Brochura CLIMAAT II - Madeira - Secretaria Regional do Ambiente e

Transcrição

Brochura CLIMAAT II - Madeira - Secretaria Regional do Ambiente e
D. Santos e R. Aguiar (editores)
Impactos e Medidas de Adaptação às Alterações Climáticas no Arquipélago da Madeira
Projecto CLIMAAT II,
Direcção Regional do Ambiente da Madeira, Funchal, 2006.
1
As alterações climáticas, apesar de serem por natureza um fenómeno à escala global, também
merecem uma atenção particular ao nível local e regional. Ao nível local, sobretudo em regiões
insulares de reduzidas dimensões como é o caso do arquipélago da Madeira, os impactes directos e
indirectos das alterações climáticas podem determinar significativas perdas ao nível dos recursos
naturais, com consequentes incidências sobre a qualidade de vida das pessoas.
O Governo Regional da Madeira e em particular no âmbito de actuação da Secretaria Regional do
Ambiente e dos Recursos Naturais tem vindo a desenvolver um conjunto de acções com vista a
optimizar a gestão dos recursos ambientais deste arquipélago bem como a minimizar e prevenir
impactes negativos expectáveis. Acções como a retirada do gado desordenado das nossas serras, o
investimento significativo nos sistemas de gestão da água, em todo o seu ciclo, incluindo o tratamento
de águas residuais, o esforço consistente e contínuo da reflorestação e alargamento das áreas de
distribuição dos ecossistemas naturais, ou a aquisição de terrenos florestais com vista à consolidação
do “Tampão verde”, são exemplos claros da acção governativa ambiental que assegurará segurança,
disponibilidade de água e a conservação da biodiversidade e dos ecossistemas naturais aumentando a
sua capacidade adaptativa e resiliência.
A par destas acções, o conhecimento acurado das próprias tendências e determinantes das
alterações climáticas numa escala adaptada à nossa dimensão é certamente um instrumento técnico de
sustentação das prioridades a tomar quanto à adaptação e minimização relativamente a esses mesmos
cenários. Este projecto é, por isso uma contribuição decisiva para, de uma forma consistente podermos
enfrentar, aqui nesta região ultraperiférica, um problema global.
Cumpre-me dar os parabéns a todas as equipas pluridisciplinares que realizaram os trabalhos
técnicos que agora dão forma a este relatório bem como aos demais parceiros insulares deste projecto
desenvolvido no âmbito da iniciativa comunitária INTEREGIIIB.
Manuel António Rodrigues Correia
Secretário Regional do Ambiente e dos Recursos Naturais
2
De entre os factores ambientais que determinam a vida, os meios de subsistência e a segurança de
pessoas e bens em territórios insulares, o clima, quer entendido como um recurso, quer como factor
limitante, assume papel relevante. De facto, os territórios insulares atlânticos são, normalmente,
pequenas regiões acidentadas onde as condições de habitabilidade e desenvolvimento dependem de
aspectos muito particulares e de um correcto e minucioso aproveitamento dos recursos naturais
disponíveis. Delimitadas por fronteiras físicas drásticas que dificultam ou impedem a troca de recursos
e meios de subsistência com outras regiões, as ilhas estão dramaticamente dependentes de um
conjunto de recursos, não só os de natureza vital como a água e os alimentos, mas também todos
aqueles que suportam a sua economia (energia, transportes, agricultura, pescas, turismo, etc.), bem
como aqueles que determinam a sua segurança e salubridade. Todos estes factores estão, de forma
altamente significativa, dependentes das condições climáticas.
Torna-se, assim, evidente a necessidade de adequação das escalas de abordagem às questões
climáticas mais consentânea com as características específicas e necessidades das regiões insulares
atlânticas. Daí a pertinência deste estudo, considerando-o como mais uma acção de gestão ambiental
sustentada no conhecimento e modelação das variáveis em jogo. A tomada de decisão, em gestão
ambiental não pode basear-se num exercício de percepção, antes requerendo conhecimento sólido e
cientificamente estruturado, o que reconhecemos neste trabalho desenvolvido por investigadores de
mérito reconhecido internacionalmente neste domínio.
Este estudo constitui, pela sua essência, uma ferramenta primordial de análise dos vários descritores
integrantes de um desenvolvimento sustentável, associando os cenários climáticos futuros aos impactos
e medidas de adaptação em sectores vitais para a sócio economia de uma região insular atlântica,
consagrando as linhas de orientação estratégica definidas no Plano Regional de Política e Ambiente e a
política de desenvolvimento sustentável da Região Autónoma da Madeira.
António Domingos Abreu
Director Regional do Ambiente
3
Estudo Detalhado Sobre o Clima do Arquipélago da Madeira, Produção de Cartografia
Climática, Construção de Cenários Climáticos Futuros e Realização de Estudos de Impacte
e Medidas de Adaptação às Alterações Climáticas em Vários Sectores de Actividade.
In: Projecto CLIMAAT II – Clima e Meteorologia dos Arquipélagos Atlânticos II
Programa de Iniciativa Comunitária INTERREG III B, Espaço Açores – Madeira - Canárias
Financiamento
Governo Regional da Madeira – Secretaria Regional do Ambiente e Recursos Naturais-DRAmb
Projecto co-financiado pela Iniciativa Comunitária INTERREG IIIB Epaço “ Açores, Madeira e Canárias”
Codigo 03/MAC/2.3/A5
Execução
ICAT - Instituto de Ciência Aplicada e Tecnologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
Ligação institucional
Henrique Santos Rodrigues
Secretaria Regional do Ambiente e Recursos Naturais - DRAmb
Madalena Coutinho e Sara Freitas
ICAT- Instituto de Ciência Aplicada e Tecnologia da FCUL
Coordenação Científica e Edição
Filipe Duarte Santos
Instituto D. Luiz – SIM e Fac. de Ciências da Universidade de Lisboa
Ricardo Aguiar
Instituto D. Luiz – SIM
Equipas e Autores do Relatório Final
Ver elencos em cada capítulo.
Adaptação e textos adicionais para esta publicação
Ricardo Aguiar
Instituto D. Luiz – SIM
Nota dos Editores
A presente publicação foi elaborada com base no Relatório Final do Estudo, pelos Editores, com
objectivos e um limite de extensão que naturalmente condicionou os conteúdos e o estilo, tal como
mencionado na nota introdutória. Em particular chama-se a atenção do leitor de que as adaptações de
textos do Relatório Final são da responsabilidade dos Editores. Também se realça que, por restrições
de espaço, na maior parte dos casos as Figuras e Quadros só se referem ao período 2070-99 e/ou ao
cenário do IPCC designado por A2. Contudo os trabalhos efectuados também incluiram no mesmo
detalhe o cenário B2, assim como o período de meados do século, 2040-69, situações com um
aquecimento global algo mais moderado que em A2. O Relatório Final do Estudo é a publicação de cariz
científico que deve ser sempre consultada para aprofundar as questões tratadas nesta publicação.
Lisboa, 4 de Setembro de 2006
4
Introdução
As alterações climáticas de origem antropogénica provocadas pelas emissões para a atmosfera de gases
com efeito de estufa irão acentuar-se ao longo do século XXI. Estas alterações do clima não são
homogéneas e têm impactos distintos em diferentes regiões, as quais também apresentam diferentes
graus de vulnerabilidade. Ilhas tal como a Madeira e Porto Santo são especialmente vulneráveis às
alterações climáticas, na medida em que dependem de recursos naturais particularmente sensíveis à
mudança do clima - como por exemplo, os recursos hídricos, as zonas costeiras, os recursos energéticos
renováveis e a biodiversidade – e porque as possíveis medidas de adaptação estão em geral
condicionadas por fortes limitações de natureza geográfica.
Neste contexto a Secretaria Regional do Ambiente e dos Recursos Naturais do Governo Regional da
Madeira, através da DRAmb, entendeu promover com o Instituto de Ciência Aplicada e Tecnologia da
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (ICAT) um estudo integrado e multisectorial sobre
impactos e opções de adaptação às alterações climáticas na Região Autónoma da Madeira, inserido
numa série de estudos sobre o clima e a meteorologia nos Arquipélagos Atlânticos da Macaronésia. O
ICAT formou uma equipa multidisciplinar de várias origens, que trabalhou dados observados e cenários
climáticos e se debruçou sobre dezenas de aspectos sectoriais, providenciando uma primeira
perspectiva, mas muito variada e em numerosos aspectos já bastante detalhada, sobre os efeitos e
tendências que se vão fazer notar progressivamente durante o século XXI.
Este Estudo deu origem a um Relatório Final, que deve ser consultado por quem queira conhecer em
detalhe o estado-da-arte, os autores consultados e as fontes de informação, as estatísticas e dados de
base climáticas e sectoriais, os resultados científicos obtidos, os pressupostos admitidos, as metodologias usadas, e as áreas onde se identificaram necessidades de melhores dados e mais estudos para
atingir uma caracterização ainda mais completa e complexa dos impactos e possíveis adaptações às
alterações climáticas na Região Autónoma da Madeira.
A presente publicação extrai desse Relatório, bastante extenso, as questões e resultados principais,
sendo muito mais breve no discurso técnico, em benefício da ênfase nos pontos de situação e
avaliações de impactos e adaptações. Deseja-se assim comunicar de uma forma mais acessível aos
decisores e público em geral os resultados obtidos para a Região Autónoma da Madeira acerca das
alterações climáticas – assunto cada vez com mais visibilidade e prioridade nas preocupações dos
cidadãos e das empresas, e maior importância nas políticas públicas.
Filipe Duarte Santos
Ricardo Aguiar
Editores
5
Índice
Metodologia
8
O Clima Observado
12
Informação Climática no Arquipélago da Madeira
13
Climatologia 1961-90
13
Tendências Climáticas
18
Temperatura
Precipitação
18
19
Indicadores Climáticos de Temperatura
21
Insolação, Nebulosidade e Humidade Relativa
22
Cenários Climáticos
24
Modelos de Circulação Global e Cenários de Emissões
24
Cenários Climáticos de Controlo
26
Modelo HadCM3
Modelo CIELO
Cenários Climáticos Futuros
Modelo HadCM3
Modelo CIELO
Outros Modelos de Circulação Global
Ajustes e Complementos aos Cenários para Estudos Sectoriais
Recursos Hídricos
26
26
27
28
29
31
32
34
Balanço Hidrológico
35
Cenários Climáticos
39
Disponibilidades de Água
40
Piezometria
42
Qualidade da Água Subterrânea
45
Necessidades de Água
47
Abastecimento urbano
Rega e Pecuária
Indústria
Produção de energia
Risco de Cheias
Florestas
47
48
48
48
49
52
Risco Meteorológico de Incêndio Florestal
54
Ocupação Potencial da Vegetação Florestal
55
Produtividade Primária Potencial
57
Impactos Directos
Impactos Indirectos
57
58
Agricultura
60
Cartografia da Ocupação do Solo
61
Necessidades de Rega
62
Banana
Vinha
Batata
62
62
66
6
Biodiversidade
69
Efeitos das Alterações Climáticas na Biodiversidade
70
Efeitos Observados das Alterações Climáticas
71
Impactos nos Sítios de Importância Comunitária
72
Laurissilva
Maciço Montanhoso Central-Oriental
73
74
Impactos em Habitats
Energia
74
78
Oferta de Energia
Desempenho de Máquinas Térmicas
Subida do nível do mar
Fenómenos Meteorológicos Extremos
Recursos Energéticos Renováveis
80
80
80
81
81
Transmissão de Energia
83
Procura de Energia
83
Águas Quentes
Climatização de veículos
Climatização de edifícios
Saúde Humana
83
83
84
87
Mortalidade Associada ao Calor
88
Doenças Associadas à Qualidade do Ar
89
Doenças Transmitidas por Vectores
90
Agentes de doença transmitidos por mosquitos
Dengue
Febre-amarela
Malária
Febre do Nilo Ocidental
90
90
91
92
92
Agentes de doença transmitidos por flebótomos
93
Leishmaniose
Agentes de doença transmitidos por carraças
Doença de Lyme
Anaplasmose
Febre escaro-nodular
Agentes de doenças transmitidos por pulgas
Tifo Murino
Doenças transmitidas por roedores
Leptospirose
Turismo
93
94
94
95
95
96
96
96
97
99
Caracterização do Sector Turístico
100
Clima, Alterações Climáticas e Turismo
101
Conforto Térmico Exterior
102
Risco de Transmissão de Doenças Infecciosas Transmitidas por Vectores
106
Risco de Ocorrência de Desastres Naturais
106
Efeitos dos Esforços da Mitigação das Alterações Climáticas
107
Medidas de Adaptação às Alterações Climáticas
108
7
Metodologia
A leitura desta secção sobre a abordagem utilizada nos estudos de impactos e adaptações às alterações
climáticas não é indispensável, mas é vivamente aconselhada para que o leitor possa apreciar
plenamente o alcance, resultados e conclusões obtidas.
Tudo começa admitindo certos cenários de emissões de gases com efeito de estufa. Trata-se de
cenários e não de projecções. É que a incerteza associada a projecções baseadas em dados históricos,
cresce muito a partir de um horizonte tipicamente da ordem de 3 a 5 anos, retirando-lhes quase toda a
utilidade; ora, o horizonte típico para os estudos de aquecimento global é muito maior, da ordem de
50 a 100 anos. Torna-se assim necessário considerar cenários, que são como “histórias” possíveis do
futuro a nível global, internamente coerentes, e relativos em primeiro lugar a questões sócioeconómicas (demografia, urbanização, economia, estilo de governação, preocupações sociais e
ambientais prevalecentes, etc.), mas também, por exemplo, a capacidade e disponibilidade de
inovação tecnológica.
No caso presente foram utilizados um conjunto de cenários de emissões desenvolvido sob os auspícios
do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC na sigla inglesa) designados por
Special Report on Emission Scenarios (SRES), dos quais há quatro famílias, designadas por A1, A2, B1 e
B2 (ver Figura 1A), à partida igualmente prováveis, e todas admitindo uma continuação do desenvolvimento social e material a nível global.
1A
Estes cenários incluem as emissões de gases com efeito de estufa (GEE) a nível global, que produzem
alterações climáticas e impactos muito variáveis a nível local, de acordo com o clima, a geografia, a
biosfera, a sociedade humana instalada em cada território.
É preciso realçar aqui que em todos os cenários do futuro existem alterações climáticas e os seus
impactos associados. De facto, existe um equilíbrio dinâmico entre os vários reservatórios de carbono
(depósitos geológicos, oceano profundo, oceano superficial, atmosfera, biosfera...) que assegura
sempre um crescimento das concentrações de CO2 durante muitos anos no futuro, qualquer que seja a
severidade e rapidez de implementação das medidas de redução de emissões (mitigação), entretanto
tomadas (note-se que os cenários SRES, embora não incluíam explicitamente mitigação das alterações
climáticas, incluem-na já indirectamente, através da presença de desenvolvimentos sociais e
tecnológicos).
As emissões de GEE cenarizadas são introduzidas em modelos numéricos do sistema climático terrestre
(ver Figura 1B), resultando daí por sua vez os respectivos cenários de mudança climática à escala
8
global. No caso presente foi usado o modelo de circulação global designado por HadCM3, do Hadley
Centre for Climate Research (Reino Unido).
No entanto a resolução espacial dos modelos do clima global é da ordem de centenas de km,
inadequado para muitos estudos sectoriais de impacto, pelo que é necessário regionalizar os cenários
climáticos, obtendo dados com resolução da ordem da dezena de km ou inferior. O caso da Região
Autónoma da Madeira (RAM) é paradigmático: a célula do modelo climático global que lhe corresponde
é puramente marítima, o modelo “não vê” as ilhas e portanto não representará bem fenómenos
meteorológicos que a presença das próprias ilhas introduz, tais como nebulosidade e precipitação de
origem orográfica, modificação da intensidade e turbulência do vento, amplitude térmica significativa,
etc.
É preciso pois usar modelos para representar o clima local a partir do clima global na zona (ver de novo
a Figura 1B), calibrados e/ou validados com observações meteorológicas. Dos quatro cenários SRES,
apenas puderam ser usados neste passo os cenários A2 e B2. Os períodos definidos para estudo foram
um período de controlo, 1961-1990, um período representando meados do século XXI, 2040-2069, e um
representando o final do século, 2070-2099.
9
1B
No passo seguinte os cenários meteorológicos regionalizados são introduzidos em modelos sectoriais,
calibrados e/ou validados com os dados de base disponíveis (estatísticas, cartografias, etc.) A
disponibilidade de modelos e de dados de base é na prática uma importante limitação ao tipo e
variedade dos impactos que é possível analisar. Por isso mesmo o período de controlo em que foram
fornecidos dados para os estudos sectoriais não foi o antes usado para os modelos regionais do clima,
mas sim 1970-99, para coincidir melhor com as disponibilidades de dados sectoriais detalhados.
Comparando os resultados de um certo modelo sectorial, usando como dados de entrada os do período
de controlo e os de um cenário futuro, obtém-se um impacto potencial da alteração do clima.
Uma vez que nestes sucessivos passos se acumulam incertezas de cenarização, simplificações de
modelação, erros e insuficiências em dados meteorológicos e sectoriais, poder-se-ia pensar que a
incerteza associada às estimativas de impacto potencial seria enorme, e este tipo de estudos, pouco
útil. No entanto, consistindo o impacto numa anomalia, i.e. uma diferença entre uma situação de
controlo e um cenário futuro, há diversas oportunidades de cancelamentos de viés que reduzem a
10
incerteza. Assim costuma ser mais correcto expressar os impactos em termos relativos (em
percentagem de alteração relativamente ao valor na situação de controlo) do que em termos
absolutos.
Uma vez obtidos os impactos potenciais, sejam eles considerados benéficos ou prejudiciais, há que
considerar ainda circunstâncias que os podem amplificar, ou pelo contrário, mitigar. Trata-se em
primeiro lugar do cruzamento entre impactos, seja no mesmo sector, seja em sectores diversos. Por
exemplo, uma redução das disponibilidades hídricas pode ser amplificada pelo aumento das
necessidades de rega na agricultura. Em segundo lugar, há que considerar as características dos
próprios cenários sócio-económicos e tecnológicos: por exemplo, no caso anterior, a diminuição da
população e do número de explorações agrícolas pode contrariar o aumento das necessidades em água.
E finalmente, podem em muitas situações considerar-se estratégias e medidas de adaptação. Por
exemplo, a adopção de tecnologias de rega sob pressão, em vez de rega por gravidade, pode reduzir as
necessidades de água. Da consideração destes vários modificadores resultam então as estimativas finais
de impactos.
11
O Clima Observado
A compreensão do clima observado e das suas tendências recentes é essencial, até
como contexto para a apreciação dos impactos climáticos e sectoriais. Um estudo
detalhado foi feito, com vários aspectos inovadores.
A principal indicação das observações climáticas históricas da Madeira e do Porto
Santo é a seguinte: o clima médio teve um aquecimento progressivo ao longo do
último século, em fase com o aquecimento global, mas a uma taxa francamente
mais elevada. A isto corresponde um expressivo aumento do número de dias de
Verão e de noites tropicais.
Pelo contrário são pequenas as tendências da precipitação, da nebulosidade e da
humidade relativa, embora com algumas alterações a nível sazonal. A insolação
tem vindo a diminuir.
A ilha da Madeira possui um relevo bastante acidentado (Figura 2), dominado por montanhas de
altitude elevada, separadas por ravinas profundas. Os pontos mais altos da ilha, Pico Ruivo (1862 m) e
Pico do Arieiro (1818 m), estão situados na parte Oriental das formações de maior altitude. Na parte
Ocidental destas formações localiza-se o Planalto do Paúl que se eleva acima dos 1400 m. A ilha de
Porto Santo, a cerca de 40 km a Nordeste da Madeira, apresenta uma orografia mais suave, tendo o
ponto mais alto pouco mais que 500 m de altitude.
2
Topografia da Madeira (à esq.) e Porto Santo (à dir.). Coordenadas UTM (m).
O Arquipélago da Madeira situa-se na região subtropical, apresentando um clima ameno, tanto no
Inverno como no Verão, excepto nas zonas mais elevadas onde se observam temperaturas mais baixas.
O efeito moderador do mar faz-se sentir na reduzida amplitude térmica observada nas ilhas. Alguns
sistemas depressionários que atravessam o Atlântico descem até à latitude da Madeira durante os
meses de Inverno, observando-se a formação de depressões na vizinhança do arquipélago, dando por
vezes origem a precipitação abundante. No Verão predominam ventos com rumo do quadrante Norte
associados ao ramo Leste do anticiclone dos Açores.
Na Madeira podem encontrar-se muitos microclimas que estão relacionados com o relevo complexo da
ilha. As encostas apresentam frequentemente uma grande inclinação, o que origina uma alternância
entre zonas de sombra e zonas com exposição solar elevada. A topografia com altitudes muito elevadas
favorece a ocorrência de precipitação orográfica, tornando algumas zonas da ilha muito húmidas e
permitindo a existência de recursos hídricos significativos. Em contraste, a ilha de Porto Santo, apesar
12
de afectada pelos mesmos sistemas meteorológicos, é muito mais seca, devido à sua altitude média
mais baixa.
Informação Climática do Arquipélago da Madeira
O clima da Madeira e do Porto Santo foi descrito por diversos autores em vários estudos, incluindo o
Plano Regional da Água da Madeira. É preciso notar que as características topográficas da ilha da
Madeira dificultam a produção de cartografia climática representativa em escalas finas. Por um lado, o
número de estações disponíveis em cada momento é relativamente modesto, quando comparado com
os fortes gradientes climáticos observados: no máximo, 25 estações de medida de precipitação e 7
estações climatológicas. Muitas das estações foram encerradas durante as últimas décadas enquanto
outras sofreram mudanças de posição. A localização das estações disponíveis na última década é
bastante heterogénea, sendo as observações escassas em diversas zonas, nomeadamente na zona
ocidental, em pontos a meia encosta e nas zonas dos vales interiores.
Climatologia 1961-1990
A climatologia da Madeira elaborada para o presente estudo é baseada na desenvolvida no Projecto
SIAM II, com base em dados do Instituto de Meteorologia. Apresenta-se no entanto um conjunto mais
alargado de variáveis, incluindo nomeadamente vento, insolação, nebulosidade e humidade, para além
de temperatura e precipitação.
A Figura 3 apresenta a distribuição das temperaturas média anual observada na ilha da Madeira na
normal climática 1961-90, interpolados num Sistema de Informação Geográfica (SIG). A temperatura
média anual varia entre 8ºC nos picos mais elevados e 18-19ºC nas zonas costeiras. A região do Funchal,
numa zona na vertente Sul a jusante dos ventos dominantes, é a mais quente da ilha.
3
Temperatura média, 1961-90 (dados IM).
No Inverno (Dezembro, Janeiro, Fevereiro – DJF) a média das temperaturas mínimas desce um pouco
abaixo dos 4ºC nas regiões elevadas (ver Figura 4). Junto da costa, a temperatura mínima no Inverno
foi ligeiramente superior a 13ºC.
4
Temperatura mínima de Inverno, 1961-90 (dados IM).
13
No Verão (Junho, Julho, Agosto – JJA) observaram-se em média 16ºC de temperatura máxima nos picos
mais elevados; a média das temperaturas máximas ultrapassou ligeiramente os 23ºC nas zonas costeiras
(ver Figura 5).
5
Temperatura máxima de Verão, 1961-90 (dados IM).
O ciclo anual da temperatura na normal 1961-90, nas estações do Funchal e Porto Santo (Aeroporto), é
apresentado com maior detalhe na Figura 6, onde estão representadas as temperaturas máximas
(laranja) e mínimas (azul claro) médias mensais, para além das temperaturas máxima absoluta
(vermelho) e mínima absoluta (azul escuro). Em ambas as estações, Agosto e Setembro são os meses
mais quentes; a amplitude térmica é maior no Funchal que no Porto Santo. O Funchal regista
temperaturas máximas mais elevadas que o Porto Santo e temperaturas mínimas mais baixas.
40
6
35
40
(a) Funchal
Tmax
Tmin
Tmaxabs
Tminabs
35
(b) Porto Santo
30
Temperatura (ºC)
Temperatura (ºC)
30
Tmax
Tmin
Tmaxabs
Tminabs
25
20
15
10
25
20
15
10
5
Jan Fev Mar Abr Mai Jun
Jul Ago Set Out Nov Dez
5
Jan Fev Mar Abr Mai Jun
Jul Ago Set Out Nov Dez
Normal climática mensal 1961-1990 das temperaturas.
Note-se que o Funchal se situa na encosta a jusante da orografia da ilha, considerando que o
escoamento à escala sinóptica é predominantemente de Norte, pelo que o seu clima é influenciado
pelo efeito de Foehn. Este efeito não se verifica na estação de Porto Santo (Aeroporto). Os meses mais
frios são Janeiro e Fevereiro em ambas as estações. A temperatura mais elevada registada no Funchal
no período 1961-1990 foi de 38,5ºC, enquanto no Porto Santo foi de 35,3ºC, ambas em Agosto. Em
relação à temperatura mínima absoluta, o Funchal registou 6,4ºC e o Porto Santo 7,4ºC, ambas em
Fevereiro. A temperatura média no Porto Santo é da ordem de 18,4ºC, ligeiramente mais baixa do que
os 18,7ºC registados no Funchal.
A média da precipitação acumulada anualmente na Madeira (Figura 7) atingiu um máximo próximo dos
3400 mm nos picos mais elevados e foi mínima na zona do Funchal (menos de 600 mm). Observa-se na
distribuição da precipitação anual uma assimetria Norte-Sul, com bastante mais precipitação, à mesma
altitude na costa Norte. Esta assimetria não é tão acentuada no Inverno como no mapa anual, embora
continue a ser uma das características significativas da distribuição espacial. Nas zonas mais altas, a
precipitação acumulada de Inverno ultrapassou ligeiramente em média os 1200 mm, enquanto nas
regiões do Funchal e do vale do Machico foi cerca de 300 mm. Nos meses de Verão foram observados
14
cerca de 150 mm de precipitação nas zonas elevadas (mas não no Arieiro) e valores ligeiramente
inferiores a 50 mm na costa Sul da ilha, sendo mais evidente a assimetria Norte-Sul na distribuição da
precipitação nesta estação do ano. O facto de chover mais na parte Norte da Madeira durante o Verão
está claramente associado ao rumo dominante do vento (Norte) nesta estação e ao facto de a
precipitação ser essencialmente orográfica.
Ano
7
Inverno
Verão
Precipitação anual, de Inverno e de Verão, 1961-90.
Os números anuais de dias de Verão e de noites tropicais estão representados na Figura 8. São definidos
como dias de Verão todos os dias que tenham temperaturas máximas superiores a 25ºC, e como noites
tropicais todos os dias com temperatura mínima não inferior a 20ºC. Apenas na encosta a Norte dos
picos do Arieiro e Ruivo não se observaram dias de Verão. Na costa Sul, por outro lado, registaram-se
em média um pouco mais de 70 dias de Verão por ano no período climatológico considerado. As noites
tropicais ocorreram igualmente em quase toda a ilha da Madeira, embora a área sem noites tropicais
seja superior à que não teve dias de Verão e engloba mais zonas com altitudes elevadas na parte Leste
da ilha. Algumas regiões costeiras a Leste registaram em média mais de 20 noites tropicais por ano,
tendo a região de Santa Catarina ultrapassado o valor de 30 noites tropicais.
15
Dias de
Verão
8
Noites
tropicais
Número anual de dias de Verão e noites tropicais, 1961-90.
A assimetria Norte-Sul do número anual de dias com precipitação (precipitação superior a 0,1 mm/dia)
é bem visível na Figura 9. Com efeito, na região do Funchal e noutros pontos da costa Sul ocorreram
cerca de 80 dias com precipitação por ano, enquanto na costa Norte se observaram mais de 120
dias/ano. Por outro lado, nas zonas mais elevadas da ilha registaram-se mais de 180 dias/ano com
precipitação, dos quais pelo menos 60 são dias chuvosos (superior a 10mm/dia). O número mínimo de
dias chuvosos (20) ocorreu na costa Sul.
Dias com
precipitação
9
Dias
chuvosos
Número anual de dias com precipitação (prec>0,1 mm) e dias chuvosos (prec>10 mm), 1961-90.
O ciclo anual da precipitação para as estações do Funchal e Porto Santo é apresentado na Figura 10.
Nesta figura estão representados igualmente o número médio de dias por ano com precipitação
superior a 1 mm (dias com precipitação significativa) e superior a 10 mm (dias com precipitação
16
elevada). A precipitação anual média na estação do Funchal totalizou 643 mm e em Porto Santo
384 mm. O Funchal é mais chuvoso do que o Porto Santo em todos os meses do ano excepto em Julho e
Agosto, os meses mais secos do ano. Novembro a Janeiro são os meses mais chuvosos do ano. No
Funchal observaram-se ligeiramente menos dias com precipitação acima de 1 mm (61) do que em Porto
Santo (65), mas o Funchal tem mais do dobro de dias com precipitação intensa (20) do que Porto Santo
(9).
100
Precipitação (mm)
80
10
8
6
60
4
40
Nº dias
10
Prec > 1mm (Funchal)
Prec > 10mm (Funchal)
Prec > 1mm (Porto Santo)
Prec > 10mm (Porto Santo)
Prec Funchal
Prec Porto Santo
2
20
0
0
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Normal climática mensal (1961-1990) da precipitação e do número de dias
com precipitação > 1mm e precipitação > 10 mm para o Funchal e Porto Santo.
A velocidade média do vento distribuída por octantes (rumo) e a respectiva frequência estão
representadas na Figura 11. Os ventos de Nordeste e de Sudoeste são os mais frequentes no Funchal,
embora os ventos de maior intensidade sejam os de Este e Oeste. No Funchal observa-se uma dispersão
razoável pelos 8 octantes. Mas no Porto Santo os ventos do quadrante Norte são fortemente
dominantes (64%), com a direcção Norte a contribuir com 37% das ocorrências: o vento no Porto Santo
é aproximadamente representativo do vento sobre o mar, ou seja, do vento à escala sinóptica que
incide sobre a orografia da Madeira. Por outro lado, quando o vento no Porto Santo é do quadrante
Norte, o Funchal encontra-se muitas vezes na esteira da ilha. Consequentemente, o escoamento
atmosférico no Funchal é afectado por movimentos de recirculação horizontal do ar, o que explica a
diversidade de direcções do vento nesta zona. A velocidade média do vento no Porto Santo é bastante
maior do que no Funchal, devido ao escoamento ser menos afectado por efeitos topográficos e de
superfície. Os ventos do quadrante Oeste, bem como ventos das direcções Norte e Sul são os ventos
mais intensos sobre o Porto Santo, com intensidades médias próximas dos 20 km/h. Os ventos do
quadrante Sul são no entanto bastante pouco frequentes no Porto Santo. Note-se ainda que no Funchal
11% das situações observadas foram de calma (ventos fracos) e no Porto Santo 5%.
11
Funchal
Porto Santo
Normal climática (1961-1990) da velocidade (km/h) e direcção do vento (frequência em %).
17
O ciclo anual da insolação está representado na Figura 12. A insolação mensal média tem uma
distribuição bimodal ao longo do ano, tanto no Funchal como no Porto Santo, com máximos em Maio e
Agosto. De Abril a Outubro o Funchal regista menos horas de sol do que o Porto Santo, situação que é
invertida nos restantes meses do ano (Novembro a Março). Os meses com maiores valores de insolação
no Funchal são Agosto (240 h) e Julho (228 h); Dezembro é naturalmente o mês com menos horas de sol
(140 h). No Porto Santo, Agosto (245 h) e Maio (233 h) são os meses com maior insolação. As razões
pelas quais Junho tem valores mais baixos do que os meses adjacentes carece ainda de investigação.
Anualmente o Porto Santo totaliza mais horas de sol (2241 h) do que o Funchal (2165 h), provavelmente
devido a ter uma orografia de menor altitude que não influencia tão fortemente a ocorrência de
nebulosidade.
250
Funchal
Porto Santo
12
Insolação (horas)
200
150
100
50
0
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Normal climática mensal 1961-1990 da insolação (Funchal e Porto Santo).
