com ele. Não me
atrevi. Nem mesmo durante
alguns dos churrascos que ele
participou, promovidos pela
engenharia e por nós emprei-
Engenheiro Civil e Pós -Grauado em Engenharia de Recursos Hídricos, UNITAU, e em Gerencia-
mento de Serviços Municipais, University of Loughborough, Inglaterra. Está na Sabesp desde 1989.
Foi Gerente do Departamento Técnico da UN Vale do Paraíba e desde 1998 é o Gerente da Divisão
Taubaté. Casado com Heloísa Marques Silva tem 3 filhos : Thomás (21), Caio(20) e Raul(13).
46 – Saneas / agosto 2004
Personagens do saneamento
enchente do Una, arrebentamento da sub-adutora da Volkswagen (podem imaginar o maior
consumidor do interior sem água?), falta de
energia elétrica, um vendaval que levou o telhado da Casa de Máquinas, uma tal de “mufla”
dos cabos elétricos que não pode ter uma bolha
de ar, um operador que se enganou com uma
válvula e perdeu a reservação, uma galeria da
prefeitura que ruiu e levou as nossas redes junto, uma peça fora do padrão que ninguém tem
em estoque. Qualquer coisa. Por vezes era só
minha mãe pedindo para eu passar lá em casa,
pois afinal fazia tempo que ela só me via pela
televisão. Promessas eram o que tínhamos. Paroles! Mas, não foi só isso.
Em janeiro de 1999 iniciávamos a construção
de uma nova captação, adutora e reformas nas
estruturas existentes, uma obra de R$15 milhões
de reais que seria a nossa redenção no abastecimento de água. Em exatamente um ano, no dia
8 de janeiro de 2000, chegava a água da Nova
Captação do Paraíba à Estação de Tratamento
trazendo, não uma brisa, mas um vendaval de
esperança para nós e nosso povo.
Nossa luta agora seria o tratamento de esgoto. Taubaté tem 110 anos de saneamento
organizado. Conto a partir da primeira captação, adutora e redes que foram inauguradas em 1893 pelo Engº. Fernando de Mattos,
o qual fundara a Companhia Norte Paulista e
obtivera o privilégio por 50 anos de implantar
e explorar o abastecimento de água potável do
município. Interessante notar que seu primeiro
sócio foi o Engº Joseph Bryant, que trabalhara na Companhia Cantareira, responsável pelo
início do abastecimento da nossa capital – São
Paulo. Devido a vários percalços, em 1916 o
serviço de água passou para a Câmara Municipal e, mais tarde, à Prefeitura. A história é interessantíssima, mas voltemos a 1982 quando
a Sabesp assumiu o Município. Naquele tempo
todo houve apenas um projeto firme que visava o tratamento de esgotos de nossa cidade. Foi
em 1903 e, aliás, um tanto curioso.
Ali foi projetado e começou a ser executado
um sistema de tratamento denominado Tanques
Debdin. Com a chegada de uma epidemia de febre amarela na cidade as obras foram paralisadas por medida de precaução (pensava-se que,
com o enchimento dos tanques, haveria a proliferação dos mosquitos transmissores). O Intendente (assim era chamado o prefeito) autorizou as ligações de esgoto que seriam descartadas
sem tratamento, no Córrego do Convento Velho. Houve quem gritasse e esperneasse através
dos jornais alegando que tal procedimento causaria a poluição do Córrego, que muito servia
à população. Surgiu então o engenheiro Continentino Guimarães, aguerrido defensor do Intendente (e do seu emprego) que, escarnecendo dos defensores do Córrego, afirmou textualmente em carta enviada aos jornais: “Na capital
paulista não existem tanques ou filtros. Entretanto, desde que a nossa capital está servida de
esgotos, não consta que as matérias estercorais
tenham produzido epidemias ou contaminado
a quem quer que seja… as matérias estercorais
fazem o percurso até a Ponte Pequena, no fim da
avenida Tiradentes, onde ficam depositadas em
tanques que não são de depuração. Na segunda
fase são estas matérias levantadas por meio de
bombas aspirantes-calcantes, até alcançar altura para serem lançadas no Tietê, a 500 ou 600
metros de distância. Todavia no vizinho bairro do Bom-Retiro, sítio muitíssimo próximo do
ponto de despejo, com uma população muitíssimo mais densa que toda a cidade de Taubaté,
nunca apareceu moléstia alguma endêmica ou
epidêmica… Não será, portanto, o encarregado
da construção dos esgotos em Taubaté, o único
idiota que proceda mal neste mister, pois como
ele procederam engenheiros competentes, e suas
obras ainda não desmentiram seus autores.” Pois
é, hoje todos sabemos quais as condições do Tietê. As do Convento Velho, guardadas as proporções, são idênticas. Grande Continentino!