Tendências Climáticas
Temperatura
A temperatura média global à superfície aumentou aproximadamente 0,6ºC desde o fim do séc. XIX até
ao fim do séc. XX, tendo sido identificados neste intervalo de tempo dois períodos de aquecimento,
entre 1910-1945 e desde 1976. Cerca de dois terços do aumento verificado no séc. XX (0,4ºC)
ocorreram desde a década de 1970. As temperaturas mínimas, em particular, sofreram um aumento
significativo, atribuido a uma redução da ocorrência de temperaturas extremamente baixas. No
Hemisfério Norte a tendência da temperatura média foi de 0,25ºC/década desde 1976.
Em Portugal Continental observou-se que, no que se refere à temperatura média do continente, os 6
anos mais quentes do período 1931-2000 ocorreram nos últimos 12 anos do séc. XX, sendo 1997 o ano
mais quente. A temperatura média acompanhou o comportamento global, registando dois períodos de
aquecimento significativo, intercalados por um período de arrefecimento moderado. Nos últimos 27
anos a temperatura máxima apresentou uma tendência positiva (+0,47ºC/década) ligeiramente inferior
à da temperatura mínima (+0,48ºC/década).
As séries das temperaturas máximas e mínimas observadas no Funchal e Porto Santo são apresentadas
na Figura 13, juntamente com os melhores ajustes lineares. Estes foram obtidos com os anos de
mudança da tendência global (1945 e 1975). Para a temperatura máxima no Funchal são observadas
tendências positivas em todos os períodos, em especial no último período que apresenta um
aquecimento de +0,51ºC/década. A temperatura mínima no Funchal apresenta um comportamento
mais irregular. A partir de 1975 a tendência é muito significativa (+0,72ºC/década), implicando uma
diminuição da amplitude térmica diária.
18
Já no Porto Santo os comportamentos das temperaturas mínima e máxima foram quase paralelos. No
entanto, no período desde 1975 a temperatura máxima aumentou a uma taxa de +0,54ºC/década,
enquanto a temperatura mínima cresceu a uma taxa mais baixa de +0,35ºC/década, o que implicou um
23
+0.15ºC/dec
1975
1945
22
Temp. mínima ( ºC)
21
+0.04ºC/dec
20
+0.72ºC/dec
1945
17
-0.35ºC/dec
16
1975
15
14
a
1920
1940
1960
1980
2000
Porto Santo
23
+0.54ºC/dec
22
-0.35ºC/dec
21
1945
17
20
1975
18
1945
Temp. máxima ( ºC)
+0.51ºC/dec
+0.04ºC/dec
Temp. mínima ( ºC)
Funchal
13
Temp. máxima ( ºC)
aumento da amplitude térmica durante o último período.
+0.35ºC/dec
-0.34ºC/dec
1975
16
15
b
1940
1960
1980
2000
Ano
Ano
Evolução temporal das médias das temperaturas máximas (curvas de cima) e mínimas (curvas de baixo) anuais
no Funchal e Porto Santo. Tendências em ºC por década.
Pôde concluir-se que as temperaturas na Madeira e no Porto Santo têm vindo a aumentar desde 1976
em fase com o comportamento das temperaturas no continente português e a nível global. As
tendências positivas da temperatura no Funchal desde 1976 têm valores mais elevados do que na média
das temperaturas em Portugal continental e nos Açores, encontrando-se entre as mais elevadas das
estações analisadas em todo o território de Portugal. Conclui-se ainda que no último período de
aumento de temperatura a Madeira aqueceu substancialmente mais do que o Hemisfério Norte.
Precipitação
Na Figura 14 apresentam-se as séries sazonais da precipitação acumulada no Funchal de 1901 a 2000 e
no Porto Santo de 1940 a 2000. Estas séries não parecem apresentar uma tendência significativa de
longo prazo, distribuindo-se em torno do valor médio em 1961-1990. Contudo, análises estatísticas
permitem concluir que existe estrutura na variação interdecadal da precipitação, com períodos de
menor intensidade de precipitação média e/ou de menor variabilidade interanual, especialmente no
que se refere à precipitação de Inverno.
DJF
Funchal
Porto Santo
800
600
mm
14
400
200
600
SON
200
0
mm
mm
400
0
JJA
400
100
0
MAM
mm
200
0
1900
1920
1940
1960
1980
2000
Precipitação sazonal no Funchal e em Porto Santo.
As rectas a tracejado indicam a precipitação média no período 1961-1990.
DJF=Dezembro, Janeiro, Fevereiro; SON=Setembro, Outubro, Novembro; MAM=Março, Abril, Maio; JJA=Junho, Julho, Agosto.
A oscilação do Atlântico Norte, designada por NAO (North Atlantic Oscillation), constitui um dos modos
principais de variabilidade lenta da atmosfera que afecta o clima de Portugal. Este índice representa a
diferença da pressão ao nível do mar entre os Açores, Lisboa ou Gibraltar e a Islândia. As observações
19
de precipitação em Portugal continental indicam que a valores baixos do índice NAO estão associadas
quantidades de precipitação acima da média, enquanto valores elevados deste índice correspondem a
quantidades de precipitação abaixo da média. Na Figura 15 apresenta-se a evolução do índice NAO
(Lisboa) e da precipitação acumulada no Inverno alargado (DJFM – Dezembro a Março) desde 1941 até
2000. Tal como se observou nos Açores e no continente, parece existir uma correlação negativa
significativa entre a precipitação observada na Madeira e no Porto Santo e o índice NAO.
6
15
4
(a) Funchal
R=-0.65
NAODJFM
900
precDJFM
800
4
(b) Porto Santo
R=-0.58
500
NAODJFM
500
0
400
-2
300
200
-4
400
2
NAO DJFM
NAO DJFM
600
precipitação DJFM (mm)
precDJFM
700
2
300
0
200
-2
precipitação DJFM (mm)
6
100
-4
100
-6
1940
1960
1980
2000
-6
1940
1960
1980
0
2000
Índice NAO e precipitação acumulada de Inverno.
R: Coeficiente de correlação entre as séries.
Na Figura 16 estão representadas as diferenças entre as precipitações médias mensais no período 19712000 e no período 1941-1970, para o Funchal e para o Porto Santo. A maior anomalia positiva da
precipitação observa-se no mês de Dezembro.
40
16
30
mm
20
Funchal
PSanto
10
0
-10
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
-20
Anomalia da precipitação mensal no Funchal e em Porto Santo (entre 1971/2000 e 1941/70).
A Figura 17 apresenta os valores médios da precipitação anual e sazonal, e os respectivos desvios
padrão. A variação da precipitação acumulada entre os anos 1941-1970 e 1971-2000 não parece ser
muito importante. Apesar disso, é curioso observar que no Funchal a precipitação anual e sazonal
aumentou no último período, enquanto a precipitação no Porto Santo diminuiu ligeiramente.
Na Primavera o desvio padrão no Funchal em 1971-2000 é muito superior ao desvio padrão nos anos
1941-1970. Tal deve-se essencialmente ao facto de nos últimos anos se terem observado no Funchal,
Primaveras mais chuvosas, com precipitação acumulada superior a 250 mm, o que não aconteceu no
período 1941-1970, ver Figura 18. No Outono, ocorreram igualmente precipitações acumuladas
elevadas (superiores a 400 mm) no período 1971-2000, ao contrário do período anterior que teve
Outonos menos chuvosos. Uma característica a salientar ainda na distribuição por classes da
precipitação sazonal do Funchal é o aumento significativo do número de Verões sem chuva.
20
Funchal
500
400
300
200
100
0
b
250
média
200
150
100
50
0
média anual d. padrão anual
inverno primavera verão
c
140
precipitação (mm)
a
1941-1970
1971-2000
precipitação (mm)
17
precipitação (mm)
600
desvio padrão
120
100
80
60
40
20
0
outono
inverno primavera verão
outono
Porto Santo
a
350
precipitação (mm)
250
precipitação (mm)
1941-1970
1971-2000
300
200
150
100
50
0
média anual d. padrão anual
160
140
120
100
80
60
40
20
0
b
média
precipitação (mm)
400
inverno primavera verão
outono
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
c
desvio padrão
inverno primavera verão
outono
(a) Média e desvio padrão da precipitação anual; (b) Média sazonal da precipitação; (c) Desvio padrão sazonal da
precipitação nos períodos 1971-2000 e 1941-1970.
0.45
18
0.40
Inverno
0.35
0.45
0.25
0.20
0.15
0.10
0.05
0.00
Primavera
0.40
0.35
0.30
frequência
frequência
0.50
1941-1970
1971-2000
0.30
0.25
0.20
0.15
0.10
0.05
< 100
< 200
< 300
< 400
< 500
< 600
< 700
0.00
> 700
< 100
< 150
< 200
< 250
< 300
< 350
< 400
0.6
0.35
0.5
0.25
frequência
frequência
0.4
0.3
0.2
0.1
0.0
Outono
0.30
Verão
0.20
0.15
0.10
0.05
=0
< 10
< 20
< 30
< 40
< 50
< 60
< 70
classes de precipitação
0.00
< 100
< 150
< 200
< 250
< 300
< 350
< 400
< 400
classes de precipitação
Histogramas de precipitação sazonal no Funchal. Classes de precipitação em mm.
Na distribuição da precipitação por classes no Porto Santo, o único facto relevante é a existência de
Outonos com precipitações acumuladas superiores a 350 mm no período 1971-2000 e um número
significativamente mais elevado de Verões com precipitação compreendida entre 10 e 20 mm durante
os anos 1941-1970.
Indicadores Climáticos de Temperatura
Na Figura 19 apresenta-se a evolução do número de noites tropicais e de dias de Verão. As noites
tropicais do Funchal decrescem muito ligeiramente (-2,9 dias/década) até 1975, altura em que
começam a aumentar a uma taxa elevada de +18,7 dias/década. Por outro lado, os dias de Verão no
Funchal decrescem a uma taxa de –4,2 dias/década até 1975, a que se segue um aumento a uma taxa,
notável, de +23,2 dias/década. No Porto Santo as noites tropicais decrescem a uma taxa de –3,4
dias/década até 1975, passando a aumentar a uma taxa de +11,4 dias/década a partir de 1975,
21
enquanto os dias de Verão crescem em todo o período considerado a uma taxa praticamente uniforme,
que é de +11,4 dias/década a partir de 1975. O aumento destes dois indicadores observados nas
últimas três décadas é muito mais acentuado no Funchal do que no Porto Santo.
100
o
Noites tropicais (Tmin>20 C) +18.7 dias/dec
60
40
-2.9 dias/dec
20
140
40
80
-4.2 dias/dec
60
40
+23.2 dias/dec
a
1960
1970
1980
1990
2000
0
+9.9 dias/dec
40
20
+11.4 dias/dec
0
1960
20
1950
Dias de Verão (Tmax>25 C)
60
Nº dias
Nº dias
Dias de Verão (Tmax>25 C)
20
o
80
o
100
80
60
+11.4 dias/dec
0
120
Porto Santo
-3.4 dias/dec
Nº noites
80
Nº noites
19
o
Noites tropicais (Tmin>20 C)
Funchal
1970
1980
1990
b
2000
Ano
Ano
Evolução do número anual de noites tropicais e do número de dias de Verão.
Insolação, Nebulosidade e Humidade Relativa
Séries da insolação anual, da nebulosidade e da humidade relativa média anual às 9 horas são
apresentadas na Figura 20 para o Funchal, Porto Santo e Arieiro, entre 1950 e 1994. A insolação anual
nas três estações consideradas sofre um decréscimo acentuado durante os anos da década de 1960,
igualmente observado em diversas estações de Portugal continental.
20
Insolação (horas)
2800
Funchal
Arieiro
Porto Santo
2600
2400
2200
2000
Humidade Relativa (%)
Nebulosidade
(décimos)
1800
8
6
4
80
75
70
1950
1960
1970
1980
1990
Evolução da insolação (diária), e da nebulosidade e humidade relativa (às 9 horas)
nas estações do Funchal, Arieiro e Porto Santo.
Apesar da existência de bastantes falhas nas séries utilizadas, verifica-se uma boa correlação entre as
três séries de insolação, mas não no caso das de nebulosidade e humidade relativa. No Funchal e no
Porto Santo observa-se uma diminuição lenta e progressiva da nebulosidade durante todo o período,
enquanto no Arieiro, a tendência da nebulosidade é praticamente nula. Deve notar-se que no Porto
22
Santo a nebulosidade tem valores significativamente mais elevados do que nas outras duas estações da
ilha da Madeira.
No que se refere à humidade relativa, o sinal é muito irregular, especialmente na estação do Arieiro.
No Funchal observa-se um ligeiro acréscimo de humidade relativa a partir da década de 1970.
O Arquipélago da Madeira apresenta grandes gradientes climáticos que resultam em
larga medida de efeitos orográficos e em menor grau de efeitos sinópticos. Daqui
resultam dificuldades na obtenção da cartografia das variáveis climáticas, que pode
tornar-se excessivamente dependentes dos métodos de interpolação. Recomendase pois a utilização de técnicas de interpolação com sentido físico, devidamente
validadas com séries de observações.
As séries históricas de observações climáticas da Madeira e do Porto Santo indicam
importantes tendências do clima médio, no sentido de um aquecimento
progressivo ao longo do último século, em fase com o aquecimento global mas a
uma taxa francamente mais elevada. As séries históricas de precipitação
caracterizam o clima da Madeira como sendo de forte variabilidade interanual,
com anos secos a sucederem a anos húmidos, como é típico do clima
Mediterrânico. No clima actual a disponibilidade média de água é relativamente
elevada na Ilha da Madeira, mas é fortemente dependente da precipitação em
altitude nos anos húmidos. No Porto Santo, pelo contrário, existe uma escassez
crónica de água. Estas características tornam o Arquipélago vulnerável a
alterações do regime de precipitação.
Equipa e Autores no Relatório Final
Maria Antónia Valente
Instituto D. Luiz – CGUL
Pedro M. A. Miranda
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e Instituto D. Luiz – CGUL
Fátima Coelho
Instituto de Meteorologia
António Tomé
Universidade da Beira Interior e Instituto D. Luiz - CGUL
Eduardo Brito de Azevedo
Universidade dos Açores
Agradecimentos
Instituto de Meteorologia (cedência de dados meteorológicos).
Álvaro Silva e Sofia Moita (IM, apoio na cartografia da Madeira em SIG e orografia de Porto Santo).
23
Cenários Climáticos
Uma análise dos resultados de diversos modelos climáticos do Globo numa gama de
quatro cenários do IPCC para o aquecimento global, revela para a zona da Região
Autónoma da Madeira uma inequívoca subida da temperatura média, na gama
1,4 ºC a 3,7 ºC até ao fim do Século XXI. Para a evolução da precipitação existe
bastante mais incerteza, mas a maioria dos modelos considerados projectam
reduções significativas de precipitação que podem ir até 35% abaixo da
precipitação actual no fim do século; mas alguns modelos projectam a manutenção,
ou mesmo um pequeno aumento, dos níveis actuais de precipitação anual.
A evolução do clima da Ilha da Madeira foi também estudada em maior detalhe para
dois dos cenários do IPCC (A2 e B2), com base em simulações do modelo global
HadCM3 (com origem no Reino Unido) e na cartografia climática desenvolvida no
Projecto. Para a temperatura média obteve-se uma subida clara – mas inferior à
esperada
para
Portugal
Continental,
certamente
em
virtude
do
carácter
marcadamente marítimo do clima na RAM. Em todo o caso, até ao fim do século
espera-se um aquecimento entre 2 ºC a 3 ºC.
Estes cenários mostram ainda reduções significativas de precipitação no período
de Outono, Inverno e Primavera, só marginalmente compensadas por incrementos
no Verão, ocorrendo as maiores perdas nas terras altas. Para a região no seu
conjunto, as perdas anuais no final do século são da ordem de um terço da
precipitação actual.
Os estudos de impactos e adaptações sectoriais requerem cenários climáticos regionalizados para a
RAM. Estes cenários foram obtidos usando como dados de entrada os cenários produzidos pelo modelo
de circulação global (GCM) designado por HadCM3. Foram utilizadas simulações de controlo e dois
cenários de variação da concentração de gases com efeito de estufa actualmente disponíveis baseados
nos cenários de emissões SRES recomendados pelo IPCC. Os cenários usados foram A2 e B2; os valores
diários para A1 e B1 não se encontram disponíveis. Os períodos definidos para estudo foram um período
de controlo, 1961-1990, um de meados do século XXI, 2040-2069, e um do final do século, 2070-2099.
O modelo CIELO foi usado para obter os cenários climáticos regionalizados de temperatura e
precipitação, e projectar as alterações climáticas para a Madeira em elevada resolução espacial.
Incluiu-se também no estudo uma análise à escala sinóptica para a região da Madeira, directamente
produzida por diversos GCMs, elaborada com dados do HadCM3 e com outros GCMs cujos dados mensais
estão disponíveis através do Centro de Distribuição de Dados do IPCC.
Modelos de Circulação Global e Cenários de Emissões
Para simular cenários de mudança climática à escala global utilizam-se modelos numéricos de
circulação global acoplados (atmosfera-oceano). Estes modelos são elaborados a partir de sistemas de
equações diferenciais que representam processos físicos na atmosfera e nos oceanos, tendo em conta
interacções com os sub-sistemas climáticos da litosfera, biosfera e criosfera. As equações são
discretizadas no espaço e no tempo, em redes que cobrem todo o globo, com resoluções horizontais da
24
ordem de centenas de km, e são integradas com passos de tempo de cerca de 30 minutos. Os processos
físicos de escala menor do que o espaçamento das malhas têm que ser parametrizados.
Os principais centros meteorológicos internacionais possuem GCMs que correm com o objectivo de
estudar a mudança climática, fazendo simulações para várias dezenas, centenas e por vezes milhares
de anos. Estas simulações excepcionalmente longas podem ser feitas porque as resoluções espacial e
temporal são menores do que no caso dos modelos de previsão sinóptica. Os melhores GCMs são
actualmente capazes de reproduzir satisfatoriamente os padrões de larga escala das distribuições
sazonais de temperatura e pressão, bem como as tendências observadas à escala global do clima
passado. Por exemplo, o modelo do Hadley Centre HadCM3 é capaz de reproduzir, de forma
aproximada, as tendências da temperatura média global observadas desde 1860.
A concentração atmosférica de CO2 aumentou de 280 ppmv para cerca de 375 ppmv, desde 1750 até ao
fim do séc. XX. Outros gases atmosféricos causadores do efeito de estufa têm igualmente aumentado
significativamente nos últimos anos. Este rápido incremento, e a incerteza na sua evolução futura,
motivaram o IPCC a conceber um conjunto de cenários de emissões, tendo como base pressupostos
demográficos, económicos, tecnológicos e sociais. Estes cenários, designados por SRES (Special Report
on Emission Scenarios), têm sido muito utilizados como forçamento de diversos GCMs, para obter
cenários climáticos para o séc. XXI. Estes podem por sua vez ser utilizados como dados de entrada para
estudos de impactos sectoriais, tal como foi o caso dos Projectos SIAM para Portugal continental.
Existem quatro famílias de cenários SRES, A1, A2, B1, B2, sendo a família A1 subdividida em três
grupos, A1FI, A1T e A1B. As concentrações de CO2 nos diversos cenários SRES são apresentadas na
Figura 21. Para o fim do século XXI, as concentrações projectadas variam entre 540 ppm (B1) e 970
ppm (A1FI), o que corresponde a aumentos entre 90% e 250% em relação aos valores de 1750. No
forçamento dos GCMs, desde 1860 até 1990 são usadas as concentrações de gases com efeito de estufa
e aerossóis observadas neste período, incluindo os efeitos das emissões humanas e vulcânicas e as
variações observadas na radiação solar.
1000
A1B
A1T
A1FI
A2
B1
B2
Concentração CO2 (ppmv)
21
900
800
700
600
500
400
300
2000
2020
2040
2060
2080
2100
Cenários SRES da concentração de CO2 (A1B, A1T, A1FI, A2, B1 e B2).
Existem sempre incertezas associadas aos cenários climáticos. Estas incertezas resultam quer se
considerem vários cenários de emissões de gases com efeito de estufa, quer devido a diferenças nas
formulações dos diversos GCMs. Acresce que alguns processos parametrizados são particularmente
difíceis de representar e que a resolução espacial dos modelos não é suficiente para que a orografia, as
linhas de costa, e os próprios sistemas meteorológicos, sejam representados com grande detalhe.
25
Cenários Climáticos de Controlo
Modelo HadCM3 (clima global)
O modelo HadCM3 usado no presente estudo tem uma resolução horizontal de 3,75º de longitude por
2,5º de longitude. Através do projecto LINK foram disponibilizados dados diários do HadCM3 para os
cenários A2 e B2 entre 1960 e 2099. A Madeira não é representada na orografia do HadCM3, devido à
sua pequena extensão. O elemento de malha do HadCM3 mais próximo da Madeira está centrado à
longitude de 15,0ºW e à latitude de 32,5ºN e é um ponto de mar no Oceano Atlântico, por isso a
temperatura mínima e máxima diárias do HadCM3 na zona da Madeira são muito próximas. Também, a
simulação de controlo do HadCM3 tem em geral menores valores de precipitação que as observações
nas Ilhas, em particular na Madeira.
Modelo CIELO (regionalização do clima)
Procedeu-se depois à regionalização do cenário de controlo do HadCM3 (1961-1990) para a região
estudada. No caso da ilha da Madeira, todas as cartografias climáticas são fortemente dependentes do
esquema de interpolação espacial e do modo como esse esquema incorpora o efeito orográfico. Um
estudo feito para a ilha Terceira dos Açores mostra que é possível realizar uma regionalização do clima
observado a partir de um modelo termodinâmico, produzindo resultados que são comparáveis aos
produzidos por interpolação multivariada nos pontos de observação mas apresentam a vantagem de
serem termodinamicamente consistentes. Desenvolveu-se e calibrou-se pois uma versão desse modelo,
designado por CIELO, recentemente adaptada no âmbito do Projecto SIAM II, para produzir uma
cartografia climática da ilha da Madeira, em alta resolução espacial, e dedicada à temperatura e
precipitação, o par de parâmetros meteorológicos mais importante nos estudos sectoriais. Foi utilizada
uma orografia com 100 m de resolução, suavizada. O modelo CIELO foi corrido em duas versões mensal e diária - para obter os cenários climáticos de controlo e futuros. O Relatório final contém
abundante documentação sobre este trabalho.
Precipitação
A precipitação acumulada no período 1961-1990 regionalizada pelo CIELO é apresentada nas Figuras 22
e 23. A regionalização do controlo do HadCM3 tem uma faixa costeira mais larga com precipitação
inferior a 400 mm do que indicam as observações, e valores anuais em média 12% inferiores aos
observados, à excepção da zona do Paúl da Serra. O Relatório final descreve detalhadamente a
calibração e validação do modelo CIELO. Em geral pode dizer-se que o resultado da regionalização da
precipitação de controlo do HadCM3 é satisfatório, tendo em conta as dificuldades envolvidas no
processo.
22
Precipitação acumulada anual no período de controlo regionalizada pelo CIELO forçado pelo HadCM3.
26
23
Inverno
Primavera
Verão
Outono
Precipitação sazonal (em mm) no período de controlo regionalizada pelo CIELO forçado pelo HadCM3.
Temperatura
Na Figura 24 encontra-se representado os campos regionalizado da temperatura média anual da
simulação de controlo. Obtêm-se temperaturas médias um pouco mais elevadas junto à costa Sul que
nas observações, no entanto a representação da temperatura média é muito satisfatória em quase toda
a ilha. Contudo a regionalização não é tão boa para a temperatura mínima de Inverno e máxima de
Verão.
24
Temperatura média no período de controlo, regionalizada pelo CIELO forçado pelo HadCM3.
Cenários Climáticos Futuros
A regionalização de cenários futuros do HadCM3 para a região da Madeira é efectuada para os dois
períodos contíguos do séc. XXI antes mencionados. Normalmente, os estudos de mudança climática
tendem a focar-se nas últimas décadas do séc. XXI, o que torna por vezes distante no tempo aos olhos
dos agentes políticos, económicos e sociais, o potencial impacto dessas alterações. Por outro lado, a
intensidade dos impactos pode não aumentar regularmente com o tempo; e até em consequência disto,
as próprias adaptações podem passar, ou ter de passar, de passivas a activas a partir de certos
limiares. Por isso se escolheu um primeiro período intermédio no séc. XXI (2040-69), e um segundo
período (2070-99) que é então o período habitualmente abordado em estudos de mudança climática e
que em alguns cenários de emissões corresponde à duplicação da concentração actual de CO2. As
anomalias de temperatura e precipitação são calculadas subtraíndo a cada um dos campos em cada
período futuro o seu valor médio no período de referência (1961-1990).
27
Modelo HadCM3 (célula da zona da Madeira)
A evolução da precipitação anual nos cenários B2 e A2 do HadCM3 na região da Madeira é apresentada
na Figura 25. Foi aplicada uma média móvel de 10 anos por forma a suavizar a variabilidade inter-anual
natural característica do sistema climático mas que não está relacionada com a mudança climática.
Observa-se um decréscimo de precipitação ao longo do séc. XXI. No cenário B2 a tendência é
de -7 mm/década entre 1990 e 2099, enquanto no cenário A2, com maiores emissões, a tendência é de
-9 mm/década. Existem diferenças importantes entre os dois cenários no que se refere à variabilidade
interanual.
No período 2040-2069, a precipitação mensal em ambos os cenários decresce entre 10% e 50% nos
meses de Inverno, Primavera e Outono e aumenta até 60% nos meses de Verão, com excepção de Março
no cenário B2 e Dezembro no cenário A2 que apresentam um ligeiro aumento da precipitação. Sendo os
meses de Novembro a Março os mais chuvosos, a perda de precipitação nesses meses é mais
significativa do que o ganho projectado para os meses de Verão (JJA). No cômputo anual, no período
2040-2069 o cenário B2 perde 40 mm (18%) em relação ao controlo e o cenário A2 54 mm (24%).
No período 2070-2099, intensificam-se as perdas de precipitação nos meses de Outono, Inverno e
Primavera (até 60%) e também os ganhos no Verão (até cerca de 80%). As perdas de precipitação em
relação ao controlo são muito semelhantes nos dois cenários (cerca de -33% ou –75 mm).
Cenário HadCM3 Controlo (1961-1990) + B2a
25
Cenário HadCM3 A2a
450
precipitação anual
precipitação anual (com suavização de 10 anos)
400
precipitação acumulada (mm)
precipitação acumulada (mm)
450
350
300
250
200
150
100
precipitação anual
precipitação anual (com suavização de 10 anos)
400
350
300
250
200
150
100
(a)
50
1960
(b)
1980
2000
2020
2040
2060
2080
50
1960
2100
1980
2000
2020
2040
2060
2080
2100
Precipitação acumulada anual no ponto de grelha do HadCM3 mais próximo da Madeira.
A evolução da temperatura média diária e anual nos dois cenários do HadCM3 e no controlo está
representada na Figura 26. Ambos os cenários denotam uma clara tendência para a subida da
temperatura média na região da Madeira. A tendência no cenário B2 (1990-2099) é de +0,16ºC/década,
e no cenário A2 de +0,27ºC/década.
Cenário HadCM3 Controlo (1961-1990) + B2a
28
26
26
Cenário HadCM3 A2a
28
Temp média diária
Temp. média anual
Temp média anual (com suavização de 10 anos)
26
24
22
Tmed (ºC)
Tmed (ºC)
24
20
22
20
18
18
16
16
14
1960
Temp média diária
Temp. média anual
Temp média anual (com suavização de 10 anos)
14
(a)
1980
2000
2020
2040
2060
2080
2100
1960
(b)
1980
2000
2020
2040
2060
2080
2100
Temperatura média diária e anual no ponto de grelha do HadCM3 mais próximo da Madeira.
28
No período 2040-2069 as temperaturas médias mensais variam entre +0,7ºC e +1,4ºC, com os meses de
Janeiro a Junho a registarem as maiores subidas. A anomalia anual da temperatura média é de +1,1ºC
no cenário B2 e +1,2ºC em A2. No período 2070-2099 a diferença de temperatura entre os dois cenários
é mais acentuada. As maiores subidas de temperatura ocorrem nos meses de Janeiro a Julho. No
cenário B2 as subidas mensais são entre +1,4ºC e +1,8ºC, e entre +2,0ºC e +2,7ºC no cenário A2. A
anomalia anual da temperatura média neste período é de +1,5ºC no cenário B2 e +2,4ºC em A2.
Modelo CIELO (regionalização de temperatura e precipitação para a Madeira)
Nesta secção apresentam-se anomalias entre os cenários de controlo e futuros do HadCM3 tal como
regionalizados para a Madeira pelo modelo CIELO.
Precipitação
A Figura 27 apresenta a anomalia da precipitação anual relativamente à precipitação de controlo para
os dois períodos futuros considerados e para os dois cenários de emissões B2 e A2.
27
Anomalia da precipitação anual para os períodos 2040-2069 e 2070-2099 e para os cenários B2 e A2.
Qualquer dos cenários prevê uma perda de precipitação por toda a ilha. No período 2040-2069 a
redução de precipitação é já entre -5% e -30%, e para o fim do século alcança entre –20% e –40%. Não
existem diferenças muito significativas entre os cenários B2 e A2. Verifica-se que as regiões mais altas
da ilha são as que perdem mais precipitação. Em 2040-2069 são simuladas perdas de precipitação até
600 mm no Paúl da Serra, e no período 2070-2099 essas perdas atingem os 1000 mm.
Analisando a situação em termos sazonais (ver Figura 28), verifica-se que grande parte da perda de
precipitação anual na Madeira deve-se à diminuição projectada para o Inverno. Para o período 20402069 essas perdas são maiores no cenário B2 (entre –15% e –40%) do que em A2 (entre –10% e -30%),
situação que vai abrangendo regiões mais vastas da ilha à medida que o tempo prossegue.
28
Inverno
29
Primavera
Verão
Outono
Variações da precipitação sazonal em percentagem da precipitação de controlo, 2070-99 (em mm).
A Primavera sofre uma quebra acentuada de precipitação. No período 2040-2069 há perdas de
precipitação entre 0% e -20% no cenário B2 e entre –5% e –35% no cenário A2; no período 2070-2099, há
uma diminuição entre –30% e –50% no cenário B2 e entre –35% e –65% no cenário A2. No Verão o
aumento da precipitação é percentualmente muito elevado, sendo o cenário A2 o que tem maiores
ganhos (até 100%). Mas este aumento relativo é afinal pequeno em termos absolutos. O Outono volta a
ser uma estação com diminuição da precipitação, com variações percentuais um pouco inferiores às
previstas para a Primavera, e com uma menor diferença entre o primeiro e segundo período futuros. De
novo o cenário A2 volta a ser o que apresenta as maiores anomalias, que podem ir até aos –40% em
2040-2069 e –60% em 2070-2099.
Temperatura
A nível regional a temperatura média anual na Madeira aumenta nos dois cenários considerados e nos
dois períodos em estudo, mas mais no cenário A2 - entre 2,2ºC e 3,2ºC que em B2 - entre 1,4ºC e 2,2ºC
(ver Figura 29). A encosta Sul da ilha é a que apresenta maiores subidas.
29
30
Anomalia da temperatura média anual no final do século XXI para os cenários B2 e A2.
A temperatura mínima de Inverno (Figura 30) aumenta entre 1,2ºC e 2,1ºC no cenário B2 e entre 0,7 e
1,2ºC no cenário A2, em 2040-2069. No final do século as anomalias são entre 1,4ºC e 2,2ºC no cenário
B2, e entre 2,5ºC e 3,2ºC no cenário A2. As maiores subidas da temperatura mínima situam-se no
interior da ilha.
30
Anomalia da temperatura mínima de Inverno no final do século XXI para os cenários B2 e A2.
A temperatura máxima de Verão (Figura 31) aumenta no período 2040-2069 entre 1,0ºC e 2,1ºC no
cenário B2, e entre 0,6ºC e 1,3ºC no cenário A2. No período 2070-2099 os aumentos são entre 1,6ºC e
2,4ºC no cenário B2 e entre 2,2ºC e 3,2ºC no cenário A2. Nesta estação do ano a temperatura máxima
tende a subir mais nas regiões do Sul da ilha.
31
Anomalia da temperatura máxima de Verão no final do século XXI para os cenários B2 e A2.
Outros Modelos de Circulação Global
Os cenários climáticos de temperatura e precipitação do HadCM3 foram comparados com cenários de
outros GCMs corridos com os mesmos cenários SRES A2 e B2 e ainda, no caso de um dos GCMs
adicionais, com os cenários A1 e B1.
Todos os modelos em todos os cenários de emissões projectam um aumento gradual da temperatura ao
longo do século XXI (ver Figura 32). Em 2069 a gama de variação é 0,5 a 2,4ºC, alargando para 1,4 a
3,7ºC no final do século. Em geral os cenários de emissões A1 e A2 resultam em aumentos maiores de
temperatura que os cenários B1 e B2. Os resultados do modelo HadCM3 usado neste estudo são
intermédios em relação aos outros cenários climáticos.
31
4
CGCM2_A2
CGCM2_B2
CSIRO_A1
CSIRO_A2
CSIRO_B1
CSIRO_B2
ECHAM4_A2
ECHAM4_B2
GFDL_A2
GFDL_B2
HADCM3_A2
HADCM3_B2
NCAR-CSM_A2
NCAR-PCM_A2
NCAR-PCM_B2
32
Anomalia Temperatura (ºC)
3
2
1
0
1960
1980
2000
2020
2040
2060
2080
2100
Anomalia da temperatura média anual no ponto de grelha mais próximo da Madeira
para o modelo HadCM3 e para outros GCMs corridos com os cenários SRES.
Quanto à precipitação, a variação da precipitação anual relativamente ao período de controlo
(anomalia) para os diversos GCMs é apresentada na Figura 33. Em meados do século XXI as variações
cenarizadas situam-se entre –24% e +16%. Seis das simulações propõem um aumento da precipitação
contra uma maioria de nove que projectam uma perda. No final do século a anomalia de precipitação
varia entre –35% e +19%, sendo que neste caso o número de GCMs que projectam um ganho desce para
quatro, enquanto onze projectam uma perda. O HadCM3 está entre os modelos que projectam uma
maior perda de precipitação.
20
33
Anomalia Precipitação (%)
10
0
-10
HadCM3 B2
-20
2040-2069
2070-2099
-30
HadCM3 A2
NCARPCM_B2
NCARPCM_A2
HADCM3_B2
NCARCSM_A2
GFDL_B2
HADCM3_A2
GFDL_A2
ECHAM4_B2
CSIRO_B1
ECHAM4_A2
CSIRO_B2
CSIRO_A2
CSIRO_A1
CGCM2_B2
CGCM2_A2
-40
Anomalia percentual da precipitação anual no ponto de grelha mais próximo da Madeira
para o modelo HadCM3 e para outros GCMs corridos com os cenários SRES.
Ajustes e Complementos aos Cenários para Uso nos Estudos Sectoriais
Temperatura e precipitação são os parâmetros mais importantes para estudos de impactos e
adaptações sectoriais, contudo para abordar certos assuntos é essencial conhecer também outros
parâmetros como a radiação solar, a humidade relativa, a nebulosidade e o vento. Nesses casos, na
melhoria da representação da amplitude térmica, e na obtenção de valores horários a partir de valores
diários, foram utilizadas metodologias específicas, provenientes de outros estudos e projectos de
investigação, ou desenvolvidas durante este mesmo estudo, que podem ser consultadas no Relatório
final mas não são analisadas aqui por limitações de espaço.
32
Não existem dúvidas de que a temperatura média na RAM subirá em qualquer
dos cenários – provavelmente a uma taxa inferior à esperada para Portugal
Continental, em virtude do carácter marcadamente marítimo do clima da RAM.
No que se refere à evolução da precipitação existe bastante mais incerteza. A
maioria dos modelos considerados, incluindo o modelo do Hadley Centre que
esteve na base do essencial deste estudo, projectam reduções significativas de
precipitação no período de Outono, Inverno e Primavera, só marginalmente
compensadas por incrementos no Verão. As perdas integradas no final do século
XXI são da ordem de um terço da precipitação anual actual. O modelo de
regionalização da precipitação sugere que as maiores perdas absolutas de
precipitação ocorrerão nas terras altas, onde contudo a precipitação é e
continuará a ser muito mais abundante; mas em termos relativos as perdas de
precipitação poderão ser similares nas várias zonas da ilha.
Quanto a outros parâmetros meteorológicos, as alterações encontradas foram
pequenas, embora pertinentes para alguns impactos sectoriais.
Equipa e Autores no Relatório Final – regionalização do clima com o modelo CIELO
António Tomé
Universidade da Beira Interior e Instituto D. Luiz - CGUL
Maria Antónia Valente
Instituto D. Luiz - CGUL
Pedro M. A. Miranda
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e Instituto D. Luiz - CGUL
Eduardo Brito de Azevedo
Universidade dos Açores
Fátima Coelho
Instituto de Meteorologia
Equipa e Autores no Relatório Final – cenários climáticos futuros
Pedro M. A. Miranda
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e Instituto D. Luiz - CGUL
Maria Antónia Valente
Instituto D. Luiz - CGUL
António Tomé
Universidade da Beira Interior e Instituto D. Luiz - CGUL
Eduardo Brito de Azevedo
Universidade dos Açores
Ricardo Trigo
Universidade Lusófona e Instituto D. Luiz – CGUL
Ricardo Aguiar
Instituto D. Luiz – SIM
Agradecimentos
Instituto de Meteorologia (cedência de dados meteorológicos).
Instituto de Gestão da Água – Madeira (dados mensais de precipitação).
Centro Europeu de Previsão do Tempo a Médio Prazo (dados de reanálise para regionalização do vento).
Projecto CLITOP (climatologia ao nível de Concelho, Anos Meteorológicos Representativos).
Data Distribution Centre do IPCC (outros dados mensais de modelos globais)
Hadley Centre for Climate Prediction and Research - Projecto LINK / David Viner (dados do modelo HadCM3).
33
Recursos Hídricos
As indicações obtidas mostram uma tendência clara de redução da disponibilidade
de água à escala anual na ilha da Madeira. As projecções apontam para uma
redução significativa do volume de água disponível anualmente para a recarga e
para o escoamento superficial de cerca de 30% até 2050 e 40% a 50% até ao final
do século. A recarga e o escoamento superficial em si acompanham esta tendência
de redução.
A redução da recarga deverá conduzir a um rebaixamento dos níveis freáticos no
aquífero vulcânico de base que se estima possa atingir, até ao final do século, por
exemplo 2 m na bacia dos Socorridos e 25 m na ribeira de Machico. Prevê-se
também uma redução dos caudais de descarga dos aquíferos para as ribeiras.
É também expectável que se mantenha a tendência actual de aumento dos valores
de concentração de cloretos da água subterrânea observado em algumas bacias,
motivado pelo rebaixamento dos níveis freáticos e pelo eventual aumento da
extracção de água nas captações no período de Verão por redução das
disponibilidades hídricas de outras origens. A esperada elevação do nível do mar
poderá também potenciar este aumento do risco de intrusão salina.
Neste quadro, a capacidade das actuais infra-estruturas de satisfazerem as
necessidades de água deverá ficar substancialmente diminuída. E este cenário de
preocupação pode ser agravado se em paralelo houver um aumento das
necessidades de água - em particular para regas.
Quanto ao risco de cheias, espera-se uma ligeira atenuação dos valores elevados de
precipitação. Porém esta diminuição não é evidente no máximo anual diário, donde
não é possível identificar uma tendência clara para o risco de cheias.
O sector dos recursos hídricos constitui provavelmente o mais importante domínio para a avaliação dos
impactos das alterações climáticas, pois condicionam, directa ou indirectamente, uma multiplicidade
de aspectos da vida natural, bem como da humanidade e da sua actividade económica e social. Em
regiões insulares os impactos das alterações climáticas no regime de ocorrência e de disponibilidade
dos recursos hídricos podem constituir um problema extremamente grave se se concretizarem numa
redução significativa das disponibilidades de água com a qualidade adequada aos vários usos, num
incremento das necessidades de água ou num aumento importante do risco de cheia ou do risco de
perda de solo. A água, espaço e o solo são recursos escassos numa ilha que muito dificilmente podem
ser importados de outras regiões.
Os impactos das alterações climáticas sobre os recursos hídricos resultam directamente das alterações
climáticas ou, indirectamente, quando induzidos por modificações do sistema económico-social
resultantes das alterações climáticas. Fazem-se sentir não só sobre a oferta e qualidade das águas
superficiais e subterrâneas, mas também sobre a procura dos recursos hídricos e sobre o risco de
ocorrência de situações extremas, designadamente cheias e secas.
34
Optou-se por focar o estudo na Ilha da Madeira porque é onde a maior parte da população reside e
onde os impactos das alterações climáticas serão mais sentidos. No Porto Santo, o abastecimento de
água é quase exclusivamente assegurado por uma central de dessalinização, cuja operação não deverá
ser significativamente afectada pelas alterações climáticas.
A avaliação dos impactos das alterações climáticas sobre os recursos hídricos da Madeira é um
problema difícil, não só pela interdisciplinaridade, ramificações e interdependências variadas do
problema, mas também pela complexidade dos fluxos hidrológicos que ocorrem da ilha e que ainda não
foram identificados e quantificados com rigor. Os resultados apresentados, necessariamente
preliminares, procuram caracterizar os impactos das alterações climáticas na disponibilidade da água
em resultado de alterações do ciclo hidrológico e da posição da interface água doce – água salgada.
Balanço Hidrológico
A ilha da Madeira, com o seu relevo imponente e os seus vales encaixados, apresenta uma importante
variabilidade espacial da precipitação, avaliada com dificuldade pela rede climatológica existente. Em
consequência, estudos sucessivos têm apresentado diversas estimativas da precipitação anual média. O
Plano Regional da Água da Madeira (PRAM) apresenta uma carta de precipitação anual média sobre a
Madeira com um valor médio de 1628 mm e valores extremos de 600 mm, junto ao Aeroporto, e de
2850 mm, nos pontos mais elevados da ilha. Nas cartas usadas no âmbito deste estudo a precipitação
varia entre menos de 400 mm nas zonas costeiras a mais de 3000 mm nas zonas altas.
Em paralelo com a avaliação dos valores médios da precipitação, é particularmente importante analisar
a variabilidade interanual e sazonal, que condiciona a capacidade de satisfazer as necessidades de
água nos períodos mais secos. A variabilidade interanual da precipitação anual na ilha da Madeira é
inferior à de Portugal Continental. No que respeita à variação sazonal, o PRAM estima que cerca de 80%
da precipitação ocorre no semestre húmido que decorre de Outubro a Março (ver Quadro I).
I
Variação sazonal média do regime de precipitação em ano médio (mm)
Sul-Este
Out
142
Nov
208
Dez
194
Jan
202
Fev
169
Mar
154
Abr
104
Mai
50
Jun
25
Jul
9
Ago
15
Set
64
Ano
1335
Sul-Oeste
168
216
212
219
184
169
112
64
32
10
16
73
1475
Sul-Total
153
211
202
209
175
160
107
56
28
9
15
67
1393
Norte
199
271
250
249
212
192
131
76
44
20
31
96
1768
Madeira
1628
Fonte: PRAM
Para além da precipitação, constituem origens de água a captação natural pela vegetação da água
existente em massas de ar em movimento (nuvens ou nevoeiros) e a condensação do vapor de água
durante a noite (orvalho). Embora de difícil quantificação rigorosa, estes fenómenos, designados por
precipitação horizontal e por precipitação oculta, podem ter uma contribuição importante para as
disponibilidades de água da ilha da Madeira. Os estudos experimentais realizados na Bica da Cana e no
Chão das Feiteiras apontam para valores surpreendentes, mas consistentes com estudos semelhantes
realizados noutros locais do globo, da capacidade de captação de água pela vegetação. A quantidade
de água captada entre os 1200 m e os 1600 m pela urze, que tem uma presença significativa na encosta
norte da ilha, é 3 a 4 vezes superior à registada nos udómetros. No que concerne às perdas de água
para a atmosfera, estima-se que a evapotranspiração real anual média da Madeira exceda os 650 mm
(ver Quadro II).
II
Variação sazonal média do regime de evapotranspiração potencial em ano médio (mm)
35
Out
Nov
Dez
Jan
Fev
Mar
Abr
Mai
Jun
Jul
Ago
Set
Ano
Funchal
86
63
53
53
61
85
102
111
110
125
121
104
1072
Norte 50m
80
63
50
59
67
96
108
133
135
149
143
120
1212
Norte 500m
81
54
43
50
58
84
93
115
117
133
127
105
1059
Fonte: PRAM
No que respeita à componente terrestre do ciclo hidrológico esta é condicionada pela estrutura
geológica da ilha, constituída, quase na totalidade, por rochas vulcânicas básicas. As formações
sedimentares são constituídas por aluviões que ocorrem nas plataformas litorais, terraços fluviais,
fajãs, etc. Do ponto de vista estratigráfico ocorrem as seguintes sete unidades: complexo vulcânico
antigo, que inclui as rochas de idade mais antiga; calcários marinhos de Lameiros-S.Vicente de
reduzida dimensão; depósito conglomerático brechóide proveniente da alteração dos basaltos;
complexo vulcânico principal, que ocupa a maioria da parte emergente da ilha; vulcanitos jovens; e
depósitos sedimentares recentes.
Na Figura 34 está representado o modelo hidrogeológico conceptual que contempla 3 tipos de
aquíferos: aquíferos suspensos; aquífero vulcânico generalizado; e aquíferos compartimentados.
34
Modelo hidrogeológico conceptual
Fonte: Prada, 2000
As principais zonas de recarga (ver Figura 35) estão situadas nas zonas mais altas da ilha onde
precipitação é mais elevada e onde o menor declive, associado a uma natureza basáltica porosa e/ou
muito fissuradas, favorece a infiltração e a circulação subterrânea. Estão nestas condições o planalto
do Paul da Serra e o seu prolongamento para o Fanal, assim como as áreas do Santo da Serra e área
entre o Chão dos Balcões/Poiso/João do Prado.
36
35
Hidrogeologia da Ilha da Madeira
Fonte: Simões Duarte, 1994
A recarga flui, predominantemente na vertical, em regime não saturado, ao longo dos alinhamentos
dos cones vulcânicos e de estruturas de fractura da crusta. O fluxo pode ser interrompido por estratos
horizontais pouco permeáveis, ou mesmo impermeáveis, que ocorrem em diversos níveis entre os
1000 m aos 1600 m, criando aquíferos suspensos. Estes aquíferos podem dar origem a nascentes,
quando apresentam uma pequena extensão, ou funcionar como aquitardos, quando são extensos e
espessos, que alimentam a pressão constante circuitos estabilizados, designadamente galerias, cujo
caudal não varia ao longo do ano hidrológico. A partir de uma certa profundidade o fluxo atinge a zona
saturada, constituída pelo aquífero vulcânico generalizado, e começa a divergir do centro para a
periferia da ilha. Este aquífero estende-se por toda a ilha e supõe-se que a sua cota piezométrica, sob
o maciço do Paúl da Serra, ultrapasse os 1000 m.
O aquífero vulcânico generalizado não apresenta uma superfície piezométrica contínua. A existência de
filões subverticais do tipo fissural, gerados pelo vulcanismo da ilha, cria barreiras que limitam
localmente o aquífero e dão origem a aquíferos compartimentados. Em consequência, o nível de
saturação geral da ilha tem uma natureza quebrada, com variações bruscas entre compartimentos
contíguos, podendo mesmo existir, abaixo do nível de saturação regional, compartimentos ou células
secas que não recebem recarga.
O balanço hídrico global da Ilha da Madeira é esquematizado na Figura 36, mas apresenta algumas
discrepâncias porque as várias parcelas foram estimadas por diferentes métodos e autores.
Precipitação Evapotranspiração real
1628 mm
658 mm
36
Extracções
(~970 mm)
Recarga
424 mm
Escoamento
superficial
582 mm
Esc. Sub-superficial
202 mm
Alimentação do
aquífero de base
Balanço hídrico global da Ilha da Madeira
Fonte: PRAM
37
O balanço apresentado mostra uma visão estática dos principais fluxos de água da componente
terrestre do ciclo hidrológico para os valores históricos da precipitação e da evapotranspiração
potencial. Não permite por isso estimar os impactos de outros cenários climáticos: é necessário adoptar
um modelo que relacione de forma dinâmica as principais variáveis em jogo.
A calibração de modelos hidrológicos apresenta no entanto grandes dificuldades na Madeira, não
apenas por lacunas de dados mas sobretudo devido à complexidade do sistema hidrogeológico e da
rede hidrográfica superficial, constituída por ribeiras naturais e levadas artificiais que apresentam um
elevado número de interligações. Uma parte do escoamento superficial gerado nas bacias é captada
pela rede de levadas antes de atingir a rede hidrográfica natural. Adicionalmente, são frequentes as
situações de atravessamento do leito das ribeiras por levadas onde o escoamento da ribeira é captado
e aduzido para uma levada. Nesses mesmos locais, ocorrem descargas para as ribeiras de água
proveniente de outras bacias, quando o caudal da levada é elevado e excede a sua capacidade de
transporte. Os valores de caudal medidos em ribeiras resultam, por isso, de um complexo processo de
transferências entre bacias que só pode ser modelado após uma análise de pormenor das condições
locais. Não obstante estas dificuldades, julga-se que os dados medidos nas estações hidrométricas das
bacias mostradas na Figura 37 puderam validar, ainda que de forma qualitativa, um modelo
matemático que descreve os processos de precipitação, evapotranspiração, infiltração e escoamento.
37
Bacias hidrográficas usadas no presente estudo
O modelo matemático usado é uma alteração ao modelo conhecido em Portugal por modelo de Temez,
um modelo conceptual na linha do clássico Standford Watershed Model. É um modelo agregado que
simula à escala mensal os processos hidrológicos que ocorrem numa bacia hidrográfica. Considera o
substrato geológico dividido numa zona superior, não saturada, e numa zona saturada, situada abaixo
da superfície piezométrica. Cada uma destas zonas é representada por um reservatório que recebe e
transfere água de e para a sua envolvente. O modelo calcula as entradas e saídas de água destes
reservatórios, garantindo a conservação da massa (ver Figura 38).
38
38
Modelo hidrológico usado no presente estudo
O modelo foi aplicado às bacias hidrográficas de levadas com estações hidrométricas, adoptando um
conjunto único de parâmetros com valores da ordem de grandeza dos obtidos na calibração. Tratandose de uma validação, os valores dos parâmetros foram seleccionados a priori, não tendo sido sujeitos a
um processo de calibração. Na maioria dos casos, os resultados do modelo são consistentes com os
valores de escoamento observado, donde a convicção de que, para os objectivos propostos (identificar
tendências de evolução e não quantificar detalhadamente grandezas absolutas), o modelo simula de
forma adequada os processos hidrológicos da ilha da Madeira.
Cenários Climáticos
A Figura 39 e Quadro III apresentam a anomalia média anual da precipitação e da temperatura
projectada para nove pontos distribuídos pela ilha da Madeira resultante dos cenários climáticos
considerados neste estudo. Até meados do século XXI a precipitação anual média deverá diminuir entre
20% a 40% enquanto a temperatura média deverá subir entre 1,0 a 1,5 ºC. Em termos absolutos, a
redução da precipitação média anual pode atingir os 700 mm nas zonas de cota mais elevada e situarse entre os 100 e os 200 mm junto à costa. As projecções até ao final do século são mais díspares e
dependem do cenário de emissões, mas apontam para a continuação do aumento da temperatura e
para a redução da precipitação.
III
Areeiro
Bica da
Cana
Funchal
Lugar
Baixo
Ponta
Delgada
Sanatório
Santa
Catarina
Santana
Santo da
Serra
3118
3360
527
289
248
889
315
495
1732
A2
2086
2369
302
174
164
549
216
362
1241
B2
2058
2304
357
194
176
582
200
360
1173
Cenário
Presente
2070-99
Redução da precipitação anual média (mm)
39
3.5
39
2.5
2.0
1.5
1.0
0.5
Variação de temperatura (ºC)
3.0
A2 2040-69
B2 2040-69
A2 2060-99
B2 2060-99
0.0
-80
-60
-40
-20
0
Variação da precipitação (%)
Cenários climáticos para 9 locais da ilha da Madeira (anomalia média anual)
A redução da precipitação anual média é resultante de uma redução da precipitação nos meses de
Outono, Inverno e Primavera, só parcialmente compensada por um incremento da precipitação no
Verão. Até ao final do século XXI, a redução da precipitação nas estações do Outono, Inverno e
Primavera pode atingir os 60%, 40% e 40%, respectivamente. O aumento da precipitação no Verão pode
atingir os 60% ou os 80%, dependendo do cenário de emissões, mas como a precipitação no Verão é
bastante reduzida, tal aumento traduz-se, é claro, num incremento absoluto diminuto.
Com base nestes cenários climáticos é possível simular o ciclo hidrológico para a situação de controlo e
para os vários cenários climáticos futuros. Comparando a situação de controlo com os resultados de
cada um destes cenários futuros é possível estimar o impacto das alterações climáticas, tendo
particular interesse as estimativas da variação dos regimes de recarga e de escoamento.
Disponibilidades de Água
O modelo hidrológico descrito foi utilizado para simular a hidrologia de nove bacias representativas, no
contexto dos vários cenários climáticos. A diminuição da precipitação e o aumento da
evapotranspiração potenciam uma diminuição muito significativa da disponibilidade de água da ilha da
Madeira. Esta tendência de redução ocorre em todas as estações, com excepção do Verão. Estima-se
assim que o volume de água disponível anualmente para a recarga e para o escoamento superficial
poderá diminuir 30%, em termos médios, até 2050 e entre 40 e 50% até 2100 (ver Figura 40).
A2 2040-69
B2 2040-69
A2 2070-99
B2 2070-99
10
0
-10
-20
-30
-40
-50
-60
Variação do excedente, X (%)
40
-70
-80
-90
Variação anual da disponibilidade de água com as alterações climáticas na Madeira.
Existe no entanto uma variabilidade espacial muito significativa em torno destes valores médios. Os
locais onde é expectável uma maior redução da disponibilidade de água são Lugar de Baixo, Funchal e
40
Santa Catarina. Em contraste, as áreas do Areeiro, Bica da Cana, e Ponta Delgada apresentam ainda
reduções, mas abaixo da média.
Existe também uma variabilidade sazonal: a variação anual é resultado de uma diminuição das
disponibilidades de água em todas as estações do ano com excepção do Verão, onde se prevê um
ligeiro aumento. A Figura 41 mostra que, até ao final do século XXI, a redução da disponibilidade de
água no Outono deverá atingir os 60%, prevendo-se ainda uma redução de 40% no Inverno e na
Primavera. O aumento estimado para o Verão varia significativamente com os vários cenários, e de
qualquer forma será pequeno em termos absolutos. Uma vez mais existe uma variabilidade espacial
muito significativa em torno destes valores médios.
A2 2040-69
B2 2070-99
41
B2 2040-69
40
30
20
30
20
-10
-20
-30
-40
-50
-60
-70
10
0
-10
-20
-30
-40
-50
-60
-70
-80
-90
-80
-90
-100
-100
MAM
B2 2040-69
A2 2070-99
B2 2070-99
40
10
0
A2 2040-69
DJF
A2 2070-99
JJA
A2 2040-69
B2 2070-99
B2 2040-69
A2 2070-99
B2 2070-99
900
140
800
100
80
60
40
20
0
-20
-40
-60
Variação do excedente, X (%)
120
700
600
500
400
300
200
100
0
-80
-100
-100
-200
Variação do excedente, X (%)
A2 2070-99
Variação do excedente, X (%)
B2 2040-69
Variação do excedente, X (%)
SON
A2 2040-69
Variação sazonal da disponibilidade de água com as alterações climáticas na Madeira.
A recarga e o escoamento superficial acompanham a tendência de redução do volume de água
disponível, ver Figuras 42 e 43.
41
SON
A2 2040-69
B2 2040-69
A2 2070-99
DJF
A2 2040-69
B2 2070-99
B2 2040-69
A2 2070-99
B2 2070-99
0
30
20
-10
0
-10
-20
-30
-40
-50
-60
-70
Variação da recarga (%)
10
-20
-30
-40
-50
-60
-80
Variação da recarga (%)
42
-70
-90
-100
-80
A2 2070-99
JJA
B2 2070-99
A2 2040-69
B2 2040-69
A2 2070-99
B2 2070-99
140
900
120
800
100
700
80
60
40
20
0
-20
-40
Variação da recarga (%)
B2 2040-69
Variação da recarga (%)
MAM
A2 2040-69
600
500
400
300
200
100
-60
0
-80
-100
-100
-200
Variação sazonal da recarga com as alterações climáticas na Madeira.
43
A2 2040-69
B2 2070-99
60
40
40
0
-20
-40
-60
MAM
B2 2040-69
A2 2070-99
DJF
A2 2070-99
60
20
A2 2040-69
B2 2040-69
20
0
-20
-40
-60
-80
-80
-100
-100
Variação do escoamento (%)
B2 2070-99
JJA
B2 2070-99
A2 2040-69
B2 2040-69
A2 2070-99
B2 2070-99
10
10
0
0
-10
-20
-30
-40
-50
-10
-20
-30
-40
-50
-60
-60
-70
-70
Variação do escoamento (%)
SON
A2 2070-99
Variação do escoamento (%)
B2 2040-69
Variação do escoamento (%)
A2 2040-69
Variação sazonal do escoamento com as alterações climáticas na Madeira.
42
Piezometria
Na Madeira, a captação de água subterrânea processa-se através de perfurações horizontais (galerias
ou túneis) ou de perfurações verticais (furos ou poços). As galerias e os túneis situam-se a cotas entre
os 500 m e os 1000 m e apresentam extensões que variam entre os 500 m e os 5 km. São construídos
nas formações mais transmissivas e a cotas mais elevadas, para captarem os recursos que se escoam
verticalmente, por gravidade, no maciço central da ilha. Estas infra-estruturas estão integradas na
rede de levadas. Os furos são construídos nas zonas localizadas nos leitos das ribeiras para permitir
atingir, com perfurações não muito extensas, as reservas disponíveis no aquífero de base. A sua
proximidade ao mar poderá vir a originar problemas de contaminação de intrusão salina em áreas onde
possa ocorrer sobre-exploração do aquífero. A Figura 44 mostra a localização das principais captações
(galerias, túneis e furos) efectuadas na ilha da Madeira.
44
Localização das principais captações na ilha da Madeira.
A grande maioria dos caudais específicos é elevada (superiores a 10 l/s/m), correspondendo a
formações do Complexo Principal. Os caudais captados nos furos destinados ao abastecimento público
assumem valores elevados, totalizando cerca de 1 m³/s.
Para analisar a hidrodinâmica subterrânea foram seleccionadas as bacias da ribeira dos Socorridos e da
ribeira do Machico. Utilizou-se o modelo ASMWIN para simular o escoamento subterrâneo nas unidades
aquíferas captadas pelo grupo de seis furos da ribeira dos Socorridos e de cinco furos da ribeira do
Machico. Optou-se por simular, em regime permanente, uma situação natural sem bombagens. Na
Figura 45 representam-se os mapas de piezometria obtidos.
43
45
44
Mapas isopiezométricos calculados nos aquíferos das ribeiras dos Socorridos (esquerda) e do Machico (direita).
Uma vez calibrados nas duas unidades aquíferas, os modelos permitem prever o impacto nos níveis
piezométricos resultante da esperada diminuição da recarga. Para a bacia da ribeira dos Socorridos, os
resultados são de uma redução da recarga entre os 30% até 2050 (cenário B2) e de 58% até 2100
(cenário A2). Para a bacia da ribeira do Machico, as estimativas são de uma redução da recarga até
2050 de 34% (cenário A2) e de 57% até 2100 (cenário B2). Em consequência desta diminuição da
recarga, os rebaixamentos piezométricos (ver Quadro IV) poderão variar entre os 0,6 m no furo JK5
(2040-69, B2) e os 3,4 m no furo JK1 (2070-99, A2) na ribeira dos Socorridos.
IV
Rebaixamentos produzidos nas captações resultantes da redução de recarga (m)
Ribeira dos Socorridos
2070-99
Cenário
JK1
JK2
JK3
JK4
JK5
JK16
A2
3.4
3.3
3.1
2.6
1.2
1.7
JK25
1.7
B2
2.4
2.3
2.2
1.8
0.9
1.2
1.2
Ribeira do Machico
2070-99
Cenário
JK6
JK7
JK8
JK12
JK13
A2
11.2
18.8
30.9
22.0
27.3
B2
16.0
26.7
44.1
31.3
38.8
Na ribeira do Machico, os rebaixamentos piezométricos poderão ser mais acentuados, e atingir valores
entre os 9,5 m, no furo JK6 (A2 2040-69), e os 44 m, no furo JK8 (B2).
Qualidade da Água Subterrânea
No complexo principal cerca de 70% das águas subterrâneas são frias, com excepção daquelas que
circulam nas formações vulcânicas alteradas do complexo antigo, que são mais quentes (tipo
ortotermal). A distribuição espacial da condutividade revela um aumento da mineralização das águas
45
em profundidade e proximidade do mar. De entre os catiões principais, destaca-se o sódio como o mais
representativo, seguido do cálcio, do magnésio e do potássio. No caso dos aniões, o bicarbonato é o
mais importante, seguido do cloreto e do sulfato.
Os dados existentes (ver Figura 46) mostram que existe uma tendência significativa de aumento no teor
dos cloretos em alguns furos situados junto à costa: estão neste caso o furo 1 da Ribeira Nova e o furo
JK17 da Ribeira da Boaventura. Verifica-se o mesmo fenómeno, com maior ou menor intensidade, nas
captações da Ribeira dos Socorridos, designadamente no furo JK1, mais afastado do mar, e nos furos
JK5 e JK16, localizados junto à costa. Este aumento de salinidade pode estar relacionado com a
intrusão marinha induzida pelas explorações significativas de água subterrânea que ocorrem no período
de Verão, aspecto este que é bem visível no padrão de sazonalidade observado, em que os picos
coincidem como o período do Verão, altura em que há lugar a um incremento dos caudais de
exploração das captações. Já na Ribeira do Machico a contaminação salina não é observada.
Uma
redução
de
pluviosidade
irá
provocar
uma
diminuição
dos
níveis
piezométricos
e
consequentemente uma redução das disponibilidades hídricas subterrâneas nos aquíferos. Tal cenário
poderá conduzir a um aumento dos caudais de exploração, principalmente no Verão, o que provocará
um aumento do teor dos cloretos na água captada para abastecimento público, em particular nas
captações situadas na ribeira dos Socorridos. Essa contaminação salina poderá ainda ser potenciada
pelo aumento previsível de 50 cm do nível médio da água do mar até ao final do século XXI, que poderá
conduzir a uma redução da ordem de 20 m da espessura da lente de água doce na zona de interface
junto à costa.
Furo 1 da Ribeira do Porto Novo
Furo 1 da Ribeira de Boaventura (JK17)
200
120
180
46
110
Cloreto (mg/l)
Cloreto (mg/l)
160
100
90
140
120
100
80
80
60
70
40
Jan/02 Jul/02 Jan/03 Jul/03 Jan/04 Jul/04 Jan/05 Jul/05 Jan/06 Jul/06
Oct/01
Furo 3 da Ribeira dos Socorridos (JK1)
Oct/02
Oct/03
Oct/04
Oct/05
Furo 3 da Ribeira de Machico (JK12)
45
63
60
57
40
50
Cloreto (mg/l)
Cloreto (mg/l)
53
47
44
41
38
35
30
35
32
25
29
26
23
20
Aug/01 Feb/02Aug/02 Feb/03Aug/03 Feb/04Aug/04 Feb/05Aug/05 Feb/06
20
Aug/01 Feb/02Aug/02 Feb/03Aug/03 Feb/04Aug/04 Feb/05Aug/05 Feb/06Aug/06
Evolução temporal dos cloretos em vários furos.
46
Necessidades de Água
O conceito de densidade hídrica é inspirado no conceito de densidade populacional e constitui um
indicador simples do stress hídrico de uma região ou país que ignora aspectos importantes como a
variabilidade temporal e espacial da disponibilidade de água.