Nunca mais se falou de tratamento de esgotos
aqui em Taubaté. Não houve plano diretor que o
contemplasse. Agora estamos próximos de consegui-lo. Tem sido uma batalha enorme. Em
2002, celebrando o Dia Mundial da Água, proferi uma palestra sobre o saneamento em Taubaté. Noite de gala promovida em sessão solene
da Câmara Municipal. Convidado especial para
a abertura o prefeito Municipal. Emérito orador,
na presença inclusive de nosso ex-vice-presidente do interior, Plínio de Mendonça, referiu-se à
Sabesp como ingrata e mesquinha. Meu filho de
11 anos diz que nunca vai votar nele.
Dias depois na sede da Volkswagen do Brasil,
em cerimônia comemorativa à certificação ISO
14.000 daquela empresa, para minha surpresa,
diante de todas as autoridades, fomos novamente criticados severamente pelo prefeito por não
tratarmos os esgotos. A partir daí, tenho notado
que nos eventos oficiais, quando passam a palavra ao prefeito, o pessoal se distancia de mim.
Não faz mal, falta muito pouco para eu dar o
troco. Enquanto isso penso que deva ser agradado num churrasco. Vale a pena !!!!! ■
Saneas / agosto 2004 – 47
Resenhas
A Ditadura Encurralada
Foi publicado
re centemente o quarto e
penúltimo volume da série
do jornalista
Elio Gaspari
sobre os anos
de
chumbo
no Brasil. Publicamos, na edição
passada, resenha sobre os três
primeiros volumes.
Neste volume, tem-se a sensação de que a história se passa mais
rapidamente pelos olhos do leitor,
num ritmo envolvente e numa seqüência que liga fatos históricos
com uma narração hipnótica, ficando difícil largar o livro e descansar a cabeça no travesseiro.
Os personagens principais, os
generais Geisel e Golbery, conhecidos no meio militar como Sacerdote e Feiticeiro, dominaram
praticamente todo o cenário político. Segundo Gaspari, Geisel optou pela redemocratização
porque não podia mais controlar os porões da ditadura. O general admitia tudo, até mesmo
a tortura e os assassinatos, mas
não suportava a indisciplina militar. Em uma clara contradição,
Geisel queria caminhar para a
democracia permanecendo ditador. Golbery, que, segundo Gaspari, chegou a ser cogitado como
sucessor de Geisel foi o arquiteto
da “lenta e gradual transição para
a democracia”, frase repetida à
exaustão durante esse triste período. O nome de Golbery só não
foi adiante por dois motivos: pela
frágil saúde do Feiticeiro e pela
rejeição que despertava junto aos
torturadores de farda.
Alguns fatos narrados são de
tirar o fôlego, como o do episódio da demissão do patrono da
tigrada (nome dado aos torturadores do Exército), o general Silvio Frota. Ele foi chamado às pressas para uma reunião
em Brasília, às vésperas de um
fim de semana, e foi rapidamente substituído. Não havia tempo
48 – Saneas / agosto 2004
para uma reação da linha dura.
O caso do jornalista da Rede
Cultura,Vladimir Herzog e o
do operário Manoel Fiel Filho,
que tiveram trágico fim no DOI
CODI da Rua Tutóia, em São
Paulo, foram o estopim do basta
ao General Frota. Mas, sem punições aos culpados. Até hoje.
Por pouco, o Brasil não se
afunda nas mãos de chumbo e coturnos da linha dura do Exército.
Outro triste episódio narrado
foi a invasão da PUC, em 1977,
em São Paulo, onde se realizava
um encontro da UNE. (Foi-me um
violento choque na memória, pois
eu, nessa ocasião, fiz parte da história. Eu fui um dos mais de 800 presos.) Começam as grandes movimentações e passeatas estudantis,
chega a era Figueiredo e lentamente, o Brasil é devolvido a seus mais
legítimos donos.
Ainda falta o último volume.
A Ditadura Encurralada - Elio Gaspari, Companhia das Letras, 2004.