De acordo com o PRAM, as disponibilidades de água da ilha da Madeira correspondem a uma densidade
hídrica de 420 hab/hm3/ano. Embora este valor não contabilize a contribuição eventualmente
significativa da precipitação oculta ou horizontal, vem no entanto revelar a fragilidade da ideia que a
Madeira é muito rica em água. A densidade hídrica na ilha da Madeira é superior à de Portugal
Continental (150 hab/hm3/ano) e da mesma ordem de grandeza da de Espanha (400 hab/hm3/ano).
As necessidades de água da Ilha da Madeira atingem os 104 hm3/ano, se excluirmos as necessidades
para produção de energia, e os 197 hm3/ano de as contabilizarmos. Estes valores correspondem,
respectivamente, a 140 mm e a 199 mm (ver Quadro V).
V
Necessidades de água na Ilha da Madeira.
Necessidades
(hm3/ano)
(%)
Abastecimento urbano
Industria
Agricultura
Pecuária
Produção de energia
52,2
0,6
50,6
0,2
93,0
50%
1%
49%
-
TOTAL
196,6
-
Consumo
(hm3/ano)
Perdas
(hm3/ano)
Retorno
(hm3/ano)
19,2
0,6
27,8
0,04
80,6
29,8
0,02
n.a.
n.a.
n.a.
13,2
0,5
22,8
0,2
n.a.
Fonte: PRAM
A comparação do valor das necessidades com as disponibilidades potenciais de água, estimadas pelo
PRAM em cerca de 800 mm, revela uma vez mais uma situação de algum stress hídrico, uma vez que
nem todo este potencial pode ser explorado e porque a variabilidade interanual e sazonal das
disponibilidades de água, em conjunto com a variabilidade sazonal das necessidades de água, pode
conduzir a situações de incapacidade de satisfação das necessidades de água nos meses do Verão dos
anos mais secos.
Esta situação agrava-se de forma muito significativa sob os cenários deste estudo. Até 2100, o volume
de água disponível poderá diminuir 50%, contribuindo decisivamente para um aumento da
probabilidade de ocorrência de situações de escassez de água. O único aspecto atenuador deste
cenário extremamente preocupante é a tendência, patente nos resultados apresentados, para a
manutenção, ou ligeiro aumento, das disponibilidades de água no Verão.
Em simultâneo com a diminuição da disponibilidade de água, as alterações climáticas poderão conduzir
a variações da procura de água, como se evidencia de seguida.
Abastecimento urbano
O abastecimento urbano da população (240 000 habitantes residentes) e da indústria e serviços ligados
à rede pública é responsável por cerca de 50% das necessidades de água da ilha da Madeira, se
excluirmos as necessidades para produção de energia. O valor de 52,2 hm3/ano inclui as necessidades
associadas ao turismo que são estimadas em 6,7 hm3/ano.
A perda de água no abastecimento urbano é estimada em cerca de 62%, resultante de 30% de consumos
não facturados e 32% de fugas. O volume de água perdido é assim 29,8 hm3/ano e o volume
efectivamente consumido 19,2 hm3/ano. A taxa de perdas é superior à média nacional, estimada pelo
47
Plano Nacional para o Uso Eficiente da Água em 42%, e bastante superior à meta proposta para 2011,
que é de 20%.
Os impactos directos das alterações climáticas na necessidade de água para abastecimento urbano não
deverão ser significativos, apesar de ser expectável um aumento do consumo de água para a rega de
jardins e para o enchimento de piscinas, devido à redução da precipitação e ao aumento da evaporação
e da evapotranspiração. Os impactos indirectos resultantes de uma alteração da evolução demográfica
e/ou da captação de turistas poderão no entanto ser mais importantes.
Rega e Pecuária
A rega é responsável por cerca de 50% do valor global das necessidades. De acordo com o PRAM, a
superfície agrícola utilizada na ilha é da ordem dos 5220 ha, sendo a superfície irrigada 4710 ha. As
principais culturas irrigadas são a banana, a batata e a batata-doce, sendo a dotação média útil
4337 m3/ha. A banana é a cultura mais exigente, com cerca de 5 430 m3/ha por ano, seguindo-se a
batata-doce com cerca de 4 000 m3/ha por ano e a batata com cerca de 3 600 m3/ha por ano.
A perda de água na satisfação das necessidades de rega e abastecimento pecuário é estimada em 45%,
um valor próximo da média nacional de 42%. O PNUEA propõe como meta para 2001 o valor de 34%.
Os impactos das alterações climáticas na procura de água para a agrícultura podem ser
particularmente significativos em consequência das projecções de diminuição da precipitação, de
intensificação da evapotranspiração e de diminuição da humidade do solo. Em simultâneo com estes
impactos directos, um conjunto de impactos indirectos pode potenciar ou contrariar esta tendência de
aumento, designadamente a alteração da área irrigada e a adopção de culturas que melhor se adaptem
à nova realidade climática.
Indústria
A necessidade de água da indústria abastecida por origens próprias ou por redes dos parques industriais
é estimada em 0,6 hm³/ano. Este sector não apresenta motivos de preocupação dado o seu peso
reduzido no conjunto dos usos de água na ilha da Madeira. Note-se, no entanto, que as alterações
climáticas podem contribuir para um aumento da procura de água de certas utilizações industriais,
como é o caso dos sistemas de arrefecimento hidráulico.
Produção de energia
A produção de energia eléctrica na Madeira em 2001 foi 610 GWh/ano, dos quais 15% foram produzidos
pelas centrais hidroeléctricas. O volume de água turbinada nas centrais hidroeléctricas foi de
93 hm³/ano; as necessidades de arrefecimento das centrais térmicas são baixas. A água captada a
cotas altas e aduzida às centrais hidroeléctricas é, em grande parte, utilizada para outros fins, após a
sua passagem pelas turbinas. A maioria dos sistemas existentes aproveita a diferença entre a cota de
captação, próxima dos 1000 m, e as cotas das zonas agrícolas e dos aglomerados populacionais, abaixo
dos 600 m, para produzir energia antes de fornecer água para irrigação e abastecimento à população.
Existem também dois sistemas com centrais em série em que a água é utilizada duas vezes para
produzir energia.
Dadas as estimativas de disponibilidade de água antes obtidas, depreende-se que a redução da
disponibilidade de água só poderá vir a afectar a capacidade hidroeléctrica nos sistemas em que
actualmente a capacidade de captação, adução e produção não seja o factor limitativo da produção.
48
Risco de Cheias
Na Ilha da Madeira, o clima tropical, propício à ocorrência de chuvadas muito intensas, aliado às
características das bacias hidrográficas, de pequena dimensão, muito declivosas e com as cabeceiras a
altitudes elevadas, proporcionam condições para a ocorrência de situações de cheia que se
caracterizam pelo rápido aumento do caudal e por velocidades de escoamento elevadas. Com
capacidade de transportar blocos de grandes dimensões, o potencial de destruição das águas é muito
significativo. As cheias de 1803 no Funchal, que provocaram 600 mortos, e, mais recentemente as de
Novembro 1993, também no Funchal, foram os últimos exemplos deste tipo de situações.
Os locais de maior risco situam-se junto à foz das grandes ribeiras que, com os seus vales mais abertos
de declives mais suaves, clima mais ameno e com boas condições de acesso por via marítima,
ofereceram condições propícias à instalação de povoações. Em resultado, os maiores aglomerados
urbanos da ilha, como o Funchal, a Ribeira Brava, a Ponta do Sol, São Vicente, Machico e Santa Cruz
encontram-se nestas áreas; as zonas industriais da ribeira dos Socorridos e do Porto Novo são outros
exemplos de locais com risco de cheia.
A ocorrência de situações de cheia resulta de um processo complexo, condicionado por diversos
factores, de que se destaca o regime de precipitação, mas que abrange factores locais como as
características fisiográficas da bacia, as características físicas e geométricas do canal fluvial. Na
impossibilidade de estudar em pormenor todos estes factores, houve que focar a análise no regime de
precipitação, em particular na ocorrência de pluviosidade intensa: apesar de não terem sido simuladas
as condições de escoamento, os regimes de precipitação estão fortemente correlacionados com os de
escoamento. A avaliação do impacto das alterações climáticas sobre a probabilidade de fenómenos de
precipitação intensa foi baseada na comparação das curvas de duração da precipitação para diversos
cenários climáticos, que representam o número médio de dias com precipitação acima de
determinados valores. Um aumento do número médio de dias com valores de precipitação intensa é um
indicador de um aumento do risco de cheia, muito embora as situações graves de cheia resultem de
fenómenos extremos que não ocorrem todos os anos.
Infelizmente, os dados dos modelos climáticos não permitem avaliar a variação interanual do regime de
precipitação e estimar os valores associados a períodos de retorno elevados. Acresce que a reduzida
dimensão das bacias hidrográficas da Madeira implica que as situações de cheia mais críticas ocorrem
em resultado de períodos de precipitação intensa com durações de apenas algumas horas. Os modelos
climáticos actuais não dão indicações fiáveis para durações inferiores ao dia, mas pode assumir-se que
um aumento dos valores elevados de precipitação diária deverá corresponder também a um aumento
da precipitação para durações inferiores ao dia.
De acordo com o PRAM, a precipitação intensa na área da Ilha da Madeira, superior a 10 mm por dia,
ocorre anualmente em média, entre 65 dias e 77 dias nos locais mais elevados. Nos locais mais
abrigados da vertente Sul estas ocorrências de precipitação intensa rondam, em média, 20 dias,
observando-se o menor valor no Funchal. Analisando a Figura 47 verifica-se que, no cenário de
controlo, o número de dias com precipitação diária acima dos 10 mm varia entre 4 e 38, uma gama de
valores inferior à observada na rede meteorológica na Madeira: os modelos climáticos actuais
subestimam os valores elevados de precipitação.
49
Santa Catarina - Aeroporto
Funchal
45
120
40
Controlo
B2 2040-69
35
B2 2040-69
A2 2040-69
30
B2 2070-99
25
mm
80
A2 2070-99
60
A2 2040-69
B2 2070-99
mm
Controlo
100
A2 2070-99
20
15
40
10
20
5
0
0
1
6
11
47
16
nº dias
21
1
26
6
11
Sanatório
21
26
Areeiro
350
160
Controlo
140
Controlo
300
B2 2040-69
A2 2040-69
100
B2 2070-99
80
A2 2070-99
B2 2040-69
250
A2 2040-69
200
B2 2070-99
mm
120
mm
16
nº dias
A2 2070-99
150
60
100
40
50
20
0
0
1
6
11
16
nº dias
21
26
1
6
11
16
nº dias
21
26
Santo da Serra
L Baixo
200
35
Controlo
30
B2 2040-69
A2 2040-69
25
mm
B2 2070-99
20
A2 2070-99
180
Controlo
160
B2 2040-69
140
A2 2040-69
120
B2 2070-99
mm
40
100
A2 2070-99
80
15
60
10
40
5
20
0
0
1
6
11
16
nº dias
21
26
1
6
11
16
nº dias
21
26
Curvas de duração da precipitação diária os para diferentes cenários climáticos.
Apesar disso e da incerteza associada aos cenários do regime de precipitação, a comparação dos
valores extremos da precipitação decorrentes dos vários cenários climáticos poderia identificar uma
tendência para a evolução do número de dias com precipitação elevada. Parece haver uma ligeira
tendência de atenuação das precipitações extremas, em particular para os valores de precipitação que
ocorrem mais de dois ou três dias por ano. Mas é importante realçar que o valor máximo anual da
precipitação diária não varia significativamente entre a situação de controlo e os vários cenários
climáticos. Assim, não é possível concluir sobre a tendência do risco de cheia.
50
As alterações climáticas vêm colocar um sério desafio à gestão dos recursos hídricos
da RAM, introduzindo incertezas adicionais, mas sobretudo condicionantes de gestão
mais restritivas.
Impõe-se a adopção uma atitude pró-activa na gestão dos recursos hídricos,
baseada na racionalidade da utilização de um recurso que tende a tornar-se cada
vez mais escasso e no reforço da capacidade de adaptação dos sistemas hídricos.
É também fundamental aprofundar o conhecimento sobre a hidrologia e os
recursos hídricos da região, de modo a acompanhar a evolução projectada e
antecipar, com menor incerteza, os contornos e a dinâmica da nova realidade.
Equipa e Autores no Relatório Final
Rodrigo Proença de Oliveira
Chiron, S.A. e Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNL
Luís Ribeiro
Instituto Superior Técnico da UTL - CVRM
João Nascimento
Instituto Superior Técnico da UTL - CVRM
Sónia Amaro
Instituto Superior Técnico da UTL - CVRM
Agradecimentos
Investimentos e Gestão de Água / Engª Alexandra Perestrelo
Empresa de Electricidade da Madeira / Engº Guedes de Almeida
(cedência de dados)
51
Florestas
Os impactos directos das alterações climáticas na floresta natural e de produção
da Ilha da Madeira sugerem um aumento da produtividade potencial de ambos os
tipos, que se poderá traduzir numa expansão das áreas favoráveis a este tipo de
ocupação e também, embora com maior incerteza, ao aumento das taxas de
crescimento e, portanto, de produção de madeira. Considerando apenas os
impactos directos, o impacto global sobre a floresta Laurissilva deverá ser pouco
visível durante o século XXI, embora seja provável que sejam iniciados processos
de mudança na zonagem em altitude a mais longo prazo, isto é, a vários séculos.
O impacto no risco meteorológico de incêndio florestal é diminuto, não se
verificando alterações nas zonas de maior risco. Apesar de tudo há uma tendência
para o aumento do risco, pelo menos no período 2070-99.
Assim, as maiores ameaças para a floresta madeirense resultam de impactos
indirectos, que não é possível ainda quantificar, quer por falta de conhecimento
sobre os processos envolvidos (por exemplo alterações nas relações entre
diferentes organismos), quer por dependerem de factores imprevisíveis. Destacamse como exemplos a incidência de pragas e doenças (introduzidas ou já presentes
no território), a expansão de espécies invasoras (animais ou vegetais) e os efeitos
de fenómenos climáticos extremos.
Portanto, embora os impactos directos sejam genericamente positivos, os
impactos indirectos poderão contrariar e mesmo inverter esta tendência, e
resultar em alterações significativas da paisagem florestal.
A floresta da Madeira tem como características diferenciais a coexistência de uma flora endémica de
grande importância científica e de conservação, em que se destacam pela sua originalidade as plantas
lenhosas e uma vegetação introduzida com diversos objectivos, desde a produção local de madeira até
à protecção contra a erosão do solo. A floresta natural ocupa mais de 20% do território da ilha. A
Laurissilva, ocorre principalmente entre os 800 e os 1450 m de altitude (vertente exposta a Sul) e entre
os 300 e os 1400 m de altitude (vertente exposta a Norte). A altitude superior ocorrem urzais,
fortemente modificados pela actividade humana. A vegetação costeira de baixa altitude com arbustos,
herbáceas, plantas suculentas e restos de uma micro-floresta de clima árido está hoje quase
totalmente substituída por agricultura e espaços urbanos.
De acordo com o relatório técnico que recomendou a classificação da floresta Laurisilva da Madeira
como património mundial da UNESCO, “a Laurisilva da Madeira é a maior área de floresta de lauráceas
existente na actualidade, encontrando-se em muito bom estado de conservação, estimando-se que 90%
seja floresta primária. A floresta Laurisilva tem uma grande importância ecológica, desempenhando um
importante papel na manutenção do equilíbrio ecológica da Ilha.(...) A maior riqueza natural da
52
Laurisilva é a sua diversidade biológica. A Laurisilva da Madeira é não só maior, como biologicamente
diversa das outras florestas de lauráceas existentes.”
O primeiro impacto da presença humana na floresta da Madeira consistiu no abrupto desmatamento
pelo fogo. Durante a Idade Média instalou-se o cultivo da cana sacarina com o consequente uso de
lenha. Até ao século XIX a actividade florestal na Madeira consistiu sobretudo na utilização para
combustível (urze) e do corte das espécies de madeira nobre existentes para construção e mobiliário
(vinhático, til, cedro). O desmatamento e a perda da floresta nativa atingiram níveis alarmantes pelos
meados do séc. XIX, tendo levado a diversas deliberações e petições dos poderes locais. Entre os
inimigos da floresta, listam-se para além do machado, a pastorícia desregrada e o fogo. A partir dos
finais do séc. XIX, começaram a ser introduzidas espécies florestais exóticas, nomeadamente, pinheiro
bravo, criptoméria, pseudotsuga, castanheiros e carvalhos, mas também acácias e eucalipto.
É pois neste contexto de uma floresta nativa endémica e uma ilha com forte pressão humana que se
procurou estudar os impactos das alterações climáticas na floresta.
Risco Meteorológico de Incêndio Florestal
Dado o esperado aumento das condições de aridez em resultado das alterações climáticas
(nomeadamente o aumento da temperatura atmosférica e a redução da pluviosidade), seria de esperar
um aumento das condições propícias à deflagração de incêndios florestais. O risco meteorológico de
incêndio florestal, ou seja, a probabilidade de ocorrência e propagação de incêndios devida
exclusivamente a condições climáticas, é frequentemente utilizado como indicador no estudo do
impacto das alterações climáticas e na prevenção/combate em tempo real de incêndios florestais. Em
Portugal Continental tem sido utilizado o sistema canadiano FWI por ser o que melhor se adapta ao
nosso clima. Neste sistema o índice de risco meteorológico de incêndio é proporcional ao calor
libertado pela frente de chamas de um incêndio florestal e ao esforço de combate necessário para a
sua extinção. O índice de severidade diária DSR foi concebido posteriormente a partir do FWI e tem a
vantagem de permitir definir classes de risco de incêndio directamente proporcionais ao esforço de
combate necessário para a sua extinção. O DSR pode ainda ser transformado num índice médio, o
Índice de Severidade Sazonal (SSR), calculado para uma determinada época de interesse.
A cartografia do risco de incêndio florestal apresentada a seguir (ver Figura 48) foi construída a partir
do índice DSR calculado para os 153 dias correspondentes à “época de incêndios” considerada (Maio,
Junho, Julho, Agosto e Setembro), e foram calculados os SSR em 5 períodos de 30 anos (cenário de
referência 1960-99, e cenários A2 e B2, 2040-69 e 2070-99.
O impacto das alterações climáticas no risco meteorológico de incêndio é baixo. Não se verifica uma
alteração espacial significativa da zona com maior risco, que se restringe fundamentalmente à zona
litoral da costa Sul, até uma altitude de cerca de 600 - 700m, embora haja uma tendência para uma
pequena subida em altitude, devido ao aumento da temperatura. Entrando em conta com a ocupação
actual do solo nesta zona, verifica-se que o risco real de incêndio é bastante menor, dado que as
ocupações predominantes são a agricultura e os espaços urbanizados. Deste modo, o maior risco para
esta zona é certamente a possibilidade de aumento das áreas agrícolas abandonadas, que poderão
evoluir para formações vegetais de elevada combustibilidade.
53
48
Cenário de controlo (presente)
A2 2070-2099
A2 2040-2069
Índice de Severidade Sazonal do risco de incêndio.
A análise anterior apenas permite identificar a tendência média de evolução do risco de incêndio, dado
que o indicador utilizado (SSR) integra o risco diário de incêndio ao longo da chamada “época de
incêndios”. No entanto, a frequência de eventos extremos é também importante para a problemática
dos fogos florestais. A distribuição das frequências de dias consecutivos com risco extremo é
particularmente interessante, dado que o presente estudo apenas estima o risco meteorológico de
incêndio mas a probabilidade de ocorrência de incêndios aumenta significativamente com a duração
destes eventos. Analisou-se pois a frequência de dias com risco de incêndio extremo (DSR>30), ver
Figura 49.
2200
Controlo
A2 2040-2069
A2 2070-2099
2000
49
1800
Frequência
1600
1400
1200
1000
800
600
400
200
0
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
N.º dias seguidos com risco de incêndio extremo
Frequência de dias seguidos com risco de incêndio extremo.
Para o período 2040-69 é no cenário B2 que há uma maior frequência de dias com risco de incêndio
extremo, havendo um aumento significativo da frequência de períodos de 2 e 3 dias consecutivos de
risco extremo, enquanto no cenário A2 e nesse mesmo periodo verifica-se uma pequena redução destes
eventos em relação ao cenário de controlo. No entanto, no período 2070-99 há sempre um aumento do
número de dias consecutivos de risco extremo, em relação ao cenário de controlo.
54
Ocupação Potencial da Vegetação Florestal
A distribuição geográfica da vegetação natural potencial na ilha da Madeira usou os sub-índices da
classificação bioclimática de Rivas-Martinez, para identificar os que melhor explicam a distribuição
espacial das espécies da vegetação natural: o índice ombrotérmico e o índice de termicidade. Do
cruzamento da cartografia destes índices calculados no cenário de controlo com a cartografia de
ocupação do solo, obteve-se o intervalo de valores mais favorável a cada espécie e daí as áreas de
ocupação para as mesmas espécies no futuro. Contudo a área de prados naturais não pôde ser assim
determinada, pois o intervalo de valores obtido nos índices é demasiado abrangente.
Uma das principais limitações destes estudos é que a distribuição actual dos tipos de vegetação não
representa a ocupação máxima possível: isto é, a ausência, hoje em dia, de um determinado tipo de
vegetação numa zona, pode não se dever a factores climáticos mas a limitações edáficas, a opções
económicas ou a exclusão natural por via da competição. Deste modo, os resultados apresentados são
apenas indicativos das tendências sob cada cenário climático, principalmente no que diz respeito às
zonas de menor altitude, pois são estas que sofrem uma maior perturbação pela ocupação humana.
A Figura 50 mostra a distribuição calculada da floresta exótica para todos os cenários climáticos. No
período de 2040 a 2069 verifica-se uma expansão da área potencial em altitude em ambos os cenários
(A2 e B2), em resultado do aumento de temperatura. No período seguinte esta tendência acentua-se,
em particular no cenário A2, que apresenta um maior aumento da temperatura. Estes aumentos são
acompanhados de reduções na área potencial nas cotas inferiores, mas a incerteza aqui é maior,
devido às razões já apresentadas e também à dificuldade na simulação da precipitação.
50
Presente (cenário de controlo)
A2 2040-2069
A2 2070-2099
Distribuição geográfica potencial e ocupação da floresta exótica.
A zonagem para a floresta Laurissilva está apresentada na Figura 51. A área potencial calculada
reflecte a área com condições climáticas semelhantes às zonas onde existe de facto Laurissilva, que se
encontra confinada à vertente Norte da Ilha. No período de 2040 a 2069 verifica-se já uma expansão
acentuada da área potencial para as cotas mais elevadas, acompanhada por uma contracção, também
acentuada, nas cotas inferiores. Esta contracção também tem associada bastante incerteza, pelas
razões já apresentadas. No final do século, a expansão em altitude atinge já as cotas mais altas da
55
ilha, enquanto que se verifica uma acentuada contracção nas cotas inferiores. Reflectindo condições
mais áridas no cenário A2, neste período a área potencial é inferior à do cenário B2.
51
Presente (cenário de controlo)
A2 2040-2069
A2 2070-2099
Distribuição geográfica potencial e ocupação da Laurissilva.
Para os urzais de Erica spp. (Figura 52) a evolução é semelhante aos tipos de vegetação anterior:
verifica-se uma expansão para cotas mais elevadas e uma contracção nas cotas inferiores, embora as
áreas se reduzam de forma acentuada devido a estes matos predominarem nas zonas de maior altitude,
restando pouco espaço a cotas mais elevadas. Mais uma vez se chama a atenção para a maior incerteza
associada à contracção nas cotas mais baixas.
52
Cenário de controlo (presente)
A2 2040-2069
A2 2070-2099
Distribuição geográfica potencial e ocupação dos urzais.
56
Produtividade Primária Potencial
Impactos Directos
A floresta na Ilha da Madeira é constituída fundamentalmente por formações naturais ou semi-naturais
de espécies da Laurissilva e por formações artificiais de espécies exóticas. Recorreu-se a um modelo de
base fisiológica, Biome-BGC, aliás muito usado em numerosos estudos à escala global e regional de
impactos de alterações climáticas, para estimar a produtividade primária potencial da floresta na
Madeira. Cada bioma é caracterizado por um conjunto de parâmetros ecofisiológicos que definem a
resposta das plantas aos factores ambientais. Dada a escassez de dados ecofisiológicos sobre as
espécies características da Laurissilva, utilizou-se a definição padrão de “floresta tropical e subtropical
de folha perene”. Para as espécies exóticas, que são na sua maioria resinosas (pinheiro bravo,
criptoméria, pseudotsuga, cipreste do Buçaco,...) utilizou-se as características ecofisiológicas do
pinheiro bravo, adaptadas.
Os resultados (ver Figura 53) apontam para uma tendência geral de aumento da produtividade primária
potencial para todas as zonas de altitude superior a 600-700 m. Note-se para as zona de menor altitude
a precipitação relativamente fraca produzida pelo modelo CIELO não permite retirar conclusões
sólidas, mas de qualquer forma estas são também as zonas onde se concentra a ocupação humana
(agricultura e espaços urbanos), e portanto menos relevantes no que diz respeito à vegetação natural.
No período 2040-2069 verifica-se um aumento da produtividade potencial da Laurissilva, de maior
expressão na vertente Sul que na Norte. Esta tendência mantém-se no período 2070-2099, mas aqui o
maior aumento de temperatura do cenário A2 proporciona um maior aumento da produtividade.
53
Cenário de controlo (presente)
A2 2040-2069
A2 2040-2699
Produtividade primária líquida da Laurissilva.
A temperatura é também o factor mais importante no que diz respeito à zonagem em altitude das
espécies florestais, pelo que estes resultados indiciam alterações desta. No entanto, dada a grande
longevidade das espécies arbóreas dominantes, não é provável que se verifiquem alterações
significativas até ao fim do século. O processo de estabelecimento de andares de vegetação em
altitude é muito lento, e resulta principalmente das diferenças competitivas entre espécies em relação
57
com o clima. Ora, dado que as árvores já se encontram presentes e apesar de tudo não são previstas
alterações bruscas do clima, não é previsível que ocorram episódios de mortalidade motivados
exclusivamente pelo clima. É provável que os primeiros indícios de alterações a este nível se
verifiquem nas taxas de produção de propágulos, em consequência de alterações fenológicas – isto é,
nas épocas de floração e frutificação – e/ou de modificações ao nível dos insectos polinizadores, e nas
taxas de crescimento das plantas jovens, podendo alterar-se a vantagem competitiva entre espécies.
No que respeita à floresta de produção (ver Figura 54), a tendência é para aumento da produtividade sobretudo nas zonas menos produtivas actualmente; nas zonas de maior produtividade, eventuais
aumentos de produtividade estarão condicionados pela fertilidade dos solos. Dadas as limitações já
referidas da precipitação para as zonas de baixa altitude, não é possível quantificar qual a tendência
da produtividade, embora se possa esperar que nas zonas de baixa pluviosidade (inferior a 600 mm
anuais) a tendência seja para reduções da produtividade. Nas zonas de maior pluviosidade (superior a
600 mm) os impactos na produtividade estarão dependentes não só da precipitação anual como
também da sua distribuição intra-anual e da capacidade de retenção de água e disponibilidade de
nutrientes dos solos.
54
Cenário de controlo (presente)
A2 2040-2069
A2 2070-2099
Produtividade primária líquida da floresta exótica.
Impactos Indirectos
Para além dos impactos directos já analisados, são prováveis toda uma série de impactos indirectos que
não é possível quantificar nem prever, como, por exemplo, a incidência de pragas e doenças, naturais
ou introduzidas, ou a ocorrência de fenómenos climáticos extremos, como secas ou ondas de calor
prolongadas. É o caso da possível introdução de pragas ou doenças novas na região, cujo
desenvolvimento pode beneficiar das novas condições climáticas, ou da alteração da tolerância a
pragas e doenças já existentes devido à mudança do clima.
As invasões biológicas são hoje consideradas como parte das alterações globais e são melhor discutidas
sob o tema da biodiversidade. A sua incidência é, em larga medida imprevisível, nomeadamente numa
situação de alterações climáticas pois, apesar do grande número de introduções, a maior parte dos
organismos extingue-se, poucos se naturalizam e só uma fracção pequena destes se torna uma espécie
58
invasora. Porém, o carácter de invasora manifesta-se quando a planta introduzida afecta os processos
do ecossistema (ex. ciclo dos nutrientes, disponibilidades de alimentos para os herbívoros, etc.) e a
competição interespecífica. Por isso as invasões biológicas, mesmo que não se trate de organismos
patológicos ou pragas, podem conduzir à exclusão de espécies nativas, o que traria consequências
catastróficas dado o carácter único da vegetação madeirense.
Importa recordar que os cenários climáticos reflectem sobretudo tendências médias, sendo menos
fiáveis no que diz respeito a valores extremos. Todavia, uma floresta pode não responder de modo
visível durante períodos muito longos de alteração gradual no clima. Episódios singulares de seca (ou
incêndios), especialmente se acompanhados de calor intenso, podem alterar de modo irreversível as
fronteiras entre comunidades vegetais, enquanto nada de aparente acontece em longos intervalos de
tempo.
Há evidência para o aumento das condições de aridez na Ilha da Madeira, que contudo
são compensados por menores limitações da fotossíntese devido a baixas temperaturas.
Isto poderá mesmo permitir um aumento da produtividade primária, que se poderá
traduzir em aumentos da produção de lenho nos locais mais favoráveis, e poderá
também permitir a expansão em altitude das áreas com potencial de ocupação
florestal. Mas nas cotas inferiores, o acentuar da aridez poderá limitar a potencialidade
de ocupação florestal. Muito depende da dinâmica das populações das várias espécies
lenhosas, de que ainda se sabe pouco.
No que respeita ao risco de incêndio florestal, verifica-se que apenas se atinge o nível de
risco extremo na costa Sul, onde a ocupação actual do espaço é essencialmente agrícola
e social. No entanto, a tendência actual para o abandono das zonas agrícolas,
particularmente em zonas de elevado declive e difícil acesso poderá permitir a
acumulação de biomassa lenhosa e elevar o risco de incêndio, sendo necessário
assegurar um correcto ordenamento dos espaços rurais.
A floresta de produção poderá aumentar a produtividade, recomendando-se no
entanto uma maior aposta nas espécies autóctones produtores de madeira de
qualidade, devido aos maiores benefícios a longo prazo, não só em termos económicos
como também ecológicos e paisagísticos.
A Laurissilva poderá também beneficiar do aumento da temperatura, mas as lacunas
de conhecimento são importantes, sobretudo na área da ecofisiologia, conferindo
bastante incerteza em relação a este resultado. Dado o estatuto único deste tipo de
floresta, é necessário promover o conhecimento sobre o funcionamento deste
ecossistema na perspectiva do desenvolvimento de técnicas de restauro e conservação
desta floresta, imprescindíveis para a sua sustentabilidade no longo prazo.
Equipa e Autores no Relatório Final
Alexandre Vaz Correia
Instituto Superior de Agronomia
Maria Teresa Tavares
Instituto Superior de Agronomia
João Santos Pereira
Instituto Superior de Agronomia
Agradecimentos
Secretaria Regional do Ambiente e Recursos Naturais da Madeira (cartografia e informação de base).
59
Agricultura
Os resultados dos estudos de impacto das alterações climáticas na Ilha da Madeira
para as culturas agrícolas representativas seleccionadas - banana, vinha e batata –
indicam
uma tendência para impactos positivos, uma vez que o aumento da
temperatura possibilita a expansão da área agrícola em altitude, podendo
inclusivé proporcionar aumentos de produtividade no caso da banana e da
batata de Outono-Inverno. No caso da vinha há mais incerteza, mas a indicação é
para aumentos na graduação alcoólica, em particular nas zonas actualmente
limitadas pela baixa temperatura.
Contudo a diminuição da precipitação deverá levar a um aumento das
necessidades de rega no campo e reduzir a disponibilidade de água para
irrigação, sobretudo nas cotas inferiores.
As medidas de adaptação passam por relocalização das culturas mais
importantes do ponto de vista económico, ajustamento das datas das culturas
temporárias, selecção e melhoramento das variedades melhor adaptadas às
condições climáticas futuras, redução dos custos de exploração através do
emparcelamento rural e aumento do grau de mecanização, e aumento da
eficiência de rega pela conversão da rega por gravidade para rega sob pressão.
O sector agrícola tem um papel socio-económico importante na Ilha da Madeira, nomeadamente na
manutenção e conservação da paisagem humanizada característica da Região, e enquanto factor de
equilíbrio ecológico e social. A agricultura na Região desenvolve-se em condições físicas
particularmente adversas, que resultam principalmente da orografia e dos declives acentuados. Estas
condicionantes são responsáveis por uma superfície agrícola utilizável reduzida e por uma estrutura
fundiária extremamente fragmentada (ver Quadro VI), em que a descontinuidade territorial das folhas
de cultura é elevada, o que, aliado à orografia adversa, limita severamente as possibilidades de
mecanização. A produção assenta fundamentalmente nas pequenas explorações familiares, assumindo
ainda muito peso as actividades tradicionais, em que a mão de obra familiar representava em 1999,
96% do total e destinando-se grande parte da produção ao auto-consumo.
VI
Evolução da actividade agrícola na Região Autónoma da Madeira.
N.º de explorações
Superfície agrícola utilizada (ha)
Superfície agrícola irrigável (ha)
Dimensão média das explorações (ha)
Mão de obra familiar (n.º de indivíduos)
Mão de obra não familiar (n.º de indivíduos)
1989
23 157
7 012
6 105
0,30
82 721
1 329
1993
20 847
8 007
7 626
0,38
69 085
2 667
1995
18 416
7 360
6 811
0,40
60 051
3 012
1997
1999
16 833
14 526
7 315
5 645
6 918
4 750
0,43
0,39
55 105
44 456
2 771
1 805
Fonte: PRAM – Relatório Técnico
60
Este sector tem vindo a perder importância, quer em termos de superfície agrícola utilizável, quer
quanto ao seu peso relativo na economia regional (de 22% em 1977 para 2% em 1997). No entanto,
apesar das suas fragilidades estruturais, o sector agrícola apresenta já alguns sinais de recuperação.
Verifica-se um rejuvenescimento da classe empresarial agrícola; o abandono das zonas de maior
declive tem sido contrabalançado pelo surgimento de novas exploração com características mais
modernas; e há melhorias ao nível do mercado interno, tanto na procura como na redução dos custos
de comercialização.
As produções principais são a banana, vinhos, frutos tropicais e as culturas hortícolas, destacando-se
entre estas a batata. As áreas agrícolas concentram-se principalmente nas costas Sul e Este, pelas
condições climáticas mais favoráveis, nomeadamente temperatura mais elevada e menor frequência de
neblinas e nevoeiros. A maior parte das culturas são de regadio, devido à reduzida precipitação que
ocorre nas cotas mais baixas, principalmente durante a Primavera-Verão, e à disponibilidade hídrica
oriunda das cotas mais elevadas. Dadas as especifidades da agricultura madeirense optou-se por
estudar o impacto das alterações climáticas nas três culturas mais representativas: banana, vinha e
batata. Procurou-se caracterizar as alterações nas áreas potenciais para estas culturas, avaliar
alterações nas necessidades de rega, e apontar tendências da produtividade.
Cartografia da Ocupação do Solo
Os estudos desenvolvidos encontraram uma associação das culturas da banana e da vinha a zonas de
temperatura mais elevada e classes mais baixas de precipitação. Também se encontrou alguma
redundância entre temperatura, humidade relativa e precipitação, no que diz respeito à sua relação
com a distribuição das espécies. Esta redundância, e o facto de que praticamente toda a agricultura é
de regadio, reduzindo a importância da precipitação, levou a que se seleccionasse apenas a
temperatura para o modelo de distribuição geográfica das culturas. As condições climáticas óptimas
para cada cultura foram obtidas pelo cruzamento dos respectivos mapas de ocupação com os mapas
climatológicos (ver Quadro VII). As áreas potenciais de distribuição foram então calculadas para cada
cenário climático. Posteriormente foram eliminadas outras condicionantes não climáticas: declives
excessivos, limitações edáficas, a sobreposição com áreas protegidas e a exposição solar.
VII Intervalos de temperatura óptima para a vinha, banana e hortícolas.
Temperatura média anual
Temperatura média mínima de inverno
Temperatura média máxima de verão
Vinha
Banana
Hortícolas
> 15 ºC
> 14 ºC
< 28 ºC
> 17 ºC
> 16 ºC
> 20 ºC
> 13 ºC
> 12 ºC
< 28 ºC
Considerou-se como limite para a expansão de novas áreas agrícolas o declive de 20%, dadas as
limitações à mecanização das operações que o declive impõe, onerando os custos de exploração. Não
foram consideradas limitações ao nível do solo, dado a natureza antrópica da maioria dos solos
agrícolas e as limitações de escala da carta de solos disponível, optando-se apenas por excluir as
manchas de terreno acidentado e terreno rochoso. As áreas do Parque Natural foram também
excluídas, bem como as zonas de transição, considerando que a importância do Parque para a
economia da Madeira tenderá a aumentar no futuro, ao passo que o abandono da actividade agrícola
deverá manter-se, pelo menos no curto prazo. Foi ainda produzida uma carta de exposição solar que
permitiu delimitar as zonas com obstáculos físicos à radiação solar, como, por exemplo, os vales
encaixados. Esta carta foi cruzada com as cartas de ocupação de cada cultura, obtendo-se os limites
61
mínimos respectivos. Verificou-se que a vinha predomina em locais com mais de 3000 horas de sol
directo por ano, necessitando a banana e as culturas hortícolas de mais de 3200 horas.
Necessidades de Rega
Os cenários climáticos futuros apresentam uma tendência para a redução da precipitação anual, o que
aliado ao aumento da temperatura aumenta a evapotranspiração. Actualmente, as principais culturas
agrícolas da Madeira são irrigadas, dada a reduzida precipitação nas zonas de maior aptidão agrícola,
sendo portanto provável que as necessidades de água para irrigação aumentem. Para avaliar o impacto
na necessidade de água para irrigação recorreu-se ao modelo WIN ISAREG, que faz a simulação do
balanço de água no solo recorrendo a dados relativos às características da cultura, características do
solo, precipitação, temperatura, radiação, velocidade do vento, evapotranspiração e opções de rega.
As necessidades de rega anuais para cada um dos cenários climáticos foram calculadas para as culturas
da banana, da batata e da vinha às cotas de 120 m e 700 m na vertente Sul, de modo a capturar o
impacto nas necessidades de rega em duas situações distintas, respectivamente de dependência muito
elevada e de dependência moderada de rega (na cota dos 700 m a precipitação é já elevada, mas a
sazonalidade é grande, sendo a rega ainda necessária).
Banana
A bananeira é extremamente dependente de temperaturas elevadas: em nenhum dos centros de
produção importantes a nível mundial a temperatura desce abaixo dos 15ºC por períodos longos. O
óptimo de crescimento situa-se pelos 27 ºC e o máximo pelos 38 ºC. As variedades cultivadas na ilha da
Madeira encontram-se entre as mais tolerantes ao frio, dado que esta é já uma zona marginal para esta
cultura. É uma cultura sensível aos ventos fortes. Devido ao seu sistema radicular pouco profundo, a
cultura da banana é muito sensível ao défice hídrico, necessitando de precipitações da ordem dos 200220 mm por mês, pelo que em muitas áreas se usam regas complementares. Na Madeira as zonas de
temperaturas propícias à sua cultura têm em geral precipitações muito reduzidas, da ordem dos 500600 mm por ano, pelo que as necessidades de rega são substanciais.
A Figura 55 ilustra a distribuição actual da área de bananeira. O modelo usado reproduz bastante bem
a área actual, revelando não só a forte dependência da temperatura na distribuição desta cultura, mas
também a sua importância económica, que a leva a ocupar praticamente todas as áreas possíveis,
mesmo em situações de menor aptidão (de maior altitude, em particular).
55
Área actual de cultura da banana.
A Figura 56 mostra a expansão da área potencial. Sob o cenário A2 verifica-se uma grande expansão em
altitude, devido ao maior aumento de temperatura. A expansão para novas áreas estará também
dependente do abrigo dos ventos dominantes, natural ou construído, que não é possível estimar pela
presente abordagem.
62
56
Cenário de controlo (presente)
A2 2070 - 2099
A2 2040 - 2069
Distribuição geográfica potencial da cultura da banana
As necessidades de rega para a bananeira foram determinadas para as cotas de 120 e 700 m (Figura
57). Para o período de 2040-2069 verificam-se tendências opostas entre cenários na cota 120 m. Na
cota 700 m já não se verificam diferenças significativas entre cenários, com uma tendência de aumento
das necessidades de rega para ambos os cenários. Ao aproximar-se o final do século há sempre
aumento das necessidades de rega, embora mais sob o cenário A2.
Os resultados indicam pois um aumento da produtividade da cultura da banana, dado que a maior
limitação actual é a baixa temperatura. As zonas de produção actual poderão ver a sua produtividade
aumentar, como resultado directo de temperaturas mais favoráveis a esta cultura, desde que haja água
disponível para satisfazer a evapotranspiração. A expansão da área potencial em altitude é também
relacionável com aumentos de produtividade, embora condicionada pela exposição aos ventos.
57
irrigação
precipitação
(mm)
(mm)
1800.0
irrigação
precipitação
1600.0
2000.0
1800.0
1600.0
1400.0
1400.0
1200.0
1200.0
1000.0
1000.0
800.0
800.0
600.0
600.0
400.0
400.0
200.0
200.0
0.0
0.0
controlo
A2 2040-69
A2 2070-99
controlo
A2 (120m)
A2 2040-69
A2 2070-99
A2 (700 m)
Necessidades de rega para a cultura da banana.
O “efeito de fertilização” pelo aumento da concentração atmosférica de dióxido de carbono poderá
também contribuir para um aumento de produtividade, dado que não deverá haver deficiências de
nutrientes e também devido a um aumento da eficiência do uso de água, pela redução da condutância
estomática (o que poderá mitigar o aumento das necessidades de rega).
63
Vinha
A temperatura no Inverno não é crítica para a vinha (o limite aproximado situa-se pelos –20ºC), mas as
geadas após o abrolhamento podem causar danos severos, tanto nos rebentos como nas inflorescências.
Temperaturas da ordem dos 25-30ºC são geralmente óptimas para o crescimento vegetativo e do fruto.
A videira é sensível à elevada humidade atmosférica durante a época de crescimento, devido ao risco
de ataques por fungos. Com um sistema radicular extenso e profundo, apresenta capacidade de
produção mesmo em climas semi-áridos, embora quando a temperatura se situa acima do óptimo possa
beneficiar da irrigação. As condições óptimas para a cultura da vinha na Madeira encontram-se entre os
330 e 750 m na costa Sul, mas a cultura da vinha existe em toda a ilha, com reflexos na qualidade do
vinho produzido.
Na Madeira a vinha é tradicionalmente regada 6 vezes por ano, podendo mesmo atingir as 8-10 regas,
tanto na costa Sul como na Norte. Para a produção de vinhos de qualidade é recomendada a redução
destas regas ao mínimo indispensável: apenas no ano de plantação e em anos de seca, limitando-se ao
período de Julho-Agosto, antes do início da fase de maturação. Para o presente estudo optou-se por um
período de irrigação que vai desde o mês de Maio até à primeira quinzena de Agosto, mas considerando
apenas a uva de mesa ou vinho corrente. No caso dos vinhos generosos da Madeira ou dos vinhos de
qualidade a investigação escasseia.
A área actual de cultura da vinha (Figura 58) é francamente inferior à área potencial simulada.
58
Área actual de cultura da vinha
Verifica-se ainda assim (ver Figura 59) uma clara tendência para o aumento da potencialidade desta
cultura, traduzida sobretudo por expansão para cotas mais elevadas, que está no entanto condicionada
à frequência de ocorrência de nevoeiros e neblinas, em particular no período estival. À semelhança da
banana, é para o cenário A2 que se verifica um maior aumento da área potencial.
64
59
Cenário de controlo (presente)
A2 2040 – 2069
A2 2070 - 2099
Distribuição geográfica potencial da cultura da vinha.
As necessidades de rega da cultura da vinha para uva de mesa ou vinho corrente (Figura 60) no período
de 2040-69 mostram uma tendência de diminuição sob o cenário A2 e para um aumento ligeiro no
cenário B2, o que se deve à menor temperatura média do cenário A2 e à diminuição da radiação solar e
da velocidade do vento, neste período. No entanto, dado que a janela temporal para a irrigação é
menor (de Maio à primeira quinzena de Agosto), verifica-se ainda um período de stress hídrico, que não
permite a satisfação da evapotranspiração potencial. No período de 2070-99 a tendência é para um
aumento das necessidades de rega, maior para o cenário A2 e para a cota de 120 m.
A subida da temperatura poderá permitir um aumento da produtividade, sobretudo na graduação
alcoólica obtida do mosto, que dependerá no entanto da frequência de nevoeiros e neblinas, que não
foram abordadas neste estudo. O aumento da concentração atmosférica de dióxido de carbono poderá
contribuir para um aumento extra da produtividade, desde que a disponibilidade de nutrientes no solo
não seja limitante, e para um aumento da eficiência de uso de água, que poderá contribuir para uma
diminuição do stress hídrico no período estival.
irrigação
precipitação
irrigação
precipitação
450.0
(mm)
(mm)
60
400.0
2000.0
1800.0
1600.0
350.0
1400.0
300.0
1200.0
250.0
1000.0
200.0
800.0
150.0
600.0
100.0
400.0
50.0
200.0
0.0
0.0
controlo
A2 2040-69
A2 2070-99
controlo
A2 (120 m)
A2 2040-69
A2 2070-99
A2 (700 m)
Necessidades de rega para a cultura da vinha.
65
No que diz respeito à qualidade do vinho produzido, sugere-se que o impacto de um aumento de
temperatura da ordem de 2ºC dependerá sobretudo da condição actual das castas usadas em relação ao
clima: para regiões onde as castas produzem uva de alta qualidade perto nas margens do óptimo
climático, um aumento de temperatura desta ordem de grandeza poderá ultrapassar um limite a partir
do qual aumenta a dificuldade de manutenção das características qualitativas tradicionais, podendo
levar à necessidade de mudar as castas utilizadas; para outras regiões poderá haver até melhorias na
qualidade pretendida com as castas actuais. Este é portanto um aspecto que será importante investigar
nas castas tradicionais da Madeira, uma vez que não existe conhecimento sobre estes limites.
Batata
A batata é uma cultura típica de climas temperados frios, situando-se a temperatura óptima para o seu
desenvolvimento entre os 15 e 20 ºC para a maioria das cultivares. O crescimento dos tubérculos atinge
o óptimo para temperaturas do solo entre os 17 a 20 ºC, cessando geralmente a partir dos 32 ºC. São
sensíveis às geadas. Embora tolerem amplas gamas de precipitação, o défice hídrico limita fortemente
a produção de tubérculos, pelo que é frequente a prática da irrigação nos climas mais quentes.
A batata na Madeira é produzida sobretudo na época de Outono-Inverno e Primavera-Verão na costa
Sul, recorrendo-se neste último caso a variedades precoces, e predominantemente no período de
Primavera-Verão na costa Norte. A produtividade é maior nos períodos de Primavera-Verão, mas o
preço mais alto alcançado nas épocas precoces compensa a quebra de produção. Para a análise das
necessidade de rega considerou-se unicamente uma cultura de Primavera-Verão.
Para estudar os impactos sobre a cultura da batata foi utilizada a ocupação de culturas hortícolas como
referência, dado que a cartografia disponível não desagregava esta informação. Por este motivo, a
delimitação das zonas aptas para estas culturas é necessariamente muito abrangente, retirando
precisão aos resultados obtidos. A ocupação actual (Figura 61) é portanto muito menos extensa que a
sua representação no cenário de controlo (Figura 62). Nos cenários futuros verifica-se uma expansão da
área potencial para as zonas de menor altitude logo em 2040-69, abrangendo já áreas incluídas no
Parque Natural, que considerámos interditas para a agricultura. Esta tendência acentua-se para o final
do século.
61
Área actual de culturas hortícolas.
66
62
Cenário de controlo (presente)
A2 2040-69
A2 2070-99
Distribuição geográfica potencial das culturas hortícolas.
A tendência de evolução das necessidades de rega (Figura 63) é semelhante às obtidas para as outras
culturas estudadas, verificando-se uma redução das necessidades de rega para o cenário A2 no período
de 2040-2069, e um aumento no cenário B2 para a cota de 120 m. Na cota de 700 m as necessidades de
rega mantêm-se aproximadamente iguais no cenário A2, sofrendo um aumento semelhante à cota
inferior no cenário B2. No período de 2070-2099 as necessidades de rega no cenário A2 ultrapassam o
cenário B2. Tal como para as culturas anteriores, a amplitude dos impactos é maior para as cotas mais
baixas, em consequência da menor precipitação nesta zona.
63
irrigação
precipitação
(mm)
(mm)
700.0
irrigação
precipitação
600.0
2000.0
1800.0
1600.0
500.0
1400.0
400.0
1200.0
1000.0
300.0
800.0
600.0
200.0
400.0
100.0
200.0
0.0
0.0
controlo
A2 2040-69
A2 2070-99
A2 (120 m)
controlo
A2 2040-69
A2 2070-99
A2 (700m)
Necessidades de rega para a cultura da batata.
Também para a cultura da batata a produtividade poderá aumentar devido à subida da temperatura,
principalmente nas culturas de Outono-Inverno e de Primavera-Verão, no entanto poderão ocorrer
limitações no que respeita às necessidades de frio para a formação dos tubérculos. O “efeito de
fertilização” pelo aumento da concentração do dióxido de carbono poderá ser importante para esta
cultura, segundo os estudos existentes.
67
Os impactos directos avaliados são de um modo geral positivos ou susceptíveis de
serem minimizados através de medidas de adaptação.
O aumento de temperatura favorece as culturas subtropicais como a banana,
aumentando a área potencial de produção e provavelmente a produtividade. Este
resultado poderá ser comum a outras culturas tropicais, proporcionando mais
oportunidades de diversificação da produção agrícola regional.
A vinha poderá beneficiar de melhores condições vegetativas nas zonas de maior
altitude, mas dependendo da ocorrência de nevoeiros e neblinas, particularmente
durante o período estival. Seria no entanto importante investigar a relação das
condições edafo-climáticas com a qualidade do vinho produzido, aspecto em que
há um grande desconhecimento.
A cultura da batata poderá ser mais produtiva, em particular na época de OutonoInverno, em consequência do aumento da temperatura, e possivelmente do aumento
da concentração atmosférica do dióxido de carbono, desde que não haja limitações
hídricas ou nutricionais.
As necessidades de rega irão provavelmente aumentar, com realce para as zonas
costeiras da vertente Sul, onde se combina uma alta evapotranspiração potencial
com reduzida precipitação e com competição com usos urbanos, mas isto poderá ser
compensado por aumento na eficiência dos sistemas de rega: estima-se que seja
possível aumentar a eficiência dos cerca de 70% da rega por gravidade que predomina
para cerca de 90% com rega sob pressão.
Equipa e Autores no Relatório Final
Alexandre Vaz Correia
Instituto Superior de Agronomia
Maria Teresa Tavares
Instituto Superior de Agronomia
João Santos Pereira
Instituto Superior de Agronomia
68
Biodiversidade
As ilhas constituem santuários para a manutenção da biodiversidade mundial. O seu
isolamento favorece a evolução de plantas e animais únicos nas suas características e
na sua fragilidade, dando origem a endemismos. Por outro lado, a movimentação das
espécies é limitada, em particular em altitude. Assim, em geral as ilhas são mais
vulneráveis às alterações climáticas que as áreas continentais.
O nível actual de conhecimentos sobre espécies e ecossistemas só permite
fundamentar estimativas de impactos na Biodiversidade na Ilha da Madeira na análise
das alterações de habitats. As associações vegetais distribuem-se essencialmente de
acordo com a altitude e a temperatura, todavia também tendo em conta a orografia.
Constata-se que o aumento progressivo da temperatura, terá um impacte negativo
nos habitats de altitude. Há tendência para a redução da sua implantação às zonas
mais elevadas, num dos cenários mesmo para o seu desaparecimento no final do
século. Esta redução/desaparecimento poderá levar à extinção de espécies de
flora e de fauna associadas, como é o caso emblemático da Freira da Madeira.
Contudo, surge por reflexo um impacte positivo no habitat da Laurissilva: as
associações vegetais que o compõem terão tendência a estabelecer-se nas áreas
anteriormente ocupadas com vegetação de altitude. Esta alternância vegetativa será
feita muito gradualmente.
De acordo com a Convenção das Nações Unidas para a Diversidade Biológica, esta pode ser definida
como sendo “a variabilidade entre organismos vivos, de todos os tipos, incluindo inter alia, terrestre,
marinha e de outros sistemas aquáticos, e complexos ecológicos de que fazem parte, o que inclui
diversidade intra específica, inter específica e dos ecossistemas”. A um nível global a pressão humana,
pelas alterações dos usos do solo, poluição e degradação dos solos e da água, poluição do ar,
fragmentação dos habitats, exploração selectiva das espécies, introdução de espécies exóticas,
depleção da camada de ozono, entre outros, tem causado ao longo dos tempos e continuará a causar a
perda de biodiversidade.
Um dos exemplos mais flagrantes desta pressão são as alterações climáticas: em todo o planeta são já
evidentes os seus efeitos na biodiversidade, tendo vindo a ser descritas por inúmeros autores
nomeadamente no que respeita aos efeitos na fenologia das espécies. As alterações climáticas, em
particular o aumento das temperaturas regionais, afectam o padrão de reprodução dos animais e
plantas, o padrão das migrações, a distribuição das espécies e o tamanho das populações. Ecossistemas
costeiros, de altas latitudes e altitudes também já começaram a mostrar-se afectados.
Os efeitos directos das recentes alterações climáticas na biodiversidade são lentos e difíceis de
contabilizar mas trata-se de um processo global e praticamente irreversível. Além disso as alterações
climáticas vão potenciar outras fontes de stress já presentes nos ecossistemas. Por exemplo, numa
paisagem fragmentada as espécies não poderão migrar para zonas com clima mais favorável, por as
suas capacidades de dispersão não serem suficientes para ultrapassar as barreiras existentes entre as
diferentes áreas naturais. Este constrangimento poderá levar, no limite, a extinções.
69
As ilhas constituem, regra geral, verdadeiros santuários para a manutenção da biodiversidade mundial.
O isolamento a que estiveram devotadas desde sempre, favoreceu a evolução de plantas e animais
únicos nas suas características e na sua fragilidade dando origem a endemismos. Geralmente, nas ilhas,
uma em cada três plantas ameaçadas, conhecidas, é endémica. Entre as aves, cerca de 23% estão
ameaçadas, a comparar com 11% da população global de aves. As ilhas pequenas são mais vulneráveis
às alterações climáticas e ao aumento do nível do mar que as áreas continentais.
No caso do Arquipélago da Madeira, dada a falta de dados temporais referentes às espécies prioritárias,
raras ou em vias de extinção, optou-se por trabalhar numa base mais abrangente, designadamente os
Sítios de Importância Comunitária (SIC) e os habitats prioritários constantes do Anexo I da Directiva
Habitats. O facto das espécies associadas dependerem, para existirem, em grande parte do bom estado
de conservação dos habitats em que se inserem, permite retirar algumas ilacções.
Efeitos das Alterações Climáticas na Biodiversidade
São vastos e estão bem documentados os efeitos que as alterações climáticas têm vindo a causar nos
sistemas biológicos, podendo as respostas destes a essas alterações ser agrupadas em seis grandes
grupos: alterações evolucionárias, físicas e fisiológicas, fenológicas, dos intervalos de deslocação,
comunitárias, e ainda, alterações dos processos dos ecossistemas.
Alterações evolucionárias
Existem poucas evidências que demonstrem que os últimos ciclos glaciares tenham causado grandes
evoluções ao nível específico. Em vez disso as maiores evidências apontam para que as espécies
alterem a sua distribuição, deslocando-se de acordo com as alterações do clima. Estas evidências
indicam ainda que as espécies têm limites climáticos para além dos quais não podem sobreviver.
Alterações físicas e fisiológicas
Um exemplo de uma alteração física relacionada com as alterações climáticas respeita o tamanho do
corpo, que tende a ser menor com o aumento da temperatura e maior com a diminuição desta. Este
fenómeno é conhecido por “regra de Bergmann”.
Alterações fenológicas
Tendo em conta que muitos aspectos do ciclo de vida dos seres vivos são despoletados pelo tempo, as
alterações nos padrões climáticos afectam-nos decisivamente. Por exemplo, o início das migrações e da
época de acasalamento é muitas vezes modulado pelos padrões de temperatura e precipitação. Se os
regimes da temperatura e precipitação mudarem, os eventos sazonais vão mudar também.
Por outro lado, espécies que não dependam da temperatura como sinal inicial podem todavia ter fortes
ligações com espécies que dela dependem. Isto pode levar a desfasamentos entre predadores e presas
ou entre parasitas e hospedeiros que pode levar ao declínio de algumas espécies. Por exemplo, os
pássaros insectívoros estão frequentemente dependentes do aparecimento dos insectos de Primavera
para se alimentar, e estes, por sua vez, ao se especializarem numa espécie de planta-hospedeiro
específica, ficam dependentes do aparecimento e desenvolvimento desta.
Intervalo de deslocação
Existem evidências de que as espécies biológicas actualmente confinadas a altas latitudes, durante a
última glaciação estendiam a sua distribuição a latitudes muito mais a sul. Estão descritas deslocações
de 1000 a 2000 km para as espécies encontrarem novos óptimos climáticos.
Do mesmo modo ocorrem deslocações em altitude, uma vez que o aumento da temperatura leva à
substituição dos habitats em altitude e consequentemente das espécies associadas. Esta deslocação em
70
altitude levará, no limite, ao desaparecimento das espécies cujo óptimo climático, antes do
aquecimento, se situe nos pontos mais altos de montanhas.
Alterações das comunidades
As comunidades ecológicas compreendem associações de espécies vegetais e animais diferentes, cada
uma das quais com as suas necessidades climáticas. A capacidade de cada espécie de mudar em
resposta às alterações climáticas é também muito diferente. Assim, à medida que o clima muda, a
composição específica da comunidade vai poder ser alterada com algumas das espécies a procurarem
novos locais com condições óptimas para a sua sobrevivência. Estas movimentações das espécies podem
conduzir a alterações subtis na composição específica (por ex. mudança da dominância entre espécies)
ou a grandes alterações, como quando um tipo de habitat é completamente substituído por outro.
Alterações nos processos dos ecossistemas
Na base de todos os processos biológicos dos ecossistemas estão reacções químicas que dependem de
condições externas específicas, nomeadamente de temperatura e água disponível. Por exemplo, a
decomposição da matéria orgânica no processo do ciclo dos nutrientes depende da capacidade das
bactérias para degradar quimicamente e assimilar a matéria. A velocidade a que este processo químico
acontece depende da temperatura e da disponibilidade de água. Alterações climáticas que modifiquem
estes factores limitantes podem levar a uma aceleração ou desaceleração do processo.
Pressão antropogénica
As alterações referidas anteriormente são baseadas unicamente em considerações biológicas aplicadas
aos sistemas naturais. No entanto, existe uma variedade de outros factores, nomeadamente
antropogénicos, que simultaneamente são causa de pressão nos sistemas naturais. Sobrexploração dos
recursos naturais, alterações do uso dos solos, destruição e fragmentação dos habitats, contaminações,
introdução de espécies exóticas, são alguns exemplos.
Deste modo, previsões realistas a longo-prazo dos efeitos das alterações climáticas são difíceis de
fazer, uma vez que os ecossistemas em causa já se encontram sob grande pressão, porventura superior
à respeitante às alterações climáticas antropogénicas, estas relativamente lentas.
Acresce que a experiência mostra que trabalhos realizados a uma escala espacial maior e com longas
séries temporais resultam em conclusões mais evidentes sobre impactes a longo-prazo do que trabalhos
realizados em escala espacial menor e com escalas temporais mais pequenas, como é o presente caso.
Efeitos Observados das Alterações Climáticas
Embora poucas, existem algumas evidências de possíveis efeitos das alterações climáticas no
Arquipélago da Madeira, nomeadamente na área marinha. Por exemplo, foi registada recentemente
pela primeira vez em águas madeirenses o aparecimento de duas novas espécies de crustáceos
decápodes: um caranguejo, Platypodiella picta e um camarão, Gnathophyllum americanum. Em ambos
os casos, com estes aparecimentos, foi registado um novo limite Norte no Oceano Atlântico Oriental
para a distribuição destas espécies.
Também no que respeita aos mamíferos marinhos e apesar de não haver dados publicados, é do
conhecimento dos autores que foram avistadas duas novas espécies de baleia para a área da Madeira,
B. borealis e B. edeni, bem como um aumento do número de baleias que utiliza estas águas, podendo
estar a começar a utilizá-las não só como rota migratória mas também como área de reprodução e
criação.
71
Impactos nos Sítios de Importância Comunitária
Na ilha da Madeira apenas 20% a 30% da área está coberta por vegetação indígena, que ocorre
basicamente nas escarpas dos montes mais altos e nos vales inacessíveis das áreas montanhosas, bem
como na Ponta de S. Lourenço. A maior parte da restante área foi humanizada.
Os Anexos I e II da Resolução n.º 1408/2000, de 19 de Setembro, da Presidência do Governo Regional da
Região Autónoma da Madeira (JO, 2000) estabelecem a lista de Sítios Regionais prioritários a constar da
Rede Natura 2000. Esta lista de sítios foi aprovada pela Decisão da Comissão de 28 de Dezembro de
2001, publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias a 9 de Janeiro de 2002. Na RAM
encontram-se onze sítios prioritários, dos quais sete na ilha da Madeira, dois em Porto Santo, um nas
Desertas e um nas Selvagens, de acordo com a Figura 64.
Pico Branco
64
Laurissilva
Achadas da Cruz
Ilhéu da Viúva
Porto Santo – Pico Branco e ilhéus
Ponta de S. Lourenço
Moledos –
Madalena do Mar
Pináculo
Maciço Montanhoso Central
Ilhas Desertas
Ilhas Selvagens
Sítios de Importância Comunitária (SIC) no Arquipélago da Madeira.
No Anexo III da mesma resolução é feita a identificação dos tipos de habitats naturais (de acordo com o
Anexo I da Directiva Habitats) que ocorrem em cada um dos sítios bem como são identificadas as
espécies de flora e fauna constantes do Anexo II da Directiva Habitats. No Relatório final existe uma
compilação da informação recolhida tanto nos Anexos referidos como em várias fontes bibliográficas.
Algumas áreas possuem ainda outros instrumentos de conservação, como é o caso das Important Bird
Areas (IBA), no que se refere à Ponta de S. Lourenço, às ilhas Desertas, às ilhas Selvagens e aos ilhéus
de Porto Santo. Como Special Protection Areas (SPA) foram designadas a floresta de Laurissilva e o
Maciço Montanhoso Oriental.
O presente estudo incidiu especificamente nos Sítios de Importância Comunitária (SIC) Laurissilva e
Maciço Montanhoso Central. Isto porque só existe cartografia climática para a ilha da Madeira; e
porque os SIC mencionados são os que apresentam, por um lado maior área ocupada, e por outro lado
os que pela sua existência milenar (floresta Laurissilva) e pela sua existência confinada (Maciço
Montanhoso Central) parecem ser os de maior vulnerabilidade, nomeadamente a alterações climáticas.
72
Laurissilva
Pelo seu reconhecido papel fundamental, a Laurissilva da Madeira foi classificada, internacionalmente,
pela UNESCO, como Património Mundial e pelo Conselho da Europa como Reserva Biogenética. Em
termos nacionais foi classificada como Sítio de Interesse Comunitário, a integrar a Rede Natura 2000
(ver Figura 65). Estando integralmente incluída no Parque Natural da Madeira, tem 10% classificados
como Reserva Integral e 60% como Reserva Natural. Desenvolvendo-se na zona de condensação do
nevoeiro, ou de “precipitação oculta”, esta floresta tem características higrófilas; é subtropical
húmida; é constituída por espécies arbóreas e arbustivas perenifólias e possui um estrato mais baixo
rico em fetos, musgos, hepáticas e outras plantas de pequeno porte.