Sobre os Ombros
de Gigantes
Para
quem
gosta de história da ciência,
aí vai uma excelente dica.
Uma narrativa
simples, concisa, direta, com
fatos curiosos, que leva o leitor
a fazer uma viagem no tempo.
Como o próprio autor diz, a maioria das pessoas tem pela física um
distanciamento respeitoso, para
não dizer pânico. E é isso que se vê
desmistificado, à medida que flui
a história, o contexto e a ciência,
sempre de maneira encadeada.
O próprio nome da obra é referência a uma citação de Isaac
Newton, que quando perguntado
sobre como poderia ter enxergado
tão longe, teria dito que só o fez
por ter se apoiado em ombros de
gigantes. Referia-se ao genial Galileo Galilei, quase queimado vivo
pela Igreja Católica e por Reneé
Descartes, o pai da Geometria
Analítica e da Lógica Moderna.
O texto é extremamente agradável, vai desde a filosofia aristotélica, que tinha a Terra como
centro do Universo, até os confins da Teoria das Supercordas,
que procura unificar todas as
quatro forças da Física (a forte,
a fraca, a gravitacional e a eletromagnética).
Newton separava o espaço do
tempo, como duas grandezas independentes. Einstein, num salto
qualitativo da ciência, unifica as
duas dimensões e propõe o espaço-tempo. Afirma que a Terra
não é atraída pelo Sol pela força à
distância (gravitação), como propunha Newton, mas pela deformação causada pelas massas do
Sol e da Terra. Imagine uma cama
elástica e duas massas apoiadas.
Essas massas causariam uma deformação na cama elástica e provocariam o movimento. É mais
ou menos assim que tem início a
unificação do tempo e do espaço
e nasce a teoria da Relatividade.
Tendo em vista os excelentes
resultados práticos da teoria da
Relatividade no caso de grandes
corpos e a luz, tentou-se elaborar uma teoria que englobasse
o micro e o macro mundo. Até
hoje os cientistas se digladiam.
A Mecânica Quântica respondeu
bem ao micro mundo, mas não
pôde ser extrapolada para movimentos planetários, por exemplo.
Surgem agora, em pleno século
XXI, as Teorias do Tudo, a Teoria
M, a Teoria das Supercordas. Elas
supõem que no Universo haja
onze dimensões. Ora, se com três
dimensões já é difícil enxergar o
mundo, imagine como onze! E
por que seria um único Universo? Por que não Multiversos?
È nesse cenário, dinâmico, envolvente e sutil que somos convidados a entrar.
Um livro que aproxima o leigo
da ciência sem se perder o respeito
e a admiração por ela. Vale a pena!
Sobre os Ombros de Gigantes – Uma
História da Física – Alexandre Cherman, Ed. Zahar, 2004, 199 p.
Musashi, o maior
herói do Japão
O livro “Musashi”, de Eiji
Yoshikawa, é o
maior fenômeno editorial da
história do Japão, com mais
de 120 milhões
de exemplares vendidos e tem
como personagem principal uma
das maiores lendas de samurai:
Miyamoto Musashi. Este romance
baseia-se em um personagem real
da história do Japão, que viveu
aproximadamente entre 1584 e
1645, misturando realidade e ficção. A tradução do original japonês ao português chegou ao Brasil
em 1999 pela Editora Estação
Liberdade, aproximadamente 60
anos após a sua publicação, graças
a subsídios de programas de apoio
da Fundação Japão.
No Brasil, “Musashi” já ficou
presente nas listas dos mais vendidos (atualmente na 10ª edição).
Apesar de ser uma obra extensa
com mais 1800 páginas (dividida em 2 volumes), a sua leitura é
extremamente ágil, pois as tramas
deixam o leitor curioso com os
encontros e desencontros dos personagens, recheados de desafios,
duelos, amores e espionagens.
O início do romance começa na Batalha de Sekigahara em
1600, na qual cerca de 150 mil
samurais lutaram naquela que
foi a mais importante batalha do
Japão, cujo grande vitorioso foi
o general Togugawa Ieyasu. Em
1603, Togugawa tornou-se o Xogum, cuja denominação significa
“generalíssimo para a expulsão
dos bárbaros”, após a realização
da unificação do país. É nesta
Batalha de Sekigahara que se encontram os amigos de infância
Matahachi e Takezo (que posteriormente muda seu nome para
Musashi), para lutarem juntos no
exército perdedor e saírem milagrosamente vivos.