65
Laurissilva
Maciço Montanhoso Central
SIC Laurissilva e Maciço Montanhoso Central.
Pombo Trocaz associado à floresta Laurissilva e Freira da Madeira associada ao Maciço Montanhoso Central.
No seu interior, húmido e sombrio, coabitam numerosas espécies de fauna e flora de elevado interesse.
Pode-se dizer que a sua existência depende em grande parte da existência de humidade no ar.
A crer nas descrições históricas, a floresta Laurissilva da Madeira já ocupou toda a superfície da ilha.
Devido à expansão urbana e agrícola, bem como ao aproveitamento de madeiras, a área de floresta
tem vindo progressivamente a diminuir. Actualmente ocupa uma área de cerca de 15000 ha, localizada
essencialmente na vertente Norte da ilha, entre cerca dos 300 m e dos 1300 m de altitude. É rica em
plantas endémicas, com cerca de 145 espécies e, a nível da fauna, tem representantes dos mais
variados grupos zoológicos.
Entre as árvores dominantes encontram-se quatro elementos da família das Lauráceas: o Loureiro
(Laurus azorca), o Til (Ocotea foetens), o Vinhático (Persea indica) e o Barbusano (Apollonias
barbujana). Nos arbustos e herbáceas destacam-se o Isoplexis (Isoplexis sceptrum), as Estreleiras
(Argyranthemum pinnatifidum) e a Orquídea Branca (Goodyera macrophylla), extremamente rara e
vulnerável. Em relação à fauna, os endemismos associados à floresta laurissilva constam de duas
espécies de morcegos (Nyctalus leisleri verrucosus e Pipistrelus madeirensis) e uma espécie de ave, o
pombo-trocaz (Columba trocaz). Existe ainda cerca de uma dezena de espécies de invertebrados
endémicas, as quais estão no entanto mal estudadas.
Esta floresta é particularmente vulnerável ao pastoreio e ao fogo, nas suas áreas mais alteradas. A
colheita de plantas e a caça furtiva, essencialmente sobre o pombo-trocaz e algumas rapinas,
73
constituem outro tipo de preocupação à qual se tem vindo a acrescentar a pressão turística nalgumas
zonas.
Maciço Montanhoso Central-Oriental
Trata-se de uma zona montanhosa com falésias, escarpas e vales profundos, localizada na região
centro-oriental da Ilha da Madeira entre os 1000 m e os 1860 m.
Com solos de natureza vulcânica e topografia acidentada, de grandes declives, à excepção do Paúl da
Serra, está sujeita a nevões durante alguns dias do ano. Abarca a origem das principais linhas de água
da ilha, e é de extrema importância para a alimentação dos aquíferos subterrâneos.
Inclui um elevado número de plantas endémicas da Madeira, com algumas espécies ameaçadas e
susceptíveis de serem incluídas no Livro Vermelho nacional, como o Taxus baccata e o Thymus
caespititius e outras endémicas da Macaronésia como o Aichryson villosum (Madeira e Açores) e o
Juniperus cedus (Madeira e Canárias). Para além de vegetação de altitude, podem ainda encontrar-se
zonas com floresta de transição e algumas manchas de laurissilva nas zonas mais baixas.
Em relação à avifauna, esta é a única área conhecida de nidificação no mundo para a população da
Freira da Madeira (Pterodroma madeira). Outras colónias de aves marinhas presentes neste local, são
as de Fura-bucho do Atlântico (Puffinus puffinus). É ainda de realçar a nidificação de Pardal-da-terra
(Petronia petronia madeirensis), de Corre-caminho (Anthus berthelottii) e do Andorinhão-da-serra
(Apus unicolor), bem como da subespécie macaronésica Fura-bardo (Accipiter nisus grantii).
Esta zona, onde se situam os picos mais altos da Madeira, é um dos locais que maior número de
visitantes recebe, sobretudo nos meses mais quentes do ano.
Como consequência das suas características topográficas e edafoclimáticas (declives acentuados,
pequena espessura do solo, grandes amplitudes térmicas e possibilidade de ocorrência de neve), a sua
vulnerabilidade é elevada.
Impactos em Habitats
Apesar das sucessivas alterações de paisagem e de uso do solo que a ilha da Madeira foi sofrendo desde
a sua descoberta, é possível fazer uma reconstituição da vegetação natural potencial e da sua relação
com o clima e solos (Figura 66).
Sabendo que as séries de vegetação se vão sucedendo em altitude, tendo em atenção os limites
cartográficos dos SIC da Laurissilva e do Maciço Montanhoso Central e ainda tendo em conta que a
temperatura é a variável climática que mais directa e linearmente varia em altitude, foi possível fazer
uma estimativa das amplitudes térmicas a que estes SIC estão sujeitos actualmente e analisar a
tendência da sua variação futura. Isto foi feito com séries de temperatura médias anuais e sazonais
para o período de 1970-99, e depois foi feita a mesma análise para os cenários A2 e B2, nos períodos de
2040-69 e 2070-99.
74
66
SIC Maciço Montanhoso Central
SIC Laurissilva
A – Zambujal madeirense. B – Matagal de marmulano. C – Série da Laurissilva mediterrânica do barbusano. C1 – Faciação infratermomediterrância sub-húmida superior. C2 – Faciação termomediterrânica húmida inferior. D –Laurissilva temperada do til. E –
Urzal de altitude. F – Vegetação rupícola de altitude.
Fonte: Capelo et al, 2004
Séries de vegetação natural potencial da ilha da Madeira (em cima) e distribuição em altitude
das séries de vegetação e dos SIC Laurissilva e Maciço Montanhoso Central (em baixo).
Como se pode ver na Figura 67, a temperatura média anual no cenário de controlo (presente), no
Maciço Central-Oriental vai dos 9 ºC aos 11 ºC, podendo ir aos 12 ºC nas suas franjas mais baixas. No
que respeita à área ocupada pela floresta da Laurissilva, a amplitude térmica anual pode ir dos 11 ºC
(nas zonas mais altas) aos 16 ºC (nas zonas mais baixas dos vales). Em relação aos cenários futuros, por
exemplo em A2 prevê-se um aumento médio anual da temperatura de cerca de 1,0 ºC a 1,5 ºC para o
período de 2040-69 e de 2 ºC a 3 ºC no período mais próximo do final do século.
Na Figura, foi realçada a zona do maciço que tem temperaturas médias acima dos limites superiores do
controlo (12 ºC). Pode-se esperar que a tendência futura será para que essa área, actualmente ocupada
por vegetação típica de altitude (com os seus habitats correspondentes), passe a ser ocupada por
Laurissilva, havendo uma substituição progressiva das séries de vegetação em altitude. Fazendo a
75
análise das temperaturas médias sazonais (ver Relatório Final), pode constatar-se que é no Verão e no
Outono que as temperaturas atingem os valores mais elevados e que mais ultrapassam os limites
máximos das amplitudes térmicas médias usuais para este dois SIC.
67
Controlo (presente)
A2 2040-69
B2 2040-69
A2 2070-99
B2 2070-99
Evolução da temperatura média anual vs. limites actuais dos SIC Laurissilva e Maciço Montanhoso Central.
Em resumo, estima-se uma provável diminuição da área actualmente ocupada com vegetação típica de
altitude (Maciço Central-Oriental), com tendência para o desaparecimento da série de vegetação
rupícola de altitude que será potencialmente substituída pela série de vegetação urzal de altitude.
Esta, por sua vez, será potencialmente substituída pela série de vegetação da Laurissilva temperada do
til. No que respeita ao SIC Laurissilva e apesar de também sofrer aumentos de temperaturas para além
dos limites das amplitudes térmicas habituais, não deverá sofrer grandes diminuições de área ocupada,
principalmente por não se prever uma diminuição da humidade relativa, variável climática de grande
importância para este tipo de vegetação.
Na Ilha da Madeira as respostas mais visíveis dos sistemas biológicos às alterações
climáticas traduzir-se-ão sobretudo em deslocação em altitude e alterações das
comunidades, com substituição de umas espécies por outras.
No entanto poderão existir outras, nomeadamente fenológicas, físicas ou
fisiológicas, ou mesmo nos processos dos ecossistemas - que muitas vezes apenas
são menos visíveis, mas não deixam de existir, sendo que o mais natural é a
existência em simultâneo de várias respostas do mesmo ecossistema.
76
Equipa e Autores no Relatório Final
Sara Freitas
Instituto de Ciência Aplicada e Tecnologia da FCUL
Madalena Coutinho
Instituto de Ciência Aplicada e Tecnologia da FCUL
77
Energia
Examinadas as consequências das alterações climáticas na RAM para a oferta de energia, os
impactos não são muito preocupantes, em particular face à continuada evolução tecnológica
do sector energético. São muito pequenos os efeitos no desempenho de motores e máquinas
frigoríficas e no abastecimento de água para arrefecimento de centrais termoeléctricas. A
subida do nível do mar não aparece na prática como um problema sério, bem como os efeitos de
secas e cheias.
No caso das várias vertentes da biomassa, as culturas energéticas (para biodiesel) continuam
a não parecer praticáveis e embora os montantes de lenhas e resíduos da agricultura e de
jardins possam vir a aumentar, na prática isso pode não corresponder a um crescimento do seu
aproveitamento energético.
Poderá haver um pequeno incremento na disponibilidade de energia eólica, entre 2% a 5%
acima do actual, resultado contudo ainda muito incerto. Deverá melhorar o desempenho dos
sistemas solares térmicos, embora se reduza o dos sistemas solares fotovoltaicos, ainda que
apenas ligeiramente. Apesar da redução da precipitação e das disponibilidades de água devem
ser modestos os impactos na energia hídrica.
As perdas de transmissão e distribuição de electricidade devem crescer na ordem de 0,8% da
produção.
É do ponto de vista da procura de energia que se encontram maiores impactos. Deverão
apresentar uma redução pequena mas significativa as necessidades de aquecimento de
águas de processo industrial, sanitárias, piscinas, etc. Mas deverá haver substanciais aumentos
das necessidades de energia para climatização de veículos e edifícios, uma vez que as
reduções da procura para aquecimento deverão ser muito menores que os aumentos da procura
para arrefecimento. No caso de hotéis, por exemplo, esse impacto poderá atingir +15% a +30%
em relação à situação actual.
O sector energético é a principal origem da emissão de gases de efeito de estufa que são responsáveis
pelo aquecimento global, em particular através da queima de combustíveis fósseis. No entanto este
sector também é afectado por estas alterações climáticas, tanto do ponto de vista da oferta e
distribuição de energia, como da procura de energia. Estes impactos podem decorrer directamente de
alterações nos recursos energéticos renováveis e no desempenho dos equipamentos que fornecem ou
usam energia, ou indirectamente pela alteração de comportamentos e necessidades de consumo, ou
ainda através de impactos cruzados com outros sectores.
A vulnerabilidade do sector energético em ilhas pequenas, como é o caso das do Arquipélago da
Madeira, é ainda maior que no continente, devido logo em primeiro lugar às circunstâncias especiais de
isolamento geográfico e grande dependência do exterior – em abastecimento energético, e nos próprios
equipamentos energéticos – e na quase inevitabilidade de uso de transportes aéreos, muito
energívoros, para ligação rápida ao resto do Mundo. Acresce que é comum ser o Turismo uma das
78
actividades económicas mais relevantes (ou mesmo a mais relevante), sendo esta uma actividade
associada a elevados níveis de consumo de energia per capita: avulta desde logo a componente do
transporte aéreo, além de outras vertentes como deslocações internas nas ilhas, e o propiciar de
elevados níveis de conforto nos alojamentos.
Por outro lado, sendo o espaço físico limitado, não há em geral possibilidade de construir grandes
reservatórios de água, actualmente a única tecnologia economicamente viável para armazenamento de
grandes quantidades de energia e que permite regularizar a produção de electricidade de base
renovável. Cabe também mencionar que não há dimensão que justifique – e dificilmente espaço que
permita – a construção de centrais nucleares. E finalmente, a protecção do ambiente em geral, e das
características paisagísticas e qualidade do ar em particular, tendo em vista a manutenção da
atractividade do Turismo, desaconselha e limita escolhas como a dita opção nuclear, a multiplicação
de centrais térmicas a combustíveis fósseis, mas também em princípio a exploração demasiado
intensiva de recursos renováveis – e.g. energia eólica e biomassa florestal de alto rendimento.
Assim, a elevada eficiência energética e o auto-abastecimento via energias renováveis (mas com
impacto moderado na paisagem natural e património cultural construído) são, ou devem ser, questões
ainda mais prementes para regiões de ilhas do que para regiões continentais, e exigem uma atenção
muito especial na avaliação de impactos. O caso da RAM é paradigmático, e aliás as preocupações com
a elevada eficiência energética e o desenvolvimento das energias renováveis estão já explicitamente
consignadas no Plano de Política Energética da RAM (PPERAM.
A Figura 68 apresenta a matriz energética da RAM (em 2000). O sector dos transportes representa mais
de metade da procura de energia final (57%), seguido pelos sectores doméstico e de serviços, com
cerca de 16% cada um – é de realçar que dos consumos nos sector de serviços, a hotelaria é a parcela
mais importante. Esta procura de energia final tem aumentado a cerca de +6% por ano (1991-2000),
mas de forma especialmente acentuada no sector terciário (cerca de +10% por ano).
68
Matriz Energética da RAM, em tep (em 2000). Adaptado do PPERAM.
Note-se como a electricidade tem um papel muito relevante, ao representar 19% da energia final
consumida (reexportações à parte). É notável que 37% das importações energéticas usadas na RAM (viz.
derivados de petróleo), sejam transformados em electricidade por via térmica, a comparar com 47%
que têm como destino os transportes. O sistema de produção de electricidade na RAM consta
basicamente de: três centrais termoeléctricas, estando duas na Madeira e uma no Porto Santo,
totalizando uma potência nominal instalada de 173 MW; uma incineradora de resíduos com valorização
79
energética (8 MW); e dez centrais mini-hídricas (50 MW). Há ainda a considerar seis parques eólicos (10
MW). Existem alguns sistemas solares fotovoltaicos, mas ainda com uma expressão insignificante.
Naturalmente que a produção anual de electricidade de origens renováveis é dependente do clima
prevalecente nesse ano. As perdas de transmissão são em média da ordem de 8% do consumo final, mas
com tendência para redução. Os usos finais da electricidade (em 2000) são representados na Figura 69.
O sector de serviços no seu todo é o destino de quase 60% da electricidade, incluindo 16% para os
sectores directamente ligados ao Turismo. O sector doméstico consome 33% da electricidade. Os
valores para o sector primário, a indústria, a construção e obras públicas, são muito mais modestos.
Consumo de electricidade sectorial
Madeira, 2000
Agricultura e Pescas
69
Indústria extractiva
Alimentação Bebidas e Tabaco
1% 1%
Indústria textil, vestuário e couro
5%
4%
Indústria da Madeira e Cortiça
2%
33%
Indústria do Papel
11%
Indústria química, derivados do petróleo
Indústria cerâmica, vidro e cimento
Indústria Metalúrgica
Prod/ Metál/ Máq/ Equipamentos
Outras Ind/ Transformadoras
Produção de Electricidade
Elevação/Abastecimento de Água
Construção e Obras Públicas
16%
Comércio por Grosso e Retalho
Restauração, Hotelaria e similares
23%
2%
Transportes
Bancos e Seguros
Outros Serviços
Doméstico
Repartição dos usos finais da electricidade na RAM (2000). Fonte: DGGE.
Os impactos das alterações climáticas no sector energético da RAM são estimados tendo em conta estas
circunstâncias. Mas como mencionado, estes impactos de alterações climáticas, relativamente lentas,
acontecem sobre um pano de fundo de alterações rápidas do sector energético, o que deve temperar a
leitura e interpretação dos resultados.
Oferta de Energia
Desempenho de máquinas térmicas
Em princípio, a elevação da temperatura ambiente prejudica o rendimento dos motores térmicos, uma
vez que reduz a diferença entre a temperatura da fonte quente (combustão) e a da fonte fria (ar ou
água de arrefecimento). Estes motores incluiem os dos veículos convencionais e os geradores das
centrais termoeléctricas. A eficiência dos sistemas de refrigeração também é afectada por uma subida
da temperatura ambiente, uma vez que aumenta o diferencial de temperatura entre a zona a arrefecer
e o ar exterior. Contudo na prática elevações de temperatura ambiente da ordem de 2 ºC terão um
efeito que se estima em apenas -0,1% , ou seja insignificante, até face aos progressos tecnológicos.
Outra questão é a manutenção da disponibilidade de água para arrefecimento das centrais
termoeléctricas, sob alterações climáticas. Mas no caso da madeira trata-se de centrais Diesel, em que
além das torres de arrefecimento a água, se podem usar também radiadores, resultando em grandes
poupanças de água. Assim, mesmo com redução de disponibilidades de água, o suprimento de
quantidades bastante modestas para as centrais termoeléctricas não parece problemático.
Subida do nível do mar
A subida do nível do mar pode afectar estruturas e equipamentos energéticos localizados na costa. No
entanto, o ritmo de subida do nível do mar é lento, enquanto as ditas estruturas e equipamentos têm
de ser substituídas ou renovadas a intervalos muito mais curtos do que o horizonte da ordem de 100
80
anos que estamos a considerar. Assim, em geral é possível a relocalização ou protecção das estruturas
e equipamentos contemplando a subida do nível do mar, sem custos adicionais relevantes. No entanto,
numa ilha pode não ser possível a retirada face ao mar ou viável (até economicamente) aumentar as
protecções – mas isso tem de ser examinado caso a caso, podendo ficar aqui apenas um alerta. Em todo
o caso, as centrais termoeléctricas da RAM não deverão ter problemas com a subida do nível do mar,
visto que a central da Vitória está à cota 20 m e a de Porto Santo à cota 10 m.
Fenómenos Meteorológicos Extremos
A questão dos fenómenos meteorológicos extremos - tais como secas, cheias, e especialmente
tempestades - embora de muita importância, não pode ser bem analisada no estado actual do
desenvolvimento dos modelos climáticos.
Recursos Energéticos Renováveis
Os recursos energéticos renováveis estão obviamente dependentes do clima, com excepção da energia
geotérmica. No entanto, crê-se que os modelos climáticos reproduzem bem as alterações na
temperatura e em certa medida na precipitação, mas a qualidade da modelação de outros parâmetros
muito pertinentes para as Energias Renováveis tem ainda que melhorar - é o caso da radiação solar e
do vento (e em consequência, também das ondas e correntes marítimas) – o que limita a profundidade
dos estudos que é possível fazer.
Energia Hidráulica
Na Madeira, a água turbinada serve quase sempre outros usos finais (a uma cota mais baixa) como
rega, usos municipais e abastecimento humano, que têm de ser satisfeitos de qualquer forma. Daí que
a redução da disponibilidade de água não deva afectar significativamente a capacidade hidroeléctrica
da ilha da Madeira (ver tb. Recursos Hídricos). Esta situação não deve ser alterada pelos investimentos
previstos, que não são na criação de novas centrais, mas essencialmente na transformação e
melhoramento das já existentes, e no melhoramento de toda a rede de transporte de água.
Energia da Biomassa
Na RAM, em termos de energia primária a energia da biomassa representa quase 4%. Como se
depreende dos impactos em Florestas e em Agricultura, há a perspectiva de aumento da produtividade
das florestas e culturas. Mas não se pode concluir que esse aumento possa ser concretizado em maior
aproveitamento energético da biomassa.
No que se refere aos resíduos de biomassa, a parcela maior é a produzida pela actividade agrícola e
florestal, excluindo a Laurissilva, e consiste maioritariamente em resíduos agrícolas. Contudo, como há
mais de 14 000 explorações com, em média, apenas 0,39 ha/exploração, o processo de recolha e
transporte de resíduos é complicado e, o que é mais importante, muito energívoro. Assim, o seu
aproveitamento energético só é interessante se a recolha dos resíduos servir também outros fins não
energéticos. A queima lenta dos resíduos agrícolas no terreno é uma importante fonte emissora de
gases com efeito de estufa (não apenas CO2, mas também CH4 e N2O), pelo que há interesse na sua
compostagem ou/e na sua queima controlada. Contudo, o sector da Agricultura tem diminuído as suas
emissões de gases com efeito de estufa, e no futuro prevê-se até algum abandono da actividade
agrícola, pelo que não há uma necessidade premente de recolha de resíduos agrícolas. Na mesma linha
de pensamento, a remoção de resíduos florestais é importante como uma técnica para reduzir o risco
de incêndio, mas actualmente não há essa necessidade e o risco meteorológico de incêndio não deve
crescer tanto que justifique a recolha sistemática. Quanto aos resíduos de biomassa provenientes de
actividade industrial (serrações de madeira e da carpintaria), são relativos a madeiras importadas, e
81
portanto, não são pertinentes. Apenas no caso dos resíduos sólidos urbanos recolhidos pelos serviços
camarários e provenientes da limpeza de jardins, públicos e particulares, poderá haver um potencial
maior, com encaminhamento para a Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos da Meia Serra, que
possui uma turbina para produção de electricidade. Trata-se apesar de tudo de um potencial
energético de reduzida dimensão.
Quanto à produção de biodiesel, os estudos existentes consideram que há poucas áreas disponíveis para
culturas energéticas na RAM, não sendo as alterações climáticas o factor limitativo nesta questão.
Finalmente na vertente de produção de calor a partir de lenhas, a sua utilização efectiva depende mais
dos cenários sócio-económicos e tecnológicos – por exemplo, tendências demográficas, vitalidade da
indústria local, preços da energia, e até das tecnologias renováveis competidoras, como a solar – do
que propriamente das variações de disponibilidade por via das alterações climáticas.
Energia das Ondas e Correntes Marítimas
Naturalmente que para um arquipélago, o aproveitamento energético das ondas e correntes oceânicas
surge como uma das soluções técnicas mais importantes para o auto-abastecimento em energia. Uma
das vantagens adicionais é um impacto visual baixo ou mesmo ausente nas ilhas propriamente ditas.
Embora a tecnologia actual nestas vertentes não esteja ainda à altura de proporcionar fontes seguras
de energia eléctrica, é preciso considerar que estamos a considerar um horizonte de 50 a 100 anos, e
portanto ampla oportunidade para a evolução tecnológica nestas áreas. Contudo não esteve ao alcance
deste estudo regional a modelação global actual e futura dos ventos e ondas no Atlântico Norte, como
se impõe para estudar adequadamente este tipo de impacto.
Energia Eólica
A energia eólica é em geral muito interessante para ilhas, contudo há a considerar o impacto visual que
pode perturbar a atractividade turística. Esta questão é subjectiva, claro está, mas ainda não se
estabeleceu um consenso cultural a este respeito. Embora na Madeira não existam grandes albufeiras
que possam armazenar e/ou regularizar a energia produzida, estão previstas transformações de
centrais mini-hídricas de forma a serem reversíveis. Donde a implantação de parques eólicos na RAM
poderá vir a ultrapassar os actuais seis (quatro no Paúl da Serra, um na Ponta de S. Lourenço e um na
ilha de Porto Santo). E em todo o caso, os parques existentes podem sempre ser sujeitos a repowering, i.e. instalação de turbinas mais altas e mais potentes.
Para avaliar o impacto das alterações climáticas no aproveitamento da energia eólica, foram feitos
alguns exercícios para a área do Paúl da Serra. Os resultados indicam um pequeno incremento da
disponibilidade de energia eólica, entre 2% a 5% acima do actual (mas as questões de direcção
dominante e turbulência não puderam ser contempladas com os dados disponíveis nos cenários).
Energia Solar Térmica
A energia solar térmica tem ainda uma expressão pequena na RAM, contudo é de esperar a sua
aplicação em larga escala – devido, sobretudo, aos novos regulamentos energéticos para edifícios que
tornam obrigatória a sua instalação em praticamente todos os edifícios novos ou profundamente
renovados. Apesar da renovação lenta do parque de edifícios (cerca 1% por ano), no horizonte de 50 a
100 anos que estamos a considerar, ela irá provocar necessariamente uma generalização do uso da
energia solar térmica.
A disponibilidade de energia solar é obviamente afectada pela nebulosidade e esta pelas alterações
climáticas. Para o desempenho de um sistema solar, conta também a temperatura de entrada de água
da rede: uma temperatura mais baixa favorece a eficiência da conversão de energia solar, mas uma
82
temperatura mais elevada reduz as perdas térmicas e especialmente, reduz a energia que é necessário
fornecer para obter a temperatura pretendida pelo utilizador (suposta independente das alterações
climáticas). Os resultados das simulações de sistemas solares representativos mostraram que a fracção
de consumo que o sistema consegue abastecer aumenta significativamente face à situação actual, de
4% a 5% a mais no fim do século.
Energia Solar Fotovoltaica
Um análise semelhante à executada para os sistemas solares térmicos foi feita para os sistemas solares
fotovoltaicos. Aqui, o aumento de temperatura é sempre prejudicial ao desempenho do sistema, pois
compromete a eficiência de conversão fotovoltaica. Os resultados das simulações de sistemas
representativos mostram que a produção e produtividade do sistema reduzem-se no fim do século, mas
apenas ligeiramente.
Transmissão de Energia
O aumento de temperatura ambiente tem um impacto sobre a transmissão de electricidade a dois
níveis: o alongamento dos cabos eléctricos e o aumento de resistência dos mesmos. O alongamento é
um problema muito gradual e que se estima será compensado nas operações normais de manutenção e
substituição de cabos. Quanto às perdas resistivas, que actualmente rondam os 7%, aumentam cerca de
0,4% por cada grau de elevação de temperatura. Portanto, tomando o valor típico de 2 ºC para o fim do
século, resulta em +0,8% de perdas (seriam +6 GWh em termos do consumo actual de electricidade).
Procura de Energia
Águas Quentes
Um primeiro impacto das alterações climáticas sobre a procura de energia relaciona-se com o aumento
da temperatura da água na rede de abastecimento. Ora, como as temperaturas-alvo de consumo em
princípio se mantêm, seja num uso doméstico seja num processo industrial, as necessidades de calor
para suprir um diferencial de temperatura mais pequeno, diminuem. Este efeito é muito real mas
muito específico da temperatura-alvo de cada utilização, sendo evidentemente maior o impacto em
termos percentuais nas aplicações a baixa temperatura (e.g. banhos, piscinas) que nos processos
industriais (e.g. lavagens a elevada temperatura, pré-aquecimento para produção de vapor).
Climatização de veículos
O aumento de temperatura exterior induz um aumento de temperatura também no interior dos
veículos, o que é compensado pelos utilizadores ligando o ar condicionado, quando presente,
aumentando significativamente o consumo dos motores. Mesmo que a frequência de uso do ar
condicionado aumente apenas ligeiramente sob as alterações climáticas, isso reflecte-se muito na
procura de energia, dado que os transportes são o principal destino da energia primária. É certo que
em dias frios os utilizadores tenderão a usar menos o aquecimento do veículo, contudo este é quase
sempre fornecido pelo calor residual do motor de combustão interna.
A abordagem usada (uma variação do método de “graus-dia”), assume que o ar condicionado será
ligado quando a temperatura exterior a um veículo ultrapassar certo limiar de desconforto (a radiação
solar e a humidade relativa são outros factores importantes no comportamento dos utilizadores), que
neste caso se fixou em 23 ºC. Na Figura 70 mostra-se um exemplo de aplicação do conceito.
83
28
Perfil Médio Diário da Temperatura Ambiente (ºC)
70
Agosto
27
26
25
A2 2070-99
24
B2 2070-99
23
Controlo
1970-99
22
21
20
1
3
5
7
9
11
13
15
17
19
21
23
hora solar
Ultrapassagem do limiar de desconforto para uso do ar condicionado em veículos terrestres, em perfis horários médios de
temperatura ambiente (Agosto, região sul da ilha da Madeira).
Alguns dos resultados de impacto obtidos com valores representativos de consumos e perfis de
utilização são sumariados na Figura 71. Na simulação de controlo o número de horas de utilização do ar
condicionado é de 250, mas sobe para 1400 a 1560 horas no período 2040-69 e para 2090 a 2880 horas
no final do século, ou seja dez vezes o valor da situação de controlo. Mas apesar deste grande impacto
em termos de período de utilização, a aplicação de cenários sócio-económicos e tecnológicos resultará
em apenas cerca de +1% na energia consumida pelos transportes terrestres.
necessidade potencial de A/C
71
horas por a ano
3000
2500
2000
1500
1000
500
0
CONTROLO
A2 2040-69
A2 2070-99
B2 2040-69
B2 2060-99
Impacto da elevação da temperatura no tempo de utilização do ar condicionado em veículos terrestres.
Climatização de edifícios
A procura de energia para climatização de edifícios é muito afectada pelas alterações climáticas.
Considerando uma banda de conforto térmico para os seus utilizadores, temperaturas mais altas
reduzem as necessidades de energia para aquecimento ambiente durante o Inverno mas aumenta-as,
para arrefecimento, durante o Verão. Saber se as necessidades energéticas anuais aumentam ou
diminuem, depende em primeiro lugar do tipo de edifício e do clima, e de forma menos marcada, da
utilização que se faz do edifício e dos ganhos de energia internos (iluminação, equipamento eléctrico,
etc.).
Privilegiou-se neste estudo a componente de edifícios de serviços, e nomeadamente de hotéis, dada a
importância do Turismo na RAM. Os hotéis são edifícios com consumo específico de energia elevado,
apresentando na RAM valores típicos de 32 a 55 kWh/dormida (respectivamente para hotéis de 4 e 5
estrelas) e 286 a 227 kWh/m². A porção do consumo dedicado a AVAC é muito importante – cerca de
31% a 33% (ou 25% sem a ventilação) – pois os hotéis têm necessidade de proporcionar altos padrões de
84
conforto aos seus clientes, que, aliás, em princípio, vão manter-se mesmo sob os cenários sócioeconómicos de A2 e B2.
A avaliação de impactos na climatização recorre à simulação térmica dos edifícios, usando modelos
numéricos e dados meteorológicos bastante detalhados. Há ainda a considerar a evolução tecnológica
dos aparelhos de aquecimento, ventilação e ar condicionado (AVAC). Definiu-se um piso representativo
de um hotel de 4 estrelas típico, com a planta que se apresenta na Figura 72 e com especificações
detalhadas de construção e operação descritas no Relatório Final.
72
Diagrama do hotel simulado.
Alguns dos resultados mais importantes estão apresentados na Figura 73. Indicam que embora haja uma
diminuição das necessidades de aquecimento, o aumento das necessidades de arrefecimento é muito
maior em termos absolutos, de forma que as alterações climáticas implicam um aumento dos consumos
para climatização muito significativo. O aumento de consumos (respectivamente nos cenários B2 e A2)
é de +9% a +15% para o período 2040-69 e de +16% a +31% para o final do século.
Consumos específicos para climatização (kWh/m2)
30
73
1970-99
27
A2 2040-69
A2 2070-99
24
21
18
15
12
9
6
3
0
J
F
M
A
M
J
J
A
S
O
N
D
Consumos específicos para arrefecimento ambiente (kWh/m2)
Consumos específicos para aquecimento ambiente (kWh/m2)
30
30
27
1970-99
A2 2040-69
A2 2070-99
1970-99
27
24
24
21
21
18
18
15
15
12
12
9
9
6
6
3
3
0
A2 2040-69
A2 2070-99
0
J
F
M
A
M
J
J
A
S
O
N
D
J
F
M
A
M
J
J
A
S
O
N
D
Consumos de energia para climatização no hotel representativo simulado (só orientação EW e cenário A2).
´
85
Autor no Relatório Final
Ricardo Aguiar
Instituto D. Luiz - SIM
86
Saúde Humana
Foram avaliados os impactos potenciais das alterações climáticas sobre a mortalidade associada
às ondas de calor na ilha da Madeira, às doenças associadas ao ozono troposférico no Funchal e às
doenças transmitidas por roedores e vectores na ilha da Madeira e Porto Santo. Pretendeu-se
indicar o sentido potencial da mudança e sugerir medidas de adaptação de modo a reduzir ou
evitar os impactos negativos.
Os dados existentes nada permitem concluir objectivamente sobre a mortalidade devida a ondas
de calor, nem sobre o aumento de concentrações de ozono. No entanto, admite-se uma
probabilidade modesta de que aumentem os impactos na saúde causados por ozono
elevado, tais como doenças respiratórias.
Várias doenças transmitidas por roedores e vectores foram avaliadas. Os resultados indicam que o
risco actual de transmissão da dengue, da febre-amarela e da febre do Nilo Ocidental na ilha da
Madeira é muito baixo. O actual risco de transmissão da malária em Porto Santo é muito baixo e
insignificante na ilha da Madeira. No entanto, as alterações climáticas podem proporcionar
condições mais favoráveis para a sobrevivência dos mosquitos e desenvolvimento dos parasitas. O
futuro risco de transmissão da dengue e da febre-amarela é muito preocupante.
O vector capaz de transmitir a leishmaniose cutânea (Phlebotomus sergenti) está presente na ilha
na Madeira, mas como não está infectado, o actual risco de transição da infecção é muito baixo.
É de admitir que com as alterações climáticas aumente o risco de transmissão de leishmaniose
cutânea para um nível médio-baixo.
No que se refere à leptospirose, trata-se de uma doença prevalente na RAM para ambas as ilhas.
As alterações climáticas poderiam reduzir o risco de transmissão da leptospirose, uma vez que
os cenários mostram, embora com muita incerteza, uma diminuição nos dias com precipitação
extrema.
Espera-se também que as alterações climáticas venham a aumentar o risco de transmissão da
febre escaro-nodular e da doença de Lyme na Ilha da madeira para um nível médio-alto,
sendo actualmente apenas médio, da anaplasmose de um nível baixo para médio baixo. Poderá
ainda aumentar o risco de transmissão de tifo murino em Porto Santo de um actual nível
baixo para um nível médio no futuro.
Está bem documentado que as alterações ambientais podem ter impactes significativos na Saúde
humana. Uma vez que os efeitos das alterações climáticas na saúde de uma população reflectem as
condições ambientais e sociais, as consequências sobre a saúde variam, obviamente, entre países e
regiões.
Em 2003, a população residente na RAM era aproximadamente de 243 000 habitantes, tendo 19% idades
iguais ou inferior a 14 anos, 68 % entre 15-64 anos e 13% superior ou igual a 65 anos. Funchal é, de
87
longe, o concelho mais populoso (42%), seguido por Câmara de Lobos (14%) e Santa Cruz (13%). A
população de Porto Santo contribui apenas com 2% da população da RAM. As taxas de natalidade,
mortalidade e mortalidade infantil são de 13,1, 11,6 e 7,9 por 100 000 habitantes, respectivamente.
Em 1998, a esperança de vida para Homens e Mulheres na RAM era de 68 e 78 anos.
As doenças crónicas são a maior causa de mortalidade na região, com um total de mais de 66% de
mortes. As doenças do aparelho circulatório (35%), tumores malignos (19%) e doenças do aparelho
respiratório (12%) representam as principais causas de morte. Existe, à semelhança da maioria dos
países desenvolvidos, um padrão de mortalidade sazonal, com as mortes a ocorrerem mais no Inverno e
menos no Verão.
Os mecanismos pelos quais se admite que as alterações climáticas possam afectar a saúde humana são
variados. Alguns são directos, tais como a exposição a condições térmicas extremas ou a inundações.
Outros envolvem mecanismos intermédios e múltiplos, como os que afectam a dinâmica da transmissão
de doenças transmitidas por vectores ou pela água.
É importante notar que o facto de a disponibilidade de água para consumo humano não ser, para já ou
num futuro próximo, um problema importante faz com que os impactos na saúde previstos para a RAM
sejam menores do que em ilhas com problemas de reservas de água.
Mortalidade Associada ao Calor
Períodos prolongados de temperatura elevada provocam stress térmico, agravam os sintomas de
doenças preexistentes e conduzem a um aumento significativo da mortalidade. A maior parte desse
aumento da mortalidade está relacionado com doenças cardiovasculares, cerebrovasculares e
respiratórias, sendo mais elevado nas pessoas idosas e nos indivíduos com doenças preexistentes.
Embora alguns estudos anteriores tenham sugerido que a mortalidade na RAM tenha sofrido efeitos de
excesso de calor, no presente estudo não se encontraram evidências de tal situação. De facto, da
observação da mortalidade de Verão (ver Figuras 74 e 75) não parece emergir nenhum padrão que
relacione episódios de ocorrência de níveis locais de calor com níveis de mortalidade elevados.
A análise do número médio diário de óbitos na região revelou a ocorrência de uma tendência de
aumento ao longo dos anos, mas pode ser mais um reflexo do crescimento e envelhecimento da
população do que uma consequência de factores ambientais. Os níveis de mortalidade observados na
região da Madeira são extremamente reduzidos, o que dificulta estes estudos.
19/Jun/1984
15/Ago/1990
15/Ago
Nº Obi tos
18
13/Jul/1992
03/Jun/1984
15
01/Jul/1992
16/Jul/1980
07/Jul/1984
07/Jun/1990 19/Jun/1993
24/Jun/2002
16
03/Ago/2001
13/Jun/1989
03/Jul/1989
14
12
10
nobitos
10
8
6
5
4
2
0
0
5
10
15
20
25
30
35
40
0
Tmax (oC)
1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
74
ano
75
88
Mortalidade diária de Junho a Agosto na RAM por ano
(1980 a 2003)
Mortalidade diária na RAM segundo a temperatura máxima
diária (1999 a 2003)
Da análise das temperaturas na região da Madeira, em particular no Funchal, não emergem situações
claras de episódios térmicos extremos muito relevantes. Durante o período avaliado (1970-2005), as
temperaturas observadas apresentam níveis amenos, com variação total entre 11,0 ºC e 36,4 ºC.
Os cenários climáticos futuros apontam para um aumento da ocorrência de episódios de calor bem
como de calor extremo. Para o final do século, o cenário A2 sugere um aumento na frequência de dias
isolados de calor extremo, sem no entanto indicar um aumento do número de episódios de calor com
dois ou mais dias de duração. Por outro lado a amplitude térmica dos cenários não é tão realista como
seria desejável. Assim, de toda a informação disponível, não é possível concluir que no futuro haverá
condições de calor elevado mais ameaçadoras para a saúde da população da RAM.
Doenças Associadas à Qualidade do Ar
Estudos sobre alterações climáticas globais e efeitos na saúde relacionados com a poluição do ar
indicam que os impactos na saúde mais preocupantes serão os associados à exposição ao ozono
troposférico (O3) e aos agentes aerobiológicos (pólens entre outros). Devido à sua localização
geográfica, a RAM é também exposta a intrusão de massas de ar provenientes de desertos africanos que
transportam partículas, elevando as concentrações de partículas (PM10) no ar da RAM.
Os potenciais impactos na saúde a curto prazo de uma exposição a níveis elevados de ozono incluem
alteração nas funções dos pulmões e inflamação das vias respiratórias; aumento da sensibilidade do
sistema respiratório e oculares; aumento do número de admissões nos hospitais causadas por doenças
respiratórias; agravamento da asma e de outras doenças crónicas dos pulmões, potencialmente fatais.
Os grupos da população mais vulneráveis às exposições ao ozono são crianças, adultos que passam
muito tempo na rua, e pessoas com doenças respiratórias tais como asma, enfisema e bronquite.
A medição de O3 na RAM começou em Julho 2003, com duas estações de fundo (São Gonçalo e Quinta
Magnólia) no Funchal. As concentrações de O3 no Funchal são menores do que na maioria dos países do
sul da Europa; os dados revelam apenas duas excedências do limiar EU 1-hora (180ug/m3), e uma do
limiar de 8-horas. Os níveis diários de O3 no Funchal foram comparados com os óbitos do mesmo dia, de
uma semana depois e de um mês depois. Esta análise não revelou um excesso de óbitos associados com
níveis de O3 elevados (Figura 76). Também nenhuma relação estatística foi observada entre as visitas
mensais da urgência hospitalar e os níveis de O3 no Funchal.
250
76
São Gonçalo
Quinta Magnólia
Ozono max (g/m3)
200
150
100
50
0
0
5
10
15
20
25
30
Nº de obitos
Mortalidade diária no Funchal segundo a concentração de O3 máxima diária (2003 a 2004).
89
As relações clima-poluente conhecidas (em particular a relação com os precursores VOC e NO2, ver
Relatório final), foram usadas para descrever qualitativamente as potenciais mudanças na
concentração destes poluentes no Funchal, sob vários cenários climáticos. Os resultados indicam que as
temperaturas máximas diárias elevadas ocorrerão com maior frequência no futuro e isso poderá
conduzir a episódios de poluição por ozono troposférico mais frequentes, mesmo sob a mesma
concentração de NO2 actual. Todavia, também há que considerar que ambos os cenários A2 e B2
incluem tecnologias de transporte menos poluentes em NO2.
Também é de realçar que os níveis da exposição humana a um poluente não dependem apenas da
concentração deste, mas também do “tempo de contacto” no meio. Os dias em que se projecta que os
níveis de ozono sejam maiores podem coincidir com temperaturas mais altas do que o normal. E esses
dias quentes encorajam a que as pessoas passem mais tempo na rua, aumentando a exposição ao O3.
Em resumo, há uma probabilidade modesta, mas não nula, de que as alterações climáticas aumentem
os impactos na saúde causados pelos episódios de O3 elevado, tais como doenças respiratórias e
irritações na vista.
Doenças Transmitidas por Vectores
As doenças transmitidas por vectores são doenças infecciosas transmitidas aos seres humanos e a outros
vertebrados, por invertebrados (vectores) como os mosquitos e as carraças, infectados por agentes
patogénicos. Apresentam frequentemente padrões sazonais que sugerem uma clara dependência do
clima. A transmissão da doença é influenciada pela co-presença de reservatórios adequados e pela
existência de populações de vectores e de agentes patogénicos em número suficiente para manter a
transmissão. A transmissão aos seres humanos requer exposição, i.e. contacto com o vector infectado
com o parasita. Esta exposição é influenciada por uma grande variedade dos factores, incluindo o
comportamento humano, circunstâncias socio-económicas, práticas de gestão ambiental e de cuidados
de saúde primários. A transmissão da doença ocorre maioritariamente quando todos os factores
indicados lhe são favoráveis, sendo que um clima apropriado é também necessário.
Agentes de doença transmitidos por mosquitos
Estudos de campo na RAM indicam que há quatro espécies de mosquitos na região reconhecidas como
capazes de serem vectores de agentes causadores de doença nos seres humanos. No entanto, os
registos oficiais revelam que, nas últimas três décadas, não foram contraídas localmente doenças
transmitidas por mosquitos. Todavia, a dengue, a febre-amarela, a malária e a febre do Nilo Ocidental
são actualmente doenças com potencial interesse para a saúde pública na área de estudo.
Dengue
A dengue é a mais importante doença viral transmitida por vectores e é um problema emergente a
nível global. O parasita da dengue é um vírus da família Flaviviridae. A dengue é uma doença que na
grande maioria dos casos causa desconforto e transtornos mas não coloca em risco a vida das pessoas,
excepto na sua forma mais grave, chamada dengue "hemorrágica". A gravidade está relacionada com a
diminuição da pressão sanguínea, que deve ser tratada rapidamente uma vez que pode levar ao óbito.
A dengue é transmitida principalmente pelo mosquito Aedes aegypti infectado, mas também pelo
Aedes albopictus. O aparecimento de Aedes aegypti no Funchal em 2004 é pois uma preocupação de
saúde pública muito significativa.
A temperatura influi na duração do ciclo de vida do mosquito e na transmissão da dengue. A actual
temperatura ambiental da RAM é já muito conducente a uma transmissão da dengue (Figura 77). Uma
90
vez que o vector está actualmente presente (mas não infectado) no Funchal, o risco actual da
transmissão desta doença na Madeira é por enquanto muito baixo. No entanto, caso uma população de
vectores infectados com dengue fossem introduzidos, o risco potencial da doença seria baixo-médio. O
risco de transmissão no Porto Santo é insignificante, uma vez que o vector não está presente.
77
P.falciparum (PS)
Dengue vírus (M)
Cx. pipiens (M)
Anopheles (PS)
Aedes (M)
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
% dias favoráveis por ano
Controlo
A2 (2040-69)
A2 (2070-99)
B2 (2040-69)
B2 (2070-99)
Períodos favoráveis ao desenvolvimento de mosquitos e parasitas na RAM. (PS = Porto Santo, M = Ilha da Madeira)
Os cenários climáticos futuros não indicam uma redução no número de dias com temperaturas médias
compreendidas entre os valores favoráveis tanto para a sobrevivência do mosquito (6 °C a 40 °C), como
para a transmissão da doença (11,9 °C a 37 °C). Contudo, se os vectores permanecerem não infectados
na ilha da Madeira, então o risco potencial da doença permanecerá baixo. A presença de um foco de
população de mosquitos infectados e um clima futuro mais quente, poderá aumentar a frequência com
que o mosquito tem que alimentar-se e assim, o risco da doença poderá aumentar para um risco
médio-elevado (ver Figura 78).
3
78
Risco de transmissão
2.5
2
1.5
1
0.5
0
Dengue (Madeira)
Actual
F. Amarela (Madeira)
Actual + Introdução
Malaria (P.Santo)
Futuro
F. Nilo Ocidental
(Madeira)
Futuro + Introdução
Níveis de risco de transmissão de doenças transmitidas por mosquitos na RAM.
(0.5 = risco muito baixo, 1 = risco baixo, 2 = risco médio, 3 = risco alto).
Febre-amarela
A febre-amarela é uma doença hemorrágica também causada por um vírus da família Flaviviridae. É
transmitida aos humanos e macacos através da picada de diferentes espécies de mosquitos do género
Aedes e outros géneros. O Aedes aegypti existe no Funchal, mas parece razoável assumir que
91
actualmente a população de Aedes aegypti na RAM não está infectada pelo vírus. O risco actual e
futuro para a transmissão da febre-amarela na RAM é similar ao descrito para o dengue.
Malária
Numa escala global, a malária é a doença mais afectada pelas alterações climáticas. Presentemente
não existe qualquer registo de casos de malária contraída na RAM. Contudo, entre 1996-2004 foram
registados 8 casos de malária importada, atribuídos aos laços económicos existentes com países nos
quais a malária é endémica. A malária é uma doença provocada por parasitas do género Plasmodium,
com um complexo ciclo de vida, alternando entre animais vertebrados e mosquitos, sendo que das
quatro espécies que infectam os humanos, P. falciparum, P. vivax, P. ovale e P. malariae, a primeira é
a responsável pelas formas mais graves de doença. Estes parasitas são transmitidos ao homem pela
picada de mosquitos infectados, que os injectam com a sua saliva.
Pelo que sabemos, não existe actualmente nenhuma espécie de mosquito capaz de transmitir a malária
na ilha da Madeira. Contudo o clima actual no Porto Santo é, por si só, conducente à sobrevivência dos
anofeles e ao desenvolvimento dos plasmódios. Ora como não há casos locais de malária relatados, a
população local de mosquitos não se deve encontrar infectada com parasitas de malária. Assim, o
actual risco potencial de contrair malária na ilha do Porto Santo é muito baixo.
Os cenários climáticos indicam que o clima na RAM se tornará mais favorável ao desenvolvimento dos
plasmódios e à sobrevivência dos anofeles, sendo assim favorecida a transmissão da malária. Se não
estiverem presentes vectores infectados, o risco potencial de contrair a malária deverá manter-se
muito baixo para Porto Santo e insignificante para a ilha da Madeira. Contudo, se se viesse a verificar a
introdução na região de uma população de mosquitos infectados o risco potencial de contrair a malária
aumentaria para baixo-médio em ambas as ilhas.
Febre do Nilo Ocidental
O agente responsável pela febre do Nilo Ocidental é um flavivírus. Trata-se de uma infecção
assintomática em 80% dos casos, ou que pode originar uma doença semelhante a uma síndroma gripal,
mas cujas manifestações mais graves podem progredir para uma meningo-encefalite que pode ser
fatal. Os reservatórios destes vírus na natureza são vários tipos de aves, que não sucumbem ao vírus,
mantendo-o em circulação o tempo suficiente para que os mosquitos se infectem ao picá-las e depois
os transmitam ao homem e ao cavalo (que também pode ser fatalmente afectado).
Estudos recentes confirmam a presença de duas espécies de mosquitos (Culex pipiens, Culex theileri)
reconhecidas como vectores de diversos arbovírus (incluindo o vírus da febre do Nilo Ocidental) na
Europa e em outros continentes, mas não se detectou o vírus da febre do Nilo Ocidental nos mosquitos
recolhidos. Considerando que a RAM é um santuário para aves migratórias, os programas de vigilância
epidemiológica são da máxima importância.
A temperatura ambiente tem um papel muito importante na transmissão destas doenças, afectando
quer os vírus quer os mosquitos. As actuais temperaturas na Madeira são favoráveis à sobrevivência de
Cx. pipiens, com especial incidência durante o período de Novembro a Junho. Mas é razoável concluirse que o risco actual de contrair a febre do Nilo Ocidental na ilha da Madeira é muito baixo.
É provável que o período de sobrevivência do mosquito venha a diminuir em cenários climáticos futuros
(ver Figura 79) mas uma vez que esta alteração ocorre nos meses em que a sobrevivência é já menos
favorável para os adultos, não são esperadas alterações no risco da doença.
92
O risco pode no entanto aumentar se forem introduzidas populações de mosquitos e hospedeiros
infectados (cavalos, pássaros).
100
79
90
% dias favoráveis por mês
80
70
60
50
40
30
20
10
0
J
F
M
Controlo
A
M
A2 (2040-69)
J
J
A2 (2070-99)
A
S
B2 (2040-69)
O
N
D
B2 (2070-99)
Número de dias adequados para o desenvolvimento de Cx. pipiens na ilha da Madeira.
Agentes de doença transmitidos por flebótomos
Leishmaniose
As leishmanioses constituem um grupo de doenças infecciosas causadas por um protozoário do género
Leishmania. Os protozoários são transmitidos a partir de reservatórios animais aos seres humanos pela
picada das fêmeas de insectos do género Phlebotomus e Lutzomyia. Estudos indicam a presença de
Phlebotomus sergenti na ilha da Madeira. Este vector é capaz de transmitir a Leishmania trópica ao
homem, que produz a leishmaniose cutânea. Presentemente não existe qualquer registo local de casos
de leishmaniose na RAM. É desconhecida a taxa de animais reservatórios e de flebótomos infectados
com L. trópica. O actual risco de transmissão de leishmaniose é considerado muito baixo, ou baixo se
houver animais reservatórios ou flebótomos infectados.
Sabe-se que a distribuição das espécies de flebótomos é extremamente dependente das condições
ambientais. Estudos laboratoriais demonstraram que os flebótomos são sensíveis às temperaturas
extremas e à humidade baixa. Os resultados do presente estudo (ver Figuras 80 e 81) indicam que o
clima actual na ilha da Madeira é apropriado para a sobrevivência do flebótomo durante MaioNovembro, e que há aumento de períodos de temperaturas favoráveis para todos os cenários climáticos
futuros, com alargamento dos meses com temperaturas favoráveis. As alterações climáticas aumentam
o risco de transmissão de leishmaniose cutânea para o nível baixo-médio. No entanto, se as populações
de animais reservatórios ou de flebótomos na RAM se mantiverem não infectadas com L. trópica, o
risco de transmissão para o homem deverá permanecer num nível muito baixo.
3
100
90
2.5
70
Risco de transmissão
% dias favoráveis por mês
80
60
50
40
30
2
1.5
1
20
0.5
10
0
J
F
M
A
M
J
J
A
S
O
N
D
0
Actual
Controlo
80
A2 (2040-69)
A2 (2070-99)
B2 (2040-69)
Actual + Introdução
Futuro
Futuro + Introdução
B2 (2070-99)
Risco de transmissão de leishmaniose cutânea
81
93
Número de dias por mês adequados para o
desenvolvimento de flebótomos na ilha da Madeira
na ilha da Madeira.
(0.5 = muito baixo, 1 = baixo, 2 = médio, 3 = alto).
Agentes de doença transmitidos por carraças
A RAM possui condições climáticas e uma flora e fauna favoráveis à existência de diversas espécies de
ixodídeos (carraças), com capacidade para transmitir vários agentes patogénicos aos humanos.
Doença de Lyme
A doença de Lyme é causada por uma espiroqueta (bactéria) designada, inicialmente, por Borrelia
burgdorferi. A doença tem manifestações dermatológicas características, podendo afectar também os
sistemas nervoso e musculoesquelético e, mais raramente, o coração.
A carraça I. ricinus é reconhecida como o vector-competente principal na transmissão dos agentes da
doença de Lyme. Está presente em toda a ilha da Madeira e é aliás a carraça com maior densidade. A
população de I. ricinus na RAM está infectada por diversas espécies de borrelia que são patogénicas
para os humanos, incluindo B. afzelii, B. burgdorferi s.s. , B. garinii, B. lusitaniae e B. Valaisiana. Na
região há diversos hospedeiros tais como pássaros, pequenos mamíferos, gado, gatos, e cães nos quais
a carraça se pode alimentar. Os ratos parecem ser o principal reservatório de hospedeiros. Os seres
humanos são hospedeiros acidentais. O lagarto das paredes (Podarcis dugesii) é frequentemente
parasitado pela I. ricinus, mas uma vez que a bactéria não sobrevive no seu interior, este animal acaba
por inibir a dispersão do agente, reduzindo assim o risco de transmissão aos seres humanos.
Os dados existentes não indicam a presença de casos da doença de Lyme na RAM. No entanto, existem
evidências serológicas que indicam a transmissão local da doença entre a população residente. Tendo
em conta que um número suficiente de hospedeiros e vectores competentes existem na região, é de
admitir que o actual risco de transmissão da doença ao Homem seja de nível médio.
O clima pode ter impacto na distribuição de I. ricinus e na sua actividade. As variações sazonais bem
documentadas nos padrões de actividade do vector são um exemplo excelente de como o seu número é
influenciado por circunstâncias climáticas. O actual clima da RAM é favorável à transmissão da doença
durante todo o ano (ver Figura 82), e não é de esperar uma diminuição no número de dias favoráveis a
essa transmissão. Como as actividades humanas no exterior irão provavelmente ser mais frequentes
num clima mais quente, isso irá aumentar o risco de exposição às carraças, levando o risco de
transmissão da doença de Lyme para um nível médio-alto (Figura 83).
Entretanto realça-se que a distribuição das carraças é também muito influenciada pela disponibilidade
de hospedeiros e tipo de utilização da terra e práticas agrícolas no futuro.
94
82
X. cheopis (SP)
R. sanguineus (M)
I. ricinus (M)
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
% dias favoráveis por ano
Controlo
A2 (2040-69)
A2 (2070-99)
B2 (2040-69)
B2 (2070-99)
Períodos favoráveis ao desenvolvimento de I. ricinus, R. sanguineus e X. cheopis na RAM.
(PS = Porto Santo, M = Ilha da Madeira)
3
83
Risco de transmissão
2.5
2
1.5
1
0.5
0
D. Lyme (M)
Actual
Anaplasmose (M)
Actual + Introdução
F. escaro-nodular (M)
Futuro
Tifo Murino (PS)
Futuro + Introdução
Risco de transmissão de doença de Lyme, anaplasmose, febre escaro-nodular e tifo murino na RAM.
(0.5 = risco muito baixo, 1 = risco baixo, 2 = risco médio, 3 = risco alto).
Anaplasmose
A anaplamose humana é uma doença febril não específica aguda, caracterizada por dores de cabeça,
desconforto e anormalidades hematológicas. O agente patogénico, Anaplasma phagocytophilum, é
transmitido ao seres humanos pela picada da carraça infectada.
Estudos recentes indicam que na ilha da Madeira estas carraças estão infectadas pelo Anaplasma
phagocytophilum. Considera-se o actual risco de transmissão de anaplasmose na RAM como sendo
baixo. Tal como no caso da doença de Lyme, as alterações climáticas não deverão diminuir este risco
de transmissão, podendo mesmo provocar o seu aumento para um nível baixo-médio se o contacto com
as carraças infectadas for favorecido por maiores permanências das populações no exterior.
Febre escaro-nodular
A febre escaro-nodular (FEN), também denominada por febre botonosa, é uma doença endémica em
Portugal. O seu agente é a bactéria Rickettsia conorii. A FEN tem uma sazonalidade estival, ocorrendo
principalmente no Verão, pois coincide com a ocorrência de condições climáticas mais favoráveis à
actividade e ao desenvolvimento do ciclo de vida do Rhipicephalus sanguineus, o vector da doença.
Esta carraça está intimamente associada ao cão. O risco de transmissão actual de FEN na RAM é médio.
Verifica-se que o clima actual da RAM é favorável para a sobrevivência da carraça e que as alterações
climáticas na região não irão mudar esta situação. Considerando que o contacto com as carraças
95
infectadas será favorecido por permanências mais longas das pessoas no exterior, um clima mais
quente poderá aumentar o nível do risco de transmissão da FEN, na RAM, para médio-alto.
Agentes de doenças transmitidos por pulgas
Uma vez que as pulgas vivem nos ninhos de hospedeiros (como os dos ratos ou casas dos humanos), são
menos sensíveis às condições climáticas que outros vectores mencionados. A pulga pode transmitir
vários agentes patogénicos aos seres humanos. Das doenças transmitidas por pulgas, a peste causada
por Yersina pestis, e o tifo murino envolvendo o agente patogénico Rickettsia typhi são actualmente as
infecções com maior impacto na Saúde Pública e mais preocupantes para a RAM.
Tifo Murino
O tifo murino é uma doença infecciosa com um quadro clínico de síndroma febril e lesões vasculares. A
doença é considerada um problema grave de Saúde Pública nos países em vias de desenvolvimento, e é
geralmente endémica nos portos de mar e em áreas costeiras de todos países (desenvolvidos e em vias
de desenvolvimento). O pico de ocorrência acontece no Verão.
Na RAM houve um surto de tifo murino em Porto Santo em 1996 associado à pulga Xenopsylla cheopis.
Esta pulga é um parasita de diversas espécies de mamíferos, incluindo Rattus norvegicus e Rattus rattus
(roedores) e os seres humanos. A Rickettsia typhi é transmitida ao homem pela picada de pulgas
infectadas ou pela contaminação do local da picada pelas suas fezes. Os aerossóis contendo fezes
infectadas com R. typhi são outra via de contágio do homem.
A temperatura ambiente tem um grande efeito sobre o crescimento de Rickettsia typhi em pulgas.
Existem também evidências de que a densidade populacional do parasita está correlacionada com a dos
seus hospedeiros, nomeadamente os ratos - e esta é também influenciada por alterações no clima.
O risco actual de transmissão do tifo murino em humanos é considerado baixo, uma vez que não
existem casos reportados desde o surto de 1996. O clima actual em Porto Santo é propício ao
desenvolvimento da X. cheopis em aproximadamente metade do ano. Espera-se que um clima mais
quente na região aumente o número de dias favoráveis ao desenvolvimento das pulgas (ver Figura 84),
que deverá ser mais significativo na Primavera e Inverno. Prevê-se assim que o risco de transmissão de
tifo murino aos seres humanos possa aumentar para um nível médio.
100
90
84
% dias favoráveis por mês
80
70
60
50
40
30
20
10
0
J
F
M
A
Controlo
M
J
J
A2 (2070-99)
A
S
O
N
D
B2 (2070-99)
Número de dias por mês adequados para o desenvolvimento da pulga X. cheopis em Porto Santo.
Doenças transmitidas por roedores
As doenças associadas aos roedores são transmitidas ao Homem por contacto directo com as fezes e
líquidos orgânicos daqueles animais, enquanto reservatórios de agentes patogénicos. A transmissão é
influenciada quer por actividades que envolvem risco de contágio com os roedores ou as suas
96
excreções, quer pelo aumento da respectiva densidade populacional. Esta decorre da capacidade de
sobrevivência destes animais face à disponibilidade de recursos (alimentares) e à ocorrência de certos
eventos climáticos, tais como acentuada precipitação ou seca. Na RAM, destacam-se actualmente a
leptospirose e a febre hemorrágica com insuficiência renal, como as mais prevalecentes de entre as
doenças transmitidas por roedores; foi possível neste estudo abordar a primeira.
Leptospirose
A leptospirose é causada por espiroquetas do género Leptospira e, em regra, caracteriza-se como uma
doença benigna, em que a febre elevada, calafrios, mialgias difusas, cefaleias, náuseas e vómitos são
as manifestações mais frequentes na fase inicial. No entanto, pode evoluir para uma segunda fase
clínica, com agravamento da icterícia e da função renal, reconhecida como “Síndrome de Weil”.
Entre 1996 e 2000 foram notificados no total da RAM uma média anual de 10 casos de leptospirose, com
maior frequência no Outono e Inverno; mas admite-se que a verdadeira taxa de prevalência esteja
subestimada. Os surtos epidémicos de doença ocorrem, em regra, quando há chuva intensa, uma vez
que o solo e a água potável ficam contaminados com a urina dos animais infectados.
A Figura 85 indica que o risco de transmissão de leptospirose é maior na ilha da Madeira do que na ilha
de Porto Santo. Os meses entre Novembro e Janeiro são os que apresentam os maiores valores diários
de precipitação e, portanto, o maior risco de transmissão. Ora, para ambas as ilhas, as alterações
climáticas poderiam reduzir este risco, dada a diminuição nos dias com precipitação extrema. Mas mais
uma vez, há que levar em conta que os modelos climáticos ainda não representam bem os fenómenos
extremos.
40
120
85
35
Nº de eventos em 30 anos
Nº de eventos em 30 anos
100
30
25
20
15
80
60
40
10
20
5
0
0
J
F
M
A
Controlo
M
J
J
A2 (2070-99)
A
S
O
B2 (2070-99)
N
D
J
F
Controlo
M
A
A2 (2040-69)
M
J
J
A2 (2070-99)
A
S
B2 (2040-69)
O
N
D
B2 (2070-99)
Frequência de dias com precipitação superiores a 10 mm/dia em Porto Santo (à esq.) e Madeira (à dir.).
97
A Saúde Humana reflecte o estado dos ambientes natural e socio-económico das
comunidades. Alterações ligeiras do clima podem resultar em impactos significativos
da saúde na população local.
Impactos sobre a mortalidade associada às ondas de calor e as doenças associadas
com ozono troposférico na RAM parecem prováveis mas não puderam ser objectivamente confirmados com os dados disponíveis.
Os maiores impactos encontrados dizem respeito aos riscos de transmissão de
doenças por vectores e roedores. É digno de nota que o comércio global e o
turismo podem introduzir novos vectores e patogénicos na RAM, sendo que as
condições climáticas favoráveis, actuais e futuras, podem em geral facilitar a
sobrevivência destes agentes e assim aumentar o risco de transmissão. A RAM tem um
longo historial destes eventos, sendo o mais recente a introdução do mosquito Aedes
aegypti, vector da dengue e da febre-amarela. O aumento do risco de contrair
estas doenças pode tornar-se uma preocupação para o sector do Turismo.
Equipa e Autores no Relatório Final
Elsa Casimiro
Instituto D. Luiz – SIM e INFOTOX – Consultores de Riscos Ambientais e Tecnológicos
Paulo Nogueira
ONSA – Instituto de Saúde Dr. Ricardo Jorge
Tiago Lourenço
Instituto D. Luiz – SIM
Sofia Almeida
Instituto D. Luiz – SIM
Agradecimentos
Secretaria Regional do Ambiente e Recursos Naturais da Madeira
Secretaria Regional dos Assuntos Sociais da Madeira
Instituto de Meteorologia
A. Antunes, C. Alves-Pires, J. Calheiros, R. Capela, M. Collares-Pereira, F. Ferreira
G. Freitas, M. Loureiro, M.S. Núncio, M. Santa-Ana, A.S. Santos, R. Sousa, R. Vares
(apoio e disponibilização de dados)
98
Turismo
Os potenciais impactos negativos das alterações climáticas sobre o Turismo na RAM
centram-se sobre a influência do clima em factores como o conforto térmico dos
visitantes, o risco de transmissão de doenças infecciosas e o risco de desastres naturais.