A partir daí começa uma série
de duelos e como também não
podia deixar de ter, um amor platônico com a mocinha Otsu. Uma
das primeiras lições recebidas por
Takezo vem através do encontro com um mentor, chamado
de monge Takuan. A lição que
Takuan impõe a Takezo é ficar três
anos enclausurado tendo como
companhia somente os livros.
Após esta primeira lição, Takezo
recebe um novo nome: Musashi.
E seu sobrenome vira Miyamoto,
em homenagem a sua vila natal.
Ao longo deste romance podese ter, além de uma verdadeira
aula de história, uma perpectiva
do pensamento do povo japonês,
através dos seus costumes, atitudes e formas de encarar a vida.
É intessante também notar que
muitos conceitos derivados de
um Sistema de Gestão ISO, como
melhoria contínua de processos,
estudo e aperfeiçoamento pessoal,
encontram-se no pensamento japonês e tiveram grande recepção
no Japão quando foram apresentados pelo Pai da Qualidade, W.
Edwards Deming, ao contrário do
que aconteceu nos Estados Unidos. Portanto a leitura de Musashi
também pode ser interessante não
apenas para se conhecer a cultura
nipônica, mas também compreender de uma forma artística o
embrião da Qualidade, seguindo
o caminho da espada junto do
samurai Musashi. O próprio Musashi escreveu o Livro dos Cinco
Anéis, que é utilizado como leitura para empresários japoneses em
busca de estratégias para a sobrevivência no mercado.
Na jornada do samurai, Musashi é dominado por uma certa
angústia de nunca se contentar
com o estágio em que se encontra
no domínio do manejo da espada.
E com isso abate sucessivamente os
seus perigosos oponentes de forma
a se aperfeiçoar cada vez mais, ou
ainda, a melhoria contínua.
A postura de Musashi perante
a vida é de ser um eterno aprendiz, buscando-se aperfeiçoar em
diferentes situações e não só nos
duelos. Musashi tem a humildade
de aprender com quem quer que
seja, mesmo que aparentemente
não apresente condições à primeira vista. Numa situação, Musashi
aprende com um menino, que se
torna o seu discípulo, a olhar as
condições do tempo e a se previnir
para a estocagem de suprimentos.
Ou mesmo numa situação banal,
em que acaba pisando por distração em um prego e acaba tirando
uma lição de vida.
Em relação à importância dos
estudos, há uma passagem em
que Musashi aconselha seu amigo Matahachi com um discurso
típico das famílias japonesas:
para ser alguém na vida devemos
estudar com esforço.
Musashi: em mangá
Para aqueles que terminam de
ler o livro e sentem a necessidade
de buscar novas aventuras de Musashi, cabe uma outra alternativa
para saciar a vontade em outra
fonte: os mangás (revistas
em quadrinhos
japonesas).
Em 1998,
foi lançado no
Japão o mangá
“ Va g a b o n d”,
baseado no livro de Yoshikawa. Como o livro,
já é um sucesso internacional e é
publicado na Itália, Estados Unidos, França, Alemanha, Espanha
e no Brasil pela Editora Conrad
desde novembro de 2001.
A história e os desenhos de “Vagabond” são de autoria de Takehiko Inoue, desenhista que ganhou
os prêmios mais importantes de
mangá do Japão. Quando se depara com um quadrinho nota-se
a obsessão nipônica pelo detalhe,
onde cada folhinha de árvore numa
grande floresta é desenhada.
No Brasil, as primeiras edições
de “Vagabond” também trouxeram matérias especiais sobre
assuntos correlacionados com a
cultura japonesa. Desta forma
“Vagabond” torna-se pura diversão e cultura ao mesmo tempo.
Saneas / agosto 2004 – 49
PONTO FINAL
Monitoramento da qualidade
da água em São Paulo
mente, das cargas afluentes e veiculadas
no próprio rio Tietê e seus principais
afluentes: Pinheiros, Tamanduatei, Aricanduva etc., sua importância relativa
na carga total. Foi possível elaborar um
perfil de cargas poluidoras ao longo do
Nilson E. Castello rio Tietê, representadas pelas cargas
da demanda bioquímica de oxigênio
- DBO, tanto no período úmido como
Governo do Estado de São politana de São Paulo.
A dinâmica da qualidade da água no seco.