Outros impactos como a degradação da qualidade do ar e dos recursos hídricos, ou a
perda da beleza natural da região, não parecem apresentar a mesma vulnerabilidade às
alterações climáticas em termos de atractividade turística.
Os impactos sobre o conforto térmico dos turistas na RAM deverão evoluir no sentido
de os turistas provenientes do Reino Unido e Alemanha, principais mercados emissores
para a região, bem como de Portugal e França, poderem diminuir a sua preferência
pelos meses mais quentes, ampliando contudo ainda mais as visitas no Inverno,
Primavera e Outono.
Aumentos no risco de transmissão de doenças infecciosas tropicais, associados a
uma maior incidência destas doenças na população local, poderão ter um efeito muito
negativo na imagem da região como destino turístico. Por outro lado, o próprio sector
turístico tem uma grande importância neste contexto, uma vez que poderá potenciar a
introdução de espécies de vectores contaminados pela doença através, por exemplo, de
navios de cruzeiro ou transporte de mercadorias, o que requer pois uma estreita
colaboração entre as entidades responsáveis pelos sectores do Turismo e Saúde.
Embora a posição geográfica da RAM seja uma mais-valia em termos de Turismo, ela
poderá tornar-se um óbice, se se concretizarem medidas de mitigação das alterações
climáticas que tendam a encarecer a energia usada nos transportes aéreos e em outros
equipamentos afectos ao sector turístico.
A importância do sector turístico na região engloba não só a vertente económica – estimando-se que o
Turismo seja actualmente responsável pela formação de cerca de um quarto do PIB regional – mas
igualmente uma forte componente social. Todo o desenvolvimento da região tem sido caracterizado,
nas últimas décadas, por um aproveitamento intensivo dos seus recursos humanos para actividades
ligadas aos sectores de serviços, com especial atenção para o Turismo. Conhecida internacionalmente
pela sua beleza natural, a RAM, e em especial a Ilha da Madeira, é actualmente um destino turístico
com uma presença muito forte no panorama Europeu, representando para Portugal uma mais-valia
muito importante para este sector.
É curioso que os estudos destinados ao impacto das alterações climáticas no Turismo – uma das maiores
indústrias a nível global – sejam tão escassos, uma vez que este tipo de actividade deverá receber
fortes impactos, devido à sua nítida ligação ao clima. Por outro lado, o Turismo é um dos sectores com
maior intensidade de emissões de gases com efeito de estufa, dada a sua dependência em viagens de
longa distância e elevado conforto, pelo que poderá ser um alvo privilegiado para medidas de
mitigação.
99
Caracterização do Sector Turístico
A influência do sector turístico numa dada região está sempre condicionada ao crescimento de uma
variedade de factores, dos quais se destacam a um nível local, a capacidade (oferta) de alojamento e a
qualidade dessa oferta, e a um nível global, as conjunturas económica e social mundiais (segurança,
destinos alternativos).
Em 2003 o sector do alojamento e restauração correspondia a 8,2% do total de emprego efectivo na
RAM. No entanto, este valor apenas se poderá analisado como o directamente gerado ao nível das
unidades turísticas, e terá quer ser considerado no conjunto global do sector designado por “serviços”,
que corresponde a aproximadamente 70% do emprego total da RAM.
A Figura 87 apresenta a evolução no número de dormidas e proveitos totais para o período 1995-2004,
na RAM. A procura turística foi caracterizada por um crescimento contínuo ao longo dos últimos anos,
pelo menos até 2004, acompanhado por uma igual evolução dos proveitos totais na região. A taxa de
crescimento do sector foi extremamente positiva até 2001, ano a partir do qual o Turismo mundial se
3
150
2
100
1
50
0
0
20
03
20
02
20
00
19
98
20
04
200
20
01
4
19
99
250
19
97
5
Milhões
Proveitos totais
Proveitos totais (EURO)
300
Dormidas
19
95
Dormidas (nº)
87
6
19
96
Milhões
ressentiu dos ataques de 11 de Setembro nos EUA.
Evolução do número de dormidas eAproveitos totais na RAM.
Fonte: DREM
Note-se que a ilha de Porto Santo possui características completamente diferentes da ilha da Madeira –
mar, sol e praia – tornando-o assim num pólo de atracção turística diferenciado no contexto da região.
Em termos de quotas de mercado turístico na RAM, ou seja, de proveniência dos turistas por país de
residência, a Figura 88 representa a distribuição média na cidade do Funchal e em Porto Santo, para o
período 2002-2004.
100
100
2002-2004
2002-2004
80
Dormidas (%)
Dormidas (%)
80
60
40
33,4
20
15,8
75,6
60
40
20
13,4
10,8
4,7
4,6
3,2
3,2
3,1
2,7
2,3
1,4
1,2
1,1
0,7
0,5
0,4
0,4
0,2
Quotas de mercado por país de origem: Funchal (esq.) e Porto Santo (dir.).
us
tri
a
or
ue
ga
Fi
nl
ân
di
a
N
Á
in
am
ar
ca
D
ha
Su
éc
ia
Es
pa
n
Fr
an
ça
A
le
m
an
ha
Re
in
o
U
ni
do
Pa
íse
sB
ai
xo
s
Po
rtu
ga
l
ia
ga
us
tr
Á
a
gi
c
N
or
ue
Bé
l
m
ar
ca
D
in
a
a
nh
Es
pa
Ba
ix
os
a
éc
i
ça
Pa
íse
s
Su
Fr
an
nd
ia
nl
â
Fi
rtu
g
Po
le
m
an
h
a
al
0
A
Re
i
no
U
ni
do
0
88
5,0
1,5
0,1
Bé
lg
ic
a
5,9
Fonte: INE
O concelho de Porto Santo, ao contrário do Funchal e mesmo da RAM no seu conjunto, apresenta uma
presença muito superior de turistas nacionais, incluindo da ilha da Madeira – os habitantes desta ilha
aproveitam Porto Santo como destino turístico. Outra diferença significativa reside nos mercados do
100
Norte da Europa – Finlândia, Suécia e Noruega – que tendo uma posição importante na ilha da Madeira,
ocupam uma posição praticamente residual em Porto Santo.
Clima, Alterações Climáticas e Turismo
As implicações das alterações climáticas sobre o sector turístico são diversas e complexas. O Turismo –
uma das maiores indústrias a nível global – é por um lado dependente do clima e das condições
meteorológicas e por outro, um dos principais responsáveis pelas alterações climáticas globais, através
do transporte aéreo e de padrões de consumo energético muito elevados.
Existe uma evidência clara de uma grande influência do clima sobre o Turismo da RAM. Tanto a
distribuição mensal dos turistas na RAM como a opinião por eles expressa em inquéritos, além de
confirmarem esta ideia, apresentam mesmo o clima e a sua influência no sistema físico-natural da
região, como o principal factor de atracção pelas ilhas da Madeira e de Porto Santo.
A Figura 89 representa a distribuição mensal de dormidas para os mercados emissores considerados
neste estudo. São apresentadas as distribuições para o Funchal (1995-2004) e Porto Santo (2002-2004).
35
35
30
30
25
25
Dormidas (%)
Dormidas (%)
89
20
15
20
15
10
10
5
5
0
0
Jan
Fev
Mar
Abr
Mai
Jun
Jul
Ago
Set
Out
Nov
Dez
Jan
Fev
Mar
Abr
Mai
Reino Unido
Alemanha
Portugal
Jun
Jul
Ago
Set
Out
Nov
Dez
Mês
Mês
Finlância
França
Reino Unido
Alemanha
Portugal
Distribuição média mensal por mercado emissor: Funchal (esq.) e Porto Santo (dir.).
Finlândia
França
Fonte: INE
Portugal e França apresentam uma distribuição de pico. No caso dos portugueses, tanto para o Funchal
como para Porto Santo, a estação dominante é o Verão; enquanto que para o caso francês se divide
pela Primavera (Funchal) e Verão (Porto Santo). Os turistas provenientes da Finlândia distribuem-se de
forma bimodal, centrando a sua preferência nos meses de Primavera e Outono. No caso do mercado
inglês e alemão, estes apresentam uma distribuição quase constante durante o ano.
Resultados de um inquérito realizado com o objectivo de avaliar a satisfação dos Turistas que visitam a
RAM referem que a principal razão da sua escolha de destino foi, em aproximadamente 58% dos casos,
a beleza/paisagem da região; para cerca de 15%, o clima; seguem-se outros motivos como as flores, o
preço e a segurança. Este estudo, dividido em duas estações turísticas, Verão (Abril a Setembro) e
Inverno (Outubro a Março), refere resultados idênticos independentemente da estação considerada.
Quando confrontados com uma pergunta aberta (resposta não condicionada) sobre o que mais tinham
gostado na sua visita à região, os principais factores apontados foram: paisagem/cenário (33,8%); clima
(18,1%); flores (13,4%); natureza (8,6%); simpatia das pessoas (6,8%); condições atmosféricas / tempo
(5,6%); as pessoas (5,2%); beleza da ilha (4,6%); passeios a pé/caminhadas (4,3%) e flora / vegetação /
botânica (3,7%). Destes dez principais factores apontados, pelo menos oito poderão ser considerados
como passíveis de sofrerem algum tipo de influência directa do sistema climático – e como tal
susceptíveis de serem modificados por alterações climáticas na região. Note-se que as questões ligadas
à saúde humana não foram consideradas pelo inquérito.
101
Conforto Térmico Exterior
O conforto térmico exterior afecta o bem-estar e a saúde humana. Através da utilização de índices
bioclimáticos como o PET (Physiological Equivalent Temperature), torna-se possível definir o conceito
de conforto térmico e dessa forma modelar e prever que características climáticas melhor se
enquadram na preferência dos turistas que visitam uma região ou local. A Figura 90 analisa a
composição climática dos meses de preferência dos turistas de cada um dos principais mercados
emissores, para o Funchal e Porto Santo.
100
90
90
80
Nº Dias (%)
70
61
61
60
50
50
40
34
37
39
38
31
28
30
28
23
20
16
11
10
7
7
5
11
5
5
1
1
0
Reino Unido
Alemanha
Portugal
Filândia
França
100
90
80
Nº Dias (%)
70
62
60
52
50
39
40
35
35
30 31
29
30
27
24
23
26
18
20
10
10
10
6
4
2
18
10
1
1
2
2
0
Reino Unido
Alemanha
Portugal
Filândia
França
País de Residência
Stress moderado (frio)
Stress ligeiro (frio)
Conforto
Stress ligeiro (calor)
Stress moderado (calor)
Stress forte (calor)
Distribuição do número de dias por nível de conforto para um “mês-tipo” de referência
de cada mercado emissor: Funchal (em cima); Porto Santo (em baixo).
É possível verificar que também em relação à preferência de um dado perfil de conforto térmico
parece existir uma divisão dos mercados em três grupos. O primeiro será composto por Portugal e
França e apresenta uma preferência por níveis mais elevados de stress térmico por calor. A Finlândia
apresenta uma preferência por níveis de conforto térmico na zona do conforto/ligeiro stress por frio.
Já o mercado inglês e alemão são mais indefinidos nas suas preferências.
A estrutura de preferência climática mantém-se entre o Funchal e Porto Santo, à excepção do mercado
finlandês que, em Porto Santo terá mais apetência por níveis mais frios de conforto térmico.
Funchal / Ilha da Madeira
A Figura 91 apresenta a distribuição mensal de dias para cada nível do índice de conforto térmico PET,
no Funchal, para a situação de controlo (1970-99) e para os dois períodos temporais futuros (2040-69 e
2070-99), no cenário A2. Há 3 meses (Julho, Agosto e Setembro) com aproximadamente 50% dos dias
em níveis elevados de stress térmico por calor, representando um período no qual os turistas estão sob
continuada sensação de calor.
102
100
91
Stress moderado (frio)
Stress ligeiro (frio)
Conforto
Stress ligeiro (calor)
Stress moderado (calor)
Stress forte (calor)
Stress extremo (calor)
90
80
Nº Dias (%)
70
60
50
40
30
20
10
ez
D
N
ov
ut
O
Se
t
A
go
Ju
l
n
Ju
ai
M
A
br
ar
M
Ja
n
Fe
v
0
controlo
100
A2
90
Stress ligeiro (frio)
Conforto
Stress ligeiro (calor)
Stress moderado (calor)
Stress forte (calor)
Stress extremo (calor)
80
Nº Dias (%)
70
60
50
40
30
20
10
D
ez
N
ov
ut
O
Se
t
A
go
Ju
l
n
Ju
M
ai
A
br
ar
M
Fe
v
Ja
n
0
2040-69
100
A2
90
Stress ligeiro (frio)
Conforto
Stress ligeiro (calor)
Stress moderado (calor)
Stress forte (calor)
Stress extremo (calor)
80
Nº Dias (%)
70
60
50
40
30
20
10
ez
D
N
ov
ut
O
Se
t
A
go
Ju
l
n
Ju
ai
M
A
br
ar
M
Fe
v
Ja
n
0
2070-99
Distribuição do número mensal de dias por nível de stress térmico, para o Funchal.
As condições apresentadas no Funchal – mas que poderão ser extrapoladas para toda a ilha da Madeira –
confirmam um clima de características semi-tropicais, com valores bastante constantes de temperatura
e humidade a produzirem invernos temperados e verões quentes. Como já foi mencionado, os
mercados português e francês concentram as suas visitas na época quente enquanto que o mercado
nórdico o faz na época mais fresca. Ingleses e alemães parecem não considerar o efeito de conforto
térmico na sua escolha.
Em relação ao futuro, ambos os cenários prevêem um aumento da duração da época quente, ainda que
não de forma drástica. No final do século, no cenário A2 nenhum mês apresentará mais de 30% de dias
na gama de conforto. Nos meses mais quentes prevê-se um aumento no número de dias com valores
extremos de stress térmico podendo esse aumento, ser na ordem dos 15% em Julho e Agosto.
Os cenários apresentados indicam para o final do século uma redução na percentagem de dias com
stress por frio, na época de Inverno, e um aumento nos dias muito quentes entre Maio e Outubro;
podendo mesmo, entre Junho e Setembro, conduzir a níveis de conforto térmico insuportáveis para
certos mercados emissores (países nórdicos) e alguns grupos de turistas (idosos, pessoas com problemas
103
respiratórios ou cardíacos). Associado a um aquecimento a nível global com efeitos sobre os países mais
representativos dos turistas da RAM, isso significaria uma alteração importante na dinâmica do Turismo
na região, mudando as preferências e condições oferecidas.
O Quadro VIII sintetiza os resultados do estudo, agrupando os mercados emissores por tipo de
distribuição anual. A reacção de cada mercado emissor às alterações no conforto térmico na ilha da
Madeira é apresentada simbolicamente em relação ao período de controlo. Esta análise não leva em
linha de conta potenciais alterações climáticas ou sócio-económicas nos países de origem dos turistas,
sendo exclusivamente baseada nas preferências dos visitantes por um certo nível de conforto térmico.
A2
Funchal
Mercado Emissor de Turistas
VIII Resposta dos mercados emissores a alterações no conforto térmico humano, para o Funchal.
2040-2069
2070-2099
J
F
M
A
M
J
J
A
S
O
N
D
J
F
M
A
M
J
J
A
S
O
N
D
UK/DE ↑
↑
↑
=
=
↓
↓
↓
↓
=
=
↑
↑
↑
↑
=
↓
↓
↓
↓
↓
↓
=
↑
PT/FR
=
=
=
=
=
=
=
=
=
=
=
=
↑
↑
↑
=
=
↓
↓
↓
↓
=
↑
↑
FI
↑
↑
↓
↓
↓
↓
↓
↓
↓
↓
=
↑
↑
↑
↓
↓
↓
↓
↓
↓
↓
↓
↓
↑
Ilha de Porto Santo
A Figura 92 apresenta para a ilha de Porto Santo uma análise em tudo semelhante à executada para o
Funchal. A ilha de Porto Santo apresenta 4 meses (Julho a Outubro) com mais de 50% dos dias em níveis
de stress térmico ligeiro por calor. Ao contrário da ilha da Madeira, Porto Santo apresenta uma
estrutura climática, em termos de conforto térmico, mais próxima dos climas continentais, com as
quatro estações anuais melhor definidas. Os meses de Verão não apresentam valores elevados ou
extremos de índice de stress térmico, indicando para esta estação um clima mais fresco que no Funchal
em termos de percepção térmica. De Dezembro e Março, há uma elevada percentagem (entre 65% e
80%) de dias na gama de stress ligeiro por frio.
As preferências climáticas dos mercados emissores para Porto Santo são semelhantes às encontradas na
ilha da Madeira. No entanto, há um ligeiro aumento da procura nos meses de Julho, Agosto e
Setembro, para os mercados português e francês e um aumento significativo (15%) em Novembro, para
o mercado finlandês. Os padrões turísticos na ilha de Porto Santo estão ainda extremamente ligados
aos encontrados na ilha da Madeira uma vez que, apesar das características de oferta diferentes, a ilha
de Porto Santo é muitas vezes considerada como um complemento de uma visita à principal ilha da
RAM.
104
100
92
Stress moderado (frio)
Stress ligeiro (frio)
Conforto
Stress ligeiro (calor)
Stress moderado (calor)
Stress forte (calor)
90
80
Nº Dias (%)
70
60
50
40
30
20
10
ez
D
N
ov
ut
O
Se
t
A
go
Ju
l
n
Ju
ai
M
A
br
ar
M
Fe
v
Ja
n
0
controlo
100
A2
90
Stress ligeiro (frio)
Conforto
80
Stress ligeiro (calor)
Stress moderado (calor)
Nº Dias (%)
70
Stress forte (calor)
60
50
40
30
20
10
ez
D
N
ov
ut
O
Se
t
A
go
Ju
l
n
Ju
ai
M
A
br
ar
M
Fe
v
Ja
n
0
2040-69
100
A2
Stress ligeiro (frio)
90
Conforto
Stress ligeiro (calor)
80
Stress moderado (calor)
Nº Dias (%)
70
Stress forte (calor)
60
50
40
30
20
10
D
ez
N
ov
ut
O
Se
t
A
go
Ju
l
n
Ju
M
ai
A
br
ar
M
Fe
v
Ja
n
0
2070-99
Distribuição do número mensal de dias por nível de stress térmico, para Porto Santo.
Para o futuro, ambos os cenários climáticos parecem indicar alterações mais pronunciadas em Porto
Santo que no Funchal, e a ter lugar mais cedo. O cenário A2 prevê uma subida de cerca de um nível de
stress logo em meados do século. Assim, para os meses entre Dezembro e Março espera-se uma
alteração de cerca de 45% de dias na gama do stress ligeiro por frio para um nível confortável,
enquanto que entre Julho e Setembro espera-se uma variação de cerca de 50% dos dias, que passarão
da zona de stress ligeiro por calor para stress moderado.
Estes resultados traduzem-se numa perspectiva de os meses entre Novembro e Abril apresentarem,
tanto para 2040-69 como mais para o final do século, cerca de 50% dos dias no nível PET de conforto.
Num cenário A2, será de esperar que os meses entre Julho e Setembro (Verão) apresentem entre 50% a
70% de dias na gama de stress moderado por calor e os meses de Maio, Junho e Outubro, entre 55% a
65% de dias de stress ligeiro por calor. Em relação aos níveis fortes a extremos de stress térmico os
cenários não são muito preocupantes.
Os resultados observados indicam que os possíveis impactos sobre os fluxos turísticos em Porto Santo –
tendo em consideração o facto de este ser um destino de sol, praia e mar – não revelam uma
105
diminuição significativa das condições de conforto térmico, indiciando mesmo um aumento dos meses
favoráveis a este tipo de turismo. O mercado de Inverno apresenta também perspectivas favoráveis
relativamente a esta época do ano. O Quadro IX sintetiza os resultados do estudo, agrupando os
mercados emissores por tipo de distribuição anual.
Resposta dos mercados emissores a alterações no conforto térmico humano, em Porto Santo.
A2
P. Santo
Mercado Emissor de Turistas
IX
J
F
M
A
M
J
J
A
S
O
N
D
J
F
M
A
M
J
J
A
S
O
N
D
UK/DE
↑
↑
↑
↑
↑
↓
↓
↓
↓
=
↑
↑
↑
↑
↑
↑
=
↓
↓
↓
↓
↓
↑
↑
PT/FR
=
=
↑
↑
↑
=
=
=
=
↑
↑
=
=
=
↑
↑
↑
↑
=
=
=
↑
↑
=
FI
↑
↑
=
=
↓
↓
↓
↓
↓
↓
↓
↑
↑
↑
=
=
↓
↓
↓
↓
↓
↓
=
↑
2040-2069
2070-2099
Risco de Transmissão de Doenças Infecciosas Transmitidas por Vectores
Uma das razões de atracção da RAM como destino turístico reside no facto de, devido à sua
localização, a ilha da Madeira oferecer ao turista o melhor de dois mundos: um clima de características
tropicais exóticas que, pertencendo à União Europeia, apresenta padrões sociais, de saúde e segurança
de uma nação desenvolvida. Ora, uma vez que as doenças transmitidas por mosquitos (e outros
vectores) estão normalmente associados a sinais de subdesenvolvimento, a potencial ocorrência de
casos de malária ou dengue poderia prejudicar a imagem internacional da região e consequentemente
a sua indústria turística.
O potencial impacto das alterações climáticas no risco de transmissão de doenças infecciosas
transmitidas por vectores foi avaliado na secção Saúde Humana. Recorda-se que estes resultados
indicam um aumento no risco de transmissão de doenças infecciosas transmitidas por mosquitos tais
como a dengue, a febre-amarela, a malária e a febre do Nilo Ocidental e ainda de outras doenças
infecciosas transmitidas por carraças (febre escaro-nodular) e por pulgas (tifo murino).
Certas actividades turísticas como acampar, observação de aves, pesca e caça são susceptíveis de
aumentar a exposição de turistas a vectores, elevando o risco de transmissão de doenças como a
malária, a febre do Nilo Ocidental, a leishmaniose, a doença de Lyme e a anaplasmose. Por outro lado,
o risco de transmissão de doenças como a dengue e a febre-amarela é maior em ambientes urbanos.
De salientar ainda que um clima mais quente aumenta não só o risco de transmissão de doença mas
igualmente a frequência de picada de mosquitos e outros insectos, aumentando também desta forma o
desconforto do turista, bem como a sua percepção do risco associado.
Risco de Ocorrência de Desastres Naturais
Em relação aos desastres naturais na RAM e tendo em consideração os resultados sectoriais pertinentes
– nomeadamente Recursos Hídricos, Florestas e Biodiversidade – não se obtêem aumentos significativos
no seu risco de ocorrência para nenhum dos cenários considerados.
106
Se é certo que devido à sua orografia acentuada, a ilha da Madeira apresenta condições para a
ocorrência de deslizamentos de terras e inundações repentinas, especialmente associados a eventos de
precipitação intensa durante períodos curtos (2 a 3 horas), os dados e cenários existentes não indicam
que vá aumentar o risco de ocorrência deste tipo de desastres naturais.
Também, apesar de se esperar uma diminuição global da precipitação na região, isso não parece
colocar em risco o abastecimento de água ao sector turístico (ou às populações locais).
Há a considerar ainda o efeito da subida do mar sobre as marinas e portos, que desempenham um
papel importante no Turismo da região, visitada frequentemente por embarcações de cruzeiro e
outras. No entanto o ritmo de subida anual do nível do mar é muito pequeno e portanto, em princípio,
pode ser incorporado nas renovações e reconstruções normais.
Finalmente, há a considerar o risco de ocorrência de tempestades e inundações costeiras, mas também
aqui os dados existentes não possibilitam ainda uma análise conclusiva.
Efeitos dos Esforços de Mitigação das Alterações Climáticas
Numa perspectiva mais global, as modificações que se irão registar no Turismo mundial em
consequência das alterações climáticas poderão afectar também negativamente o sector na RAM se,
como se prevê, forem introduzidas taxas mais elevadas sobre a aviação para mitigação das emissões de
gases com efeito de estufa. Devido à sua posição geográfica, a RAM poderá tornar-se mais cara
comparativamente a mercados concorrentes.
Outro problema relacionado é o esperado aumento de consumos de energia para climatização de hotéis
e veículos, sob expectativas de energia fóssil cada vez mais cara, tanto por escassez própria como em
consequência dos esforços de mitigação de emissões, tal como já referido. Embora isso também deva
ocorrer em mercados concorrentes, no caso da Madeira o sobrecusto associado pode ser maior, dado o
abastecimento energético da ilha estar muito dependente de fontes distantes e os recursos energéticos
renováveis próprios serem bastante limitados, pelo menos com as tecnologias actuais.
Equipa e Autores no Relatório Final
Elsa Casimiro
Instituto D. Luiz – SIM e INFOTOX – Consultores de Riscos Ambientais e Tecnológicos
Tiago Lourenço
Instituto D. Luiz – SIM
Agradecimentos
Secretaria Regional do Ambiente e Recursos Naturais da Madeira
Instituto de Meteorologia
L. Jesus, S. Nóbrega, A. Matzarakis
(apoio prestado e disponibilização de dados regionais)
107
Medidas de Adaptação às Alterações Climáticas
Como se constata há dezenas de impactos sectoriais específicos, alguns benéficos para certas
actividades humanas e partes da biosfera, mas infelizmente muitos deles preocupantes e a exigir
medidas de adaptação activas. Assim, foram analisadas uma variedade de estratégias e opções para
essa adaptação, em vertentes variadas de investigação, monitorização, melhoria de regulamentos,
modificação de comportamentos, e aplicação de tecnologias.
Recursos Hídricos
A diminuição significativa do volume de água disponível para satisfação das necessidades e o provável
aumento das necessidades de água deverá passar a ser considerado nas estratégias e nas políticas de
gestão da água, abandonando o pressuposto tradicional da engenharia de que o clima histórico é ainda
um indicador credível das circunstâncias futuras. Além disso a maior parte das medidas de adaptação
aos impactos das alterações climáticas são virtuosas per se: os decisores estão perante decisões winwin, que propiciam benefícios independentemente do clima. Além do reforço da monitorização e dos
estudos de avaliação dos recursos hídricos, é urgente melhorar a eficiência da utilização da água no
abastecimento à população e no sector agrícola, combater as fugas e as perdas nas redes de
distribuição, aplicar um regime financeiro que promova um uso racional da água, desenvolver
esquemas de reutilização da água, incrementar a capacidade de amazenamento e de regularização,
podendo mesmo encarar-se, no quadro actual de redução de custos, a utilização de água dessalinizada.
Floresta
As medidas de adaptação deveriam integrar: a realização de um inventário florestal e ecológico das
espécies florestais na Madeira; investigação sobre o funcionamento dos ecossistemas característicos da
Laurissilva; fomento da utilização de espécies indígenas para a floresta de produção, aproveitando os
solos agrícolas abandonados e reconvertendo plantações de exóticas, sobretudo nas cotas mais
elevadas; maior rigor na escolha de espécies de proveniências exóticas; programas de melhoramento
para as espécies-chave a utilizar na florestação e medidas preventivas contra incêndios florestais nas
zonas mais susceptíveis (costa Sul), nomeadamente redes de vias de acesso e de corta-fogos.
Agricultura
108
A adaptação passa por quatro áreas principais: reforço do conhecimento, incluindo a sua transmissão
aos agentes; avanços agronómicos; avanços tecnológicos e incentivos finaceiros/económicos. Parte
destas medidas já se encontram em execução por parte das autoridades regionais, em particular as que
dizem respeito aos incentivos. As principais medidas deverão ser: melhoramento e investigação
agronómica para as culturas de maior importância; fomento da formação profissional agrícola e dos
serviços de extensão rural; reforço das redes de monitorização e alerta contra os riscos naturais;
ajustamento das datas das práticas agrícolas (fertilizações, mobilizações, regas, podas, etc.) e das
rotações culturais, em função das modificações na duração da estação de crescimento; utilização das
variedades mais aptas às novas condições climáticas; reconversão de explorações; mecanização e
aumento da eficiência de uso dos factores de produção, incluindo a água; promoção do investimento,
da eficiência dos mercados e apoios à reconversão agrícola.
Biodiversidade
Deverá ser feita uma revisão dos objectivos de conservação de modo a incluirem o impacto das
alterações climáticas. É necessária informação que permita a definição de instrumentos de
minimização adaptados a esta realidade. Os actuais limites dos SIC Maciço Montanhoso e Laurissilva,
bem como de outras áreas com outros estatutos de protecção, terão que ser questionados num futuro
próximo, devido às tendências migratórias dos ecossistemas sobre o impacto das alterações climáticas.
No que respeita a espécies, as decisões terão que ser revistas a nível particular. Algumas espécies e
habitats vão tender a perder-se e têm que ser analisadas e estabelecidades as prioridades de
conservação de cada uma das espécies mais vulneráveis: não faz sentido tentar conservar um habitat
ou uma espécie que não é sustentável. Neste contexto é importante a existência de comunicação e
parcerias com os Arquipélagos dos Açores, Canárias e Cabo Verde. Salienta-se o interesse em preservar
e aumentar a área de floresta na ilha da Madeira, como captadora de água do nevoeiro e importante
fonte de recarga dos aquíferos e das levadas da ilha, ajudando a colmatar a tendência de diminuição
de disponibilidades de água.
Energia
Há neste sector impactos potencialmente positivos em alguns tipos de energias renováveis que
facilitam o seu aproveitamento. Mas noutros casos, como a produção de hidroelectricidade, há que
promover uma cuidadosa monitorização, redução de desperdícios e reaproveitamento de água. Há
109
também um conjunto de impactos negativos onde a aplicação de estratégias de adaptação/mitigação
se impõe, quase todas consistindo na aplicação de tecnologias mais eficientes a edifícios e veículos, em
particular no que toca à climatização. Em primeiro lugar, a redução de perdas de transmissão
eléctrica, via tecnologias emergentes e micro-redes com produção distribuída. Em segundo lugar, uma
melhoria dos regulamentos energéticos para edifícios, nas vertentes de benchmarking, aplicação de
isolamentos, iluminação natural, etc. - aliás como tem vindo a ser feito, mas até agora ainda sem
integrar os efeitos das alterações climáticas, que contudo se desenrolam num período da mesma ordem
do ciclo de vida dos edifícios e da renovação do parque construído. Por último, o sector continua a ser
pródigo em soluções tecnológicas inovadoras, desde a domótica, a motores e equipamentos de mais
eficientes, e a novos materiais, que importa começar a aplicar em grande escala.
Saúde Humana
Entre os impactos das alterações climáticas na Saúde Humana avultam os riscos de transmissão de
doenças por vectores e roedores; porém, actualmente estas são também as vertentes onde existe
menos coordenação na vigilância, no controlo monitorizado e nos programas de prevenção. É pois
muito urgente e potencialmente muito eficaz a implementação de medidas de monitorização e de
investigação nesta área. Na vertente de qualidade do ar, o conhecimento é ainda muito insuficiente: é
recomendado que a qualidade do ar na RAM continue a ser estudada por instituições de saúde e de
ambiente, com a obtenção de séries temporais longas e de boa qualidade, dos níveis de O3 e
morbilidade diária na região. Só assim será possível compreender melhor a evolução da situação,
avaliar melhor os impactos e explorar as medidas preventivas, por exemplo sistemas de aviso precoce
às populações. Outras medidas de adaptação a tomar, aliás de carácter urgente mesmo no curto prazo,
que têm em vista reduzir a vulnerabilidade às doenças infecciosas estudadas, são a implementação de
programas de monitorização de parasitas e vectores, associados a programas de vigilância.
Turismo
Todos os aspectos e medidas sectoriais antes mencionadas são também importantes para manter a
apetência turística da RAM. Mas em particular são muito importantes as medidas que reduzam os riscos
de transmissão de doenças associadas a vectores. Em relação aos impactos das alterações climáticas
sobre o conforto térmico, as medidas de adaptação deveriam incluir: um esforço de marketing
diferenciado por tipo de mercado emissor e por época do ano; a generalização do uso de ar
condicionado correctamente aplicado, e ainda o desenvolvimento de programas de informação sobre os
efeitos do calor na saúde, dirigidos ao público em geral, turistas e agentes ligados ao sector.
110

Documentos relacionados