Paulo com o apoio do Banco
As coletas de amostras e medições
Interamericano de Desenvol- num corpo hídrico é função de divervimento (BID), criou o Projeto Tietê, sos fatores físicos, químicos e biológi- de vazões foram realizadas de quatro
no qual coube à Sabesp o papel de mi- cos, internos e externos. A temperatura em quatro horas dentro de um período
de 24 horas, totalizando seis conimizar a poluição gerada pelos
letas diárias, sendo que para cada
esgotos municipais na região do
coleta foram analisadas cinco vaAlto Tietê. A primeira etapa de
riáveis selecionadas, permitindo
obras foi concluída e a segunda,
verificar a ocorrência de estabilique teve o seu início em 2002, tem
dade de ciclos de variação diários
como data prevista de conclusão
ou a ausência deles, subsidiando
o ano de 2005. Para a região como cálculo da carga média da popreendida entre os municípios de
luição no ponto considerado.
Mogi das Cruzes e Pirapora, foi
Este monitoramento continuconcebido o plano de monitoraará a ser desenvolvido ao longo
mento da qualidade das águas do
do período de execução do Prorio Tietê. Esse plano tem como
jeto Tietê o que possibilitará o
objetivo medir os impactos, na
aprofundamento das análises de
qualidade das águas, advindos
causa e efeito tanto do impacto
da melhoria da infra-estrutura Nilson: conhecimento é fator para atingir a eficácia
de melhoria da qualidade das
sanitária previstas na segunda
etapa do Projeto Tietê. Este monitora- do ar, fator externo, interfere na tempe- águas, devido às obras de saneamento,
mento visa propiciar entendimento, in- ratura da água, e esta por sua vez inter- quanto das causas/fontes da poluição,
formação e prognósticos da qualidade fere na velocidade das reações químicas remanescente nos corpos hídricos do
das águas na região. Foi elaborada uma e biológicas. A chuva, outro fator exter- Alto Tietê. O aperfeiçoamento da calirede de monitoramento com 33 pontos, no, carreia a carga difusa acumulada bração do modelo matemático de quaonde dados de vazão são obtidos con- na bacia e aumenta a vazão do corpo lidade que já vem sendo utilizado para
comitantemente ao processo de coleta hídrico, condicionando uma maior ve- definição dos cenários futuros também
das amostras de qualidade das águas, locidade ao mesmo. Maiores velocida- é beneficiado por esta rede de monitofornecendo subsídios para o cálculo das des do corpo hídrico interferem tanto ramento.
Todas as entidades e especialistas incargas de poluentes veiculadas no rio na reaeração da massa líquida como na
Tietê e seus principais tributários. Nas sedimentação/ressuspenção de poluen- teressados podem ter acesso aos resultacinco primeiras campanhas realizadas, tes. Além de caracterizar a qualidade dos e dados do trabalho acessando o site
abrangendo períodos de estiagem e de das águas antes e após a implantação da sabesp na internet (www.sabesp.com.
tempo úmido a partir de 2002, foram da 2ª Etapa do Projeto Tietê, este mo- br), no link qualidade das águas da pácoletadas cerca de 800 amostras de nitoramento contribui para o entendi- gina do Projeto Tietê. O melhor conheágua, realizadas 572 medidas diretas de mento dos processos que interferem na cimento, tanto das fontes de poluição,
vazão nos cursos d’água e mais de 6000 qualidade das águas do rio Tietê e de sua distribuição na RMSP, dos processos
físicos, químicos e biológicos envolvidos
análises de laboratório. Esses dados seus afluentes.
Com base nas campanhas realizadas no processo de degradação e recuperaconstituem o maior e mais detalhado
acervo existente de informações sobre a foi possível caracterizar as vazões e con- ção das águas contribui para o aumento
qualidade das águas do Rio Tietê e seus centrações dos principais parâmetros da eficácia do Programa de Despoluição
principais tributários na Região Metro- de medição da poluição e, principal- do rio Tietê – Projeto Tietê. ■
O
Coordenador da Equipe de Planejamento do Projeto Tietê TGC-SABESP - Companhia de Saneamento Básico do Estado
de São Paulo (SABESP), Engenheiro Civil pela EESC-USP - 1979, Especialista em Engenharia em Saúde Pública e Ambiental
FSP-USP - 1992, e-mail: [email protected], telefone: (11) 3388-6035.
50 – Saneas / agosto 2004

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